agrupamento hall - versão final - caps 3 ao 6

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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006. Como vimos no primeiro momento de sua obra, Hall trata da noção de pessoa (CONCEITO DE SUJEITO), concebendo-a como sendo algo variante, que sofreu modificações ao longo da história (DA MODERNIDADE), até adquirir sua acepção pós-moderna . Em seguida, Hall se direciona para a questão das identidades culturais, mais especificamente, as identidades nacionais e os efeitos da pós-modernidade e a globalização sobre elas. De acordo com o autor, na modernidade, as culturas nacionais são uma das mais importantes referências de identidade cultural. Assim, frequentemente os sujeitos se definem a partir de seu país de origem. As culturas nacionais não são um dado genético, mas aparentam ser algo intrínseco ao sujeito, possibilitando o surgimento das identidades culturais a partir das representações. Hall trata o fenômeno das identidades nacionais como sendo algo dinâmico, se construindo e se modificando no seio das representações. A nação é algo que produz sentidos, é um sistema de representação cultural, uma comunidade simbólica, possuindo uma ideia que é compartilhada pelos seus membros e que é representada no interior da cultura, sendo dotada de simbolismos, capaz de dar sentido a todo esse sistema de representação cultural. Nas palavras do autor: “As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre ‘a nação’, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades.” (HALL, 2006, p. 51) Para justificar a preponderância das culturas nacionais como fonte de identidade cultural, Hall apresenta estratégias que funcionam como aparatos discursivos na busca de uma mono- identificação. Dessa maneira, essas estratégias da cultura nacional retornam ao passado buscando algo para construir o presente e futuro, adquirindo um caráter de continuidade. Mas o que pode estar contido nessa continuidade com o passado é o desejo de “purificar-se”, expulsar os outros que poderiam

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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006.

Como vimos no primeiro momento de sua obra, Hall trata da noção de pessoa (CONCEITO DE SUJEITO), concebendo-a como sendo algo variante, que sofreu modificações ao longo da história (DA MODERNIDADE), até adquirir sua acepção pós-moderna . Em seguida, Hall se direciona para a questão das identidades culturais, mais especificamente, as identidades nacionais e os efeitos da pós-modernidade e a globalização sobre elas.

De acordo com o autor, na modernidade, as culturas nacionais são uma das mais importantes referências de identidade cultural. Assim, frequentemente os sujeitos se definem a partir de seu país de origem. As culturas nacionais não são um dado genético, mas aparentam ser algo intrínseco ao sujeito, possibilitando o surgimento das identidades culturais a partir das representações.

Hall trata o fenômeno das identidades nacionais como sendo algo dinâmico, se construindo e se modificando no seio das representações. A nação é algo que produz sentidos, é um sistema de representação cultural, uma comunidade simbólica, possuindo uma ideia que é compartilhada pelos seus membros e que é representada no interior da cultura, sendo dotada de simbolismos, capaz de dar sentido a todo esse sistema de representação cultural. Nas palavras do autor: “As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre ‘a nação’, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades.” (HALL, 2006, p. 51)

Para justificar a preponderância das culturas nacionais como fonte de identidade cultural, Hall apresenta estratégias que funcionam como aparatos discursivos na busca de uma mono-identificação. Dessa maneira, essas estratégias da cultura nacional retornam ao passado buscando algo para construir o presente e futuro, adquirindo um caráter de continuidade. Mas o que pode estar contido nessa continuidade com o passado é o desejo de “purificar-se”, expulsar os outros que poderiam trazer qualquer risco à sua identidade, visando sempre a unidade da identidade nacional.

Se na pré-modernidade a identificação se dava de maneira particular à tribo, religião e região, por exemplo, com o advento da modernidade a identificação se “reduz” à uma cultura nacional que se pretende unificada, evidenciando-se a subordinação de todas as diferenças culturais a um único modelo de identificação e representação, definindo a identidade de todo um povo.

