africadeus-livro

Upload: jonh-milton

Post on 08-Jul-2018

230 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    1/25

    HARMONIPAN

    A F R I C A D E U S : O R E P E R C U T I R D A M Ú S I C A N E G R A

    N A N ÁV A S C O N C E L O S

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    2/25

    V A SC O NC EL O S

    N AN Á

    A F R I C A D E U S : OR E P E R C U T I R D AM Ú S I C A N E G R A

    Material paradidático em formatoLivro + CD. Re-edição Africadeusno Brasil. Projeto contempladono edital FUNARTE Arte Negra.Título Original: Africadeus: ORepercutir da Música Negra.Naná Vasconcelos. Edição: Primeira,2014 © 2014 Harmonipan Studio.w w w . a f r i c a d e u s . c o m 

    O livro contém um CD comas músicas originais do disco“Africadeus” lançado1972.

    DISTRIBUIÇÃO GRATUITA. PROIBIDO A VENDA.

    p4. A M Ú S I C A N E G R A N O B R A S I LAutor: Manuela Nascimento,Mestre em História Regional.

    p15. N A N Á V A S C O N C E L O SBiograa Naná Vasconcelos

    p27. O B R A SNaná Vasconcelos em colaboração com outros artistas.

    p32. D I S C O G R A F I A

    p34. M E M Ó R I A SEntrevista Naná Vasconcelos por Juci Reis.

    p46. B I B L I O G R A F I AE F O N T E S C O N S U L T A D A S

    p47. C R É D I T O S

    p48. A G R A D E C I M E N T O S

    Índice:

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    3/25

    N EG R A

    M ÚS IC A

    N OB R AS I L

      Dentre as formas negras de auto-inscrição a música,é, sem dúvida, uma das expressões mais sublimes. Capazde carregar elementos sagrados e ancestrais das diferentesculturas presentes no Brasil, a música negra tem demonstradoseu caráter inventivo e moderno, quando é amplifcada nospulsantes sound systems, ou, simplesmente, quando ecoa dereverberantes tambores. Nesse sentido, o fenômeno da músicaafro-brasileira tem merecido a nossa atenção por sintetizarem suas letras, ritmos e danças, um universo de sensações,que ultrapassam a barreira da simples audição confgurando--se como um dos elementos fundamentais da cultura negra noBrasil.  Foi no interior da conjuntura escravista com toda sua violência e segregação racial , que as populações negras re-construíram “pequenas Áfricas” pelo Brasil. Áfricas que foramrecriadas num espaço social e historicamente diferente e ex-tremamente plurais. Recriadas no interior e fora das senzalas,nos aglomerados urbanos das cidades brasileiras, nas áreasrurais, nos quilombos, no seio da família escrava, família essa

    que ia além dos laços sanguíneos incluindo as mães, pais eirmãos de santo ligados pelas religiões afrobrasileiras guar-diãs de grande parte da memória dos escravizados no país.Foi nesse refazer de Áfricas no Brasil que toda sonoridade eestética negras geraram variações rítmicas que foram do lunduao jongo e o caxambu no sul e sudeste do país, aos diversostipos de coco (de cordão, de parelha, de roda, virado, bambe-lô) pelo norte e nordeste, até os variados estilos de samba (de

    M Ú S I C A N E G R A N O B R A S I L

    1

    5

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    4/25

    roda,  lenço, rural, maculelê, bate-baú, partido-alto e tambor decrioula) espalhados pelo país .

    Contrariando as hierarquias, desconcertando as vanguar-das intelectuais, as músicas criadas pelos pretos, escravizados, ouex-escravos, autodidatas ou estudiosos se transformaram em ver-dadeiras plataformas de discurso, onde homens e mulheres negrastraduziram em notas, toques e acordes o terror da escravidão, asangústias de uma liberdade limitada, as tradições religiosas afro-centradas reconstruídas e reformuladas nas Américas e, inclusive,o desejo de uma vida boêmia ou, de uma vida com amor/amorese o desejo de outras felicidades.

    Cantava-se para trabalhar. O canto de trabalho fez e fazparte, do cotidiano das populações negras seja no Brasil ou emoutras partes do território das Américas para onde foram levadosafricanos para o trabalho compulsório. Grande parte dos ritmosmusicais marcadamente negros surgiu de cantos de trabalho noplantio ou na colheita, entre os carregadores de rua que enquantofaziam movimentar tudo que precisava ser carregado nas cidadese nos cais entoavam cânticos que ditavam o ritmo do trabalho.Cânticos que eram a expressão dos desejos por liberdade, cantossubversivos que teciam críticas ao regime escravista o tempo in-teiro e sem branco perceber! A música assim como a religiosidadeforam as expressões elementares da visão de mundo africana tra-zida para o Brasil. Canta-se pra trabalhar, canta-se para o santo“baixar” e se canta para o santo “subir”.

    Nas religiões afrobrasileiras a música é o elemento primor-dial para o início de qualquer cerimônia. São os diferentes ritmosditados por instrumentos percussivos, como os três atabaques pre-sentes no candomblé baiano o rum, o rumpi e o lé , chocalhos,toques e cantos que ditam o início, a continuidade e o m das

    2

    3

    4

    “A música afrobrasileira encontra emAfricadeus os elos que nos ajudam a com-preender a formação da música negra nopaís traduzida em memória, ancestrali-dade, sonoridades e performance do cor-po que produz música.”

    7

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    5/25

    cerimônias religiosas. A música “estabelece a comunicação como mundo invisível das divindades” . Os toques identicam as divin -dades e quem toca segue o ritmo dos deuses.

    A herança musical das religiões afroancestrais recriadas no

    Brasil é mais um dos elos da nossa tradição sonora. As performan-ces musicais encontraram na memória dos que aqui chegaram seuveículo de transmissão. Memória, oralidade, narrativas e imagensformam outro conjunto de tradições afrobrasileiras contidas nos fo-lhetos de literatura de cordel e nas disputas entre cantadores no Nor-deste brasileiro. Os cantadores negros entoavam nas feiras livres assagas de vaqueiros, as vozes do sertão, lutas por sobrevivência econtra as desigualdades. A tradição oral foi o traço das tradições

    5

    6

    7

    collin wolcott,don cherry enaná vasconcelos

    de esquerda a direita

      “pequenas Áfricas” pelo

    Brasil. Áfricas que foram re-criadas num espaço sociale historicamente diferentee extremamente plurais. 

