afundação roberto marinho

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Afundao Roberto MarinhoA srie Denncia da Editora Tch!, com Afundao Roberto Marinho, de Romro C. Machado, oferece, no s ao pblico tradicionalmente leitor, mas tambm ao julgamento de toda a sociedade brasileira, talvez o ttulo mais polmico das ltimas dcadas. Num empreendimento editorial de enorme ousadia, um notvel trabalho de investigao jornalstica. Primeiro volume da Trilogia Global, este livro um empreendimento corajoso que aborda tema considerado por muitos mtico e inenarrvel. De indiscutvel credibilidade, quer pela fartura documental, quer pela privilegiada autoridade do autor (Romro foi auditor da Rede Globo, contro-ller da Fundao e assessor da Vice-presidncia de Operaes da Rede), a obra enfoca a luta pelo poder, dentro e fora da empresa, e as mais inimaginveis ilicitudes, desde a falsificao de concorrncia at a obteno ilegal de verbas, passando por transaes em dlares no registradas (caixa-dois), compra de notas frias para prestao de contas com o MEC, e "operaes" envolvendo Jos Bonifcio de Oliveira Sobrinho, o Boni, Vice-presidente das Organizaes Globo e responsvel pela vitria de Escrito nas Estrelas, msica interpretada porTet Espndola, no Festival dos Festivais. O jri tinha escolhido Mira ira. Como um jurado no podia saber do voto do companheiro, foi fcil para Boni falsificar o resultado. Na mais poderosa indstria televisiva do pas, o poder fabrica outra espcie de indstria: a poltica do abuso. Incontveis personagens todos com seu honrado nome de batismo declarado envolvem-se em falcatruas que a argcia e a honestidade quase suicida do autor auscul-taram. De forma impiedosa e transparente, este inacreditvel reino da safadeza acaba, finalmente, de ser retratado com fidelidade. Afundao Roberto Marinho um dos livros mais denunciadores que a bibliografia brasileira j registrou.

O AutorRomro da Costa Machado nasceu a 11.09.48. Reside no Rio de Janeiro e foi aprovado para Agente Fiscal de Tributos entre os setenta primeiros lugares entre milhares de participantes. Foi auditor nas seguintes empresas: Auditor, Coopers IkLybrand, Boucinhas-Campos e Claro, Grupo Portland/Lone Star (Cimento Mau) e, por ltimo, Rede Globo (holding). E controller: Grupo Portland/Lone Star e Fundao Roberto Marinho. Alm disso, foi Assessor Especial do Vice-presidente da Rede Globo, Jos Bonifcio de Oliveira Sobrinho, o Boni.

ResumoA imagem da Rede Globo no espelho televisivo recebida nos lares brasileiros com um fervor admirativo que quase no comporta crticas, e uma fidelidade de um pblico responsvel por altssimos ndices de audincia que torna o que seria um simples lazer num autntico costume nacional. Esta imagem, aparentemente irretocvel, agora posta prova de forma indita em Afundao Roberto Marinho, ameaa desfazer-se, ou melhor, adquirir seus verdadeiros contornos, sua face mais real, a que o vdeo incapaz de captar. Em seu primeiro volume, a Trilogia Global, de Romro C. Machado, investe impiedosamente contra um mundo que a televiso mais mascara do que revela. Aqui temos a devassa da Fundao, com os desmandos e estratagemas internos cujo nico objetivo acobertar a fabricao de fortunas pessoais e aes polticas que certamente envergonhariam Maquiavel. Mais do que acender o rastilho da explosiva Trilogia, este livro de abertura oferece s mais variadas faixas de leitores e a todos os profissionais de Comunicao um exemplo notvel de coragem pessoal e honestidade de ofcio. O autor, auditor durante anos na poderosa Rede e mais tarde controller na Fundao Roberto Marinho, "olhos e ouvidos do dono", alm de assessor de Jos Bonifcio de Oliveira Sobrinho, o Boni, v-se justamente pela extenso de suas funes, frente a frente com as mais inimaginveis falcatruas. Acusar? Incriminar? Ou simplesmente registrar os infindveis buracos negros do universo dos corruptos cada vez mais em expanso? Dvidas quase intransponveis, cujos obstculos morais, econmicos, sobretudo de autopreservao (principalmente fsica) geralmente direcionam para uma desistncia culposa ou, na maioria das vezes, para uma negociao indigna de interesses mtuos. Sem fazer vistas grossas ou sem aliar-se s quadrilhas de importantes executivos (todos com seu "santo nomezinho" devidamente apontado), o perigo iminente, certo. Romro corre todos os riscos, menos o de relapso em sua atividade; expe-se sanha mafiosa, menos covarde cumplicidade de quem irresponsavelmente preferiria lavar as mos. Mos ousadas, astutas, que to logo desligaram-se do imenso mar de lama Global, escreveram um dos livros mais denunciadores que a bibliografia brasileira j registrou.

Afundao Roberto MarinhoRomro C. Machado.NDICE

A ttulo de introduo Prefcio Explicao necessria Antes da primeira auditoria A primeira auditoria So Paulo, aqui vou eu A segunda auditoria O primeiro confronto

A Ttulo de IntroduoEste livro o primeiro de uma trilogia, a ser complementada com outros dois; sendo um composto de uma histria seqencial e segmentada, Inside Globo, e outro com histrias isoladas. Atrs do Espelho. Como o Afundao Roberto Marinho est situado no interregno de duas fases de auditoria, deveria conter, por isso mesmo, toda a fase adestrita Fundao Roberto Marinho. Entretanto, por uma questo de clima, o autor optou por reconstituir uma pequena fase pr-auditoria, bem como dar uma pequena seqncia fase ps-auditoria, fazendo com que os incios e fins de cada livro sejam irrelevantes, quer por no ficarem presos ao tempo, quer por no pretenderem encerrar um principio moral e pedaggico. Gostaria de ressalvar que todos os dilogos deste livro so rigorosamente verdadeiros em sua essncia. Entretanto, como nem todos eles foram gravados, e a maioria foi reproduzida de memria e anotada poca, poder ocorrer o uso de sinnimos para algumas palavras ditas, at mesmo uma ligeira distoro, principalmente em virtude da pontuao, do ritmo. Porm, no h qualquer modificao na essncia e contedo dos mesmos. O Autor.

Prefcio**Assunto de responsabilidade de Francisco Eduardo Ribeiro, Responsvel Geral pela Auditoria de todas as empresas das Organizaes Globo.

Foi deixada uma pgina em branco, em sinal de silncio, uma vez que zilhes de razes que conheo, impedem Francisco Eduardo Ribeiro de utilizar este espao para expor os seus motivos e/ou justificar sua posio diante de todos os fatos de que ele ciente. A despeito de eu haver alertado, durante anos, sobre a sua posio de cavalo em A revoluo dos Bichos, e de caixeiro-viajante em A Morte do Caixeiro-Viajante, e que de nada adiantaria ele tentar se superar, trabalhando cada vez mais, pois o futuro seria inexorvel, e nada deteria a decretao do seu ostracismo, e at mesmo a implacvel perseguio, to logo o Dr. Roberto morresse ou delegasse a administrao das empresas a inimigos seus. Ele, Francisco Eduardo, transformou-se em assistente de sua prpria agonia e morte, em vida; amargando a ingratido, mais uma vez, e pagando alto preo por no atentar para o que se desenhava como bvio.

Explicao NecessriaTudo o que compe estes livros foi objeto de relatrios internos e/ou relatos verbais a pessoas tidas como responsveis internos pelos assuntos aqui abordados. A minha promoo a Controller da Fundao no representou o esperado por mim, pois abri mo desta posio ao ver que se tornava intil o meu trabalho e que nada mudaria dentro daquela instituio, e no ser que a fizesse sangrar, indo to fundo quanto achava que devesse ir. Poderia ter envelhecido ou me aposentado na confortvel posio de Controller-Conivente, caso me dispusesse a aceitar coisas como elas estavam. Foram dadas (por mim) aos dirigentes da Fundao todas as oportunidades de recomear e higienizar, a partir de um processo de lavar roupa suja dentro de casa. Neste sentido, foi tentada toda a sorte de comunicao com o Secretrio-Geral da Fundao. Mas a certeza da impunidade fez com que a alta direo da Fundao supusesse a minha acomodao e meu amedrontamento diante de to grandes e graves problemas, sentindo-se seguros pelo cinturo de fidelidade, apostando contra a minha obstinao ou, o mais infantil, contra a minha crena nos meus princpios. 0 mesmo aconteceu com o assunto-objeto dos dois outros livros, que a despeito de relatrios formais, e at mesmo aps um rompimento verbal decretado por mim, foi objeto de descaso, tratado como se destitudo de aplicabilidade de prtica. Assim como na Fundao, onde recomendei o afastamento de todos os diretores, o que era considerado hiptese absurda (consumando^e mais tarde), o mesmo aconteceu em relao ao restante das Organizaes Globo, onde propus a higienizao, eliminando-se contrabando, sonegao, desvios de recursos para o exterior e toda a sorte de falcatruas. Principalmente, a nomanipulao de homens pblicos defensores dos interesses da Globo. Assim como na Fundao, foi tentada toda a sorte de comunicao com as pessoas responsveis dentro das Organizaes Globo, alertadas inclusive, e principalmente, para o fato de que seriam tornados pblicos todos estes assuntos, caso eles no fossem resolvidos internamente. Esgotados todos os recursos de dilogo, aps haver dado cincia, por carta e telegrama da inteno de edio destes livros, a Jos Bonifcio de Oliveira Sobrinho, Boni vice-presidente das "Organizaes Globo"; a Joo Carlos Magaldi, Diretor da "Central Globo de Comunicaes"; a

Francisco Eduardo Ribeiro, Responsvel pela Auditoria de todas as empresas das "Organizaes Globo"; a Nilo Srgio de Almeida, Diretor Administrativo e Financeiro da Editora Globo, e haver mostrado inteno de ceder prioridade de edio destes livros prpria Editora Globo desde que sanadas todas as irregularidades denunciadas; impondo, inclusive, srias e pesadas multas caso no fossem editados tais livros , vi-me obrigado e compelido a tornar pblico todos estes assuntos, atravs da publicao por uma editora ou editoras, que satisfizesse(m) aos meus interesses enquanto autor. No espero nenhum grande movimento em torno da apurao de responsabilidades dos denunciados, at porque estamos no Brasil, um pas de covardes e de corrupo institucionalizada. Mas o inverso, que eu seja alvo de investigao, denncias, boatos, verdades fabricadas, e at mesmo, objeto de processo hbito muito comum neste pas colonizado por presos e degregados , onde processa-se o acusador ao invs do acusado; e uma vez provada a acusao, no se toma nenhuma providncia contra o acusado, e seus crimes considerados como Cotidiano brasileiro. Mas, ainda que demore sculos, ainda que ultrapasse o tempo da minha existncia, ainda que o regime da republiqueta mude, ainda que se censure a obra, ela ser atemporal e subsistir. Enquanto a verdade do dia anunciada pela televiso, se desfar qual bolha de sabo. E a histria far a sua parte.

