agentes, usos e conflitos
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - CCHLA
DEPARTAMENTO DE POLTICAS PBLICAS - DPP PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS -
PPEUR
JOO HENRIQUE GOMES DA SILVA
BAIRRO PLANALTO, NATAL/RN: AGENTES, USOS E CONFLITOS
NATAL/RN 2014
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JOO HENRIQUE GOMES DA SILVA
BAIRRO PLANALTO, NATAL/RN: AGENTES, USOS E CONFLITOS
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Estudos Urbanos e Regionais
da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, como pr-requisito para obteno do
ttulo de Mestre.
Orientadora: Dra. Soraia Maria do Socorro
Carlos Vidal.
rea de Concentrao: Dinmicas Urbanas e
Regionais e polticas pblicas
Linha de Pesquisa: Cidades e Dinmica
Urbana
NATAL/RN 2014
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JOO HENRIQUE GOMES DA SILVA
Bairro Planalto, Natal/RN: agentes, usos e conflitos
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Estudos Urbanos e Regionais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como pr-requisito para obteno do ttulo de Mestre.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Professora Dra. Soraia Maria do Socorro Carlos Vidal (PPEUR-UFRN)
Orientadora
___________________________________________________________________ Professor Dr. Marcos Antnio Silvestre Gomes (IELACHS-UFTM)
Examinador Externo
___________________________________________________________________ Professor Dr. Fernando Manuel Rocha da Cruz (PPEUR-UFRN)
Examinador Interno
NATAL 2014
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Dedico esse trabalho aos meus pais: Jos Adelmo e Nilda que me ensinaram o real
sentido da vida!
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AGRADECIMENTOS
Agradecer um dos atos mais sublimes do ser humano. nesse momento,
que reconheo e agradeo as mos que me foram estendidas durante esse
percurso, to longo e difcil, mas com a ajuda de vocs, tornou-se muito mais fcil e
amvel.
Ao Senhor da minha vida, meu mestre, guia e inspirao: Jesus Cristo, que
me concede diariamente o dom da vida e a capacidade de seguir em frente diante
das adversidades.
Aos meus familiares que me forneceram todos os meios possveis para a
concluso dessa etapa da minha vida. O amor de vocs me ajuda a ser o que sou.
Agradeo especialmente a minha me, que sempre me ensinou a importncia dos
estudos e me forneceu o amor e o carinho quando tudo parecia trevas.
A minha orientadora Soraia Vidal, que foi mais do que uma orientadora,
apoiando-me em todos os momentos desse processo e me fornecendo orientaes
para a vida. Aprendi muito com voc. Serei eternamente grato por tudo.
Ao professor Mrcio Valena que me acolheu quando resolvi voltar para
universidade. Suas orientaes foram de fundamental importncia para o
desenvolvimento dessa pesquisa. Obrigado.
A professora Ana Fani que me acolheu carinhosamente durante minha
estadia na Universidade de So Paulo (USP). Suas aulas, orientaes, conversas
esto presentes nesta pesquisa, como tambm nas minhas escolhas tericas. Fani,
muito obrigado!
Aos amigos do Laboratrio de Geografia Urbana da Universidade de So
Paulo. Nossas discusses foram momentos fecundos de crescimento intelectual e
pessoal.
Aos amigos da Repblica Maloca, que foram minha famlia durante meu
perodo em So Paulo.
A Clara, Marcela e Pedro, sem vocs minha estada em So Paulo no teria
sido a mesma. Obrigado por terem tornado tudo mais ameno e com isso,
encantador. Estaro para sempre no meu corao.
Agradeo aos professores do PPEUR, suas leituras me ajudaram no
amadurecimento das minhas ideias.
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A minha amiga Ingrid que teve muita pacincia em me ajudar na realizao
desse trabalho, como tambm em me ouviu e me orientar nos meus momentos mais
difceis.
As minhas amigas Carol, Manu e Raissa, pela amizade, carinho, fora, ajuda
para vencer as adversidades que surgiram. Amizades que quero ter para sempre!
A Paulo Ricardo pelas palavras de incentivo, momentos de alegria e distrao
que me proporcionou.
A minha amiga Huda Andrade que me ajudou na confeco dos mapas e das
apresentaes.
Aos amigos e professores do Observatrio das Metrpoles pelo carinho,
amizade e conhecimentos partilhados.
Aos amigos e professores do Grupo de pesquisa sobre Cidades
Contemporneas. Nossas discusses foram momentos valiosos de aprendizado.
A secretria do PPEUR, Rosngela que sempre esteve disposta quando
solicitada.
Aos professores Fernando Cruz e Marcos Silvestre pelas contribuies na
banca de defesa.
Aos moradores do bairro Planalto que gentilmente forneceram informaes
para a realizao dessa pesquisa.
A CAPES pelo apoio financeiro fundamental para a realizao desta
pesquisa.
A todos os meus amigos, o meu muito obrigado, por partilharem comigo um
pouco de suas vidas e por me fazerem muito mais feliz.
A todos, minha eterna gratido, sem vocs esse momento no seria possvel.
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Na contramo deste cenrio sombrio, continuo insistindo na ideia de que o trabalho acadmico improdutivo por excelncia; seu tempo lento, por definio; seu objetivo se realiza pela reflexo terica a partir da realidade; seu comportamento critico por excelncia e seu compromisso, inquestionvel, com a sociedade. Ana Fani Alessendri Carlos, parte do texto da sua Conferncia de Encerramento do X Enanpege 2013.
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RESUMO
A presente pesquisa objetiva analisar a configurao urbana do bairro Planalto, Natal/RN, procurando desvendar os processos, os agentes e as contradies associadas produo do seu espao. A escolha do bairro justifica-se pela constatao de que alteraes na sua configurao urbana vm acontecendo de forma acelerada. Destaca-se a atuao do mercado imobilirio, em parceria com o Estado, e a construo de condomnios e edifcios fechados, atravs do Programa Habitacional Minha Casa, Minha Vida. Esse fato tem favorecido a reproduo de uma nova realidade urbana no bairro, estabelecendo um padro urbanstico que se diferencia da morfologia original, tido como perifrico dentro da dinmica urbana de Natal/RN. A pesquisa se constitui em um estudo qualitativo, atravs de documentos, entrevistas com os agentes envolvidos e documentao fotogrfica. Nessa perspectiva, procura-se compreender a fase atual (dcada 2000) do processo de produo do espao do bairro, atravs do desenvolvimento do mercado imobilirio, como extenso do tecido urbano do ncleo da cidade de Natal, analisando a atuao dos seus agentes produtores e os novos usos redefinindo o antigo. Desse modo, percebe-se que existe no bairro, uma realidade urbana plural em constituio, a partir da existncia de diferentes classes sociais habitando o mesmo espao. Assim, a cidade produzida a partir da apropriao do espao pelas distintas classes sociais, embora decorrente da condio econmica de cada uma delas.
Palavras-chave: Produo do Espao, Cidades, Agentes e Usos.
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ABSTRACT
This research has the goal to analyze the urban setting of the Planalto neighborhood, in Natal /RN, seeking to unravel the processes, agents and contradictions associated with the production of the space. The choice of neighborhood is justified by the observation that changes in its urban setting have been growing in speedy way. We highlight the performance of the housing market, in partnership with the state, and the construction of condominiums and buildings closed by the housing program Minha Casa, Minha Vida. This has favored the reproduction of a new " urban reality in the neighborhood, setting an urban standard that differs from the original morphology, seen as peripheral within the urban dynamics of the city. The research is a qualitative study, through documents, interviews with stakeholders, and photographic documentation. In this perspective , we seek to understand the current phase (2000s) the production of space in the neighborhood process through the development of the housing market , as an extension of the urban development in central zone of Natal/RN, analyzing the performance of agents and their producers the "new " uses redefining the "old ". Thus, it can be seen that there is in the neighborhood, urban reality in a pluralistic constitution, from the existence of different social classes inhabiting the same space. On this way, the city is produced from the appropriation of space by different social classes, although due to the economic condition of each of them. Keywords: production of space; city; agents; uses.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Regies Administrativas, com destaque para o bairro Planalto................51
Figura 2 - Unidades Habitacionais por Zona Administrativa......................................53
Figura 3 - Concentrao populacional no espao da cidade de Natal.......................57
Figura 4 - Condomnio Clube Village West................................................................59
Figura 5 - Condomnio Clube Smile Village................................................................59
Figura 6 - Greenlife Mor Gouveia...............................................................................60
Figura 7- Evoluo populacional no bairro Planalto...................................................64
Figura 8 - Rua Monte Reis no incio da dcada de 2000...........................................68
Figura 9 - Atual configurao da Rua Monte Reis......................................................68
Figura10 - Caractersticas das primeiras habitaes do bairro..................................70
Figura 11- Limites do bairro Planalto..........................................................................71
Figura 12- As principais vias do bairro.......................................................................74
Figura 13 - Fachada do Condomnio Residencial Thisaliah.......................................75
Figura 14 - Condomnios de Casas............................................................................75
Figura 15 - Fachada das casas antigas do bairro......................................................76
Figura 16- Barracos da comunidade Monte Celeste..................................................76
Figura 17- Forma de organizao dos lixos recolhidos..............................................78
Figura 18 - Vivendas do Planalto...............................................................................79
Figura 19 - Presena de faixas publicitrias no bairro...............................................81
Figura 20 - Construo do supermercado Serve Bem em Setembro de 2012..........82
Figura 21 - Supermercado Serve Bem em Maio de 2013..........................................82
Figura 22 - Rua Joo Hlio em setembro de 2013.....................................................83
Figura 23 - Rua Joo Hlio em Maio de 2013............................................................84
Figura 24 - Terrenos onde ser construdo um novo empreendimento.....................85
Figura 25 - Moradores jogando futebol nos terrenos.................................................86
Figura 26: Publicidade presente nos novos empreendimentos.................................88
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LISTA DE SIGLAS COHAB Companhia de Habitao Popular do Rio Grande do Norte
CONHABINS Conselho Municipal de Habitao
BNH Banco Nacional de Habitao
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio
PAR Plano de Arrendamento Residencial
PRODETUR-NE Programa de Desenvolvimento do Turismo do Nordeste
PMCMV Programa Habitacional Minha Casa, Minha Vida
RMN Regio Metropolitana de Natal
SEHARPE Secretaria Municipal de Habitao, Regularizao Fundiria e Projetos Estruturantes SEMURB Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo
SINDUSCON Sindicado da Construo Civil do RN.
