aÇÃo civil pÚblica de obrigaÇÕes de fazer e nÃo...
TRANSCRIPT
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA
DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA
REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA – PARANÁ.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
PARANÁ, por seus agentes adiante assinados, no uso de suas atribuições legais
junto à 1ª Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da Comarca da
Região Metropolitana de Curitiba/PR, vêm, perante Vossa Excelência,
embasado nos documentos que instruem esta petição inicial, bem como,
também, na Resolução sob nº 4027/2015, da d. Procuradoria-Geral de
Justiça do Estado do Paraná, com fundamento nos artigos 1º, inciso III, 127 e
129, todos da Constituição da República Federativa do Brasil, no artigo 25,
inciso IV, alíneas a e b, da Lei n.º 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público), no artigo 68, da Lei Complementar Estadual nº 85/1999, e nos artigos
1º e 5º, da Lei n.º 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), propor o presente pedido
de provimento jurisdicional de
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÕES DE FAZER
E NÃO FAZER, com pedido liminar
em desfavor de:
ESTADO DO PARANÁ, sob CNPJ nº 76.416.940/0001-
28, pessoa jurídica de direito público interno, tendo sua sede administrativa
1
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
situada na Praça Nossa Senhora de Salete s/nº, CEP 80530-909, Bairro Centro
Cívico, município e Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de
Curitiba, representado por sua Excelência o Governador Estadual CARLOS
ALBERTO RICHA, e, em juízo, pela Procuradoria-Geral do Estado, a quem
incumbe receber citações e intimações por meio eletrônico;
pelos fatos e fundamentos adiante explicitados:
1. COMPETÊNCIA
Cumpre aventar, inicialmente, que o Ministério Público
através de seus promotores de justiça com atuação na 1ª Promotoria de Justiça
Criminal do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em
um primeiro momento, buscou pelas vias administrativas a vistoria que resultou
(já havia resultado) na interdição das carceragens do 3º e 12º Distritos Policiais
junto às Secretarias Municipal e Estadual de Saúde e Vigilância Sanitária, bem
como expediu a Recomendação Administrativa n. 02/15 ao Sr. Julio Cezar dos
Reis, Delegado Geral da Polícia Civil do Paraná, à Sra. Maritza Maira Haisi,
Delegada de Polícia responsável pela Divisão Policial da Capital e ao Sr. Danilo
Zarlenga Crispim, Delegado de Polícia responsável pelo 3º Distrito Policial de
Curitiba, para que determinassem a suspensão imediata de recebimento de
presos e a remoção dos que se encontravam nas carceragens desta última
unidade policial.
Em resposta à referida Recomendação Administrativa, esta
Promotoria de Justiça recebeu através do ofício n. 49/2015 do Gabinete do
Delegado Geral Adjunto, informação assinada pela Sra. Martiza Maira Haisi.
dando conta que a carceragem do 3º Distrito Policial não mais abrigava presos
desde o dia 13 de agosto de 2015.
Entretanto, nas visitas de inspeção carcerárias realizadas
2
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
posteriormente a esta data, verificou-se que a Recomendação Administrativa
02/15 foi descumprida, e a custódia de presos em situação degradante
permanece ocorrendo de forma cada vez pior (relatório de presos expedido pela
Polícia Civil em anexo – vista na data de 23/10/2015).
Não houve solução administrativa e a questão se arrasta até
esta data, a despeito de inúmeras tentativas do Ministério Público e de outros
atores desta específica política pública do Estado do Paraná quanto à busca de
uma solução pela via administrativa do problema, de modo que não restou outra
alternativa neste momento que não o ajuizamento de ação civil pública para, via
relação jurídica processual conferindo à parte requerida o exercício pleno das
garantias elencadas no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição da República,
impor obrigação de fazer ao ESTADO DO PARANÁ com vistas à interdição
liminar e definitiva das carceragens provisórias do 3º e 12º Distritos Policiais da
Capital, somada à imposição à parte requerida de obrigação de fazer no sentido
de encaminhar os presos das carceragens destas duas unidades policiais para
alguma(s) (das) unidades do Sistema Penitenciário do Paraná.
A pretensão aqui deduzida visa a imposição de obrigações
de fazer e não fazer ao ESTADO DO PARANÁ com vistas à solução definitiva
da problemática, implicando em estratégias de remoção de pessoas, alocação de
recursos e outras despesas que devem ser suportadas justamente pelo erário, o
que, aliado ao já exposto, conduz ao reconhecimento da competência de uma das
Varas da Fazenda Pública de Curitiba para processar e julgar a pretensão em
mesa.
2. PREVENÇÃO – DISTRIBUIÇÃO POR
DEPENDÊNCIA
Na data de 28 de setembro de 2015, os Promotores de
Justiça atuantes na 3ª Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da
3
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, propuseram ação civil pública,
distribuída perante essa 4a Vara da Fazenda Pública, com a pretensão de
interdição do 8o Distrito Policial (8o DP) e Delegacia de Furtos e Roubos de
Veículos de Curitiba (DFRV), registrada eletronicamente sob no 0005802-
24.2015.8.16.0004.
Em decisão liminar, o Juízo da 4ª Vara da Fazenda Pública
deferiu a interdição do 8º DP e da DFRV ante a inadequação dos
estabelecimentos prisionais, com flagrante violação à dignidade da pessoa
humana, exatamente a mesma situação verificada nos 3º e 12º Distritos Policiais.
Entende o Ministério Público que há prevenção do Juízo
da 4ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca da Região
Metropolitana de Curitiba-PR, em razão dos elementos identificadores da
ação: partes, causa de pedir(próxima) e pedido.
A conexão entre processos pode se dar tanto pela
identidade da causa de pedir quanto pelo pedido.
Impende destacar que a presente ação civil pública possui as
mesmas partes, ou seja, existe demanda entre Ministério Público do Estado do
Paraná contra o Estado do Paraná.
A causa de pedir próxima1, que consiste na fundamentação
jurídica que levaram o Ministério Público a demandar contra o Estado também é
1 “A causa de pedir (causa petendi) ou razão do pedido significa, resumidamente, o conjunto defundamentos levados pelo autor a juízo, constituído pelos fatos e pelo fundamento jurídico a elesaplicável. (…) a causa de pedir é o motivo em virtude do qual a parte autora dirige determinadopedido ao Poder Judiciário. O CPC adotou a teoria da substanciação, pela qual são necessárias, muitomais do que a fundamentação jurídica, a alegação e descrição dos fatos sobre os quais incide odireito alegado como findamento do pedido. A fundamentação jurídica é, via de regra, a causa depedir próxima, enquanto o fato gerador do alegado direito se constitui, também na generalidade doscasos, na causa de pedir remota.” (WAMBIER, Luiz Rodrigues et. al.. Curso avançado de processo civil:teoria geral do processo e processo de conhecimento, volume 1. - 15 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,2015. p. 177).
4
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
idêntica, fazendo com que, juridicamente, a similitude das ações – neste ponto -
também seja a mesma.
As ações divergem – apenas – na causa pedir remota, que se
relaciona aos fatos, haja vista que a primeira ação intentada pelo Ministério
Público através da 3a Promotoria de Justiça se relaciona ao 8º DP e à DFRV e a
presente ação civil pública relaciona-se aos 3o e 12o Distritos Policiais.
Por outro lado, a ação civil pública proposta pelos
Promotores de Justiça da 3ª Promotoria de Justiça Criminal (no 0005802-
24.2015.8.16.0004) e a presente possuem o mesmo pedido (objeto da ação)2,
consistente na pretensão de obrigação de FAZER do Estado do Paraná, sendo
que neste caso, consistente na interdição das carceragens do 3º e 12º DPs, e na
obrigação de NÃO FAZER, consistente na definitiva impossibilidade de utilizar
as carceragens do 3º e 12º DPs para a colocação de presos, mantendo-as fechadas
para que as unidades policiais do 3º e 12º DPs tenham apenas o mister de
desenvolver funções de polícia investigativa.
Importante ainda destacar que, no mesmo sentido “Segundo
dispõe o parágrafo único do art. 2º da LACP e o § 5º do art. 17 da Lei n. 8.429/92,
introduzidos pela Med. Prov. n. 2.180-35/01, a propositura da ação civil pública
prevenirá a jurisdição para todas as ações posteriormente intentadas, se tiverem a
mesma causa de pedir ou o mesmo objeto” (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos
interesses difusos em juízo. - 24a ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 275).
Havendo, portanto, identidade de partes, causa de pedir
próxima e pedido, pode-se afirmar que a ação civil pública proposta no 0005802-
2 “Pedido é o objeto da ação. Cabe ao autor identificar na petição inicial o “provimentojurisdicional” (pedido imediato) que pretende obter e o “bem da vida” (pedido mediato) almejado. Ouseja, o autor deve explicitar tanto o pedido imediato, que é a exigência formulada contra o juiz (denatureza processual: cognitiva, executiva ou cautelar), quanto o pedido mediato, que é a exigênciaformulada contra o réu, e vinculada ao direito material subjacente (subentendido) na pretensão.”(VERAS, Ney Alves, et. al. Manual de Direito Processual Civil. Campo Grande; Contemplar, 2013. p. 141).
5
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
24.2015.8.16.0004 e a presente ação são conexas, fato que torna de rigor a
reunião dos processos perante o mesmo Juízo, nos termos do art. 103 e
seguintes do Código de Processo Civil3, com prevenção do Juízo da 4ª Vara da
Fazenda Pública do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de
Curitiba-PR.
Deste modo, o Ministério Público, através de seus agentes
signatários, requerem a distribuição por dependência ao Juízo da 4ª Vara da
Fazenda Pública de Curitiba-PR, nos termos do art. 2534 do Código de
Processo Civil, pela prevenção do Juízo.
3. LEGITIMIDADE ATIVA
Nestes termos, a presente ação civil pública visa assegurar e
defender direitos difusos de todos aqueles que, direta ou indiretamente, têm
contato com o Sistema de Justiça Criminal e com uma de suas faces não
civilizadas: as prisões brasileiras.
A Constituição da República, no seu artigo 129, incisos II e
III, confere legitimidade ao MINISTÉRIO PÚBLICO para:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério
Público:
(...);
3 Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando Ihes for comum o objeto ou a causa de pedir.(grifo nosso).Art. 105. Havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pode
ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente.
Art. 106. Correndo em separado ações conexas perante juízes que têm a mesma competência territorial,
considera-se prevento aquele que despachou em primeiro lugar.
