albee, edward - a história do jardim zoológico

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li AHISTÓRIA DO momento, enquanto limpa os óculos. JERRY - Então, vo quer arran- '/ 1 1 Volta à leitura. Entra Jerry. jar é câncer na boca ;ev ai ter que li JARDIM JERRY - Vim do Jardim Zooló- usar uma daquelas coisas que Freud usava . depois que arrancaram um I ZO OLÓ GI C O" gico. (Peter não o nota). Eu falei , lado inteiro do queixo dele. Como li Eu falei que estive no zoológico! EI, é mesmo que se chamava aquilo? Edward Albee SEU,EU ESTIVE NO JARDIM PETET (Sem je it o .) - Um apa- ZOOLÓGICO! relho prot ético. PETER - Ein? ... Oquê? ... Des- JER RY - Isso mesmo, um apare- culpe,o senhor estava falando . co- lho prot ét ico. Vo é um homem m igo? inst ru íd o, não é? Você é dic o? JERRY - Eu fui ao . zoológico e, PETER - Oh , não. É que eu li depois, caminhei até aqui. Essa éa i sso em algum lugar ; acho que foi quinta avenida? (Apontando além no "Tim e" . (Ele volta ao seu li vro .) Trad ão de Luiz Carlos Maciel da plat éia). J ERRY- Bem,o" Ti m e" PETER - Bem ... eu. .. acho que para qualquer um. Int érpre tes: sim.. . Deixa eu ver... Ali, é; é PET ER - Nã o, ac ho que o. sim . JERRY ( De po is de uma pausa )- PETER - Um homem de quarenta JERRY - E que rua transversal é Puxa , estou contente de saber que anos, nem gordo nem magro,' nem aquela da direita? aquela éa quinta a venida. bonito nem feio. Veste um paletó de PETER - Aquela? Oh, aquela é a PETER (Vagam ente ) - É? tw eeâ, fuma cachimbo e usa óculos Rua Setenta e Quatro. J ERRY - Eu não gosto muito do de aros. Ap esar de caminhar para a JERRY - O Jardim Zoológico fica lado oes te do p arque. me ia-idade , suas roupas e suas ma- perto da Rua Sessenta e Seis; logo neiras sugeririam um homem mais eu estou caminhando para o norte. PETER - Não? (Com prudência, m o. PETER (Ansioso para continuar a mas interessado ) por quê? JERRY - Um homem de quase leitura.) - É, pare ce q ue sim. JERRY (Fora do assunto) - Não sei; / quarenta anos, vestido com certo J ERRY - O velhon orte, o bom PETER (Volta ao seu livro) - Oh! desleixo. Seu corpo, que foi, uma norte. vez elegante, de leve mtlsculatura, PETER (Levemente, por reflexo. ) JERRY (Pára por alguns segundos, começa .a ficar gordo, e apesar de olhando Peter, que, f inalmente, le- não ser mais bonito, aparenta ter - Ah, ah. vanta os olhos, outra ve?, perplexo ) sido. A perda de sua graça física JERRY (Depois de uma bre ve pau- - Você se incomoda e conversar não devia sugerir devassidão; para sa.) - Mas oéb em o norte. comigo? ser mais exato, ele parece, antes can- PETER - o... o é bem o PETER (Levemente incomodada) sado e acabado . norte. Mas s. .. so chamamos - Bem ... não, . CE NA : Central Park; uma tarde norte. Para o norte. J ERRY - Bem... ·mas não está de domingo no verão; época atual. JERRY ( Observa Pet er que, ansio- querendo conversar. É, você se im- dois bancos, sendo um de cada so para se ver livre dele, prepara o porta sim. lado do p alco, mas ambos de frente cachimbo.) - Olha r apaz, .você não PETER - Não, eu, sinceramente, paraa plat éia. Atrás deles: árvores , quer arranjar um câncer no pulmão, não me importo. fol h agen s, c éu. Peter está sentado num dos bancos. Marcações do pal- quer? JERRY - Você se importa sim. co: qu ando sobe a cortina, ele está PETER (Levanta os ol hos, primei- PETER (Finalmente, decidido) - se nt ado no banco da direita. Está ro aborrecido, depois sorri .) - Não, Não, na verdad e, eu não me impor- 15 lendo um li v ro. Pára de ler, por ' um senhor; o com isso aqui. . to, absolutamente.