Antes da Primeira AuditoriaRua Jardim Botnico, 266. Para os funcionrios existem: a Emissora (Rua Lopes Quintas e Von Martius), o 266 e o Teatro (Fnix). Lgico, a Globo no s isto. Existem trocentos endereos em diversas casas diferentes. Mas a base esta: Emissora 266 Teatro. Mais um dia. Igual a tantos outros, igual a qualquer outro. Passo na portaria fingindo colocar o crach, para no ter que us-lo, pois detesto este penduricalho. O segurana observa de longe, j sabendo que no vou coloc-lo. s vezes, ele, o segurana, s de birra vem atrs de mim. Eu aperto o passo e tento rapidamente chegar ao elevador. Ando bem rpido, ele tambm. Conto com que um dos elevadores esteja no hall. De passagem, vejo o elevador de servios com a porta fechada e um dos sociais quase fechando. Corro, seguro a porta, ela se abre. Fico de frente para o segurana. Olho para ele, de dentro do elevador. Ponho as mos na cintura, e abrindo o palet deixo que veja que estou sem o crach. Rio com os olhos e fico absolutamente srio, ao mesmo tempo em que o elevador fecha a porta e sobe rapidamente ao 79 andar. Eu gosto deste jogo de gato e rato com o segurana, principalmente porque isto super importante para ele e absolutamente desimportante para mim. E como tenho averso segurana tipo ordis ordis, divirto-me sendo um equilibrista em cima do limite de legalidade e ilegalidade. Principalmente, pela atroz dvida que o assalta diariamente: eu vou colocar o crach ou no (Incrvel ... isto importante para ele). A minha implicncia que segurana s pra e incomoda quem no tem nada com a histria. IMa Globo, por exemplo, j entrou uma velha maluca na sala do Dr. Roberto, que ningum sabe de onde veio. Tem dezenas de ambulantes vendendo tudo: de empadinha at txico e contrabando grosso. Mas o segurana s pra funcionrio, a trabalho. Isto acontece diariamente, mais de uma vez, pois em minhas sadas espordicas para o almoo ou lanche a cena se repete. s vezes com variaes. Coloco o crach na frente do segurana e, logo em seguida, ao dar as costas, finjo tirar o crach e aperto o passo para o elevador. Ele vem seco para cima de mim. No meio do ha// paro, mexo com algum e viro-me para o segurana, exibindo o crach. Ele quer morrer. Olha para mim. Finge que no houve nada e fica fazendo hora. Entro no elevador e medida que o elevador ameaa fechar a porta eu tiro lentamente o crach, como num debochado streap-tease, e olho para o segurana interrogativamente. Chego ao 7 andar e cumprimento os habitues que chegam cedo (no horrio). No primeiro salo esto os administrativos e a galera (trainees, assistente, semi-seniores, etc). No segundo salo est a elite, setor fiscal, especiais, supervisores e assessores). Ao todo uns 30 funcionrios.

Coloco o palet nas costas da cadeira, cumprimento o pessoal da segunda sala e vou papear no salo da galera. Embora isto seja muito mal visto por alguns colegas elitizados, que desconhecem o doce sabor da simplicidade e de se permitir a irresponsabilidade da vulgaridade. Brinco com a secretria (Norminha) e com o Azulo (Edson). Provoco a treinizada e inicio um barata-voa de catarse. Sento-me mesa coletiva e comeo a puxar assunto com o March, que no gosta de conversar antes de ler o jornal. E a, para variar, e s para encher o saco, fico puxando assunto com ele, at ele no agentar mais e fechar o jornal. O March agenta o quanto pode. At que desiste e resolve se vingar: O Azulo] (Azulo o apelido do Edson, pois todo contnuo da Globo obrigado a andar vestido de azul.) Vai buscar um caf pro Chips para ver se ele para de encher. (March apelidou-me de Chips, pois na poca eu tinha uma moto com bagageiro. E com moto de bagageiro, terno, capacete e calculadora financeira presa ao cinto da cala, eu era o prprio personagem do seriado Chips ). Todo mundo gozava todo mundo, observando-se uma certa hierarquia: trainee no fala, s diz: "Sim senhor!", "No senhor!" e "Posso ir embora?" e a lei mxima: Pato novo no mergulha fundo. Respeitando-se esta hierarquia, o riso era livre. E as gozaes gerais. Lgico, existiam os preferidos: Pedrinho Bil (puxa-saco oficial do Francisco, e cagete contumaz); Fernando Chileno (tambm chamado de Que Pasa ou Repassa, pois ele no fazia o seu trabalho e sempre repassava para algum). Gozava-se, tambm, os dotes fsicos de cada um: March era o Velhinho; Nilo era o Careca; Alberto, o Garniz; Luiz Carlos era o Baixinho. Todo mundo, praticamente, tinha apelido. At Francisco, quando a galera estava com bronca, virava Chico-Peste (sem ele saber). Mas o clima era o da mais perfeita unio. Broncas pessoais parte, o clima era sempre bom. Salvo quando Pedrinho chegava, pois ningum gosta de cagete, ou de empregado-patro. Parecia combinado. Ele chegava e todo mundo calava a boca, mas o riso continuava, contido. Luiz Carlos, um misto de profissional, competente e cinicamente consciente das coisas realmente importantes, s chegava atrasado. E ele conseguia, religiosamente, chegar 5 a 10 minutos antes do Francisco. Raras foram as vezes que Francisco conseguiu chegar cedo. Ele sempre chegava depois das 11 horas, e nunca pegava Luiz Carlos chegando tarde. Houve mesmo uma vez, em que o Francisco ligou de casa, umas 10 horas, e Luiz Carlos, raridade, tinha chegado cedo. No sei porque cargas d'gua, Francisco pediu para chamar o Luiz Carlos ao telefone, e, sem graa e sem assunto, comeou a dar esculacho. No ato, Luiz Carlos saiu-se com uma tirada seca: "Olha aqui... eu estou no trabalho e voc em casa. Eu estou trabalhando desde as nove horas e voc est acordando agora. Quer dar esporro? Venha at aqui. No aceito bronca por telefone. Bronca s ao vivo e a cores". E desligou o telefone. Srio, para, logo em seguida, imaginar a cara estupefata do Francisco, e esboar um riso cnico de pequeno triunfo pessoal. Uma hora mais tarde, Francisco entrava bufando pela porta, carregando, como sempre, duas malas de relatrios, que ele levava para tudo que era canto, e com o palet solto nos ombros. Gritando: Luiz Carlos, venha c no meu escritrio. Ele ia, meio rindo, meio sacana, mas com a certeza dos que esto certo. Bronca a portas fechadas, no inicio at que ouvamos os berros. Mas logo sumiam. E meia hora aps, Luiz Carlos, com a habilidade poltica habitual, conseguia fazer Francisco esquecer os problemas momentneos com os quais estava envolvido e lembrar-se dos grandes problemas envolvendo todo o staff. A, era sagrado, Francisco puxava o follow-up e saa cobrando. Sobrava esporro para todo mundo. Do boy ao ltimo assessor. Numa dessas, a bronca j havia passado pelo boy, pela secretria, pelos datilgrafos, pela galera, j entrara na sala da elite, comeou a sobrar para o Luiz Carlos que estava cheio de relatrios e no os liberava. A, a bronca foi em seqncia: Fernando Chileno, que controlava e no controlava a parte administrativa; Nilo, que estava cheio de relatrios (sem efeito) e no os colocava para fora (no os editava). E, logo, a coisa ia chegando em mim. Uma vez, entre raros momentos, vi Francisco ficar bravo com Nilo, pois Nilo era mais velho do que Francisco, e j esteve, anteriormente, em cargo superior ao dele (quando ramos da Boucinhas, Campos, Coopers and Lybrand Auditores Independentes). E Nilo era uma espcie de dolo do Francisco. Pois bem, naquela oportunidade, Francisco esbravejou: Porra, Nilo! No sei porque voc est com estas merdas destes relatrios e no edita. . . (No sei porque, mas o coloquial do tratamento parece, s vezes, vulgar e infantil, ou infanto-juvenil. Mas, a despeito deste tratamento, a postura era rigorosamente profissional.)

Nilo retrucou: Mas, Francisco... S tem relatrio bobo e ponto babaca. Para editar troo sem efeito melhor no editar. Voc acha que eu vou mandar um Sumrio Executivo pro RIM (Roberto Irineu Marinho) e RM (Roberto Marinho) sem efeito? Francisco: Sem efeito o cacete! Voc que est ficando velho e no quer levantar o rabo da cadeira. Da, fica servio sendo feito nas coxas, sem superviso. E vocs passam por cima dos elefantes e no enxergam. O dilogo era duro, rasteiro, mas objetivo, eficiente e franco. Ningum mandava ningum s fezes. Era merda, mesmo. E nem esbravejava: Caspite! Era um bom e sonoro: Porra! Machado! (Meu nome de guerra), o que voc est fazendo? Pronto! Sobrou pra mim. Retruquei: Estou com um effective-ness para fazer. Tenho dois relatrios de servios especiais. Estou preparando testes para candidatos, e tenho que preparar material para treinamento, alm do servio todo da parte fiscal. No duro, isto no era nada. Era o meu refresco quando no estava mil por hora, envolvido em operao pega-ladro e apaga-fogo. Francisco: Pra com tudo isto e pegue um dos servios do Nilo. O Luiz Carlos tambm. Chileninho tambm. Cada um pega um trabalho e eu quero ver isto pronto para ontem. Vamos dividir o servio e vocs que se virem. Quero tudo pronto at o fim da semana. Para mim coube: Fundao Roberto Marinho. Histrico da Fundao: trabalho feito h vrios anos. Nunca teve problema. Tem auditoria interna (da Globo) e externa. fiscalizada pelo poder pblico. Tem tudo controlado. Nunca houve um ponto grave em relatrio. Os relatrios dos anos anteriores eram de uma folha s. Ou seja, empresa sem problema nenhum. Nilo: Machadinho, meu amigo (em tom de deboche), vais pegar um servicinho beleza. Nada para fazer. Nada para relatar. Falei pro Francisco: Vou levar dois auditores da equipe especial. Tudo bem? Francisco: Porra nenhuma! Programe a equipe especial para outro servio. O servio da Fundao babaca e voc faz at sozinho em menos de 24 horas. Fao em 5 minutos retruquei. s copiar o relatrio, de uma folha s, do Nilo. Agora, se voc quer um troo direito, deixa eu fazer ele direito disse, malcriadamente. Francisco: Est bem! (O Francisco nunca teve muita pacincia para discutir comigo.) V at l e veja o que precisa. Mas se no der nada voc vai compensar as horas perdidas com a equipe. Tudo bem falei. J estava habituado, e compensar era trivial-simples, pois trabalhvamos em ritmo louco, quase sem tempo para almoar. Na maioria das vezes sandubando, ou ento comendo em cima da mesa de trabalho. Trabalhando at s 11 horas, meia-noite. E o pior, declarando no Time-Sheet que s trabalhvamos 8 horas por dia (para dar exemplo e no criar contingncias trabalhistas, justo dentro da auditoria). Sa da sala e ao atravessar o salo da galera, March, que vivia sentado mesa coletiva, ironizou: , Chips, quero ver agora. . . Fazer altos relatrios com a tua equipe especial e equipe fiscal mole . . . Quero ver fazer altos relatrios num trabalho feijo com arroz. O March, retruquei at parece que voc quer nivelar por baixo. Voc duvida que eu v l e arranque mais do que num servio especial ou apaga-fogo ou pega-ladro? Isto igual ao caso do cara que era vendedor de sapatos e foi mandado para uma visita a uma tribo africana. Ele voltou e disse que era impossvel vender sapatos, pois l ningum usava sapato. Todos andavam descalos. Enquanto que um colega seu, com a mesma incumbncia, mandou um telex de resposta: "Estou vendendo tudo que sapato, pois aqui todos andavam descalos e eu estou calando todo mundo". E, em auditoria assim: nunca vi empresa sem problema. E quando no aparece problema, sinal que h encrenca braba. uma questo de ponto de vista completei. A mesma coisa pode ser vista de mais de uma forma, viso ou miopia. E sabe do qu mais, velhinho? V procurar sua turma. V arranjar um trabalho. Veja se sai daqui do escritrio, que este negcio de auditoria com o rabo sentado na cadeira nunca deu camisa a ningum. E voc est ficando com, craca no rabo de fazer auditoria da BEC e Starlight aqui no Brasil, sem nunca saber como so as coisas l nos Estados Unidos. Nisto, vem entrando o entregador de malotes (Lessa), que traz sempre escondido, numa segunda sacola, vrios tipos de sanduches e salgadinhos para vender de sala em sala. E o March,

no ritmo, pega o maloteiro: A, do malote! O que que leva dentro? Vende um sanduba pro Chips que o mal dele fome. E eu t aturando um papo de maluco aqui que no mole. Olha a brincadeira, seu March. Disse, humildemente. Dentro eu no levo nada, no senhor. Na sacola tem sanduche de ovos mexidos, pasta de atum, bolinho de carne, e empadinhas. Vai querer? Perguntou, olhando para mim e pro March. Nem pensar falei. Sanduche de ovos repugnantes, sardinha espremida com maionese, boi ralado e empada que sobrou do restaurante da Central. Prefiro ir "sandubar" na padaria disse em tom de brincadeira. A, Chips! Vamos comer, que teu mal fome. Quem sabe, depois do almoo, voc consegue ir na Casa do Bispo (Sede da Fundao) e ficar tomando chazinho com biscoitinho com o Jair Lento (Diretor Financeiro) e depois dizer: nada a comentar ... nada a relatar. Est tudo em ordem. Insistia o March, no firme propsito de provocar-me a todo custo. O, March . . . Deixa eu sair. Eu vou almoar decentemente no Hotel de Trnsito (da Marinha). Vou at a Fundao, e vou fazer um trabalho como voc nunca viu. Vai ser to bom que voc at vai ter o que fazer: conferir a datilografia do meu relatrio. Tchau e bena. Encerrei, como quem no quer mais aquele tipo de conversa e est se preparando para encarar as coisas com a seriedade necessria. Embora possa parecer o contrrio, mas ns tnhamos uma necessidade quase que mrbida de sermos e nos tratarmos de forma vulgar e coloquial, quando em nosso ambiente de trabalho, no escritrio. Quando no desempenho das funes de autoditor - auditando empresas ramos srios, frios, formais, e absolutamente distantes e imparciais no trato com pessoas. Creio que isto era uma compensao, ou "vlvula de escape" para a presso a que ramos submetidos.