    9

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    6/25

    africanas que mais resistiu ao processo de escravidão no Brasil e seconecta com todos os territórios para onde foram levados os povosde África. O sujeito escravizado que desembarcou nu conseguiuconservar em sua mente aquilo que não se perdeu, a memória docorpo foi recuperada através da música, da dança e do conto. Mes-mo passando por tentativas de silenciamento, as tradições africanasna literatura e no canto de cordel estão ligadas a tradição dos griots,grandes mestres africanos contadores de histórias, músicos, poetasque percorrem cidades animando os espaços populares levandomúsica e sabedorias por onde passam.

    A musicalidade dos mestres cordelistas que mesmo tendo mui-to pouco acesso ao letramento formal nas escolas, já que as popula-ções egressas da escravidão não tinham direito a alfabetização e nopós-abolição, só o ensino noturno era permitido aos negros, tornamas narrativas dos folhetos e os cantos de cordel preciosos documen-tos da poética, da luta política e da performance das populaçõesafronegras. A memória contribuiu para a reconstrução da músicanegra no Brasil. Essa memória musical negra que possui diversasraízes agregou ao longo de sua formação novas tecnologias e lin-guagens que podem ser encontradas hoje, por exemplo, na culturahip hop que integra música, poesia, grate e dança ecoando nasperiferias do mundo as vozes dissonantes da modernidade. Nasperiferias de todo o Brasil, traços rítmicos das populações negrassão, cotidianamente reinventados, seja nas aparelhagens, carimbóse guitarradas, nos sambas, pagodes, axé music e forrós, na músicafunk  carioca, no rap  e nas músicas do ser tão.

    A força dessa memória auditiva que consegue agregar an-cestralidade e modernidades são a marca da música negra e deseus artistas. Dessa forma, o projeto Africadeus vem no intuito defazer ecoar o som da música negra em toda sua riqueza e trajetória

    9

    8

    Robertinho da Silva,Naná Vasconcelos eMilton Nascimento.

    sincopada com suas tradições afroancestrais. A obra dopercussionista e multinstrumentista pernambucano NanáVasconcelos, que já completou mais de quarenta anossó foi lançada na França em 1972 e, não por falta detentativas, não havia ainda sido lançada no Brasil ex-pressa de maneira transcendental as conexões sonoras,percussivas e vocais da música afrobrasileira. A músicaafrobrasileira encontra em Africadeus os elos que nosajudam a compreender a formação da música negra no

    país traduzida em memória, ancestralidade, sonoridadese performance do corpo que produz música.

    11

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    7/25

    19721. Africadeus2. Aboios3. Seleção de Folclore

    Despois de 30 anos,  Africadeus é nalmentelançado no Brasil em formato de CD livro.

    Músicas originais do disco  Africadeus:

    naná

     vasc o nc e l o sa f r i c a d e u s

    naná

     vasc o nc e lo sa f r i c a d e u s

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    8/25

    A F R I C A D E U SN A

    N ÁV A SC O NC EL O S

    B I O G R A F I A 15

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    9/25

      Nana Vasconcelos multi-instrumentista brasileiro é o reexo

    de uma Brasil plural. De um afro-brasil revestido de cores, formas

    e ritmos. Naná foi percussionista da Banda Municipal do Recife.

    Tocou maracás também em gravações na Rozenblit, em discos de

    frevo com Nelson Ferreira e acompanhou algumas vezes os cuba-

    nos da Sonora Matancera, com Bievenido Granada, El Bigode que

    canta, que vinha gravar no estúdio da Estrada dos Remédios. Hojeé mestre do berimbau, conhecido instrumento de percussão, de ori-

    gem africana, com o qual se acompanha a capoeira. Como mesmo

    arma “ o berimbau me reinventou”. Começou a estudar o berim-

    bau, de forma instintiva, depois de participar do musical folclórico

    Memórias de Outros Cantores, realizado em 1966 no Recife. Antes

    de Naná, a percussão estava condicionada aos tocadores de pan-

    deiros, tambores, tumbadores, maracás e bangôs. Naná percebeu

    as inúmeras possibilidade do berimbau e dedicou-se em explorar

    todas as potencialidades do instrumento.

    Os experimentos ocorriam a partir da percepção aguçada

    das peças sonoras de Jimi Hendrix. O senso de improvisação do gui-

    tarrista americano mostrou-lhe as ilimitadas possibilidades dos ins-trumentos. Passando a tocar berimbau de uma forma completamente

    distinta a dos ritmos que eram da capoeira tradicional. Depois de

    tocar por algum tempo em cabarés e bandas de Recife, mudou-se

    em 1966 para o Rio de Janeiro, onde conheceu Luiz Eça, Wilson

    das Neves, Gilberto Gil, e passou a acompanhar Milton Nascimento

    e o Som Imaginário.

    B I O G R A F I A

    Nos anos 70 Naná Vasconcelostocou com grandes nomesda música internacional, comoPat Metheny, B.B. King e Paul Simon.

    17

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    10/25

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    11/25

    Naná radicou-se emParis, onde gravouseu primeiro disco,“Africadeus”.

      Participou do Quarteto Livre (com Nelson Ângelo, Franklin da

    Flauta e Geraldo Azevedo) em 1968, mesmo ano em que acompa-

    nhou Geraldo Vandré no show “Caminhando (Pra Não Dizer queNão Falei de Flores)”,

    logo interditado pela

    censura. Em 1970

    foi convidado para

    integrar a turnê do

    saxofonista argentino

    Gato Barbieri pelosEstados Unidos e Eu-

    ropa. Com Barbieri,

    Naná ganharia o

    mundo, mas antes

    gravou, na Argenti-

    na, um LP (long-play),

    disco fonográco, cuja trilha sonora é g r a v a d a e m microssul-

    cos, hoje substituído pelo CD (disco óptico), intitulado El incredible

    Naná com Augustin Perreyra Lucena.