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Page 1: Albee, Edward - A história do jardim zoológico

liAHISTÓRIA DO momento, enquanto limpa os óculos. JERRY - Então, você quer arran- '/ 11

Volta à leitura. Entra Jerry. jar é câncer na boca; e vai ter queliJARDIM JERRY - Vim do Jardim Zooló-

usar uma daquelas coisas que Freudusava .depois que arrancaram um I

ZOOLÓGICO" gico. (Peter não o nota). Eu falei , lado inteiro do queixo dele. Como liEu falei que estive no zoológico! EI, é mesmo que se chamava aquilo?

Edward AlbeeSEU,EU ESTIVE NO JARDIM PETET (Sem jeito.) - Um apa-ZOOLÓGICO! relho protético.

PETER - Ein? ... Oquê? ... Des- JERRY - Isso mesmo, um apare-culpe, o senhor estava falando .co- lho protético. Você é um homemmigo? instruído, não é? Você é médico?

JERRY - Eu fui ao .zoológico e, PETER - Oh, não. É que eu lidepois, caminhei até aqui. Essa é a isso em algum lugar; acho que foiquinta avenida? (Apontando além no "Time". (Ele volta ao seu livro.)

Tradução de Luiz Carlos Maciel da platéia). JERRY- Bem, o "Time" não éPETER - Bem .. . eu. .. acho que para qualquer um.

Intérpretes: sim.. . Deixa eu ver... Ali, é; é PETER - Não, acho que não.sim.

JERRY (Depois de uma pausa) -PETER - Um homem de quarenta JERRY - E que rua transversal é Puxa, estou contente de saber que

anos, nem gordo nem magro,' nem aquela da direita? aquela é a quinta avenida.bonito nem feio. Veste um paletó de PETER - Aquela? Oh, aquela é a PETER (Vagamente) - É?tweeâ, fuma cachimbo e usa óculos Rua Setenta e Quatro.

JERRY - Eu não gosto muito dode aros. Apesar de caminhar para a JERRY - OJardim Zoológico fica lado oeste do parque.meia-idade, suas roupas e suas ma- perto da Rua Sessenta e Seis; logoneiras sugeririam um homem mais eu estou caminhando para o norte. PETER - Não? (Com prudência,moço. PETER (Ansioso para continuar a

mas interessado) por quê?

JERRY - Um homem de quase leitura.) - É, parece que sim. JERRY (Fora do assunto) - Nãosei; /

quarenta anos, vestido com certo JERRY - O velho norte, o bomPETER (Volta ao seu livro) - Oh!desleixo. Seu corpo, que foi, uma norte.

vez elegante, de leve mtlsculatura,PETER (Levemente, por reflexo.)

JERRY (Pára por alguns segundos,começa .a ficar gordo, e apesar de olhando Peter, que, finalmente, le-não ser mais bonito, aparenta ter - Ah, ah. vanta os olhos, outra ve?, perplexo)sido. A perda de sua graça física JERRY (Depois de uma breve pau- - Você se incomoda e conversarnão devia sugerir devassidão; para sa.) - Mas não é bem o norte. comigo?ser mais exato, ele parece, antes can- PETER - Não... não é bem o PETER (Levemente incomodada)sado e acabado. norte. Mas nós. . . nós o chamamos - Bem ... não, nã .

CENA: Central Park; uma tarde norte. Para o norte. JERRY - Bem... ·mas não estáde domingo no verão; época atual. JERRY (Observa Peter que, ansio- querendo conversar. É, você se im-Há dois bancos, sendo um de cada so para se ver livre dele, prepara o porta sim.lado do palco, mas ambos de frente cachimbo.) - Olha rapaz, .você não PETER - Não, eu, sinceramente,para a platéia. Atrás deles: árvores, quer arranjar um câncer no pulmão, não me importo.folhagens, céu. Peter está sentadonum dos bancos. Marcações do pal- quer? JERRY - Você se importa sim.

co: quando sobe a cortina, ele está PETER (Levanta os olhos, primei- PETER (Finalmente, decidido) -sentado no banco da direita. Está roaborrecido, depois sorri.) - Não, Não, na verdade, eu não me impor-

15lendo um livro. Pára de ler, por 'um senhor; não com isso aqui. . to, absolutamente.

Page 2: Albee, Edward - A história do jardim zoológico

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JERRY .- É... está fazendo ummito dia.PETER ·(Fixa, desnecessariamente,céu) - É... é sim; está muito

mito.JERRY - Eu estive no Jardim)ológico.PETER - Você já me disse isso,

~ d' ?ues ... nao isse.