A Primeira AuditoriaA vida de auditores sempre ingrata. Em geral voc odiado por onde passa. Todos desejam muito mal a voc. Ningum gosta de um auditor. Com raras excees, s suas mes lhes so caras (a alguns nem isto). Talvez por isso o auditor guarde um incomum e solitrio senso de humor, e excessivo instinto de auto-recreao; rindo, permanentemente, de sua prpria desgraa, e fazendo piada de tudo que lhe seja adverso. Particularmente, eu tinha at um certo receio em ficar endurecido e "perder a ternura'" E de que, anos e anos a fio fazendo quase que sempre a mesma coisa, tornasse-me automtico e insensvel. Eu sempre me policiei muito para no me distanciar da condio de ser humano. Ou seja, eu no queria que fosse normal e trivial descobrir a falcatrua, desvendar intrincados rombos e trambiques, e viver jogando plo-diretor (esporte que se resume a bater em baixo e ver o diretor cair) ou como era comumente chamado: "pega-ladro". Mas fazer auditoria, na Globo, e no pegar ladro era quase que impossvel. E, s vezes, eu me perguntava: Para que tanta tcnica? Para que tanto estudo tributrio? Para que refinado Management, Business and Administration, se na Globo a coisa era policialesca e rastaqera? Era como pescar num barril. (Bem parecido com um pas chamado Brasil.) Eu questionava muito esta condio de auditor-policial, vez que toda tcnica e estudo de auditoria eram violentamente desvirtuados para um imediatismo policialesco. E esta, positivamente, era uma condio que me incomodava muito, motivo de longas brigas minhas com o Francisco. Lutar contra a mar?. Sempre! difcil voc colocar ordem no desordenamento institucionalizado. como pregar no deserto. Certas coisas so possveis ou no em funo de quem faz. Ou seja, a administrao, na Globo, totalmente pessoal (o que contraria tudo que norma ou tcnica); uma determinada coisa pode ou no ser aceita, unicamente, em funo de quem pratica a ao. Dois exemplos clareiam bem este assunto. 0 primeiro o "caso do Jaboti" e o segundo, o da impunidade". Certa feita, aps concluir brilhantemente um trabalho, um colega vem me prestar contas do servio, que supnhamos arrasador. Entretanto, frustrado, disse ele que a coisa dera em gua.

Mas como? Ns temos tudo provado, constatado. . . Como? Eu estava estarrecido. Ele ento esclareceu: Quando eu falei com o diretor envolvido, ele me esclareceu calmamente: "O que voc faria se visse um jaboti em cima da rvore?" Respondi: "Sei Ia', uai..." E o diretor: "No. No isso. Voc deve dizer: 'Jaboti no sobe em rvore. Quem ser que colocou o Jaboti na rvore?' Lembre-se: aqui na Globo mais importante saber quem colocou o Jaboti na rvore, do que o fato do Jaboti estar trepado nela." Mais tarde pude constatar a religiosidade desta regra, na Globo. O segundo caso de um outro auditor, que eu havia encarregado de uma reviso fiscal e que deixou passar um "ponto" enorme, envolvendo uma fantstica contingncia fiscal. Nota: Contingncia, em auditoria, algo sobre o qual pesa o risco de vir a ser pago um valor por uma irregularidade. Fui igual a uma fera para cima dele: "Como? Mas como voc no viu um troo deste tamanho? Como voc pode engolir uma mosca assim?" E ele, calmo como um monge: "U, ns no estamos impunes!'" "Impune o cacete. Ns no estamos impunes e nem imunes. Eu no aceito este tipo de brincadeira", adverti seriamente. Ele, sem perder a calma: "Voc engraado. Quer descobrir uma coisa errada, que no ser consertada, nem sequer levada em conta. Ou melhor; quer saber o quanto seria devido pela contingncia se ns fssemos pagar o que nunca pagaremos. No melhor abandonarmos isto e pegar desvios, roubos, falcatruas, etc, que do mais ibope no relatrio, e do demisso?" A minha vontade diante do real era de chorar. Era duro constatar no que estvamos nos transformando. E, o pior, era real. Era duro ter que dar razo retilinidade do raciocnio dele, e cruel prostituio de nossas funes. Respirar. Engolir. Respirar. Ir em frente. Minha vida no era muito diferente da dos demais mortais. E era o bastante. Vivia, profissionalmente, no mundo da televiso, mas com grande ojeriza pelo meio artstico. E em minha privacidade era cinfilo, ou "cachorreiro". Muito embora nada tenha a ver uma coisa com a outra, pude experimentar, de perto, a proximidade e a fuso destas vidas; e como a proximidade delas influir no meu comportamento. O Jornal Nacional noticiava uma "ilha de tranqilidade", no tocava nos assuntos censurados e proibidos. Era fim de ditadura. Porm, a coisa estava na base do vira-no-vira, temgolpe-no-vai-ter-golpe. hoje. amanh. Os militares esto unidos e coesos. Correi. (Este era o clima.) Fora do campo profissional, minha vida particular tinha pouca variao: No confiava em ningum, a no ser nos meus ces. (Um canil de fila brasileiro. Ces extremamente fiis para comigo e violentamente agressivos para com terceiros.) E justamente este hobby cinfilo complementava um quadro bastante ecltico e altamente bizarro. Permitia a tranqila convivncia, por exemplo, entre um torturador e um torturado; um terrorista de direita e um terrorista de esquerda. Neste brasileirssimo ambiente surrealista convivia tranqilamente no meu universo particular; HNRB, ou Prof. Reis, ou Reis Jnior, ou Doutor Reis, ou o terrvel Dr. Barreto. Matador frio, responsvel pelo extermnio de dezenas, talvez centenas de "ladres", "assassinos" e "inimigos do regime". Hoje, anistiado pela "anistia-recproca", H. exerce, tranqilamente, suas atividades "profissionais". dono de uma personalidade incomum, capaz de apostar gratuitamente sua vida contra a de um marginal, e de entrar na Rocinha ou Cidade de Deus debaixo de cerrado fogo cruzado e avanar celeremente at arrancar, sozinho, o marginal de dentro de seu barraco. (Isto, para ele, a glria.) Sua maior satisfao a caada humana, apostando sua prpria pele nisto. De preferncia, sozinho. Sua maior irritao prender bandido e ter que d-lo de presente a delegado high-society para posar para fotografia do jornal do dia seguinte. Amigo fiel, prometia que, em nome desta amizade, caso o regime virasse novamente e voltasse tortura, eu e Andra teramos um fim indolor. (Isto, para ele, era uma grande prova de "lealdade" e "amizade".) Chamava-me carinhosamente, de "guerreiro". (Pela minha "capacitao" ideolgica e poltica, por eu ser pra-quedista militar, com curso de comando, guerrilha urbana e na selva, e por curso militar de sobrevivncia.) Ele tentava a todo custo, e sem sucesso, saber das

notcias off da Globo, e em transformar-se em mais um extrema direita. Era criador de fila brasileiro, dono do Canil Xambio (nome bastante sugestivo). Andra Blumen, ex-Da Duarte. Terrorista. Trotskista. Militante torturada no Recife, trocou de identidade no Rio de Janeiro. Hoje chama-se Andra Blumen. Era criadora e juza de fila brasileiro, dona do Canil Curuma. Walter Jacarand. Torturador, preso e identificado por suas vtimas. (Pouco discreto e pouco prudente.) Criador de boxer, dono do Canil Morumbi. (Se fosse criador de fila, teria mais sucesso; pelo menos como torturador.) Chacal (Por motivos de segurana, prefiro no identific-lo nominalmente, assim como a outros exterminadores profissionais, cujos codinomes no quero citar.) Exterminador frio, agia sempre como agente infiltrado na esquerda. Junto com Reis Jnior desmontou vrios aparelhos. Carrega um sem nmero de mortes nas costas. handler de ces de luxo. Jos Sales e Regina Rache. Membros ativos e Ideres de extrema esquerda. Segundo Dr. Barreto, agitadores profissionais e de altssima periculosidade. Criavam fila e bulldog francs, eram donos do Canil Luxemburgo. Marlize K. de Biase. Militante superativa de esquerda. Junto com Jos Sales e Regina Rache era, segundo Dr. Barreto, pessoa muito perigosa para a estabilidade do regime. Em caso de golpe, deveria ser neutralizada de imediato. Criadora de fila, dona do Canil Jiru. Comandante Paulo. nico da "curtssima" lista que no morava em Jacarepagu. Era comandante do Forte, em Niteri. Sua nica apario pblica foi na capa da Veja e Isto , posando ao lado de Alexandre Baumgarten, na traineira Mirimi. Foi "transferido" para o Amazonas e afastado do centro das atenes do Caso Baumgarten. Criador de fila brasileiro. Conforme podem ver, tudo gente fina, da melhor qualidade. No era toa que o maior centro de tortura ficava situado em Jacarepagu, na estrada do Pau da Fome, mais precisamente no Stio do Manoel Portugus. Local das maiores torturas do regime militar, de onde as pessoas saam de barriga aberta (para no boiarem) para serem jogadas, de avio, em alto mar, prximo da restinga da Marambaia. Quer dizer: minha opo de vida era tima. Ou Globo ou cinofilia. E a diferena era muito pouca. De certa forma, eu invejava quelas pessoas comuns que trabalhavam normalmente, tinham amigos normais e ignoravam a luta do dia a dia do Pas. Pessoas que s conhecem a histria oficial do Jornal Nacional. bom que se diga que a lista de "notveis" no parava a. Ao contrrio, extensa. S estou citando alguns poucos "cachorreiros" de Jacarepagua cuja proximidade era inevitvel, assim como o convvio, e pelo extico, grotesco, e surrealista da questo: em que ficavam sentados, frente a frente, na mesma sala, na mesma casa, torturador e torturado. A ponto de eu imaginar: s no Brasil. Um dizia, como quem vai padaria: "Com licena que eu vou telefonar." A uns 5 ou 6 metros conspirava. Outro disfarava, e recebia visitas estranhssimas de alcagetes e entreguistas, e contra-conspirava. Tudo isso a pouqussimos metros um do outro. Como a coisa ficava muito brasileiramente descarada, eu escrachava: "Bom, voc j deu sua conspiradinha, j armou seu cirquinho. Tudo bem. E voc, que j telefonou para Braslia, j infor-mou aos rgos de segurana, e j armou o desmantelamento da panfletagem e o incndio do jornal e das bancas, agora vamos conversar sobre coisa sria: Vamos falar sobre cachorro." (A o papo rolava solto.) E, Brasil! De volta ao ambiente de trabalho, a coisa flua como um colrio para os meus olhos irritados. Era aquele ambiente de descontrao, ainda que houvesse presso e muita marcao. Mas quanto maior fosse a carga, mais doce seria o deboche. (Era uma necessidade compulsiva de escracho.) Miguel (Duarte) , que estava fora por vrios meses, ouvia o pedido do Francisco preciso com urgncia, desesperadamente, que voc me faa mais este outro servio fora. (Mais um ms fora, sem ver a mulher e a filha.)