4 Art. 253. Distribuir-se-ão por dependência as causas de qualquer natureza:I - quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada;
6
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e
dos serviços de relevância pública aos direitos
assegurados nesta Constituição, promovendo as
medidas necessárias a sua garantia;
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública,
para proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
(...).
Na esteira desse dispositivo constitucional, o artigo 68, da
Lei Complementar Estadual nº 85/1999 (Lei Orgânica do Ministério Público do
Estado do Paraná), assim dispõe:
Art. 68:
São atribuições do Promotor de Justiça: (...)
I - em matéria de Direitos Constitucionais: 1. instaurar
inquérito civil e promover ação civil pública, assim
como qualquer outra medida judicial que se apresentar
mais adequada para garantir o respeito, por parte dos
poderes públicos estaduais e municipais e dos serviços
de relevância pública, aos direitos assegurados nas
Constituições Federal e Estadual; (...).
(...).
Também a Lei Orgânica do Ministério Público em plano
nacional (Lei nº 8.625/93) estabelece, em seu artigo 25, inciso IV, alínea a:
Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições
Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis,
incumbe, ainda, ao Ministério Público:
(...);
7
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública,
na forma da lei:
a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos
causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico,
paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e
individuais indisponíveis e homogêneos;
(...).
Ademais, a Lei nº 7.347/85 atribui legitimidade expressa ao
MINISTÉRIO PÚBLICO para propositura de ação civil pública para prevenção
ou reparação dos danos causados a comunidade usuária dos serviços públicos,
em decorrência de violação de interesses difusos, coletivos ou individuais
homogêneos (arts. 1º, 3º, 5º e 21).
Inegável, portanto, a atribuição institucional e
constitucional do Ministério Público do Estado do Paraná para a formulação e o
ajuizamento da presente ação civil pública com vistas à imposição de obrigações
de fazer e não fazer ao ESTADO DO PARANÁ, visando a remoção dos detidos e
interdição das carceragens provisórias do 3º e 12º Distritos Policiais da Capital,
bem como a proibição definitiva de sua utilização, como ultima ratio, papel que
cabe ao Poder Judiciário em um ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO em
tempos de Pós-Positivismo Jurídico.
Do mesmo modo, é atribuição constitucional do Ministério
Público velar pela preservação dos direitos humanos daqueles que se encontram
sob responsabilidade direta do Estado, com ênfase especial, novamente, aos
artigos 127 e 129, da Constituição da República.
Inquestionável, portanto, a legitimidade do Ministério
Público para o ajuizamento da pretensão, inclusive, em razão de os fatos adiante
8
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
articulados constituírem grave violação à personalidade e à dignidade dos
seres humanos presos nas carceragens do 3º e 12º Distritos Policiais desta
Capital. Não se está a discutir aqui o comportamento por eles praticado, a
reprovabilidade de suas condutas ou as consequências de seus atos no que tange
às vítimas e ofendidos. Tudo isso tem ou terá seu espaço respeitado dentro da
relação processual respectiva em atenção à regra do devido processo legal. A
despeito disso, é de se reconhecer que apenas um Estado que resguarde a
condição de ser humano de todo aquele que se encontra diretamente sob sua
tutela e responsabilidade (no caso, os detentos das carceragens
supramencionadas) pode, realmente, ser reconhecido como um “Estado de
Direito” qualificado como “civilizado”.
4. DOS FUNDAMENTOS FÁTICOS
Um detalhamento fático que se pretende exauriente em sua
finalidade é a prova máxima de compromisso da parte autora (sobretudo em uma
ACP) com a solução do problema que, por inviabilidade de solução em outras
vias, apresenta-se para análise de Vossa Excelência neste momento.
Com efeito, após realizar vistorias nas dependências do 3º e
12º Distritos Policiais de Curitiba/PR de Curitiba/PR regularmente desde a
data de 27.02.2015 até a última realizada em 23.10.2015 (ou seja, durante 8
meses, período no qual o quadro constatado nada se alterou), o
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por intermédio dos
Promotores de Justiça que compõem a 1ª Promotoria de Justiça Criminal de
Curitiba (que firmam esta petição) e em cumprimento às determinações
constantes no recente Ato Conjunto nº 01/2015-PGJ/CGMP (juntamente com
a Resolução sob nº 4027/2015), do Ministério Público do Estado do Paraná,
constatou que as carceragens das referidas unidades policiais encontram-se em
condições inacreditavelmente brutais, desumanas, manifestamente insalubres e
9
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
incompatíveis em absoluto com o princípio da dignidade do ser humano, um dos
vetores fundamentais do Estado Democrático de Direito Brasileiro (CRFB, art.
1º, inciso III).
Durante a quase totalidade das inspeções mensais
realizadas junto à carceragem provisória do 3º Distrito Policial de
Curitiba/PR ao longo deste ano de 2015 (quando os Promotores de Justiça
Criminais passaram a ter também esta atribuição funcional), verificou-se que as
celas não possuem quaisquer divisórias, não existindo local apropriado para
banho ou para que os detentos possam fazer suas necessidades fisiológicas, o que
inclusive facilita a propagação das mais diversas doenças.
Notou-se que a latrina permanece no mesmo ambiente em
que se encontram os detentos, os quais acabam se obrigando a utilizar o vaso
sanitário uns diante dos outros. Não há chuveiro na carceragem do 3º Distrito
Policial, local onde os detentos se higienizam, caso queiram, sob a água fria de
uma mangueira ligada a uma torneira, esta que, aliás, se encontra fixada em uma
altura incompatível com a estatura mediana dos detentos ali recolhidos. Os
presos não recebem qualquer vestimenta ou material de higiene, dependendo da
boa vontade dos possíveis visitantes. No entanto, prezando pela segurança dos
agentes públicos, a autoridade policial do 3o Distrito Policial determinou a
proibição de fornecimento das populares “sacolas” por parte dos familiares dos
detentos, tendo em vista a recorrente entrada de materiais proibidos e que
podem botar em risco a segurança dos policiais, dos presos, bem como da
população residente nos arredores. Há inclusive a proibição de utilização e
fornecimento de chinelos aos detentos, que são mantidos descalços sobre um
piso úmido e frio, fato que cria condições para doenças e agrava as já existentes
como pneumonia, bronquites, etc.
Outrossim, a carceragem do 3º Distrito Policial desta
Capital não possui iluminação apropriada, muitas vezes permanecendo os presos
10
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
no escuro, e mostra-se impossível a utilização de colchões para todos os
detentos, por absoluta falta de espaço físico. Verificou-se, também, que o Distrito
Policial não possui o respectivo alvará do Corpo de Bombeiros, situação que
pode resultar em risco à integridade física e à vida dos detentos e dos próprios
policiais civis que exercem suas atividades no local.
A alimentação é fornecida 02 (duas) vezes ao dia, sendo que
os detentos alimentam-se dentro da carceragem, no mesmo local onde
permanecem durante o dia, fazem suas necessidades fisiológicas, “dormem”
durante a noite (em colchões insuficientes e constantemente molhados), de modo
que dependiam, novamente, de possíveis “visitantes” para que tivessem sua
alimentação complementada, situação que não mais pode ocorrer.
Mas, ainda assim, por incrível que possa parecer, a situação
verificada na carceragem do 3º Distrito Policial de Curitiba não atingiu o ápice
do desrespeito à dignidade do ser humano, pois havia (E HÁ) coisa ainda pior
neste cenário.
De fato, a partir das INSPEÇÕES MENSAIS ao 3º Distrito
Policial e sua carceragem, é possível concluir que o retrato ali apurado consegue
ser ainda mais desolador.
Importante destacar que, conforme demonstram os
documentos que acompanham esta peça preambular, a capacidade de cada uma
das celas, de acordo com os parâmetros estipulados pela Lei de Execução Penal,
é de 02 (dois) presos, reiteradamente (ou sempre) extrapolada de forma absurda,
constantemente abrigando mais de 20 (vinte) presos, chegando a picos de até 37
(trinta e sete) detentos, fato que inclusive causa desmaios e vários problemas de
saúde aos detentos que ali se encontram.
As celas apresentam umidade excessiva, nenhuma
11
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
ventilação, o chuveiro (se é que se pode denominar uma mangueira presa na
parede com água intermitente) e o banheiro turco no mesmo espaço em que os
colchões são colocados para os detentos dormirem (por absoluta falta de espaço
físico), com pouquíssima ou nenhuma iluminação (solar ou artificial), precário
escoamento de líquidos e dejetos, chegando a alcançar temperaturas
incompatíveis à saúde humana (elevadas e baixas em dias de muito calor e frio),
ressaltando-se que foram instaladas chapas de aço nas paredes, o que aumenta a
sensação de calor e frio com a variação de temperatura.
A situação é caótica, desumana, absurda, inaceitável,
intolerável, também quanto aos demais aspectos que envolvem a manutenção de
seres humanos privados de liberdade pela prática, em tese (lembre-se que aqui,
falamos de presos provisórios), de atos tidos como ilícitos penais.
Mas não é só isso. A situação absolutamente degradante
aqui narrada não constitui risco tão somente aos presos, que passam por
verdadeiro martírio, mas também aos policiais civis lotados no 3º Distrito
Policial e à população que reside nos arredores da delegacia.
As celas foram construídas originalmente para abrigar
presos civis, de modo que a segurança no local é extremamente precária. Fugas e
tentativas de fugas5 são recorrentes, inflamadas pela situação absolutamente
degradante no local. Na última oportunidade, 08 (oito) presos fugiram pelo
telhado das celas, após cerrarem as grades, passando pelas residências vizinhas
até conseguirem chegar a rua. Os muros que fazem divisa com as casas vizinhas
são baixos e sem qualquer proteção6. Destacamos um trecho da reportagem
noticiando a referida fuga, onde se chega a uma conclusão lógica: “Os 34 presos
que estavam em um espaço para apenas 8 na cela do 3º Distrito Policial, nas Mercês,
não poderiam pensar em outra coisa que não fosse fugir. Por volta das 22h deste
5 Reportagem 1: http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/01/dezesseis-presos-fogem-de-carceragem-do-3-distrito-em-curitiba.html6 Conforme fotos em anexo.
12
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
domingo (24), eles conseguiram cumprir com o plano e oito deles ganharam às ruas.”7
Diante de tais situações, a administração pública ao invés de
tomar uma atitude para encerrar este ciclo absolutamente degradante e
inseguro, deixando de utilizar o local para custodiar presos, decidiu revestir as
paredes com chapas de aço, visando dificultar tentativas de fuga. Atitude que
agravou ainda mais as já precárias condições do local. As paredes, evidentemente
despreparadas para receberem chapas de aço, chegaram a entortar, havendo
receio que possam desabar.