SERFHAU Servio Federal de Habitao e Urbanismo
SUDENE Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste
ZPA Zonas de Proteo Ambiental
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SUMRIO
1 INTRODUO ...................................................................................................... 13
1.1 PROCESSO DE PESQUISA................................................................................15
2 PRODUO DO ESPAO: APROXIMAES TERICAS.................................19
2.1 A CIDADE ENQUANTO PRODUO HUMANA.................................................24
2.2 AGENTES PRODUTORES DO ESPAO: USOS E CONFLITOS......................32
3 DINMICA URBANA DE NATAL E A EXPANSO DO SEU TECIDO
URBANO....................................................................................................................36
3.1 DINMICA DO TURISMO E DO SETOR TERCIRIO: O DESENVOLVIMENTO
DO URBANO..............................................................................................................44
3.2 DINMICA IMOBILIRIA E SUA EXPANSO PARA A ZONA OESTE..............50
4 METAMORFOSES URBANAS: O BAIRRO PLANALTO E SUAS
TRANSFORMAES................................................................................................63
4.1 PLANALTO: E SUAS REDEFINIES................................................................72
5 CONSIDERAES FINAIS..................................................................................91
REFERNCIAS..........................................................................................................95
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1 INTRODUO
O estudo do processo de constituio do urbano, a partir do desenvolvimento
e aprofundamento terico e conceitual, apresenta-se como possibilidade de
entendimento de uma realidade espacial. Assim, a presente pesquisa, buscou
discutir a produo do conhecimento sobre a cidade e sua dinmica, a partir de uma
anlise relacional entre a configurao espacial e os processos sociais e
econmicos.
A dinmica do mercado imobilirio na cidade de Natal tem contribudo de
forma concreta para o processo de produo/reproduo do seu espao.
Historicamente, a sua atuao tem induzido o crescimento e a expanso urbana
para reas do seu interesse, respaldado pela atuao e investimento por parte do
poder pblico. A articulao entre o mercado imobilirio e o Estado, atravs das
polticas pblicas, tem caracterizado a forma como o urbano vem sendo
produzido/reproduzido e materializado na morfologia da referida cidade.
Entre as particularidades desse processo verificado em Natal, tem-se a
expanso horizontal do tecido urbano para reas consideradas perifricas da cidade,
em funo do alto valor e da raridade de terrenos nos bairros mais centrais da
cidade e a reserva de grandes glebas nessas reas ditas perifricas. Esse
movimento de expanso do tecido urbano, em funo da relao entre
abundncia/raridade do espao, tem tornado a periferia um lugar de destaque dentro
da dinmica imobiliria da cidade.
Nessa perspectiva, a pesquisa teve como objetivo compreender a dinmica
de produo do espao urbano do bairro Planalto, a partir das aes e interaes
entre os agentes produtores do espao (empreendedores imobilirios, Estado e
moradores), reconstituindo historicamente a formao do referido bairro e sua
relao com a dinmica imobiliria na cidade de Natal. Com ela, procurou-se
compreender a produo da sua dinmica e suas metamorfoses urbanas, atravs do
desenvolvimento do mercado imobilirio, como extenso do tecido urbano do ncleo
da cidade de Natal, analisando a atuao dos seus agentes e os novos usos
redefinindo o antigo.
importante salientar que esses usos esto vinculados ao processo de
ocupao do bairro a partir das diferentes formas de moradias. Inicialmente, a
ocupao do bairro esteve vinculada instalao de condomnios e loteamentos
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populares para populao de baixa renda, aliado s ocupaes irregulares. Alm
disso, conjuntos habitacionais foram construdos pelo poder pblico para as
comunidades carentes, que estavam localizadas em outras reas da cidade e foram
redirecionadas para o bairro. (NATAL, 2010).
Em virtude das suas caractersticas socioespaciais iniciais (deficincia de
infraestrutura, carncias de servios bsicos e dificuldades de acesso), durante
muito tempo o Planalto foi um bairro sem expressividade dentro do contexto urbano
de Natal. Entretanto, nos ltimos anos vem sendo alvo de investimentos por parte
dos empreendedores imobilirios, incentivados, entre outros, pelos subsdios do
Programa Habitacional Minha Casa, Minha Vida (PMCMV). A partir de ento,
observa-se um aparente enobrecimento de reas do bairro, com a chegada de
novos moradores com nvel de renda mais alta em relao aos primeiros
moradores, gerando uma heterogeneidade no que se refere ao padro de ocupao.
Assim, tendo como pressuposto a existncia de uma realidade urbana plural
em constituio, admite-se pensar na construo de uma cidade em que diferentes
agentes sociais produzem o espao de acordo com seus interesses. Alm disso, o
uso do solo na cidade tem sido disputado pelos agentes produtores de forma
diferenciada, provocando conflitos entre indivduos e usos, j que o processo de
representao espacial envolve uma sociedade hierarquizada, dividida em classes
(CARLOS, 2011a).
No primeiro capitulo estabelecida uma discusso terica, no qual parte-se
do entendimento do processo de produo do espao, baseado nas ideias de
Lefebvre (2001, 2006, 2008). Pensamos que essa anlise se apresenta como
possibilidade de entendimento da sociedade urbana. Essa anlise possvel a partir
do entendimento dos processos socais e econmicos que esto vinculados com a
atuao dos seus agentes produtores. Ou seja, adota-se os agentes produtores e
usos como categorias importantes de anlise, pois acreditamos que o conflito existe
a partir da forma como esses processos se materializam e produzem uma realidade
como resultado.
Na segunda parte do trabalho, feito um resgate da histria da cidade,
enfatizando os aspectos considerados importantes para compreenso, ps Segunda
Guerra Mundial, do processo de expanso do seu tecido urbano. Esse processo tem
favorecido a transformao de reas que at ento no apresentavam
expressividade urbana, na dinmica da cidade, j que no apresentavam
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equipamentos pblicos, como tambm pela falta de infraestrutura e dificuldade de
acesso. nesse contexto, que o bairro Planalto, objeto dessa pesquisa, ganha
destaque. Por fim, tem-se, dentro de uma perspectiva histrica, a anlise da
produo do espao do bairro. Percebe-se que alteraes na sua morfologia vm
acontecendo de forma acelerada, em funo da atuao do mercado imobilirio em
articulao com o Estado, denominadas neste trabalho de Metamorfoses Urbanas.
Assim, procurou-se entender os contedos que esto por trs desse processo, a
partir das redefinies no uso do espao do Bairro.
1.1 PROCESSO DE PESQUISA
Todo processo de pesquisa baseado em escolhas. Essas escolhas so
frutos de reflexes que resultam na seleo de mecanismos tericos e
metodolgicos que so construdos durante o desenvolvimento da pesquisa. Os
procedimentos adotados tiveram como objetivo principal elencar elementos para
melhor pensar o objeto desta pesquisa. Para isso, foram realizadas pesquisas
bibliogrficas e de campo, procurando sempre articular a teoria e a prtica.
Desse modo, o movimento reflexivo para a construo desta pesquisa, parte
do seguinte questionamento: como as teorias sobre o urbano nos permite analisar
uma realidade? No caso especifico desta pesquisa: o Bairro Planalto, em Natal/RN.
No primeiro captulo discute-se ideias presentes nas obras de Lefebvre (2001, 2006,
2008), em articulao com Carlos (2007, 2011), com objetivo de encontrarmos
referncias conceituais necessrias para a anlise emprica.
Dentro de uma perspectiva terica, partimos do entendimento do processo de
produo do espao, baseado nas ideias de Lefebvre (2001, 2006, 2008).
Pensamos que anlise desse processo se apresenta como possibilidade de
entendimento da sociedade urbana. Essa anlise possvel a partir do
entendimento da relao entre processos socais e econmicos que esto vinculados
com a atuao dos seus agentes produtores. Nesse contexto, temos a forma-
contedo como par dialtico.
No desenvolvimento da pesquisa, que de cunho qualitativo, investigaes
preliminares foram estabelecidas. Essas investigaes foram possveis a partir do
que Marconi (1996) chama de estudos exploratrios, realizados atravs de pesquisa
em documentos e contatos diretos. Em relao aos tipos de documentos
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pesquisados, segundo Marconi (1996, p. 24) tm-se os de fonte primria que so:
dados histricos, bibliogrficos e estatsticos; informaes, pesquisas e material
cartogrfico; arquivos oficiais e particulares; registros em geral; documentao
pessoal (dirios, memrias, autobiografias). E fonte secundrio que so: imprensa
em geral e obras literrias.
Entre as fontes primrias foram utilizados: Anurios do municpio, Perfil do
Bairro, Leis Municipais. Em relao aos secundrios: noticirios de jornais locais. A
leitura crtica e cuidadosa desses documentos teve como objetivo a caracterizao e
construo do objeto de estudo.
Sobre o recorte espacial da pesquisa, tem-se a relao entre o bairro e a
cidade como totalidade, pois para Carlos (1886, p.43):
O estudo de um fenmeno especfico reproduz, em diferentes escalas, as mesmas determinaes da totalidade sem com isso eliminar-se as particularidades histricas. Entretanto, na produo de uma parcela de espao encontramos as mesmas determinaes, a mesma articulao. possvel detectar as leis gerais do processo de produo espacial a partir da anlise de uma determinada parcela, desde que esta leve em conta a relao com a totalidade.
Desse modo, dentro da perspectiva de anlise estabelecida, o bairro Planalto,
objeto desta pesquisa foi analisado enquanto produto dos processos que acontecem
no plano da cidade. Procurou-se identificar as particularidades desse processo,
dentro uma totalidade que a cidade, a partir do entendimento da sua realidade
socioespacial. Portanto, a partir do estudo de uma parte da cidade, possvel
elencar elementos para pensar o todo. Com isso, existe a elaborao e discusso de
argumentos mais condizente com a realidade pesquisada.