Tudo bem, Francisco. Minha filha, quando eu cheguei em casa da ltima vez perguntou para a me: Mame, quem esse moo? Agora eu chego em casa e digo para a minha mulher que vou passar mais um ms fora.. . ela vai querer se separar de mim. O Danilo, que vinha passando, interrompeu: Pode deixar, Miguel (Duarte), eu assumo a paternidade e a patroa. Voc no est dando assistncia comadre, mesmo. Deixa que eu tomo conta. Antes eu do que o Ricardo. Tudo bem retruca o Miguel (Duarte) , pode tomar conta. . . Guardar mulher com voc como guardar dinheiro em banco suo. . . Ningum toca, principalmente voc que totalmente inofensivo. A galera se deliciava com o pingue-pongue rpido. O jogo de cintura era o trivial simples. E isto um tipo de "cultura" especial, chamada de "hora de esquina" e "tempo de janela'" Apesar do ambiente relaxado, eu estava irritado. Tinha ido Fundao e no havia arrancado nada do Jair Lento. Ao contrrio. Ele, com pouca habilidade, havia tentado me enrolar o que me irritara profundamente. E, para irritar-me mais ainda, colocou duas outras barreiras: fez com que eu ficasse esperando uma infinidade de tempo (o que deu-me a oportunidade de fazer "auditoria de cafezinho" e bate-papo) e se posicionou como doutor Jair (que para ele era um belo de um carto de visita), e no como major Jair. Francisco falei., tem bronca braba no ar. L vem voc com suas teorias retrucou o Francisco. Mas claro, cara. Veja bem. Ele me fez esperar mais de uma hora. Jogou conversa fora por mais outra hora; tentou me impressionar mostrando conhecimento do servio dele e, principalmente, do meu. E, por fim, veio com tudo pronto. (Baseado no que o Nilo pedia sempre.) Resumindo: gastou 4 a 5 horas do meu tempo, para me dar, de mos beijadas, um servio pronto. E da, Machadinho? Quer dizer que s porque o cara se apresenta como doutor j sinal de fraqueza de personalidade? Que o fato de ele ter feito voc esperar, te irritou? E s porque ele tinha tudo organizado para atender ao seu pedido isto era suspeito? Vamos por parte. Se apresentar como doutor j um grave sintoma de desvio de personalidade. o primeiro sintoma de ocultao de fragilidades e inseguranas pessoais. Todo sujeito que pe uma barreira e se recusa a conversar de igual para igual com quem quer que seja um portador de um carter em desvio. Voc est sendo genrico e radical. Olha o "Doutor-patro" retrucou o Francisco. (Lembrando a figura do Doutor Roberto.) Genrico, porra nenhuma. Quanto ao Dr. Roberto, eu no quero nem comentar para a gente no brigar. Mas bvio que isto implica e envolve "trocentas" questes sociais e psicolgicas. Envolve reis, prncipes, nobres, parlamentares, juizes, militares, ma-ons, imortais iletrados e todo mundo que se fantasia. L vem voc e suas teorias inditas. No d para a gente conversar s sobre auditoria? Voc quem quis saber o porqu da minha observao. Vamos l. Direto ao ponto. Da forma que eu gosto. Sem rodeios! Questionou-me. Tudo bem! Voc no quer entender, ento t! Eu no estou dizendo que todo doutor maluco ou tarado. Eu estou dizendo que todo cara que faz questo de se apresentar como doutor, excelncia ou qualquer ttulo honorfico, ou se veste com paramentos, um anormal. Voc acharia normal voc se apresentar como Doutor Francisco Eduardo, ao invs de, simplesmente, Francisco Eduardo, sem o doutor? Voc se fantasiaria como um membro da academia brasileira de letras, cheio de paramentos? J pensou voc desfilando no chazinho das cinco: 'E agora Doutor Francisco Eduardo, no seu novo modelito fardo-ave-do-paraso. . .' Existe troo mais escroto do que uma medalha no peito? Existe troo mais ridculo do que um cara de toga e cabeleira postia? E esta merda de gravata que ns somos obrigados a usar? Tem paramento mais estpido do que uma gravata? Isto d at teses de doutorado: A importncia da gravata no desenvolvimento das amebas na Amrica Latina. Pera, Francisco. Quem quiser que assuma as suas anormalidades. Mas no me venhas de borzeguim ao leito. Isto que eu estou explicando bem diferente do que voc, de sacanagem, no quer entender. O ponto : 1) Ele no o Jair Lento. o Doutor Jair. (Isto para mim pior do que ficha suja de delegacia.) 2) Tentou gastar meu tempo, sabendo que ns

trabalhamos com tempo contado. 3) Apresentou tudo certinho. O que, para mim, gravssimo. Nada mais errado do que tudo certo. 4) Aposto minha vida no meu faro. Meu feeling indica fortemente para uma grande falcatrua na Fundao. T legal disse o Francisco e dai? O que voc sugere? Indagou, meio descrente. Vou dar corda para ele se enforcar. Disse, como quem arma algo cujo resultado j sabe. No dia seguinte fomos Fundao, eu e minha equipe. Providenciei acomodaes para o pessoal, e fingi pouca importncia no servio, indo embora antes do almoo e deixando a equipe instalada. Porm, no sem antes alertar aos auditores que eu no queria auditoria formal, e sim "auditoria de observao". E que, aps o expediente da Fundao, eu os estaria esperando no escritrio do 266 para reorientao geral sobre o que, como e onde auditar. Como que para corroborar integralmente com o que eu havia esplanado anteriormente, a equipe ratificou ponto por ponto o perfil que eu havia traado do Jair Lento. E mais, mostrou outros erros mais contundentes. Ou seja: as "acomodaes" foram retiradas, e a equipe foi colocada em duas mesas no corredor, com tudo devassado (pasta, papis de trabalho, documentos, etc.), e foi dada ordem expressa, pelo prprio Jair Lento, para que todo documento s fosse entregue auditoria em xerox, e no em original. Com isto, ele pretendia constranger a equipe, colocar tudo que era empecilho, mostrar fora, e desgastar, pela irritao, a todos. Pois cada vez que um auditor solicitava um documento, administrativo, contbil, ou fiscal, tinha que preencher uma requisio solicitando o documento, requisitar uma xerox, e, finalmente, no dia seguinte, a cpia de tal documento estaria disposio da auditoria. Quer dizer: o prazo que ns tnhamos iria estourar, e o fim do servio iria para as "Calendas Gregas". E agora, Francisco? Tenho ou no razo em ir fundo neste trabalho? Tenho ou no razo em achar que tem bronca braba no ar? Indaguei, pedindo confirmao de minhas suspeitas. ... t certo, Machadinho. Vai fundo e pea o que for preciso. Eu nunca imaginei que ele (Jair Lento) fosse to burro. Ele praticamente atraiu para si a auditoria. Francisco.. ., o cara passou muito tempo envolvido com cavalos, ordem unida, autoritarismo, impunidade, etc.. . No tem nenhum preparo para dirigir uma empresa. Que dir uma Fundao. (No duro, Jair Lento estava trombando com a nica entidade que no se deve trombar dentro da Globo.) ..., concordo. . . E agora? O que voc pretende fazer, Machado? Vou instruir e preparar a equipe, para que eles possam trabalhar sem se irritar, e vou a So Paulo assuntar o resto, mas sozinho. Mas voc acha necessrio ir a So Paulo sozinho? Claro. J que ele colocou este empecilho, vou botar todos os auditores para auditar por bate-papo aqui no Rio. Vou querer todo mundo conversando. Batendo papo com os diretores, com a telefonista, com os boys, com os seguranas, com as secretrias. Quero todo mundo sem lpis e sem papel na mo. Quero conversa de almoo, de cafezinho. Enquanto isto, eu vou a So Paulo, e passo uma semana avaliando os dois maiores departamentos da Fundao: Educao e Televiso. Na volta eu te dou um retorno. As histrias da semana, no Rio, haviam sido hilariantes. O Jair no assimilou bem o golpe e perdeu-se ante a postura da auditoria, a ponto de tontear e enfeixar todas as informaes, centralizando tudo nele. Tentando evitar que seus funcionrios dessem informaes desencontradas. Enquanto isso, a equipe, previamente preparada, dava uma no cravo e outra na ferradura. Levantou quem era quem, traando o perfil de cada um. Quem fazia o qu. Quem no se topava, e comeou a montar a rede de informaes, para que eu as negociasse da forma como eles sabiam que eu fazia. Em So Paulo tudo havia corrido s mil maravilhas. Conversei com o Calazans Fernandes, diretor responsvel pelo Departamento de Educao, que se prontificou a historiar a Fundao desde os primrdios da Rio Grfica Educao e Cultura, seus perodos de penria, suas faltas de verba cclicas, suas demisses e admisses temporrias, e suas dificuldades generalizadas. Calazans fez questo de deixar bem claro sua condio de fundador e "Provedor de recursos oficiais da Fundao", achando, inclusive, que no era justo que desse um duro danado para arrancar suadas verbas no MEC, para manter a Fundao (So Paulo), enquanto que os

