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2
AGRADECIMENTOS
Para a realização desta tese contribuíram várias pessoas, a quem manifesto meu
apreço.
Por isso, agradeço ao Prof. Dr. Carlos Viana Ferreira pela conversa que tivemos
sobre termos ingleses no século XVIII e ao Prof. Dr. António Caeiro pelo
esclarecimento que me deu sobre o significado de expressões do Grego Antigo.
Não posso também deixar de referir a minha gratidão para com os meus colegas
de seminário, o Dr. João Paulo Maia, pelo material bibliográfico que me cedeu, e o
Dr. Rui Duarte, pela clarificação dada acerca do significado de termos ingleses do
século XVIII e por sugestões bibliográficas.
Por fim, manifesto o meu especial agradecimento ao Prof. Dr. Carlos João
Correia, o meu orientador, pela disponibilidade com que acompanhou este
trabalho e pelas sugestões sempre pertinentes que me forneceu.
3
RESUMO
A tese tenciona mostrar que um Homem moralmente perfeito deve ainda sentir
emoções morais negativas sobre ele próprio, tais como culpa, vergonha ou
humildade. Comparamos, para esse efeito, os sentimentos do Homem ideal de
Aristóteles com os do Homem ideal de Hume, a partir do dilema moral do
protagonista do romance O Leitor de Bernhard Schlink.
ABSTRACT
This work intends to show that a moral perfect person should still feel negative
moral emotions about himself, such as guilt, shame or humility. With that
purpose, we compare the feelings of the ideal person for Aristotle to the feelings
of the ideal person for Hume, based on the moral dilemma faced by the main
character of the Schlink’s novel The Reader.
4
ABREVIATURAS
Ética a Nicómaco - EN
Tratado de Natureza Humana – TN
Dissertação das Paixões - DP
Inquérito sobre os princípios da Moral - EPM
5
ÍNDICE GERAL
Agradecimentos..................................................................................................................2
Resumo..................................................................................................................................3
Abreviaturas........................................................................................................................4
Índice......................................................................................................................................5
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................6
1. O PROBLEMA
1.1 O conflito emocional na continência e na excelência. Presença e
ausência..........................................................................................................................13
1.2 A humildade do virtuoso.....................................................................................19
1.3 O Leitor, uma reflexão sobre a segunda geração alemã: como conseguir
ser virtuoso?..................................................................................................................25
2. O DILEMA
2.1 O dilema de Michael Berg. Benevolência ou Cólera?......................................32
2.2 Ambivalência emocional. Moralidade?.............................................................38
3. A SOLUÇÃO
3.1 Humildade versus vergonha...............................................................................44
3.2 O Leitor como um embrião de emoções/sentimentos: culpa, vergonha e
humildade.......................................................................................................................49
CONCLUSÃO.......................................................................................................................54
Apêndice I...........................................................................................................................57
Bibliografia........................................................................................................................60
6
O coração tem as suas mil razões que a razão desconhece.
Sabemo-lo em mil coisas. Digo que o coração ama o ser universal
naturalmente e a si mesmo naturalmente, consoante aquele a que se entrega.
E endurece-se contra um ou contra outro, à sua escolha. Vós haveis rejeitado um
e conservado o outro. É pela luz da razão que vós vos amais?
[PASCAL, Blaise, Pensamentos, Lisboa, Publicações Europa-América, 1998]
7
INTRODUÇÃO
O tema da relação entre razão e emoções e o seu papel na moralidade tem sido
alvo de um amplo debate ao longo da história da filosofia, remontando à
Antiguidade Clássica. Nas últimas décadas, as pesquisas conduzidas no campo
das neurociências reavivaram o interesse por essa questão. Trabalhos de
investigadores como Damásio e Goleman salientaram a imprescindibilidade da
função das emoções nos nossos juízos morais. De acordo com o exposto por
Ronald de Sousa no seu artigo Moral Emotions, destacamos fundamentalmente
três posições, ou melhor dizendo, três modelos respeitantes ao papel das
emoções na ética. O primeiro, habitualmente conotado com os estóicos, nega a
importância das emoções na vida ética. Esta visão influenciou Kant e, por via
deste, a filosofia moderna. Perante um determinado estímulo, a razão produz um
juízo moral e à emoção está reservada a obrigação de o respeitar ou não. O
segundo, identificado com a tradição sentimentalista e pensadores como Hume,
Hutcheson e Smith, defende que as emoções, e particularmente as emoções
morais, são conducentes à formação de juízos morais, estando a razão ocupada
com os meios necessários para satisfazer os fins por eles ditados. Por fim, o
terceiro e último, remete a Aristóteles e afirma a importância tanto da razão
como da emoção na produção de um juízo ético. A educação moral envolve
aprender a sentir a emoção certa, no grau correcto e na altura certa. Ou seja, para
que um dado comportamento ou acção seja ético não basta pensar
correctamente. É requerido também que as emoções concordem com a resposta
racional.
Procura-se, entre outras interrogações, no debate contemporâneo da filosofia
das emoções, responder à pergunta se um homem moralmente excelente,
quando ajuíza a sua própria conduta, tendo agido e pensado bem, deve ainda
sentir emoções como a culpa e a vergonha. Éticos da virtude têm-se preocupado
em como agir ou ser virtuoso, apontando, nesse sentido, não para obrigações,
deveres ou razões, mas para o carácter do agente moral.
8
O problema que me proponho a tratar, nesta tese, é o de averiguar se um
Homem, nas circunstâncias atrás descritas, se torna menos virtuoso pelo facto
de, ao contemplar a sua própria acção, se sentir insatisfeito consigo próprio.
Compararemos ao longo de toda a dissertação dois tipos ideais de Homem. O
Homem “Excelente”, um protótipo de sujeito perfeito dada a tipificação de
Aristóteles e o Homem “Benevolente”1, correspondente ao tipo ideal para Hume.
Os textos utilizados dos dois autores são, no primeiro caso, a Ética a Nicómaco, e,
no segundo, o Tratado da Natureza Humana e os Tratados Filosóficos II, que
compreendem O Inquérito sobre os Princípios da Moral e a Dissertação das
Paixões.
A nossa hipótese, a de que o Homem “Excelente” deve sentir culpa e vergonha,
será testada a partir do dilema de Michael Berg, protagonista do romance O
Leitor, de Bernhard Schlink. Esta é a história de um rapaz que se apaixona por
uma mulher mais velha e a revê, mais tarde, como criminosa num julgamento de
ex-guardas de campos de concentração nazis. Acha-se também na posse de um
segredo que, se posto a lume, lhe poderá reduzir a sentença esperada. Não
revelando o mistério, fê-lo por amor ou por ódio? O nosso objectivo será
defender, de início, que o conflito emocional que se mantém até ao final da obra,
nomeadamente a ambivalência emocional amor-ódio que Michael sente, é
legítima e constitui a moralidade deste drama; de seguida, que qualquer que
fosse a decisão de Michael face ao conflito sentiria sempre emoções de culpa e de
vergonha. Contaremos a história à medida que formos desenvolvendo a
dissertação, mas caso o leitor prefira lê-la, no princípio, na totalidade, basta
recorrer ao Apêndice I.
A tese consta, tal como o romance de Schlink, de três partes, Na primeira secção,
apresentamos “O Problema” do estudo. Aristóteles escalona um conjunto de
estádios de carácter, referentes às disposições morais do Homem, em que os
tipos “Continente” e “Excelente” estão nas posições de topo. O que os
diferenciaria seria o facto de o indivíduo “Continente”, ao contr|rio do
“Excelente”, apesar de pensar e agir bem, possuir ainda desejos e emoções 1 Hume não chama o Homem virtuoso ou o Homem que é benevolente de Homem “Benevolente”.
Cunhámos esta expressão, na ausência de nomenclatura fornecida pelo filósofo moderno.
9
contrárias à razão. O Homem “Excelente” nunca atravessaria um conflito
emocional, não experimentando emoções como a vergonha ou a ambivalência
emocional. As suas emoções estariam em perfeito acordo com a sua razão. Ao
invés do estagirita, David Hume não refere a impossibilidade do virtuoso sofrer
uma insatisfação consigo próprio ou experimentar uma divisão interna. Um
Homem “Benevolente” pode sentir a paixão indirecta da humildade e paixões
contrárias relativas ao mesmo objecto. Partindo do romance de Schlink, O Leitor,
como hipótese de estudo, iremos avaliar se o Homem “Excelente” de Aristóteles
é moralmente superior ao Homem “Continente”, em virtude de não sentir
vergonha nem conflito interno. Por outras palavras, se um Homem virtuoso não
deve continuar a sentir humildade.
Na segunda secção, expomos “O Dilema”. Michael encontra-se numa situação
emocionalmente ambivalente. Por um lado, continua a amar Hanna, por outro,
juntou a este sentimento um novo, o de aversão aos crimes cometidos pela
amada. Michael tem, nas palavras de Hume, paixões contrárias relativas a um
mesmo objecto. Segundo a estratificação de estádios morais concebida por
Aristóteles, Michael, por sofrer ambivalência emocional, nunca poderia ser
considerado excelente moralmente. Michael termina por não revelar o segredo.
Quer o tenha feito por cólera ou por benevolência, é impossível subtrair o
contexto emocional em que decorre o dilema.
Na terceira parte, “A Solução”, compara-se o conceito de humildade em David
Hume e o de vergonha em Aristóteles, tentando mostrar que os dois termos,
embora oriundos de tradições diferentes, não são em si tão antagónicos. Neste
âmbito, sugerimos que não é contraditório com a noção de excelência sentir
vergonha, culpa ou humildade. O protagonista do romance toma a sua decisão
num contexto histórico e individual muito específico, circunstância essa que faria
da ausência da ambivalência emocional um fenómeno estranho. É possível
descobrir em Michael diversos níveis de culpa e de vergonha.
Certos autores fazem a distinção entre os termos emoção e sentimento.
Damásio, por exemplo, chama emoção à combinação de um processo mental
avaliatório com as suas respostas, reflectidas em acções corporais externas e/ou
10
internas, e sentimento à percepção e experiência dessas mudanças. Em
Aristóteles, não é relevante a diferenciação entre a noção de emoção e
sentimento, querendo ambas significar uma alteração de estado. Hume, porém,
discerne emoção, sentimento e paixão, como conceitos diferentes, aproveitando
esse detalhe para construir uma árvore genealógica afectiva. Neste estudo,
usaremos os termos emoção e sentimento como noções permutáveis, fazendo
apenas distinção quando nos reportarmos à filosofia de David Hume.
Outro aspecto a considerar, é a classificação de emoções segundo grupos ou
famílias, que é polémica. Enquanto alguns especialistas optam por não fazer essa
reunião, outros escolhem fazê-la e perdem-se nas categorizações mais diversas.
Como referiram Gabriele Taylor e Amélie Rorty não existe um princípio único
para observar a miríade de ordenações que é possível adoptar. Hume organiza
explicitamente uma constelação de emoções, enquanto em Aristóteles podemos
apenas descobrir grupos implicitamente. As emoções que são objecto de reflexão
neste trabalho pertence à classe que Hume chamou de paixões indirectas, sejam
o ódio, o amor, o orgulho e a humildade, e que também chama de sentimentos
morais. Todavia, embora falemos de amor, ódio, cólera e benevolência,
debruçamo-nos sobretudo em torno das “emoções morais negativas” acerca do
próprio, isto é, a culpa, a vergonha e a humildade.2
Por fim, é útil fazer um reparo sobre a terminologia a adoptar. Assim, notamos
que vergonha admite os étimos gregos, aîdos e aischunê, sendo na Ética a
Nicómaco, o termo maioritariamente empregue o primeiro. Falaremos sempre de
vergonha. Outros termos que poderiam suscitar alguma angústia são akrasia,
que vertemos para o termo continente, do mesmo modo, que escolhemos
traduzir o seu oposto, enkrateia, por incontinente. Apoiamo-nos para esta
escolha na edição crítica J.Tricot. Bernhard Schlink utiliza as expressões Schuld e
Scham para se referir, respectivamente, às palavras culpa e vergonha.
2 Gabriele Taylor, na sua obra Pride, Shame and Guilt, faz referência, citando Amélie Rorty, à
dificuldade de encontrar um sistema que permita rotular as emoções. Conclui que a catalogação
depende do classificador e dos seus interesses e propósitos. Nomeia as emoções que pretende
discutir de “emotions of self-assessment”. Seguindo o parecer de Taylor, arranj|mos um nome
para especificarmos as emoções que pretendemos tratar, “emoções morais negativas”.
11
Conquanto o tema desta dissertação seja metaético, não é nosso propósito fazer
uma epistemologia moral. Um ser humano é tanto contemplador da emoção de
outrem como espectador da sua própria acção. Desejamos inspeccionar o que se
passa dentro de cada indivíduo quando aprova ou desaprova a sua própria acção.
Se num estado perfeito, deve ainda sentir “emoções morais negativas” acerca de
si próprio.