      Naná radicou-se em Paris, onde gravou seu primeiro disco,

    “Áfricadeus”. Segundo o artista em entrevista: “Africadeus foi um

    redescobrir de um instrumento, o berimbau”. Em 1973 gravou noBrasil “Amazonas”, um disco que se tornou um marco na combina-

    ção de percussão e voz na MPB. De volta ao Brasil, trabalhou com

    Egberto Gismonti por oito anos, tendo gravado juntos três álbuns, en-

    tre eles o aclamado “Dança das Cabeças”. Nos anos 70 Naná Vas-

    concelos tocou com grandes nomes da música internacional, como

    Pat Metheny, B.B. King e Paul Simon. Já se apresentou como solista

    21

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    12/25

    acompanhado por orquestras sinfônicas, excursionou pela Europa

    com dançarinos do Bronx e fez trilha sonora para cinema (“Down

    By Law”, de Jim Jarmush). Além de dominar uma grande variedade

    de instrumentos de percussão, Naná Vasconcelos contribuiu para a

    divulgação internacional do berimbau.

    Dados Artísticos:

      Iniciou sua carreira prossional em Recife, tocando bateria

    em cabarés. Mais tarde, foi percussionista da Banda Municipal lo-

    cal. Acompanhou Gilberto Gil em shows pelo Nordeste. Em 1967,

    viajou para o Rio de Janeiro, onde conheceu Maurício Mendonça,Nélson Angelo, Joyce e Milton Nascimento, com quem atuou na

    gravação de dois LPs.

      No ano seguinte, seguiu para São Paulo. Ao lado de Nélson

    Angelo, Franklin e Geraldo Azevedo, fez parte do Quarteto Livre,

    que acompanhou Geraldo Vandré em “Pra não dizer que não falei

    de ores” na fase paulista do III Festival Internacional da Canção.

    Em 1969, apresentou-se com Gal Costa no Curtisom e no Museu de

    Arte Moderna de São Paulo. Regressou ao Rio de Janeiro, formou o

    Trio do Bagaço, com Nélson Angelo e Maurício Maestro, apresen-

    tando-se, com o grupo, no México, a convite de Luís Eça. Atuou na

    trilha sonora de “Pindorama”, lme de Arnaldo Jabor. Nessa época,

    conheceu Gato Barbieri, com quem viajou para Nova York (EUA)para a gravação de um disco. Nesta cidade, participou de festivais

    de jazz, como o de Chateau Vallon, e gravou com Jean-Luc Ponty,

    Don Cherry, Roff Kün, Oliver Nelson e Léon Thomas.

      Mais tarde, viajou para a Europa. Fez contato com gravado-

    ras parisienses através de Pierre Barrouh. Apresentou-se no Teatro

    Ranelagh e foi convidado a gravar com Joachin Kunhu, na Alema-

    Em 1979, gravou o LP “Egber-to Gismonti & Naná Vascon-celos & Walter Smetak”

    23

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    13/25

    nha, seguindo, depois para Montreux (Suíça), onde realizou mais

    um show. Atuou durante dois anos com o Quarteto Iansã, na Europa.

    Seguiu, depois, para a África, onde permaneceu durante seis meses

    fazendo pesquisas. Seu primeiro LP, “Africadeus”, foi gravado no

    exterior. Ainda na Europa, compôs a trilha sonora de uma novela

    para a televisão francesa com temas brasileiros. Em Portugal gravou

    um disco no dialeto angolano quimbundo.

      No ano de 1972, retornou ao Brasil e apresentou, no Tea-

    tro Fonte da Saudade, o material com que participou de festivais e

    gravações com Don Cherry, Tony Williams, Art Blakey, Miles Davise Oliver Nelson, entre outros, utilizando instrumentos de percussão

    como o berimbau e a queixada de burro. Nessa apresentação, in-

    terpretou o repertório de seu disco “Africadeus” e uma bachiana

    de Villa-Lobos, regendo um coral e atuando como único músico do

    show. No ano seguinte, gravou seu segundo LP, “Amazonas”, lan-

    çado pela Philips, mesclando o ritmo brasileiro ao folclore africano.

    Ainda na década de 1970, voltou a Paris, onde realizou um traba-

    lho com crianças excepcionais.Trabalhou durante oito anos com Eg-

    berto Gismonti, com quem gravou, na Alemanha, o LP “Dança das

    cabeças” (1977), nomeado Álbum do Ano pela “Stereo Review” e

    premiado com o Grober Deutscher Schallplattenpreis.

      Em 1979, gravou o LP “Egberto Gismonti & Naná Vasconce-los & Walter Smetak”. Nessa época, transferiu-se novamente para

    Nova York. Atuou com artistas internacionais como Pat Metheny,

    B.B. King e Paul Simon. É autor da música de “O sertão das memó-

    rias”, lme de José de Araújo. Já em 1997, voltou ao Brasil para

    organizar, com Gilberto Gil, o IV Panorama Percussivo Mundial,

    realizado no Teatro Castro Alves, do qual participaram artistas de

    vários países do mundo. Em 1999, lançou o CD “Contaminação”,

    contendo suas composições “Science” (c/ Vinicius Cantuária e Mér-

    cia Rangel), “Tá na roda tá”, “Irapurú”, “Quase choro”, “Luz de

    candeeiro”, “Cajú” e “To you to”, todas com Vinicius Cantuária,

    “Lágrimas”, “Coco lunar”, “Forró do Antero” e “A seca” (c/ Dino

    Braia, Mércia Rangel e Alceu Valença), além de “Ciranda” e da

    faixa-título, ambas com Mércia Rangel.

    Na virada do século (2000), participou do CD da banda Via

    Sat. No ano seguinte, lançou o CD “Fragmentos”, uma compilação

    de temas que compôs para lmes e espetáculos teatrais. No repertó-rio, “ Vento chamando vento”, “Mundo verde”, “Sertão das memó-

    rias”, “Forró do Antero”, “Vozes”, “Vamos pra selva”, “Caminho dos

    pigmeus” e “Gorée”, além de sua versão para “Marimbariboba”

    (Domínio Público). Também nesse ano, participou, como arranjador,

    do CD “Cordel do Fogo Encantado”.