No que tange à assistência material, há restrição de
alimentação, servida em apenas dois períodos do dia e com os mais diversos
tipos de reclamações quanto à sua qualidade, inclusive corroborada por parte
dos agentes policiais. O acesso à água potável é feito por meio de garrafas e
copos entregues pelos policiais em serviço e pelos sistemas que fornecem a água
para o banho dos detentos.
Quanto à higiene pessoal dos detentos, obviamente não
existe. As condições sanitárias são absolutamente horrorosas, posto que os
detidos urinam e defecam em uma “bacia turca” (por eles nomeado de “boi”)
instalado no próprio chão da cela, sem qualquer privacidade e sem qualquer
preservação da higiene. Ademais, não há fornecimento de nenhum material de
higiene pessoal.
No que se refere à assistência jurídica, excetuados os
detidos que constituam procuradores, as carceragens não contam com
atendimento contínuo por parte da Defensoria Pública do Estado do Paraná,
provavelmente por total impossibilidade diante do baixo número de membros,
quadro que aparentemente não se alterou no decorrer deste ano de 2015.
7 Disponível em http://www.parana-online.com.br/editoria/policia/news/880575/?noticia=OITO+PRESOS+FOGEM+DA+DELEGACIA+DAS+MERCES+DURANTE+A+NOITE.Acesso em 03 de novembro de 2015.
13
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
Quanto à assistência de saúde, não há notícia de visitas médicas regulares à
carceragem do 3º Distrito Policial.
Por solicitação do Ministério Público, a vigilância sanitária
realizou inspeção no 3º Distrito Policial em 28 de maio de 2015, ocasião na
qual constatou 39 (trinta e nove) detentos no local onde caberiam no máximo 06
(seis), com condições absolutamente insalubres, razão pela qual expediram o
Termo de Intimação n. 74464, suspendendo a recepção e guarda de novos presos
e determinando a transferência dos que lá estavam (cf. ofício 2567/2015-SMS,
em anexo). Não é preciso dizer que a determinação da vigilância sanitária foi
descumprida pelo ESTADO DO PARANÁ.
Tal como verificado em relação ao 3º Distrito Policial,
constatou-se que o 12º Distrito Policial de Curitiba – que atualmente recebe
apenas presas mulheres - também não possui alvará do Corpo de Bombeiros,
situação que pode resultar em risco à integridade física e à vida das detentas,
especialmente em razão da superlotação carcerária, e dos próprios policiais civis
que exercem suas atividades no local.
O local costumava abrigar mais de uma centena de presos.
Devido à total falta de estrutura para a custódia de presos, ausência de condições
mínimas de higiene e salubridade, em 23 de abril de 2008 a Vigilância Sanitária
interditou o local, não constando desinterdição por parte deste órgão (cf. consta
do ofício n. 4532/2015-SMS, em anexo). Tal interdição, como de costume por
parte do ESTADO DO PARANÁ, foi descumprida.
O Decreto n. 11.016/2014 determinou o fechamento
definitivo da carceragem do 12º Distrito Policial. Por um curto período de
tempo, o local ficou sem receber presos. As grades das celas foram todas
retiradas. Em 14 de maio deste ano, através da Portaria n. 03/2015 da Vara da
Corregedoria dos Presídios (em anexo), sem qualquer fundamentação específica
14
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
e sem efetuar qualquer melhoria no local, a carceragem do 12º Distrito Policial
foi desinterditada, passando a receber novamente presos, dessa vez detentas do
sexo feminino.
Veja-se que não havia (e não há) qualquer condição de a
carceragem ser utilizada para a custódia de pessoas. Quando da desinterdição, a
situação era ainda pior do que quando foi interditada. As grades tiveram que ser
recolocadas utilizado correntes e cadeados, pois não estavam sequer fixadas na
parede (cf. se verifica das fotos em anexo).
O local apresenta pisos e paredes cheios de buracos,
ambiente extremamente úmido e mal iluminado, forte cheiro de bolor e
instalações elétricas e hidráulicas precárias. Excelência, a visão da carceragem
do 12º Distrito Policial de Curitiba nos remete a uma masmorra medieval.
Por conta da precariedade da estrutura, as temperaturas são
intensificadas, seja frio ou calor. Existem muitas infiltrações que ocasionam o
acúmulo de água e a criação de poças, seja na galeria seja nas próprias celas,
deixando os poucos colchões disponíveis molhados e sem condições de uso.
A comida é fornecida apenas duas vezes ao dia, e existem
muitas reclamações quanto a sua qualidade. As detentas dependem da boa
vontade de eventuais visitantes, para que complementem sua alimentação
através de “sacolas”. Da mesma forma quanto a vestimentas e materiais de
higiene, que não são fornecidos pelo Estado.
Destaca-se que não houve inspeção por parte desta
Promotoria de Justiça na qual a lotação da carceragem não estivesse pelo menos
no dobro de sua capacidade.
Como no 3º Distrito, as detentas do 12º Distrito Policial
15
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
são obrigadas a dormir, comer e fazer suas necessidades fisiológicas no mesmo
ambiente. Existem ligações hidráulicas e elétricas aparentes, de modo que a
insalubridade do local é gritante.
Não bastasse, na última inspeção realizada no mês de
outubro foi constatada infestação de piolhos no local (não sendo possível a
dedetização por conta da carceragem sempre cheia), bem como reiteradamente
encontram-se detentas gestantes segregadas nas condições desumanas acima
relatadas. Também, já houve oportunidades em que se verificou que detentas
soropositivas permanecem nas mesmas condições.
No 12º Distrito Policial, entretanto, em relação à assistência
de saúde, por força da insistência do Ministério Público, estabeleceu-se um
cronograma de visitas de profissionais da área médica a cada 15 (quinze) dias,
para exame e atendimento às detentas (cf. ofício n. 4695/2015-ASS.SMS, em
anexo).
Excelência, a situação desumana é tão gritante que chamou
a atenção até mesmo da comunidade da região de Santa Felicidade, que através
do Conseg São Brás, teve a iniciativa de apresentar um projeto de restauração da
Delegacia, o qual foi, ao que consta, injustificadamente arquivado pelo
Departamento Financeiro da Secretaria Estadual da Fazenda. Através da
Promotoria de Justiça das Comunidades, o Sr. Pedro Vidal Filho, presidente da
Conseg São Brás, solicitou auxílio do Ministério Público quanto à situação de
insegurança da comunidade e precariedade do ambiente carcerário do 12º
Distrito Policial. Referida Promotoria de Justiça realizou visita no 12º Distrito
Policial em 08 de outubro de 2015, ocasião na qual constatou, de igual forma, a
situação absolutamente insegura e degradante a qual a comunidade e as detentas
são submetidas (cf. ofício 2015OF/0353, termo de declarações e relatório de
visita em anexo).
16
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
Ademais, não é muito salientar que a custódia de presos em
Delegacias de Polícia desnatura completamente e praticamente inviabiliza o
exercício da atividade fim da polícia judiciária. Policiais que poderiam – e mais
do que isso, deveriam – estar investigando crimes e mantendo o bom
funcionamento da Delegacia e atendimento ao cidadão, fazem as vezes de
agentes penitenciários, em situação de grande insegurança.
Nas inspeções realizadas durante este ano, a
SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA tanto no 3º quanto no 12º Distritos Policiais
fez-nos presenciar situação absolutamente desoladora, eis que os detentos se
encontravam quase que “empilhados” nas celas. Uma sociedade que se quer
civilizada simplesmente não pode aceitar um estado de coisas dessa ordem.
É absolutamente inconcebível que o Estado, detendo o
monopólio do poder punitivo e tendo como finalidade promover sempre a
dignidade da pessoa humana - garantia básica que deve vincular não só o Poder
Judiciário, mas todas as esferas - promova tal atrocidade.
A situação pode ser facilmente vislumbrada com a leitura
dos formulários de inspeções realizadas pelos agentes ministeriais da 1ª
Promotoria Criminal de Curitiba (signatários da presente), bem como das
informações advindas da Vigilância Sanitária, Corpo de Bombeiros e fotografias.
É inegável, portanto, que as condições das carceragens
visitadas – 3º e 12º Distritos Policiais – foram, são e estão absurdas, desumanas,
inaceitáveis, insalubres e totalmente incompatíveis com o sagrado princípio da
dignidade do ser humano, um dos fundamentos basilares do Estado Democrático
de Direito (artigo 1º, inciso III da CF), o que força o Ministério Público a,
esgotadas todas as outras vias de resolução da quaestio, ajuizar esta AÇÃO
CIVIL PÚBLICA para imposição de obrigações de fazer e não fazer, visando a
imediata e completa interdição das carceragens do 3º e 12º DPs de Curitiba, com
17
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
a consequente e também imediata retirada de todos os presos das celas das
respectivas carceragens, além da imposição no sentido de encaminhar os presos
das carceragens destas duas unidades policiais para alguma(s) (das) unidade(s)
do Sistema Penitenciário do Paraná.
Na data do ajuizamento desta demanda (18.11.2015), a
carceragem do 3º Distrito Policial de Curitiba conta com 21 (vinte e um)
detentos – em celas que deveriam comportar no máximo 06 (seis) pessoas; já a
carceragem da 12º Distrito Policial conta com 08 (oito) detentas – em celas que
comportam no máximo 08 (oito) pessoas.
5. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
5.a. RONALD DWORKIN E A QUESTÃO DA
INTEGRIDADE
O ponto interpretativo fundamental, que informa o cerne
desta Ação Civil Pública, é o conceito de integridade, construído por Ronald
Dworkin, em específico em sua obra Law's Empire (O Império do Direito).
Assevera DWORKIN o seguinte:
“O princípio judiciário de integridade instrui os juízes a
identificar direitos e deveres legais, até onde for
possível, a partir do pressuposto de que foram todos
criados por um único autor – a comunidade
personificada –, expressando uma concepção coerente
de justiça e equidade. Elaboramos nossa terceira
concepção do direito, nossa terceira perspectiva sobre
quais são os direitos e deveres que decorrem de
18
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
decisões políticas anteriores, ao reafirmarmos essa
orientação como uma tese sobre os fundamentos do
direito. Segundo o direito como integridade, as
proposições jurídicas são verdadeiras se constam, ou se
derivam, dos princípios de justiça, equidade e devido
processo legal que oferecem a melhor interpretação
construtiva da prática jurídica da comunidade. (…).
