afonso mariano júnior - a polaridade no sistema ... a construção teórica do realismo ofensivo de...
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Afonso Rodrigues Mariano Júnior
A Polaridade no Sistema Internacional Pós-Guerra Fria
Belo Horizonte
2006
Afonso Rodrigues Mariano Júnior
A Polaridade no Sistema Internacional Pós-Guerra Fria
Monografia apresentada ao Curso de Graduação de Relações Internacionais do Centro Universitário de Belo Horizonte. Orientador: Prof. Rafael Ávila
Belo Horizonte
2006
Afonso Rodrigues Mariano Júnior A Polaridade no Sistema Internacional Pós-Guerra Fria Monografia apresentada ao Curso de Graduação de Relações Internacionais do Centro Universitário de Belo Horizonte. Belo Horizonte 2006
________________________________________________ Orientador - Rafael Ávila
_________________________________________________ Leonardo Ramos
_________________________________________________ Danny Zahreddine
Sumário
INTRODUÇÃO........................................................................................ pág. 04 CAPITULO 1 - A QUESTÃO DA POLARIDADE DO SISTEMA INTERNACIONAL E SUA
SUSCETIBILIDADE EM RELAÇÃO AOS CONFLITOS............................ pág. 06 CAPITULO 2 – AS CONSIDERAÇÕES POLÍTICAS E HISTÓRICAS DA ESTRUTURA
SISTÊMICA NA GUERRA FRIA............................................................... pág. 19
2.1 - O SURGIMENTO DAS GRANDES POTÊNCIAS.............. pág. 20 2.2 - A LÓGICA DA GUERRA FRIA.................................... pág. 25 2.3 - O PODER E A PAZ NUCLEAR..................................... pág. 33 2.4 - O FIM DA BIPOLARIDADE......................................... pág. 39
CAPÍTULO 3 – O SISTEMA INTERNACIONAL NA ÚLTIMA DÉCADA DO SÉCULO
XX....................................................................................................... pág. 43 3.1 – QUE PAZ?................................................................ pág. 56 CONCLUSÃO......................................................................................... pág. 62 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................ pág. 65
Introdução
Na área de Relações Internacionais, duas temáticas nunca saíram, de maneira geral, da
pauta dos debates teóricos. Essas temáticas são a guerra e a paz. Muitos acreditam que a
guerra, assim como, a paz estão intrinsecamente ligadas umas as outras, porém essa relação
nem sempre é verdadeira. Ao longo da história humana nações e povos intercalaram
momentos de guerra e paz, sem nunca terem realmente conhecido às razões que motivaram
seu comportamento. Isso é devido ao fato de que, mais do que um ímpeto ou vontade, tanto a
guerra quanto a paz são uma construção influenciada pela estrutura do sistema.
O objetivo do presente trabalho é observar a estrutura do sistema internacional
pontuando as diversas formas de como ele se articula, influencia e é influenciado em relação
ao comportamento de seus principais atores, os Estados. A elucidação dessa dinâmica permite
desvendar a inquietante pergunta: como a paz se relaciona com a estrutura do sistema e qual o
objetivo da mesma? Uma vez, que a guerra, muita das vezes, pode ser considerada como
produto do egoísmo humano, segundo Morgenthau ou através da busca pela maximização do
poder, como diz Mearsheimer (2001).
A relevância desse tema nas relações internacionais se expressa na incerteza que todo
Estado tem em relação a sua sobrevivência. Incerteza essa que norteia as ações de um Estado
dentro do cenário internacional. Assim sendo, é importante conhecer como o Estado age em
relação às lacunas e constrangimentos que a estrutura do sistema, a guerra e a paz, colocam a
sua frente. Esse conhecimento se faz necessário tanto para compreender as ações dos Estados
no passado, quanto para prever seus possíveis passos no futuro.
No primeiro capítulo iremos abordar como a estrutura do sistema internacional
funciona, pontuando os aspectos da Teoria do Realismo Ofensivo, especificamente, através da
explanação de Mearsheimer (2001). Para compreender como a polaridade sistêmica é
construída e como ela se relaciona com a distinção de poder dentro do cenário internacional.
E, de certa forma, tentar estabelecer como a polaridade interfere na suscetibilidade para
conflitos dos Estados no ambiente internacional.
Após conseguirmos teorizar sobre a estrutura sistêmica e seus pressupostos, no
segundo capítulo, passaremos a analisar através de uma observação histórica-estrutural como
se constituía a polaridade durante a Guerra Fria, sem esquecer do contexto político e
ideológico envolvidos naquele momento. Para tanto focaremos no comportamento dos
principais Estados do período, evidenciando sua busca pela paz e também, de certa forma,
como o sistema colabora para uma construção da mesma.
Por fim, no terceiro capítulo lidaremos com a mudança da estrutura sistêmica ocorrida
com o fim da Guerra Fria, para analisarmos se o comportamento das potências, ou até mesmo
elas, foram modificados. Sem deixar de lado as considerações sobre a paz e o tipo de paz
praticado nessa conjuntura sistêmica. É claro que para isso vamos utilizar a teoria exposta, no
primeiro capítulo, para solucionar mais uma das grandes indagações do acerca do sistema
internacional: qual tipo de estrutura vigora no pós-Guerra Fria? E a resposta dessa pergunta é
imprescindível para se estabelecer um vinculo entre o comportamento das potências e a sua
suscetibilidade para conflitos envolvendo outras potências.
CAPITULO 1 - A QUESTÃO DA POLARIDADE DO SISTEMA
INTERNACIONAL E SUA SUSCETIBILIDADE EM RELAÇÃO AOS
CONFLITOS .
Uma das construções centrais do tema se refere à questão da hegemonia, partindo dos
pressupostos realistas de Mearsheimer (2001), temos a condição inerente de que os Estados
são os principais atores das relações internacionais e os mesmos primam por sua
sobrevivência dentro de um sistema anárquico. Esta anarquia do sistema é responsável pela
busca constante de poder pelos Estados com o único objetivo de maximizá-lo em detrimento
às demais potências. Para um Estado, o ponto central é se tornar a única hegemonia no mundo
e, dessa forma, minimizar suas preocupações frente às ameaças de um outro Estado.
Existe uma distinção entre as abordagens realistas no que se refere ao comportamento
agressivo das potências, o realismo ofensivo indica que esse comportamento se dá devido à
busca do poder pelas grandes potências. Essa diferença se expressa no realismo defensivo,
exposto por Waltz (Waltz apud Mearsheimer, 2001), que apesar de colocar a reação agressiva
das grandes potências como um fator relacionado à sobrevivência na anarquia do sistema
internacional, vinculando essa necessidade dos Estados em se comportarem defensivamente
para manter sua posição, ou status quo, no sistema internacional, usando à balança de poder.
Realismo defensivo, que é frequentemente referido como realismo estrutural, entra em cena no fim de década de 1970 através de Waltz com a Theory of International Politics. Diferente de Morgenthau, Waltz não assume que as grandes potências são inerentemente agressivas porque elas estão atreladas ao ganho de poder; ao invés disso ele começa pela assumida posição de que os Estados meramente aspiram pela sobrevivência. (...) Não obstante, ele mantém que a estrutura do sistema internacional força as grandes potências a prestar cuidadosa atenção na balança de poder (Mearsheimer, 2001, pág. 19, tradução livre).
A base teórica do realismo defensivo está arraigada na concentração de poder do
Estado para manter a balança de poder. Ao contrario o realismo ofensivo afirma que os
Estados se comportam para maximizar seu poder, tendo a hegemonia como objetivo final.
Mearsheimer (2001) expõe, ainda, que a anarquia força os Estados a procurar por segurança
para competir com outros Estados por poder, porque poder é a melhor forma de garantir a
sobrevivência. Assim, acredito que o realismo ofensivo, pontua de forma mais elucidativa, as
reais intenções dos Estados em relação ao poder, por isso aplicaremos essa teoria ao longo
desse texto.
Particularmente, a anarquia força a procura de segurança por parte dos Estados para competir por poder com cada outro Estado, porque poder é o melhor caminho para sobreviver (Mearsheimer, 2001, pág. 19, tradução livre).
Toda a construção teórica do realismo ofensivo de Mearsheimer (2001) é baseada em
cinco pressupostos elementares. O primeiro se refere à anarquia do sistema internacional,
sendo que essa anarquia não pode ser compreendida como caos ou falta de ordem e sim como
a ausência de um ator capaz de sobrepujar a soberania dos Estados e ditar o comportamento
dos mesmos. O segundo se refere a capacidade ofensiva militar que as grandes potências têm,
e que podem ser utilizadas para danificar e possivelmente destruir uma as outras. O terceiro
pressuposto afirma que os Estados nunca podem estar seguros em relação às intenções dos
outros Estados, isso porque as motivações de um Estado podem mudar rapidamente
ocasionando uma inversão de suas intenções em relação a um outro. O quarto ponto indica
que a sobrevivência é o principal objetivo de um Estado, especificamente a manutenção da
sua integridade territorial e de sua autonomia na ordem política doméstica, esse pressuposto é
fundamental para a delimitação da soberania de um Estado e sobre o alcance de sua
autoridade. Por fim, o quinto pressuposto afirma que as grandes potências são atores
racionais, pois elas observam o ambiente externo e pensam estrategicamente como sobreviver
nele, através da compreensão das preferências dos outros Estados, do seu próprio
comportamento e de como esse comportamento afeta os demais Estados.
Minha explicação para o porquê das grandes potências competirem umas com as outras por poder e se esforçarem para obter a hegemonia, é derivada de cinco suposições sobre o sistema internacional. Nenhuma destas suposições sozinhas determina que Estados se comportem competitivamente. No entanto, quando consideradas em conjunto, elas retratam um mundo em que os Estados têm uma
considerável razão para pensar e, às vezes, comportasse agressivamente. Em particular, o sistema encoraja os Estados a procurar oportunidades de aumentar ao máximo seu poder vis-a-vis outros Estados (Mearsheimer, 2001, pág 29, tradução livre).
Porém, tornar-se uma hegemonia global é uma tarefa difícil de ser realizada, devido ao
fato de que, para fazê-lo, o Estado precisa ser capaz de projetar poder por todo o globo. A
tarefa é bastante complexa porque, segundo Mearsheimer (2001), o poder terrestre é o mais
importante instrumento de poder militar do Estado, e não basta somente projetar poder sobre
um pretenso Estado rival, deve-se ter a capacidade de dominá-lo em seu território.
Sendo assim, para alcançar a condição de hegemonia global, o Estado precisa projetar
seu poder terrestre no intuito de dominar o território de seu pretenso rival. A dificuldade disso
é que o mundo possui grandes oceanos e diversos mares, e projetar poder terrestre através
deles é uma tarefa complicada, pois o Estado a ser invadido terá vantagem para se defender de
um possível ataque. Esse fator foi chamado de “poder parador das águas”, o principal motivo
da não existência de uma hegemonia global.
“O principal impedimento a dominação mundial é a dificuldade de projetar poder através dos oceanos em direção ao território de uma grande potência rival” (Mearsheimer, 2001, pág 41 tradução livre). “(...) Largas massas de água são formidáveis obstáculos que causam significativos problemas de projeção de poder para as forças atacantes” (Mearsheimer, 2001, pág 44, tradução livre).
Portanto, aos Estados, resta apenas a condição de se tornarem hegemonias regionais,
ou seja, alcançarem pleno poder militar e uma condição de riqueza favorável, em uma massa
contínua de terra, onde não existam outras possíveis potências para rivalizar nessa disputa
pela hegemonia regional. Essa situação requer um entendimento sobre a distinção de
“potências insulares” e “potências continentais”, uma vez que tal condição geográfica pode
habilitar um Estado quanto ao seu pretenso posto de Hegemon.
Potências Insulares são consideradas Estados que estão separados de outras potências
por grandes massas de água, Potências Continentais são aquelas que possuem dentro do seu
próprio continente outras potências rivais na busca pela hegemonia. É importante estabelecer
que as potências regionais tendem a impedir o surgimento de outras possíveis potências,
mesmo em outro território, porque elas se sentem ameaçadas por essa futura possibilidade. De
certa forma, as potências querem expandir seu poder, visando maximizá-lo, sendo que, em
última instância, elas primaram pela manutenção do status quo do sistema vigente, desde que
isso garanta sua posição de potência.
Por hegemonia global pode se entender que é uma situação na qual um único Estado
alcança uma condição ímpar de poder bélico e de riqueza que o capacita a projetar essa poder
por todo o globo, tamanha é essa capacidade que, mesmo que todos os demais rivais se unam,
o Hegemon não poderá ser derrotado. Nas próprias palavras de Mearsheimer (2001):
(...) é que exceto por um evento incomum onde um Estado alcance uma clara superioridade nuclear, isto é, virtualmente impossível para qualquer Estado alcançar a hegemonia global. O principal impedimento para a dominação mundial é a dificuldade de projetar poder através dos oceanos, em direção a uma grande potência rival (Mearsheimer, 2001, pág. 41, tradução livre).
Em contrapartida existe a hegemonia regional, quando ocorre uma situação onde um
Estado é capaz de projetar poder de forma similar ao de um Hegemon global, porém dentro de
uma região específica onde não haja outro Estado que possa lhe fazer frente; mais uma vez
segundo Mearsheimer (2001).
A melhor situação que uma Grande Potência pode esperar ter é uma condição de hegemonia regional e possível controle de uma outra região próxima e acessível por terra. (...) Estados que alcançam a hegemonia regional esforçam-se por prevenir que Grandes Potências em outras regiões dupliquem seu feito (Mearsheimer, 2001, pág. 41, tradução livre).
Outra concepção de hegemonia pode ser vista na teoria da estabilidade hegemônica, na
qual Gilpin (2002) afirma que, para que haja a existência de uma hegemonia, é necessário que
os outros Estados acreditem na legitimidade e na necessidade da existência da mesma. E para
exercer esse papel, é necessário que a potência hegemônica se incline favoravelmente a uma
ordem internacional liberal, ou seja, que ela tenha como objetivo determinados valores
liberais. O que define, em última instância, uma potência hegemônica é o seu desejo e a sua
capacidade de estabelecer e manter as normas e regras de uma ordem econômica, e o
enfraquecimento dessa ordem advindo do possível declínio dessa potência hegemônica.