12
PARTE I
O PROBLEMA
13
1.1 CONTINÊNCIA E EXCELÊNCIA NO CONFLITO
EMOCIONAL. PRESENÇA E AUSÊNCIA
Ruth Benedict3 faz a demarcação, apropriada posteriormente por Dodds, entre
aquilo que chama culturas de culpa e culturas de vergonha. Com esta
diferenciação não pretende admitir que existam sociedades em que um
determinado tipo de sentimento se tenha extinto em lugar de outro. Por
exemplo, que nas culturas de culpa, a vergonha tenha desaparecido, ou que nas
culturas de vergonha, a culpa seja inexistente. Mas que encontramos sociedades
regidas e condicionadas por certas emoções. Nas culturas de vergonha, é
presente o medo ou a fantasia de estar diante um auditório que nos diminua ou
ridicularize. A boa acção deve satisfazer um conjunto de regras de
comportamento, previamente estatuídas e observadas externamente, que
impeçam o Homem de se sentir envergonhado. Como Dodds referiu4, a cultura de
vergonha é característica da das sociedades da Grécia Antiga, onde Aristóteles
viveu e escreveu a sua filosofia.
Jaeger5 menciona que, na Grécia Antiga, o conceito de virtude estava ligado ao
de honra, entendendo-se a noção de honra pelo reconhecimento externo dado a
um Homem pelos seus feitos. O heroísmo, neste caso o herói homérico,
destacava-se pela fama, pela imagem que deixava gravada na mente dos
congéneres. O receio a ser desonrado, quer por um tribunal da consciência
humana, quer divino, ultrapassava o medo da própria morte. Aristóteles não
ficará indiferente a este enquadramento e, embora diga que um Homem
“Excelente” est| apto a prescindir das honrarias, não deixa de referir que estas
são condição para uma vida feliz.6
3 Cf. The Chrysanthemum and the Sword, pps.222-6 4 Cf. Os gregos e o irracional, pps.36-74 5 Cf. Pádeia, pps.23-37 6 Cf. EN, 1095b
14
O estagirita afirma que a actividade humana visa, em última instância, o bem
humano, dando-se essa prática no seio de uma comunidade, lugar onde
decorrem os relacionamentos dos homens entre si. A prática do bem encontra-se
dependente do carácter do agente que a pratica, ou seja, para que uma acção
possa ser classificada como virtuosa não basta avaliar a qualidade do acto em si,
mas é necessário que provenha de uma disposição moral virtuosa. Uma
disposição moral virtuosa desenvolve-se mediante uma boa educação que
permite aperfeiçoar no homem as faculdades com que a natureza o dotou e o
induz no hábito de acções conforme a virtude. Aristóteles recomenda o estímulo
de emoções como a emulação e a vergonha a fim de incentivar a aprendizagem
moral. O que faz um carácter virtuoso ou excelente é o hábito, ou seja, o costume
de efectuar, de forma continuada, acções de acordo com a virtude, e acções
voluntárias, pois a excelência ou virtude só se pode dizer de actos e emoções
voluntárias.
O propósito moral define uma acção conforme a virtude e no propósito moral
concorrem tanto elementos racionais como emocionais. Estes correspondem,
respectivamente, à escolha e ao desejo. A felicidade, objectivo derradeiro da
acção humana, requer a prática habitual de acções virtuosas. Para a atingirmos,
necessitamos não só da recta razão que nos possibilita a descoberta dos meios
necessários a esse fim, mas também da concordância dos nossos desejos e
sentimentos às deliberações da razão. Na verdade, a alma humana é compósita,
definida por um elemento racional e outro irracional. O lado irracional compõe-
se de uma parte vegetativa e de uma parte apetitiva/desejante (emoções). Esta
última pode ser submetida à razão e obedecer aos seus ditames.
A forma como cada indivíduo se organiza, ou a sua disposição moral, depende
da maneira como lida com as suas emoções, ou mais precisamente do exercício
da relação entre desejo (emoção) e intelecto(razão), tendo em vista os seus
objectivos, que são os desejos e os prazeres do corpo. Tendo em mente este
factor, Aristóteles escalona um conjunto de seis tipos de carácter, referentes às
disposições morais do homem. Três espécies, bestialidade, incontinência e a
deficiência moral, devem ser evitadas, sendo os seus contrários, a excelência
moral sobre-humana, a continência e a excelência moral. À medida que subimos
15
na hierarquia, vamos encontrando protótipos de sujeitos com uma preparação
melhor para dar resposta às questões e dilemas morais com que se deparam. A
excelência moral sobre-humana, bem como a bestialidade, seria um tipo raro,
correspondente à divindade. Deste modo, os lugares cimeiros são ocupados pela
continência e pela excelência moral.
Aristóteles concebe a sua tipologia de estados de carácter, pensando na forma
como o Homem se auto-regula em função dos desejos que possui, como evita os
sofrimentos e persegue os prazeres. Seriamos levados erroneamente a supor que
o filósofo antigo apenas analisa as diversas disposições da alma relativas à
virtude da temperança, se esquecêssemos que Aristóteles demonstrou que quem
tem uma virtude tem todas, pois é detentor de sabedoria prática, e a sabedoria
prática não é a mesma coisa que conhecimento e opinião verdadeira. A sabedoria
prática implica um correcto manejo emocional7.
A bestialidade presenteia-se numa situação de barbárie. É um caso raro, em que
a pessoa se assemelha a um criminoso ou a um demente, podendo ser causado
por doenças ou retardamento. Na deficiência moral, o Homem não preserva a
razão e, assim, não sabendo que os seus desejos são maus, segue-os em
conformidade com uma escolha. Procura excessos, buscando deliberadamente o
prazer e não se arrepende. Ao invés, na incontinência o Homem conserva a
razão, sabendo que agiu mal8. Actua contra a sua escolha, segue os seus desejos e
arrepende-se. Na continência, o indivíduo sabe que os seus desejos são maus e
recusa-se a obedecer-lhes. Graças à razão, permanece firme em relação à opinião
verdadeira9. A maioria das pessoas localizam-se entre a incontinência e a
continência. Na excelência moral, o Homem opina correctamente acerca das
7 Cf. EN, 1144a-45a
8 O incontinente tem conhecimento do universal, mas não do particular; ou então, tem
conhecimento e não o usa. A incontinência tem duas sub-espécies: a impetuosidade e a
indolência.
9 A incontinência e a continência relacionam-se com os prazeres e têm contrapartes ligadas ao
sofrimento. A lassidão é o contraponto da incontinência e a resistência é o contraponto da
continência.
16
várias temáticas da moral, escolhendo o meio-termo. Não tendo maus desejos,
nem prazeres opostos à razão, ainda não é o tipo moral raro, aparentado com a
santidade, a excelência moral sobre-humana.
A excelência moral e a continência têm em comum o facto de ambas possuírem
uma opinião verdadeira em relação aos assuntos do mundo moral e de actuarem
de acordo com esse juízo. Aquilo que as diferencia é uma questão de
posicionamento emocional. No caso da continência, a razão e a emoção
encontram-se em oposição. O Homem tem maus desejos e, sabendo que os tem,
recusa-se a segui-los graças à razão, que exerce um papel de autodomínio sobre
eles. Ao contrário, o que é característico da excelência é não ter maus desejos
nem prazeres contrários à razão. Razão e emoção encontram-se em perfeita
sintonia, não precisando o Homem de exercer nenhum autocontrolo emocional.
A excelência moral é uma “disposição para escolher o meio-termo”, consistindo
em experimentar “uma emoção na altura devida, em relação aos objectos ou
pessoas certas, pela razão certa, e da maneira certa; por outras palavras em
conformidade com o justo meio” (1106a-b).
Embora Aristóteles, quando fala sobre emoções, não proceda a uma
categorização destas, é possível ao lermos os seus escritos, agrupá-las em
pequenos grupos ou classes. Desta maneira, teríamos um grupo de emoções que
seria mau sentir, em qualquer grau ou circunstância que fosse, como a inveja ou
despeito. Outro, que comportaria sentimentos que admitiriam o meio-termo,
como a cólera, cujo excesso é irascibilidade, a falta a apatia e a situação
intermédia a amabilidade. Por fim, uma classe de emoções que seriam apenas
boas condicionalmente, nomeadamente em determinados patamares de
desenvolvimento moral, como a vergonha10.
10 Fortenbaugh diz, a propósito das emoções apontadas por Aristóteles, que estas podem ser
divididas em práticas [pratical] e não práticas [non-pratical]. As emoções práticas e não práticas
não se relacionam da mesma forma com a virtude. Exemplos de emoções não práticas são a
vergonha e a indignação. Estas, em oposição às emoções práticas, como a cólera, não se
relacionam com a acção nem têm nenhum fim (prático).
17
Deste modo, a excelência moral faz apelo ao lado intelectual e emocional do
Homem, como já foi dito. A nossa faculdade deliberativa, que indica os fins das
acções, e o nosso discernimento, que assegura a adopção de meios próprios para
atingir esses fins, não são suficientes. É necessário que os nossos sentimentos se
conformem ao justo meio encontrado pela razão, perante as circunstâncias de
cada caso particular. Por exemplo, face a uma situação de perigo, uma razão bem
treinada deverá discriminar o que deve ser receado, quando e como. Resta à
emoção acomodar-se às prescrições da razão, proporcionando ao Homem um
sentimento adequado à sua avaliação intelectiva. Aquilo que faz um Homem
corajoso não é apenas ter conhecimento do risco, mas sentir o medo/confiança
apropriado a esse risco. É esta a diferença afectiva que distingue o “Excelente” do
“Continente”.
A continência é uma disposição híbrida de disposição da alma. Não é uma
espécie a ser evitada, sendo, inclusivamente, boa e louvável. Partilha com a
virtude ou excelência o facto de nada fazerem contrariamente à razão por causa
dos prazeres do corpo, atendo-se aos seus cálculos. Mas enquanto o virtuoso é de
tal forma constituído que está não apenas livre de maus desejos mas da sua
possibilidade, o “Continente”, embora possua, conjuntamente com ele, a regra
que julga correctamente tais matérias, está equipado para ter ainda maus
desejos, mas não ser conduzido por eles, dominando-os.
Pelo exposto, o car|cter “Continente” corresponde a um modelo de indivíduo
que está sujeito a um conflito interno e não só a uma luta entre razão e emoções,
mas a um intrínseco debate emocional. O Homem “Continente” digladia-se entre
bons e maus desejos, dos quais os bons saem vencedores. Seria admissível, neste
quadro, que o Homem “Continente” experimente ambivalência emocional,
nomeadamente o sentimento concomitante de amor e de ódio. Como é também
aceitável que sinta vergonha, adveniente da censura interna pelos maus desejos.
O Homem “Excelente”, contrariamente, nunca atravessaria um conflito
emocional interno. Uma vez que sente a emoção certa, na altura própria e pelo
motivo correcto, não é passível de ambivalência emocional. E está de tal forma
evoluído e moldado pelo hábito de praticar boas acções que já não precisa de
18
esforçar-se para resistir a maus instintos e logo não está sujeito à emoção de
vergonha.
Por oposição às culturas de vergonha, nas culturas de culpa não existe o temor
de um auditório, embora possamos sentir-nos envergonhados quando
confessamos as nossas culpas. Uma sociedade assente no modelo de uma cultura
de culpa repousa no desenvolvimento da consciência do Homem, que se
confronta com as sanções internas da sua consciência. Enquanto no primeiro
caso, o fito é o aperfeiçoamento moral pela conquista da fama, a fim de granjear a
admiração dos deuses e dos seus semelhantes; no segundo, o objectivo é
superar-se, atingindo a santificação, não se exigindo para tal um parecer exterior,
mas somente a autoconsciência.
Iremos analisar, no próximo capítulo, um pensador, David Hume, que
desenvolveu a sua teoria numa cultura judaico-cristã, típica de uma cultura de
culpa.
19
1.2 A HUMILDADE DO VIRTUOSO
Hume não concebe como Aristóteles uma progressão de estados de
desenvolvimento moral. Mostra-nos antes como funciona ou como deveria
trabalhar um indivíduo já moralmente formado. Inclusivamente, apresenta-nos
uma caricatura desse indivíduo11. Cleantes, um homem prestes a casar, é um
modelo de qualidades úteis e agradáveis a si próprio e aos outros.
Na secção I, do livro II do TN, Das Paixões, Hume fabrica uma árvore
genealógica das emoções. Em primeiro lugar, começa por identificar as
percepções da mente, ideias e impressões, dividindo as últimas em originais e
secundárias. As impressões originais ou de sensação são impressões dos
sentidos e todas as dores ou prazeres corporais, e dão origem às impressões
secundárias ou reflexivas, correspondentes às paixões e outras emoções
semelhantes. Por sua vez, as impressões reflexivas dividem-se em calmas,
derivadas de sentimentos de beleza e fealdade na acção, na composição e nos
objectos exteriores (emoções estéticas); e violentas, paixões propriamente ditas,
ou seja, as do amor e do ódio, da tristeza e da alegria, do orgulho e da humildade.
As paixões admitem ainda uma distinção entre directas, que nascem
imediatamente do bem e do mal, da dor ou do prazer, como o desejo, a aversão, a
tristeza, a alegria, a esperança, o medo, o desespero, a segurança; e indirectas,
que provêm dos mesmos princípios, mas pela conjugação de outras qualidades,
como o orgulho, a humildade, a ambição, a vaidade, o amor, o ódio, a inveja, a
piedade, a malícia, a generosidade e as que dela dependem. As paixões indirectas
de amor e ódio, de humildade e de orgulho são aquelas que apropriadamente
podemos chamar de emoções morais.