Conceituando-se então a cultura nacional como uma fonte de significados culturais, um foco de identificação, um sistema de representação, o autor afirma também que ela é uma estrutura de poder cultural, passando a questionar, desta forma, se as identidades provenientes das culturas nacionais são realmente unificadas como aparentam ser. Este poder cultural é exercido de diversas formas, como na eliminação coercitiva das diferenças presentes em determinada localidade, quando, por exemplo, as divisões sociais, de gênero e de etnia ficam em segundo plano em relação à identidade cultural. Dessa forma, a identidade nacional

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unificada é apenas um aparato discursivo, que subordina as diferenças representadas ilusoriamente em uma unidade nacional, sendo as nações modernas híbridos culturais, unificadas através da ação do poder cultural. (SOCIOCENTRISMO: SOCIEDADE COMO ALGO NATURAL, E NÃO UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL – CHAMAR DE SOCIAEDADE OS POVOS DA EUROPA, MAS AS TRIBOS, POR EXEMPLO, FICARIAM SEM ESTA DENOMINAÇÃO. O USO DO TERMO “SOCIEDADE” NA MODERNIDADE SE ESTENDEU, PASSOU A SER APLICADA A QUALQUER ASSOCIAÇÃO. SIMBOLISMOS MOLDANDO AS EMOÇÕES, NA COPA POR EXEMPLO).

Inerente à modernidade, está a globalização que se acentuou na década de 70 e que teve impacto sobre as identidades culturais. Segundo Hall, a globalização é um fenômeno que se caracteriza pela interconexão entre as nações, de forma que as dimensões de espaço e tempo têm sido experimentadas de maneira nova, resultando na compressão de distâncias e escalas temporais, em que os sujeitos têm a sensação de que o mundo é menor, as distâncias mais curtas e que o que acontece em determinado lugar tem impacto sobre outros lugares localizados a grande distância. Assim, as identidades tornam-se descentradas de suas bases sólidas, como história e tradição, adquirindo, um caráter de descontinuidade, pois as alterações na forma como o tempo-espaço é vivenciado, modificam as formas de representação, que se ligam diretamente com as identidades.

Para além das transformações sociais e culturais da globalização, está o aspecto econômico, afinal, foi o capitalismo um dos responsáveis pela “quebra” das fronteiras possibilitando um consumismo tanto material, quanto cultural. Hall conceitua esse movimento como “supermercado cultural”, havendo uma multiplicidade de identidades possíveis para se identificar. Para nosso autor, quanto mais a vida social é ordenada pela intervenção do mercado global e interligada mundialmente, mais as identidades se tornam desprendidas. Essa interconexão entre as nações e o consumismo global criam as identidades partilhadas, de modo que pessoas localizadas em dimensões de tempo e espaço distintas e distantes partilham de mesmas identidades, como por exemplo, o status de clientes para os mesmos serviços. Esta é a tensão entre o local e o global e os seus efeitos sobre as identidades. Entende-se o local como sendo aquele sentimento particularista de pertencimento e o global como algo universal, como a identificação com a humanidade, por exemplo. (DIFERENÇAS VIRARAM MERCADORIA. CAPITALISMO APROPRIANDO AS SINGULARES PAR TORNA-LAS COMO “OBJETOS DE CONSUMO”. )

Ainda dentro do contexto do consumismo, Hall chama a atenção para o fenômeno da homogeneização global, que se caracteriza pela redução das diferenças culturais à uma “moeda global”. A homogeneização seria uma das possíveis consequências da globalização sobre as identidades nacionais. Porém, para Hall, essa concepção seria um tanto simplista, seguindo a mesma direção do argumento falacioso da unidade das identidades nacionais. Devido à isso, o autor elenca 3 contratendências críticas a homogeneização global. A primeira diz respeito ao fato de que, ao mesmo tempo em que o global se repercute, surge uma atenção pelo local, através da especialização do mercado, por exemplo. Já a segunda se evidenciaria numa desigualdade em relação aos efeitos da globalização, quando habitantes de uma

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determinada região a vivenciam mais do que os que integram outras regiões e a terceira, refere-se às relações de poder estabelecidas entre o Ocidente e o que o autor chama de “o Resto”. Tendo em vista esta ultima, aspectos (incluindo a identidade) produzidos pelas sociedades ocidentais detém o domínio sobre o globo, demonstrando as desigualdades das relações estabelecidas, de maneira que os efeitos da globalização, mesmo podendo ser evidenciados mundialmente, são desproporcionais de acordo com cada região.