O direito como integridade é, portanto, mais
inflexivelmente interpretativo do que o
convencionalismo ou o pragmatismo. Essas últimas
teorias se oferecem como interpretações. São
concepções de direito que pretendem mostrar nossas
práticas jurídicas sob sua melhor luz, e recomendam,
em suas conclusões pós-interpretativas, estilos ou
programas diferentes de deliberação judicial. Mas os
programas que recomendam não são, em si, programas
de interpretação; não pedem aos juízes encarregados da
decisão de casos difíceis que façam novos exames,
essencialmente interpretativos, da doutrina jurídica. O
convencionalismo exige que os juízes estudem os
repertórios jurídicos e os registros parlamentares para
descobrir que decisões foram tomadas pelas
instituições às quais convencionalmente se atribui
poder legislativo. É evidente que vão surgir problemas
interpretativos ao longo desse processo: por exemplo,
pode ser necessário interpretar um texto para decidir
que lei nossas convenções jurídicas constroem a partir
dele. Uma vez, porém, que um juiz tenha aceito o
convencionalismo como guia, não terá novas ocasiões
de interpretar o registro legislativo como um todo, ao
tomar decisões sobre casos específicos. O pragmatismo
19
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
exige que os juízes pensem de modo instrumental sobre
as melhores regras para o futuro. Esse exercício pode
pedir a interpretação de alguma coisa que extrapola a
matéria jurídica: um pragmatismo utilitarista talvez
precise preocupar-se com a melhor maneira de
entender a ideia de bem-estar comunitário, por
exemplo. Uma vez mais, porém, um juiz que aceite o
pragmatismo não mais poderá interpretar a prática
jurídica em sua totalidade.
O direito como integridade é diferente: é tanto o
produto da interpretação abrangente da prática jurídica
quanto sua fonte de inspiração. O programa que se
apresenta aos juízes que decidem casos difíceis é
essencialmente, não apenas contingencialmente,
interpretativo; o direito como integridade pede-lhes
que continuem interpretando o mesmo material que ele
próprio afirma ter interpretado com sucesso. Oferece-
se como a continuidade – e como origem – das
interpretações mais detalhadas que recomenda. (...).”8.
A integridade de Ronald Dworkin, aqui, está envolta a partir
do referencial último e concreto do princípio fundamental da dignidade do ser
humano, insculpido no artigo 1º, inciso III, da CRFB. É este princípio que deve
moldar e é a partir dele que se deve construir a interpretação das normas que
conduzirá a melhor solução possível para o caso em questão, alicerçada na
imediata e, posteriormente, na definitiva interdição das carceragens das unidades
policiais do 8º DP e da DRFV.
5.b. DA IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO DA
CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL –
8DWORKIN, Ronald. O Império da Lei. 3ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014, p. 271/273.
20
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL
Como se observa da leitura dos documentos que instruem
esta inicial de Ação Civil Pública, o ESTADO DO PARANÁ está ciente das
inaceitáveis condições em que pessoas são colocadas nas carceragens provisórias
do 3º e 12º Distritos Policiais da Capital, porém permanece inerte e não adota
qualquer providência efetiva para solucionar o problema de forma imediata.
Com efeito, o Ministério Público encaminhou ofícios,
realizou inspeções organizou reuniões e expediu recomendação administrativa
ao longo desses últimos 08 (oito) meses, como forma de propiciar ao
requerido a concretização de medidas no sentido de melhorar as condições
carcerárias das mencionadas unidades policiais ou encerrá-las definitivamente
diante da constatação de que não podem ser minimamente adequadas ao
princípio constitucional da dignidade do ser humano.
Ora, referida situação carcerária não pode mais aguardar
que o ESTADO DO PARANÁ postergue sua solução em detrimento da
condição humana de cidadãos, ainda que, em tese, à margem da lei. É necessária
a adoção de medidas imediatas, e a via judicial é a única restante.
Nesta perspectiva, contudo, não é aceitável que a invocação
da cláusula da reserva do possível continue se impondo diante da necessidade de
implementação de políticas públicas tendentes a efetivar direitos fundamentais,
notadamente aqueles relativos à garantia do mínimo existencial. Por meio desta
AÇÃO CIVIL PÚBLICA, o Ministério Público pretende a tutela imediata do
princípio da dignidade da pessoa humana, que proíbe o tratamento degradante e
desumano a que estão submetidos os presos segregados junto às carceragens
provisórias do 03º e 12º Distritos Policiais desta Capital.
A Constituição da República enuncia no artigo 1º os
21
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
princípios fundamentais e no artigo 5º os direitos e deveres individuais e
coletivos, cuja aplicação imediata é ora pretendida: Confira-se:
Artigo 1º. A República Federativa do Brasil, formada
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:
(...).
III – a dignidade da pessoa humana;
(...).
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
(...).
III – ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante;
(...).
XLIX – é assegurado aos presos o respeito à
integridade física e moral; [...].
Demonstrada a natureza constitucional do direito invocado,
percebe-se que a omissão estatal amparada na ausência de recursos
orçamentários não se justifica, visto que o Estado não pode se furtar a efetivar
direitos garantidos pela própria Constituição, como já decidido pelo Supremo
Tribunal Federal:
“(...).
A CONTROVÉRSIA PERTINENTE À “RESERVA DO
22
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
POSSÍVEL” E A INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO
EXISTENCIAL: A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS
TRÁGICAS”. - A destinação de recursos públicos, sempre
tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de
conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas
no texto constitucional, quer, também, com a própria
implementação de direitos sociais assegurados pela
Constituição da República, daí resultando contextos de
antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-
los mediante opções por determinados valores, em
detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o
Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada
pela insuficiência de disponibilidade financeira e
orçamentária, a proceder a verdadeiras “escolhas trágicas”,
em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na
dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a
intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir
real efetividade às normas programáticas positivadas na
própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina. - A
cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada,
pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar
e de inviabilizar a implementação de políticas públicas
definidas na própria Constituição - encontra insuperável
limitação na garantia constitucional do mínimo existencial,
que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo,
emanação direta do postulado da essencial dignidade da
pessoa humana. Doutrina. Precedentes. - A noção de
“mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de
determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e
art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja
concretização revela-se capaz de garantir condições
23
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à
pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e,
também, a prestações positivas originárias do Estado,
viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos,
tais como o direito à educação, o direito à proteção integral
da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à
assistência social, o direito à moradia, o direito à
alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal
dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV).
(...).” (STF. ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE
MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-
177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT
VOL-02587-01 PP-00125).
A situação retratada demonstra a necessidade de pronta
intervenção do Poder Judiciário, a fim de preservar direitos humanos que são
inerentes à própria salvaguarda da civilidade de um Estado que se diz de
DIREITO, dos servidores lotados naquelas unidades policiais e da própria
segurança da população local, corrigindo-se a injustificada omissão estatal e
determinando o fechamento das mencionadas carceragens, com o
encaminhamento dos presos para o Sistema Penitenciário do Estado do Paraná,
que deverá recebê-los justamente em local com condições materiais e humanas
mínimas.
5.c. DAS NORMAS JURÍDICAS QUE REGULAM E
REGEM O TEMA
A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução
Penal), foi editada com o intuito específico de regular a execução das penas e das
medidas de segurança, sendo que a execução penal teria por objetivo a correta
efetivação das disposições de sentença penal condenatória, destinadas a reprimir
24
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
e prevenir as infrações, com mínima possibilidade de sua reinserção social após o
cumprimento das condenações criminais a eles impostas.
Ainda que estejam segregados e tenham supostamente
praticado infrações graves, os presos provisórios e definitivos em nenhum
momento perderam os mencionados direitos, o que pode ser verificado pela
leitura dos artigos 40 a 43, da Lei nº 7210/1984, verbis:
Art. 40. Impõe-se a todas as autoridades o respeito à
integridade física e moral dos condenados e dos presos
provisórios.
Art. 41. Constituem direitos do preso:
I – alimentação suficiente e vestuário;
II – atribuição de trabalho e sua remuneração;
III – previdência social;
IV – constituição de pecúlio;
V – proporcionalidade na distribuição do tempo para o
trabalho, o descanso e a recreação;
VI – exercício das atividades profissionais, intelectuais,
artísticas e desportivas anteriores, desde que
compatíveis com a execução da pena;
VII – assistência material, à saúde, jurídica,
educacional, social e religiosa;
VIII – proteção contra qualquer forma de
sensacionalismo;
IX – entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e
amigos em dias determinados;
XI – chamamento nominal;
XII – igualdade de tratamento salvo quanto às
25
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
exigências da individualização da pena;
XIII – audiência especial com o diretor do
estabelecimento;
XIV – representação e petição a qualquer autoridade,
em defesa de direito;
XV – contato com o mundo exterior por meio de
correspondência escrita, da leitura e de outros meios de
informação que não comprometam a moral e os bons
costumes.
Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X
e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante
ato motivado do diretor do estabelecimento.
Art. 42. Aplica-se ao preso provisório e ao submetido à
medida de segurança, no que couber, o disposto nesta
Seção.
Art. 43. É garantida a liberdade de contratar médico de
confiança pessoal do internado ou do submetido a
tratamento ambulatorial, por seus familiares ou
dependentes, a fim de orientar e acompanhar o
tratamento.
Parágrafo único. As divergências entre o médico oficial
e o particular serão resolvidas pelo juiz de execução.
Por seu turno, os estabelecimentos prisionais devem
observar as disposições dos artigos 83 a 85, também da Lei de Execução Penal,
assim como as Cadeias Públicas e carceragens de Delegacias de Polícia devem
atender ainda ao disposto nos artigos 88 e 102, da legislação referida 9.
9 Art. 83 – O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependênciascom áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e práticaesportiva.Art. 84 – O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em
26
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
Os aludidos prédios devem, ainda, submeter-se às normas
postas pela Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994, baixada pelo Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), com o escopo de firmar
regras mínimas de incidência nacional para o tratamento do preso no Brasil e
que, dentre outras disposições, determina o seguinte:
Art. 9°. Os locais destinados aos presos deverão
satisfazer as exigências de higiene, de acordo com o
clima, particularmente no que se refere à superfície
mínima, volume de ar, calefação e ventilação.