Os nossos juízos morais de aprovação ou desaprovação, simples e invariáveis,
são expressão de uma forma calma de uma dessas quatro paixões indirectas. É à
11 Em EPM, IX, 2
20
forma calma dessas paixões que designamos sentimentos morais12, por contraste
com as emoções morais.
Hume afiança-nos que a fonte das distinções morais se encontra no sentimento
e não na razão. À razão está reservado o papel de descobrir relações entre ideias
e de descrever assuntos de facto. Tem uma finalidade meramente utilitária de
promover meios que satisfaçam os conselhos do sentimento. A censura ao nosso
comportamento não se entrevê em nenhuma razão, somente no sentimento. A
razão, todavia, acompanha sempre as paixões, embora num papel escravo,
servindo-lhes e obedecendo-lhes.
Para a avaliação da conduta, o Homem dispõe de três capacidades emocionais: o
amor próprio, a simpatia e a benevolência13; que, mediante a conjunção com as
quatro paixões indirectas fundamentais, levam-nos a aprovar ou desaprovar
uma acção. Os sentimentos de amor e ódio reportam-se à aprovação ou
desaprovação da conduta de outrem e os de humildade e orgulho à nossa
própria.
Hume desenvolve a sua teoria no contexto das teorias de senso moral já
estabelecidas, nomeadamente nas filosofias de Conde Shaftesbury, Joseph Butler
e Hutcheson, que haviam salientado três actores psicologicamente distintos: o
agente moral (pessoa que desempenha a acção), o paciente (pessoa afectada
pela conduta) e o espectador (observador que aprova/desaprova a acção),
distinção que Hume retoma. Deste modo, quando falamos em emoções pensamos
no agente/paciente e ao referimo-nos aos sentimentos
(aprovação/desaprovação) reportamo-nos ao espectador, seja de nós próprios,
da nossa acção, seja da acção de outros.
A simpatia é o mecanismo que permite ao espectador aceder ao interior do
agente. É o que hoje chamaríamos de empatia. É a capacidade de através de
12 Note-se que Hume utiliza, para sentimentos, o voc|bulo “sentiments” e não “feelings”,
pretendendo realçar a dimensão activa do sujeito (acto de sentir).
13 Tomamos de empréstimo a designação de Christine Swanton, que chamou à benevolência, ao
amor próprio e à simpatia capacidades emocionais.
21
princípios associativos que convertem uma impressão, criada a partir de um
estímulo exterior, numa ideia e, por sua vez, essa ideia numa impressão,
participarmos da sua vida emocional. A simpatia admite, contudo, graus, de
acordo com a intensidade emocional que experimentamos. Por exemplo, existem
pessoas que simpatizamos (empatizamos) mais do que outras, condição essa que
é muitas vezes influenciada pelo proximidade temporal e espacial que mantemos
com elas. A estima, porém, que se origina da simpatia, é invariável, e pertence ao
gosto do espectador. Somos mais tocadas pelas injustiças infligidas a um familiar
nosso do que a um cidadão da Antiga Grécia. A nossa apreciação pelo
acontecimento de ver um sujeito a ser injustiçado por outro, a nossa estima, é, no
entanto, a mesma. É à estima, e não à simpatia, que devemos a
aprovação/desaprovação.
Se analisarmos a boa conduta de um inimigo numa dada circunstância,
corremos o risco de, em função das emoções negativas, como o ódio, sermos
tendenciosos no nosso juízo. Na verdade, as paixões indirectas de amor e de ódio,
com que avaliamos o outro, assim como as paixões indirectas de orgulho e de
humildade, com que nos julgamos a nós próprios, chegam-nos por uma dupla
relação de impressões e de ideias. As qualidades úteis e agradáveis que
presenciamos em nós próprios e nos outros geram em nós uma dor ou um prazer
que produzem, respectivamente, as paixões de humildade e de ódio, e as paixões
de orgulho e de amor. Estas, por sua vez, provocam um mal-estar e um bem-estar
no espectador, que é distinto da dor ou prazer que gerou a paixão.
Porém, ao experimentarmos paixões opostas relativas a um mesmo objecto
somos conduzidos a uma tensão que terá um desfecho inevitável. Hume relata-
nos este cenário ao descrever o comportamento das paixões na Dissertação das
Paixões, reformulação do Livro II do TN, referindo que quando duas paixões
opostas relativas a um mesmo objecto se encontram no mesmo sujeito
(ambivalência emocional), isto pode levar ao aparecimento de uma nova paixão
ou à dissolução de uma das paixões na paixão predominante.
A fim de sermos juízes justos da conduta dos nossos coetâneos, devemos apelar
à benevolência. A benevolência é retratada nas obras do filósofo escocês tanto
22
como uma virtude (o traço de carácter do Homem “Benevolente”); como paixão
independente ou associada à paixão indirecta do amor, que reflecte o desejo de
felicidade de pessoa amada; ou como um sentimento, princípio constitutivo do
espírito humano. É este sentimento, que Hume chamará no EPM, sentimento de
humanidade, instinto comum a todo o Homem, que nos possibilita sermos juízes
imparciais da conduta de outrem, mesmo que seja nosso inimigo, ou da nossa.
Assim, quando ajuízo o comportamento do meu vizinho, embora possa por ele
sentir um ódio mortal, se percepciono nele qualidades úteis e agradáveis que o
fazem brilhar numa dada ocasião, irei, ao classificar a sua actuação, colocar de
parte os meus sentimentos odiosos e encarar os benevolentes, a fim de fazer uma
apreciação correcta da sua acção. Através do princípio da simpatia, consigo
colocar-me na pele do meu vizinho e verificar se naquela circunstância a sua
conduta foi meritória ou não.
O sentimento de benevolência ou humanidade é um sentimento pertencente a
todo o Homem, que recomenda um determinado objecto ou conduta, rotulado de
moral, à aprovação geral e faz todos os Homens estarem de acordo quanto à
decisão ou opinião que lhe respeita, independentemente do tempo, espaço ou
circunstância em que estejam14. Contudo, nem todo o Homem está em condições
de ser um espectador desinteressado, ou imparcial, como lhe chamará mais tarde
Adam Smith. Embora o sentimento de benevolência seja comum a toda a
humanidade, sermos juízes imparciais está dependente do desenvolvimento da
nossa sensibilidade para questões morais. Com efeito, existe um padrão do gosto,
uniforme na natureza humana, e não afectado pelas características
14 Elizabeth S. Radcliffe menciona que existem dois tipos vulgares de interpretação da teoria
moral de Hume: a interpretação sentimentalista e a leitura do observador ideal. A primeira,
seguida por pensadores como Phillippa Foot, Stephen Darwall, J.L.Mackie e Simon Blackburn,
defendem que os juízos morais são baseados nos sentimentos humanos actuais. A segunda,
adoptada por filósofos como Gilbert Harman, John Rawls e David Richards, indica que as
distinções morais estariam fundadas em sentimentos hipotéticos de um espectador ideal. Não é
objectivo desta tese discutir qual das duas interpretações está correcta. Advogamos antes, face à
leitura que fizemos dos escritos de Hume, que sujeitos amadurecidos moralmente estariam mais
aptos a serem espectadores desinteressados.
23
temperamentais, espaciais ou temporais dos sujeitos humanos, mas que não está
ao alcance de todos. Só o hábito e a educação da sensibilidade nos levará à
aquisição de um gosto de tal maneira refinado que fique apto para discernir
todas as nuances emocionais necessárias a um juízo desinteressado.
Tal como podemos ser espectadores, e espectadores desinteressados ou
imparciais da conduta de outrem, também podemos ser da nossa própria. E aqui
encontramos o amor de si, capacidade emocional que nos faculta uma justa
averiguação da nossa acção15. Pela simpatia, estamos imediatamente conscientes
dos nossos pensamentos, sentimentos e acções, enquanto agentes. Como
espectadores corremos o risco de pecar por vaidade ou amor à fama, mas se
mantivermos um sólido amor de si e avaliarmos a acção passada, logo veremos
se nos sobrevém o sentimento de louvor ou censura. O que faz um sábio
humeano, esse espectador imparcial ideal, não é a inexistência de sentimentos de
ódio e de humildade, que são inerentes à natureza humana, nem mesmo a prática
de erros, que Hume diz poderem estar presentes até nos sábios16, mas o justo
reconhecimento desses erros e a consequente correcta avaliação da nossa
conduta e a de terceiros, independentemente de sentimentos interesseiros.
Relativamente a sua própria acção, o Homem “Benevolente”, mesmo tendo
agindo bem, pode sentir humildade derivada de uma insatisfação consigo
mesmo, como também devido à presença forças motivacionais como o ódio ou a
ambivalência emocional amor-ódio, que, por transição de paixões, despertam a
15 O amor de si não deve ser confundido com vaidade ou ambição. Isso seria uma falsa
representação do amor de si. Amor de si diz respeito ao estimar-se, ou seja, ao justo
reconhecimento dos seus pontos fortes e fracos. O amor de si pode reflectir tanto orgulho como
humildade. Hume discute o amor de si mais extensamente quando rebate a tese do egoísmo
psicológico, de pensadores como Hobbes, que afirmam que a benevolência é amor de si
disfarçado.
16 Cf. “O padrão do gosto”, um dos trabalhos dos Ensaios Morais, Políticos e Literários. Hume
refere a existência de sábios, como Ulisses, que incorrem em erros sobre valores morais.
24
paixão da humildade. Neste caso, será possuidor da virtude da modéstia17, uma
qualidade útil e agradável aos outros, mas que traz mal-estar ao sujeito devido à
presença da paixão da humildade. De facto, o Homem Benevolente terá a
qualidade de bondade ou benevolência, pelo hábito de o ser ou de o sentir, tendo
essa característica virtuosa como traço de carácter, o que não impede que tenha
“emoções negativas” como a paixão de humildade. Ao contrário de outros
Homens, terá um padrão de gosto que não o cegará nas suas decisões ou
opiniões, não se deixando contaminar pela influência de sentimentos
interesseiros.
É inescapável o facto de David Hume ter nascido e vivido numa tradição
judaico-cristã, que apelava a valores como a culpa, e embora que o filósofo
escocês não tenha erigido as suas teses nesses preceitos, não ficou indiferente à
cultura do seu tempo. O Homem “Benevolente” de Hume é um Homem de uma
cultura de culpa. Adam Smith, filósofo contemporâneo de Hume, comenta que
mesmo um (tal) Homem que esteja certo de ter escondido todos os seus actos
nefastos à mira de outros Homens, não pode deixar de sentir pesar ao
confrontar-se internamente com eles18.
17 Sublinhamos que se trata da virtude da modéstia e não da humildade. Hume retira o seu
catálogo de virtudes dos Ofícios de Cícero e não se apoia nas virtudes teologais, que têm a
humildade, a par da piedade, caridade e castidade, como um dos elementos chave.
18 Cf. Teoria dos Sentimentos Morais, Terceira Parte, capítulo II: “O homem que violou todas essas
normas de conduta, as únicas capazes de torná-lo agradável à humanidade, embora estivesse
perfeitamente seguro de que ocultou seus actos de todo o olho humano para sempre, sabe que
tudo isso é inútil. Ao remomorá-los e vê-los sob a luz em que o espectador imparcial os veria,
descobre que não consegue entender nenhum dos motivos que os determinaram. Tais
pensamentos o deixam perplexo e confuso, e necessariamente sente com intensidade a vergonha
a que estaria exposto, se seus actos viessem a ser conhecidos de todos. Também nesse caso a
imaginação antecipa o desprezo e o escárnio de que nada o salve, excepto a ignorância das que
com ele convivem.”
25
1.3 O LEITOR, UMA REFLEXÃO SOBRE A SEGUNDA
GERAÇÃO ALEMÃ: AINDA É POSSÍVEL SER-SE VIRTUOSO?
Schlink, escritor de O Leitor, integra o grupo de autores da geração de sessenta,
que reflectiu sobre a questão da culpabilidade alemã. É pois no contexto de uma
análise retrospectiva sobre a circunstância e a problemática afectiva da segunda
geração alemã, geração que é filha dos participantes directos ou indirectos nos
crimes do holocausto, que se desenvolve o romance O Leitor e no qual somos
confrontados com o problema moral da história.
A obra compõe-se de três partes, que acompanham o processo de crescimento
do protagonista, Michael Berg, desde a adolescência até à meia-idade, e a
descoberta simultânea da sua identidade individual e colectiva. Tal como Ulisses,
herói da Odisseia, epopeia que Michael lê a Hanna, e um pouco também à
semelhança de Peter Debauer19, Berg empreende uma jornada em busca do
passado da sua nação20. A sua viagem descreve uma meditação sobre o trauma
da culpa colectiva alemã.
É, neste âmbito, que introduzimos a nossa hipótese de estudo. Queremos
averiguar se Michael, nas circunstâncias em que é colocado, poderá alguma vez
ser apelidado de “Excelente”. As “emoções morais negativas” que sente validarão
a hipótese da humildade num homem virtuoso, de um Homem “Benevolente”?