A difusão de aspectos materiais e imateriais gerada pelo Ocidente tem um “efeito rebote”, ou seja, através da migração, há um movimento de pessoas em direção aos centros globais. Estas pessoas migram em razão de problemas sociopolíticos e econômicos em busca de melhores condições de sobrevivência e, como na globalização há uma compressão do espaço, esta realização torna-se mais fácil. Essa gama de novas etnias no interior dos centros ocasionou tanto a intensificação do nacionalismo e, por consequência, a xenofobia, quanto uma pluralização de identidades culturais, sendo estes o segundo e terceiro efeitos da globalização apontados pelo autor, respectivamente.

A globalização tem ocasionado o enfrentamento de diversas culturas no interior de uma nação e, como uma das consequências, o bloqueio em relação à diferença e à diversidade, determinando a presença de outras culturas como sendo ameaçadora. Nesse momento há o fortalecimento das identidades locais por meio do enfrentamento de diversas culturas. Porém, este enfrentamento pode originar outro fenômeno como consequência: a pluralização de identidades. Sendo este o terceiro efeito da globalização, caracteriza-se pela multiplicidade de posições (identidades) como possibilidade de identificação, decorrentes de uma nova articulação de aspectos culturais distintos.

Para Hall, os efeitos da globalização tem sido contraditórios. Em um sentido, busca-se resgatar as unidades imaginadas e a pureza das identidades e de outro, há a aceitação de que as identidades estão subjugadas à interferências históricas, políticas, de diferença e representação, evidenciando a contraposição de pontos onde predominam a unificação e outros, onde há a preponderância do dinamismo. Esse movimento contraditório se dá através da “tradição” e a “tradução”, que são elementos buscados pelos sujeitos organizados coletivamente para conceber identidades na contemporaneidade.

Dessa forma, há a possibilidade de construir identidades em continuidade com o passado, com base na tradição ou recorrer à tradução, que, de acordo com Hall, é o fenômeno que consiste na formação das identidades de pessoas que se encontram distantes de sua terra natal, mantendo vínculos fortes com seus lugares de origem, mas que não compartilham da ilusão de uma unidade e certeza em relação à sua identidade. É a partir da tradução que há a articulação de suas identidades de origem com as dos locais onde passaram a viver, sendo esta o produto da interconexão de diversas culturas, através das migrações. Hall denomina as identidades desses sujeitos que estão sendo traduzidos, de identidades hibridas. Dessa forma, são solapados os argumentos de homogeneização ou unidade das identidades, sendo designados por Hall como sendo falsos dilemas.

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Ao longo da obra de Stuart Hall, foi possível perceber que a globalização trouxe consigo fenômenos que tiveram consequências sobre as formas como são construídas as identidades. A migração, produto da modernidade, resultou no surgimento do hibridismo, que consiste na fusão entre diferentes tradições culturais, e na acentuação do nacionalismo e do fundamentalismo, que consiste na possibilidade de, tendo por base princípios como religião e etnia, consolidar a unidade, alicerçando o viés político à identidades unificadas. Estes fenômenos consistem em formas de conceber as identidades (tradução e tradição), em meio ao fluxo de trocas tanto sociais quanto materiais na era da globalização, de maneira que de um lado, busca-se reforçar as particularidades culturais e de outro evidencia-se um caráter mais dinâmico. Assim, as concepções de que haveria uma substituição do sentimento de pertencimento do local pelo global, dão lugar a uma percepção de que há uma nova articulação entre os dois, trazendo, contudo, resultados contraditórios.