JERRY - Amanhã você vai lerbre isso nos jornais, se você nãosistir na sua televisão hoje à noite.ocê tem televisão, não tem?

PETER - Tenho sim. Nós te­os duas; uma para as crianças.

JERRY - Você é casado?PETER (Satisfeito, com ênfase) ­m; é ló~co que sou.JERRY - Bem, mas ser casado.0 é uma obrigação.PETER - Não... claro que não.JERRY - Você tem esposa.PETER (Espantado pela aparente'ta de relação) - Claro!JERRY - E você tem filhos.PETER - Tenho dois.JERRY - Meninos?PETER - Não, meninas... duas.nmas,JERRY - Mas você queria merlOS.

PETER - Bem... naturalmente,ia homem quer um filho, mas ...JERRY (Zombando) - Só que vocêo descobriu a receita.PETER (Chateado) - Eu não quis:er ISSO.

JERRY - Vocês não pretendem. mais filhos, pretendem?

PETER (Um pouco distante) ­:0. (Voltando-se aborrecido.) Por

que você pergunta? Como você podesaber?

JERRY - Pelo jeito de você cruzaras pernas; alguma coisa na sua voz;ou, talvez, seja somente um palpite.É por causa de sua mulher?

PETER (Furioso) - Isso não é dasua conta. (Jerry diz sim com a ca­'beça. Peter acalmando-se.) Bem,você tem razão. Nós não vamos termais filhos.

JERRY (Suave) - É... você nãodescobriu a receita.

PETER (Perdoando) - É... achoI que não.

JERRY - E, agora, que mais?PETER - Oque éque você estava

falando sobre Jardim Zoológico ...Que eu ia ler, ou ver? ..

JERRY - Vou lhe contar daqui apouco. Você se importa que eu façamais perguntas.

PETER - Oh, não!JERRY - Eu lhe digo porque; eu

não falo com muita gente - só paradizer coisas, como: "me dá uma cer­veia" ou "onde é o mictório" ou, ,"que hora o filme começa", ou ain­da, "tira a mão daí, rapaz" - Vocêsabe. .. coisas assim.

PETER - Não, não compreendo.JERRY - Mas de vez em quando

eu gosto de conversar com alguém;conversar, realmente; gosto de ficarconhecendo esse alguém; de sabertudo sobre ele.

PETER (Sorrindo, mas ainda semjeito) - E eu fui escalado pra hoje?

JERRY - Numa ensolarada tardede domingo como essa? Quem me­lhor do que você, um homem bemcasado, com duas filhas e. .. um ca­chorro? (Peter sacode a cabeça) ...Não? Dois cachorros. (PeJer sacodea cabeça.) Nenhum cachorro? (Peter

sacode a cabeça melancolicamente.)Oh, que pena! Mas você parece gos­.tar de animais. Gatos? (Peter faz quesim com a cabeça, tristemente) Ga­tos? Mas isso não pode ter impor­tância para você, mas... para suamulher: '.. suas filhas. (Peter faz quesim com a cabeça) Há mais algumacoisa que eu deva saber?

PETER (Limpando a garganta) ­Há. .. Há ainda dois periquitos ...um para cada uma de minhas filhas.

JERRY - Pássaros.

PETER - Eles ficam presos numagaiola no quarto de minhas filhas.

JERRY - São doentes? .. os pás­saros?

. PETER - Creio que não.JERRY - É pena. Se fossem doen­

tes você poderia soltá-los e os gatospodiam comê-los e, talvez, morrer.(Peter fica pálido por um momentoe, depois, sorri) E que mais? Comoé-que você pode sustentar essa fa­mília toda?

PETER - Eu... trabalho na di­reção de uma. .. uma pequena edi­tora. .. nós publicamos livros esco­lares.

JERRY - Ótimo, excelente. Quan­to é que você ganha?

PETER (Ainda animado) - Espe­ra aí ...

JERRY - Oh, vamos, diga.PETER - Bem, eu ganho cerca de

1.800 dólares por ano, mas nuncaando com mais de quarenta dólaresno bolso. .. no caso de você ser ...assaltante ...

JERRY (Ignorando o dito acima)- Onde é que você mora? (Peterestá relutante.) Olha, seu não pre­tendo roubar você, nem seus passa­rinhos, nem seus gatos 01) suas filhas.

, .