A Teoria da Estabilidade Hegemônica afirma que um tipo particular de ordem econômica internacional, a ordem liberal, não poderia florescer sem a presença de um poder hegemônico. É preciso também que a potência hegemônica tenha um compromisso com os valores do liberalismo, ou seja, que seus objetivos sociais e a distribuição interna de poder se inclinem favoravelmente a uma ordem internacional liberal. (...) A Hegemonia ou Liderança baseia-se na crença generalizada em sua legitimidade e, ao mesmo tempo, na necessidade de mantê-la. Os outros Estados aceitam a regra proposta pela potência hegemônica em razão de seu prestígio e status no sistema político internacional; faz-se necessário um grau considerável de consenso ideológico para que a potência hegemônica tenha o necessário apoio dos outros Estados poderosos (Gilpin, 2002, pág 92).
Porém, a teoria da estabilidade hegemônica não debate determinados aspectos que
devem ser considerados nessa abordagem, enfocando os fatores econômicos como principal
meio de se alcançar à condição de Hegemon, vai além do consenso proposto por Gilpin
(2002) e possui uma grande implicação na formação da estrutura do sistema internacional. Em
relação à discussão proposta para o debate entre a relação da estrutura do sistema
internacional e a possibilidade de paz, a explanação de Mearsheimer (2001) parece ser mais
completa, abrangendo vários fatores, como o ganho de poder, que estão ligados à existência
de uma hegemonia, o que leva a escolha da Teoria do Realismo Ofensivo para tratar desse
tema.
Continuando dentro do raciocínio de Mearsheimer (2001), essas questões de poder e
hegemonia conduzem o sistema a três estruturas no cenário internacional, em relação à
polaridade do sistema, sendo elas; a bipolaridade, a multipolaridade desbalanceada e
multipolaridade balanceada, visto que hegemonia global (unipolaridade) é muito difícil, ou até
mesmo impossível, de ser alcançada. E, por conseqüência, há uma discussão sobre qual dessas
estruturas é menos inclinada para o conflito e como cada uma influencia nas relações entre as
potências.
Existe ainda uma estrutura conhecida como unipolaridade, essa estrutura pressupõe a
existência de um único Estado capaz de influenciar e “dominar” todos os seus demais rivais,
sem que nenhum tenha, mesmo que juntos, a capacidade de sobrepô-lo. Porém, para a teoria
de Mearsheimer (2001), essa estrutura é um aspecto descartável, uma vez que, segundo a
própria teoria o único meio de se influenciar e “dominar” todo o globo, é através da
hegemonia, fato impossível diante do “poder parador das águas”, que limitam a projeção de
poder dos Estados, dessa forma a unipolaridade não é incluída dentro desse arcabouço teórico.
A primeira estrutura possível de acontecer é a bipolaridade; o sistema bipolar ocorre
quando duas potências de igual poder (ou pelo menos próximo disso) dividem as áreas de
controle e de influência no mundo. Essas potências temem aquilo que podemos chamar de
destruição mútua ou enfraquecimento mútuo, por possuírem capacidades mais ou menos
simétricas de projeção de poder e de riqueza, elas evitam ao máximo um conflito direto,
portanto torna a guerra um instrumento menos comum. O motivo disso, segundo Mearsheimer
(2001) é:
Assim, bipolaridade é a mais estável das diferentes conjunturas, por quatro razões. Primeira, há relativamente menos oportunidades para conflito na bipolaridade, e só um possível conflito fatal envolvendo as grandes potências. Segundo, o poder é distribuído mais equitativamente entre as grandes potências, o que é uma importante fonte estrutural de estabilidade. Além do mais, há oportunidade limitada para os grandes potências avançarem contra outros estados ou tirar proveito de potências menores. Terceiro, dissuade o cálculo errôneo e assim reduz a probabilidade que as grandes potências tropecem na guerra. Quarto, embora o medo esteja constantemente em jogo na política mundial, a bipolaridade não amplia essas ansiedades que assombram estados (Mearsheimer, 2001, pág. 346, tradução livre).
De acordo com a citação descrita acima e partindo do marco teórico de Mearsheimer
(2001), que desenvolve sua idéia a partir de elementos históricos como o período da Guerra
Fria, a existência de armas nucleares e o temor da destruição mútua, então, a razão para que a
bipolaridade seja considerada como a mais estável se dá pelos seguintes fatores: O primeiro
refere-se à oportunidade de conflitos no cenário internacional, na qual a existência de duas
grandes potências força os demais Estados a se enquadrarem dentro da esfera de influência
das mesmas. De forma geral, conflitos que envolvam os Estados que façam parte dessas
esferas de influência (partindo da idéia de que eles fazem parte de lados diferentes na esfera
de influência) tendem a ser considerados como da competência das grandes potências. Devido
a isso, qualquer conflito entre pequenos Estados pode se tornar um conflito entre as grandes
potências, configurando em uma situação de um único conflito, mesmo que “maquiado”
através do engajamento de terceiros Estados. Por exemplo, suponhamos que Brasil e
Argentina entrem em guerra e que eles façam, respectivamente parte da esfera de influência
dos EUA e da URSS. Os resultados dessa guerra podem interferir no campo de influência das
grandes potências, portanto elas se preocupam em garantir que sua esfera permaneça intacta,
engajando-se indiretamente no conflito. Em suma, existe apenas um conflito que envolve as
duas grandes potências e a possibilidade de um enfrentamento direto entre as mesmas.
O segundo é referente à equidade de poder entre as duas potências, ou seja, as
capacidades desses Estados são similares e isso contribui para que haja uma maior
estabilidade no sistema internacional. Isso dá, ao sistema internacional, uma maior
estabilidade em relação aos possíveis conflitos que as ações dos Estados poderiam acarretar,
refreando o comportamento ofensivo dos mesmos. Um exemplo disso pode ser visto dentro da
lógica da Guerra Fria, na qual os EUA não invadiram Cuba para não causar uma reação da
URSS. Uma vez que, por disporem de recursos semelhantes, evitavam ao máximo entrar em
um conflito direto com o outro.
O terceiro fator é redução dos erros de cálculo com a função de se evitar guerras, isso
se dá por causa do menor número de atores envolvidos nas decisões das grandes potências, já
que, no sistema bipolar, existem apenas duas e fica menos complexo calcular as
possibilidades que abarcam o envolvimento e a atitude das mesmas. Como, por exemplo, a
própria invasão citada acima, os EUA já calculam que se eles tomarem essa atitude, ela será
respondida pela URSS e isso, provavelmente, levará as duas grandes potências ao conflito.
O quarto e último fator afirma que a bipolaridade não amplia o medo existente na
política mundial, isso pode ser explicado pela própria divisão do sistema internacional em
duas esferas de influência, pois já se sabe as intenções e os limites que essas potências
possuem e isso não permite muitas surpresas no cenário internacional. Um exemplo claro
disso é, no período da Guerra Fria, o medo da destruição por intermédio das armas nucleares
já era uma constante ameaça para os Estados, sendo impossível aumentar o temor advindo da
ameaça à sobrevivência do Estado.
A segunda estrutura possível para o sistema internacional é a multipolaridade
balanceada, ou equilibrada; uma estrutura na qual existem três ou mais potências e todas
possuem uma certa simetria de poder e de riqueza, tornando difícil distinguir a mais poderosa
dentre todas. Elas disputam as mesmas áreas de influência, mas são menos propensas a
projetar seu poder sem evitar uma grande possibilidade de conflitos. São três as razões que
tornam esse sistema mais propenso à guerra:
Primeiro, por apresentar uma maior possibilidades para o conflito principalmente entre as próprias grandes potências. Guerras que envolvem simultaneamente grandes potências são incomuns. Segundo, o poder pode ser distribuído desigualmente entre os Estados principais, e esses com capacidade militar maior estarão inclinados a começar guerras, porque eles podem pensar que tem a capacidade de vencer os outros. Essa também será a oportunidade para as grandes potências atacarem terceiros Estados e coagir ou conquistar as potências menores. Terceiro, o erro de calculo é um sério problema, embora os níveis altos de temor entre as grandes potências sejam improváveis, porque não há lacunas excepcionais de poder entre os estados principais no sistema (Mearsheimer, 2001, pág. 346, tradução livre).
Os fatores que para Mearsheimer (2001) delineiam à multipolaridade balanceada
devem ser considerados em comparação com o sistema bipolar, sendo colocados da seguinte
forma: O primeiro fala sobre a maior ocorrência de conflitos devido a existência de uma
terceira ou mais grandes potências no cenário internacional. Isso eleva o número de conflitos,
envolve as grandes potências e não garante a “proteção” dos demais Estados, por exemplo, a
Guerra da Criméia (1853), situação na qual a Rússia atacou o Império Otomano, que recebeu
ajuda com a entrada da França e da Inglaterra para o seu lado.
O segundo se refere à desigualdade da distribuição do poder e a coloca como um dos
motivos que propiciam a ocorrência de guerras. As grandes potências, devido a esse fator,
tendem a se inclinarem mais em direção a guerra, pois elas não possuem uma “medida
correta” sobre a capacidade militar de um outro Estado. Outro exemplo pode ser visto na
própria Guerra da Criméia, na qual de acordo com a quadro abaixo, não é possível mensurar
em termos de contingente militar o real poder de uma das potências. Nota-se que em termos
de forças armadas a Rússia, praticamente, duplica seu exército. Enquanto os demais Estados
pouco ampliaram suas tropas, no mesmo período de tempo.
Número de homens nas forças armadas européias (1853-56) Guerra da Criméia
1853 1854 1855 1856
Áustria 514.000 540.000 427.000 427.000
Reino Unido 149.089 152.000 168.552 168.552
França 332.549 310.267 507.432 526.056
Prússia 139.000 139.000 142.000 142.000
Rússia 761.000 1.100.000 1.843.463 1.742.000
fonte: Mearsheimer, 2001, pág 352 – Tabela 9.2, tradução livre.
O terceiro coloca em questão os erros de cálculo, pelo o único e simples motivo da
existência de mais Estados considerados como grandes potências. O exemplo disso se
compara com o sistema bipolar na qual se tem, entre as grandes potências, uma única
possibilidade de guerra, que é A x B. No sistema multipolar, com apenas três grandes
potências, há possibilidade de vários conflitos, como A x B, A x C, B x C, A x B x C, A x (B
+ C), B x (A + C) e C x (A + B), entre outras combinações dessas variáveis, sendo muito mais
complexo o cálculo de tais possibilidades de conflito, isso aumenta consideravelmente as
chances de erro de cálculo.
Por fim, a terceira, a multipolaridade desbalanceada; ocorre quando existem três ou
mais potências, porém uma já alcançou tamanho poder militar e riqueza, isso torna sua
relação com as demais assimétrica, esse Estado pode ser considerado como um pretenso
Hegemon regional. Mearsheimer (2001) explica esse sistema da seguinte forma:
É a forma mais perigosa de distribuição de poder. Não somente por possuir todos os problemas da multipolaridade balanceada, também sofre do pior tipo de desigualdade: a presença de um potencial Hegemon. Isso declara que ambos tem capacidade significativa de causar problema e desova níveis altos de temor entre as grandes potências. Ambos esses desenvolvimentos aumentam a probabilidade de guerra, sendo possível envolver todas as grandes potências no sistema e é especialmente custoso (Mearsheimer, 2001 pág. 347, tradução livre).
A multipolaridade desbalanceada possui a existência de um pretenso Hegemon como
um dos fatores preponderantes para que esse tipo de sistema seja o mais propenso a guerra
entre as grandes potências. A presença desse Hegemon, segundo o próprio Mearsheimer
(2001), aumenta o nível de medo entre as grandes potências.
Potenciais Hegemons também levam à guerra pelo aumento do nível de temor ou medo entre as grandes potências. Medo é endêmico para os Estados no sistema internacional, e ele guia a competição por poder, de modo que possa aumentam suas possibilidades de sobrevivência nesse mundo perigoso. O surgimento de um potencial Hegemon, no entanto, torna as outras grandes potências especialmente temerosas, e elas procuraram, duramente, por meios de corrigir esse desbalanceamento de poder sendo inclinadas a perseguir de forma arriscada políticas mais seguras. A razão é simples: quando um Estado ameaça dominar os demais, o valor de longo termo para permanecer em paz declina e os Estados ameaçados estarão mais dispostos as possibilidades de melhorar sua segurança (Mearsheimer, 2001, pág 344, tradução livre).
É justamente essa maior disposição para aumentar a segurança que torna o sistema
multipolar desbalanceado mais propenso aos conflitos, envolvendo as grandes potências. Esse
temor que as demais potências sentem em relação ao potencial Hegemon torna essa estrutura
mais apta às situações de insegurança, o que leva a medidas para a garantia da sobrevivência e
possivelmente aos conflitos.
No decorrer da história mundial, tivemos períodos intercalados de multipolaridade
balanceada e desbalanceada, bem como de bipolaridade que ocorreram mais comumente na
antiguidade e, mais recentemente, durante a Guerra Fria. A lógica desse período se difere dos
demais por um motivo que vai além da existência de apenas duas potências, esse fato é
encontrado na questão das armas nucleares, sendo que esse poderio bélico coloca em xeque a
segurança dos Estados, mesmo as potências, devido ao seu enorme poder destrutivo.
A impressionante ausência de conflitos envolvendo diretamente as grandes potências
durante a Guerra Fria, pode ser observada através do prisma de garantia da sobrevivência,
dentro de algo que pode ser chamado de paz nuclear. Para entender essa corrente de raciocínio
é preciso voltar um pouco na idéia de paz armada, essa paz é alcançada da seguinte forma: as
duas principais potências sentiam-se mutuamente ameaçadas uma pela outra, no intuito de
minimizaram essa insegurança elas passaram a se armar, e quando uma potência adquiria um
instrumento de guerra mais avançado a outra se sentia impelida pela necessidade de
sobrevivência a conseguir igualar esse avanço e superar a rival com uma outra inovação
bélica. Essa prática ficou conhecida como corrida armamentista, que gerou a doutrina do
Mutual Assured Destrution, ou seja, destruição mutua assegurada (MAD), fator que
contribuiu para um mundo mais estável em relação aos conflitos envolvendo Grandes
Potências.
Uma vez que um conflito mesmo que convencional, entre as potências se inicie, não se
pode garantir que o mesmo não alcançará uma escala nuclear. Mearsheimer (2001) argumenta
que, “(...) todas as Grandes Potências pensam que guerras convencionais e nucleares são parte
de uma mesma rede, e que não há um caminho distinto entre os dois tipos de conflitos”
(Mearsheimer, 2001, pág. 132, tradução livre). Porém, essa frágil dimensão do emprego do tipo
de guerra num determinado conflito e suas possíveis conseqüências levam os tomadores de
decisão a optarem por métodos convencionais de combate, evitando uma possível situação de
MAD. Esse ciclo de avanços militares cresce de forma espiral e nunca soluciona o problema
da insegurança, por conseguinte as potências nunca sabiam o real poder da outra e, evitavam
ao máximo, um conflito que as envolvessem diretamente, essa era a lógica baseada na corrida
armamentista que, por fim, gerou a paz armada.