      Em 2002, lançou o CD “Minha Lôa”, contendo suas composi-

    ções “Futebol”, “Afoxé do Nêgo Véio”, “Estrela negra” (c/ João de

    Souza Leão), “Goreé”, “Macaco”, “Don’s rollerskates (Tributo a Don

    Cherry)” e “Curumim”, além de “Voz Nagô” (Paulo César Pinheiro

    e Pedro Amorim), “Isleña” (Kiko Klaus), “Caboclo de lança” (Erasto

    Vasconcelos e Esdras) e “Forró das meninas” (Erasto Vasconcelos,

    Guga e Murilo).Lançou, em 2005, o CD “Chegada”, com a participação de

    César Michiles (autas e saxes), Lui Coimbra (cello, charango e vio-

    lão), Chiquinho Chagas (piano, teclados e acordeon) e Lucas dos

    Prazeres (percussão). Em 2006, lançou o CD “Trilhas”, reunindo

    temas que compôs para os lmes “Quase dois irmãos”, de Lucia

    Murat, “Nizinga”, de Rose Lacret e Otávio Bezerra, e “Ori - Canção

    25

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    14/25

    para Aisha”, de Raquel Gerber, e para os espetáculos de dança

    “Corpos luz”, da companhia de balé Dança Vida, de Ribeirão Pre-

    to, e “Balé de Rua - Uma história brasileira”, da companhia Balé

    de Rua, de Uberlândia. Em todas as faixas, o músico assina voz e

    percussão.

      Em parceria com Marcos Suzano, Caito Marcondes e Cora-

    ção Quiáltera, lançou, em 2010, o CD “Sementeira: Sons da Per-

    cussão”, contendo suas composições “Sementeira”, “Ifá”, “Convite”

    e “Ensaio geral”, todas com Caito Marcondes, Marcos Suzano e

    Coração Quiáltera, “Lua Nova” (c/ Coração Quiáltera) e “Nadamais sério”, além de “Triciclo” e “Ditempus Intempus”, ambas de

    Coração Quiáltera), “Canto de trabalho” (Caito Marcondes) e “No

    morro” (Marcos Suzano).

    Egberto Gismonti& Naná Vasconcelos.

    27O B R A S

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    15/25

    4 cavaleiros do apocalipse, A seca (c/ Dino Braia, Mér-cia Rangel e Alceu Valença), Afoxé do Nêgo Véio, Am-azonas, Aquela do Milton, Balança rede, Batalha doNego Santo, Bird boy (c/ Don Cherry), Bush dance,Cajú (c/ Vinicius Cantuária), Calmaria (c/ Mário Toledo)Caminho dos pigmeus, Cara com cara, Chegada “Corpo”,Ciranda (c/ Mércia Rangel)Clementina (No terreiro), Coco

    lunar, Codona (c/ Collin Walcott e Don Cherry), Coisas donorte, Contaminação (c/ Mércia Rangel), Convite (c/ CaitoMarcondes, Marcos Suzano Coração Quiáltera), Cortina(Curtain), Curumim, Dado, Dida, Don’s rollerskates (Tributoa Don Cherry), Ensaio geral (c/ Caito Marcondes, MarcosSuzano e Coração Quiáltera), Espafro, Estrela brilhante (c/E. Vasconcelos), Estrela negra (c/ João de Souza Leão),Forró do Antero, Fui fuio (Na praça) (c/ Teese Gohl), Fute-bol, Gorée, Ifá (c/ Caito Marcondes, Marcos Suzano e Co-ração Quiáltera), Irapurú (c/ Vinicius Cantuária), Lágrimas,Let’s go to the jungle, Lua Nova (c/ Coração Quiáltera), Luzde candeeiro (c/ Vinicius Cantuária), Macaco, Macacos“Corpo”, Mamãe cadê Baleia (c/ Erasmo Vasconcelos), Ma-

    rimbariboba, Morte do Nego Santo, Mundo verde, Nadamais sério, Noite das estrelas (Night of stars) (c/ ErasmoVasconcelos), Nos olhos de Petronila “Ondas”, O berim-bau, O dia, a noite, Ondas (Nos olhos de Petrolina), Paletó,Passo, Pregões “Rua”, Quase choro (c/ Vinicius Cantuária)

    Que fazer, Rain dance (c/ P. Scherer), Ra-meverde (c/ Antonello Salis), Science (c/ Vini-cius Cantuária e Mércia Rangel), Sementeira (c/Caito Marcondes, Marcos Suzano e CoraçãoQuiáltera), Sertão das memórias, Tá na rodatá (c/ Vinicius Cantuária), Terreiro, Tira o LeoTo you too (c/ Vinicius Cantuária), Trayraboia (c/ Milan), Tu nem quer saber (Youdon’t want to know), Um dia no Amazonas

    (A day in the Amazone), Um minuto, Uma tar-de no norte (Na afternoon in the north), Va-mos pra selva, Vento chamando vento (Windcalling wind), Vozes (Saudades), Xaxado,Xingu Xangô (c/ Clive Stevens), Zumbi.Que fazer, Rain dance (c/ P. Scherer), Ra-meverde (c/ Antonello Salis), Science (c/ Vini-cius Cantuária e Mércia Rangel), Sementeira (c/Caito Marcondes, Marcos Suzano e CoraçãoQuiáltera), Sertão das memórias, Tá na rodatá (c/ Vinicius Cantuária), Terreiro, Tira o LeoTo you too (c/ Vinicius Cantuária), Trayra

    boia (c/ Milan), Tu nem quer saber (Youdon’t want to know), Um dia no Amazonas(A day in the Amazone), Um minuto, Uma tar-de no norte (Na afternoon in the north), Va-mos pra selva, Vento chamando vento (Windcalling wind), Vozes (Saudades), Xaxado,Xingu Xangô (c/ Clive Stevens), Zumbi. 