Page 3: Albee, Edward - A história do jardim zoológico

II

PETER '(Muita alto) - Eu moro JERRY (Divertindo, mas não achan-. I

. lugar? Usar o velho truque do curio-j

!Ientre Lexington.ea Terceira Aveni- da graça) - Está bem. Mas a ver- so? Bem, éfácil eu lhe explico; moroI

da, na Rua Setenta e Quatro. dade é que você estava querendo me numa pensão de quatro andares, no !,

JERRY - Não foi difícil dizer, foi? agradar. . fim da zona oeste, entre a Avenida

PETER - Eu não quis parecer ...PETER - Você não precisa falar Coiumbus eo oeste do Central Park.

assm. Moro no último andar, nos fundos; ,!

é que você propriamente não con- (Neste ponto, Jerry pode come- omeu quarto é ridiculamente peque-versa;.você só faz perguntas. E eusou. .. eu sou, geralmente, um reti-

çar acaminhar pelo palco com lenta, no e uma das paredes é feita de tá-

cente. Por que você fica parado aí?mas crescente resolução e autorida.. bua; essa parede separa meu quartode, medindo os passos de tal manei- de um outro, também, incrivelmente

JERRY - Eu vou andar por aqui, ra que a longa fala sobre o cachor- pequeno; por isso eu acho que osdurante algum tempo e, de vez em ro vem no ponto mais alto da curva.) dois quartos foram antes um quartoquando, eu me sento. . (Lembran- JERRY - Está bem. Quais são os só, mas não .tão pequeno. O quarto Ido-se) Espere até você ver a expres- seus escritores favoritos? Baudelaire do outro lado de minha parede desão da cara dele. e J.P.Marquand? tábua é ocupado por uma "bicha"

PETER - A cara de quem? Olha PETER (Cauteloso) - Bem, gosto negra, que' sempre deixa a porta doaqui; é alguma coisa sobre o Jardim de inúmeros escritores; tenho uma seu quarto aberta; bem, nem sem-Zoológico? considerável ... digamos, liberdade pre, mas sempre que ela está depi-

JERRY (Distante) - Oquê? de gosto. Esses dois que você citou lando as sombrancelhas, o que ela

PETER - O zoológico. Alguma , são excelentes, cada um no seu gê- faz como um ritual budista. Esta bi-cha negra tem dentes estragados, o

coisa sobre o Jardim Zoológico. nero. (Entusiasmando-se) Baudelai-que não é comum; tem também um

JERRY - Ozoológico? re, naturalmente ... é de longe omelhor dos dois, mas Marquand tem quimono japonês, o que é também

PETER - Você o mencionou vá- seu lugar .. . em nossa ... literatura. bastante raro; e usa o quimono paranas vezes. JERRY - Chega.

ir e voltar ao banheiro, no hall, o

JERRY (Ainda distante, mas vol- que é bastante freqüente. O que euPETER - Desculpe.

tando bruscamente) - O Jardim quero dizer é que ela vive indo ao

.Zoológico. OJardim Zoológico? Ah, JERRY -Você sabe o que eu fiz banheiro. Mas nunca me chateia, e

sim, o zoológico. Eu estive lá antes antes de ir ao Jardim Zoológico, nunca leva ninguém para seu quarto.

de vir para cá. Já lhe disse isso. Diga, hoje? Andei toda a Quinta Avenida, Tudo q.ue ela faz é depilar as som-

,qual é 'a linha divisória entre a alta- desde Washington Square. brancelhas, usar seu quimono e ir

média classe-média e a baixa-alta PETER - Ah, você mora no Vil- ao banheiro. Já os dois quartos da

classe-média? lage? [Isso parece interessar Peter.) frente no meu andar são um pouco

PETER - Meu caro amigo, eu . . . JERRY - Não. Tomei o subway até maiores eu acho; mas também não

JERRY - Não me chame de caroo Village de modo que eu pudesse são grandes. Tem uma família porto-

. . caminhar a Quinta Avenida inteira riquenha num deles; o marido, a mu-amigo. atéozoológico. Essa é uma das coi- lher e algumas crianças; não sei

PETER (Infeliz) - Eu estava ape- sas que uma pessoa tem que fazer; quantas. Essa gente me diverte umnas, querendo ser amável. Descul- às vezes, uma pessoa tem que se afas- bocado. E.no outro quarto da frentepe. Mas você compreende, sua per- tar muito do caminho para atingir tem alguém morando lá, mas eu não

.gunta sobre classe me desconcertou. um ponto relativamente próximo. sei quem é. Nunca vi. Nunca, nunca.