Esses avanços militares conseguiram produzir cada vez mais armas com capacidade de
destruição massiva, e os Estados se sentiram impelidos a alcançar esse tipo de tecnologia
nuclear, porém a obtenção desse tipo de tecnologia também não diminui a questão da
insegurança. Tamanha foi à aquisição desse tipo de arma, que uma guerra na qual elas fossem
utilizadas, acabaria em uma destruição mútua e na destruição do mundo. Como o sistema
bipolar é menos suscetível aos erros de cálculo, a probabilidade de um conflito se estender
para uma guerra de grandes proporções é muito maior, por isso, as potências se sentem mais
compelidas a dialogar e cooperar evitando ao máximo uma guerra.
O fato de sistemas bipolares serem menos suscetíveis aos erros de cálculo, e o fato de
sistemas multipolares serem mais suscetíveis aos mesmos, deve-se ao número de Grandes
Potências interagindo no sistema, sendo que haverá no sistema multipolar no mínimo o
envolvimento de três potências, e somente a inclusão dessa terceira potência aumenta o
número de interações no sistema. Tal fato multiplica a quantidade de informações necessárias,
para a elaboração de análises referente às Potências, aumentando as possibilidades de
interação decisiva entre elas, o que leva á uma maior margem para o erro de cálculo.
Portanto a questão da suscetibilidade da existência de conflitos, seja entre grandes
potências ou outros Estados, está diretamente vinculada à estrutura do sistema internacional.
Não que os Estados não possuam motivos suficientes para entrar em conflito, mas, pelo fato
de a conjuntura e a dinâmica das relações internacionais permitirem a existência de um maior
ou menor número de constrangimentos para que haja esse tipo de contenda entre os Estados.
Sendo assim, a existência de paz ou não no sistema internacional não pode ser avaliada
somente em relação a ausência ou presença de conflitos, mas também por um maior número
de fatores como, por exemplo, a estrutura sistêmica, a situação política e a conjuntura
histórica. Somente dessa forma, podemos averiguar se determinada polaridade sistêmica é
mais favorável para a paz ou não. É dessa maneira que, no próximo capítulo, iremos observar
e analisar, as considerações políticas e históricas no período final da Guerra Fria e na década
de 1990, para delimitarmos a possível estrutura do sistema internacional na última década do
século XX e relacioná-la com a suscetibilidade de conflitos e as possibilidades de paz.
Capitulo 2 – As Considerações Políticas e Históricas da Estrutura
Sistêmica na Guerra Fria.
Nesse capítulo iremos abordar a Guerra Fria através da teoria sistêmica, vista no
capítulo anterior, atentando para a estrutura bipolar e as considerações políticas e históricas
que envolveram a disputa de influência entre as duas grandes potências do período. Para tanto
devemos ter uma rápida compreensão do contexto que possibilitou EUA (Estados Unidos da
América) e URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), se tornarem as principais
potências do sistema internacional. O quadro que gerou essa situação foi a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945), uma disputa onde alguns Estados motivados pelo expansionismo de
seus governos autoritários, como a Itália e a Alemanha, entraram em um combate contra as
demais nações, principalmente na Europa e na Ásia, tomando proporções mundiais. De um
lado os Estados de regime autoritário, Alemanha, Itália e Japão e do outro um bloco composto
por Inglaterra, França, EUA e Rússia, respectivamente o Eixo e os Aliados.
A Segunda Guerra Mundial durou de 1939 até 1945, ano em que o Exército Vermelho
(URSS) adentrou em Berlim, capital da Alemanha, impondo ao eixo sua rendição. A Itália já
havia se rendido anteriormente em 1943 e o Japão se rendeu para os EUA em 1945, após a
derrota do exército “imperial” para a União Soviética na Manchúria e o ataque nuclear
infligido pelos norte-americanos. O desfecho da guerra se deu com a derrota dos Estados do
Eixo e com a mudança sistêmica, que se consolidou em uma estrutura bipolar, possibilitando
os EUA e a URSS, o status de grandes potências do cenário internacional. Vale lembrar que a
estrutura vigente no período anterior a Segunda Guerra Mundial era multipolar balanceada e
que os Estados que entraram em beligerância durante a mesma eram as principais potências
daquele período.
2.1-O Surgimento das Grandes Potências
Ao findar da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e a União Soviética eram
um dos únicos Estados que tinham condições para de fato disputar o poder no mundo que se
recompunha. Para Mearsheimer (2001), o poder de uma potência deve ser baseado nas
capacidades materiais que cada Estado possuiu e ele é dividido em dois tipos: O poder latente
que é baseado na riqueza do Estado e no tamanho de sua população, em outras palavras se
refere ao potencial que um Estado tem para construir sua força militar e lutar suas guerras. E o
poder militar que é baseado no tamanho e na força do exército1 de um Estado somado ao
suporte naval e aéreo.
Estados têm dois tipos de poder: poder latente e poder militar. Essas duas formas de poder estão intimamente relacionadas, mas não são sinônimas, porque elas derivam de tipos diferentes de qualidade. Poder latente refere-se a ingredientes socioeconômicos que podem construir o poder militar; ele é baseado na riqueza e no tamanho total da população do Estado. Grandes potências precisam de dinheiro, tecnologia e pessoas para construir sua força militar e lutar suas guerras, e o poder latente do Estado refere-se ao potencial de matéria-prima que ele pode dispor quando compete com um Estado rival. (..) Poder militar é baseado largamente no tamanho e na força do exército de um Estado e no suporte de forças aéreas e navais. Mesmo num mundo nuclear, os exércitos são o principal ingrediente do poder militar (Mearsheimer, 2001, pág. 55 e 56, tradução livre). Parte Relativa de Riqueza Européia, 1941-1944
1941 1942 1943 1944
EUA 54% 58% 61% 63%
Alemanha 22% 23% 23% 19%
URSS 12% 7% 7% 9%
Reino Unido 9% 9% 9% 9%
Itália 3% 3% _ _
Fonte: Mearsheimer, 2001, pág. 73, tabela 3.4, tradução livre.
1 O poder terrestre é considerado como o mais importante, pois para que um outro local seja dominado é necessário a presença de tropas terrestres. “(...) Eles certamente podem contribuir para o sucesso de uma campanha militar, mas as guerras são vencidas principalmente em terra. Os mais poderosos Estados são aqueles que possuem as mais formidáveis forças terrestres.” (Mearsheimer, 2001, pág. 56, tradução livre).
Os motivos pelos quais esses dois Estados alcançaram tal condição como potências no
pós-Segunda Guerra Mundial foram cruciais para a formação da nova estrutura sistêmica, ou
seja, um mundo dividido em dois grandes blocos de influência, capitalistas e comunista
respectivamente EUA e URSS. O quadro anterior mostra o aumento percentual da economia
norte-americana, provavelmente, proveniente do comércio com a Europa, nos anos que se
seguiram durante a Segunda Guerra Mudial.
Os Estados europeus, mais precisamente a Inglaterra e a França não tinham condições
para desfrutar os ganhos políticos e econômicos da guerra, uma vez que a Europa foi o
principal cenário da mesma e os países precisavam se reestruturar. Tal fato afastou
temporariamente não só esses dois Estados das grandes decisões mundiais, visto que França e
Inglaterra faziam parte do grupo de Estados vencedores da Segunda Guerra Mundial e
figuravam como defensores do capitalismo junto aos EUA, mas também toda a Europa.
No continente asiático, os avanços japoneses durante a guerra e o próprio estágio de
desenvolvimento dos demais países impediram, mesmo que temporariamente, uma reação por
parte de qualquer um deles, principalmente a Coréia e a China. Nota-se também que boa parte
dos países asiáticos já se encontravam sob a égide da URSS, o que diminuía
consideravelmente qualquer articulação nesse sentido, os Estados asiáticos que não haviam
aderido ao modelo soviético através da ascensão ou revolução de seus partidos comunistas,
tiveram sua vontade política, de certa maneira, coibida ante ao domínio soviético por
intermédio da coação do poderio militar da URSS.
Quando o terceiro Reich finalmente ruiu em abril de 1945, a URSS se tornou o mais poderoso Estado europeu. A queda do império japonês quatro meses depois, levou a URSS a também se tornar o mais poderoso Estado no nordeste da Ásia. Não havia nenhuma outra grande potência na Europa ou no Nordeste da Ásia que pudesse parar o poderoso exército vermelho nessas regiões e estabilizar a hegemonia soviética. Os EUA foi o único Estado poderoso o bastante para conter a expansão soviética (Mearsheimer, 2001, pág 322, tradução livre).
A África, que também foi palco de algumas batalhas durante a guerra e que há séculos
havia estado sobre o domínio das metrópoles européias, não tinha sequer um Estado em
condições de galgar um posto de grande influência e destaque mundial. Ao contrário, o
continente tinha a possibilidade de se desvincular do colonialismo europeu, e alcançar a
independência de seus países. O único problema era que devido à demarcação arbitrária do
limite territorial dos países, o continente emergiu em diversas guerras civis, que acabaram por
atravancar ainda mais o desenvolvimento dos mesmos.
Por fim o continente americano também não possuía Estados com condições de
superar as dificuldades de desenvolvimento e se destacar mundialmente. Sendo que a maioria
desses países, devido a suas possibilidades políticas, na época alguns desses Estados que
sofriam com problemas de insurreições e adotavam políticas ditatoriais, muita das vezes
financiadas pelo capital estrangeiro, preferiram aderir a égide norte-americana, uma vez que o
mesmo era o único país da região que durante a guerra havia atingindo a condição de
potência, e possuía riqueza e poder militar, suficiente para garantir esses Estados.
Fonte: www.encarta.msn.com/medias_761569374/Cold_War.html, acessado em 2 de outubro de 2006.
Assim o mundo havia sido dividido, de um lado os EUA e do outro a URSS, e a
estrutura do sistema internacional também se modificou para o sistema bipolar. As condições
pelas quais esses Estados chegaram a essa situação no final da Segunda Guerra Mundial não
ocorreram somente pela não existência de possíveis candidatos à potência, e sim, por os dois
países possuírem outras características, das quais as mais importantes em relação à teoria
realista de Mearsheimer (2001) serão mostradas ao decorrer do presente capítulo.
Apesar da rápida desmobilização dos seus exércitos, os norte-americanos saíram do
conflito, em termos de poder, em situação realmente invejável. A guerra beneficiara os EUA
em vários sentidos: seu território não sofrera danos matérias por não ter sido campo de
batalha; suas perdas humanas foram menores se comparadas com as dos outros países
beligerantes2; sua economia saiu fortalecida pelo esforço de guerra; o monopólio da força
atômica dava-lhe a certeza de uma segurança relativamente barata e otimista e, por fim; a
derrocada do Império Britânico dava aos EUA a condição de exercer o papel hegemônico
frente aos interesses do capitalismo.
A URSS, não obstante as grandes perdas materiais e humanas que sofrera com a
guerra3, era um dos poucos países, além dos EUA, em condições de manter seus subsistemas,
dadas as enormes potencialidades naturais do país. Em 1945 o exército soviético ocupava a
Europa Oriental além do rio Elba e seus domínios já alcançavam a Europa Central.
Decorrente da desmobilização do exército norte-americano nessa região a URSS se tornou a
maior força armada do mundo. Como podemos observar no quadro a seguir as maiores
baixais durante a Segunda Guerra Mundial, com exceção da URSS, ocorrem nos países do
leste da Europa, principalmente na Polônia, que serviu como “colchão” entre os exércitos da
Alemanha e da União Soviética.
2 Como visto na tabela Quadro de Perdas Humanas – II Guerra Mundial. 3 Idem.
Quadro de perdas humanas - II Guerra Mundial
País Perdas humanas (soldados)
Alemanha 5.000.000
França 535.000
Itália 450.000
Polônia 5.800.000
Grã-Bretanha 380.000
Iugoslávia 1.600.000
Tchecoslováquia 415.000
URSS 17.000.000
USA 300.000
Japão 1.500.000
China 2.200.000
Fonte: Y.Durand “Naissance de la guerre froide”, Paris, pag. 47, publicado no site http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/segunda_guerra9.htm, acessado em 13 de novembro de 2006.
E ao final da guerra, assumiu o propósito de expandir seu poder de influência nos
antigos Estados ocupados pelos nazistas assegurando a presença definitiva dos soviéticos nos
territórios do Leste Europeu. Apesar de possuir condições favoráveis a um domínio
hegemônico global a URSS havia saído bem desgastada do conflito e não percebia uma
guerra contra os EUA como algo plausível naquele momento.
A hegemonia, no entanto, não foi possível por duas razões: primeiro, dado a grande quantidade de danos infligidos pelo terceiro Reich na União Soviética, Stálin tinha que se concentrar na reconstrução e recuperação pós-1945, não iniciar outra guerra. Assim ele diminuiu o tamanho das tropas militares soviéticas de 12,5 milhões de soldados para 2,9 milhões em 1948. Segundo, os EUA era um país enormemente rico que não tinha a intenção de permitir o domínio completo da URSS na Europa e no Nordeste de Ásia (Mearsheimer, 2001, pág 198, tradução livre).
Essas circunstâncias, impulsionadas pelo caráter expansionista das ideologias
dominantes em cada uma dessas potências, agruparam os componentes que levariam à
formação de dois blocos antagônicos e à conseqüente bipolarização do mundo, com seus
vários atores se posicionando em torno desses dois pólos de poder.
2.2-A Lógica da Guerra Fria
As tensões resultantes do confronto dessas duas superpotências alimentaram todo o
contexto da Guerra Fria. Essa definição se deu, segundo Pereira (1984), da seguinte maneira:
“Guerra, porque os diplomatas dos dois blocos não podiam e nem queriam acertar suas
divergências por meio de negociações e Fria, porque também não podiam e nem queriam
acertá-las através da força” (Pereira, 1984). Durante quarenta anos o mundo foi dividido e
influenciado por duas linhas de pensamento, a norte-americana e a soviética, sendo que nesse
período o conflito ideológico velado entre essas potências foi marcado por duas correntes, a
“corrida armamentista” e a “paz armada”.