parasitas (diretores) do Rio no faziam nada e tambm eram sustentados pelas verbas que ele obtinha. Ou seja: ele, arrumava verbas para a Tele-Educao (So Paulo) e para as reunies de "canaps e biscoitinhos" (Rio). Conversei com outras pessoas, e fiz vrias entrevistas com os principais responsveis pelo Depto. de Educao. Conversei com o Nelson Santonieri (o executor tcnico das idias do Calazans). Fiz uma longa entrevista com a Sylvia Magaldi (a grande orquestradora e crebro da tele-educao e dos multimeios). At mesmo tentei uma "ponta-de-lana" com a Sandra, que na poca, era a Gerente Administrativa, e embora fosse radicada em So Paulo, funcionria do Rio de Janeiro. (Mais tarde, Sandra foi demitida pelo Jair Lento, por ter deixado vazar informaes para mim.) Ainda naquela semana, aproveitando a estada em So Paulo, fui Santana verificar as condies do estdio de televiso e fazer uma anlise de escopo genrico no Departamento de Televiso. O papo com o Diretor do Depto. de Televiso, Jorge Matsumi, foi bastante esclarecedor. Pude constatar as dificuldades de produo e as inventividades utilizadas para se levar a efeito uma gravao, em principio simples; mas que, segundo Matsumi, toda vez que queria fazer alguma coisa correta e dentro das normas, era incentivado exatamente para o lado oposto. Veja bem, Machado, ns queremos contratar os funcionrios de forma legal, com tudo que direito; com as garantias sindicais e trabalhistas. Vem o Jair e manda a gente no registrar os caras, para no ter contingncia trabalhista e arranjar notas em substituio aos servios de mo-de-obra. Aqui tudo ao contrrio: o artista trabalha, mas quem recebe uma loja de material. O material de cenrio sai em nome de uma firma de prestao de servios. E por a vai. No tem nada certo. Quer ver um exemplo? Veja as instalaes de Santana (Rua Francisca Jlia) e o estdio de gravao. Se eu pedisse ao Jair, como eu pedi, ele negaria a verba (como negou). Mas tem que gravar, tem que fazer o programa, tem que ter espao para a produo, tem que ter mil coisas que ele no entende porque no conhece televiso. A, o que eu fao? Invento notas e despesas e fao o que eu quero. Est vendo as instalaes? Eu construi e/ou reformei quase tudo. Se eu quisesse roubaria para mim como todo mundo faz. Eu no sou mais honesto do que ningum, mas a burrice da administrao empurra a gente para o ilegal. Quer ver um exemplo? Eu sugeri comprar uma cmera de gravao para pagar em quatro vezes. A cmera custava 100 e ia ser pago em quatro parcelas de 25. Sabe o que o Jair fez? Negou. Da, eu perguntei pro Jair: E alugar pode? Ele respondeu: Pode! Da, eu aluguei a cmera por 25 mensais, e ao fim de quatro meses a cmera estava paga. E, como o Jair disse que a Fundao no poderia ter ativo fixo, s alugar, eu peguei a cmera para mim, pois estava sem dono, e continuei alugando esta mesma cmera para a Fundao. S que isto, eu no oculto de ningum. No tenho culpa de no haver controle e administrao na Fundao. Aqui uma zona de desorganizao, e o cara que deveria entender disto um militar imposto por um outro militar (Coronel Paiva Chaves. Alis, apelidado de Paiva Chivas), que no entende nada de administrao e finanas, que dir de televiso. Concluiu, zangadamente, Jorge Matsumi. Tive oportunidade, ainda, de discutir, com alguma profundidade, com o Gerente de Produo, Hugo Graff, e com dois outros diretores de televiso: Hugo Barreto e Carlos Justino (Carli-nhos). Voltei para o Rio, estupefato com a babel que era a Fundao, e espantado com o altssimo grau de desorganizao. Aquela altura j me indagava se era um caos proposital e conveniente, ou era uma burrice acidental. A sensao era, descrita anteriormente, do vendedor de sapatos diante de uma tribo descala. Ou seja: os dois maiores departamentos da Fundao, justamente o que providenciava os recursos e o que gastava, estavam virgens em termos de auditoria e na mais completa desorganizao. Era inacreditvel que isto estivesse ocorrendo, mas era verdade. De volta ao Rio, segunda-feira, era dia de todos estarem no escritrio para avaliao do servio e novas redistribuies de tarefas. Era dia de injeo de nimo, e uma catarsezinha de uma a duas horas, e de muita expectativa para mim. Quase no dei ateno aos colegas. Observava, de longe, as farras, as brincadeiras e as gozaes, e quase no falava, como que para no deixar transparecer o meu pensamento. Sim, pois, o caos da Fundao era muito superior s minhas expectativas, e eu tinha medo de pensar no assunto e algum ouvir meus pensamentos.

Como de hbito, chamei o Luiz Carlos para um cafezinho na cozinha. Eu no gostava de ser visto segredando com o Luiz Carlos, pois logo os outros iriam achar que estvamos tramando algo, devido nossa pecha de "politizados"' e pela grande influncia de amizade que tnhamos com o Francisco. Era comum a minha confidencia com o Luiz Carlos, eu admirava bastante sua linha e conduta profissional. Ele um dos mais competentes e equilibrados auditores que conheci. Neste meio, onde a acuidade, sagacidade e inteligncia contam ponto, voc s se faz respeitar e s respeita outro profissional se ele for um timo tcnico. E esta era a linha direta e meu canal de ligao imediato com ele. Assim, antecipei ao Luiz o ocorrido, e ansiava pela chegada do Francisco, para desmantelar alguns servios bobos em andamento e requisitar uma grande equipe para a previsvel grande massa de informaes que iramos ter. Procurei saber, por alto, como havia sido o trabalho da equipe no Rio, mas no queria reorientar o servio, de imediato, pois eu tinha mil planos na cabea e no queria que vazasse nada. Estava ansioso e no queria antecipar coisa alguma sem antes discutir com o Francisco. Mas, apesar disto, ria das brincadeiras do pessoal, principalmente do Danilo e Miguel (Duarte), que nasceram para gozar um do outro. (Era a baixaria fundamental.) O Miguel inventava mil histrias sobre o Danilo, e ambos rememoravam histrias do Paran da Foz do Iguau, das fazendas do Dr. Roberto no pantanal, e das bravatas de cada um. Pareciam colegiais em frias. V-los assim, difcil seria supor que por detrs de toda aquela peraltice estavam escondidos profissionais da maior seriedade. O March, em seu canto de observao, no falava com ningum. Olhava interrogativamente para tudo aquilo e, numa das passagens de olhos por mim, notou algo errado: Chips. O Chips. Vem c. No quero papo respondi. srio, preciso da tua ajuda. Venha c. No brincadeira no. Ao aproximar-me, ele se tornou solene: Acertou na mosca em So Paulo, no ? No quero papo, March. Tudo bem. Tenho certeza que perdi a parada. J vi pelo movimento da galera que o trabalho da Fundao vai estourar, e pelo teu silncio, vejo que o negcio em So Paulo foi bom e que a coisa vai longe. Mas no sobre isto que eu queria falar, no. O papo outro. Eu quero uma idia sua. Como voc um cara que vive dando idias e tem uma cabea tima, eu queria uma idia sua. Qual ? sacanagem...? Perguntei No. No nada disso falou , srio. Eu e o Pedrinho estamos com um problema com um arquivo de fitas e a gente no sabe o que fazer com ele. Voc poderia dar uma idia do que fazer, ou de como abordar o ponto? Para voc e Pedrinho? Perguntei. . Ns estamos fazendo um servio juntos ele completou. Nem pensar. Eu quero que vocs se danem respondi, j saindo (irritado). Pera, Chips, para mim. Ele reforou. Tudo bem. Qual o caso? Mas para voc, heim! o seguinte: ns estamos fazendo um. . . Ns? Voc e o Pedro? Pera, Chips. para o Pedro tambm, mas principalmente para mim. Larga mo de ser bobo e de implicar com ele. Voc e o Luizinho vivem de guerra com ele. P. . ., refresca o cara. Esquece que ele est na jogada. Faz de conta que ele no est neste servio. Explicou o March. Tudo bem. Mas o ponto para voc. Eu no vou dar nada de bandeja pro Pedro. o seguinte: h um arquivo de fitas. Imagine o CEDOC (Centro de Documentao). O que voc faria se fosse o dono e estivesse aquilo tudo parado? Voc tem alguma sugesto de como melhorar, aperfeioar ou criar algo em cima? Eu faria um museu." Respondi, no ato,curto,seco e grosso.

Porra. . . Um museu? Voc est de sacanagem, Chips. Eu estava aqui te elogiando dizendo que ia pedir uma ajuda sua pois voc um cara com a cabea a mil, sempre com idias incrveis, e voc me vem com uma idia de Museu? Voc est de sacanagem comigo. . . o seguinte, March. Imagine o primeiro museu da televiso, mostrando como se faz televiso. Mostrando a evoluo da televiso no Brasil e no mundo. Mostrando as evolues dos aparelhos de TV. Enfim, com tudo sobre televiso. E, haveriam vrios displays, tipo daqueles que se usam em Shopping Centers, para voc se localizar, e que seriam acoplados a vrios micros, que dariam a voc toda sorte de informaes: por ano, por tipo de assunto; enfim, de todas as formas. E voc poderia solicitar para assistir qualquer assunto em cabines especiais de vdeo. Por exemplo: Voc poderia digitar o ano de 1966 e veria no"menu" do micro tudo aquilo que constasse daquele ano, e voc escolheria o assunto. Ou ento, voc daria o assunto, por exemplo, o "Festival da Cano", e veria no "menu" os vrios anos para voc escolher qual deles. E, assim por diante. Sendo que voc poderia assistir l no Museu, como numa fonte de consulta permanente, ou poderia comprar uma fita copiada pela Globovdeo, sobre qualquer assunto em arquivo no Museu. J imaginou? O Dr. Roberto iria ficar super-vaidoso com o Museu. O arquivo passaria a ter uma situao prtica. Daria emprego para muita gente. Seria auto-sustentvel, e a Globovdeo faturaria uma nota. . . P, Chips, voc realmente incrvel. Uma idia dessas em um minuto. realmente "du-cacete" esta idia de Museu. T legal, March, agora o ponto seu. Meu o cacete, eu vou falar com o Francisco. Nisto vem entrando o Pedro, e March o chama medida em que eu vou saindo. Meia hora depois, March me procura novamente, irritado, dizendo que o Pedro no havia gostado da idia. Eu ri, e disse: "No liga no, ele est certo". Esta idia do Museu da Televiso foi levada por mim, mais tarde, pessoalmente, ao Magaldi e ao Boni, e foi recusada. E todas as recusas tiveram "slidos" e "bons motivos". Pedro no topou porque a idia no era dele. Magaldi no topou por estar "fora dos objetivos" da Fundao Roberto Marinho. Boni no topou por ser algo muito lucrativo para a Globo-vdeo, e ele no tinha nenhuma participao na Globovdeo. Pena no ter ningum defendendo os interesses do dono. Francisco chegou, e a lista de interessados em falar com ele era grande, e todos disputavam a preferncia. Cada qual justificando a sua urgncia. Uns tinham que viajar, outros tinham reunies marcadas. Enfim, a disputa estava quase ombro a ombro. De cara entraram dois ao mesmo tempo para falar com o Francisco. E eu, esperava, pacientemente pela minha vez, j sabendo no que ia dar a minha reunio. Por causa disto, deixava que cada qual se achasse com maior prioridade e avidez em ir na frente. At como uma maneira de ir forra mais tarde. Quando j havia entrado na sala dele o terceiro da lista, eu fiz, estudadamente, minha interrupo. Entreabri a porta e, rapidamente, joguei a isca: "Preciso falar com voc. urgente." J sabia, de antemo, que viria uma resposta spera, mas era a resposta que eu queria, para fazer uma provocao maior e obrig-lo a entrar no meu clima. Como um relgio, bastante previsvel, ele retrucou: Querer falar comigo no novidade. Urgente, tem um monte de gente dizendo a mesma coisa. Voc sabe: quem se desloca recebe, quem grita primeiro tem prioridade. Voc vai ter que esperar. Tem gente aqui com coisa urgente tambm e que gritou primeiro. Tudo bem. Falei. Eu no tenho nada para fazer at o almoo mesmo, eu posso esperar. Pena que voc vai ter que desfazer toda a programao que voc est fazendo, pois eu vou requisitar duas equipes grandes. E, se a coisa for como eu suponho, eu vou requisitar metade do escritrio. Mas tudo bem. Escute quem voc acha que tem que escutar e depois avalie voc mesmo. Afinal, todo mundo acha que tem assunto urgente, e voc quem vai dizer o que urgente ou no. Disse de forma provocativa e sacana. T legal, Machado. Entre e fale Aquiesceu ele, com enfado. Nisto h uma revolta, por eu ter "furado fila". E, os que j haviam conversado com ele, se apressavam para sair rapidamente do escritrio antes de eu terminar a reunio. A, deliberadamente, como numa vingana pelo frisson e corre-corre anterior, preparei outra maldade. Francisco, vou precisar de duas equipes grandes e gente de apoio no escritrio