Art. 10. O local onde os presos desenvolvam suas
atividades deverá apresentar:
I – janelas amplas, dispostas de maneira a possibilitar
circulação de ar fresco, haja ou não ventilação artificial,
para que o preso possa ler e trabalhar com luz natural;
II – quando necessário, luz artificial suficiente, para
que o preso possa ler e trabalhar sem prejuízo de sua
julgado.Parágrafo primeiro – O preso primário cumprirá pena em Seção distinta daquela reservadapara os reincidentes.Art. 85 – O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a suaestrutura e finalidade.Art. 88 – O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário elavatório.Parágrafo único – São requisitos básicos da unidade celular:a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamentotérmico adequado à existência humana;b) área mínima de seis metros quadrados.Art. 102 – A Cadeia Pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios.
27
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
visão;
III – instalações sanitárias adequadas para que o preso
possa satisfazer suas necessidades naturais de forma
higiênica e decente, preservada sua intimidade;
IV – instalações condizentes para que o preso possa
tomar banho à temperatura adequada ao clima e com a
frequência que exigem os princípios básicos de higiene.
Acrescente-se que é princípio constitucional o respeito à
integridade física e moral do preso (artigo 5°, inciso XLIX, da Constituição da
República), sendo certo que não se privará o condenado de qualquer outro
direito que não aquele atingido pela sentença ou pela legislação em vigor, o que é
dever das autoridades públicas garantir (artigos 3° e 40, da Lei de Execuções
Penais).
De igual modo, os artigos 13 e 21, das Regras Mínimas
para Tratamento de Reclusos da ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS, dispõe o seguinte, verbis:
Art. 13. As instalações de banho e ducha devem ser
suficientes para que todos os reclusos possam, quando
desejem ou lhes seja exigido, tomar banho ou ducha a
uma temperatura adequada ao clima
(...).
Art. 21.
1. O preso que não trabalhar ao ar livre deverá ter, se o
tempo permitir, pelo menos uma hora por dia para fazer
exercícios apropriados ao ar livre.
2. Todo preso deverá ter a possibilidade de dispor de
água potável quando deles necessitar.
28
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
O Estado brasileiro, tomado em sua acepção global, ou seja,
a partir de todas as unidades da Federação e das instituições oficiais que as
representam, atuando de forma irresponsável em relação àqueles que estão sob
sua responsabilidade direta em restrição de sua liberdade, afastados de seu meio
social, expõe a risco esta própria sociedade, por tornarem os presos cada vez
mais agressivos e dissociáveis, construindo um círculo vicioso cruel e que, em
última análise, faz apenas com que o próprio meio social se torne mais violento,
mais pernicioso, menos seguro, ou seja, “menos social”. Por seu turno, as
autoridades públicas encarregadas da execução penal e da manutenção de
pessoas em restrição de liberdade não podem (ou não poderiam...) deixar de agir
contra a administração pública omissa no cumprimento de seus deveres para
com a pessoa privada de liberdade.
Assim, o que a inércia do requerido ESTADO DO
PARANÁ tem feito é conduzir à deterioração de todo um sistema prisional,
deterioração esta pautada, sobretudo, no aviltamento da condição humana do
encarcerado, no completo desrespeito às normas de execução penal e na absoluta
falta de percepção da proteção da dignidade do ser humano – a ponto de tornar
insuportável a própria segurança pública e expor a risco todo o tecido social
brasileiro, a partir da óbvia e evidente brutalização deste mesmo sistema –
destarte, outra solução não resta senão a inadiável interdição das carceragens e o
fechamento/esvaziamento das celas destinadas aos “presos comuns”, uma vez
que as carceragens dos 3º e 12º Distritos Policiais de Curitiba transformaram-se
em um desumano depósito de pessoas que, em um esforço comparativo,
assemelham-se às vítimas dos regimes totalitários mais cruéis e desumanos, algo
absolutamente inaceitável mesmo em um (pretenso) Estado de Direito que se
autodenomina civilizado.
A falta de ação estatal e de vontade política de seus gestores
ofende direitos humanos fundamentais e inalienáveis dos presos, elencados em
29
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
normas infraconstitucionais, normas constitucionais e, ainda, em tratados e
convenções internacionais de que o Brasil é signatário, e não proporciona ao
encarcerado as condições de adequado retorno ao convívio social, mesmo que
estejamos a tratar somente de presos provisórios, que ainda aguardam
julgamento definitivo pelo Sistema de Justiça Criminal.
Ressalte-se, ademais, que a questão do descumprimento
das normas que regulam especificamente o tema no Estado do Paraná
ganha contornos ainda mais importantes em face do Decreto nº
11.016/2014, expedido pelo Governo do Estado do Paraná em 13 de maio
de 2014 e ainda vigente.
Com efeito, de acordo com referido Decreto governamental,
em especial pelo seu artigo 2º, restou determinado o fechamento definitivo de
diversas carceragens existentes em várias unidades prisionais (em verdade, de
Delegacias de Polícia), incluídas aí as carceragens do 3º e 12º Distritos Policiais
de Curitiba (objetos imediatos desta AÇÃO CIVIL PÚBLICA).
O quadro se torna ainda mais grave quando se depara com
a existência de uma normativa específica do ESTADO DO PARANÁ, ora
requerido (ato firmado, além do próprio Governador estadual, pelas
Secretarias de Estado de Segurança Pública e de Justiça) que justamente
determina (entre outros) o fechamento definitivo das carceragens dos 3º e 12º
Distritos Policiais de Curitiba, e que, embora com mais de 01 (um) ano de
vigência, ainda não se conseguiu dar efetividade a seu cumprimento, em um
exemplo absurdo de uma regra descumprida exatamente pelo responsável pela
sua inserção no ordenamento jurídico. Note-se que não se trata aqui sequer de
discutir a impossibilidade de se assegurar a ressocialização do preso nestas
condições. Não se quer aqui travar essa discussão, que, embora fundamental, está
para além do que se pretende com a presente10.
10“La resocialización supone un processo de interacción y comunicación entre el individuo y lasociedade que no puede ser determinado unilateralmente, ni por el individuo ni por la sociedade. El
30
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
A pretensão aqui se traduz e se legitima, antes, no completo
desprezo com que são os SERES HUMANOS que, independentemente do
motivo, têm o infortúnio de passar pelas carceragens do 3º e 12º Distritos
Policiais de Curitiba que, mesmo proibidas (por ato do Excelentíssimo
Governador do Estado do Paraná) de continuar a receber detentos, continuam a
recebê-los em condições tão degradantes, extremas e humilhantes, que se perde
por completo, ali naqueles espaços, a ideia de dignidade do ser humano, estando
o Estado a tratá-los como “seres não humanos”, o que não se pode mais admitir.
Esta é, ao fim e ao cabo, a motivação que leva o autor
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, no exercício regular de
suas funções, a buscar a tutela jurisdicional por meio de Vossa Excelência como
última alternativa para a solução do problema, a fim de que este quadro caótico,
ao menos quanto às carceragens do 3º e 12º Distritos Policiais de Curitiba, cesse
definitivamente, senão por outros fatores, ao menos para que seja dado
regular cumprimento às normas constantes do Decreto governamental nº
11.016/2014, do Estado do Paraná.
Acredita o Ministério Público que o PODER JUDICIÁRIO
DO ESTADO DO PARANÁ, ciente de sua importantíssima missão na
preservação de direitos fundamentais e da observância e cumprimento de regras
dentro do Estado Democrático de Direito, em face de todo o acima exposto e no
âmbito desta AÇÃO CIVIL PÚBLICA, por uma questão de humanidade, não
deixará de atender ao disposto na nossa Carta Magna e na legislação
individuo no puede, en efecto, determinar unilateralmente um processo de interacción social, porquela propia naturaliza de sus condicionamentos sociales está obligado al intercambio y a lacomunicación com sus semejantes, es decir, a la convivencia. Pero tampoco las normas socialespueden determinar unilateralmente el processo interactivo sin contar com la voluntad del individuoafectado por ese processo, porque las normas sociales no son algo inmutable y permanente, sino elresultado de uma correlación de fuerzas sometidas a influencias mutables. Em otras palavras:resocializar al delincuente sin cuestionar al mismo tiempo el conjunto social normativo al que sepretende incorporarlo, significa pura y simplesmente aceptar como perfecto el ordem social vigentesin cuestionar ninguna de sus estructuras, ni siquiera aquellas más diretamente relacionadas con eldelito cometido”. MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho penal y control social. 2ª ed. Bogotá: Temis,2004, p. 93.
31
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
internacional que trata do tema (Regras para tratamento de presos da Comissão
Internacional Penitenciária, 1929, com alterações em 1933 e aprovação pela Liga
das Nações em 1934; Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU,
1948; Regras Mínimas para tratamento de reclusos, aprovadas em Genebra pela
ONU, em 1955; Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 1966;
Recomendação do IV Congresso das Nações Unidas em Kioto, para aplicação
das regras mínimas, 1970; convenção contra a tortura e outros tratamentos ou
penas cruéis desumanos ou degradantes, 1984; Regras mínimas para tratamento
de reclusos, publicação do Centro de Direitos do Homem das Nações Unidas –
GE. 94-15440) em especial o comando do artigo 5º, item 2, da Convenção
Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica)11, e dará a
efetividade definitiva às regras já existentes em nosso ordenamento jurídico,
determinando o fechamento definitivo das carceragens das unidades policiais do
3º e 12º Distritos Policiais de Curitiba.
Conclui-se, portanto, que outra medida não resta, senão
decretar a interdição das carceragens do 3º e 12º Distritos Policiais de
Curitiba/PR.
Portanto, como corolário lógico do objetivo final visado
nesta demanda, cumpre ao Poder Judiciário, prefacialmente à emissão da norma
jurídica concreta e individual com vistas à condenação do ora requerido em
obrigação de FAZER e NÃO FAZER, que exare preceito declaratório no sentido
de reconhecer o vexatório e inadmissível estado de coisas inconstitucional relativo
às carceragens provisórias do 03º e 12º Distritos Policiais de Curitiba/PR, com o
reconhecimento da crassa violação à preservação da dignidade do ser humano e
do próprio contexto de segurança pública, que se compromete na medida em que
se opera verdadeiro “círculo vicioso” de violência e humilhação, que, obviamente,
só trará mais violência e comprometerá mais essa sensação de segurança que
decorre (ou deveria decorrer) em todo e qualquer ESTADO CIVILIZADO.
11“Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”.