A “corrida armamentista” pode ser associada com o dilema de segurança, uma vez que
os Estados se armam cada vez mais, para se sentirem seguros quanto uma possível ameaça do
outro. Seguindo uma lógica racional onde, quanto mais um estado se arma mais ameaçador
ele tende a parecer para o outro, e que esse por sua vez busca se armar para minimizar sua
insegurança frente ao primeiro.
Por exemplo, no final da Segunda Guerra Mundial o EUA era o único Estado
possuidor de armamento nuclear4. Esse fato dava os EUA uma vantagem bélica em relação a
URSS, que busca seu programa atômico a fim de igualar-se aos EUA em termos de
armamento. Dessa forma os EUA investem na pesquisa de armamentos que possam lhe dar
vantagem sobre o seu rival, tendo uma ação de igual proporção por parte da URSS, dessa
forma gerando um ciclo espiral.
Como visto no capítulo anterior, essa espiral culmina em uma preocupação por parte
dos Estados, onde uma possível guerra entre essas potências terminaria na destruição mútua
das mesmas, é nesse momento que podemos observar a “paz armada”. Visto que a busca por
armamentos pelos Estados em questão foi tamanha, que a incerteza sobre quão capacitado o
4 Existem diferenças entre nuclear e atômico, porém usaremos o tremo genérico que é nuclear.
inimigo possa ser, deixa uma boa margem para o erro de cálculo. É valido pensar que os
Estados prefiram não entrar em confronto direto, sendo assim, o sistema internacional
permanece ausente de conflitos diretos entre as grandes potências, enquanto as mesmas se
armam buscando se precaver de uma guerra posterior.
O dilema de segurança que é um dos grandes conceitos da literatura de relações internacionais, reflete a lógica básica de realismo ofensivo. (...) Os Estados que aumentam seu poder relativo ao máximo estão preocupados principalmente com a distribuição de capacidades materiais. Em particular, eles tentam obter uma grande vantagem de poder sobre seus possíveis rivais, porque o poder é o melhor meio para sobreviver num mundo perigoso. (Mearsheimer 2001, tradução livre).
O fato mais importante para a alteração da balança de poder entre as grandes potências
na Guerra Fria, foi o fim do monopólio atômico que os EUA detinham desde 1945. A URSS,
em setembro de 1949, alcançou a condição de possuidor de armamento nuclear, dando início
ao projeto soviético de se chegar à paridade nuclear com os norte-americanos, esse fato
culminou numa situação de dissuasão recíproca5, sendo que as duas potências possuiam uma
tecnologia militar parelha (na época o armamento nuclear era tido como o ultimo avanço em
tecnologia bélica). Os termos de utilização desse poderio deixavam de pender somente para
um dos lados da balança de poder. Essa igualdade de condições acerca da tecnologia nuclear
colaborou ainda mais para a vertente da paz armada, e demonstrou claramente à dinâmica da
corrida armamentista.
A corrida armamentista deve ser vista nesse caso como, o meio pelo qual, as grandes
potências se garantem em relação ao dilema de segurança, levando em consideração de que
quanto maior for o poderio de uma delas tão maior será o de sua rival. Essa garantia de uma
destruição mútua das partes beligerantes, em se tratando de grandes potências possuidoras de
armas nucleares, compele o sistema internacional a uma situação de equilíbrio em razão da
dissuasão proporcionada pela capacidade destrutiva de ambas as grandes potências. 5 A dissuasão atômica e nuclear está na capacidade do país detentor da tecnologia de usá-la ou não contra um inimigo. E por dissuasão podemos entender que é um ato que visa inibir o outro de usar de certos meios ou ter certos comportamentos, isto é se a política determinar que o objetivo seja impedir a concretização das ameaças por parte do outro (Loureiro dos Santos, 1983, pág. 327).
Dessa forma as superpotências, para manter sua fonte de poder político inalterado, usam da corrida armamentista para manter as bases de sua segurança uma vez que o atual equilíbrio mantido pela dissuasão mútua, resultando em dois fatores essenciais: a existência de um potencial de destruição adequado e absolutamente eficaz e a credibilidade do uso desse potencial de destruição. A tese de segurança máxima exige cada vez mais armamentos com um maior potencial de extermínio que o obtido anteriormente. A dissuasão atômica se apóia, fundamentalmente, na capacidade ofensiva da potência nuclear. Representa a possibilidade de resposta imediata e arrasadora ao ataque inimigo (Pereira, 1984, pág. 87).
Os Estados interpretam a busca por segurança de um outro Estado, que tenha uma
capacidade potencial de ameaçar a sobrevivência do primeiro, como um problema de
segurança e dessa forma tomam atitudes similares para minimizarem essa insegurança. Assim,
a maioria dos Estados que se sentem inseguros adotam medidas para diminuir ou eliminar
essa insegurança. Essas medidas, em grande parte, são de âmbito bélico, portanto são
percebidas por outro Estado como uma potencial ameaça, E esse Estado no intuito de se sentir
mais seguro em relação ao primeiro Estado também se arma, gerando insegurança no mesmo
e colaborando para a continuação dessa espiral na busca pela segurança através de
armamentos militares.
Nesse momento a segurança é invisível, qualquer tentativa de melhorar a segurança de um Estado por conseqüência do aumento da segurança de um outro, somente acelera a corrida armamentista via o dilema de segurança. Sendo assim, ações defensivas podem ser interpretadas como uma ameaça ofensiva (Terrif, 1999, pág.77, tradução livre).
Foi dentro dessa linha de ação que os EUA e a URSS agiram durante todo o período
da Guerra Fria, devido à assumida posição como potências regionais. Os EUA para contrapor
a influência da URSS, mantinham um considerável contingente militar e uma política voltada
a manutenção do maquinário de guerra, em tempos considerados de paz. A URSS também
respondia, com medidas semelhantes, às medidas de aumento do maquinário bélico norte-
americano. Em termos mais claros, a questão da corrida armamentista e da paz armada,
forçavam as duas potências regionais, a disputar suas áreas de influência no âmbito
diplomático através de tramitações políticas no foro da Organização das Nações Unidas
(ONU)6.
Porém por vezes essas disputas envolvendo as grandes potências, como no caso da
Guerra Civil Grega (1944-1949) e da Guerra do Vietnã (1965-1972) que passaram da questão
político-diplomático para combates militares indiretos, ou seja, as duas potências se
enfrentavam “veladamente” por intermédio de países do terceiro mundo. Uma boa
exemplificação desse tipo de disputa entre os EUA e a URSS foi a Guerra da Coréia, que
ocorreu sob a bandeira da ONU. Esse conflito ideológico e militar se desenvolveu de 1950 a
1953, colocando o bloco soviético, de um lado e o bloco americano aliado às forças das
Nações Unidas, de outro. Com o fim da Segunda Guerra Mundial a Coréia é dividida em duas
zonas de ocupação, a norte-americana ao sul, e a soviética ao norte, correspondendo à
bipolaridade sistêmica da Guerra Fria. Na realidade a península coreana havia sido ocupada
pelas tropas japonesas desde 1910, com a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial essas
tropas se renderam ao sul para o exército dos EUA e ao norte para o exército Soviético, sendo
assim separadas pelo paralelo 38º.
Essa disputa por influência na península da Coréia, acarretou na divisão da região em
dois países distintos, a Coréia do Norte (República Democrática Popular da Coréia) e a Coréia
do Sul (República da Coréia), respectivamente aliadas ao bloco soviético e aos EUA e seus
aliados. Em meio a disputas no âmbito político e diplomático, todas as tentativas de
reunificação fracassaram, com ambos os lados reivindicando jurisdição completa sobre o
território coreano. Esse fato tornou a fronteira entre os dois Estados uma região de grande
tensão. 6 A Organização das Nações Unidas (ONU) é a organização internacional fundada em 1945 com o objetivo de manter a paz e a segurança internacionais; estabelecer relações cordiais entre as nações do mundo, obedecendo aos princípios da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos; e incentivar a cooperação internacional na resolução de problemas econômicos, sociais, culturais e humanitários. A evolução histórica das Nações Unidas foi determinada durante quase meio século pela "guerra fria" e pela rivalidade entre os dois grandes blocos econômico-políticos então existentes: o capitalista e o socialista. Essa situação perdurou durante aproximadamente meio século, ou seja, até a dissolução da União Soviética, no início da década de 1990. (http://www.brasilescola.com/historiag/onu.htm, acessado dia 22 de setembro de 2006).
Nesse contexto podemos observar a disputa clara entre as potências norte-americana e
soviética, no que se refere à questão da hegemonia regional, citada no primeiro capítulo. Os
EUA buscavam quebrar a influência da URSS mantendo um governo pró-americano o mais
próximo possível do território soviético, em contrapartida o outro bloco tentava diminuir a
proximidade americana através da manutenção e do apoio a um governo pró-soviético,
mesmo que isso acarretasse na divisão de um terceiro Estado ou até mesmo em uma guerra
que envolvesse essas partes.
Em 25 de junho de 1950, após a retirada nos anos anteriores dos exércitos da URSS e
dos EUA, as tropas da Coréia do Norte, realizaram um ataque surpresa e invadiram o sul em
uma tentativa de unificar o país sob o regime comunista. Nesse mesmo dia, o Conselho de
Segurança da ONU, aproveitou-se da ausência do representante da URSS, e declarou a
República Popular da Coréia agressora, nomeando o general norte-americano MacArthur para
chefiar as tropas de intervenção da ONU, na Coréia.
No dia 15 de setembro, as forças da ONU, que eram compostas quase totalmente
por soldados norte-americanos, lançaram um contra ataque às tropas invasoras. A URSS não
se envolveu diretamente no conflito, limitando-se a ajudar militarmente os norte-coreanos. Os
combates foram violentos e as tropas da ONU avançaram através do território da Coréia do
Norte. No fim de outubro, os norte-coreanos foram obrigados a recuar para o rio Yalu,
próximo à fronteira com a China. Se sentido ameaçado, o governo chinês entrou na guerra,
com uma grande ofensiva, forçando o recuo das tropas da ONU. Em 4 de janeiro de 1951, os
chineses conquistaram a capital da Coréia do Sul.
Vale lembrar nesse momento que as potências dentro do sistema bipolar, devido à
simetria de poderes e a possibilidade de destruição ou enfraquecimento mútuo, evitam ao
máximo um conflito direto entre as mesmas. Em sua obra Mearsheimer (2001) aponta duas
possíveis estratégias das quais as grandes potências podem utilizar para manter inalterada a
balança de poder, principalmente quando se sentirem ameaçadas. Essas estratégias são:
Balancing7, quando uma grande potência assume a responsabilidade direta de prevenir uma
agressão frente uma mudança da balança de poder. E Buck-passing8, quando um Estado
repassa para outro Estado, também ameaçado, a tarefa de deter uma possível agressão,
evitando os encargos da luta. As grandes potências preferem utilizar a estratégia de buck-
passing em detrimento a de balancing. Via de regra, as potências resolvem suas disputas
através de terceiros Estados, sobretudo quando procuram ampliar sua área de influência em
territórios onde a outra potência já possui ou busca essa mesma condição, sem se
comprometer diretamente com o conflito e ainda repartindo o custo do mesmo com os demais
Estados beligerantes.
Desde que as grandes potências maximizaram sua parte do poder mundial, elas investem pesadamente em defesa e constroem forças formidáveis de luta. Essa capacidade militar impressionante é normalmente suficiente para deter Estados rivais frente a uma mudança da balança de poder. Mas ocasionalmente, grandes potências altamente agressivas, que são mais difícil de conter, entram em cena. Especialmente Estados poderosos como potenciais hegemons, invariavelmente caem nesta categoria. Para lidar com estes agressores, as grandes potências ameaçadas podem escolher entre duas estratégias: balancing e buck-passing. Elas invariavelmente preferem buck-passing, embora às vezes eles não tenham outra escolha senão utilizar o balncing contra uma ameaça (Mearsheimer, 2001, pag. 155, tradução livre).
Uma nova ofensiva norte-americana, através da ONU, entre fevereiro e março,
empurrou as tropas chinesas e norte-coreanas de volta ao paralelo 38º. Desde então, as
posições permaneceram inalteradas durante mais dois anos de combate, o que resultou em
muitas baixas para ambos os lados. A paz veio somente com o Armistício de Panmunjom,
assinado em 27 de julho de 1953. O acordo manteve a fronteira entre as duas Coréias,
definida no paralelo 38º e estabeleceu uma zona desmilitarizada entre as duas, que permanece
até atualmente.
7 Ver Mearsheimer, 2001 pág. 156. 8 Ver Mearsheimer, 2001 pág. 157.
Fonte: www.oakengates.com/history/korea/map.htm, acessado em 2 de outubro de 2006.
A lógica de ação dentro do sistema bipolar explica o desfecho desse conflito através da
equidade de poderes e de uma menor propensão aos erros de cálculo, tal como aponta
Mearsheimer (2001). Dessa forma a Guerra da Coréia terminou como havia começado, ambas
as superpotências mantiveram suas áreas de influência sem terem se enfrentado diretamente.
A compreensão das ações dessas potências dentro da sistemática da Guerra Fria nos
traz a clara indicação de que as mesmas conseguem, por intermédio de intervenções militares
e também por influência, determinar a conduta política dos demais Estados, principalmente se
eles estiverem atrelados ao mesmo bloco de influência. De certa forma moldando a sociedade
internacional de acordo com suas necessidades, através dos mecanismos que auxiliam a
manutenção e sustentação de intervenções militares diretas e indiretas, como os bloqueios
econômicos e outros tipos de pressão sobre os demais. Em suma as grandes potências atuam
conforme suas possibilidades e de seus próprios objetivos, o único problema se dá quando
esses objetivos são divergentes.
Nessa situação as potências podem e conseguem dificultar toda e qualquer medida
positiva para a construção de uma paz moldada nos conceitos da ONU, entidade formulada
pelas mesmas, que tem por objetivo principal zelar pela manutenção da paz no sistema
internacional. Seu propósito principal da ONU é assegurar a paz e a segurança internacional,
os mecanismos utilizados por esse organismo internacional contam com o apoio dos Estados,
através da chamada segurança coletiva. A segurança coletiva é baseada no “policiamento” da
paz por parte de todos os outros Estados participantes da ONU, quando essa ordem é
ameaçada ou rompida os Estados, através da ONU, atuam para restabelecer a ordem outrora
vigente.