A narrativa inicia-se no pós-guerra, concretamente, em 1959, quando Michael
tem apenas quinze anos. Um dia, ao voltar da escola, doente, é auxiliado por uma
mulher adulta, de trinta e seis anos, Hanna Schmitz. Depois de restabelecido,
19 Personagem principal do Regresso, outro romance de Schlink. 20 Cf. O Leitor, pág.120: ”Nesse tempo, voltei a ler A Odisseia, que lera pela primeira vez no liceu e
que me ficara na memória como a história de um regresso. Mas não é a história de um regresso.
Como poderiam os gregos, que sabiam que ninguém se banha duas vezes na mesma água de um
rio, acreditar também no regresso? Ulisses nunca regressa para ficar, mas para partir de novo. A
Odisseia é a história de um movimento, ao mesmo tempo com um fim e sem nenhum, com
sucesso e fracassado.”
26
torna a contactá-la, para lhe agradecer, e visita-a ainda mais algumas vezes. As
suas reuniões culminam numa relação afectivo-sexual, em que os seus encontros
seguem um ritual próprio. Tomam banho, fazem amor e Michael lê-lhe clássicos
da literatura alemã e universal.
Durante a primeira parte da obra, que medeia o período que Michael vê Hanna
pela primeira vez até ao momento em que esta desaparece subitamente, uma
atmosfera de segredo e de mistério, assombram, em certas ocasiões, o ambiente.
Certos episódios transmitem a sensação que há algo oculto ou escondido na
personagem Hanna, como na altura em que Hanna se recusa a falar a Michael na
carruagem no eléctrico, ou quando vão passear ao campo e esta lhe bate por ter
acordado no quarto do motel e não o ter encontrado. Aliás, na primeira secção
não existem revelações. Sabemos apenas que a história se passa a seguir à
Segunda Grande Guerra e pressentimos um clima de encobrimento, presente não
só nas reacções inexplicáveis de Hanna, como também no silêncio e
distanciamento dos pais de Michael em relação aos seus filhos, que serve para
mascarar não só a vergonha e culpa pelas suas histórias e conflitos individuais,
como pelo passado alemão21.
Quando Michael entra no novo ano lectivo, trava novas amizades e sente-se a
atraiçoar Hanna, nunca mencionando a relação que tem com ela. É neste clima,
que a sua amante, de repente, desaparece.
Passam-se sete anos. Estamos em 1966. Entrámos na segunda parte da obra.
Michael é agora aluno de um seminário sobre campos de concentração. A sua
participação académica coincide com o desvendar do passado da sua nação e da
sua própria identidade, individual e grupal.
A par do apuramento da verdade sobre os seus antepassados, Michael
solidariza-se com os seus comparsas na revolta contra os feitos dos seus
21 Cf. O Leitor, pág.62: ” Os nossos pais haviam desempenhado papéis muito diferentes durante o
III Reich. Tenho a certeza de que eles, tanto quanto lhes tínhamos perguntado e eles haviam
respondido, nos contaram coisas diferentes. O meu pai não queria falar sobre si próprio.”
27
ascendentes22. O conflito de gerações na Alemanha dos anos sessenta é travado
pela consciencialização e, posterior censura, pela geração mais nova à
participação da geração anterior nos crimes do holocausto23. Todos os jovens
condenam “à vergonha eterna” os seus pais, mesmo que estes tenham tido um
papel passivo durante a guerra, como o pai de Michael. O simples facto de terem
tolerado a presença de criminosos depois de 45 é alvo de críticas. Apesar de
Michael se questionar sobre o seu direito a censurar o progenitor, acaba por vê-
lo como motivo de vergonha, ingressando no movimento preconizado pela sua
geração24.
A reprovação conjunta movida pela segunda geração à geração passada é uma
forma de se livrar da culpa e da vergonha que a afecta, pelo facto de se encontrar
inelutavelmente envolvida com os criminosos do holocausto, seja pelos laços de
sangue ou de amizade.
Hannah Arendt distinguiu dois tipos de responsabilidade, a responsabilidade
política (colectiva) e a culpabilidade moral e/ou jurídica (pessoal). Enquanto a
última recai sobre os actos que praticamos e é singular, a primeira não implica
que tenhamos feito algo. Para que haja responsabilidade colectiva, é necessário
que duas condições sejam satisfeitas: que me sejam imputadas culpas por algo
que não fiz e que essa responsabilização me seja atribuída devido à minha
pertença a um grupo. Neste caso, ser alemão e filho de uma geração de
criminosos é o suficiente para arcar com as culpas dos crimes do holocausto. As
minhas acções presentes não me redimem da minha responsabilidade colectiva.
22 Cf. O Leitor, pág. 62: ”Nós, os estudantes do semin|rio, desenvolvemos uma fortíssima
identidade de grupo.”
23 Cf. O Leitor, pág 62: ”Quem estava a ser julgada naquele tribunal era a geração que se serviu
dos guardas e dos esbirros, ou que não os impediu, ou que pelo menos não os marginalizou como
deveria ter feito depois de 1945. E o nosso processo de revisão e esclarecimento pretendia ser a
condenação dessa geração à vergonha eterna.”
24 Cf. O Leitor, p|g.62: ”Como é que pude achar que tinha direito de o condenar à vergonha
eterna? Mas fi-lo. Todos condenámos os nossos pais à vergonha eterna, ainda que só os
pudéssemos acusar de terem tolerado, depois de 1945, a companhia de assassinos.”
28
Em virtude de estar inserido numa continuidade histórica, sou responsabilizado
pelas faltas dos meus pais. Ser fruto do pecado original é o preço a pagar por
viver em comunidade.
Pertencendo à segunda geração, Michael suporta o peso da culpa colectiva, que
é comum aos membros do seu tempo25. A segunda geração torna-se culpada em
consequência de os participantes nos massacres do holocausto serem seus
parentes ou terem com eles algum tipo de vínculo. Trata-se de um género de
culpa hereditária, que comporta também a vergonha pelas atrocidades
cometidas durante a guerra.
É, neste contexto, que Michael Berg torna a encontrar Hanna. Ele, na qualidade
de aluno convidado a assistir a um julgamento de ex-guardas de campos de
concentração nazis e ela, na situação de arguida. Michael já se sente culpado e
envergonhado por ser filho de uma geração criminosa e, nestas circunstâncias,
sentir-se-á culpado por ter escolhido amar uma criminosa de guerra, mesmo que
a sua paixão seja produto de um erro trágico (hamartia). Não obstante
desconhecer o passado de Hanna até ao reencontro, a vergonha também o atinge
pois, perante os seus pares, é humilhante admitir que se apaixonara por uma
pessoa como Shmitz. Existindo um processo de revisão do passado e de rejeição
conjunta dos antecessores, gostar de uma pessoa afeiçoada ao nazismo, é
suficiente para o deslocar e denegrir ante os seus colegas26. Ainda por cima,
25 Cf. O Leitor, p|g.112: ”A culpa colectiva [Kollektivschuld], quer seja aceite ou não do ponto de
vista moral jurídico, foi uma realidade vivida para a minha geração de estudantes.(....) tudo isto
nos enchia de vergonha mesmo quando podíamos apontar o dedo aos culpados. Apontar o dedo
aos pais culpados não nos libertava da nossa culpa. Mas tornava o sofrimento mais suportável.
Transformava esse sofrimento passivo em energia, actividade, agressão. E o conflito com os pais
culpados estava muito carregado de energia.”
26 Cf. O Leitor, pág 113: ”Mas o dedo apontado a Hanna voltava-se para mim. Eu tinha-a amado.
Não a tinha apenas amado, eu tinha-a escolhido. Tentei convencer-me de que o meu estado de
inocência era o mesmo com que os filhos amam os pais. Mas o amor aos pais é o único amor pelo
qual não somos responsáveis.
E talvez até sejamos responsáveis pelo amor que temos pelos pais. Nesse tempo, invejei os
outros estudantes que renegavam os pais e, com eles, toda a geração dos que actuaram, dos
29
Michael optar por o fazer é degradante, pois enquanto os nossos pais não
podemos escolher, os nossos amigos e amantes podemos.
Hanna é acusada, conjuntamente com mais quatro pessoas, de ter causado
deliberadamente a morte a um grupo de prisioneiras. Um bombardeamento fez
arder a igreja onde se encontravam encerradas um grupo de reclusas e as
guardas podendo abrir as portas não o fizeram e as mulheres, à excepção das
duas testemunhas de acusação, morreram queimadas. No seguimento do
processo, a atribuição de responsabilidades pende sobre a escritura de um
relatório, que narrava o que se tinha passado naquela noite. Quem tivesse escrito
o documento, teria uma culpabilidade jurídica maior sobre o sucedido. As quatro
constituintes voltam-se contra Hanna, acusando-a se ser a autora do escrito. Um
advogado sugere que comparem a caligrafia do relatório com a da acusada.
Hanna recusa, declarando-se culpada.
Ao assistir à sessão, Michael toma consciência de um facto que sempre tinha
estado latente na sua relação com a acusada. Hanna era analfabeta. Não sabendo
ler nem escrever, Hanna nunca poderia ter escrito o relatório e logo não
mereceria a sentença prevista, caso o tivesse redigido. Por pudor, prefere
suportar uma pena maior a expor a sua fraqueza27. Deverá Michael revelar o
segredo de Hanna?
A personagem Michael Berg pode tanto ser enquadrado tanto numa cultura da
vergonha, pois teme a todo o momento ser vexado perante um público pela sua
paixão e pela sua progenitura, como numa cultura de culpa, que o mergulha
numa contínua meditação sobre os erros cometidos, invocando a necessidade de
expiação e de redenção. É, neste âmbito, que Michael terá de tomar a decisão
que mostrará se é “Excelente”, “Continente” ou “Benevolente”.
espectadores, dos que viraram a cara, dos tolerantes e dos que aceitaram, e que desse modo
ultrapassaram o sofrimento provocado pela vergonha (...) E, contudo, nesse tempo ter-me-ia feito
bem se me tivesse sentido integrado na minha geração.”
27 Cf. O Leitor, pág.87: ”Mas seria possível que a vergonha de não saber ler nem escrever
explicasse também o comportamento da Hanna durante o julgamento e no campo de
concentração? Que preferisse ser acusada de um crime a passar por analfabeta?”
30
Notemos que a heroicidade de Michael fica, desde logo, condicionada pelo
receio a vir a ser desonrado e a sua excelência comprometida. Desfigurado por
ter amado uma criminosa. Michael, após consultar várias pessoas e de travar
uma profunda reflexão, não conta a ninguém que Hanna é analfabeta. Saber de
que qualidade foi a resolução do seu dilema, se foi excelente ou não, está
reservada a uma motivação interna.
31
PARTE II
O DILEMA
32
2.1 O DILEMA DE MICHAEL BERG. BENEVOLÊNCIA OU
CÓLERA?
A primeira pergunta que devemos fazer é: que tipo de dilema Michael Berg
enfrenta? Existem dilemas impostos pelo mundo e dilemas auto-impostos28. Os
primeiros resultam de um exigência externa imposta ao agente pelo mundo,
coagindo-o a escolher uma alternativa entre duas ou mais opções. Neste tipos de
dilemas, o agente não fez nada que o colocasse numa situação dilemática. No
romance A Escolha de Sofia, de William Styron, Sofia é forçada, por um oficial
nazi, a ter de decidir entre deixar as suas duas crianças irem para as câmaras de
gás, ou, para evitar esse malogro, dizer qual delas quer salvar. Ao invés, nos
dilemas auto-impostos, é o comportamento do agente que é gerador das
questões com que se debate. Por exemplo, Hubleckberry Finn pergunta-se se
deve, seguindo as convenções do seu tempo e país, entregar o escravo Jim às
autoridades/proprietária, ou se, pelo contrário, é melhor zelar pelos interesses
do seu amigo, protegendo-o. Nada constrange, porém, Hubleckberry a decidir-se.
Ninguém lhe coloca-se esse problema, obrigando-o a seleccionar uma das
alternativas. Foram as acções passadas de Huck, nomeadamente fazer-se
acompanhar na sua fuga pelo escravo, que fizeram nascer as suas interrogações.
Aristóteles distingue três tipos de actos: voluntários, não voluntários e
involuntários. Só podemos falar de excelência moral a propósito de acções e
emoções voluntárias. Somente essas são louvadas ou censuradas, punidas ou
honradas. Aristóteles exige que um conjunto de requisitos sejam satisfeitos para
que uma acção seja considerada voluntária: a acção deve partir do agente, a
pessoa que executa o acto deve ter noção das consequências do mesmo, da(s)
pessoa(s) afectada(s), dos meios a serem utilizados, do resultado pretendido
com acção e do modo de actuação.
São chamados actos involuntários aqueles cuja causa da acção é externa ao
agente, como uma pessoa que é arrastada pelo vento num tornado; ou que são
28 Cf. Capítulo 7, “Types of Moral Dilemmas”, do artigo Moral Dilemmas de Terrance McConnell.
33
realizados sob compulsão, desconhecendo o agente alguma(s) da(s)
circunstância(s) particular(s) da sua acção. Os actos involuntários são actos
realizados em ignorância e que geram arrependimento no agente, diferentes dos
actos por ignorância, que não são lamentados, e que se devem à ausência de
conhecimento geral (não saber o que é certo e o que é errado).