    29

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    16/25

       A

       F

       R

       I

       C

       A

       D

       E

       U

       S

       3

       0

     

       A

       N

       O   S

       D

       E

       P

       O

       I   S

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    17/25

    D I S C O G R A F I A

    (2013) 4 Elementos- CD(2010) Sementeira: Sons da Percussão (Naná Vasconcelos, Marcos Suzano, Caito Marcondese Coração Quiáltera) – Tratore – CD(2006) Trilhas (Naná Vasconcelos) • Azul Music • CD(2005) Chegada (Naná Vasconcelos) • Azul Music • CD(2002) Minha Lôa (Naná Vasconcelos) • Net Records • CD(2001) Fragmentos (Naná Vasconcelos) • Núcleo Contemporâneo • CD(2001) Cordel do Fogo Encantado (Cordel do Fogo Encantado) - participação • Rec BeatDiscos • CD(2000) Via Sat (Via Sat) - par ticipação • Morango Music • CD(1999) Contaminação (Naná Vasconcelos) • M. Ofcer • CD(1994) Contando estórias (Naná Vasconcelos) • Velas • CD(1990) Lester (Naná Vasconcelos e Antonello Salis) • Brass Star • CD(1989) Rain dance (Naná Vasconcelos & The Bushdancers) • Island Records/Polygram • LP(1986) Bush Dance (Naná Vasconcelos) • Island/WEA(1985) Nanatronics (Naná Vasconcelos) • Europa Music • LP(1984) Duas vozes (Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos) • ECM Records (USA)(1983) Codona 3 (Collin Walcott, Don Cherry e Naná Vasconcelos) • ECM Records/Ariola •LP(1983) Zumbi (Naná Vasconcelos) • Europa Music • LP(1982) Codona 2 (Collin Walcott, Don Cherry e Naná Vasconcelos) • ECM/WEA • LP(1979) Egberto Gismonti & Naná Vasconcelos & Walter Smetak (Egberto Gismonti, NanáVasconcelos e Walter Smetak) • LP(1979) Codona (Don Cherry, Collin Walcott e Naná Vasconcelos) • ECM Records/WEA • LP(1979) Saudades (Naná Vasconcelos) • ECM/WEA • LP(1978) Sol do meio dia (Egberto Gismonti) - participação • ECM/EMI-Odeon(1977) Dança das cabeças (Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos) • ECM/EMI-Odeon(1974) Naná Vasconcelos, Nelson Ângelo e Novelli (Naná Vasconcelos, Nelson Ângelo e

    Novelli) • Saravah (França) • LP(1973) Amazonas (Naná Vasconcelos) • Phonogram • LP(1972) Africadeus (Naná Vasconcelos) • Saravah (França) • LP.

    33

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    18/25

    A F R I C A D E U S

    M EM Ó

    R I A S

    “Tudo que eufaço hoje vemdo berimbau,eu transponhopara os outrosinstrumentos.”

    – Naná Vas-concelos

    35

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    19/25

    Africadeus é o nome do meu primeiro disco. Foi para mim uma missão, mudou minha vida.

     É o que eu estava descobrindo no instrumento. A primeira vez

    que peguei no berimbau, o instrumento foi para uma peça de teatroda época que falava dos folclores e da cultura nordestina. Quandochegava na Bahia era o berimbau por causa da capoeira, foi por issoque eu peguei esse instrumento, na realidade eu era baterista. Entãocomecei a estudar o instrumento, aprendi os toques: são bento, cava-laria, angola e as coisas da capoeira tradicional. Só que depois quepeça terminou eu quei com o instrumento e como eu morava numlugar pequeno no poderia estudar minha bateria. Ai foi então quecomecei a estudar Berimbau, mais por intuição ou mesmo por uma

    “Esse instrumentome deu uma con-cepção musical efez com que mu-dasse a minhapercepção de

    pensar a música.”

    força espiritual que mudouminha vida, por que eucomecei a fazer coisas quenão era da capoeira, com-ecei a tocar ritmos bem dife-rentes. Parecia uma missãoeu deixei de tocar tudopara tocar berimbau, maisao mesmo tempo eu queicom medo, eu tinha medode tocar no Brasil, essascoisas, por que eu estavasaindo das tradições. NoBrasil tradição é tradição,não se pode mexer com isso. Na naquela época, isso nos nais dosanos 60 e eu tinha medo de tocar.  Na realidade eu estudava e ia comecei a encontrar aquelascoisas que não tinha nada a ver com a capoeira, era um negóciotão intenso, cou como uma missão. Eu tenho que mostrar isso parao mundo, uma coisa assim, uma coisa muito forte espiritualmente.Procurei em muitas referências saber como esse instrumento era to-cado na África, e tudo muito parecido como era na capoeira, como

    37

    os griots que contavam as histórias. Então eu comecei a descobrircoisas do berimbau e ele começou a tirar de mim coisas que eu nãopensava dessa maneira, e ai tudo virou música: barulho virou músi-ca, ruído virou música, silêncio virou música. Então foi o berimbauque me levou a isso. Eu comecei a usar minha voz como instrumento,não como cantor. Esse instrumento me deu uma concepção musicale fez com que mudasse a minha percepção de pensar a música. Aomesmo tempo abriu uma dimensão muito grande sobre a música,os instrumentos e as formas como podem ser usados. Imagine queai de repente comecei a ver outros artistas por exemplo o que JimiHendrix o que fazia com a guitarra, eu queria fazer com o Berimbaue sentia uma coisa dentro de mim bem forte espiritualmente. O que

     Jimi Hendrix fazia com a guitarra, me mostrou que os instrumentosnão tem limitações, mesmo naquela época, o que ele fez com aguitarra ninguém conseguia fazer, nem hoje com toda a tecnologia,ninguém consegue fazer aquelas coisas que ele criou, aqueles sons.Então para mim o berimbau era assim, era uma coisa muito sériadentro de mim. Uma manifestação mesmo espiritual, e cada coisaque aparecia eu tinha que tecnicamente fazer forma perfeita, exigiade mim a perfeição. Tudo que eu faço hoje vem do berimbau, eeu transponho para os outros instrumentos. Ele me fez passar fazerimprovisações com a voz, tirar sons, tocava tanto que as vezes arespiração era bem forte que destruía o som do berimbau, começoua fazer que o primeiro instrumento é a voz, todas essas percepçõesvem do Berimbau.