Os objetivos das Nações Unidas são: 1- Manter a paz e a segurança internacionais e para esse fim: tomar medidas coletivas eficazes para prevenir e afastar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão, ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos, e em conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajustamento ou solução das controvérsias ou situações internacionais que possam levar a uma perturbação da paz; 2- Desenvolver relações de amizade entre as nações baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal (www.unicrio.org.br/ONU.php, acessado em 2 de outubro de 2006).
Dessa maneira, a ONU atua mais para manter a ordem vigente no sistema
internacional, do que para estabelecer a paz. A forma pela qual a ONU faz esse tipo de
operação é através das operações de manutenção da paz, que contam impreterivelmente com a
colaboração de alguns Estados.
Essa convergência primária dos objetivos de todos Estados acaba por corroborar de
forma negativa para a segurança mundial, fato esse que se relaciona com o dilema de
segurança. As disputas por áreas de influência, entre EUA e URSS, tiveram uma considerável
mudança dentro de seus meios de dissuasão política. A real e constante ameaça de destruição
mútua, por intermédio de arsenais nucleares, pode não ter sido capaz de modificar a dinâmica
dos conflitos, porém tiveram uma fundamental importância na concepção e no temor acerca
da sobrevivência dos Estados. Para tanto se faz necessário uma explicação sobre a relação
entre a dissuasão nuclear e o poder dentro da dinâmica do sistema internacional.
2.3-O Poder e a Paz Nuclear
Na sociedade internacional contemporânea, segundo Pereira (1984), ocorre uma
evidente desigualdade política decorrente do diferencial de poder que se expressa na
capacidade que cada Estado tem para exercer sua vontade e realizar seus objetivos de acordo
com seus interesses. A capacidade de um Estado advém das capacidades tangíveis ou
mensuráveis, como, por exemplo; recursos naturais, população, produção agrícola,
industrialização, forças militares entre outros. E através de fatores intangíveis, como cultura,
política e a moral da nação. Como visto anteriormente Mearsheimer (2001) tem uma outra
concepção de poder, ele define poder como algo baseado nas capacidades materiais
particulares que cada Estado possui, resumindo sua idéia dentro dos conceitos já explicados
de poder latente e poder militar. É exatamente com base nesses fatores que podemos
estabelecer a correlação de poder que hierarquiza e define qualquer conjuntura sistêmica no
cenário internacional.
Os fatores apontados são a riqueza e o tamanho da população de um Estado, que têm
um papel fundamental na construção do poder militar do mesmo. De acordo com a teoria
realista, na qual o realismo ofensivo tem suas raízes, a preocupação principal dos Estados é a
de garantir sua própria sobrevivência e devido à insegurança que um Estado sente em relação
ao outro, motivado pela incerteza sobre suas ações, o melhor meio de se garantir frente aos
seus possíveis rivais é adquirindo poder.
Num mundo de Estados soberanos, a segurança pode fundamentar-se na fraqueza dos adversários ou na própria força. Supondo que a segurança seja o objetivo último da política dos Estados, o meio eficaz de alcançá-lo será o estabelecimento de uma nova relação de forças, ou a modificação da relação existente, para que os inimigos potenciais não sejam tentados a tomar a iniciativa de agressão, devido à inferioridade do rival (Aron, 1979, pág. 102).
Dessa forma, o poder funciona na anarquia internacional como impulsionador da vida
política, podendo ser definido como a capacidade que um ator tem para fazer valer sua própria
vontade sobre os demais atores, usando a pressão política, econômica ou militar como meio
final para realizar seus objetivos. O poder é um fator determinante do comportamento dos
membros da sociedade internacional, principalmente dos Estados, os quais comparados com
outros atores do cenário internacional, realmente são os membros mais poderosos.
Atuando na sociedade internacional em termos de política de poder, a posição de
qualquer Estado na hierarquia internacional depende fundamentalmente de seu peso em
relação à riqueza e ao poder militar sobre os demais Estados. Sendo assim, a busca pela
hegemonia perpassa por uma relação primordial entre poder e estrutura sistêmica. É dentro
desse contexto que o fim da Segunda Guerra Mundial deu aos EUA e a URSS uma condição
de poder tal, que possibilitou o impulso de domínio e de influência dessas duas grandes
potências em relação aos demais Estados, durante cerca de quarenta e cinco anos.
As principais questões da política internacional na era nuclear passam por
componentes de inovações científicas importantes, sabemos, porém, que algumas das grandes
descobertas científicas ou avanços tecnológicos provocam algumas mudanças e reajustes no
sistema hierárquico internacional, sobretudo no status do país “descobridor”, como, por
exemplo: as armas nucleares. Uma vez que essa inovação ou avanço ocorra no campo militar,
a influência do poder político desse Estado se alterará incontestavelmente. Tal condição tem
um vínculo direto com as capacidades de cada Estado.
Programas Nucleares Mundiais – Cronologia
1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000
Alemanha (1939-45)
EUA (1941) EUA(1945)
URSS(1942) URSS (1949) Rússia
ReinoUnido (1942) Reino Unido (1952)
Japão (1942-45)
Suíça (1946-69)
Austrália
Suécia (1952-74)
Egito (1954-67)
França(1956) França (1960)
China (1957)
China (1964)
Israel (1958) Israel (1967)
Índia (1958) Índia (1974)
Iugoslávia (1987)
Coréia do Norte (1961) Coréia do Norte
(2003)
Espanha
Taiwan (1988)
Coréia do Sul (1971-75)
Paquistão (1972) Paquistão (1998)
Iraque
África do Sul (1973)
África do Sul (1982-94)
Romênia (1989)
Argentina (1990)
Brasil (1975-88)
Síria (1979)
Libia (2003)
Irã
Algéria (1995)
Fonte: http://users.erols.com/mwhite28/coldwar1.htm, acessado dia 22 de outubro de 2006.
O advento da arma nuclear modificou os conceitos tradicionais em relação a mensuração de forças, as doutrinas e estratégias militares e alterou as estruturas diplomáticas, durante a Guerra Fria, dessa forma transformando as relações internacionais apenas por constituir-se como principal indicador do diferencial de poder (Pereira, 1984, pág. 77).
Embora a citação acima seja contraditória ao pensamento de Mearsheimer (2001), que
aponta o poder terrestre como o fator mais importante para ganhar poder e, em um mundo no
qual, apesar da existência de armas nucleares, o uso da mesma é descartado devido à situação
de MAD9. Vale, ainda, salientar que durante a Guerra Fria a posse de armas nucleares foi
objetivo político de vários Estados. Naquele período três dos Estados vencedores da Segunda
Guerra Mundial, a China e outros Estados buscaram a aquisição de armas nucleares, o motivo
dessa busca está ligado ao aumento do poder militar do Estado possuidor de tal tecnologia.
Esse fato aumenta também a própria segurança do Estado, uma vez que a dissuasão nuclear
colabora para que os Estados possuidores de armamento nuclear evitem guerras entre si10.
Alcançar a capacidade nuclear se torna o objetivo central das metas de qualquer
Estado que deseje se postular como potência mundial. Mearsheimer (2001) acredita que se
somente uma grande potência atingisse a condição de superioridade nuclear tornando-se uma
hegemonia global na qual, seus rivais não pudessem competir pela segurança, as forças
convencionais não teriam a menor chance de alterar a balança de poder. Porém em uma
situação onde duas ou mais grandes potências possuem um poder nuclear capaz de garantir
uma retaliação em caso de um ataque nuclear por parte de outro Estado, a competição pela
segurança continuaria existindo e as forças terrestres permaneceriam como principal
componente do poder militar11.
9 Ver Mearsheimer, 2001, pág. 130-133. 10 Idem. 11 Ver Mearsheimer, 2001, pág. 128-130.
Não obstante, existe um pequeno acordo sobre como as armas nucleares afetam a política das grandes potências e, em particular, a balança de poder. Alguns argumentam que as armas nucleares eliminam de forma eficiente a competição por segurança entre as grandes potências, porque os Estados possuidores de armas nucleares não ousariam atacarem-se uns aos outros devido ao temor da aniquilação. A conversa precedente de poder militar convencional, de acordo com esta perspectiva, é em grande parte irrelevante na era nuclear. Porém outros fazem o argumento oposto: porque as armas nucleares são horrivelmente destrutivas, nenhum líder racional jamais a usaria, mesmo para a autodefesa. Portanto as armas nucleares não diminuem a competição por segurança de uma forma significante, e a balança convencional de poder militar permanece (Mearsheimer, 2001, pág. 128, tradução livre).
Porém Mearsheimer (2001) aponta que um dos fatores essenciais para que um Estado
seja uma grande potência, é que ele possua uma população considerável devido a necessidade
de se ter um grande exército, outro fator é que o tamanho da população tem também um
aspecto econômico importante, uma vez que somente grandes populações podem produzir
grandes riquezas, essas utilizadas para construir um grande exército. Dessa forma um estado
pequeno não poderia chegar a condição de grande potência.
O tamanho da população de um Estado e sua riqueza são os dois componentes mais importantes para gerar poder militar. O tamanho da população é bem relevante, porque as grandes potências requerem grandes exércitos, que só podem ser conseguidos em Estados com grande população. (...) O tamanho da população também é uma importante conseqüência econômica, porque somente populações numerosas podem produzir grandes riquezas, o outro fator construtor do poder militar (Mearsheimer, 2001, pág. 61, tradução livre).
Como dito no início do capítulo a Guerra Fria foi articulada dentro do princípio da
“corrida armamentista” e da “paz armada”, de alguma forma essa última se transformou,
provavelmente através não só das inovações tecnológicas, como também do próprio ímpeto de
alcançar e superar os demais rivais. É claro que pelo objeto de estudos desse texto, nossa
abordagem ficará restrita as duas grandes potências mundiais da época da Guerra Fria, os
EUA e a URSS, e foi exatamente quando essa última alcançou a tecnologia nuclear em 1949,
que a tônica da “paz armada” modificou-se para o dilema da “paz nuclear”. Embora tal
questão só tenha sido explorada mais efusivamente no campo teórico a partir na década de
1980.
A corrida armamentista tem um forte conteúdo psicológico, formando uma situação que demonstra a dualidade entre segurança e insegurança. O efeito mais visível do armamento nuclear foi dissuadir as duas grandes potências de chegar à guerra total, incitando-as à moderação e obrigando-as a respeitar mutuamente seus interesses vitais. (Pereira, 1984, pág. 87 e 88).
Essa concepção diferente traz a idéia de que a posse de armas nucleares pudesse gerar
a paz, e é uma clara evolução do ideário referente a paz armada. Remontando uma discussão
onde a ameaça de uma guerra nuclear tornaria a paz provável, devido à racionalidade dos
Estados que primam pela própria sobrevivência e na implicação de que um conflito dessas
proporções levaria ao suicídio coletivo ou destruição mútua dos próprios Estados que
deflagrassem um conflito nuclear.
A arma nuclear foi e é um fator de grande importância no cálculo de poder de um
Estado, porém não é de forma alguma o único “quesito” necessário para que um Estado
alcance e mantenha uma condição de potência. Um dos fatores fundamentais para
Mearsheimer (2001) em relação ao poder militar é a posse de um numeroso exército por parte
das grandes potências, o poder terrestre se constitui como fonte da projeção de poder de uma
potência frente a um possível rival, mais precisamente através do exército, uma vez que o
território do inimigo só poderá ser dominado através da ocupação de tropas militares12.
Os exércitos são de grande importância na guerra, porque são o principal instrumento militar para se conquistar e controlar um território, uma vez que esse é o objetivo político num mundo de estados territoriais. As forças aéreas e navais simplesmente não servem para conquistar um território (Mearsheimer, 2001, pág. 86, tradução livre).
Portanto é interessante observarmos onde e como as Grandes Potências focaram sua
atenção e esforço no intuito de manter sua condição de potência, para compreendermos como
se deu o colapso do sistema bipolar e, consequentemente, o fim da Guerra Fria.
2.4-O Fim da Bipolaridade
O contexto da Guerra Fria e a sua lógica de ação levaram a comunidade internacional
dentro de um padrão de conduta que perpassava pela espiral de insegurança. Essa busca pela
12 Mearsheimer (2001), aponta que a força aérea e a força naval servem para dar apoio a uma força terrestre.
segurança forçava as Grandes Potências a empregar e a concentrar parte da verba pública no
esforço das inovações cientificas e tecnológicas, tal predisposição econômica necessitava de
um aparato político-ideológico forte o suficiente para manter a potência em questão e
também, de certa forma, bancar suas áreas de influência.
Dentro desse contexto foram colocados em ação, por EUA e URSS, alguns
mecanismos internacionais que visavam à manutenção de suas políticas de influência dentro
de cada um dos blocos. Esses planos de ação se dividiam em três áreas principais de atuação;
a política, a econômica e a militar. No campo político, os EUA lançaram a doutrina Truman,
que consistia em estabelecer diretrizes para deter o comunismo e a influência soviética sobre
outros países, dessa forma o governo norte-americano prestava ajuda militar e econômica aos
países que se opunham a expansão comunista e auxiliava a instalação de ditaduras militares
na América Latina. A URSS por sua vez, criou Komimform que tinha por objetivo reunir sob
uma mesma orientação ideológica os partidos comunistas soviéticos, da Europa Oriental, da
Itália e da França.
No campo econômico os EUA sistematizaram a ajuda financeira aos países nos quais
os regimes político e econômico fosse interessante fortalecer, através de empréstimos e
investimentos, essa sistematização ficou conhecida como Plano Marshall. A URSS
implementou o COMECON (Conselho Econômico de Assistência Mútua) que tinha por
objetivo tornar os países socialistas auto-suficientes, ou seja, o correspondente soviético para
o Plano Marshall.
O crescimento soviético, arrastando com ele os países com os quais a União Soviética estava ligada por um sistema de pactos, o Pacto de Varsóvia, que dava a base militar do controle soviético de um lado, e o Comecom, o pacto econômico de outro lado, que vinculava a União Soviética a esses países, já mostrava que os processos de direção, extremamente centralizada da economia soviética, não estavam mais permitindo uma taxa de desenvolvimento que pudesse criar no mundo ocidental o receio de que o sistema socialista fosse, no patamar econômico, superior ao capitalismo (Peixoto, 1998).
E por fim no aspecto militar as duas Grandes Potências implementaram organismos
que visavam à defesa de cada um dos blocos. Os EUA firmaram a Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN) que é uma aliança dos países capitalistas que perdura até os dias
atuais. A URSS criou o Pacto de Varsóvia como uma contra medida em relação a OTAN,
embora isso tenha ocorrido alguns anos depois, na qual incluía as nações que estavam sob a
égide soviética.