Os actos não voluntários têm um carácter misto. São voluntários, por um lado,
pois são executados pelo agente, com o pleno conhecimento das particularidades
da acção, e objecto de uma escolha; e são involuntários, por outro, porque
ninguém escolheria essa acção por si mesma. O estagirita dá o exemplo de um
comandante de um navio que se sendo apanhado por uma tempestade, opta por
lançar carga ao mar, para assegurar o salvamento da tripulação.
Os actos não voluntários corresponderiam, pelo exposto, aos dilemas impostos
pelo mundo, uma vez que o agente é constrangido a uma escolha pela conjuntura
com que se depara. Os dilemas auto-impostos seriam objecto, todavia, de acções
voluntárias, dado que nada coage o agente a tomar uma atitude.
Ora, Michael Berg tem conhecimento do cenário onde actuará. A acção (de não
revelar o segredo) irá partir de si próprio, sabe que Hanna será lesada,
apanhando um maior número de anos de cadeia, tem conhecimento do que deve
fazer para evitar que isso suceda (revelar o segredo), de como deve fazê-lo (falar
com Hanna, falar com o juiz) e tem conhecimentos dos seus objectivos ao não
revelar o segredo da amante. A acção do protagonista compreende, portanto
todos os itens de um acto voluntário. Da mesma forma, nada nem ninguém força
o protagonista a ter que escolher revelar ou não revelar o segredo, pelo que a sua
acção não pode ser considerada não voluntária. Por conseguinte, o seu dilema é
um dilema auto-imposto.
Sendo o dilema de Michael Berg um dilema auto-imposto e a sua acção
voluntária, estamos em condições de avaliar a excelência ou não da sua acção.
O romance não nos indica, nem nos dá pistas sobre o que sucederia caso
Michael tivesse revelado o segredo de Hanna. Sobre isso apenas podemos tecer
especulações. O que nos é apresentado é que Michael não revela o segredo. Deste
modo, a discussão resume-se à razão porque ficou em silêncio. Se o fez por amor
34
ou por ódio. O dilema que é alvo desta discussão não é se Michael deve revelar ou
não que Hanna é analfabeta, mas sim a motivação que está por detrás da sua
atitude de não expor o segredo da amante. Aqui residi o busílis da moralidade da
história. A virtude ou vício da acção de Michael não se acha nela própria, mas nos
seus motivos29.
Segundo David Hume, o amor e o ódio não são completos em si mesmos. São
sempre acompanhados de benevolência, ou seja, do desejo de felicidade da
pessoa amada, ou de cólera, isto é, do desejo da sua desgraça. E
conduzem/motivam à acção.
A partir do momento em que Michael toma conhecimento do passado de Hanna,
junta ao sentimento de amor já existente, um novo, um sentimento de ódio, de
aversão aos crimes cometidos pela amada. A ambivalência emocional que passa a
sentir nunca desaparece e mantém-se até ao final da obra. E quer a sua decisão
penda para o amor ou ódio, a sua ambivalência afectiva permanece.
É discutível se a decisão de Michael é reflexo do amor ou do ódio. O seu silêncio
pode ser interpretado como um espelho da repulsa que nutre pelo passado de
Hanna, mas também pode ser produto de amor. Hanna tinha vergonha em não
saber ler nem escrever e receava a exposição pública da sua fragilidade. Logo,
reagir, não se manifestando, é possivelmente um sinal de respeito pela opção de
Hanna.
Com efeito, Michael dilacerado pelas suas dúvidas busca apoio em diversas
pessoas, entre elas o seu pai, professor de Filosofia e especialista em Kant e
Hegel. Atentemos ao seu diálogo (pps.93-94):
“Quando falou, começou muito atr|s, mostrando-me os conceitos. Ensinou-me sobre a pessoa, a
liberdade e a dignidade, sobre o Homem como sujeito, e que ninguém tem o direito de o
converter em objecto.
29 Há que salientar a distinção de Mill, no Utilitarismo, fez entre motivos e intenções, embora não
partilhemos a sua filosofia. A intenção centra-se na previsão das consequências da acção,
enquanto o motivo no sentimento que leva o agente a agir da maneira que age, sendo revelador
da sua disposição de carácter.
35
- Já não te recordas, de como te aborrecias quando eras pequeno, quando a mamã, para teu bem,
te obrigava a fazer qualquer coisa que não querias? Até que ponto teremos nós o direito de o
fazer com as crianças? É um verdadeiro problema. Um problema filosófico, mas a Filosofia não
se ocupa das crianças. Deixou-as nas mãos da Pedagogia, onde é bastante mal tratada. A
Filosofia esqueceu as crianças – sorriu-me -, esqueceu-as para sempre, e não apenas algumas
vezes como acontecia comigo.
- Mas...
- Mas, no caso dos adultos, não encontro com facilidade justificação para impor a alguém algo
que um outro acha que é bom para ele, preterindo que o primeiro acha que é bom para si próprio.
- Nem quando mais tarde ficam felizes com isso?
Ele abanou a cabeça.
- Nós não estamos a falar sobre a felicidade, mas sim sobre a dignidade e a liberdade. Já em
criança conhecias a diferença. Não te consolava nada que a mamã tivesse sempre razão.
(...)
Mas, finalmente, compreendo o que ele queria dizer: que eu não devia falar com o juiz; mais, que
nem sequer tinha o direito de lhe falar, e fiquei aliviado.”
A conversa que se desenrola no texto versa sobre o princípio da beneficência e
acerca de quando ser e o que é ser benevolente. Entende-se, neste contexto, por
beneficência a obrigação moral de agir em benefício dos outros, zelando pelos
seus interesses e impedindo eventuais obstáculos que se coloquem no seu
caminho; e por benevolência o traço de carácter que nos torna dispostos à acção
beneficente30.
Um dos primeiros filósofos a fazer da benevolência um conceito central da sua
teoria foi David Hume. Para Hume, a benevolência, assim como a justiça, são
virtudes sociais, mas enquanto a última é uma convenção, a primeira é um
instinto originário da natureza humana, fonte de toda a moralidade. Não afirma,
no entanto, ser uma diminuição moral a coexistência com a cólera, ou seja, com o
desejo de destruição do outro. Pelo contrário, Aristóteles fala-nos na
30 Cf. O artigo”The Principle of Beneficence” de Tom Beauchamp..
36
benevolência e na cólera não como males, desde que a sua expressão seja a
adequada. A sua concomitância não seria, contudo, património da excelência.
A posição que o pai de Michael Berg defende no diálogo citado é uma postura
kantiana. Kant rejeita os motivos de beneficência, isto é, aqueles que se apoiam
no sentimento, como pretenderia David Hume, e que seriam acções conforme ao
dever, determinadas por motivos a posteriori. A excepção acontece para os casos
em que a beneficência se constitui como um dever. Kant aceita que sejamos
beneficentes por dever, obedecendo à lei moral. Neste sentido, o amor constitui-
se com uma máxima prática da benevolência, que tem como consequência a
beneficência31. O dever de amar implica, contudo, o respeito pela a autonomia da
outra pessoa. Seguindo o imperativo categórico, que nos indica que devemos
tratar as outras pessoas como um fim em si e não como um meio, não pediremos
ao nosso semelhante que renuncie à sua liberdade. Isso seria uma violação da
sua dignidade. Por outras palavras, o que o pai de Michael Berg advoga é que o
dever de amar não implica substituirmo-nos à acção de outrem. A benevolência
não é uma aniquilação da sua liberdade. O paternalismo, fazermos o que
achamos o que melhor para o outro, é uma infracção dos seus direitos básicos:
poder decidir o que é melhor para si.
O que se questiona é se Michael tem o direito de se substituir à acção de Hanna,
sobretudo num quadro, onde toda a sua vida, desde o alistamento nas SS até
assunção de falsas culpas no tribunal é pautada pela vergonha de não saber ler.
Após a conversa com o seu pai, Michael sente-se momentaneamente aliviado,
mas não satisfeito. Antes de se decidir, Michael visita ainda um campo de
concentração, o que activa o seu sentimento de horror pelos actos de Hanna, e
31 Cf. Metafísica dos Costumes, § 25:”O amor tem de ser concebido como m|xima de benevolência
(enquanto máxima prática), a qual tem como consequência a beneficência.
Daí que o dever de amar o próximo possa expressar-se também do seguinte modo: é o dever de
tomar meus os fins de outros (na medida apenas em que tais fins não sejam imorais); o dever de
respeitar o próximo está contido na máxima de não degradar nenhum outro homem
convertendo-o em mero meio para os meus fins (não exigir que outro renuncie a si mesmo para
se escravizar aos meus fins).”
37
fala com o juiz de instrução do processo, mas acaba por não lhe contar nada
sobre a amante.
Existem indícios que a decisão de Michael tenha sido motivada pelo ódio, mas
mesmo aí o seu amor não se apagou. É possível também colocar a hipótese de a
própria ambivalência de Michael o ter conduzido a uma posição de inércia de
“não tomar nenhuma atitude”, em que o seu não decidir se converte, em última
instância, numa decisão. Na verdade, Michael acaba por não fazer nada, não
revelando o segredo de Hanna e esta é condenada. Se a sua resolução é sintoma
de acomodação, ela não deixa de espelhar a ambivalência que percorre todo o
romance e que motiva o seu estado.
38
2.2 A AMBIVALÊNCIA EMOCIONAL. MORALIDADE?
Aristóteles define a excelência como a capacidade de experimentar a emoção
certa, no momento próprio e da forma correcta. Na excelência, o Homem não
estaria sujeito à concorrência de maus desejos, como na continência. Na
continência, o Homem seria passível de ambivalência emocional, da mesma
forma, que o Homem “Benevolente” de Hume a sofreria igualmente. Aristóteles
vê portanto a ambivalência emocional como inferior em termos morais.
No seu artigo, “Virtue, Ambivalence and Mixed Feelings”, David Carr relata-nos
a história de Ximene, do romance medieval El Cid. Ximene está apaixonada por El
Cid até ao momento em que este mata acidentalmente o seu pai. A partir desta
altura, a heroína é confrontada com um profundo conflito emocional, do qual
sobressai a ambivalência emocional sentida pelo seu amado. O seu amor não é
extinto, apesar do ódio recém-nascido. Carr utiliza este exemplo para sustentar a
tese de que a ambivalência emocional, ao contrário do que Aristóteles defendia, é
sinal de virtude e não característica do continente. Se aplicarmos este estudo ao
problema apresentado no Leitor, verificamos que algo de semelhante ocorre. É
estranho observar Michael, conhecendo o passado de Hanna, só amá-la, não
sentido qualquer tipo de repulsa, como também é difícil ver o nosso herói só a
odiá-la, apagando todo o seu amor. O que torna humano este drama é a
ambivalência emocional.
Na Dissertação sobre as Paixões, Hume à semelhança de Espinosa, na Ética
Explicada à maneira dos Geómetras, descreve-nos o comportamento das paixões,
contando-nos em particular, o que ocorre na situação de ambivalência
emocional. Existem duas soluções possíveis quando duas paixões contrárias se
encontram. Ou a paixão mais fraca transforma-se na dominante32, ou a conjunção
32 Cf. DP, VI, 1:” Mas quando duas paixões foram j| produzidas pelas suas respectivas causas, e
estão ambas presentes no espírito, elas prontamente se misturam e se unem, mesmo que só
tenham uma relação, e às vezes até sem que tenham nenhuma. A paixão predominante absorve a
inferior e converte-a nela mesma.”
39
das duas faz nascer uma terceira paixão33. Enquanto a exposição de Hume é
descritiva, a de Espinosa é normativa, indicando-nos o que devemos fazer
quando somos patenteados com tal conjuntura emocional.
Espinosa admite a possibilidade de ambivalência emocional no Livro III da
Ética, prop.XVII: “Se imaginarmos que uma coisa que costuma causar-nos a
afecção de tristeza tem algo de semelhante a uma outra que nos faz
experimentar habitualmente uma afecção de alegria igualmente grande, amá-la-
emos e lhe teremos ódio ao mesmo tempo”, caracterizando-a como um estado de
flutuação da alma (Escólio). O filósofo não classifica a ambivalência como boa ou
má, nem nenhuma das paixões como moral ou imoral. Vivemos numa realidade
onde é inescapável o facto de afectarmos e sermos afectados. O modo como nos
podemos autonomizar desta situação é a chave da moralidade. O que Espinosa
nos propõe nos livros seguintes é uma forma de lidar com as emoções que
promova o aumento da nossa potência e a dos nossos semelhantes, que é a
própria condição da expansão do nosso ser.
Concebe a tristeza, a alegria e o desejo como paixões primárias, a partir das
quais todas as outras são derivadas. O desejo é pensado como um género de
instinto de autopreservação, um esforço por perserverar no seu ser, que é a
própria natureza ou essência de cada um. A tristeza reduz-se aos afectos que
diminuem a potência do agir/pensar desse ser e a alegria às que a aumentam. O
filósofo diz-nos que devemos potencializar as paixões alegres, que impulsionam
a sociabilidade, e evitar as tristes, que a corrompem, para assim alcançarmos a
felicidade. Ora, uma paixão só pode ser combatida através de uma paixão
contrária que lhe seja mais forte, podendo, caso haja disso necessidade, recorrer
a um processo imaginativo ou imitatio, para o conseguir. Perante a ocorrência de
ambivalência amor-ódio, a sugestão de Espinosa é, em nome da concórdia entre
33 Cf. DP, VI, 3:” Isto acontece com frequência quando qualquer objecto desperta paixões
contrárias. Porque pode-se constatar que uma oposição de paixões geralmente causa uma nova
uma nova emoção nos espíritos, e produz mais desordem do que a convergência do que
quaisquer duas novas paixões de força igual. Esta nova emoção é facilmente convertida na paixão
predominante, e em muitos casos verifica-se que aumenta de violência, para alem do grau a que
teria chegado se não tivesse encontrado oposição.”