Para o levantamento de informaes primrias e secundrias sobre o bairro,
alguns procedimentos metodolgicos foram estabelecidos. Entre esses
procedimentos temos a coleta de informaes empricas, atravs de entrevistas
semi-estruturadas com os agentes que esto diretamente envolvidos ou que
detenham conhecimentos baseados em estudos ou vivncias no bairro, o que
poderamos chamar de informantes qualificados. Para Vargas (1998, p.5) a
entrevista semi-estruturada baseia-se: em um roteiro que apresenta questes com
respostas abertas, no previamente codificadas, nas quais o entrevistado pode
discorrer livremente sobre um tema proposto ou pergunta formulada.
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Nesse contexto, as perguntas presentes nas entrevistas semi-estruturadas
foram baseadas no tpico guia que, segundo Gaskell (2010, p.66),
Se fundamenta na combinao critica da literatura apropriada, um reconhecimento do campo (que poder incluir observaes e/ou algumas conversaes preliminares com pessoas relevantes), discusses com colegas experientes, e algum pensamento criativo. Ele no uma srie extensa de perguntas especificas, mas ao contrrio, um conjunto de ttulos de pargrafos. Ele funciona como um lembrete para o entrevistador, como uma salvaguarda quando der um branco no meio de uma entrevista, um sinal de que h uma agenda a ser seguida, e (se um nmero de minuto fixado a cada pargrafo) um meio de monitorar o andamento do tempo da entrevista.
Assim, o uso do tpico guia foi de fundamental importncia para direcionar as
questes propostas na realizao das entrevistas. Elas foram elaboradas baseadas
na teoria utilizada, pesquisas exploratrias e orientaes metodolgicas. Com isso, o
tpico guia funcionou como um esquema logstico que contribuiu para as
transcries e anlises posteriores. importante salientar, que na elaborao das
perguntas presentes no tpico guia, alguns cuidados foram tomados: 1) cuidados
quanto linguagem; 2) cuidados quanto forma das perguntas; e 3) cuidados
quanto sequencia da perguntas nos roteiros.(GASKELL, 2010, p.66).
Sobre o nmero de entrevistados, Gaskell (2010, p. 67) afirma: O segredo da
pesquisa qualitativa no est na quantidade de entrevistado, mas na qualidade das
informaes coletadas e como elas so elucidativas de uma realidade. Com isso,
conclui: A finalidade real da pesquisa qualitativa no contar opinio ou pessoas,
mas ao contrrio, explorar o espectro de opinies, as diferentes representaes
sobre o assunto em questo. Para isso, foram realizadas entrevistas institucionais e
pessoais. As institucionais foram feitas com representantes de instituies pblicas e
do mercado imobilirio e as pessoais com moradores do bairro.
Participamos de uma sesso popular que teve como objetivo discutir a
urbanizao do bairro Planalto, promovida pela Cmara Municipal de Natal, sendo
proposta pelo vereador George Cmara, contando com a participao dos
moradores e de representantes das diferentes secretarias da gesto municipal.
Coletamos dados sobre o bairro, vinculado aos servios pblicos, programas
habitacionais, infraestruturas existentes, como tambm sobre a histria de ocupao
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do bairro. Nesse veis, nosso objetivo foi entender como a partir dos investimentos
pblicos o bairro ganha destaque na dinmica de Natal.
Dentro desse contexto, construmos o primeiro captulo a partir de leituras de
algumas obras de Lefebvre (2001, 2006, 2008), em articulao com Carlos (2007,
2011), com objetivo de encontrarmos referncias conceituais que orientassem e
fundamentassem a nossa anlise emprica.
Os procedimentos para coleta de informaes empricas que foram
estabelecidos consistiram: em pesquisas exploratrias no bairro. Nessas pesquisas
foram realizados registros fotogrficos, no qual podemos constatar as
transformaes que o bairro vem passando, vinculado proviso de infraestruturas
e lanamentos de novos empreendimentos. Tambm realizamos entrevistas com
moradores e corretores de imveis que atuam no bairro. Na oportunidade,
realizamos visitas aos novos empreendimentos dentro do Programa Habitacional
Minha Casa, Minha vida e ao loteamento Santa Clara e Leningrado, que so
loteamentos construdos pela Prefeitura de Natal para abrigar as famlias que foram
removidas de favelas localizadas em outras partes da cidade: Favela do Fio, Favela
do Detran, Favela no conjunto Alagamar em Ponta Negra, Favela Via Sul, localizada
no bairro Nepolis.
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2 PRODUO DO ESPAO: APROXIMAES TERICAS
A anlise do processo de produo do espao permite entender a constituio
da sociedade urbana, pois cada sociedade, em diferentes momentos histricos
produz o seu espao (Lefebvre, 2006). Nessa perspectiva, concordamos com
Castells (1999, p. 435), que entende o espao como sendo a: [...] expresso da
sociedade. Uma vez que nossas sociedades esto passando por transformaes
estruturais, razovel sugerir que atualmente esto surgindo novas formas e
processos espaciais. importante salientar que essas mudanas so resultados de
transformaes sociais mais profundas.
Neste sentido, por ser expresso da sociedade, o espao apresenta uma
dinamicidade em funo das mudanas que a sociedade imprime ao longo do
tempo. Por sua vez, essas mudanas so produtos das diferentes formas de
apropriao do espao, decorrentes das implicaes polticas e econmicas, as
quais tendem a produzir novas configuraes espaciais, como tambm d um novo
sentido para as antigas.
Em relao ao carter econmico dessas mudanas, temos uma ordenao
espao-temporal vinculada alterao no modo de produo fordista para a
acumulao flexvel (HARVEY, 2004) em que o espao urbano produzido dentro
de uma vertente que atenda aos interesses dos agentes dessas alteraes. Sendo
assim, no espao urbano que o processo de reestruturao econmica acontece e
se materializa na forma urbana, atravs das mudanas instauradas no padro de
produo, ou seja, na sua morfologia que podemos observar a transio da
produo mecnica para o modo de produo tecnolgico e informacional.
Para a geografia, de forma particular, as discusses tericas tm contribudo
para o entendimento dessa categoria e permitido entender o mundo e a sociedade
urbana1 em movimento e consequentemente em transformao, mesmo diante do
fato de ser uma cincia parcelar. Carlos (2011b) argumenta que para os gegrafos,
o desafio se concentra na necessidade de se pensar como a problemtica atual
contempla o espao, em sua relao espao-tempo, j que para a Geografia essas
1 LEFEBVRE (1999, p. 13) designa o termo sociedade urbana: sociedade que
nasce da industrializao. Essas palavras designam, portanto, a sociedade constituda por esse processo que domina e absorve a produo agrcola. Essa sociedade urbana s pode ser concebida ao final de um processo no curso do qual explodem as antigas formas urbanas, herdadas de transformaes descontnuas.
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categorias se apresentam em sua indissociabilidade, pois toda ao social se realiza
num espao determinado, num perodo de tempo preciso. A relao espao-tempo
se apresenta como possibilidade de entendimento dos fenmenos e dos processos
sociais urbanos que produzem de forma concreta a cidade.
Lefebvre (2006) enfatiza que o conhecimento da realidade urbana passa pela
problemtica do espao vivido, visto como resultado de prticas sociais, e que essa
problemtica pertence teoria do urbano e sua cincia e consequentemente a outra
mais vasta que a da sociedade global, destacando que a discusso sobre a
produo do espao, inclui tambm a varivel tempo em um movimento de
continuidades e descontinuidades. Assim, menciona:
Se algum diz espao, imediatamente deve dizer o que ocupa e como: o desenvolvimento da energia em torno de pontos e num tempo. Se algum diz tempo, imediatamente deve dizer o que se move ou muda. Tomando separadamente, o espao torna-se abstrao vazia; assim como a energia e o tempo. (LEFEBVRE, 2006, p. 18).
Estabelecendo relao com o recorte espacial desta pesquisa, temos os
processos sociais e o tempo, produzindo uma configurao espacial particular em
um bairro, como foco de anlise. Acreditamos que a partir do uso de fragmentos de
espaos na cidade, pelos diferentes agentes, podemos visualizar o processo
dialtico e contraditrio de constituio da sociedade e de produo e consumo do
espao, em articulao com o seu todo que a cidade. a partir dessa anlise que
podemos visualizar e entender como se d o acesso ao solo urbano na cidade:
desigual e de acordo com seu nvel de renda.
Carlos (2011a, p. 47) entende que na sociedade capitalista, o espao tido
como mercadoria j que:
(...) para ter acesso a um pedao de terra necessrio pagar por ele (atravs da venda ou do aluguel) pelo fato de que, na sociedade atual, o uso produto das formas de apropriao (que tem na propriedade privado sua instncia jurdica). O preo a expresso do seu valor. O valor de uso o sustentculo conceitual do tratamento geogrfico dos problemas do solo. Todavia, a teoria do uso do solo urbano deve ser analisada a partir da teoria do valor, fundamentada na unidade entre valor de uso e valo de troca.
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O espao visto dentro de uma perspectiva de mercado provoca conflitos em
funo do seu uso para atender necessidades diferentes. A necessidade de
reproduo do capital entra em conflito, com as necessidades da reproduo da vida
humana, no qual o alto valor de troca posto pelo mercado imobilirio permite nveis e
formas distintas de apropriao do espao. A casa passa a ser vista como uma
mercadoria com preos definidos, sobretudo, a partir das caractersticas da sua
localizao. Esse processo produz uma diferenciao na forma de consumir os
espaos nas cidades, expresso nas diferentes morfologias urbanas que a formam.
Se as reas forem dotadas de escolas, shoppings, reas verdes, com a presena de
equipamentos de lazer, hospitais, posto de sade, clinicas especializadas e servios
de abastecimentos de gua, luz, esgoto, asfalto, transporte, via de circulao, seu
preo refletir o acesso a esses equipamentos.