Fonte: http://users.erols.com/mwhite28/coldwar1.htm, acessado em 16 de novembro de 2006.
A corrida armamentista foi crucial no avanço cientifico e tecnológico, porém também
foi responsável por um enorme gasto público, do qual dentre outros fatores foram
responsáveis pela queda do regime socialista na URSS. Apesar de seus avanços na tecnologia
de armamentos atômicos e na conquista espacial (em 1957, quando lançou o foguete Sputnik
com um cão dentro, o primeiro ser vivo a ir para o espaço) a União Soviética, passava a não
conseguir acompanhar as inovações científicas dos EUA, muito mais rico, e perdia na corrida
da informática, da computação e da robótica. Os altos investimentos empregados na indústria
bélica faziam com que a população fosse sacrificada no seu bem estar, apesar de não possuir
as mesmas condições econômicas norte-americana a URSS se via, pelas próprias “regras” da
corrida armamentista, obrigada a custear a mesma quantia financeira que os EUA no campo
OTAN
militar. Outro fator era que os recursos necessários para incrementar outros setores de
desenvolvimento estavam cada vez mais escassos.
Porém o objeto de nosso estudo não compreende a elucidação das possíveis causas do
colapso da URSS. O fato concreto é que a União Soviética teve seu fim no princípio da
década de 1990, nesse ponto podemos associar as condições e os requisitos necessários para
que uma potência se mantenha como tal e confrontar os impactos dessa perda de hegemonia
regional com a possível nova estrutura sistêmica que surgiria.
Sabemos que de acordo com Mearsheimer (2001) são dois os aspectos necessários
para que um Estado se torne uma grande potência, o primeiro se refere à questão do poder
militar e o segundo se trata da condição do Estado em relação a posse de uma riqueza
favorável ao seu desenvolvimento econômico. É claro que esses aspectos devem ser
disponibilizados em uma massa continua de terra onde não haja outras potências para
competir com o Estado, devido a dificuldade que as grandes massas de água imporiam a ele
caso o contrario ocorresse13.
A URSS teve um desempenho na questão militar, suficiente para manter a
competitividade da corrida armamentista, conseguindo disputar com EUA de forma similar.
Entretanto sua grande falha foi na questão da riqueza, sem conseguir prover condições
favoráveis ao desenvolvimento de sua sociedade, a União Soviética também não foi capaz de
conter o surgimento de Estados alinhados com sua ideologia, porém independentes com
relação à condução de sua política. E o que é mais grave dentro das pretensões hegemônicas
da URSS, isso tudo ocorria no mesmo território de massa contígua da mesma.14
As conclusões que se poderiam tirar desse quadro eram, mais ou menos, óbvias. E elas foram, efetivamente, tiradas. A União Soviética continuava sendo uma potência militar, mas ela não se constituía mais numa potência econômica (Peixoto,1998).
13 Ver Mearsheimer, 2001, pág. 40-42. 14 Ver dados em Quadro 1, 2, 3 e 4 no capítulo 3.
A China foi um dos Estados mais beneficiados pela falha da disputa hegemônica da
URSS. Não obstante as divergências ideológicas dentro do socialismo, e com isso uma
condução política da China desvinculada dos desígnios soviéticos houve ainda uma
falta de controle que permitiu que a China, também comunista, pudesse trilhar seu próprio
caminho na busca pela hegemonia15.
O sistema bipolar rígido, vigente até então, começa a desarticular-se. No bloco soviético a China, após o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, entra em processo de dissidência. A princípio, circunscrita a discussões no seio dos aparatos dos dois partidos comunistas, transforma-se, na década de 60, em verdadeiro conflito ideológico e político cujas raízes a rigor, remontam às velhas disputas territoriais entre a Rússia czarista e a China imperial, diferenças que vieram a tona agravadas pelas instáveis relações que estabeleceram entre Mao Tse-tung e seus partidários e os lideres soviéticos desde a fundação do PC chinês (Pereira, 1984, pág 48).
Porém, com o fim da Guerra Fria a bipolaridade do sistema deixou de existir, uma vez
que uma das potências em questão, a União Soviética falhou na sua disputa pela hegemonia
regional, permitindo a potência restante ocupar sozinha esse patamar. Sabemos que a
existência de uma hegemonia global é improvável, e que durante o fim da bipolaridade
espaços para o surgimento de uma terceira potência na Ásia, permitiram a China alcançar esse
objetivo. O surgimento da China nesse cenário, acresce mais uma potência na busca pela
hegemonia, mesmo que regional, dentro da estrutura do sistema mundial. É nesse intuito que
no próximo capítulo iremos analisar as relações de poder e a atuação dos principais Estados
dentro do sistema internacional durante a década de 1990, para determinar a polaridade do
sistema e quais são as grandes potências em questão.
15 Ver Mearsheimer, 2001, pág. 40-42.
Capítulo 3 – O Sistema Internacional na última década do Século
XX.
No capítulo anterior conseguimos explanar como o sistema internacional funcionou
durante o período da Guerra Fria, e como a bipolaridade influenciou o comportamento das
grandes potências. EUA e URSS disputaram militar, econômica e ideologicamente cada área
do mundo, sem entrar em um conflito direto e, somado à dissuasão nuclear e a política da
corrida armamentista as duas grandes potências mundial ditaram o rumo da história durante
cerca de 45 anos. Porém a URSS ao falhar no seu modelo econômico acabou por
comprometer sua situação de potência, desencadeando seu processo de desfragmentação, esse
fato não apenas culminou no fim da Guerra Fria, como também no término da bipolaridade
sistêmica.
Podemos concluir que o sistema internacional deixando de ser bipolar passou, após a
“queda” da União Soviética, a ser unipolar, essa simplificação da polaridade sistêmica pode
ser acompanhada dentro do raciocínio de Waltz (Waltz apud Wohlforth, 1999), onde os
Estados que querem ser qualificados como potências polares, devem ter um bom escore em
todos os componentes de poder. Esses componentes de poder são: tamanho da população e do
território, dotação de recursos, capacidade econômica, força militar e “competência”16. Sendo
assim, durante a Guerra Fria, segundo Wohlforth (1999), dois Estados possuíam essa
condição de poder, em 1990 um desses Estados perdeu sua condição de potência polar e após
esse período nenhum outro Estado apareceu nessas condições. Simplificando, havia duas
grandes potências, uma delas deixou de ser grande potência, restando somente à outra, o
sistema passou de bipolar para unipolar.
Contudo essa conclusão lógica não pode ser feita de forma tão simples assim, para
entendermos qual o rumo tomado pela estrutura sistêmica internacional nos anos posteriores
16 Competência nesse caso pode ser entendida como meios para sobreviver.
ao fim da Guerra Fria, devemos nos pautar nos fatos ocorridos logo após o fim da Guerra Fria,
ou seja, durante a última década do século XX. Para que possamos fazer qualquer análise
segura quanto a sua realidade sistêmica.
Para se qualificar como potência polar, um Estado deve ter um bom escore em todos esses componentes de poder: tamanho da população e do território, dotação de recursos, capacidades econômicas, solidez militar e “competência”, de acordo com Kenneth Waltz. Dois Estados medidos em 1990. Um se foi. Nenhum novo pólo apareceu: 2-1=1. O sistema é unipolar (Wohlforth, 1999, pág. 10, tradução livre).
Primeiramente seguindo nossa base teórica, encontramos o entrave da unipolaridade.
Mearsheimer (2001) coloca claramente que para a existência de um sistema desse nível seria
necessário uma potência hegemônica capaz de projetar poder por todos os cantos do globo.
Assim, temos que avaliar se os EUA reuniam condições suficientes para atuar como uma
potência hegemônica. No quesito projeção de poder, podemos considerar que o poder
“parador” das águas não é de todo um obstáculo para o poderio militar norte-americano,
apesar de impedir um fácil acesso de tropas terrestres em territórios distantes do seu. Isso
devido às bases militares que os EUA possuem em territórios não contíguos ao seu e também
o apoio de navios e aeronaves estacionadas em portos “aliados” ou em porta-aviões no alto
mar, como as bases ou tropas na Coréia do Sul, no Japão, na Colômbia dentre outras.
E claro que ter bases e tropas espalhadas pelo mundo não serve de parâmetro para
medir a projeção de poder de um Estado, porém esse fator se faz extremamente importante
quando nenhum outro Estado, ou potência rival, possui bases e tropas em um outro território,
muito menos com o consentimento do Estado onde as bases e as tropas se localizam. Dessa
forma, essa condição sui generis permite aos EUA implementaram guerras em diversos
pontos do globo, obstante de estarem próximos ou não de seu território. O que realmente
macula a unipolaridade norte-americana é que os EUA contam com o apoio de seus aliados, e
segundo a teoria de Mearsheimer (2001) a potência hegemônica deve ser capaz de atuar
sozinha em todo o globo, além de se garantir militarmente contra seus possíveis rivais. Sem a
colaboração de seus aliados os EUA não conseguiriam superar o obstáculo que as grandes
massas de água oferecem e logo não teriam condições de implementar uma guerra ou ação de
influência por um longo período fora de seu continente de atuação (no caso o continente
americano).
Distribuição das Forças Americanas no Mundo
Mais de 1000 US-Trops
Mais de 100 US-Trops
Uso de Bases Militares
Fonte:http://users.erols.com/mwhite28/coldwar1.htm, acessado em 18 de novembro de 2006.
Descartada a unipolaridade sistêmica a próxima estrutura a ser analisada é a
bipolaridade, mesmo sabendo que o sistema no período da Guerra Fria era bipolar e que a
falha da União Soviética em provir para sua população uma condição de riqueza que pudesse
influenciar de forma positiva no bem estar de sua sociedade, culminou no término desse
sistema. Devemos então analisar se uma outra potência conseguiu atingir tamanha condição
de riqueza e poderio militar que a tenha tornado capaz de se igualar aos EUA.
Colapso da URSS
Fonte:http://users.erols.com/mwhite28/coldwar1.htm
De acordo com o que vimos anteriormente à China foi o Estado que conseguiu ampliar
sua área de influência, durante a Guerra Fria, através do aumento de suas forças armadas e
com isso dividir a condição de potência regional asiática com a URSS. Porém a
desfragmentação da URSS, permitiu que a Rússia se mantivesse como potência detendo em
sua posse quase todo poderio bélico da antiga União Soviética. Aliado ao fato de que nem a
China e nem a Rússia conseguiram obter um desempenho econômico que lhes prouvesse uma
condição de riqueza necessária a uma potência regional e que em nenhum outro continente
um Estado atingiu os índices para tal ascensão nos âmbitos econômico e militar.
Essa ausência de um Estado capacitado tanto em poder bélico como em poder
econômico, ou pelo menos detentor de influência e domínio exclusivo sobre uma grande
extensão de terra, nos leva a concluir que a existência de uma bipolaridade durante a década
de 1990 é bastante improvável. Colocado de lado a possibilidade da existência de um sistema
bipolar, a única alternativa restante é analisarmos se a multipolaridade sistêmica é factível
com a situação ocorrida no pós-Guerra Fria.
A premissa para a existência de um sistema multipolar é um cenário internacional
onde haja três ou mais potências, sendo elas parelhas ou não em termos de poder. Como dito
anteriormente a China e a Rússia detinham um grande poderio militar e embora não
possuíssem uma condição econômica favorável se comparado com os EUA, figuravam como
potências no ambiente internacional. Dessa forma a multipolaridade fica claramente
caracterizada, pois além dessas duas potências temos ainda a inegável potência regional, os
EUA, o foco de discussão gira em torno desses Estados, pois eles se configuram como
grandes potências e estão em melhores condições se comparados aos outros Estados.
Porém existem diferenças entre as capacidades desses Estados e uma vez mais a
teoria vem clarear essa situação, para Mearsheimer (2001) a multipolaridade se divide em
dois aspectos; a balanceada e a desbalanceada. Num mundo onde existam três ou mais
potências com níveis de poder militar e riqueza semelhantes, e onde essas potências tenha
condições similares de disputar pela hegemonia, o sistema se caracterizará como multipolar
balanceado. Porém em uma outra situação onde essas mesmas três ou mais potências se
apresentarem com níveis de poder militar e riqueza distintos, e uma delas tiver uma clara
vantagem sobre as demais para alcançar a condição de hegemonia, o sistema será
caracterizado como multipolar desbalanceado.
Tomando por base as considerações acima, vamos analisar se alguma dessas duas
vertentes da multipolaridade se enquadra na realidade da estrutura sistêmica do pós-Guerra
Fria. Os níveis de poder entre EUA, Rússia e China são distintos, e essa variação do nível de
poder é que nos possibilita compreender como se dá a multipolaridade do atual sistema.
Através dos quatro quadros representados a seguir poderemos observar e analisar o
diferencial de poder entre os EUA e as demais potências do globo:
Quadro 1 - Produto Interno Bruto (PIB) como parâmetro de hegemonia
Ano EUA Reino Unido
Rússia Japão Áustria Alemanha França China
1870 108 100 90 n.a. 29 46 75 n.d.
1950 100 24 35 11 n.d. 15 15 n.d.
1985 100 17 39 38 n.d. 21 18 46
1997 * 100 15 9 38 n.d. 22 16 53
1997** 100 16 5 50 n.d. 25 17 10 *Calculado pela paridade do poder de compra (PPP). ** Calculado com base na taxa de câmbio. Fonte:http://www.unb.br/irel/ibsa/docs/Working_paper_IBSA_Oswaldo_Dehon.pdf, acessado em 18 de novembro de 2006.
O quadro acima mostra a diferença entre o potencial econômico das principais
potências do mundo, de acordo com o período histórico, através da medição de seu PIB, uma
vez que ele serve como parâmetro do nível de riqueza dos Estados, tomando por base a
relação percentual entre o Estado líder do sistema internacional e os demais. Os dados mais
relevantes para nossa análise são os referentes a 1997, tanto os números indicado pela
paridade do poder de compra quanto os números da taxa de câmbio, demonstram a
superioridade econômica dos EUA em relação à Rússia (quase onze vezes maior, em relação à
PPP) e a China (quase o dobro, em relação à PPP).
Quadro 2 - Gastos militares como parâmetro de hegemonia
Ano EUA Reino Unido Rússia Japão Áustria Alemanha França China
1872 68 100 120 n.d. 44 65 113 n.d.
1950 100 16 107 n.d. n.d. n.d. 10 n.d.