40
os Homens, que o amor, afecto alegre, deveria ser potencializado para combater
o afecto triste, ódio, aumentando a potência dos dois seres.
Na prática, a solução espinosista é imprimir força a um afecto, em detrimento
do outro. Portanto, se Michael Berg seguisse a filosofia de Espinosa, deveria
reforçar os seus sentimentos amorosos por Hanna, a fim de eliminar os odiosos.
Mas perguntemo-nos: isso será verdadeiramente moral? A renúncia de um
sentimento pelo outro, quer seja de amor, quer seja de ódio, seria, como muito
bem notou David Carr, extirpar toda a dimensão humana desta história. Seria
estranho ver Michael só amar Hanna ou só odiar Hanna, sem nenhuma flutuação
da alma.
Como referimos, Hume não contempla só a hipótese de, ante um acontecimento
ambivalente, uma paixão se transformar noutra, posição que comparámos com
Espinosa, mas também a possibilidade de o encontro de duas paixões contrárias
fazer surgir uma terceira. Embora Hume classifique como impossível
experimentarmos simultaneamente as paixões de orgulho e de humildade34, o
mesmo não se passaria com as paixões de amor e ódio. Com efeito, a simples
presença de ódio, coexistindo com a paixão de amor, é o bastante para que haja
uma transição para a humildade35, produzindo assim a ambivalência emocional,
uma nova paixão.
34 Cf. TN, Livro II, Parte I, Secção II: ”É impossível que um homem seja ao mesmo tempo
orgulhoso e humilde; se razões diferentes despertam nele estas paixões, como frequentemente
acontece, as paixões ou se sucedem alternadamente, ou, se se encontrarem, uma aniquila a outra
na medida da sua força e apenas o que resta da paixão superior continua a agir sobre a mente.
Mas no caso presente nenhuma das paixões poderia jamais tornar-se superior; porquanto,
supondo que é apenas a vista de nós próprios que as desperta, como esta vista é perfeitamente
indiferente em relação a uma ou à outra paixão, deve produzi-las ambas exactamente no mesmo
grau; ou, por outras palavras, nem produz uma nem a outra. Excitar uma paixão e ao mesmo
tempo despertar a paixão antagónica na mesma medida, é desfazer imediatamente o que estava
feito, e tem que acabar por deixar a mente perfeitamente calma e indiferente.”
35 Cf. TN, Livro II, Parte II, Secção II: ”A virtude ou o vício de um filho ou irmão não despertam
apenas o amor e o ódio, mas, mediante nova transição sob o efeito de causas semelhantes,
originam o orgulho e a humildade.”
41
Freud concordava com Hume que a partir da ambivalência emocional pode
surgir uma nova emoção. Deu ao fenómeno da ambivalência um tratamento
diferente de Espinosa. Segundo Freud, a origem da consciência estaria numa
situação de ambivalência, tendo como produto o sentimento de culpa.
Enquanto para Espinosa o instinto de preservação do ser, conatus, encontraria a
sua expressão máxima num sentimento de uma suprema alegria, Freud revê a
libido desdobrada num dualismo pulsional, constituído por pulsões de morte e
de vida. Aquando o complexo de Édipo36, a criança experimenta
simultaneamente amor e ódio pelo progenitor do sexo oposto. Do ponto de vista
psíquico, esta tensão é intolerável. Por isso, o ódio é reprimido, tornado
inconsciente, e uma parte da agressividade que era dirigida a outrem é voltada
contra o ego, fazendo nascer o sentimento de culpa e a necessidade de punição,
bem como o surgimento de uma nova instância psíquica, o super-ego. A
verdadeira consciência moral só aparece com o advento desta autoridade
interna, que é fundamental não só para a resolução desta etapa de vida, como
para o próprio funcionamento em sociedade.
Com efeito, pequenas versões deste drama inicial e histórico vão-se repetindo
ao longo da vida do indivíduo, e dela dependem a sua própria inserção e vivência
em comunidade. A tríade amor, ódio, culpa, ou mais especificamente, a culpa
originada da ambivalência emocional37 amor-ódio é ela própria constitutiva do
fenómeno da moralidade.
36 A referência ao complexo de Édipo é, nesta ocasião, meramente auxiliar. Ninguém está a
discutir a validade do conceito. Recordemo-nos que Malinowski, fundador da escola
funcionalista, baseando-se nas suas observações aos trobriands, criticou a universalização do
conceito. Neste estudo, utilizamos a noção de complexo de Édipo como uma noção operatória,
usada para demonstrar como os sentimentos de culpa são originados de uma situação de
ambivalência. Não está em causa averiguar se a criança se apaixona pelo progenitor do sexo
oposto e rivaliza com o do mesmo sexo.
37 Dentro do movimento psicanalítico, Melanie Klein, seguidora das ideias de Freud, embora com
pensamento próprio, faz do conceito de ambivalência um termo chave da sua filosofia clínica.
Para a psicanalista, o sentimento de culpa é originado de um sentimento ambivalente de amor-
ódio em relação ao objecto materno. O medo de destruição do objecto leva o sujeito a uma
42
É também de referir que Freud faz uma distinção entre remorso e culpa.
Remorso é o sentimento de culpa advindo de uma acção maldosa. O sentido de
culpa pode existir mesmo que a pessoa não tenha agido mal nem tenha tido a
intenção de o fazer, como ilustra o mito de Édipo. A culpa pode ter um valor
meramente residual, como a sensação de ter feito algo que se sabe ser mau.
Voltando ao romance de Bernhard Schlink, o tratamento dado por Freud à
ambivalência emocional é o que melhor se adequa à vida de Michael. Michael
conserva a ambivalência emocional até ao final da história, quer se tenha
mantido em silêncio por amor ou por ódio e, por a manter, Michael sentir-se-á
culpado. Dito de outra forma, independentemente do motivo por que tenha
decidido não revelar o segredo de Hanna, a mera presença de ódio é o bastante
para se sentir culpado.
Hume, contudo, não fala de uma transição do ódio para culpa, mas sim para a
humildade, tal como Aristóteles, na Ética a Nicómaco, não se reporta à culpa nem
à emoção de humildade, mas à vergonha. Culpa, vergonha e humildade são
termos distintos, mas, ao mesmo tempo similares. É o que veremos no capítulo
seguinte.
ansiedade depressiva e inaugura a posição depressiva. Segue-se um processo de reparação dessa
relação objectal ambivalente. Este processo, alternando as duas posições kleinianas, a esquizo-
paranóide e depressiva, é vivida ao longo da nossa vida, e não apenas num momento específico.
Freud teve múltiplas interpretações, tantas quantas, pelo menos, os seguidores que teve. É
certo que a ambivalência não é um termo principal da sua teoria, mas a concepção do sentimento
de culpa como nascido de uma circunstância ambivalente é comum à perspectiva de Klein.
43
PARTE III
A SOLUÇÃO
44
3.1 HUMILDADE VERSUS VERGONHA
Embora a emoção de vergonha de que fala Aristóteles na Ética a Nicómaco seja
diferente da paixão de humildade de que fala David Hume nos seus textos, têm,
todavia parecenças.
O étimo grego da palavra vergonha usado na EN é, salvo numa passagem38,
aîdos, que significa um tipo de vergonha particular, vertido em algumas
traduções portuguesas39, para o termo pudor. Tal conversão aponta para a
inserção do sentimento de vergonha numa esfera pública, adveniente do receio
de estar exposto, ter estado exposto ou vir a estar exposto perante uma
audiência. Por essa razão, o seu efeito é assemelhado ao temor do perigo,
emoção, cujo o meio-termo, define o ser corajoso e é, com justeza, que Aristóteles
classifica a coragem política como oriunda do sentimento de vergonha, parecida
com o medo que os soldados experimentam40. A inquietação é o receio de ser
desonrado, de perder a reputação perante uma comunidade. Como o estagirita
confirma, na Retórica, 1383b: ”a vergonha pode ser definida como um certo
pesar ou perturbação do espírito relativamente a vícios, presentes, passados ou
futuros, susceptíveis de comportar uma perda de reputação.”
38 O outro é étimo é aischunê. Aîdos significa a vergonha que outros provocaram em mim, que
sofro enquanto vítima. Aischunê quer dizer a vergonha que passo como perpetrador de actos
vergonhosos.
39 Referimo-nos, em concreto, à tradução do Prof. António Caeiro.
40 Cf. EN, 1116a: “Primeiro, temos a coragem do cidadão-soldado (...). Esta espécie de coragem é
muito parecida com a que descrevemos anteriormente, porque resulta da excelência moral; ela
provém, com efeito, do sentimento de vergonha e da aspiração a um objectivo nobilitante (a
honra) e do desejo de evitar a desonra, que é ignóbil. Podemos incluir na mesma categoria até os
soldados que são compelidos por seus comandantes, mas neste caso seu mérito é menor,
porquanto eles agem assim não pelo sentimento de vergonha, mas por temor, e para evitar não o
que é desonroso, mas o que é penoso, pois seus comandantes os compelem.”
45
Aristóteles refere também que a vergonha “mais parece uma emoção do que
uma disposição de alma” (1128b), com isso querendo avançar que não é comum
a todos os estádios de desenvolvimento moral. É característico de alguns deles,
nomeadamente da continência, sendo também típica de certas etapas da vida
humana, como a adolescência. Nestas condições é louvável, porque propulsora
da excelência moral41 e, por isso, se diz que a vergonha é boa condicionalmente.
E é, neste contexto, que nos reportamos à vergonha como uma disposição moral,
ou mais propriamente a uma disposição mista, marca do continente. Podemos
então falar de dois extremos, de um Homem impudente ou vergonhoso, que fala
e age sem olhar às circunstâncias, e de um Homem pudico ou envergonhado, que
a todo o momento se acanha ou contém; e de um meio-termo, do Homem
recatado, que fala e age correctamente, na altura e na ocasião certa. Mas na
excelência moral a questão do autodomínio não se coloca, pois neste patamar o
Homem já está de tal modo evoluído que não tem necessidade de refrear-se e,
por este motivo, não se pode dizer que um Homem seja virtuoso se ainda sentir
vergonha. A motivação para a coragem é o sentimento de honra e a honra é um
dos fins da excelência moral, embora não equivalha à verdadeira felicidade, que
se encontra na vida contemplativa.
A excelência moral está relacionada com acções e emoções voluntárias e só se
sente vergonha por aquilo que é voluntário. O sentimento de desonra que está
conectado com a vergonha é concomitante com a prática de más acções ou com a
possibilidade de as fazer, sejam elas verdadeiramente desonrosas segundo a
opinião geral ou verdadeiramente desonrosas. O Homem “Excelente” não sentir|
vergonha pois jamais estará associado à prática voluntária do mal.
Envergonhamo-nos não só dos actos vergonhosos, mas também dos sinais dos
mesmos, ou seja, de palavras, acções e intenções vergonhosas, perante os nossos
olhos como ante o olhar de outros. Envergonhamo-nos também dos nossos actos
e acções vergonhosas, assim como daqueles que foram cometidos pelas pessoas
com quem temos laços de parentesco, como os nossos ascendentes ou
descendentes, ou afinidades. Neste sentido, já Platão falava da culpa ou vergonha 41 Apontamos para o papel educativo da vergonha. Como diria Fortenbaugh, a vergonha é uma
emoção não prática. Tem o papel de censura de outras emoções e actos.
46
hereditária42. Em todo o caso, sentimos mais vergonha face ao nosso
comportamento vergonhoso do que das acções vergonhosas de pessoas que nos
estejam associadas, pois, nessa situação, se formos directamente responsáveis
pelo o que aconteceu no passado, presente ou futuro, o origem do sentimento de
vergonha encontra-se num vício nosso. Sentimos também mais vergonha
perante aqueles cujo a opinião valorizamos.
Por fim, há que mencionar que a vergonha tem um carácter fisiológico, tendo
uma expressão somática (as pessoas que se envergonham, coram) e essa é uma
das razões porque se parecem mais com emoções do que com disposições da
alma. Também Hume aponta para uma raiz corporal da paixão da humildade,
salientando que esta é comum aos homens e aos animais43.
Para Hume, a humildade é uma paixão indirecta da alma, partilhando esta
classificação com paixões como o orgulho, o amor e o ódio. Sendo uma paixão é
uma emoção violenta, mas distingue-se, conjuntamente com o orgulho, do amor
e do ódio, por ser uma “pura emoção da alma que nenhum desejo acompanha e
não nos excitam directamente { acção”(TN, Livro II, Parte II, Secção VI). De igual
forma, ao contrário do amor e do ódio, cujo objecto é o outro, aqui o objecto é o
eu, somos nós próprios.