O espao para Lefebvre (2008. p. 45) um instrumento poltico manipulado,
nas mos de algum, individual ou coletivo, isto , de um poder (o Estado, por
exemplo), e de uma classe dominante (a burguesia) ou de um grupo que tanto
representa a sociedade global, ou que tenham seus prprios objetivos, como por
exemplo, os tecnocratas. Assim o autor sintetiza essa ideia, afirmando: Nessa
hiptese, a representao do espao, sempre serviria a uma estratgia, sendo ao
mesmo tempo abstrata e concreta, pensada e desejada, isto projetada.
Nessa perspectiva, estamos diante da construo de um espao social em
que os interesses de uns prevalecem sobre os de outros, a partir do papel e o poder
que cada grupo exerce na constituio da sociedade. Estes, por sua vez, se utilizam
de estratgias e produzem uma realidade, sendo o espao para o autor, nesse
contexto, um meio, um instrumento, uma mediao.
Corroborando com Lefebvre (2008), Carlos (2007) entende o espao como
condio, meio e produto da ao humana, sendo o uso e o tempo categorias
importante de anlise. Para a autora, o espao (re) produzido a partir do processo
de reproduo da sociedade na medida em que as relaes sociais se materializam
num territrio real e concreto, ou seja, ao produzir sua vida, a sociedade
produz/reproduz o espao enquanto prtica socioespacial (CARLOS, 2007).
Para Lefebvre (2006) a categoria de anlise no o espao em si, mas sua
produo, ou seja, o espao produto das relaes sociais de produo e para
compreend-lo necessrio entender essas relaes, no no sentido restrito dos
economistas, mas indo alm dessa anlise. No somente a produo de
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mercadorias, de produtos que interessa ao autor na sua anlise, mas a produo do
prprio Homem. Assim, o seu interesse em estudar o espao se d a partir da
passagem, com a modernidade, do movimento em que a espacialidade passa a ter
mais destaque em articulao com a historicidade. por esse motivo que
desenvolve sua obra, concentrando seus argumentos e pesquisas para o
entendimento desse movimento da histria em que a produo do espao se torna
central para a anlise da prpria sociedade. Assim, reforando o objetivo da sua
obra afirma: O projeto que se esboa aqui no tem por objetivo produzir um (o)
discurso sobre o espao, mas mostrar a produo do prprio espao, reunindo os
diversos espaos e as modalidades de sua gnese numa teoria. (LEFEBVRE, 2006,
p. 21).
Para Lefebvre (2006, p.30), o espao social indica lugares apropriados pelas:
Relaes sociais de produo, a saber, as relaes bio-fisiolgica entre sexos, as idades, com a organizao especificada da famlia e as relaes de produo, a saber, a diviso do trabalho e sua organizao, portanto, as funes sociais hierarquizadas. Estes dois encadeamentos, produo e reproduo, no podem ser separar: a diviso do trabalho repercute na famlia e a se sustenta; inversamente, a organizao familiar interfere com a diviso do
trabalho.
Nessa vertente, existe uma relao dialtica entre produo e reproduo. O
que nos leva a pensar na produo e reproduo como processos dialticos de
constituio do homem na sociedade. A articulao entre as relaes sociais de
produo e as relaes de produo est vinculada com a vida humana, nas suas
diferentes dimenses e aspectos. Com isso, afirma que cada cdigo no espao
caracteriza uma prtica espacial (social) e se cada codificao produz um espao
correspondente, a teoria dever expor sua gnese, sua interveno, seu
desperecimento. (LEFEBVRE, 2006, p. 21). Por isso, enfatiza a importncia de
analisarmos a prtica espacial de uma sociedade decifrando o espao, j que
existe uma relao direta entre a sociedade e a produo do seu espao.
Para o referido autor, quando uma realidade analisada sem levar em
considerao a sua dimenso espacial concreta, no ficando apenas na sua
aparncia fsica, como tambm sem estabelecer relaes com as mudanas
resultantes do movimento da histria, o conhecimento produzido se torna ideologia,
pois est deslocado da realidade.
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Lefebvre (2001) critica a filosofia e as cincias parcelares por fragmentarem o
conhecimento, j que com o passar do tempo excluram do seu plano de anlise a
arte, a msica, a vida cotidiana, contribuindo para separao entre a teoria e a
prtica. Essa fragmentao favoreceu para que se perdesse o sentido de
compreenso da realidade em seus mais diferentes aspectos. Alm disso, tal
fragmentao tornou-se tambm ideologia, pois passou a analisar a realidade a
partir das suas partes, sem estabelecer relao com a sua totalidade. Portanto,
Lefebvre (2001) vai afirmar que a teoria e prtica devem estar em constante
articulao na produo do conhecimento.
Para Lefebvre (2001, p. 49) o urbanismo se torna ideologia quando formula
todos os problemas da sociedade em questo de espao e transpe para termos
espaciais tudo que provm da histria, da conscincia. Assim, muitas das
justificativas e aes dos urbanistas vm legitimar o poder das classes dominantes,
em articulao com o Estado, que desenvolvem um discurso em que as solues
para os problemas urbanos dependem exclusivamente das intervenes e polticas
urbansticas, o que no corresponde aos reais motivos destes. A ideologia nasce
dessa desarticulao entre a teoria e a prtica.
Nesse contexto, sobre o contedo e a aparncia do espao, Lefebvre (2006)
desenvolve a ideia da Iluso da transparncia, ou seja, critica a anlise da forma
pela forma, o que no nos permite compreender o que est por trs da aparncia.
Por isso, critica os planejadores urbanos que constroem um discurso sobre a cidade
baseado no caos urbano, concentrando os seus argumentos apenas na forma
urbana, e que para isso precisa de intervenes. Ficam na materialidade pura e com
isso na iluso da transparncia do espao. Esse discurso esconde, mascara as
prticas sociais que produzem uma morfologia urbana.
O planejamento urbano, nesse sentido, no passa de uma ideologia para
atender o interesse do capital e para isso alia-se ao Estado, que concentra seus
investimentos em reas especificas da cidade, contribuindo para o processo de
valorizao e especulao imobiliria, a partir do aumento do valor do metro
quadrado, expulsando cada vez mais os pobres para reas distantes do centro e
precrias de servios pblicos e infraestrutura.
A relao forma-contedo est vinculada com os processos de apropriao e
produo do espao pelos indivduos e grupos sociais e suas interaes. A
sociedade urbana se organiza materializando suas aes em realidades
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socioespaciais que esto em constantes transformaes. E a anlise dessas
relaes nos permite pensar os sujeitos, os usos e conflitos que esto diretamente
relacionados com esse processo. Entretanto, importante salientar que o autor no
nega a forma, ele a supera, deslocando a anlise da forma pura para os contedos
que esto por trs dessa.
Assim, no queremos afirmar que o espao constitui-se em uma categoria
exclusiva da Geografia, pois sua anlise se estende para outras cincias. Nem to
pouco pretendemos com nossa pesquisa esgotar essa discusso. O caminho aqui
desenvolvido constitui em um esforo terico-metodolgico de entendimento de uma
realidade, que se encontra em movimento e apresenta diferentes elementos
constitutivos e por isso passvel de diferentes leituras e interpretaes.
Podemos constatar que existe um processo em evoluo, resultado da forma
e capacidade de alterar o espao a partir das relaes sociais de produo. O nosso
esforo consiste na produo de conhecimentos que nos permita enxergar os
elementos constitutivos dessa realidade. A produo da cidade nosso ponto de
partida, dentro da perspectiva de atuao dos seus agentes produtores. Essa
atuao histrica e contraditria e produz uma realidade urbana nesse contexto.
Para entendermos como acontece o processo de produo da cidade, a partir da
atuao dos seus agentes, discutiremos a seguir a relao entre estes e a produo
da cidade.
2.1 A CIDADE COMO REALIDADE HUMANA
A cidade tem se tornado objeto de estudos e reflexes em funo das
caractersticas do processo urbano atual que a produz. Analisar a cidade como
espao apropriado, no movimento constitutivo da sociedade urbana, obriga a pensar
na materializao dos processos sociais. Nessa vertente, a cidade pensada na
perspectiva da produo do seu espao, analisando-a como obra humana
(LEFEBVRE, 2001). Assim, considerar a cidade como uma construo humana,
como um produto histrico-social, entend-la como obra e produto da vida
humana, impedindo de pensar a cidade separada da sociedade e do momento
histrico em que vivemos (CARLOS, 2007). As leituras e compreenses aqui
expostas constituem-se em um esforo terico no sentido de entender o urbano,
dentro de uma perspectiva geogrfica, a partir de uma abordagem dialtica, em que
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os agentes e seus diferentes usos, provocam conflitos no processo de produo do
espao.
A cidade faz parte do processo de materializao da produo do urbano,
como resultado e produto das relaes sociais, em articulao com as mudanas no
modo de produo. Nessa perspectiva, temos a produo da cidade de acordo com
os interesses vigentes, apresentando na sua composio e morfologia continuidades
e descontinuidades, permitindo com isso pensar o urbano como processo
constitutivo da sociedade atual. Dentro dessas reflexes, a motivao para a
realizao dessa pesquisa, parte do esforo de entender como no presente a cidade
produzida/reproduzida. Para isso, elegemos uma realidade espacial como foco de
anlise, o Bairro Planalto, Natal/RN.
Dentro das abordagens sobre a cidade e o urbano, destacamos os estudos
que tem como objetivos entender as lgicas que permeiam a produo das cidades
na atualidade, dentro de uma perspectiva que a pense, enquanto obra humana,
espao de luta por parte daqueles que (re) produzem o espao a partir da lgica de
morar, trabalhar e lazer. (LEBEBVRE, 2001). Essa possibilidade de anlise no
nega a cidade como lcus do desenvolvimento do sistema capitalista, entretanto,
fornece elementos para pens-la dentro de uma abordagem humanista.
A cidade como Obra, para Lefebvre (2001, p. 52):
(...) a cidade obra a ser associada mais com a obra de arte do que com o simples produto material. Se h uma produo da cidade, e das relaes sociais na cidade, uma produo e reproduo de seres humanos por seres humanos, mais do que uma produo de objetos. A cidade tem uma histria; ela uma obra de uma histria, isto , de pessoas e de grupos bem determinados que realizam essa obra nas condies histricas.