para fazer o servio da Fundao. Tem coisa braba no ar, e como nosso papo vai ser longo para orquestrarmos a operao, melhor no deixar ningum sair do escritrio. Ato contnuo, at porque o Francisco sabe quando eu estou de brincadeira e deboche e quando eu estou falando srio, ele se levantou, foi at a porta e anunciou: Ningum sai do escritrio. (Grita geral. Inconformismo. Mil justificativas. Alguns at explicavam, quase implorando, que no podiam ficar e que tinham compromissos, reunies fora, etc. . .) No quero saber. Ningum sai do escritrio e virando-se para o Edson, pediu: Edson, pea ao B para trazer gua e caf. A minha eu quero com gs completei, sem me virar da cadeira e sem voltar-me para o salo, (riso contido) pois eu j sabia da reao do pessoal. 2 De fato, trinta e poucos homens, de terno e pasta, espremidos num salo de uns 40m , era barulhento, desconfortvel e irritante. At porque no tinham acomodaes para que metade pudesse sentar-se. E, logo vieram as retaliaes e ameaas (mas tudo de brincadeira), uns fingindo me bater, outros desejando que eu fosse pro inferno, e alguns at justificando que se tivessem que comer "pizza" no escritrio (algo muito comum nestes casos), iam cuspir nos meus pedaos. E chegavam a disputar: Deixa que eu levo o pedao do Machado para ele comer. Ao longe, meus olhos captavam, por entre vrias cabeas e duas nesgas de porta, o sorriso do Luiz Carlos, como que a dizer: Voc no tem remdio. Tudo tem que ser da forma que voc quer. Logo chegou o B ou como ele gostava de se anunciar. (Falando bem rpido, igual a uma metralhadora) "Edmilson Evangelista Calixto de Mesquita B." Cada hora, o nome dele mudava, aumentando ou diminuindo, mas em geral comeava com Edmilson, e terminava com B. (No duro, o B no existe no nome dele, mas o incorporou por auto-recreao. A origem da expresso B oriunda do chamamento: O do Bar O Bar, veja um cafezinho a. E, como ningum chamava ele pelo nome, virou "Bar" ou simplesmente B.) Eu o chamava de "lrram", e ele ficava intrigado. Eu dizia que era em homenagem a um parente seu: Johann Sebastian Bach (estou certo que nunca entendeu). De fato, a reunio havia sido bastante longa, e eu pude relatar, para o Francisco, cada detalhe do ocorrido, e consegui expor, minuciosamente, como eu achava que deveria ser deflagrada a operao. E, felizmente, como o Francisco bastante acessvel, desde que voc explique com clareza e sem rodeios, direto ao ponto, eu pude vender o meu peixe. Eu queria uma equipe de apoio e seleo de informaes no escritrio. Uma equipe razovel na Fundao/Rio e uma equipe pequena em So Paulo, com ampla liberdade para transitar, dissimular e confundir os auditados, para que no soubessem como a coisa estava sendo coordenada, quem coordenava, e, principalmente onde comeava e onde terminava a auditoria. Ele topou integralmente. E, j estvamos prestes a dar inicio s primeiras providncias (quem comporia as equipes, providenciar passagens e hospedagens, etc), quando tocou o telefone. Era o Jair Lento dizendo que sabia da minha volta a So Paulo, e que seria melhor ele acompanhar-me nesta viagem, de maneira a poder me dar uma assistncia mais eficiente. O prprio Magaldi (Secretrio Geral da Fundao) achava que ele Jair Lento deveria colaborar, de perto, com a auditoria. Voc segura essa? Perguntou-me o Francisco, sem desligar o telefone. Eu ri, imaginando a possvel conversa havida entre o Magaldi e o Jair Lento. Tudo bem. Pode confirmar. Eu vou tocar um rebu to grande longe de onde ele est, que vai querer ficar longe de mim. Mas ele vai grudar no seu p, Machado. Disse o Francisco, contrariado. Vai nada. Quando chegarmos em So Paulo, eu solto os "cachorrinhos" aqui no Rio, e fao eles chegarem bem perto do problema, para provocar a volta dele imediata. s mandar o Kebian, por exemplo, tocar de leve no que a gente j sabe que problema, e dar uma prensa no contador, que vive escondendo tudo; e em 24 horas, o Jair volta jato. O Francisco, ento, combinou com o Jair a nossa viagem a So Paulo. Como num jogo roubado ou numa cena com script decorado, a coisa se desenrolou exatamente como o previsto. O Jair ficou s dois dias em So Paulo e voltou correndo e apavorado para o Rio deixando-me solto para fazer o servio, com liberdade, da forma como eu queria fazer. Da por diante, tudo se desenrolou encenadinho. A equipe do Rio fingia ignorncia e evitava chegar perto dos problemas, para me dar tempo de levantar, por So Paulo, tudo com

alguma profundidade, e assim, somente aps sabermos do escopo gerai e da amplitude total do servio, iramos entrar nos detalhes. Mas, a, de forma irreversvel, pois j saberamos de tudo, restando to somente comprovar de forma documental e irrefutvel. O Calazans, a esta altura, inundava-me de informaes e de certa forma, contagiava-me com o seu iderio. Mostrava-me estatsticas, nveis de aproveitamento, artigos elogiosos Fundao, premiaes ao Dr. Roberto em nome da Fundao, medalhas e trofus (inclusive os dados pelo "Chacrinha", que, de certa forma, para mim denegria, estragava, e desacreditava tudo o que havia sido dito antes. Mas, enfim . . .). Para efeito do que eu queria, no importava que as estatsticas fossem falsas, conforme afirmava o Diretor Cultural Jos Car los Barbosa, ferrenho adversrio do Calazans, e que no escondia sua opinio sobre o telecurso ser o curso mais caro do mundo, pela relao verba/aproveitamento de aluno. Achava, ainda, Jos Carlos Barbosa que o telecurso era uma grande empulhao estelionatria e que um dia todos os diretores acabariam presos como coniventes com o Calazans. Entretanto, a mim, no importava que os nveis de aproveitamento fossem falsos e que os artigos elogiosos Fundao fossem escritos sob encomenda (o Calazans j havia sido jornalista, e manejava bem a manipulao da notcia. Sabia "plantar" uma noticia, um boato, ou mesmo trabalhar um jornalista para, assim como quem no quer nada, escrever rasgados elogios sobre coisas que no conhecia bem, e depois ele mesmo mandava cpia do artigo para o Dr. Roberto). Nada disso importava. Tudo isto ficaria registrado para uma anlise futura, mais profunda e impiedosa. No momento, eu estava interessado nos meus aspectos macro e nada me afastaria deste objetivo. Mais tarde eu voltaria para outro tipo de enfoque. Trabalhando mais diretamente o lado pessoal de cada um, fui abrindo e explorando Calazans (Educao) e Matsumi (Televiso). Matsumi encurtou demais, e no fez um s rodeio. Foi franco e aberto. Pude ir fundo, cada vez mais, e em momento algum ele reagiu. Em pouqussimo tempo estava tudo claro: No havia estrutura normativa, no havia controle administrativo, nem financeiro, e nem oramentrio. 0 meu relatrio poderia ser feito em uma s folha (igual ao do Nilo) s com uma pequena diferena, bastaria uma s frase para relatar tudo: Estava tudo errado. A posio e clareza do Matsumi ajudaram muito. Era simples e transparente Sou diretor de Televiso, e entendo disto. A zona que voc est vendo a e da qual no entendo e fao questo de no entender de responsabilidade do Diretor Administrativo e Financeiro. Afinal, a Fundao tem um e que ganha muito bem. V cobrar dele. Juntando o que eu pude ver e ouvir nos Departamentos de Educao e Televiso, poderia sair um relatrio preliminar simples, dizendo quase tudo, pois no havia organograma, nem definio hierrquica, nem atribuio de funo, nem delegao de autoridade (para atribuir e imputar responsabilidades), nem formalizao de procedimentos (ordens verbais eram regra geral e aceitas tranqilamente). Ningum queria assinar nada, e nem se comprometer com documentos. No havia Normalizao (normas, rotinas, procedimentos, formulrios, contratos, etc), e nem Sistema de Informaes gerenciais (relatrios, demonstrativos, balancetes, oramentos, prestaes de contas, etc). Era difcil de acreditar, mas era verdade. Uma empresa como a Fundao Roberto Marinho no possua nada, e quando possuia era errado. A bem da verdade havia uma nica coisa feita: O relatrio do MEC e Deus sabe como. Os exemplos de desorientao eram grotescos. Uma Editora, no relatrio do MEC, era contratada como secretria. A secretria era contratada como Assistente. E como elas no podem aparecer como empregadas, para efeitos fiscais na escriturao interna (s existiam fisicamente) recebiam por uma nota de compra de um produto qualquer como material de cenrio, ou at mesmo por uma nota de prestao de servios (comprada ao custo de 10% a 12%). Eu me arrepiava s de pensar o que aconteceria se ns fossemos um pas evoludo e civilizado, com Sindicatos fortes. E se o Sindicato dos Artistas e Tcnicos em Espetculos de Diverses agisse contra a Fundao? Mas infelizmente, o artista um pedin-te, pobre miservel, obrigado a engolir a dignidade em troca da sobrevivncia. . . Quanto s notas fiscais compradas no havia novidade. Estvamos no Brasil e dentro da Globo. E, por estarmos no Brasil, ainda havia o extico da questo, pois havia uma diviso: Notas fiscais "frias de boa-f", e Notas fiscais "frias de m-f". Explique-se: Se, por exemplo, se quisesse

pagar a uma pessoa fsica (a-tor, por exemplo) e no se quisesse envolvimento (leia-se pagamento) de I. Renda, INPS, ISS, etc, comprava-se uma Nota fiscal (pagando de 10% a 12%). Ou seja: Dava-se o dinheiro ao ator e a per-centagem ao vendedor da Nota. Esta era a Nota fria de "boa-f". J a nota fria de "m-f" era aquela que no se pagava nada a ningum, a no ser a percentagem do vendedor da nota, e o dinheiro ficava para o Gerente ou o Diretor que fazia o negcio. A grande surpresa que isto no era exceo e sim a regra. 0 que rolava na Fundao era nota de PJ. (Pessoa Jurdica. E, Graas a Deus nota no fala. E depois de um tempo, at que pareciam honestas. Perguntado ao Matsumi sobre como ele distinguia uma nota de outra, ele respondeu: Eu no distingo. Se a produo quiser roubar, rouba. Se os diretores quiserem roubar, roubam. No h controle algum. E, todos, inclusive eu, so suspeitos e passveis de desvios de toda sorte. E, uma vez que no h controle, tudo possvel. A que se deve este estgio alarmante de descontrole? Perguntei ao Matsumi. A prpria Globo, que institucionalizou a sacanagem. Veja bem, vem de l a criao de pagar uma pessoa fsica como PJ (Pessoa Jurdica). Isto ocorreu, inicialmente, por uma questo de mercado, depois virou zona. o seguinte: Por uma questo de concorrncia, a Globo consegue pagar mais aos seus artistas e diretores porque no os paga como pessoas fsicas (que tm altos impostos na fonte, e cujo valor lquido baixo e rarssimas dedues so permitidas na declarao final de renda). Ao contrrio, pagando a estas pessoas (artistas e diretores) como pessoas Jurdicas (PJ), o valor bruto alto e voc s paga impostos se for burro pois a reteno na fonte no existe ou insignificante, e voc deduz tudo (qualquer despesa) como custo (at papel higinico). Mas isto uma puta sacanagem. No que isto seja novidade. At entendo que a Globo o faa, por estar politicamente impune. compreensvel. Mas, a Fundao a vidraa do Dr. Roberto. . . o passaporte dele pro cu. Disse eu. Machado. Aqui igual Globo. Quando voc atinge uma faixa salarial alta ou um cargo elevado voc deixa de ser pessoa fsica, para no pagar imposto e passa ser uma pessoa Jurdica. E a comea a zona. Afinal, voc no est na Sua. Existe algum neste pas que ganhe muito e pague imposto? Quem paga imposto no Brasil no a classe mdia? Ento? Aqui igual. Fundao. Globo. Brasil. Pode ver que todos os diretores, todos sem exceo, recebem por PJ (Pessoa Jurdica), inclusive eu, Jorge Matsumi. A frieza e firmeza do Matsumi s vezes me assustava. Era to franco que parecia cnico. Era frio diante do inevitvel e absolutamente calmo e consciente em relao ao seu papel social. O "Japons" (apelido do Matsumi) partia de uma lgica racional bem simples: "Sou s eu?" E, me desconcertava com sua retinilidade lgica: Ele tinha conscincia de que no roubara nada. No era responsvel pela desorganizao. O que havia de errado na Fundao era cpia da Globo. E a Globo era o Brasil. Cabea cheia. Eu tinha que me preparar para abrir o Calazans. Mas antes, tinha que selecionar a massa de informaes que estava recebendo, e fazer um grande mergulho interior para buscar foras dentro de mim. Embora no fosse artista, e tivesse horror de pensar nesta possibilidade, valia-me de um recurso artstico: o laboratrio. Nestas horas a "pilha" ia gastando (eu trabalhava 12 ou 14 horas, em mdia, por dia) e costumava ir tornando-me diferente, calado, introspectivo. Era preciso me policiar. Eu tinha que estar alegre, feliz, despreocupado, para poder assimilar tudo sem sentir. Estar apto a ouvir o maior absurdo e no mover um msculo nem demonstrar o golpe. E, para isso tinha que me por em equilbrio. As providncias eram simples: Primeiro trocar de hotel. (Por causa do Jair eu acabei me hospedando num hotel tipo Shopping Center.) Eu detestava hotis impessoais tipo Shopping Center e como eu vivi minha vida como auditor hospedando-me em hotel, eu era muito intolerante com as ms qualidades de um servio. Queria um hotel fora do tumulto. Por isso escolhi o Eldorado Higienpolis, pois o local arborizado, silencioso, relaxante, e eu poderia ir andando at a Fundao (pela manh), colocando todos os meus pensamentos em ordem. (Era parte da higiene mental e tranqilidade que eu precisava.)