A humildade é “uma insatisfação connosco próprios, devido a algum defeito ou
enfermidade”(DP, II, 1). É um sentimento de natureza penosa e desagradável de
que podemos destacar uma origem, uma causa e um efeito.
O objecto próprio do orgulho e da humildade é determinado por um instinto
original e natural, tendo estas paixões duas propriedades: o objecto é o eu e a
sensação é dolorosa. Ou seja, tudo o que produz uma sensação desagradável e
que está relacionado com o eu desperta a paixão da humildade. As causas que
excitam a paixão estão relacionadas com o objecto que a natureza atribui à
paixão e a sensação que a causa produz separadamente está relacionada com a 42 Cf. República, 364B-C. 43 Cf. TN, Livro II, Parte I, Secção XII: “as causas do orgulho e da humildade devem encontrar-se
unicamente no corpo e jamais podem colocar-se na mente ou nos objectos exteriores”
47
sensação da paixão (propriedades das causas). É nesta dupla relação de ideias e
impressões que a paixão tem origem.
As causas que geram a paixão da humildade são naturais, mas não originais.
Encontram-se na presença de qualidades desagradáveis no próprio eu, sejam
físicas (doenças ou deformidades físicas) ou mentais (defeitos de carácter), de
que a presença de virtude ou de vício são as mais manifestas (criando um prazer
ou mal-estar, de que resulta a nossa aprovação ou desaprovação); ou em
objectos que tenham qualidades desagradáveis e que, por uma associação de
ideias e de impressões, se encontrem relacionadas connosco. Estes últimos,
encontram-se em objectos que tenham a mínima relação ou aliança connosco
como o nosso país, a nossa família, os nossos filhos, parentes, riquezas, casas,
jardim, cavalos, cães, vestuário, poder; tudo isto pode tornar-se causa de orgulho
e de humildade. Deste modo, a contemplação da existência de um vício ou
qualidade desagradável num descendente ou antepassado, bem como os bens de
que somos proprietários e que se encontram vinculados a nós, por uma relação
de propriedade, são suficientes para produzir a paixão de humildade. Hume, tal
como Aristóteles, acreditava que podemos absorver a culpa ou a vergonha de
pessoas que nos são chegadas. Convém, aliás, referir que o orgulho e a humildade
são impressões relacionadas com o amor e o ódio. A virtude ou vício de um
familiar ou amigo não geram somente o amor e o ódio mas, mediante nova
transição sob o efeito de causas semelhantes, originam o orgulho ou a
humildade.
A palavra que Hume utiliza para descrever a sensação de desagrado connosco é
humildade, no inglês “humility”. Ao recorrer a este termo, o filósofo escocês faz
uma demarcação de um sentimento diferente, mas não indiscernível, a vergonha
(“shame”). Na verdade, temos o sentimento de humildade perante um conjunto
de circunstâncias, traços, objectos externos e relacionamentos susceptíveis, pelas
suas qualidades desagradáveis, de nos envergonharem. Consequentemente,
podemos apontar na paixão de humildade uma dimensão externa, passível de
48
nos manchar a reputação ou o amor próprio, ou de trazer repercussões na nossa
fama44.
Contudo, a humildade não se reduz à vergonha, pois esta impressão não é
sempre viciosa nem sempre virtuosa. Com efeito, as pessoas mais humildes não
são sempre as mais miseráveis. Há, no entanto, que não confundir a paixão da
humildade com a virtude da humildade. A paixão da humildade indica-nos um
mal-estar derivado da contemplação de traços desagradáveis em nós próprios.
Tal não significa que, necessariamente, o nosso carácter seja defeituoso. O que
traduz um sentimento de humildade é uma insatisfação connosco, cujo efeito é
desagradável, doloroso e tem o eu por objecto.
Embora possamos divisar uma faceta interna na noção de humildade, devemos
também distingui-la da culpa (“Guilt”), que Hume menciona noutras passagens45.
Pelo menos, no sentido da culpa judaico-cristã, que exige uma mortificação dos
instintos, muitas vezes através da expiação. Referimo-nos ao tipo de culpa que
foi alvo de severas acusações da parte de Nietzsche e conduziu à criação do seu
Ubermensch. À culpa que é reflexo de um sentido de punição interiorizado, que
visa castigar o homem, reprimindo-o, na vida instintiva, a fim de aliviar a sua má
consciência ou remorsos. A humildade não se segue, necessariamente, à prática
de um acto maldoso, passível de culpa e de remorso.
44 Cf. TN, Livro II, Parte II, Secção I: ”ora é evidente que exactamente as mesmas qualidades e
circunstâncias que são causas do orgulho e de estima própria são também causas da vaidade ou
do desejo de boa reputação.”
45 Por exemplo, no TN, Livro II, Parte II, Secção VIII: ”Mais ainda, uma pessoa pode entender esta
maldade contra si própria, mesmo na sua sorte actual, e levá-la ao ponto de propositadamente
procurar aflição e aumentar as suas mágoas e tristezas. Isto pode dar-se em duas ocasiões.
Primeiro, com a desolação e infelicidade de um amigo ou de uma pessoa que lhe é querida.
Segundo, quando a pessoa sente remorsos de um crime de que é culpada [guilty]”.
49
3.2 O LEITOR COMO UM EMBRIÃO DE
EMOÇÕES/SENTIMENTOS: CULPA, VERGONHA E
HUMILDADE
Michael não toma nenhuma atitude e Hanna é condenada a prisão perpétua.
Michael segue em frente com a sua vida. Casa-se, tem uma filha e divorcia-se.
Após algum tempo, começa a enviar a Hanna cassetes com histórias gravadas,
lidas por ele. De súbito, é contactado pela directora da prisão que o informa que
Schmitz vai ser posta em liberdade e pede-lhe ajuda para a sua reintegração na
sociedade. Michael vai vê-la e têm uma pequena conversa. Na semana seguinte,
quando o protagonista vai buscá-la, Hanna tinha-se enforcado e deixado uma
nota para Berg, pedindo-lhe que entregasse as suas poupanças às vítimas
sobreviventes do seu crime.
Schlink termina a sua narrativa com as palavras de Michael (pág.143):
Entretanto, passaram dez anos. Nos primeiros tempos depois da morte de Hanna, as antigas
dúvidas continuavam a atormentar-me: se a tinha sonegado e atraiçoado, se ficara em dívida para
com ela, se me tornara culpado por a ter amado, o modo como me livrei dela e como deveria tê-lo
feito. Por vezes perguntava-me se era responsável pela sua morte. E por vezes enfurecia-me com
ela e com tudo o que me fizera.
Vislumbramos em Michael Berg, protagonista do Leitor, diversos níveis de
culpa. A culpa colectiva e a vergonha que sente por pertencer à segunda geração
alemã, que mancha a sua reputação aos olhos do mundo, susceptível de o
desonrar. A culpa que sente por ter escolhido amar uma criminosa. A culpa que
sente por a ter atraiçoado46. E, podemos postular, eventualmente a culpa jurídica
46 Cf, O Leitor, p|g 88: “De qualquer modo, o facto de não ter sido a afast|-la não modificava em
nada o facto de a ter atraiçoado. Por isso, era culpado. E se não era culpado, porque atraiçoar uma
criminosa não pode ser motivo de culpa, era culpado porque amara uma criminosa.”
50
que carrega por não ter fornecido uma informação fundamental no processo de
Hanna.
O tipo de culpa que brota do dilema que Michael enfrenta e que é alvo deste
estudo é um tipo de culpa particular: a culpa de não ter revelado o segredo de
Hanna, em consequência disso, a amante ter sido sentenciada a prisão perpétua
(“a culpa de a ter atraiçoado”, caso a sua motivação tenha sido o ódio; “culpa de a
ter amado”, se a razão do seu comportamento se deveu ao amor).
Ao longo deste trabalho temo-nos referido às noções de culpa, vergonha e
humildade como noções distintas. E são, com efeito, conceitos diferentes.
Gabriele Taylor afirma que a culpa, a vergonha e a humildade têm em comum o
facto de serem emoções morais autoconscientes. No entanto, a vergonha advém
da sensação de inferiorização perante uma audiência, corresponda esta à mira de
outras pessoas ou ao nosso próprio olhar. O agente tem o sentimento de ser
visto por si ou por outros como tendo um comportamento inferior ao que
deveria ter. A culpa, pelo contrário, equivale à violação de um tabu, merecendo o
sujeito, por isso, ser punido, ou, em caso de arrependimento, perdoado. Quando
uma pessoa se sente culpada é porque infringiu uma lei, seja esta justa ou injusta,
de origem humana ou divina, e desrespeitou a tutela de uma autoridade. Na
humildade, o Homem revê o seu estatuto. A emoção de humildade diz respeito à
auto-estima.
Ao lermos Aristóteles, verificamos que o Homem “Continente” é passível de
sentimentos de vergonha, o que não sucede com o “Homem “Excelente”.
Contudo, uma vez que culpa e vergonha são noções diferentes, se Homem
“Excelente” não sente vergonha, não está livre de não sentir culpa. O sentimento
de culpa de que estamos a falar, da consciência de ter quebrado um interdito e de
ser responsável por essa infracção, não tem lugar no Homem perfeito concebido
pelo estagirita. Aristóteles fala, na Poética47, do erro trágico (hamartia), como
aquele que Édipo comete ao matar o pai e casar com a mãe. Todavia, o erro
trágico não pode ser igualado à culpa, pois a pessoa que o comete não tem
consciência dele na altura em que o pratica.
47 Cf. 1453a
51
A acção que estamos a analisar alude à motivação de Michael para não ter
revelado o segredo de Hanna, se ela foi continente ou excelente. Esta acção só
pode ser avaliada tendo em consideração o contexto histórico em que é tomada e
os outros tipos de culpa que Michael arrasta, nomeadamente a culpa e a
vergonha de pertencer à segunda geração alemã e a culpa e a vergonha de se ter
apaixonado por uma nazi.
Embora a culpa, a vergonha e a humildade sejam conceitos diferentes, não são,
contudo, antagónicos. A vergonha relaciona-se com o sentimento de ter feito algo
de mal, acompanhado de uma diminuição perante a mira pública, enquanto a
culpa partilha essa sensação de mal-estar e invoca a necessidade de expiação,
sem o sujeito se inferiorizar. O sentimento de vergonha associa-se
necessariamente à tradição grega e o sentimento de culpa à tradição judaico-
cristã, sendo só admissível nesta última. É nossa convicção que no Leitor estão
presentes os dois tipos de cultura. Por outras palavras, é viável encontrar no
romance de Schlink aquilo que Dodds chamou uma “cultura de culpa”, associada
a uma tradição judaico-cristã, e uma “cultura de vergonha”, associada { tradição
grega, e descortinar uma intersecção entre as duas. Michael Berg é o
representante mais lídimo deste fenómeno. Pelo facto de representar, no livro, a
segunda geração alemã, Michael é o porta-voz de uma cultura de vergonha. É
para ele uma perda de reputação social ser filho de participantes indirectos nos
crimes do holocausto e ter-se apaixonado por uma antiga guarda nazi. O seu
reconhecimento público, algo tão desejado pelo herói homérico, já está
prejudicado. Ao mesmo tempo, o protagonista é também portador de uma
cultura de culpa, resultante de ter feito algo de mal aos seus próprios olhos e de
merecer uma punição por isso. As duas culturas têm, todavia, algo em comum e
que é patente em Michael Berg. A emoção ou sentimento de culpa e a emoção de
vergonha, assim como a paixão da humildade, partilham o facto de mancharem a
pessoa que é portadora desses sentimentos. Assim, consideramos que as duas
culturas estão unidas por um elo emocional, que é expresso, em termos
simbólicos, como assinalou notavelmente Ricoeur, através do signo da mancha,
da sensação de estar infectado ou poluído. Michael Berg, quer sinta culpa, quer
sinta vergonha (quer sinta humildade), ou as duas (três), encontra-se manchado.
52
A culpa que Michael Berg sente é um tipo de culpa muito peculiar. É aquilo que
Karl Jaspers chamou culpa metafísica, que uma pessoa sensível sente em virtude
dos laços de solidariedade que a ligam aos outros seres humanos.48 Por alguma
razão, o protagonista questiona-se no final da história se não estará em dívida
com Hanna, sentido que de certa forma a atraiçoou49. A responsabilidade que
sente é a de não ter feito nada para impedir que o mal sucedesse, ou seja, que
Hanna fosse condenada a prisão perpétua. Mesmo sendo possível considerar que
agiu bem, Michael sentirá sempre culpa e, deste modo, o tribunal que enfrenta
não é apenas o da sua própria consciência mas também o de Deus, o que é
comum às duas culturas. Tanto na cultura grega como na judaico-cristã, existe
um entidade divina, a vigiar as nossas acções, seja de que natureza for. Neste
caso, a purificação que é exigida para a aniquilação da impureza é a
transformação da auto-consciência, num movimento que não há espaço para a
arrogância, mas somente para a humildade.