A produo da cidade dentro de uma perspectiva histrica tem como
elemento central a produo e reproduo da vida que acontece a partir das
relaes entre os homens, indo alm da ideia de produo apenas relacionada ao
nvel econmico. Podemos perceber que o autor desenvolve seus argumentos a
partir do movimento da prpria histria em que a anlise das relaes sociais entre
os homens e os grupos, e no a anlise restrita apenas a criao de objetos,
constitui em elementos possveis para entendermos a cidade, como resultado da
dinmica da sociedade como um todo. Com isso, o debate sobre a cidade est
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vinculado com o desenvolvimento da prpria vida humana, em seus mais diferentes
aspectos e necessidades. Portanto, as anlises sobre a cidade devem ultrapassar
as suas estruturas territoriais e entender os processos que esto vinculados com as
mudanas de toda a sociedade, como por exemplo, as mudanas na forma de
produo e suas consequncias para a prtica da vida humana que acontece no
cotidiano.
Lefebvre (2001, p. 54) chama a ateno para a ideia de que indo alm da
aparncia do espao da cidade podemos ler os elementos responsveis pela sua
escrita. Nesse sentido, faz uma analogia entre a cidade e um livro, j que nesse so
escritas palavras, mas que existem formas e estruturas mentais e sociais que esto
por trs do ato de escrever. Assim tambm so as cidades, que escondem por
detrs das aparncias, lgicas, no qual vai denomin-las de ordem prxima e ordem
distante que se articulam e produzem uma realidade espacial.
Ainda, discorrendo sobre a Cidade, Lefebvre (2001, p. 54) menciona que ela
sempre teve relaes com a sociedade no seu conjunto, com sua composio e seu
funcionamento, com seus elementos, com sua histria (...) Portanto, a cidade
depende das relaes diretas entre as pessoas e os grupos que compem a
sociedade, mas tambm:
Ela se situa num meio termo, a meio caminho entre aquilo que chama de ordem prxima (relaes dos indivduos em grupos mais ou menos amplos, mais ou menos organizados e estruturados, relaes desses grupos entre eles) e a ordem distante, a ordem da sociedade, regida por grandes e poderosas instituies (Igreja, Estado), por um cdigo jurdico formalizado ou no, por uma cultura e por conjuntos significantes.
Assim, na configurao da cidade que identificamos diferentes nveis de
interaes e mediaes entre as ordens, prximas e distantes, materializando-se e
compondo realidades scio-espaciais concretas. Essas escalas de influncias na
produo da cidade nos permite visualizar e analisar o urbano, a partir do
entendimento de como lgicas, escalas e interesses diferentes entre os agentes que
compem a sociedade, relacionam-se e produzem uma realidade como resultado.
A cidade, dentro dessa abordagem, estaria vinculada como a ideia de
mediao. Ela estaria entre o plano do global, que seria o externo ao local, que pode
ser o nacional ou internacional e o plano do bairro, que seria o plano do lugar onde
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se desenvolvem as prticas cotidianas. Assim, existe uma articulao entre o que
acontece em uma dimenso e escala espacial macro e que produz/reproduz no
plano micro, no plano do lugar.
Carlos (2007) prope trs planos de anlise para a cidade, o econmico, o
poltico e o social. No plano econmico, a cidade vista, como produto da realizao
do capital; no plano poltico, a cidade resultado da atuao do Estado, atravs da
produo de um espao normatizado, ordenado; e no plano social, a cidade
produzida como prtica scio-espacial, ou seja, como elemento central para a
reproduo da vida humana. Para a autora, esses trs planos esto em articulao,
justapem-se e so contraditrios entre si, como tambm nos revelam dimenses
como o local e o global, atravs do processo de mundializao da sociedade, a partir
da constituio de uma sociedade urbana. Esses trs planos em articulao so
resultado da atuao dos interesses e das aes das diferentes classes sociais que
compe a sociedade capitalista. Quando temos a atuao dos agentes do mercado
imobilirio que selecionam reas da cidade para construrem seus
empreendimentos, as leis urbansticas, as polticas urbanas, com destaque para as
polticas habitacionais e a luta dos moradores pobres por uma moradia digna, temos
exemplos desses planos.
Harvey (1980, p. 174) afirma que a cidade apresenta heranas fixadas,
acumuladas, sendo construda a partir de um tipo de tecnologia e elaborada no
contexto de um dado modo de produo. Harvey (2004, p. 69) diz que a partir de
sua aparncia e sua organizao, que podemos pensar, avaliar e realizar uma
gama de possveis sensaes e prticas sociais. Para o autor existe relao entre a
forma urbana e as mudanas nos processos sociais e econmicos, no qual o modo
de produo constitui um elemento importante para se entender os fixos presentes
no espao.
Carlos (2007, p.21) argumenta que o enfoque da anlise que devemos dar a
esse processo, no o da localizao das atividades produtivas no espao, mas sim
a dos contedos da prtica scio-espacial, enquanto movimento de
produo/apropriao/reproduo do espao da cidade. O foco de anlise sai da
localizao das atividades no espao para a sua produo. Nesta perspectiva, o
cerne da anlise se concentra sobre a vida na cidade, a partir dos seus indivduos e
suas relaes, atravs dos usos e trocas entre classes, grupos, instituies, em
articulao com os planos econmico, poltico e social.
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A cidade passa a ser vista pelo uso que a sociedade d aos seus fragmentos,
que em seu conjunto formam uma totalidade, uma realidade urbana em constituio.
As mudanas que a morfologia urbana apresenta, segundo Carlos (2007),
resultado das intervenes do Estado, atravs de polticas urbanas, como tambm
das estratgias imobilirias, que determinam e se utilizam do espao,
transformando-o em mercadoria. O uso nesse sentido se torna restrito em funo do
valor de troca, ou seja, o valor em dinheiro que se pode pagar para consumir o
espao, e a casa, torna-se uma mercadoria com preo determinado pelo mercado.2
O conflito no uso do solo na cidade est vinculado, entre outros, com a
relao entre o valor de uso (a cidade e a vida urbana, o tempo urbano) e valor de
troca (os espaos comprados e vendidos, o consumo dos produtos, dos bens, dos
lugares e dos signos). (LEFEBVRE 2001, p. 35). O fator renda e a propriedade
privada constituem-se em elementos que nos permite pensar a disputa e o conflito
por um pedao de espao na cidade. Como valor de troca, o espao urbano visto
como mercadoria, com preos e condies determinados pelo mercado, que atua no
sentido de viabilizar o lucro, e consequentemente a reproduo do capital. Como
valor de uso, temos o habitar, o consumo dos bens coletivos, o lazer, sendo
construdo e consumido no plano do cotidiano, sendo o desenvolvimento da vida
humana a sua base.
Nestes termos, so postos elementos reflexivos sobre o fenmeno urbano
baseado na ideia de que o conflito no uso e ocupao do solo por parte dos grupos
que constitui a sociedade parte do conjunto da obra que a cidade. Nessa
perspectiva, o destaque dado o valor de uso. Esse fato contribui para a relao do
homem com a cidade, a partir de uma perspectiva de criao e nessa vertente a
cidade seria obra humana.
Com isso, estamos diante de um conflito, ou seja, os diferentes usos do
espao urbano pelos seus agentes produtores. No capitalismo, a casa torna-se uma
mercadoria, com lgicas desenvolvidas principalmente pelo mercado, que
ultrapassam a ideia do habitar como uma das necessidades bsicas do ser humano.
(Para muitos moradores/proprietrios a moradia tambm vista pelo valor de troca).
Assim, temos por parte dos empreendedores imobilirios a busca desenfreada pelo
lucro, que vende a cidade em fragmentos. Aliado a esse processo, temos o Estado,
2 Vale salientar que existe tambm a dimenso social que v e produz a moradia
com fins de uso.
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que articulado com o mercado, determinam a instalao de habitaes e o
crescimento urbano, atravs dos financiamentos e programas habitacionais ou
instalao de infraestruturas e disponibilidade de servios pblicos, contribuindo
para o processo de valorizao de determinadas reas, bairros da cidade.
Para Abramo (2007, p. 26), a produo das cidades modernas (Latino-
americanas) resultam do funcionamento de duas lgicas modernas (mercado e
Estado), mas tambm de uma terceira lgica, a da necessidade. Sobre a lgica da
necessidade, afirma:
Foi a lgica da necessidade que moveu, e continua a mover, um conjunto de aes individuais e coletivas que promoveram a produo das cidades populares com o seu habitual ciclo ocupao/autoconstruo/auto-urbanizao e, por fim, o processo de consolidao dos assentamentos populares informais (APIs).
Esse processo constitui-se como uma das formas de sobrevivncia que a
populao de baixo poder aquisitivo encontram para ocupar um pedao de solo na
cidade. O carter econmico da produo de moradias pelo mercado imobilirio
estabelece, muitas vezes, altos preos o que por sua vez no atende queles que
no apresentam renda suficiente para pagarem por uma moradia. A necessidade de
uma habitao, em suas mais diferentes formas, inerente ao Homem, enquanto
ser social, por isso, so estabelecidas diferentes estratgias para obt-la.
Abramo (2007) vai afirmar que o mercado atua na produo de materialidades
urbanas, seja por via das privatizaes de empresas pblicas, ou pela produo das
materialidades residenciais e comerciais da cidade. Assim, a cidade neoliberal tem
como mecanismo de coordenao das decises de uso do solo a predominncia do
mercado, ou, como preferimos dizer, do retorno da mo inoxidvel do mercado.
(ABRAMO, 2007, p.26). Nessa perspectiva, o mercado pode ser considerado um
agente ativo no processo de produo do urbano. Sua lgica de atuao tem como
base o lucro. Para isso, utiliza-se de diversas estratgias e muitas vezes, suas
aes so sustentadas pelas polticas pblicas.
Para Corra (2011) a produo do espao no resultado da mo invisvel
do mercado, nem de um Estado hegeliano, ou de um capital abstrato que emerge
de fora das relaes sociais. Para o autor, esse processo consequncia da ao
concreta dos agentes sociais, histricos, dotados de interesses, estratgias e
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prticas espaciais prprias, que apresentam contradies, geradores de conflitos
entre eles mesmos e com outros segmentos da sociedade.