32
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
5.d. DO “ESTADO DE COISAS
INCONSTITUCIONAL”
Encontra-se em julgamento, neste momento, a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347/DF, em que se busca seja
“reconhecida a figura do ‘estado de coisas inconstitucional’ com relação a todo o
sistema penitenciário e prisional brasileiro e onde se busca, ainda, a adoção de
providências estruturantes e estruturais em virtude de lesões a preceitos
fundamentais de todo e qualquer pessoa presa em razão de ações e omissões
emanadas dos Poderes Públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal.
Em julgamento em sede de liminar, e ao conceder,
parcialmente, medida cautelar na referida ADPF, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal reconheceu, na data de 09 de setembro do corrente ano (vale
dizer, há pouco mais de um mês), a violação a preceitos fundamentais no sistema
penitenciário prisional brasileiro, e determinou, por consequência, a proibição do
Poder Executivo de contingenciar os valores disponíveis no Fundo Penitenciário
Nacional (FUNPEN), bem como determinou que juízes e tribunais passem a
realizar audiências de custódia de modo a viabilizar o comparecimento do preso
perante uma autoridade judiciária no prazo de até 24 (vinte e quatro) horas do
momento da prisão12.
O Excelentíssimo Senhor Ministro relator, Min. Marco
Aurélio, em seu voto no julgamento da MC em ADPF, assinalou o seguinte
diagnóstico, que em tudo e por tudo se aplica ao caso presente:
“Segundo investigações realizadas, a população
carcerária brasileira, maioria de pobres e negros,
alcançava, em maio de 2014, 711.463 presos, incluídos
12Vide link: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=299385&caixaBusca=N, acessado em 09 de setembro de 2015.
33
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
147.397 em regime domiciliar, para 357.219 vagas
disponíveis. Sem levar em conta o número de presos em
domicílio, o déficit é de 206.307, subindo para 354.244,
se computado. A deficiência de vagas poderia ser muito
pior se não fossem os 373.991 mandados de prisão sem
cumprimento. Considerando o número total, até mesmo
com as prisões domiciliares, o Brasil possui a terceira
maior população carcerária do mundo, depois dos
Estados Unidos e da China. Tendo presentes apenas
presos em presídios e delegacias, o Brasil fica em
quarto lugar, após a Rússia.
A maior parte desses detentos está sujeita às seguintes
condições: superlotação dos presídios, torturas,
homicídios, violência sexual, celas imundas e
insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas,
comida imprestável, falta de água potável, de produtos
higiênicos básicos, de acesso à assistência judiciária, à
educação, à saúde e ao trabalho, bem como amplo
domínio dos cárceres por organizações criminosas,
insuficiência do controle quanto ao cumprimento das
penas, discriminação social, racial, de gênero e de
orientação sexual.
(...).
Consta, na representação da Clínica UERJ Direitos,
que, nos presídios e delegacias, por todo o país, as celas
são abarrotadas de presos, que convivem espremidos,
dormem sem camas ou colchões, em redes suspensas no
teto, ‘dentro’ das paredes, em pé, em banheiros,
corredores, pátios, barracos ou contêineres. Muitas
vezes, precisam se revezar para dormir. Os presídios e
delegacias não oferecem, além de espaço, condições
34
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
salubres mínimas. Segundo relatórios do Conselho
Nacional de Justiça – CNJ, os presídios não possuem
instalações adequadas à existência humana. Estruturas
hidráulicas, sanitárias e elétricas precárias e celas
imundas, sem iluminação e ventilação representam
perigo constante e risco à saúde, ante a exposição a
agentes causadores de infecções diversas. As áreas de
banho de sol dividem espaço com esgotos abertos, nos
quais escorrem urina e fezes. Os presos não têm acesso
a água, para banho e hidratação, ou a alimentação de
mínima qualidade, que, muitas vezes, chega a eles
azeda ou estragada. Em alguns casos, comem com as
mãos ou em sacos plásticos. Também não recebem
material de higiene básica, como papel higiênico,
escova de dentes ou, para mulheres, absorvente íntimo.
A Clínica UERJ Direitos informa que, em cadeia
pública feminina em São Paulo, as detentas utilizam
miolos de pão para a contenção do fluxo menstrual.
(...).
Diante de tais relatos, a conclusão deve ser única: no
sistema prisional brasileiro, ocorre violação
generalizada de direitos fundamentais dos presos no
tocante à dignidade, higidez física e integridade
psíquica. A superlotação carcerária e a precariedade
das instalações das delegacias e presídios, mais do que
inobservância, pelo Estado, da ordem jurídica
correspondente, configuram tratamento degradante,
ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob
custódia. As penas privativas de liberdade aplicadas em
nossos presídios convertem-se em penas cruéis e
desumanas. Os presos tornam-se ‘lixo digno no pior
35
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
tratamento possível’, sendo-lhes negado todo e
qualquer direito à existência minimamente segura e
salubre.
(...).
Nesse contexto, diversos dispositivos, contendo normas
nucleares do programa objetivo de direitos
fundamentais da Constituição Federal, são ofendidos: o
princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º,
inciso III); a proibição de tortura e tratamento
desumano ou degradante de seres humanos (artigo 5º,
inciso XLVII, alínea e); o dever estatal de viabilizar o
cumprimento da pena em estabelecimentos distintos,
de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do
apenado (artigo 5º, inciso XLVIII); a segurança dos
presos à integridade física e moral (artigo 5º, inciso
XLIX); e os direitos à saúde, educação, alimentação,
trabalho, previdência e assistência social (artigo 6º) e à
assistência judiciária (artigo 5º, inciso LXXIV).
Outras normas são afrontadas, igualmente
reconhecedoras dos direitos dos presos: o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a
Convenção contra Tortura e outros Tratamentos e
Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção
Americana de Direitos Humanos.
(…).
A responsabilidade do Poder Público é sistêmica,
revelado amplo espectro de deficiência nas ações
estatais. Tem-se a denominada 'falha estatal
estrutural'. As leis existentes, porque não observadas,
deixam de conduzir à proteção aos direitos
fundamentais dos presos. Executivo e Legislativo,
36
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
titulares do condomínio legislativo sobre as matérias
relacionadas, não se comunicam. As políticas públicas
em vigor mostram-se incapazes de reverter o quadro de
inconstitucionalidades. O Judiciário, ao implementar
número excessivo de prisões provisórias, coloca em
prática a 'cultura do encarceramento', que, repita-se,
agravou a superlotação carcerária e não diminuiu a
insegurança social nas cidades e zonas rurais.
Em síntese, assiste-se ao mau funcionamento estrutural
e histórico do Estado – União, estados e Distrito
Federal, considerados Poderes – como fator da violação
de direitos fundamentais dos presos e da própria
insegurança da sociedade. Ante tal quadro, a solução,
ou conjunto de soluções, para ganhar efetividade, deve
possuir alcance orgânico de mesma extensão, ou seja,
deve envolver a atuação coordenada e mutuamente
complementar do Legislativo, do Executivo e do
Judiciário, dos diferentes níveis federativos, e não
apenas de um único órgão ou entidade”.
Vale destacar, na mesma ação, o voto proferido em sede de
Medida Cautelar pelo Ministro Luiz Edson Fachin, verbis:
“Tais dados [sobre a população carcerária, seu público-
alvo, e outros] revelam uma realidade assombrosa de um
Estado que pretende efetivar direitos fundamentais. Os
estabelecimentos prisionais funcionam como
instituições segregacionistas de grupos em situação de
vulnerabilidade social. Encontram-se separados da
sociedade os negros, as pessoas com deficiência, os
analfabetos. E não há mostrar de que essa segregação
37
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
objetive – um dia – reintegrá-los à sociedade, mas sim,
mantê-los indefinidamente apartados, a partir da
contribuição que a precariedade dos estabelecimentos
oferece à reincidência.
(…).
Quando o Estado atrai para si a persecução penal e, por
conseguinte, a aplicação da pena visando à
ressocialização do condenado, atrai, conjuntamente, a
responsabilidade de efetivamente resguardar a
plenitude da dignidade daquele condenado sob sua
tutela. A pena não pode se revelar como gravame a
extirpar a condição humana daquela que a cumpre.
Deve funcionar sim como fator de reinserção do
transgressor da ordem jurídica, para que reassuma seu
papel de cidadão integrado à sociedade que lhe cerca.
(…).
Avista-se um estado em que os direitos fundamentais
dos presos, definitivos ou provisórios, padecem de
proteção efetiva por parte do Estado”.
Não há muito mais a dizer, a partir dos votos dos Ministros
Marco Aurélio e Luiz Edson Fachin, bem como a partir do parecer anexado à
ADPF e da lavra do Prof. Dr. Juarez Tavares. O reconhecimento do “estado de
coisas inconstitucional” é patente. A oportunidade para que algo seja feito no
sentido de minorar ou afastar esse estado de coisas é urgente, e é agora.
6. REQUERIMENTO DE CONCESSÃO DE MEDIDA
LIMINAR E TUTELA INIBITÓRIA
Na hipótese, demonstrada a verossimilhança das alegações
38
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
contidas nesta petição através dos documentos anexados e da correta
interpretação das normas invocadas, formula-se a esse Juízo de Direito
requerimento de concessão de medida liminar para antecipação da tutela final
pretendida, com fundamento no artigo 461, caput, §§ 3º, 4º e 5º13, e no artigo
273, caput14, ambos do Código de Processo Civil, e no artigo 12, caput, da Lei nº
7.347/8515, determinando-se (A) A IMEDIATA INTERDIÇÃO DAS
CARCERAGENS PROVISÓRIAS DOS 3º E 12º DISTRITOS POLICIAIS
DESTA CAPITAL, também (B) A RETIRADA E REMOÇÃO DE TODOS
OS ATUAIS DETENTOS SEGREGADOS NAS CARCERAGENS DO 03º
E 12º DISTRITOS POLICIAIS DE CURITIBA/PR, COM SUA
INSERÇÃO JUNTO À UNIDADE OU ÀS UNIDADES DO SISTEMA
PENITENCIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ, CONCEDENDO-SE O
PRAZO DE 15 (QUINZE) DIAS PARA A CONCRETIZAÇÃO DA
ORDEM JUDICIAL PELO ORA REQUERIDO, devendo, ainda, em outra
frente, (C) ser determinada liminarmente, desde agora até o completo
esvaziamento das mencionadas carceragens, A PROIBIÇÃO DO INGRESSO
DE QUALQUER PESSOA DETIDA, PRESA EM FLAGRANTE OU
PROVISORIAMENTE, NAS CARCERAGENS DO 03º E 12º DISTRITOS
13Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juizconcederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências queassegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.(…).§ 3º. Sendo relevante ofundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito aojuiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificativa prévia, citado o réu. A medida liminarpoderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.§ 4º. O juiz poderá,na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente depedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para ocumprimento do preceito.§ 5º. Para efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado práticoequivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais comoa imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas,desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de forçapolicial.
14Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos datutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença daverosimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;ou,II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
15Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.
39
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
POLICIAIS DE CURITIBA/PR, QUE DEVERÃO PERMANECER
VAZIAS E LACRADAS ATÉ O TÉRMINO DA RELAÇÃO PROCESSUAL
E/OU ENQUANTO VÁLIDA A LIMINAR CONCEDIDA, tudo de forma a
preservar/garantir a validade e a efetividade das normas jurídicas acima
mencionadas (Tópico 4.c, supra).
Justifica-se a concessão da medida liminar, posto que, diante
da causa de pedir já exposta à exaustão ao longo da exordial, presentes estão os
pressupostos legais necessários ao deferimento da tutela de urgência pleiteada,
no caso a relevância da fundamentação da demanda (identificado aqui como
fumus boni iuris) e o receio de dano irreparável ou de difícil reparação
(identificado aqui como periculum in mora).
Com efeito, a relevância da fundamentação resta exposta
e configurada pelo evidente “estado de coisas inconstitucional” que transpassa e
caracteriza as carceragens dos 3º e 12º DPs, como indicado ao longo desta peça.
No que tange à questão da reparação do dano, é necessário
asseverar que tanto a melhor doutrina, como, inclusive, o Novo Código de
Processo Civil (Lei nº 13.105/15 – ainda não em vigência), em seu artigo 497,
parágrafo único, assinalam que para a concessão de tutela inibitória específica, o
que se busca é efetivamente inibir a prática, a reiteração ou a continuação de
um ilícito, sendo irrelevante, portanto, a demonstração da ocorrência de dano,
se é de difícil reparação, ou não, ou se existe culpa ou dolo.
Todavia, AD ARGUMENTANDUM, caso haja necessidade
em se tratar neste ponto sobre o periculum in mora, é possível verificar e deduzir
que este fundamento reside na necessidade de se obstar, imediatamente, a
continuidade das violações diárias e constantes ao princípio da dignidade do ser
humano (CRFB, art. 1º, inciso III) relativamente aos detentos que têm a má
sorte de serem colocados nas carceragens do 03º e 12º DPs, concretamente
40
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
quanto à sua própria segurança e integridade física e corporal, como, também,
em um contexto mais amplo, quanto à segurança da localidade e à segurança
pública da Capital, expostas a esse verdadeiro espiral de violência que só agrava o
estado de coisas.
Aqui, um registro é importante.
Os agentes do Ministério Público do Estado do Paraná,
conforme demonstra a documentação que encarta a petição inicial, buscaram
todas as alternativas possíveis para sanar o problema aqui retratado, desde
fevereiro de 2015. Foram pedidos oficiais formalizados, envio de ofícios, reunião,
recomendações administrativas, orientações, solicitações por escrito e orais,
enfim, todo o tipo de providência possível foi intentada. Todavia, sem sucesso,
muito embora o quadro sempre tenha sido terrível e a interdição das carceragens
(com a imediata retirada de todos os seus presos) fosse sempre providência
preliminar “da ordem do dia”, desde o início dos trabalhos de fiscalização e de
inspeções pelo parquet.
Com efeito, a urgência não diminuiu. A emergência em se
sustar imediatamente a contínua lesão a diversos bens tutelados e normas
jurídicas das mais diversas permanece.
Destaque-se, nesta quadra, que, em situação muito
semelhante à ora examinada, no âmbito da Ação Civil Pública nº 2489-
55.2015.8.16.0004, o douto Juiz de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública desta
Capital, Dr. Marcos Vinicius Christo, ao determinar liminarmente a interdição
da carceragem do 11º Distrito Policial de Curitiba, fez consignar o seguinte em
sua fundamentação, verbis:
“Denota-se que com a superlotação carcerária, os
presos, sejam provisórios ou definitivos que deveriam
41
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
estar implantados no Sistema Penitenciário, são
obrigados a permanecer em estados reduzidos, e nestes
espaços, ficam em local insalubre e sem iluminação ou
ventilação adequados, inclusive com risco de
contraírem e/ou agravarem doenças
infectocontagiosas.
A unidade prisional não tem garantido, neste juízo
sumário, assistência material e condições mínimas de
assegurar vida digna aos 163 (cento e sessenta e três)
presos, com tratamento degradante e humilhante aos
custodiados.
O Estado do Paraná, por outro lado, apesar de por
certo acompanhar o sucateamento da carceragem do
11º Distrito de Polícia de Curitiba durante anos, com
tempo suficiente para executar projeto, inclusive com
prévia dotação orçamentária, não tem adotado medidas
suficientes, concretas e efetivas para reforma e/ou
retirada dos presos daquele local, fazendo outras
escolhas políticas com recursos públicos, como
propaganda, alimentação de cerimonial, aluguel de
carros e outras despesas não essenciais de agentes
políticos, (...), sem considerar a violação de direitos e
garantias fundamentais daquelas pessoas que se
encontram encarceradas.
(...).
O risco à ordem pública não apenas decorre da
interdição e de medidas urgentes de remoção dos
presos, mas, sim, do tratamento desumano dos presos,
os quais, filhos da violência, continuam a receber do
Estado do Paraná tratamento violento e,
possivelmente, continuarão a reproduzir violência
42
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
quando forem colocados em liberdade, ou seja, irão
reproduzir a forma violenta e desumana com que foram
tratados pelo Estado do Paraná.
(...)”.
Ademais, há dois fatores importantes a aclarar. O primeiro
deles é que não resta nada mais a se tentar que não o ajuizamento desta
demanda. Tudo o mais que era factível foi buscado, sem sucesso. O segundo
deles é que, apenas na data de 14 de setembro de 2015, estes signatários
RECEBERAM ATRIBUIÇÃO ESPECÍFICA para o ajuizamento desta Ação
Civil Pública, por meio da Resolução sob nº 4027/2015, da d. Procuradoria-
Geral de Justiça do Estado do Paraná (anexa), o que possibilitou, destarte, a
presente providência jurisdicional.
Consigne-se que não se encontram presentes os óbices
legais estabelecidos no artigo 1º, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.437/92, visto que se trata
aqui de ação civil pública e a liminar pleiteada, caso concedida, de maneira
alguma esgotará o objeto da ação. Contudo, é de se aplicar a regra do artigo 2º,
da mesma lei, a fim de que a liminar pleiteada seja concedida, nos termos aqui
solicitados, APÓS audiência do representante judicial da pessoa jurídica de
direito público (Procuradoria-Geral do Estado do Paraná), em um prazo de 72
(setenta e duas) horas.
Giro outro, concedida a medida cautelar requerida em sede
de liminar de Ação Civil Pública neste tópico, pugna-se pela estipulação de
multa diária, para o caso de descumprimento, no valor equivalente a R$
5.000,00 (cinco mil reais) diários para a parte requerida por cada dia de
manutenção de presos nas carceragens ou por cada dia que houver novo
encarceramento em qualquer uma delas, COM RENOVAÇÃO DA MULTA
DIARIAMENTE em caso de verificação de descumprimento da ordem, a
recair sobre a pessoa física de seu representante legal acima indicado – vale
43
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
dizer, o GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ, gestor pública
diretamente responsável pela política pública de segurança e pelo cumprimento
do comando judicial16.
Nesse diapasão leciona Celso Antônio Pacheco Fiorillo17:
“É por via da liminar, assecutória ou satisfativa, que se
alcançará, ainda que provisoriamente, a certeza de que
o processo não será um mal maior do que já se
constitui, na medida em que a demora da entrega da
tutela jurisdicional não se constituirá um mal maior ou
mais nefasta que a própria caracterização do dano ao
meio ambiente. Por isso, urge como regra necessária e
política a utilização cada vez maior da tutela liminar
em sede de proteção efetiva de direito difusos como um
todo”.
Em caso semelhante, assim decidiu o Tribunal de Justiça do
Estado do Paraná, recentemente:
APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO
CONHECIDO DE OFÍCIO. PACIENTE ACOMETIDA
16A possibilidade de imposição da multa diária diretamente à pessoa do administrador público ou privado,ainda que o mesmo não faça parte da demanda, é admitida pela doutrina e pela jurisprudência. A propósito:“Desta especial peculiaridade decorrente da natureza jurídica da multa do art. 461 é que deriva oentendimento de que não há óbice para que as pessoas físicas, que tenham, por força de lei ou de estatutos oucontratos sociais, representação (material e processual) de pessoas jurídicas (de direito privado ou de direitopúblico, isto é indiferente), possam vir a ser responsabilizadas pessoalmente pelo pagamento da multa semprejuízo, evidentemente, de eventual apenação das próprias pessoas jurídicas. E a razão, não obstante suapolêmica em sede doutrinária e jurisprudencial, é a seguinte: as pessoas jurídicas só têm vontade na exatamedida em que as pessoas físicas que as representam a manifestem. Se a multa é dispositivo que visa ainfluenciar nesta vontade, não há como afastar sua incidência direta e pessoas dos representantes das pessoasjurídicas.” Cf. CÁSSIO SCARPINELLA BUENO, Código de Processo Civil Interpretado, coordenaçãoAntônio Carlos Marcato, 2ª ed., São Paulo: Ed. Atlas, 2005, p. 1458.17FIORILLO, Celso Antônio Pacheco et alli. Aspectos Polêmicos da Antecipação da Tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
44
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
DE ASMA BRÔNQUICA (CID J 45-0). PLEITO DE
FORNECIMENTO DOS MEDICAMENTOS VANNAIR
6/200 AEROSOL BUCAL E SINGULAIR 5MG.
PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO
MINISTÉRIO PÚBLICO, INADEQUAÇÃO DA VIA
ELEITA, NECESSIDADE DE CHAMAMENTO DA
UNIÃO FEDERAL E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
FEDERAL AFASTADAS. MEDICAÇÃO NÃO
CONSTANTE DO PROTOCOLO CLÍNICO DE
DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA
SAÚDE. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE
PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA. FATO QUE NÃO
JUSTIFICA A RECUSA AO FORNECIMENTO DO
FÁRMACO POSTULADO.INOCORRÊNCIA DE
VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS
PODERES E DA RESERVA DO POSSÍVEL. DIREITO
DA PACIENTE DEVIDAMENTE
COMPROVADO.POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE
MULTA DIÁRIA POR DESCUMPRIMENTO EM FACE
DO GESTOR PÚBLICO. MULTA MINORADA EM
FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E
RAZOABILIDADE.CONDENAÇÃO ÀS CUSTAS
PROCESSUAIS MANTIDAS. PREVALÊNCIA DO
DIREITO À SAÚDE E À VIDA. CONDENAÇÃO DO
ESTADO DO PARANÁ AO PAGAMENTO DE
HONORÁRIOS AO PARQUET AFASTADA.RECURSO
CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO,
SOMENTE PARA EXCLUIR A CONDENAÇÃO EM
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E ADEQUAR O
QUANTUM DA MULTA DIÁRIA FIXADA.
SENTENÇA MANTIDA EM GRAU DE REEXAME
45
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
NECESSÁRIO, CONHECIDO DE OFÍCIO.Há que se
conhecer de ofício do reexame necessário, tendo em vista o
disposto no Enunciado nº 18 das 4ª e 5ª Câmaras Cíveis
desta Corte que assim reza: "As sentenças ilíquidas
proferidas contra os Estados, Municípios e suas respectivas
autarquias e fundações de direito público, estão sujeitas ao
reexame necessário, não incidindo sobre elas a exceção
prevista no § 2º do art. 475 do CPC." O Ministério Público
possui legitimidade para defesa dos direitos individuais
indisponíveis, mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa
individualmente considerada (art. 127 da Constituição
Federal).A ação civil pública proposta pelo Ministério
Público é meio hábil para o pleito de fornecimento de
medicamentos a menor hipossuficiente, por se tratar de
ação que visa resguardar direito individual
indisponível.Tendo em vista que o Sistema Único de Saúde
(S.U.S.) é financiado por recursos do orçamento da
Seguridade Social da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, cada um destes entes, como
unidades federativas, tem o dever de prestar assistência à
saúde de forma integral.O art. 196 da Carta Magna
consagra o direito à saúde como dever do Estado, que
deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar
aos necessitados o tratamento mais adequado e eficaz, capaz
de ofertar ao enfermo maior dignidade, menor sofrimento e
melhor qualidade de vida. O fato da medicação postulada
não constar da lista de medicamentos editada pelo
Ministério da Saúde ou não constar no Protocolo Clínico de
Diretrizes Terapêuticas da referida entidade, não deve
implicar em restrição ao seu fornecimento, pois tais
protocolos clínicos, sendo normas de inferior hierarquia,
46
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
não podem prevalecer em relação ao direito constitucional à
saúde e à vida.A ausência de previsão orçamentária não
justifica a recusa ao fornecimento dos remédios, posto que
uma vez que existe o dever do Estado, impõe-se a superação
deste obstáculo através dos mecanismos próprios
disponíveis em nosso ordenamento jurídico.A concessão dos
medicamentos não implica em violação ao Princípio da
Separação dos Poderes, pois, como resulta evidenciado, a
vida é direito subjetivo indisponível (indispensável),
devendo prevalecer em qualquer situação. Não há que se
falar em violação ao Princípio da Reserva do Possível,
vez que não se deve discutir matéria orçamentária
quando a própria Constituição Federal prevê o
orçamento de seguridade social, com recursos
originários das três fontes que integram o sistema
unificado de saúde. É perfeitamente possível a
aplicação de multa diária contra a Fazenda Pública,
como meio coercitivo para impor o cumprimento de
medida antecipatória ou de sentença definitiva de
obrigação de fazer ou entregar coisa. É possível a multa
recair sobre agente público uma vez que este é o
responsável direito pelo cumprimento da decisão
judicial e, tendo em vista que a multa arbitrada possui
caráter de motivar o rápido cumprimento de decisão
pelo ente público, impõe-se que as astreintes sejam
também suportadas, no presente feito, pelo gestor da
Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, notadamente
como uma forma de garantir a efetividade da medida,
devendo, no entanto, ser reduzida, a fim de se mostrar
mais proporcional e razoável. Deve ser mantida a
condenação quanto às custas processuais, em respeito ao
47
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
Princípio da Causalidade. Além do que, tais custas
destinam-se à remuneração da prestação da atividade
jurisdicional.Não deve o Estado ser condenado ao
pagamento de honorários advocatícios em favor do
Ministério Público.
(TJPR - 5ª C.Cível - AC - 1140337-7 - União da Vitória -
Rel.: Luiz Mateus de Lima - Unânime - - J. 26.11.2013)
7. DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS FINAIS:
Em assim sendo e face aos fatos e fundamentos retro
esposados, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seus
agentes signatários, requer:
A) a autuação da presente petição inicial e da documentação
anexa, bem como o seu recebimento e processamento segundo o rito
estabelecido na Lei nº 7.347/85, como Ação Civil Pública de Obrigação de
Fazer, com pedido liminar, a tramitar via Sistema Virtual PROJUDI, com
prevenção desse Juízo;
B) a isenção de custas e emolumentos e a concessão dos
benefícios da Justiça Gratuita, nos termos do artigo 18, da Lei n.º 7.347/85;
C) a concessão de medida liminar nos moldes declinados no
ITEM DE Nº 5, desta petição inicial, nos termos do artigo 461, caput , §§ 3º, 4º e
5º, e do artigo 273, caput , ambos do Código de Processo Civil, e do artigo 12,
caput , da Lei nº 7.347/85, determinando-se A IMEDIATA INTERDIÇÃO
DAS CARCERAGENS DO 3º E 12º DISTRITOS POLICIAIS DESTA
CAPITAL, também A RETIRADA E REMOÇÃO DE TODOS OS ATUAIS
DETENTOS SEGREGADOS NAS CARCERAGENS DO 03º E 12º
48
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
DISTRITOS POLICIAIS DE CURITIBA/PR, COM SUA INSERÇÃO
JUNTO À UNIDADE OU ÀS UNIDADES DO SISTEMA
PENITENCIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ, CONCEDENDO-SE O
PRAZO DE 15 (QUINZE) DIAS PARA A CONCRETIZAÇÃO DA
ORDEM JUDICIAL PELO ORA REQUERIDO, devendo ainda por fim, em
outra frente, ser determinada liminarmente, desde agora até o completo
esvaziamento das mencionadas carceragens, A PROIBIÇÃO DO INGRESSO
DE QUALQUER PESSOA DETIDA, PRESA EM FLAGRANTE OU
PROVISORIAMENTE, NAS CARCERAGENS DO 03º E 12º DISTRITOS
POLICIAIS DE CURITIBA/PR, QUE DEVERÃO PERMANECER
VAZIAS E LACRADAS ATÉ O TÉRMINO DA RELAÇÃO PROCESSUAL
E/OU ENQUANTO VÁLIDA A LIMINAR CONCEDIDA, tudo de forma a
preservar/garantir a validade e a efetividade das normas jurídicas aqui
invocadas, após a oitiva do representante judicial do requerido ESTADO DO
PARANÁ, na forma do artigo 2º, da Lei nº 8.437/92;
D) Considerando-se a necessidade de dar efetividade à
medida liminar, requer-se a estipulação de MULTA DIÁRIA, para o caso de
descumprimento da ordem judicial, no valor equivalente a R$ 5.000,00 (cinco
mil reais) diários para a parte requerida por cada dia de manutenção de
presos nas carceragens ou por cada dia que houver novo encarceramento
em qualquer uma delas, COM RENOVAÇÃO DA MULTA
DIARIAMENTE em caso de verificação de descumprimento da ordem, a
recair sobre a pessoa física de seu representante legal acima indicado – vale
dizer, o GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ, gestor público
diretamente responsável pela política pública de segurança e pelo cumprimento
do comando judicial, a ser recolhida para o Fundo Estadual de Defesa dos
Direitos Difusos;
E) a regular CITAÇÃO do requerido ESTADO DO
PARANÁ para, querendo, contestar a presente pretensão;
49
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
F) seja conferida PRIORIDADE NA TRAMITAÇÃO da
presente Ação Civil Pública tendo em conta o “interesse público” envolvido na
lide;
G) seja julgada INTEGRALMENTE PROCEDENTE a
presente Ação Civil Pública, para o fim de que:
G.1) seja DECLARADO o “estado de coisas
inconstitucional”, reconhecendo o completo e absoluto
quadro de calamidade das carceragens provisórias do 3º e
12º Distritos Policiais de Curitiba/PR, bem como a
absoluta e rigorosa impossibilidade destas carceragens
continuarem a receber e nelas manter pessoas presas, ante o
flagrante desrespeito, a partir da teoria da integridade, do
princípio vetor da dignidade do ser humano, insculpido no
artigo 1º, inciso III, da Constituição da República
Federativa do Brasil;
G.2) sejam confirmadas as liminares concedidas, tornando-
as definitivas, e, NO MÉRITO, em julgamento definitivo,
seja o requerido CONDENADO na obrigação de FAZER,
consistente na interdição das carceragens do 03º e 12º DPs,
com as consequências lógicas derivadas dessa medida
judicial, e na obrigação de NÃO FAZER, consistente na
definitiva impossibilidade de utilizar as carceragens do 3º e
12º DPs para a colocação de presos, mantendo-as fechadas e
inutilizadas sem qualquer possibilidade de sua utilização
futura, fazendo, portanto, que as unidades policiais do 3º e
12º DPs tenham doravante apenas o mister de desenvolver
funções de polícia investigativa, sendo totalmente
50
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DAREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR
impossibilitada a utilização de suas respectivas carceragens,
peremptoriamente.
H) a condenação do requerido ESTADO DO PARANÁ
nas custas processuais e demais verbas de sucumbência, a serem revertidos em
favor do Fundo Especial do Ministério Público, conforme disposição de lei (Lei
Estadual n. 12.241/98);
I) produção de todos os meios de prova em direito
admitidos, em específico, prova documental (que segue anexa), e prova pericial,
consistente na elaboração de laudos técnicos oficiais e inspeção judicial,
protestando, desde logo, pela posterior juntada outros documentos, inclusive
laudo formulado por engenheiros do Ministério Público do Paraná sobre a
situação das carceragens.
Dá-se à causa, apenas para efeitos de alçada, o valor de R$
100.000,00 (cem mil reais).
Nesses termos,
Pede deferimento.
Curitiba-PR, 18 de novembro de 2015.
Raquel Juliana Fülle
Promotora de Justiça Designada
Jacson Zilio
Promotor de Justiça Designado
51