É também este tipo de culpa que o Homem excelente moralmente, embora não
experimente vergonha, pode sentir. Relembremos que o tipo “Excelente” não
representa o último degrau na evolução moral do Homem. Para Aristóteles,
acima dele estaria o tipo “Excelência moral Sobre-Humana”. Até atingir este
patamar o Homem precisaria de progredir moralmente, transformando-se, e,
para isso, são úteis as revisões de consciência que o sentimento de humildade
nos traz. E esta é uma realidade que Aristóteles nos seus escritos não contempla,
mas que Hume consente. O conceito de humildade humeano não tem qualquer
48 Na adaptação para cinema do romance O Leitor, o professor do seminário que Michael Berg
frequenta recomenda aos estudantes a leitura do ensaio A questão da culpa alemã de Karl Jaspers.
Sobre a questão da culpa alemã, Jaspers equaciona quatro tipos de culpa: a) a culpa criminal,
que pertence àquele que violou a lei e será julgado por uma jurisdição apropriada, devendo ser
punido; b) a culpa politica, que é aquela que os cidadãos de um pais são pressupostos carregar
pelas acções dos seus governos, sofrendo as penas que os regimes vitoriosos colocaram no seu
país; c) a culpa moral, que corresponde à responsabilidade pessoal que cada um transporta
perante o tribunal da sua consciência pelas suas acções e que pede penitência e reparo; d) a culpa
metafísica, equivalente à responsabilidade que os sobreviventes sentem perante aqueles que
sofreram e morreram.
49 Na língua alemã, o conceito de culpa [Schuld] provém do dívida [Schulden].
53
tipo de relação com o conceito de humildade cristã. É semelhante à culpa
metafísica, contendo elementos de culpa e de vergonha. É um sentimento de mal-
estar consigo.
Na verdade, qualquer que fosse o motivo da decisão de Michael, em virtude da
presença de ódio, ela trar-lhe-ia sempre mal-estar e o nosso herói culpar-se-ia
sempre. Sartre põe um problema semelhante quando nos conta, no
Existencialismo é um Humanismo, a história de um jovem estudante que o vem
procurar, a propósito de um dilema que estava a atravessar. Hesitava entre
alistar-se na guerra, para vingar a morte do irmão, e ficar a tomar conta da mãe,
que estava doente e necessitava dos seus cuidados. Neste caso como no de
Michael, o visado não pode deixar de sentir culpa faça a opção que fizer, mesmo
que conscientemente construa um projecto pessoal de vida, seguindo a voz do
instinto. Da mesma forma, Kolberg criou para o dilema de Heinz50 uma
hierarquia de estádios de desenvolvimento moral. A colocação de uma pessoa
num estágio de desenvolvimento moral dependia do tipo de justificação dada
para a escolha de Heinz. A pergunta que podemos fazer, e que Kolberg não
contemplou, é se uma pessoa desse uma resposta muito evoluída para uma das
opções, mas ainda assim não sentisse culpa, se o seu comportamento poderia
continuar a ser considerado moral.
50 Heinz é um indivíduo cuja mulher está a morrer com um tipo raro de cancro. Heinz tenta
comprar ao farmacêutico o medicamento que a poderá salvar, mas o preço do remédio excede em
muito as posses de Heinz e o farmacêutico não lho quer fiar. Deve Heinz roubar o medicamento e
salvar a mulher?
54
CONCLUSÃO
Não sabemos se existem tipos perfeitos ou não. Haja, na realidade, pessoas de
tal modo evoluídas que se afigurem como idealizações ou sejam apenas
projecções da mente humana, o que se discute é se esse modelo deve incluir ou
não “emoções morais negativas”. Essa pergunta entrosa, por sua vez, numa outra.
A de se existem sentimentos típicos em cada cultura e de se os protótipos
propostos não são espelhos de seres ideais das sociedades de cada tempo e
lugar.
A fim de elucidar estas opiniões, confrontaram-se dois paradigmas de Homem
perfeito. Um proveniente do iluminismo escocês, o Homem “Benevolente”,
desenvolvido ao longo da tradição judaico-cristão, e outro oriundo da tradição
grega, o Homem “Excelente”. O objectivo foi mostrar que as emoções
características dessas sociedades, sejam culpa ou vergonha, sendo diferentes,
não são opostas, possuindo pontos de contacto entre si. O Homem “Excelente”
não é melhor do que o Homem “Benevolente”, pelo facto de não sentir culpa,
vergonha ou humildade, nem é superior ao Homem “Continente”, escalão
concebido por Aristóteles para o exemplar de indivíduo que as sentiria.
Resolvemos analisar este problema à luz do dilema com que Michael Berg é
confrontado, no romance de Schlink , O Leitor. Concluímos que a presença de
conflito emocional, nomeadamente a ambivalência emocional amor-ódio que
Michael padece a partir do momento que descobre que Hanna participou nos
crimes do Holocausto até ao final da obra, é ela própria constitutiva da
moralidade do drama. Qualquer que seja a motivação porque toma a sua decisão,
amor ou ódio, Michael sentir| sempre culpa. O Homem “Benevolente”, concebido
por David Hume, o tipo de sujeito que sente culpa ou que continuamente se põe
em causa, questionando-se, é mais fiel à imagem moral do protagonista trazida
por esta obra. Para David Hume, a paixão indirecta da humildade, e a
ambivalência emocional, ou melhor dizendo, o conflito emocional, seria ainda
pertença do Homem perfeito. Segundo o filósofo escocês, a mera presença do
ódio é suficiente para conduzir à humildade.
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Esta tese deixou algumas pontas soltas, que constituem pistas para trabalhos
futuros. Podemos agrupar os problemas que ficaram por responder em três
grandes classes: uma antropológica, outra epistemológica e uma terceira moral.
A questão antropológica remete para a interrogação sobre se existem
universais entre as emoções, ou seja, se as emoções são comuns a todos os
homens em todos os tempos e lugares. Paul Ekman sugere que sim ao estudar os
correlatos das emoções com as expressões faciais. Outra pergunta que colocamos
é se essa universalização se estende a todo o reino animal. A intuição de Hume
estará correcta ao falar de orgulho e humildade, amor e ódio nos animais?
Darwin confirma-a quando publica A Expressão de Emoções nos Homens e nos
Animais, encontrando similitudes entre as expressões emocionais do homem e as
dos animais.
A questão epistemológica aponta para a pergunta como conhecemos factos
morais ou em que nos apoiamos para os aprovar, em razões ou emoções? A
inclinação deste trabalho foi que nos baseamos em emoções. Não fizemos,
todavia, a defesa de um emotivismo puro. Com efeito, são várias as teorias
metaéticas que discutem a forma como percebemos a moral. Entre elas,
deparamo-nos com o subjectivismo, o prescritivismo, o intuicionismo, o
naturalismo, o realismo. O emotivismo é uma versão melhorada do
subjectivismo, que advoga que as nossas elocuções éticas exprimem estados
emocionais ou afectivos. Há também que distinguir entre afirmar uma atitude e
aprovar uma atitude. Se desenvolvêssemos mais este trabalho, a defesa do
emotivismo que faríamos iria no sentido de aprovar uma atitude e não de
afirmar uma atitude.
Por fim, a questão moral centra-se no que fazer perante duas ou mais
alternativas, que são igualmente más. Este trabalho encetou uma tentativa de
demonstrar que qualquer que fosse a via adoptada, o sentimento de mal-estar
seria mantido. Partimos também do ponto de partida da possibilidade da
existência de dilemas, o que é questionável. Sobre este tópico, os pensadores
dividem-se. Filósofos como Kant, Mill e Ross, por exemplo, reivindicam que uma
resposta verdadeiramente moral exclui a possibilidade de dilemas morais
56
genuínos. O imperativo categóricos de Kant parece desfazer casos de divisão
interna. No entanto, como vimos no capítulo 2.1, nem o imperativo categórico
livra Michael Berg da aflição em que está. Mesmo que respeite a opção de Hanna,
nunca deixará de se sentir culpado.
Será que perante alternativas negativas, poderemos efectuar um cálculo,
entrevendo qual delas será a melhor e recorrendo ao argumento do mal menor?
Os utilitaristas aparentam prover uma solução para este problema, ao
encaminharem-nos para a avenida que promove a felicidade do maior número.
Mas mesmo esta filosofia vem levantar um conjunto de interrogações,
problematizadas paradigmaticamente no dilema de Trolley. Comparemos duas
situações. Uma apresentada no filme Entrusted, em que uma mãe asfixia o filho
bebé para não denunciar aos oficiais das SS a presença de um grupo de pessoas
escondidas numa cave. Outra, traçada na novela de Joseph Kanon, O Bom Alemão,
na qual uma mãe judia entrega vários judeus às autoridades nazis, em troca de
dinheiro para garantir a sobrevivência do filho. Terá a primeira história um final
mais moral que a segunda? Se fizermos jus aos credos da ética do cuidado ou da
ética feminista, que advoga o primado dos afectos, diremos que não. É difícil ver
nestes dois exemplos, qual é o mal menor.
57
APÊNDICE I
RESUMO DO ROMANCE O LEITOR
PRIMEIRA PARTE
Michael Berg, de quinze anos, adoece e é auxiliado por uma mulher mais velha,
Hanna Schmitz, de trinta e seis anos. Quando se restabelece, decide agradecer-
lhe. Seduzido, resolve visitá-la novamente. É o iniciar de uma relação afectivo-
sexual, marcada por encontros regulares, que seguem um ritual próprio. Ele lê-
lhe, tomam banho e fazem amor.
A relação entre os dois amantes decorre sobretudo na casa de Hanna, mas
observamos alguns episódios passados no exterior. Um dia, Michael toma o
eléctrico, em que Hanna trabalha como revisora e esta não lhe fala, o que tem
como resultado uma discussão posterior. Noutra altura, Michael e Hanna fazem
uma pequena viagem, nas férias da Páscoa, em que se dá o acontecimento de
Hanna bater em Michael por este ter saído do quarto sem avisar, quando este
tinha deixado um recado escrito. Michael convida também Hanna uma vez para
ir a sua casa.
Principia o novo ano escolar de Michael e este faz novas amizades. Começa a
sentir-se dividido entre o seu grupo amigos e a sua amante. Sente-se a atraiçoar
Hanna, pelo facto de a sonegar, não falando dela aos seus amigos.
Subitamente, Hanna desaparece e Michael culpa-se, por considerar que se
desinteressou dela nos últimos meses.
SEGUNDA PARTE
Passa algum tempo. Michael é agora estudante de direito e participa num
seminário sobre campos de concentração. É nessa qualidade que assiste a um
julgamento de ex-guardas, no qual reencontra Hanna, constituída arguida.
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Hanna é acusada, conjuntamente com quatro pessoas, de ter causado
intencionalmente a morte a um grupo de prisioneiras. Um bombardeamento fez
arder a igreja onde se encontravam encerradas um grupo de reclusas e as
guardas podendo abrir as portas não o fizeram e as mulheres, à excepção das
duas testemunhas de acusação, morreram queimadas. No seguimento do
processo, a atribuição de responsabilidades pende sobre a escritura de um
relatório, que narrava o que se tinha passado naquela noite. Quem tivesse escrito
o documento, teria uma responsabilidade jurídica maior sobre o sucedido. As
quatro constituintes voltam-se contra Hanna, acusando-a de ser a autora do
escrito. Um advogado sugere que comparem a caligrafia do relatório com a da
acusada. Hanna, por pudor, recusa, declarando-se como responsável.
Ao assistir à sessão, Michael toma consciência de um facto que sempre tinha
estado latente na sua relação com a acusada. Hanna era analfabeta. Não sabendo
ler, nem escrever, Hanna nunca poderia ter escrito o relatório e logo não
mereceria a sentença prevista caso o tivesse redigido.
Deverá Michael revelar o segredo de Hanna? Ao mesmo tempo que lida com a
culpa e a vergonha de pertencer à segunda geração alemã, Michael tem de
enfrentar esse dilema. Questiona-se sobre a legitimidade de se substituir à
decisão da amante, sobretudo tendo a vida desta sido pautada pela vergonha de
não saber ler, desde a sua recusa no emprego da Siemens, passando pela sua fuga
de cidade em cidade, até à assunção de culpas que não lhe eram devidas.
Consulta a opinião de diversas pessoas. Vai falar com o seu pai e expõe-lhe o
problema. Recebe a resposta de que não tem esse direito, que é uma questão de
liberdade e de dignidade. Ligeiramente aliviado, mas não satisfeito, Michael
visita, posteriormente, um campo de concentração. Fala ainda com o juiz, mas
não lhe conta nada.
Hanna é condenada a prisão perpétua.
TERCEIRA PARTE
Michael prossegue com a sua vida. Trabalha em História do Direito. Casa-se, tem
uma filha e divorcia-se. Após a separação, começa a enviar a Hanna cassetes com
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histórias gravadas, lidas por ele. Hanna aprende a ler e a escrever a partir delas.
De súbito, é contactado pela directora da prisão que o informa que Schmitz
obteve um indulto e vai ser posta em liberdade. Pede-lhe ajuda para a sua
reintegração em sociedade. Michael visita Hanna e têm uma pequena conversa.
Na semana seguinte, quando o protagonista vai buscá-la à prisão, Hanna tinha-se
enforcado e deixado uma nota, para Berg, pedindo que entregasse as suas
poupanças às vítimas sobreviventes do seu crime.
O romance termina com uma reflexão de Michael sobre o que foi a sua história.
60
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