Sobre a materializao do processo de ocupao do espao urbano pelas
diferentes classes sociais, Ribeiro (2005, p. 50) vai afirmar que ele acontece:
Pelo afastamento territorial (processo de periferizao das classes sociais), pela construo de enclaves territoriais (condomnios fechados), pela construo de barreiras simblicas resultantes de monopolizao da honra social das classes altas ou da institucionalizao da desonra social dos pobres e de seus territrios, nos quais so concentrados na forma de guetos urbanos.
As camadas de renda mdia e alta estabelecem enclaves territoriais
impedindo o contato direto com classes ditas inferiores. Os condomnios fechados,
os clubes, os shopping center so equipamentos em que o consumo e o acesso pela
populao de baixo poder aquisitivo se torna restrito, mediante o alto valor de troca.
O fator renda constitui-se em um dos elementos utilizados para explicar esse
processo, no qual aqueles que apresentam maior renda tem o poder de escolha
maior e por isso habitam as melhores reas. J parcela de menor poder aquisitivo,
restam as reas deterioradas em que o valor do metro quadrado est de acordo com
o seu poder aquisitivo, enquanto para aqueles que no tm essa condio, sobram
as favelas, cujos terrenos, em sua maioria no vigoram o direito de propriedade.
(RODRIGUES, 1988).
Assim, esse processo de ocupao da cidade pelos diferentes agentes
sociais, permite a insero de reas antes consideradas perifricas. Esse fato
possvel, entre outros, a partir do alto valor de grandes reas no ncleo central da
cidade e a abundncia dessas em reas distantes do centro, no qual, muitas
apresentam caractersticas rurais. Parte dessas reas foram, historicamente, sendo
ocupadas pela populao de baixo poder aquisitivo e que hoje, por meio da atuao
do mercado imobilirio, vem sendo ocupada por uma populao que apresenta faixa
de renda de mdia a alta, atravs, entre outros, dos enclaves territoriais. Para que
esse processo ocorra, partes de reas que antes eram consideradas rurais so
inseridas na dinmica e no permetro urbano, como resultado do processo urbano-
industrial, como tambm de interesses especficos, respaldado pelo
desenvolvimento de legislaes que viabilizam sua ocupao. Com isso, existe forte
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relao entre a expanso do tecido urbano e a mudana do uso de reas que antes
eram consideradas perifricas dentro da dinmica da cidade.
Explicando esse processo de expanso do tecido urbano, Lefebvre (2008, p.
15) discorre:
O tecido urbano prolifera, estende, corri os resduos de vida agrria. Estas palavras o tecido urbano, no designam, de maneira restrita, o domnio edificado nas cidades, mas o conjunto das manifestaes do predomnio da cidade sobre o campo. Nessa acepo, uma segunda residncia, uma rodovia, um supermercado em pleno campo, fazem parte do tecido urbano.
Lefebvre (2008, p. 15) vai afirmar que esse fato consequncia de processos
globais, ou seja, a industrializao/urbanizao, que favoreceram para que a cidade
explodisse, gerando com isso os subrbios: conjuntos residenciais ou complexos
industriais, pequenos aglomerados satlites pouco diferentes de burgos
urbanizados.
O processo de constituio de uma sociedade urbana acontece produzindo o
espao, atravs da reconfigurao de reas que at ento no apresentavam
caractersticas urbanas, sendo inseridas na lgica capitalista de produo. Assim, a
relao entre a sociedade e o espao nos permite pensar o processo de expanso
do tecido urbano como consequncia da prpria dinmica da sociedade, que ao
reproduzir-se, reproduz tambm o espao, e como consequncia temos diferentes
processos. Entre esses, temos a construo de novas centralidades urbanas, no
qual uma determinada rea da cidade passa a ter em funo da proximidade com
reas mais dinmicas, a partir da expanso do tecido urbano.
Esse movimento de expanso est vinculado com a atuao dos agentes
produtores do espao, em especial os agentes do mercado imobilirio, que
selecionam reas da cidade para investirem. Assim, a produo do urbano se torna
contraditria, contribuindo para que a partir da expanso do tecido urbano reas at
ento desprovidas de expressividade urbana, ganhem centralidade, permitindo a
reproduo do capital.
Carlos (2007, p. 21) argumenta:
Essa extenso do urbano produz novas formas, funes e estruturas sem que as antigas tenham, necessariamente, desaparecido, apontando uma contradio importante entre as persistncias o que resiste e se reafirma continuamente enquanto referencial da vida e o que aparece como novo, caminho inexorvel do processo de
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modernizao. Mas h tambm a degradao de formas e relaes sociais na cidade. Portanto, essa contradio revela um movimento tridico: preservao/degradao/ transformao, capaz de caracterizar o processo de reproduo da cidade hoje.
Assim a referente pesquisa procurou entender o que tem de novo e o que
consideramos como persistncia dentro do processo de produo do Bairro
Planalto, como material emprico para anlise. Nestes termos, a trade
preservao/degradao/transformao construda por Carlos (2007), constitui-se
em um caminho possvel de anlise de uma realidade. Portanto, pensamos as
transformaes no bairro a partir da relao entre permanncia/persistncia
presentes tanto na morfologia do bairro (formas), como no modo de vida (contedos)
de quem historicamente habita o bairro.
2.2 AGENTES PRODUTORES DO ESPAO: USOS E CONFLITOS
Corra (1989) refora a ideia de que o espao urbano capitalista um produto
social, resultado de aes que se acumulam atravs do tempo, e so engendradas
por agentes que produzem e consomem o espao. Tais agentes que reproduzem o
espao urbano, segundo o referido autor, so: os proprietrios dos meios de
produo, sobretudo os grandes industriais, os proprietrios fundirios, os
promotores imobilirios, o Estado e os grupos sociais excludos. Esses agentes
materializam os processos sociais na forma de um ambiente construdo, seja na
rede urbana, seja no espao intraurbano. Portanto, as aes empreendidas no
espao urbano por esses diferentes agentes so resultados dos interesses, ora
prprio de cada um, ora comuns.
Entres os diferentes agentes que produzem a cidade, temos os agentes do
mercado imobilirio, que aliado ao capital financeiro e o Estado vem contribuindo
para a atual dinmica das cidades brasileiras. importante ressaltarmos que no
estamos priorizando a anlise da realidade, vinculada a atuao apenas de um dos
seus agentes produtores, entretanto, ressaltamos que esses em articulao com o
Estado tem produzido uma realidade urbana que necessita ser estudada e com isso
entendida.
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Sobre a articulao entre o mercado imobilirio, capital financeiro e Estado, a
produo da cidade, Volochko (2011, p.192)3 trabalha com a seguinte hiptese: A
atual reproduo capitalista (imobiliria-financeira-estatista), envolvendo o espao,
produz a moradia homognea e a capitalizao/valorizao dos espaos
metropolitanos perifricos como condio e meio de sua prpria reproduo.
Essa hiptese est baseada nas anlises sobre as estratgias atuais do setor
imobilirio em So Paulo. Volochko (2011) afirma que para combater a raridade do
espao, o mercado imobilirio favorecendo-se dos investimentos feitos pelo Estado
em infraestrutura, como tambm dos subsdios dentro do Programa Habitacional
Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) produzem condomnios nas periferias
metropolitanas. Para ele, o fato dos condomnios localizarem-se nas periferias
metropolitanas, tem contribudo para: produo de uma nova morfologia urbana, a
partir da produo de novos espaos habitacionais, levando produo de uma
nova paisagem cotidiana, marcada por uma nova prtica socioespacial.
VOLOCHKO (2011, p. 195).
Portanto, o referido autor trabalha com o movimento do processo de
reproduo do espao da periferia de So Paulo, atravs de uma poltica de Estado,
que no meio de uma crise econmica, permite que o capital continue se
reproduzindo. Nesse sentido, identificamos a aliana entre o Estado e o mercado
imobilirio tornando o urbanismo uma das formas de diminuio da crise de
acumulao do capital. nessa vertente que temos a atuao do Estado, atravs
das polticas habitacionais que historicamente tem contribudo para o processo de
produo do espao das cidades brasileiras.
Para Costa e Mendona (2011) existe uma crescente complexidade, a partir
da articulao entre os capitais investidos no setor imobilirio e na construo civil, e
abertura de capitais das empresas nas bolsas de valores, o que demonstra a
imbricao entre capitais produtivos e financeiros. Assim, a reestruturao do
processo produtivo associado construo civil tem forte impacto na vida urbana, a
partir do direcionamento dos investimentos no espao urbano, contribuindo ainda
mais para valorizao imobiliria, negando a produo de uma cidade para todos.
3 A tese de Doutorado de Danilo Volochck (2011) intitulada: Novos Espao e cotidianos desigual nas
periferias da metrpole tem como ponto central o processo de reproduo das periferias de So Paulo a partir dos impactos que a construo dos empreendimentos do Programa Habitacional Minha Casa, Minha Vida exercem no cotidiano dos seus moradores. O uso da sua tese justifica-se, mesmo tendo So Paulo como foco de anlise, pelo fato de analisar um programa habitacional de desenvolvimento recente.
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Historicamente o Estado tem atuado no sentido de financiar a compra da casa
prpria. Nesse sentido, o Estado, atravs das polticas pblicas tornou-se provedor
de habitao no Brasil, em funo principalmente da deficincia que a populao de
baixa renda apresenta em ter acesso habitao via mercado, j que no apresenta
renda suficiente para isso. Assim, temos no Brasil uma articulao entre o mercado
imobilirio e o Estado como estratgia de fomentar a produo habitacional.
Sobre isso, Ribeiro e Azevedo (1996, p. 13) afirmam que:
O Estado foi, desde o ps-guerra, o pressuposto da criao do moderno setor construtivo habitacional. At 1964 de forma errante e no sistemtica, mas com a criao do Sistema Financeiro da Habitao, o Brasil se assemelha aos pases desenvolvidos. A dinmica construtiva passa a contar com um sistema de crdito regulado pelo Estado que solvabiliza amplamente a demanda.