    A primeira vez que me apresentei com berimbau como solistafoi fora do Brasil como o Gato Barbieri, que me convidou para fazeruma série de concertos com ele lá na Argentina. Ai no meio do

    show ele me dava dois minutos para fazer o solo de Berimbau, aivinha a baixo, os jornais só falava de mim, nesse contexto apareceuo primeiro contrato para o Gato fazer um disco nos Estados Unidos,ai ele me disse vamos para os Estados Unidos? eu disse vamos, aifoi que explodiu mesmo tudo, como por exemplo em Nova York, osjornais só falavam de mim, o The New York Times falava: “the jungleman”, achava que o berimbau vinha dos índios por que parecia umarco. Isso me fez entender que eu tinha uma coisa que não pareciacom nada, isso me fez tomar consciência de uma coisa que só eu

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    20/25

    tinha, essa intuição com o instrumento, eu comecei a assumir a ci-dadania dessa coisa, isso me ajudou para que eu não perdesse aminha identidade.

    O sucesso era tanto que isso incomodava o Gato Barbierie o grupo. O produtor levou o Gato para os Estados Unidos por queera músicos do terceiro mundo e que era moda se falar assim. NosEstados Unidos era novidade um músico do terceiro mundo. Eu coin-cidentemente quando cheguei em Nova York fui morar com GlauberRocha e politicamente já dizia sobre os músicos do terceiro mundo,que o caminho da música ia mais além. O Gato tocando Tango: “MiBuenos Aires querido”, o Gato era um grande músico improvisador,

    então o produtor do disco colocou os músicos negros famosos quetocava com John Coltrane para apoiar o Gato. Mais mesmo assimos jornais só falava de mim. E isso, o que é isso? O Gato dizia os

    “O que Jimi Hendrix fazia coma guitarra, me mostrou quez osinstrumentos não tem limitações”jornais só falam desse brasileiro. Então zemos o disco e a turnêpelos Estados Unidos e logo lá nos Estados Unidos zeram um lmesobre mim, um Documentário chamado “Berimbau”. O Glauber in-ventou logo tudo para que eu tivesse possibilidades de tocar nasuniversidades. Foi tanto que a primeira turnê na Europa, quandoterminou na França com Marlon Brandon, num lme do Bertolucci.

    Eu conhecia todos esses cineastas por que todos iam beijar opé do Santo, que era Glauber Rocha lá em Nova York. Nessa épocaBertolucci ia fazer o lme “Último tango em Paris” com Marlon Bran-don, e coincidentemente nós fomos tocar na “cena da manteiga dolme”. Terminando o concerto Marlon Brandon cou impressionadocomigo e eu já falava um pouco inglês e me perguntou: o que vocêsente quando toca esse instrumento? E cou realmente maravilhado.Terminando o concerto eu ia voltar para os Estados Unidos com oGato, mais alguma coisa me dizia, uma certa intuição me dizia

    para não voltar, isso porque eu já estava chateado com a atitudedo Gato que falava sempre ao engenheiro do som baixar o som nahora do meu solo. Então a minha intuição dizia tu tem alguma coisaai. No aeroporto de Paris falei com Gato, muito obrigado por tudoeu co por aqui, ele disse que aconteceu? Nada está tudo certo,muito obrigado! Eu pensei tenho um dinheiro da turnê, eu vou caraqui mais uns dias, se não der certo eu volto para tocar com MiltonNascimento, que era que eu fazia antes de partir com o Gato. Enão é que deu certo! Na semana só dava meu nome nos jornais deParis, foto minha e tudo. E no meio dessa coisa apareceu esse carao Pierre Bardou que fez aquele lme: “O Homem e a Mulher”. Então

    eu deixei o Gato por que estava me incomodando.O Pierre disse eu tenho uma gravadora, um selo pequeno,você quer fazer um disco? eu quero. Então eu z o disco e meveio na cabeça em Africadeus, por que via naquela época o instru-

    “Eu sou um Brasil queo Brasil não conhece.”mento como deus, que era um tipo de deus que me fez me tornarum solista, impressionante esse instrumento quando apareceu e atéhoje continua. Africadeus me fez espiritualmente tomar consciênciade mim mesmo, me disciplinar, me organizar ao ponto de virar umsolista de percussão, não só dele e também me deu possibilidade deestudar e perceber que todos os instrumentos tinham potencial. Aolongo dos anos fui redescobrindo o instrumento berimbau, ao ponto

    de ampliar minhas percepções sobre a obra Africadeus, então éisso, Africadeus é resultado de que a África é a espinha dorsal danossa cultura. Antes eu falava Africadeus era um deus, agora jáposso falar mais simples que é a espinha dorsal da nossa cultura.Representa a espinha dorsal da nossa cultura que é a África.

    Por que depois eu pesquisei lá na África, e também atravésde documentários, livros e percebi que ninguém tocava esse instru-mento com eu. Só eu toco berimbau dessa maneira. É uma missãopor que eu tirei esse instrumento da capoeira, que era o centro da

    39

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    21/25

    “Africadeus é o resul tado

    de que a Afri c a é a espinhadorsal da no ssa cul tura”.– Naná Vasc oncelos

    “Africadeus é o resul tado

    de que a Afri c a é a espinhadorsal da no ssa cul tura”.– Naná Vasc oncelos

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    22/25

    tradição e do folclores e virei solista botei ele no centro do palco. Oberimbau me fez virar um percussionista solista. E assim sendo fazerum solo de percussão que não seja divisão do batuque de quem tocamais forte e mais rápido, é procurar fazer a música com percussão, nãosomente essa coisa de sons pelo ritmo e por ser percussionista. Achoquando explica muito perde a essência, no fundo Africadeus representaa espinha dorsal da cultura brasileira.