1985 100 10 109 5 n.d. 8 8 10
1996 100 13 26 17 n.d. 14 17 13 Obs.: n.d.: dados não disponíveis. Fonte:http://www.unb.br/irel/ibsa/docs/Working_paper_IBSA_Oswaldo_Dehon.pdf, acessado em 18 de novembro de 2006.
Podemos perceber no quadro acima a diferença entre o investimento militar dos
Estados, esse parâmetro dos gastos militares podem ser relacionados com a capacidade que
um Estado tem para dispor de sua riqueza para construir um grande exército. Esses
indicadores são medidos através do percentual de investimento financeiro no poderio militar
dos EUA em relação às demais potências do mundo. Note-se que mais uma vez os EUA têm,
no ano de 1996, uma maior proporção de investimentos militares do que seus principais rivais
na busca pela hegemonia. Esses gastos militares se referem tanto ao incremento bélico norte-
americano quanto aos gastos com operações militares, sendo quatro vezes maior do que a
Rússia e oito vezes maior do que a China.
Quadro 3 - Capacidades de poder (COW)17 como percentual de hegemonia
Ano EUA Reino Unido Rússia Japão Áustria Alemanha França China
1872 50 100 50 n.d. 27 50 60 n.d.
1950 100 37 103 n.d. n.d. 3 21 n.d.
1985 100 22 167 56 n.d. 28 22 156
1996 100 14 43 36 n.d. 21 18 118 Obs.: n.d.: dados não disponíveis. Fonte:http://www.unb.br/irel/ibsa/docs/Working_paper_IBSA_Oswaldo_Dehon.pdf, acessado em 18 de novembro de 2006.
Os dados transcritos acima representam a relação em percentagem entre as
capacidades de poder norte-americana com os demais Estados, esse número indica a soma de
uma serie de indicativos relacionados com o poder militar e com riqueza dos Estados acima
listados. Referente ao ano de 1996, os EUA possuem cerca do dobro de capacidade de poder
em relação à Rússia e um pouco menos que a China.
Como vimos nos capítulos anteriores, Mearsheimer (2001) aponta alguns fatores como
medidor do poder de um Estado que tenha pretensões hegemônicas, e eles estão relacionados
com o tamanho da população, uma vez que uma população grande pode ser utilizada tanto na
17 COW significa Correlatos de guerra, e combina diversos indicadores com igual peso: população total, população urbana, consumo de energia, produção de ferro e aço, gastos militares e pessoal militar (Wohlforth, 1999).
produção da riqueza quanto no tamanho do exército. Em resumo riqueza e poder militar. O
quadro abaixo separa cinco dos indicadores COW entre as principais potências mundiais, e
é através da relação entre esses indicadores que poderemos visualizar a polaridade na qual o
mundo se encontra, ou pelos menos se encontrava na década de 1990.
Quadro 4 - Indicadores COW das potências desagregados (1995-97)
Estado/Indicador População
(1996) em %
PIB per
capita (1997)
*
Produção industrial (1995) em
%
Uso comercial
de energia
(1996) em %
Gastos militares (1996) em %
Pessoal militar (1996) em %
Estados Unidos 13 30,2 37 41 52 18 China 62 3,5 8 21 7 36 Japão 6 24,5 27 10 6 3
Alemanha 4 20,8 14 7 7 5 Rússia 7 4,7 n.d. 12 13 30
Reino Unido 3 21,2 6 5 6 3 França 3 22,7 7 5 9 5
Obs.: n.d.: dados não disponíveis. Fonte:http://www.unb.br/irel/ibsa/docs/Working_paper_IBSA_Oswaldo_Dehon.pdf, acessado em 18 de novembro de 2006.
Os quadro acima revela a relação de poder entre os principais Estados do mundo
através da medida de seus recursos econômicos e militares. Diante da análise desse quadro
podemos observar o diferencial de poder dos EUA para com as demais potências, como a
China e a Rússia, onde o mesmo apresenta uma proeminência nos aspectos econômicos,
através da produção industrial e do seu PIB per capita, e no militar, através dos gastos
militares (que podem significar gastos tanto em investimanto quanto em engajamento).
Na maioria dos aspectos mostrados pelos quadros acima os EUA, em comparação com
China e Rússia (suas possíveis rivais na busca pela hegemonia), têm vantagens significantes,
principalmente em relação a riqueza. Porém, no que tange aos aspectos militares, a China e a
Rússia saem um pouco a frente dos EUA em relação ao pessoal militar, uma vez que elas
possuem, individualmente, o dobro do percentual norte-americano.
A multipolaridade balanceada nesse caso não existe, e através dessa mesma análise
podemos concluir que a possível estrutura sistêmica vigente no mundo Pós-Guerra Fria é a
multipolaridade desbalanceada. Uma vez que segundo Mearsheimer(2001) a impossibilidade
da existência de uma potência hegemônica global, permite aos EUA a apenas se garantir
como hegemonia regional.
Outro raciocínio que podemos fazer seguindo o pensamento de Mearsheimer (2001) é
o de analisar a estrutura sistêmica através de uma observação regionalizada da Europa, do
Nordeste Asiático e da América. Primeiro a Europa, onde existem cinco Estados com nível de
riqueza e tamanho da população suficientes para se tornarem grandes potências, são eles:
Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Rússia. O atributo principal desses Estados é
claramente o seu nível de riqueza com exceção da Rússia que possui uma enorme população e
o mais poderoso exército da região. Entretanto a Alemanha18 não pode ser considerada
atualmente como uma grande potência, primeiro porque ela não possui armas nucleares, como
visto em capítulos anteriores, os requisitos para que um Estado se torne potência vão além da
posse de armas nucleares, é fundamentalmente necessário que o Estado possua riqueza e
principalmente um exército numeroso. E segundo porque sua defesa depende, em muito, dos
EUA19, já que a Alemanha não possui um exército verdadeiramente autônomo.
Para Mearsheimer (2001) a Europa permaneceu bipolar da mesma forma que durante a
Guerra Fria. Sendo que, EUA e Rússia continuaram como principais Estados da região, apesar
da Inglaterra, França e Alemanha possuírem um PIB elevado e de os dois primeiros Estados
citados, possuírem arsenal nuclear. Mearsheimer (2001), aponta três aspectos principais
acerca da estabilidade da bipolaridade européia. Primeiro, ambos Rússia e EUA são
possuidores de armas nucleares, o que configura como uma força para a paz, devido a
18 A Alemanha é citada nesse caso devido ao seu enorme potencial para se tornar uma potência hegemônica, e porque esse temor é expresso pelo incisivo controle militar a ela imposta pelos EUA. (Ver Mearsheimer, 2001, pág. 393). 19 Como pode ser observado no mapa Distribuição das Forças Americanas no mundo os EUA possuem atualmente um grande contingente militar no continente Europeu e no Asiático.
situação de MAD20. Segundo, os EUA se comportam como um offshore balancer21 na Europa,
atuando como “bloqueador” de qualquer potência local que tente dominar a região, sem
possuir quaisquer aspirações hegemônicas além do hemisfério ocidental, o que contribui para
a significativa redução de insegurança por parte dos Estados europeus. E terceiro, a Rússia
que como grande potência local tem ambições territoriais, mas está militarmente fraca até
mesmo para causar problemas próximos a sua fronteira.
A Europa permanece bipolar após a Guerra Fria, com Rússia e os EUA sendo os principais rivais na região. Há três aspectos particulares da bipolaridade européia que a fazem especialmente estável. Primeiro, ambos Rússia e EUA são armados com armas nucleares, que são uma força para a paz. Segundo, os EUA se comportam como um obstáculo para qualquer grande potência local que tente dominar a região. Eles não têm nenhuma aspiração hegemônica além do hemisfério ocidental, o que reduz significativamente as ameaças presente nos Estados europeus. Terceiro, a Rússia, que é uma grande potência local e talvez tenha ambições territoriais, está fraca demais militarmente para causar um sério de problema fora de suas próprias fronteiras (Mearsheimer, 2001, pág. 380-381, tradução livre).
Balança de Poder Européia – 2000
Potencial de Poder Poderio Atual PIB População em
milhões Exército Ogivas
Nucleares Reino Unido 1,26 trilhões 59 301.150 185
França 1,47 trilhões 59 411.800 470 Alemanha 2,20 trilhões 82 516.500 0
Itália 1,16 trilhões 58 164.900 0 Rússia 0,33 trilhões 147 348.000 10.000
Fonte: Mearssheimer, 2001, pág. 384, tabela 10.2, tradução livre.
A região do nordeste asiático possui atualmente três Estados em condições de serem
grandes potências devido ao seu nível de riqueza e população, são eles: China, Japão e Rússia.
O Japão apresenta uma melhor condição de riqueza que os demais Estados, porém comparado
com a China e a Rússia o tamanho de sua população é relativamente menor, outro fator é que
devido ao seu posicionamento geográfico e do tamanho de seu exército, o Japão encontra um
sério problema em relação ao seu poder de projeção militar. Dessa forma o Japão não pode ser
20 Ver Mearsheimer, 2001, pág. 130-133. 21 É quando um Estado, ou Potência, garante em um outro território a estabilidade das ações dos demais Estados.
considerado como grande potência, uma vez que não preenche os requisitos de poder militar,
já citado anteriormente.
O Nordeste da Ásia atualmente se caracteriza como um sistema multipolar balanceado,
Mearsheimer (2001) aponta; China, Rússia e EUA como as principais potências da região.
Como visto no primeiro capítulo o sistema bipolar tende a ser mais estável que o multipolar,
porém os mesmo três fatores que contribuem para a paz na bipolaridade européia são
utilizados para a paz no nordeste asiático. Primeiro, os três Estados; China, Rússia e EUA são
possuidores de armas nucleares, o que contribui para que esses três Estados se sintam menos
compelidos a iniciar uma guerra entre eles. Segundo, os EUA são o principal ator da região e
atua como um offshore balancer sem aspirações territoriais na região. E terceiro, nem a
China, nem a Rússia têm muita capacidade de projeção militar, tornando difícil para esses
Estados se comportarem agressivamente contra outro Estado em sua região.
Ásia de nordeste, por outro lado, está agora em um sistema multipolar balanceado; China, Rússia e EUA são as grandes potências relevantes, e nenhuma delas têm sinais de um potencial hegemon. A multipolaridade balanceada tende a ser menos estável que a bipolaridade, mas possui os mesmos três fatores para a polaridade do nordeste asiático. Primeiro, China, Rússia e EUA têm arsenais nucleares, que faz menos possível um iniciar uma guerra com o outro. Segundo, embora os EUA seja claramente o mais poderoso ator da região, ele é um offshore balancer sem aspirações territoriais. O terceiro, nem o exército chinês, nem o exército russo têm muita capacidade de projeção de poder, o que torna difícil para eles comportarem-se agressivamente em direção a outros estados nessa área (Mearsheimer, 2001, pág. 381, tradução livre).
Balança de Poder Asiática - 2000 Potencial de Poder Poderio Atual
PIB População Exército Ogivas Nucleares
China 1,18 trilhões 1,24 bilhões 2.200.000 410 Japão 4,09 trilhões 126 milhões 151.800 0 Rússia 0,33 trilhões 147 milhões 348.000 10.000
Fonte: Mearsheimer, 2001, pág. 383, tabela 10.1, tradução livre.
Observando os dados do quadro acima podemos concluir que o tamanho da população
russa e da japonesa são bem próximos, e que seus exércitos têm uma relação de quase 1 para
2, se comparado o exército japonês com o russo. A diferença entre esses dois Estados está na
relação do PIB, o Japão tem cerca de doze vezes mais o PIB da Rússia. E também na relação
da posse de armas nucleares, onde a Rússia detém 10.000 ogivas e o Japão nenhuma. Nesse
contexto, onde as forças militares dos Estados são parecidas, a superioridade da posse de
armas nucleares é vista preferencialmente como diferencial de poder, em detrimento a
superioridade econômica.
No continente americano, os EUA são a única grande potência e não estando
envolvido em nenhuma competições por segurança com seus vizinhos. Uma vez que Canadá e
México, os Estados mais próximos, não representam quaisquer ameaça aos EUA, e mesmo
Cuba representa apenas um regime político irritante. Apesar do sistema internacional não ser
unipolar e os EUA não serem uma hegemonia global, os mesmo configuram-se como
Hegemon no hemisfério ocidental.
De acordo com as informações observadas acima os EUA são certamente a potência
mais preponderante econômica e militarmente no cenário mundial, porém existem ainda duas
outras grandes potências no sistema internacional, a China e a Rússia. O poder militar desses
dois Estados não se comparam ao poderio militar Norte-americano, entretanto eles possuem
arsenais nucleares com capacidade de se opor a uma invasão americana em seu território,
apesar de sua limitada capacidade de projeção de poder militar, devido à dissuasão nuclear.
Mas o sistema internacional não é unipolar. Entretanto os EUA são um hegemon no hemisfério ocidental, isso não significa uma hegemonia global. Certamente os EUA são preponderantes econômica e militarmente no mundo, porém existem duas outras grandes potências no sistema internacional: China e Rússia. Nenhuma pode se comparar com o poderio americano, mas ambas têm arsenais nucleares, a capacidade de competir e provavelmente se opor a uma invasão Norte-americana em seu território, e limitada capacidade de projetar poder (Mearsheimer, 2001, pág. 381, tradução livre).
3.1-Que Paz?
Para compreender melhor como a estrutura do sistema se configura atualmente e qual
o tipo de paz vigente no pós-Guerra Fria, temos que fazer alguns apontamentos. Em primeiro
lugar partimos do lugar comum que é a bipolaridade. Com o fim da Guerra Fria e o
desmantelamento da União Soviética, o mundo deixou de ser influenciado por duas correntes
ideológicas e passou a configurar uma supremacia do ideário Norte-americano. Essa perda de
influencia da União Soviética, gerou no continente asiático uma lacuna, na qual os EUA
devido ao “poder parador das águas” não conseguiu ocupar, tal fato deu margem ao
surgimento de uma outra potência dentro da Ásia, a China, uma vez que a mesma vinha
ganhando destaque antes mesmo do fim da URSS.