Para isso, houve investimentos federais na construo de conjuntos
habitacionais nas principais cidades brasileiras, para atender principalmente a
populao de baixa renda. Para dar subsdios ao desenvolvimento das polticas
habitacionais, foi criado em 1964, o Banco Nacional de Habitao (BNH) e o Serfhau
(Servio Federal de Habitao e Urbanismo). Esses rgos tinham por objetivos:
coordenar a poltica habitacional dos rgos pblicos; orientar a iniciativa privada,
estimulando a construo de moradias populares; financiar a aquisio da casa
prpria, propiciando a melhoria do padro habitacional do ambiente; eliminar as
favelas; aumentar o investimento da indstria de construo civil e estimular a
poupana privada e o investimento (Rodrigues, 1988).
Maricato (1996) comenta que a poltica praticada pelo Sistema Financeiro de
Habitao (SFH) combinou o atendimento dos empresrios privados com interesses
na poltica clientelista desenvolvida pelo Estado, sendo essa, responsvel pela
estruturao de um mercado imobilirio de corte capitalista. Constituindo-se
tambm, em um mecanismo de concentrao de renda, uma vez que privilegiou a
produo de habitao subsidiada para a classe mdia em detrimento dos setores
de mais baixa renda.
Entretanto, as construes dessas unidades habitacionais favoreceram a
reproduo do espao urbano das principais capitais brasileiras. Com a expanso do
tecido urbano, em funo da implantao de grandes conjuntos habitacionais, houve
alteraes na morfologia e produo do espao, no qual em muitas capitais
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reproduziu-se o mesmo modelo urbano segregado e diferenciado, isto , a moderna
produo de espao residencial para as classes mdias no centro e,
consequentemente, a expulso das camadas populares para a periferia. (LAGO,
1996).
Com isso, historicamente, as polticas habitacionais foram desenvolvidas pelo
Estado, entretanto, o acesso e o direito a uma moradia digna e bem localizada para
a classe de menor poder aquisitivo persiste como uma dos principais desafios das
nossas cidades. Sobre esse fato, Maricato (1999, p.35) argumenta:
As anlises das polticas pblicas de habitao engendradas pelo Estado permitiram o desvendamento do seu carter de agente ativo do processo de segregao territorial, estruturao e consolidao do mercado imobilirio privado, aprofundamento da concentrao da renda e, portanto, da desigualdade social.
Essa atuao do Estado em articulao com o mercado imobilirio legitima
um poder dominante na forma como o urbano vem acontecendo, principalmente na
forma como as polticas habitacionais foram e so desenvolvidas no pas,
favorecendo para os processos de segregao socioespacial, concentrao de
renda e com isso acentuando a desigualdade social, no qual o direito a cidade
partir da construo de uma cidade mais justa, torna-se uma possibilidade de
superao desse quadro.
Nesse contexto, partindo para uma anlise especfica sobre a forma como o
Estado, enquanto Agente Ativo (MARICATO,1999), intervm na produo do
espao, verificamos na cidade do Natal e mais especificamente na produo do seu
espao, a atuao desse agente de forma concreta, a partir da poltica habitacional
desenvolvida pelo Banco Nacional de Habitao (BNH), na dcada de sessenta,
aliada a poltica de industrializao desenvolvida pela Superintendncia de
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).
Para Ferreira e Cmara (1996) os programas federais desenvolvidos na
cidade, como vrios programas de habitao popular, de servios pblicos e de
aes comunitrias caracterizaram-se por uma prtica clientelista. Contudo, dentro
da esfera desse novo modelo de desenvolvimento brasileiro, baseado na atividade
industrial e na habitao, que vamos ter em Natal e nos municpios circunvizinhos, a
acentuao do seu processo de expanso, conforme detalharemos a seguir.
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3 DINMICA URBANA DE NATAL E A EXPANSO DO SEU TECIDO URBANO
Na constituio do urbano na cidade de Natal, diferentes fatores e processos
tm contribudo para o desenvolvimento da sua dinmica. Entre esses processos,
destacam-se as polticas pblicas, principalmente as polticas habitacionais e
tursticas que historicamente vem caracterizando a forma como o urbano tem se
configurado e produzido a sua realidade espacial. Dessa forma, a sua produo est
baseada na atuao dos seus agentes produtores, que historicamente tem-se
articulado e determinado o rumo de expanso do seu tecido urbano. Essa
articulao acontece principalmente, entre o Estado e os agentes do mercado
imobilirio que vem selecionando reas da cidade para investirem.
Conforme discutido anteriormente, a abordagem desse processo parte da
perspectiva de que existe aliana entre os planos polticos e econmico na
elaborao de polticas pblicas o que orienta a ocupao do espao, a partir da
proviso de infraestrutura, distribuio de oramento, no qual a valorizao do solo
urbano favorece para que reas da cidade ganhem centralidade. (Carlos, 2013).
Assim, observamos na dinmica urbana de Natal as particularidades desse
processo, a partir do movimento de constituio do seu urbano.
Para Lefebvre (2001), a cidade est no plano da mediao entre as ordens
prximas e distantes. Portanto, pensamos a produo do espao de Natal dentro
desse contexto, onde processos de escala regional, nacional ou internacional tm
interferido na formao e consolidao da sua dinmica. importante salientar que
para o autor, a cidade como mediao resultado do prprio movimento da
sociedade, das relaes sociais realizando-se e obedecendo uma direo. Nessa
perspectiva, ela no est acabada, mas em processo.
A participao de Natal na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) contribuiu
para acentuar e consolidar sua nascente dinmica urbana. Em virtude desse fato,
faz-se necessrio o entendimento do contexto da sua urbanizao a partir do limite
histrico aps a Segunda Guerra, como fator dinamizador da expanso urbana, no
se abstendo esse trabalho, entrementes, de negar a histria da cidade anterior
citada Guerra.
Essa participao de Natal e de Parnamirim, municpio vizinho, na Segunda
Guerra concretizou-se a partir do fato de ambos sediarem dois importantes
equipamentos militares norte-americanos: uma base naval e uma base area,
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respectivamente, que ocasionaram profundas mudanas na organizao e produo
dos seus espaos. A materialidade desse processo gerou uma dinmica urbana
estabelecida e respalda por interesses polticos-militares, no qual lgicas externas
ao lugar passaram a influenciar o cotidiano dos seus moradores, e
consequentemente o rumo de crescimento e a dinmica econmica das referidas
cidades. A urbanizao gerada por esse processo ser denominada por Clementino
(1995) como uma urbanizao enlatada, ou seja, feita de fora e que foi aproveitada
pelos setores econmicos estaduais (algodo, cana-de-acar) que a partir da
dinmica diversificada com a guerra, contribuiu para acelerar a integrao dessa
economia local com a estabelecida no mercado nacional.
Em relao base area denominada pelos norte-americanos como
Parnamirim Field, Cascudo (1999, p. 422) menciona:
Os americanos construram do outro lado da base area brasileira, perto da lagoa, Parnamirim Field, o campo que mais ajudou a ganhar a guerra. [...] Foi a maior mobilizao tcnica obtida pelos Estados Unidos fora do seu territrio. Mesmo relativamente ao potencial americano, Parnamirim era imenso e digno de orgulho. Pista de dois mil metros facilitavam a descida imediata de 250 avies. Mil e quinhentos edifcios abrigavam 10 000 homens. Todos os servios modernos, todos os recursos da tcnica, possveis ao gnio e ao dinheiro, estavam abundantemente acumulados em Parnamirim.
O referido autor destaca a importncia que essa base area teve para a
vitria dos EUA na Guerra, j que essa foi construda para dar suporte ao
desenvolvimento das atividades militares. Com isso, tem-se a concretizao dos
interesses norte-americanos, respaldado por um discurso de aliana militar com o
Brasil, estabelecidos a partir dos usos dados aos lugares da cidade. Segundo Lopes
Junior (1999) essa base tinha como meta inicial ser auto-suficiente, ou seja,
receberia dos EUA tudo o que necessitava para o seu funcionamento. Entretanto, os
comandantes norte-americanos perceberam que se tornava invivel importar para
uma unidade fora do seu territrio todos os bens necessrios ao seu
desenvolvimento numa poca de guerra. Assim, os militares passaram a comprar
dos produtores localizados prximos a base, alimentos e produtos de primeira
necessidade, favorecendo para o aumento de unidades de produo agrcola nas
proximidades.
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Vale salientar que esse fato contribuiu para o desenvolvimento da agricultura
na rea polarizada por Natal, com a implantao de reas destinadas a produo de
hortifrutigranjeiros. Em relao a essa conjuntura, Lopes Junior (1999, p. 216)
enfatiza que:
[...] essa atividade econmica deixou marcar que at hoje pesam na espacializao social da regio de Natal. As granjas e pequenas propriedades rurais, atualmente nas mos de setores da classe mdia e da pequena burguesia natalense, so uma herana da redefinio espacial desse perodo.
Costa (2000) enfatiza que o papel que Natal desempenhou na Segunda
Guerra foi um fato histrico importante para a sua urbanizao, j que a cidade
passou a apresentar uma nova dinmica, a partir da instalao de uma srie de
equipamentos urbanos. Segundo o referido autor, foram construdas estradas,
avenidas, aeroportos, cais, armazns, hospitais, cassinos, hotis, entre outros, para
facilitar o desenvolvimento das atividades militares. Dessa forma, a cidade passou a
apresentar alteraes socioespaciais, que se materializaram em sua paisagem,
contribuindo para o seu desenvolvimento.
Ainda em relao a essas transformaes, tem-se a construo da estrada
Parnamirim Road, ligando Natal ao municpio de Parnamirim, constituindo-se como
uma obra importante, pois contribuiu para o redesenho da malha viria da cidade.
Segundo Vidal (1994) esta foi construda para atender os constantes deslocamentos
de transportes de cargas pesadas entre a base area e a base naval, perpetuando-
se como a principal ligao entre o aeroporto e os bairros mais centrais da cidade. A
partir da sua construo foram surgindo novas localizaes, direcionando parte do
crescimento do territrio, do eixo central da cidade em direo zona Sul.