    Africadeus é uma manifestação afro-brasileira por isso é impor-tante dizer que muita coisa que veio da África para o Brasil hoje nãoexiste mais na África, porque os colonizadores proibiram e destruíram.Esse é um ponto, mais o ponto mais importante na realidade é que muita

    coisa que veio da África para o Brasil se transformaram por que veio demuitas partes os negros africanos, chamo assim por que não gosta dechamar de escravos. Então essa mistura é um fenômeno que aconteceuparticularmente aqui. Hoje os africanos quando chegam aqui dizem,esse instrumento é da África, mais eu nunca vi sendo tocado assim ounesse contexto. Foram diferentes partes da África que chegou aqui, osamba é resultado disso, o pandeiro por exemplo é de origem árabe-cigano e se encontra no contexto diferente, está presente no Brasil. Nóspegávamos aquilo que as etnias africanas trouxeram e transformamos,então o que eu faço são coisas afro-brasileiras, é uma mistura de coi-sas. O berimbau me mostrou essas áfricas e me ensinou a usar cadainstrumento de uma forma orgânica. Por exemplo eu tocando a congae junto faço um som com boca, a mesma divisão do som orgânico e osom do instrumento vira uma terceira coisa. Faço com a cuíca e ca pa-recendo dois sons de cuíca, tudo isso devido ao estudo do instrumento,o berimbau me re-inventou, sou autodidata, como se diz e hoje realizo

    workshops em conservatórios acadêmicos de música. Mesmo na Áfricaquando eu toco todos cam perguntando o que é isso?Tocar berimbau foi um grande desao, pois quando você faz

    uma coisa que só você faz, não é fácil, eu procurei criar um grupo combrasileiros não deu muito certo por que todo mundo estava querendoa Bossa Nova. Esse negócio de solo, fazer show com apresentação deberimbau me levou a descobrir o corpo, ai ninguém topava, mesmoos africanos falavam que é isso Naná? O berimbau fez com que eunão perdesse a minha identidade, eu fui muitas vezes o melhor percus-sionista do mundo, não gosto muito de falar isso, por que é coisa de

    Americano. Mais na realidade isso pela intuição com o instrumentoe até hoje é assim. Mais foi muito difícil até eu criar todos conceitose depois produzir o conceito para trabalhar em orquestra sinfônica.

    Quando eu z Africadeus lá na França, nasceu o disco o meusonho era mostrar isso aqui no Brasil. Pensei agora posso ir e mostrarmeu trabalho com berimbau no Brasil, o que antes tinha medo porque não era tradicional, não era capoeira. Então apareceu umaoportunidade de ir para Bahia, e na época estava fazendo a trilhasonora de uma novela Francesa, que veio aqui para o Brasil, maisprecisamente para a Bahia. Foi então que pude vir junto turma doPierre Bardou. Foi nesse contexto que surgiu a história da resistência

    de lançar Africadeus no Brasil e ocorreu na casa do Jorge Amando,que nos convidou para almoçar e tal, ai fui levei meu berimbau che-gando lá estava o senhor André Midani, que era o diretor da Gra-

    “Tudo que eu faço hoje vemdo berimbau, eu transponhopara os outros instrumentos.”vadora Phillips, muito conhecida por que na época que estava osmúsicos como o Caetano, Gil, Bethania e Benjor. Então lá na casado Jorge Amado eu vim com essa ideia de lança Africadeus. JorgeAmando disse: Mostra esse berimbau, ai quando toquei, ele falou oque é isso? Ou André você tem que lançar esse disco, o Brasil temouvir isso. André falou tudo bem, me procura lá no Rio. Com umtempo fui para o Rio e liguei para o diretor da gravadora, e nadade me atender, sempre a secretária e desculpas. Ai certa vez ligueipara Jorge Amando e falei seu Jorge Amado, liguei para AndréMidani e não está me atendendo. Ai o Jorge Amando ligou paraele e deu um carão, você faz isso com o rapaz. Passando uns diaso diretor da Phillips me disse vem aqui ai foi quando me explicoutudo e por que não podia lançar Africadeus esclareceu que era umselo pequeno da França, ele não conhecia e ele era da Phillips etal. E me disse, se você tivesse outro? eu disse tenho. E foi quandoeu z o Amazonas. Isso por que eu estava impressionado aqui no

    43

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    23/25

    Brasil com a Transamazônica, pensei tão destruindo e rasgando oamazonas. Foi um disco que antes de sair, eu regressei a França.Percebi que cheguei num momento errado por que ninguém queriamúsica instrumental. Todo mundo estava naquela coisa com o Gil eCaetano voltando da prisão, do exílio político, isso em 1972. Entãonão tinha vez, todo mundo querendo “aquele abraço” a palavra eramuito mais importante do que a música instrumental sabe e continuasendo assim, agora menos, mais naquele momento era assim. Eucheguei no momento errado. Sendo assim eu z os disco dentro dasminhas concepções do que eu entendia por música. Então antes dodisco sair voltei, pois em Paris, os músicos americanos quando iade turnê falava meu percussionista está lá na França. Eu tambémtinha trabalho numa clínica de psiquiatria infantil, trabalhava para ogoverno Francês e isso me dava uma salário eu não precisar tocarem bares. Tocar com como um instrumentista solista era muito com-plicado, uma coisa que ninguém fazia e não faz até hoje. Eu sou umBrasil que o Brasil não conhece.

    Sou de pernambuco e dirigir na Bahia o PERC PAN, issogerou um rebuliço forte, imagina que um pernambucano dirigindoum festival de música percussiva na Bahia. Foi quando falei com Gil-berto Gil. Eu convidei o Gilberto Gil e o Milton Nascimento, foi euque coloquei os dois para cantarem por primeira vez. Eu falei Miltonos tambores de Minas estão dormindo, ai fez os Tambores de Minas.Hoje Minas é o estado brasileiro com maior movimento percussivo,assim de criação tem músicos africanos, indianos é impressionante,mais veio do Perc Pan e logo depois o Gil fez uma disco com o Mil-ton.

    Africadeus é muito importante pois trás referências e concei-tos que o meu trabalho com berimbau despertou para alguns músi-cos, a exemplo do Marcus Suzano, eu não conheci naquela época,mais quei sabendo que ele falou que queria fazer o mesmo nopandeiro, do que o Naná Vasconcelos fez com o Berimbau. Isso porcausa dos conceitos que eu falava nas entrevistas, do Jimi Hendrixe de que os instrumentos não tem limitações. O berimbau não foisomente feito para a capoeira, assim como a cuíca para o samba.Essas concepções vem por causa de Africadeus.