Segundo, eu precisava parar de almoar e jantar comidas exticas com o Calazans e o Matsumi pois meu estmago estava acabando com o meu humor. (E tinha que preparar o meu fgado.) Terceiro, eu precisava rir, ouvir bobagens e tirar o peso da carga de auditor. E, para isto, bastava sair noite com a equipe e vagabundear sem nenhuma responsabilidade. Fiz um grande laboratrio e um bom preparo a nvel de estabilidade emocional. Parcialmente recuperado, comecei a preparar-me para o Calazans. Eu sentia que ele queria falar, e eu tinha que faz-lo falar. Sabia que era alcolatra, mas no queria convid-lo abertamente para beber. Tinha que faz-lo me convidar, de preferncia noite, quando no teria maiores preocupaes com o tempo. Como todo bom nordestino, gostava de prosa, e politizado como ele , no foi difcil esticar o papo do escritrio para o bar. Fomos a dois bares diferentes em duas noites diferentes. Numa estvamos eu, Claudinho e Calazans (na Taberna anexa ao Hotel Eldorado). Na outra, estvamos s eu e o Calazans (no David, na Oscar Freire). O papo era genrico. Falvamos de tudo. Principalmente de poltica. Falvamos da ditadura, do sistema, das injustias sociais, da falncia e descrdito nas instituies. Eu curtia, de certa forma, uma admirao pelo Calazans. No pelos seus mtodos sujos. No pelos seus propsitos. Mas pela sua inteligncia, e pelo seu bom gosto, (dentre outras coisas gostava de Goethe, Nietsche, Hermann Hesse, Monteiro Lobato, Voltaire e Aldous Huxley). Em meio a uma grande salada cultural, e com o Calazans no ponto, parti para a provocao e para a abertura. J sabendo, de antemo, que, por perfil o Calazans dirigiria suas baterias contra Magaldi e cia., at porque Magaldi ocupava o cargo que ele almejava (Secretrio Geral), e, na retaliao valia tudo. Comecei pelo bvio: Jair Lento. Por Jair Lento ser militar (major) j era motivo mais do que suficiente para Calazans desanc-lo sem piedade. Atirei a "queima-roupa" verdade que voc scio dos erros do Jair? Doutor (vcio nordestino que Calazans no perdia), duro eu ir a Braslia, disputar palmo a palmo, ombro a ombro as verbas. Arrancando, muitas vezes, estas verbas do esgoto. Tirando de verbas que deveriam ajudar o povo do nordeste, para chegar aqui em So Paulo e sofrer o boicote vindo de ponte-area do Rio de Janeiro. "Mas, Calazans, algum tem que controlar estas verbas. Voc no acha que o Jair faz o que deveria ser feito? De forma alguma. Ele quer tomar verba da Educao e Televiso para sobrar mais pro sustento daqueles parasitas do Rio de Janeiro. No duro, eles querem que eu morra, para sobrar mais verba para eles no ch com biscoito e queijinho. Voc no acha que muita verba para ch com biscoito? Ironizei.

No. A verba acaba financiando tudo: ch, biscoito, os projetos falidos deles, e a sacanagem da Casa do Bispo (Sede da Fundao). muito forte voc atribuir tudo s ao Jair Lento. No tem um exagero a? Provoquei. No. Aquilo l uma mfia. tudo igual. Tanto faz: Jair, Jos Carlos, Magaldi. tudo igual. So todos juntos contra mim. Mas no adianta, doutor. 0 mundo se acaba e o nordeste no se rende. Eu sou um sobrevivente. Mfia? Voc falou em mfia por fora de expresso ou voc enlouqueceu de vez? Voc est com raiva dos caras e vem dizer que eles so mafiosos. . . pera Calazans. . . Isso a muito forte. Fiz-me de desentendido, embora soubesse o que ele queria dizer. Eu j ouvira o boato, antes. Olha, eu vou contar uma histria para voc entender, j que voc pensa que eu estou maluco. Sabe porque o cargo do Magaldi Secretrio Geral? porque ele comunista, e como comunista ele idealizou uma Fundao capitalista com o cargo mximo do Soviet Supremo. J que ele no pode ser nada no Partido e ele no se assume como comunista, at porque o regime no deixa, ele vem brincar de ''Secretrio Geral" aqui na Fundao. E da... que que isto tem de mais? Voc vai querer me convencer que ele come criancinha na hora do almoo?

Nada disso. 0 Magaldi comunista e italiano. E como italiano mafioso. Socorro... Policia... Enlouqueceu Calazans? No. Vou te contar a histria: Fui chamado ao Rio de Janeiro para uma reunio de diretoria. Eu no gosto de ir, mas fui. Mesmo sabendo que eu ia encontrar o parasita do Galliano que ningum sabe o que ele faz na Fundao puxa-saco oficial do Magaldi. Mesmo sabendo que eu ia encontrar o milico do Jair Lento e o mau carter do Jos Carlos Barbosa. De todos os diretores o nico que presta o Nelson (Mello e Souza). E da, Calazans? Da que eu cheguei e perguntei pela pauta da reunio. No tinha pauta. Era uma reunio de acerto. Fui chamado para a reunio para fazer um pacto mafioso. Ns todos deveramos jurar fidelidade ao Magaldi, e ele seria o "Capo", protegendo a ns de tudo que fosse aliengena ou atentasse sobrevivncia do Grupo. Era uma troca. Ns faramos um Cinturo de Fidelidade em torno do Magaldi e estaramos protegidos "ad eternum" contra qualquer um que ameaasse um dos nossos cargos. Tomei um susto, gritei e ameacei sair, e Magaldi me chamou num canto e me pediu desculpas. Disse que ele no sabia de nada daquilo. No concordava com aquela proposta absurda, e que estava envergonhado pelo que os amigos dele tinham tido a coragem de fazer. A posio do Magaldi foi correta, ou no? Indaguei. Correta nada, doutor. Eu no nasci ontem... Eles quiseram me iniciar, e como a coisa "melou", o Magaldi arranjou esta sada. Ele mafioso sim. E, pior: perigoso. Voc est delirando, Calazans? Delirando porra nenhuma. Voc quer ver como eles so mafiosos? Faz parte do pacto deles o uso da Fundao para benefcio prprio e para especulao. Sabe o que eles esto fazendo? Esto usando chamadas de Televiso para especulao imobiliria. Como assim, Calazans? Perguntei curioso. Eles compram terra em Parati, Angra dos Reis e Porto Seguro, depois lanam campanhas institucionais para "preservar" o patrimnio histrico daqueles lugares. Da, um tempo depois, eles vendem tudo com um lucro fabuloso. E voc tem prova disto? Perguntei. O que voc chama de prova? Eu estou te contando o que aconteceu. Voc se quiser, deve ir nos cartrios destes locais e verificar. Mas, lembre-se, eles podem estar fazendo a operao em nome de terceiros, amigos, etc. E como voc descobriu isto? Perguntei. Tudo aconteceu por acidente. Numa conversa com o Humberto Pereira (Diretor responsvel pelo "Globo Rural"). O Humberto me falou que nestas andanas, Brasil afora, uma das equipes do "Globo Rural" ao chegar em Porto Seguro, elogiou a beleza das praias nativas, quase virgens. E ouviu, de moradores locais, que aquelas praias eram particulares. Foram compradas por diretores da Globo e da Fundao Roberto Marinho. Da, Humberto veio me gozar, achando que eu e o Magaldi havamos comprado aquelas praias. E voc no comprou nem uma praiazinha? Perguntei de deboche. Calazans finge que no escuta e continua... Com cuidado e pacincia eu acabei descobrindo que a patota do Magaldi havia comprado aquelas praias. E logo percebi a relao entre os lugares e as campanhas institucionais veiculadas pela Fundao, na Globo. Da, para descobrir tudo foi um pulo. Afinal, eu no nasci ontem, n doutor. Confirme com o Matsumi, pois uma equipe dele que estava no nordeste soube da mesma coisa. Completou Calazans. Mas isso a, Calazans muito difcil de provar. E, ainda que se prove, no h nada contra se comprar terreno em Parati, Angra dos Reis e Porto Seguro. No vai ser por isso que voc vai derrubar a turma do Magaldi. Arrisquei a constatao. Pode at no ser por isso... Mas, afinal, que porra de auditor voc? Fica me fazendo falar. Eu falo. Dou todas as dicas de como voc pode pegar aqueles parasitas e voc no est interessado? Disse ele, irritado. Interessado eu at que estou. Mas eu no quero algo discutvel. Entenda, Calazans, quando eu fao um relatrio, eu no coloco nada superficial. Nada

que se possa contestar. Quando eu coloco um "ponto" no meu relatrio, ele incontestvel e definitivo. Se voc quiser pegar o Magaldi e a turma dele voc vai ter que me dar algo mais contundente. Ento t, vou te contar outra histria... Eu no quero histria. Quero fatos e provas Interrompi bruscamente. o seguinte: Magaldi arquitetou um plano para envolver e comprometer o Doutor Roberto; para que nunca seja feito nada contra ele, Magaldi, e sua turma. Como assim? Perguntei. O Magaldi age na cabea do Dr. Roberto, lembrando ou fazendo sempre lembrar, que o Dr. Roberto tem rabo preso na mo dele. E uma das formas que o Magaldi encontrou de subjugar o Dr. Roberto, insinuando sempre que ele homossexual, devasso, e que um fato obscuro, envolvendo um dos filhos do Dr. Roberto, que atirou num rapaz, amante do pai, foi resolvido e abafado por ele, Magaldi. O Dr. Roberto, com medo, permite ao Magaldi e sua turma, todo tipo de bandalheira aqui na Fundao. Bela histria. E o que isso prova? Que o Dr. Roberto homossexual? O boato de que o velho homossexual corre no Brasil h anos. At nos jornais isto sai descarado. O Hlio Fernandes, na "Tribuna" vive botando interrogao na palavra homem quando se refere ao Dr. Roberto. Voc acha que o Dr. Roberto vai ficar na mo do Magaldi s porque ele sabe que o Dr. homossexual? Conclu, fingindo irritao. No. Mas a que est. O Magaldi engendrou algo diablico contra o Dr. Roberto. Sabendo que o "velho" no admite a morte, e que ele tem dois grandes pavores: o primeiro o medo de morrer, e o segundo no querer que a igreja o abandone no meio da estrada. Magaldi juntou todas as peas, e criou algo que coloca o velho contra a igreja, explorando exatamente, este lado devasso do Dr. Roberto." P, Calazans. L vem voc, de novo, com histrias. Disse irritado. No. O caso real. O Magaldi, na realidade no necessariamente ele, mas a mfia dele, em conjunto com o Pacote, que voc deve conhecer da Televiso, usando de uma coleo de quadros de sacanagens e altamente libidinosos de outro homossexual, o Srgio (Beto Carrero) Murad, montou um livro s de putaria, com a assinatura da Fundao Roberto Marinho, numa edio limitada. Mas, a grande inteno dele, no era editar o tal livro. Era, antes de tudo, que o Dr. Roberto soubesse da edio e entrasse em pnico, com medo que a igreja viesse a saber, ou que este livro fosse a pblico envolvendo o nome da Fundao." E esse livro foi editado, realmente? Perguntei, como quem est com enfado de ouvir besteiras. Claro. Foram editados 3.500 exemplares numerados. Mas ficou tudo encaixotado. E, da, quando o Dr. Roberto soube, mandou destruir tudo. O Magaldi, posando de bom moo, disse pro Dr. Roberto: "Claro. Imagine se isso vem a pblico. Imagine a manchete dos jornais contra a Fundao. Imagine a reao da Igreja sabendo que a Fundao e o senhor, Dr. Roberto, se prestam a este tipo de coisa. assim que o Magaldi age na cabea do Dr. Roberto. a mensagem subliminar. Como publicitrio ele sabe fazer isto bem. Mas do que adianta isto, Calazans? Voc vive me contando histrias cujas provas so quase impossveis. De que me adianta saber disso, se os livros foram destrudos? Disse, como quem no quer nada, mas tentando "pescar" Mas nem todos foram destrudos. Todos os diretores amigos do Magaldi possuem um exemplar e eu consegui salvar do incndio trs exemplares para mim. Vou dar dois exemplares a voc. Um para si e outro pro Francisco Eduardo. Ainda aturei muita conversa do Calazans naquela noite. Mas, confesso, estava indcil para dormir, acordar no dia seguinte e rezar para que ele no tivesse esquecido a conversa da noite anterior. No dia seguinte deixei o pessoal da equipe, que ainda estava tomando caf no hotel e sa sozinho. A p. S. Tentando ordenar meus pensamentos. Eu j possua, na minha cabea, um relatrio tcnico todo delineado e com um volume grande de informaes. Informaes estas, que no poderiam e nem deveriam estar imiscudas com dados tcnicos. Eu comeava a temer pelo excesso de informaes, e estava preocupado em como fazer um relatrio curto, seco e grosso, sem misturar coisas muito importantes, com outras importantes tambm, mas de efeito relativo ou discutvel. (Relatar tudo era impossvel. Nem pensar.)