A instalao da Base Area em Parnamirim e a instalao da Base Naval em
Natal, nesse contexto militar, tambm trouxeram impactos na reorganizao do
espao da cidade, a partir da formao de dois eixos:
A instalao da Base Area, a oeste, cerca de 20 km do porto de Natal e a instalao da Base Naval no Rio Potengi, ao norte, fazem surgir dois eixos virios de intenso movimento de trfego; a cidade acompanha essas duas tendncias em seu crescimento fsico-territorial: uma pela expanso da rodovia Natal-Parnamirim, construda pelos norte-americanos e a outra, pouca definida, de penetrao perpendicular a esta pista (Av. Alexandrino de Alencar) em direo a Base Naval no bairro do Alecrim. (CLEMENTINO, 1995. p. 229).
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Vidal (1994) destaca a sntese elaborada por Ferreira (1987) que associa
criao desses eixos virios a construo continuada de novas moradias,
consolidando o processo de ocupao de alguns bairros da cidade, notadamente
Rocas, Ribeira, Cidade Alta,Tirol, Petrpolis e Alecrim. Em todos eles, terrenos
baldios foram ocupados por novas edificaes.
Portanto, as intervenes militares materializaram-se a partir do
estabelecimento de uma srie de infraestruturas, redesenhando e reproduzindo o
seu espao. Nesse momento, a ocupao do espao da cidade obedeceu a esses
dois eixos virios (centro-sul), consolidando-se em reas de interesse do mercado
imobilirio, que aproveitou-se gratuitamente das infraestruturas criadas para
especular contribuindo para valorizao de reas beneficiadas e bem localizadas.
(CLEMENTINO, 1995).
Essas transformaes favoreceram, entre outros, para acentuar a ocupao
de reas no sentido Sul, produzindo um eixo de centralidade e expressividade,
principalmente de especulao e atuao imobiliria, constituindo-se at hoje uma
rea de valorizao e de moradia para a populao de renda mdia alta da cidade.
Clementino (1995) vai enfatizar que com a Segunda Guerra Mundial tivemos em
Natal, a intensificao do fluxo migratrio, favorecendo para que concentrasse,
dentro da dinmica urbana do Estado, a populao Civil e Militar. Aliado a esse
processo, segundo a citada autora, teremos o desencadeamento de um processo de
especulao imobiliria urbana.
Para Clementino (1995, p. 224), no ps Guerra tem-se no processo de
constituio do seu urbano, uma rpida transferncia e/ou mobilidade de capitais
locais, de origem agrria, para setores essencialmente urbanos: imobilirio,
construo civil e comrcio de mercadorias. Assim, existe o movimento de formao
de uma sociedade com caracterstica veemente urbana que passa a caracterizar a
morfologia e os hbitos da sua populao. Como resultado desse processo tem-se a
efetivao da ocupao de reas da cidade, principalmente atravs dos loteamentos
de grandes reas.
A relao entre capital comercial e a propriedade fundiria contribuiu para
acentuar a questo fundiria urbana, ou seja, Natal passa a apresentar um mercado
urbano de terras que se configura nos anos 1970 e com isso passa a ocorrer uma
tendncia da expanso fsico territorial da cidade. (CLEMENTINO, 1995). Essa
dinmica aconteceu mediante o loteamento de terras e a posterior construo de
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residncias nos bairros da cidade, principalmente naqueles que apresentavam uma
certa centralidade dentro do contexto urbano local, como tambm em reas ento
perifricas, e com isso, h a acentuao da expanso do permetro urbano.
Os terrenos loteados foram adquiridos nas dcadas de 40 e 50, no qual a sua
apropriao se deu por famlias, que usaram o capital originrio da agro-exportao
e do comrcio, favorecendo para a elevao do preo da terra e expulso gradativa
da populao de baixa renda para outras partes da cidade. A valorizao da terra
nas reas loteadas prximas dos eixos virios (avenidas Alexandrino de Alencar e
Hermes da Fonseca) restringiu a sua aquisio aos estratos mdios da sociedade.
A consolidao do processo de ocupao dos bairros centrais e os da zona
Sul, favoreceu para a valorizao dos terrenos e imveis nessas reas, a partir da
seleo da populao que passou a residir nestas. A lgica do mercado de terra,
desenvolvimento pelo mercado imobilirio, com seus altos valores, passou a
transformar a dinmica da cidade, atravs do carter seletivo de acesso a moradia,
de acordo com a renda, expulsando a populao de baixo poder aquisitivo para
reas distantes do centro, principalmente para os bairros localizados na zona Norte
e Oeste da cidade.
Aliado a esse processo, as polticas de industrializao desenvolvida pela
Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e as polticas
habitacionais desenvolvidas pelo Banco Nacional de Habitao (BNH) contriburam
para acentuar esse processo de expanso, seletividade e valorizao. Esses dois
viis de investimentos no espao da cidade passaram a caracterizar, influenciar e
acentuar o movimento de constituio do seu urbano. Vale salientar que essas
polticas de Estado esto tambm vinculadas ao momento histrico vivido pelo
Brasil, tendo o processo de industrializao e a proviso de habitao como motores
para o desenvolvimento das suas principais cidades-capitais.
A SUDENE, criada em 1959 no governo do Presidente Juscelino Kubitscheck,
dentro de uma perspectiva de desenvolvimento regional, teve como principal funo
eliminar as disparidades regionais e integrar o Nordeste no processo de
desenvolvimento regional, representando a ao do estado em desenvolver polticas
direcionadas a favor da industrializao. J a poltica habitacional, executada pelo
BNH teve como objetivo investir em habitao, saneamento bsico e infraestrutura
urbana para atender o desenvolvimento das polticas industriais, provocando uma
srie de mudanas nas cidades brasileiras. (RIBEIRO; AZEVEDO, 1996).
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Dentro desse modelo de desenvolvimento urbano brasileiro, concentrado na
atividade industrial e na habitao, que ir ocorrer em Natal, a instalao de
indstrias e a construo de Conjuntos habitacionais. Com isso, foi instalado na
segunda metade da dcada de 1970 o Parque Txtil Integrado e o Distrito Industrial
de Natal. Este, por sua vez, foi instalado na zona Norte da cidade, o que favoreceu
para a expanso do tecido urbano para esse eixo da cidade, aliado construo dos
conjuntos habitacionais, passando a caracterizar a forma como foi sendo produzida
essa parte da cidade.
Em relao a produo e consequente expanso do espao da zona Norte,
dois fatores contriburam de forma para esse processo: a implantao do Distrito
industrial que passou a ofertar empregos nas indstrias e a poltica habitacional
oferecendo acesso moradia para os migrantes que vieram do interior do Estado
para trabalhar nas indstrias. Para atender esse grande contingente populacional, o
Estado, atravs de programas habitacionais, viabilizou a construo de conjuntos
habitacionais, oferecendo com isso habitao para essa populao. Esse processo
contribuiu para dinamizar essa parte da cidade, j que sugiram demandas de
consumo de bens e servios que no eram oferecidos na rea, atraindo, com isso
um grande nmero de empreendimentos comerciais e de prestao de servios.
(Costa, 2000).
A relao industrializao-urbanizao vai caracterizar o incio do processo de
construo do espao da Zona Norte, o que Arajo (2004) denomina como o incio
de uma nova dinmica socioespacial da Zona Norte. Assim, o fato do distrito
industrial ser instalado no entorno dos municpios circunvizinhos a Natal: So
Gonalo do Amarante e de Extremoz contribuiu para que o crescimento horizontal
de Natal espraia-se para o territrio desses. A zona Norte se expandiu de forma
horizontal agregando-se com a zona rural dos referidos municpios, formando uma
mancha urbana contnua gerando uma dinmica e uma expressividade para essa
parte da cidade. O que tambm contribuiu para o processo de valorizao de reas
dotadas de infraestrutura e servios.
Sobre s polticas habitacionais desenvolvidas na cidade, pode-se tecer uma
comparao entre os conjuntos habitacionais instalados na zona Norte e os
instalados na zona Sul, pois para Arajo (2004) coube primeira atender um
mercado popular, j que a populao a instalada apresentava uma faixa de renda
mensal variando entre 1 a 5 salrios mnimos. Enquanto que na zona Sul foi
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implantado um mercado econmico para uma populao cuja faixa de renda
variava entre 6 e 12 salrios mnimos mensais.
Costa (2000, p. 122) enfatiza:
[...] a poltica habitacional resultou numa expanso urbana segregadora, pois a zona norte da cidade se caracteriza no s por ser uma rea destituda de diversos servios de infraestrutura, como tambm por possuir um solo urbano que no apresenta uma boa valorizao imobiliria em relao a outras reas. A zona sul, por sua vez, constituda de reas privilegiadas, apresenta, em alguns setores, um servio de infraestrutura mais aperfeioado que, associada boa localizao, os imveis a situados passam a ter uma valorizao de mercado.
A forma como essa poltica habitacional foi desenvolvida, ocasionou uma
expanso urbana segregadora, privilegiando reas especificas da cidade, em
detrimento de outras. As construes para a populao de baixa renda se
concentraram na zona Norte da cidade, enquanto que as construes para a
populao de maior poder aquisitivo se localizaram na zona Sul da cidade. Contudo,
esses programas habitacionais determinaram a expanso do tecido urbano,
favorecendo a ocupao de diversas partes da cidade, contribuindo para o seu
crescimento urbano.
Essa produo habitacional em larga escala, no foi acompanhada
diretamente pelo desenvolvimento de polticas pblicas ligadas proviso de
infraestrutura adequada. A distribuio espacial desses conjuntos e sua influncia no
mercado de terras na cidade, em particular, favoreceram o surgimento de grandes
espaos vazios, apropriados pelo capital privado, e destinados especulao
imobiliria.
Sobre a construo dos conjuntos habitacionais, Vidal (1994, p. 62) ressalta a
colaborao de Aljacyra Petit (1990):
A construo de conjuntos habitacionais em Natal envolveu trs agentes distintos: FUNDHAP, COHAB E INOCOOP. A atuao da FUNDHAP estendeu-se de 1963 at 1971. A partir de ento, a produo de moradias em conjuntos habitacionais ficou sob a responsabilidade da COHAB-RN e do INOCOOP, controlados pelo governo estadual e com trabalhos coord