    “Então eu fiz o disco e me veio na ca-beça em Africadeus, por que via o in-strumento como deus, que era um tipode deus que me fez me tornar um solis-ta, impressionante esse instrumentoquando apareceu e até hoje continua. ”

    45

      Eu também na época que z Africadeus entrei para a área demúsicos contemporâneos, por causa das sonoridades que eu fazia.O berimbau me levou ao mundo de misturas incríveis e variaçõessonoras: Lapônia, Japão, China, Austrália. Tantas portas me abriu,me levou criar, a compor um conceito solista de percussão que sejamusical. Me levou a África do Sul, na celebração do Apartheid, porque o berimbau é o símbolo do arco e da luta, estava na presençade Mandela. O berimbau abriu as portas para a música moderna eétnica, gerando uma maneira orgânica de tocar. Que impressiona-ram todo o mundo e inclusive os japoneses quando falavam que oberimbau era Zen tanto na forma harmônica como é construído e

    como era tocado.

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    24/25

    BIBLIOGRAFIA:

    TEXTO MÚSICA NEGRA NO BRASIL.

    1- REIS, Isabel C. F. dos. Histórias de vida familiar e afetiva de escravos na Bahia do Século XIX. Sal-vador: Centro de Estudos Baianos, 2001.

    2- NASCIMENTO, Uelba A. do. As inuências afro na música brasileira (1900-1920). In: Anais Ele -trônicos do XXVII Simpósio Nacional de História – ANPUH, 2013, Natal-RN. 3- REIS, João J. A greve negra de 1857 na Bahia. Revista USP, n. 18, 1993.

    4- Segundo Parés, “a orquestra do Candomblé baiano contemporâneo se compõe do ferro (gã ouagogô) e de três atabaques de tamanhos diferentes chamados, indo do maior para o menor, ‘rum,rumpi e lé, deformação das palavras fon hum e humpevi, para os dois primeiros e da palavra nagôomele, para o terceiro’”. A presença de diferentes povos postos em contato num mesmo território gerouno Brasil fortes cruzamentos entre os povos de origem nagô, angola, jeje, ioruba, ketu, dentre outros,presentes muitas vezes, elementos de dois povos num mesmo terreiro de candomblé. PARÉS, Luis N.A Formação do Candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia. 2ª Ed. Campinas-SP. Editora da

    Unicamp, 2007. p. 320.5- PARÉS, 2007, p.321.

    6- ANTONACCI, Maria A. Memórias ancoradas em corpos negros. São Paulo: Educ, 2013, p. 40.

    7- A tradição oral é o fundamento essencial para se compreender a visão de mundo africana, a ex-istência de ritos e tradições de povos, que não tem na cultura escrita seu veículo principal de herançacultural. É o meio pelo qual, a sabedoria ancestral é transmitida de geração em geração e encontra nafala seu principal meio de transmissão. HAMPATÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: Ki-Zerbo, J. (org.)História Geral da África. Metodologia e pré-história da África. Vol 1. São Paulo: Ática/UNESCO,1982. p.158.

    8- CHAMOISEAU, P. Retrouver la memoire du corps. Le Point, n. 22. Paris, Réseau France Outremer,2009, p. 40-41.

    9- HAMPATÉ BÂ, 1982, p. 193.

    FONTES CONSULTADAS: 

    NANÁ VASCONCELOS, talento internacional. Continente Multicultural, Recife, ano5, n.55, p.72-81,jul. 2005. PERNAMBUCO de A/Z. Disponível em: Acesso em: 13 fev. 2006. PHAELANTE, Renato. MPB: compositores pernambucanos: coletânea bio-músico fonográca. 1920-1995. Recife: FUNDAJ, Ed. Massangana, 1997. Fonte: ANDRADE, Maria do Carmo. Naná Vasconcelos. Pesquisa Escolar Online, Fundação JoaquimNabuco, Recife. Disponível em: . Acesso em: dia mês ano. Ex: 6 ago. 2009.

    ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado Música Popular Brasileira - Criação e SupervisãoGeral Ricardo Cravo Albin. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss, Instituto CulturalCravo Albin e Editora Paracatu, 2006.

    AMARAL, Euclides. Alguns Aspectos da MPB. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2008. 2ª ed. EsteioEditora, 2010. 3ª ed. EAS Editora, 2014.

    D I R E Ç Ã O

     Juci Reis

     

     Juci Reis e Manuela Nascimento

    T E X T O

    Música Negra no Brasilpor Manuela Nascimento

    Paco Barba / Harmonipan Studio

     Juci Reis e Naná Vasconcelos

    Artista Naná Vasconcelos.Fotograas por João Rogério Filho,Bárbara Wagner e Itamar Crispim.

    CRÉDITOS: 

    P E S Q U I S A

    D E S I G N E D I T O R I A L47

    E N T R E V I S T A

    A C E R V O F O T O G R Á F I C O

  • 8/19/2019 Africadeus-Livro

    25/25

     AGRADECIMENTOS: 

    HARMONIPANPRÊMIO FUNARTE DEARTE NEGRA        2

            0        1        3

    Naná Vasconcelos, Patricia Vasconcelos, FLOTAR, Manuela

    Nascimento, Marina Dos Santos, Ben Cohen, Daniel Parra,Lucia Barba, Mario Gonzalez, Kassin, Domenico Lancelotti,Marcelo Frota (Momo), Vanessa Bittencourt, Erik Keldsen, AvaReis, Totoem Oliveira, Gilberto Peixoto, Enriqueta Macías,Amalia Ribeiro, Daniel Castrejón, Guillermo Santamarina,David Neves, FUNARTE (Prêmio Funarte de Arte Negra),Saravah, Diego Aguire, Alfonso Muriedas, Mestre Roque,

    Mestre Zê do Lenço, Rogelio Sosa, Mariela Brazón, Comunidadedo Mutum BA, União Palmares AL, Comunidade Mangueira RJ,Pedro Azevedo e Audio Rebel, Submarine Records, Noropolis,Brava, Arte Rumo, Desmonta, Thrill Jokcey, Fatoumata Diawara,Tony Allen, Sun Ra Arkestra e Orquestra Afrobrasileira.