Foi assim, em meio a estes pensamentos, que resolvi fazer vrios relatrios, com vrios enfoques e com vrios nveis de abrangncia. Era preciso voltar ao Rio. Era preciso amarrar as informaes de So Paulo com os documentos do Rio. Informei ao Calazans que eu iria voltar ao Rio, e que iria fazer um relatrio preliminar ao Dr. Roberto. Aproveitando a oportunidade perguntei se ele no tinha mais nenhum documento para me entregar. Para surpresa minha, ele entregou-me vrios documentos, e dois exemplares do tal livro, objeto de nossa conversa da noite anterior. E, como que retomando nossa conversa disse: Faa bom uso, e espero que voc e o Francisco saibam como utiliz-los. Era claro e ntido que o Calazans queria uma cartada definitiva com Magaldi e Jair Lento, e estava me usando para isto. De volta ao Rio, o clima era de grande expectativa. Como que sentindo que havia algo no ar, os colegas de escritrio olhavam-me com muita interrogao. E, alguns, sentindo que houvera xito em So Paulo, tentavam alguma antecipao, quer por uma sondagem discreta, quer pela pergunta direta. Era segunda-feira, dia de todos estarem no escritrio. Em tese, as brincadeiras eram quase sempre as mesmas, mas a graa se renovava a toda hora. Para variar, naquele dia, com o escritrio repleto de homens, entrou uma menina, que trabalhava no CPD e que era muito bonita e bem feita de corpo, para conversar algo rpido com a Norminha. Foi o que bastou. Miguel (Duarte) que fora do servio um palhao em tempo integral, quicou a bola. A. . . (apontando com os olhos) Fazia? Um mais afoito se antecipa. Frente, verso e autenticado. Pareciam colegiais primrios. A Norminha morria de vergonha, conhecia o pessoal, e sabia cada expresso nossa. Cada cdigo. Miguel, muito amigo da Norminha, sentindo o embarao dela, tenta constrang-la mais ainda 0 Norminha, apresenta a moa pro pessoal. "Garniz", cumprimenta a moa, seu maleducado. E sucedia-se uma enxurrada de gracinhas annimas: A, March, j pensou se voc no fosse velho? Quando chegar em casa eu vou matar minha mulher de porrada. Bota tudo em meu nome. Fica quieto, Jnior. Norminha, sentindo que no ia conseguir conversar, sai com a moa e excomunga: Pxa, at parece que vocs no vem mulher. . . Ver at que a gente v, mas no dessa qualidade. Tem gente aqui que viaja tanto que nem lembra mais como . Passado o incidente, o clima continua. Mudado o motivo, procura-se um novo. Machado, comeu bem em So Paulo? No. A ltima vez que eu comi bem foi quando eu fui na sua casa. Na inocncia e na maldade somos todos iguais. , depois que ele voltou de Curitiba e experimentou a comida do "Metr", ele no come noutro lugar. Nisto vem passando a Rosngela, auditora sria, que no gosta de brincadeira e dava esculacho no Miguel todo dia. Para variar, o Miguel perdia o amigo, mas no perdia a piada. O Rosngela, voc j andou de Metr? (Nota: O 'Metr' uma boate em Curitiba. Quando uma equipe ia auditar a TV Paranaense, era inevitvel toda noite o bando garantia a freqncia da boate, pois ningum pagava a entrada, dava-se carteirada com o crach da Globo, e a conta vinha sempre com um grande desconto. O dono, ou gerente, ficava feliz da vida com a nossa presena e com as nossas brincadeiras. Como o clima estava solto, at os que no costumavam entrar na brincadeira se atreviam: Olha l, Machado, quem est se coleteando... O Chileno... que porra essa de se coleteando? A o Chileno tinha que explicar o seu idioma para a gente. Coletear, segundo o Chileno, a expresso usada para designar a alegria que o cachorro demonstra abanando o rabo.

Eu perguntei quem que estava se coleteando, pois eu no havia entendido a piada. AT respondeu que era o Pedrinho, e falou Repara s. Ningum d ateno pra ele e a ele vai num, vai noutro, procura ateno, e fica se coleteando para ver se algum faz festa para ele. Nisto, entra o Francisco e algum grita Sujou. Francisco amarra a cara e deixa claro que escutou o sujou. A figura a da sempre: culos escuros para no se entregar pelos olhos, palet nas costas, e duas pesadas malas de auditor (que parecem de propagandista de remdio). A festa est boa n Luiz carlos? Luiz era sempre o mais visado e o escalado pra bronca inicial, tivesse ou no culpa. A ele abrandava um pouco O Nilo, at voc? Vira-se para mim com voc eu nem falo, seno vai querer responder e eu no quero brigar. Hoje eu estou calmo, satisfeito, estava brincando com a Vanessa (filha dele) at agora e no vai ser este bando de malucos que vai me tirar o humor. Eu mudava de assunto rpido, para a coisa no render OIha... tenho mil novidades e um presente incrvel. Eu sabia que depois de provocar a curiosidade, ele at podia fazer tipo, mas no ia atender ningum antes de saber sobre S. Paulo e sobre o presente. Ainda de p, antes de entrar na sala, ele perguntava para a Norminha sobre possveis recados, telefonemas etc. Vamos l, Machado chamava. Era religiosamente sagrado, Pedrinho entrava junto, para ouvir, e arranjava um pretexto qualquer para permanecer na sala. Mas, como eu sou descaradamente mal-educado, calava a boca e esperava ficar aquele silncio mortal. O Francisco ainda provocava. Perguntava sobre S. Paulo, e sobre a Fundao. Eu falava um monte deabobrinhas, mas no falava nem sobre S. Paulo e nem sobre a Fundao. Percebendo a situao, Francisco procurava no esticar o jogo e gritava "cai fora Pedro". A, para deixar bem claro que a coisa era pessoal com o Pedro, eu dizia: "Pode chamar o Nilo, o Chileno, o March, o Luiz Carlos. Chame quem voc quiser. No tem problema, no." Pxa, Machado, porque vocs fazem isso com o Pedro? Ns j falamos para voc. Voc sabe. Que voc no queira fazer nada, a gente at entende. Agora, o que no d, voc querer que a gente o aceite. Francisco, aqui s tem tcnico. Tudo profissional de altssimo nvel, tirando uma meia dzia de Assistentes, o Staff de Senior para cima. Aqui, voc s respeitado se for bom profissional. Ningum atura esse papo de capinar sentado e administrao por time-sheet. Voc sabe... se o cara que est em baixo sente que melhor do que voc, profissionalmente, te engole ou te faz comer grama. A nossa profisso uma das raras que s se aprende fazendo, e s sobe se for bom. No d para ter mamezada e protecionismo. Vamos l... E So Paulo? Pergunta, mudandoe encurtando o assunto. Expus-lhe o que havia sido levantado em S. Paulo, ao mesmo tempo em que entregava o livro que o Calazans havia enviado de presente. Disse que o relatrio j estava todo escrito, na minha cabea, e que iramos gastar mais uma semana auditando a Fundao no Rio, e mais uma semana seria necessria para limpar alguns pontos e/ou colher um ou outro documento. Francisco estava surpreso e ainda meio desorientado quanto forma correta de enfocarmos o assunto para o Dr. Roberto, at porque, o que para mim j fora objeto de reflexo, para ele ainda era assunto novo. E o volume de informaes era muito grande. Acertamos ento a estratgia e linhas gerais. Neste relatrio s abordaramos os Departamentos de Educao e Televiso, deixando para o futuro os demais departamentos. Mas no abriramos mo de ir fundo no trabalho da Fundao. Afinal, foram anos de normalidade, e tnhamos de dar a volta por cima. Reuni a equipe do Rio. Orientei o pessoal que ia ficar no escritrio, e dirigindo-nos para a Fundao/Rio. Todos estavam avisados para no aceitar provocaes, e deveriam aceitar a situao, por mais adversa que ela fosse, no importando os tropeos e as pedras. O objetivo era mais importante. E, se algum tivesse que bater de frente, eu iria usar a minha reputao. (Se o Francisco trombasse, seria abuso de autoridade. Se um subalterno trombasse, seria insubordinao. Se eu trombasse, seria medio de fora.) Neste caso, o melhor era eu trombar. Estrategicamente, Jair fez funcionar o seu plano, usando o Contador como "agente provocador". No dava recados telefnicos para os auditores, mesmo quando o escritrio

telefonava. Quando um auditor ia telefonar ele ficava deliberadamente ao lado do telefone. A cada documento solicitado, o Contador mostrava-o antes para o Jair, para saber se podia ou no entregar. Demorava horas entre o pedido de um documento e a entrega do mesmo. Eram entregues pastas erradas, faltavam documentos. E tudo que era sabotagem foi tentado. Transcorrida a semana o pessoal da equipe estava impassvel, aceitando tudo, e absorvendo todos os golpes. O Contador ia, paulatinamente, se atrevendo cada vez mais, at que eu resolvi acabar com a brincadeira, pois ns j tnhamos, praticamente, quase tudo o que queramos. Z Carlos! (Este era o nome do Contador) V falar pro Jair que eu quero falar com ele agora de manh. (Era sexta-feira.) Tudo, dentro do que eu disse, era provocativo. Pois o Contador se apresentava como Sr. Cruz, e quando muito, dependendo, aceitava Sr. Jos Carlos, mas jamais "Z Carlos". Segundo, porque eu, deliberadamente, falei a coisa em tom de ordem V falar. Terceiro, porque eu disse isto na frente de toda a minha equipe e dos funcionrios dele. Quarto, eu chamei o Jair de Jair e no de doutor Jair. E, finalmente, porque eu determinei prazo e horrio. Ele se empavonou todo, demonstrou haver sentido o golpe e retrucou: "Eu vou ver se o Doutor Jair pode receber voc (e, caprichou no Doutor e no voc)". Internamente eu ri muito, pois senti que a cintura dele era dura e ele no entendia nada de mind games e de briga de cozinha. E pensei c com m