Portanto sabemos que os EUA não são a única potência no mundo, mas sim a única
potência regional, uma vez que se localiza geograficamente distante das outras potências, esse
fato coloca os EUA em uma posição favorável em relação as demais e é esse o fator que faz
com que o sistema seja multipolar desbalanceado, além do fato de que eles são capazes de
projetar poder no continente europeu e no asiático, é inegável sua superior condição de
riqueza e poder militar frente as demais potências. O sistema se torna desbalanceado porque
os EUA ainda conseguem influenciar e coagir boa parte do mundo. E não é unipolar porque o
mesmo não conseguiria implementar uma política de “policiamento” em várias partes do
mundo ao mesmo tempo ou em pequenos intervalos e nem conseguiria sobreviver a uma
guerra em que as outras potências fossem contra ele, descartando a possibilidade do uso de
armas nucleares. Trazendo novas implicações e considerações sobre os mecanismos de
alcance da paz e sua possível aplicação nesse novo quadro da estrutura do sistema
internacional, em relação à guerra entre as potências, é possível identificar a propensão para
conflitos presente na última década do século XX.
O início de um debate sobre o estudo da paz, perpassa por diferentes campos teóricos
das relações internacionais. Porém a questão que deve ser esclarecida nesse momento é em
que tipo de paz se apóia a estrutura sistêmica do mundo pós-Guerra Fria, Ao longo do
capítulo anterior, três tipos de paz foram elencadas como parte integrante do raciocínio
sistêmico da Guerra Fria, sendo elas: a paz armada, a paz nuclear e a paz da ONU.
A teoria realista lida com determinadas premissas que se tornam pontos centrais para a
discussão dentro de uma estrutura que tenta de certa forma delinear o sistema internacional.
Segundo Terrif (et. al, 1999), seus pontos de análise passam por uma concepção
estatocentrica das relações no sistema, focam poder e segurança de forma hierárquica e
militarizada, e ainda vêem segurança e paz como uma construção negativa, ou seja, ausência
de guerra. Essa construção pode ser entendida como a paz positiva, ou seja, paz não somente
como ausência de guerra ou conflito e sim como fruto do bom senso e do bem-estar em níveis
internacionais.
Porém, segundo Terrif (et. al, 1999), os próprios teóricos clássicos divergem sobre
como a paz pode ser alcançada. Enquanto os idealistas propõem a imposição de instituições
efetivas para a prevenção quanto a uma possível guerra, teorizando assim, que a paz será um
produto da razão.
Alguns realistas como Carr e Morgenthau, argumentam que conflitos violentos são inevitáveis e que a história tem desprovido a tese idealista de que as pessoas são racionais e que a paz será possível via instituições internacionais (Terrif et.al, 1999, pág.67, tradução livre).
Para o realismo a questão da paz está vinculada à noção do conceito de segurança, que
depende da maximização dos recursos e do poder, além da capacidade de ameaça dos outros
Estados, um Estado só terá paz quanto estiver totalmente provido de segurança contra
possíveis ameaças ou quando tiver poder suficiente para subjugar todos os demais Estados.
Outro ponto é que poder está vinculado à hierarquia, sendo que o objetivo é estar no topo e
emanar poder militar sobre os demais.
Outros como Galtung (Galtung apud Terrif et. al, 1999), acreditam que a busca pela
paz é algo vocacional, e que seria necessário aplicar um código de ética22 no intuito de se
conduzir e de se analisar o sistema internacional, e dessa forma criar bases de análise
22 Disciplina filosófica que tem por objeto de estudo os julgamentos de valor na medida em que estes se relacionam com a distinção entre o bem e o mal (http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx, acessado em 26 de novembro de 2006).
científicas com o objetivo de desenvolver propostas de paz livres de idealismos e
nacionalismos. E que o estado de guerra sempre foi constrangido pelo estabelecimento e
aceitação de regras e limitações, o que leva a paz á um foco mais firme de cooperação e
integração do que em direção a um conflito violento. Além da idéia dos chamados teóricos
radicais da paz onde o poder é definido em termos de incremento de poder e de capacidade23,
sendo que para esses teóricos, poder e segurança dependem da igualdade e da justiça, e não da
superioridade.
O problema com essa explanação sobre ética de Galtung (Galtung apud Terrif et. al,
1999) é que mesmo que os acadêmicos tentem se colocar à parte de seus valores para a
formulação de uma “teoria pura” sobre os conflitos e os possíveis caminhos da paz, ela seria
inaplicável em um mundo onde esse desapego de valores nacionais e de ideologias existe e é
extremamente decisivo sobre certas questões. Galtung (Galtung apud Terrif et. al, 1999)
também entende que a busca pela paz se divide em dois campos de violência, uma direta e
outra estrutural; ele afirma que a paz deve ser mais do que a ausência de uma violência física
intencional, focando em um meio de desarticular a violência estrutural24. Outra inquietação é
que essas questões são bastante vinculadas no âmbito cognitivo25, e a abordagem proposta
nesse texto é de um forte vínculo positivista, não abrindo espaço para divagações
sobre moral e ética, além de que o mesmo utiliza um viés realista.
Outra dimensão aponta para uma idéia de paz comumente pensada pelo mundo
contemporâneo, não parece ser a paz praticada pelas Grandes Potências ao longo dos anos.
Uma das grandes vertentes teóricas que abordam a construção de mecanismos de interação
entre os Estados, para se alcançar a paz, é o liberalismo. 23 Capacidade nesse sentido está relacionada com os recursos que o Estado possui. 24 Violência direta é quando A inflige diretamente em B com a intenção de causar dano, medo ou sofrimento. E violência estrutural quando a política pode ser descrita como uma forma de violência, atuando via o impacto de uma desigual e opressiva relação de poder (Terrif et. al, pág.72, tradução livre). Sendo segurança então o resultado de um Estado de paz positiva, definida não em termos de poder de um estado-nação e sim de uma compreensão holística que vai além do poder militar, tendo os Estados como atores chaves (Terrif et al, pág.74, tradução livre). 25 No âmbito dos valores morais e pessoais de cada indivíduo.
Os teóricos liberais apontam o regime político democrático como o mais favorável à
paz, esse argumento se pauta em duas premissas: a primeira é que Estados democráticos
dificilmente entrarão em guerra uns contra os outros, devido ao nível de comércio e interação
entre eles. E segundo, se ocorrer algum conflito entre Estados democráticos, eles raramente
ameaçaram usar a força para resolver o problema, uma vez que consideram isso como algo
ilegítimo.
A teoria faz, no entanto, faz duas reivindicações importantes. Primeiro, que democracias nunca entrarão em guerra contra outras democracias. (...) Segundo quando democracias entram em conflito com uma outra elas raramente ameaçam usar a força, porque isso é algo ilegítimo. A teoria da paz democrática assegura explicitamente que a natureza do sistema político democrático explica o fato de que democracias não lutam nem ameaçam outras democracias. (Layne, 1994, tradução livre).
O liberalismo prega que a livre comercialização entre os Estados criam diversos
vínculos entre os mesmos que tornam o custo de uma guerra bastante oneroso, se baseando
nos princípios da paz democrática26. Segundo Layne (1994) a paz democrática não inibe a
guerra entre as democracias, porque quando os interesses dos Estados estão em questão,
nenhum tipo de pressão ou interação entre os mesmo será levado em consideração a não ser a
primeira ação do Estado que é a garantia da sobrevivência.
A paz democrática se baseia em uma paz alcançada pelos Estados, devido ao alto grau
de relações entre os mesmos, que enquadradas numa estrutura onde as normas são respeitadas,
tornam o custo de uma guerra muito oneroso para o Estado. Essa vertente teórica afirma que
Estados democráticos se sentem menos inseguros em relação a outros Estados democráticos, e
por conseguinte menos inclinados a usar da beligerância, devido ao fato de que a democracia
possui normas que beneficiam a solução de conflitos através de uma forma negociável e ainda
favorece a interação pacífica dos Estados por meio do comércio. Esse relacionamento entre os
Estados democráticos permite uma maior certeza das ações e das intenções por parte dos
26 Remonta a idéia de que Estados democráticos não se comportam de forma agressiva uns com os outros (Ver Layne, 1994).
outros Estados, o que contribui para minimizar as incertezas relacionadas ao dilema de
segurança, do qual incorrem as Grandes Potências. Porém a teoria de paz democrática, não
consegue garantir a não beligerância dos Estados democráticos em relação aos Estados não-
democráticos, e mesmo entre as democracias, sendo que pode haver conflito se os interesses
dos Estados e sua busca pelo poder estiverem em jogo.
A partir disso podemos considerar que o propósito encontrado pelos Estados com
relação à paz, deve ser definido através da construção dos objetivos dos Estados, mais
especificamente as Grandes Potências, sobre a paz ou de forma mais direta, sobre o porquê da
paz. Por fim em um sistema de estrutura multipolar desbalanceado a propensão para o conflito
coloca as grandes potências em um dilema de atuação. Visto que uma guerra entre elas seria
pouco provável devido ao seu potencial poder de fogo nuclear. E que a existência de uma
potência diferenciada das demais tanto econômica como militarmente, se converte na
necessidade da existência de um comportamento estatal de balancig no arranjo político
internacional. Esse fator predispõe que as grandes potências sejam bem menos propensas a se
enfrentar militarmente, dando uma impressão de paz no cenário internacional, resultante da
ausência de guerras envolvendo as potências. Dessa forma a paz que ocorre no sistema
mundial é muito mais uma conseqüência da estrutura vigente do que da vontade ou do ímpeto
de cooperação e pacifismo dos Estados, assim a paz no sentido de harmonia e cooperação
algo difícil de ocorrer em um mundo de Estados movidos pelo interesse e pela maximização
do poder como garantia de sobrevivência.
Conclusão
Por fim, conseguimos concluir que o fim da Guerra Fria, ou seja, a forma como se deu
o colapso de URSS, teve uma significativa contribuição para a mudança do sistema
internacional, determinando as bases estruturais que vigorariam na década de 1990. E como a
estrutura do sistema internacional influência no comportamento dos Estados, principalmente
as Grandes Potências, observando as lacunas e os constrangimentos impostos pela polaridade
do sistema. Essa é uma via de mão dupla, da mesma forma que a polaridade influência o
comportamento das potências, as potências determinam a estrutura do sistema.
Também descobrimos como as capacidades de um Estado contribuem para que o
mesmo se torne uma potência, uma vez, que alcançada essa condição, o Estado passa a se
preocupar em como emanar poder sobre os demais Estados. Relembrando que poder é medido
pela riqueza e pelo poder militar que um Estado possui em relação aos seus rivais, e que o
poder nuclear configura como um requisito secundário do poder militar, já que o poder
terrestre é o requisito fundamental para dominar o território inimigo. O importante é saber
como e sobre onde uma potência emana poder, para observarmos a relação da suscetibilidade
de uma potência, em um determinado tipo de polaridade, com a possibilidade de conflito no
ambiente internacional.
Assim, ao focarmos o contexto estrutural do sistema na Guerra Fria, percebemos como
a bipolaridade conduziu o comportamento das duas grandes potências, EUA e URSS, como
também do mundo. A conjectura na qual a Guerra Fria foi moldada, ou seja, sistema bipolar,
arsenais nucleares e disputa ideológica entre o capitalismo (EUA) e o socialismo (URSS),
acarretou em um tipo exclusivo de comportamento pelos Estados. A bipolaridade do sistema
dividiu boa parte do mundo em duas áreas de influencia, fato esse que contribuiu para a
disseminação do poder desses dois pólos, juntamente com a disputa ideológica de dois estilos
distintos de política e economia. A posse de armas nucleares por parte desses dois Estados
rivais colocaram, em um primeiro momento, em xeque a estabilidade mundial, já que a
possibilidade de um conflito direto entre essas potências poderia acarretar na destruição
mútua de ambos os Estados e suas áreas de influência. Porém pudemos observar que a
racionalidade dos Estados conduziu esse potencial conflito em direção a uma paz armada e
em seguida a uma paz nuclear. Esse tipo de ausência de conflito, proporcionada pelo medo de
uma guerra na qual a destruição mútua das potências era assegurada, gerou uma paz articulada
e mantida por um mecanismo cíclico de aumento do poder (corrida armamentista), através do
aumento do poder bélico de cada um dos Estados, no qual as grandes potências mantiveram o
foco até o fim da Guerra Fria, quando ocorreu o colapso da URSS.
Logo, com o fim da Guerra Fria, a estrutura do sistema internacional se alterou, a
ausência de uma segunda grande potência desbancou a bipolaridade, modificando a relação
dos Estados no sistema. Visto que, a URSS antes mesmo de se desfragmentar, deu margem ao
surgimento de duas potências no continente asiático, China e Rússia. E no continente europeu
deu espaço para que antigas potências, como Inglaterra e França, se recuperassem. Dessa
forma, o sistema internacional que possuía duas grandes potências, passou a ter duas
potências, China e Rússia, duas possíveis potências, Inglaterra e França, e uma grande
potência, os EUA.
Dessa forma, nosso estudo sobra as estruturas do sistema internacional leva a
conclusão de que o sistema internacional no pós-Guerra Fria, configura-se como multipolar
desbalanceado, uma vez que os EUA comparado as demais potências são superiores em
relação à riqueza e a capacidade de projetar poder. Portanto, ao analisarmos como se
configura a relação de poder dentro de um sistema multipolar desbalanceado, pudemos
perceber a interação dos Estados, mais precisamente as grandes potências, no que tange a
suscetibilidade para os conflitos no cenário internacional. Então a paz construída na última
década do século XX, foi baseada em um mundo, onde a existência de três ou mais potências,
possibilita um número maior de combinações e interações entre os Estados, o que pode ter
contribuído para a construção de uma paz lapidada nos moldes de cooperação e liberdade, a
paz democrática.
Com isso, a resposta para a pergunta que originou essa pesquisa é; que a existência de
paz se vincula a polaridade da estrutura do sistema internacional não podendo ser determinada
previamente pela vontade de um Estado ou por uma corrente ideológica. Muito embora, os
Estados, principalmente aqueles dotados de poder, tentem estabelecer um tipo de paz que
favoreça os seus interesses, a anarquia do sistema e a insegurança quanto às intenções de um
outro Estado, fazem com que a paz estabelecida no sistema, consiga minimamente, manter a
posição dos mesmos inalterada.
Assim a paz nada mais é do que um instrumento utilizado pelas grandes potências para
manter a balança de poder inalterada, assim mantendo o status quo. Uma vez que mesmo as
potências sendo motivadas a ganhar cada vez mais poder, elas se preocupam muito mais em
garantir sua sobrevivência através da manutenção do sistema, levando a disputa pelo poder ao
nível econômico e em última instância, recorrendo ao uso da força (em uma disputa entre
grandes potências). O período da Guerra Fria demonstrou isso e o pós-Guerra Fria no século
XX também, uma vez que nessa época não houve enfrentamentos diretos entre as grandes
potências.
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