JERRY - E quando você se des- PETER (Quase com desagrado) - Jamais.

concerta, você fica amável? Ah, eu pensei que você morasse no PETER '(Embaraçado)- Por quê...

PETER - Eu ... eu não me ex- Village. Por quê... Por quê você mora nessa

.pressa bem, às vezes. (Tem uma pia- JERRY - Oque é que você está casa?da sobre si mesmo) Eu sou um edi- tentando dizer? Encontrar um sen- JERRY (Distante, outra vez) -tor, não... um escritor. tido nas coisas? Colocar as coisas no Não sei. 17

Ir;.. - ---",---= - - ...........

...........~-

Page 4: Albee, Edward - A história do jardim zoológico

PETER - Não me parece um lu­r dos mais agradáveis... ondecê mora.

JERRY - Bem, não; não é umartamento como os do seu bairro.1S não tenho uma esposa, duas fi­s, dois gatos e dois periquitos.que eu tenho: artigos de toillete,nnnas roupas, um fogareiro, que

não devia ter, um abridor deas do tipo que funciona como umaave, você sabe; uma faca, doisfos, e duas colheres, uma grande

A Iuna pequena; tres pratos, uma n-ta, um pires, um copo, duas mol­ras para fotografias, ambas vazias,s oito ou nove livros, um baralhornográfico, um baralho comum,la velha máquina de escrever Wes­n Union que só bate as letrasiiúsculas e um pequeno cofre sem:hadura, que tem dentro ... o quê?dras! Algumas pedras que eu apa­ei na praia, quando era garoto;baixo delas, estão algumas cartas

d d " did "iassa as... cartas e pe 1 os ,r favor, por que você não faz isso;r favor, quando você fará aquilo.cartas de "perguntas", também:

iando você vai escrever? Quandocê virá? Quando? Quando? Ouan­?Estas cartas são as mais recentes.PETER (Mal humorado fixa seusJatos e, então) - E aquelas duasIIduras vazias?JERRY - Não vejo necessidadenhuma de maior explicação. Não:á claro? Não tenho fotografias deigu ém para colocar nelas.PETER - Seus pais... talvez ...Ia namorada ...JERRY - Você é um homem de­ado e de uma incoerência verda­iramente invejável. Mas minhaerida mãe e meu querido pai es­) mortps... e isso me entristece,

você sabe... Mas aquela conhecidadupla de "vaudeville" está represen­tando agora nas nuvens e eu não seicomo poderia contemplá-los arruma­dinhos .e emoldurados num quarto.Além disso, ou, antes disso, para serexato, a querida mamãe abandonou

.o querido papai quando eu tinhapouco mais de dez anos; ela embar­cou numa excursão adúltera, atravésdos Estados do Sul... uma tournéeque durou um ano... e a compa­nhia mais constante que ela teve ...entre outros... entre muitos ou­tros. .. era um tal Mr. Barleyearn.Pelo menos, foi o que o querido pa­pai me contou, depois que ele foi aoSul. .. evoltou. .. trazendo o corpodela. Nós tínhamos recebido a no­tícia, veja você, entre o Natal e oAno Novo, de que a querida mamãetinha ido desta vida para outra me­lhor num daqueles imundos cortiçosdo Alabama. E morta, ela era menosbem-vinda. Eu quero dizer que aquerida mamãe não passava de umcorpo rígido e frio. De qualquer ma­neira, o meu bom e velho pai cele­brou o Ano Novo por umas duassemanas e, depois, se atirou na fren­te de um ônibus, o que mais ou me­nos resolveu este problema familiar.Bem, não; depois então, teve a irmãda querida mamãe que não era dadanem ao pecado nem às consolaçõesdo álcool. Eu me mudei para a suacasa e só me recordo da severidadede tudo que ela fazia: dormir, co­mer, trabalhar, rezar. Ela caiu mor­ta nas escadas de seu apartamento,

: que, então, era também o meu, natarde de minha formatura no colégio.Uma piada horrivelmente sem gra­ça, se você quer saber o que eu achodisso tudo.

PETER - Que coisa! . .. que coi­sa! ...

JERRY - Que coisa, oquê? Issotudo já foi há tanto tempo que eujá não consigo integrar-me na his­tória com a mesma emoç~o ou...como se eu fosse personagem delà.Talvez, agora, você possa compreen­der, entretanto, porque a queridamamãe e o querido papai estão semmoldura. Qual é o seu nome? Seuprimeiro nome?

PETER - Peter.. JERRY - Eu tinha esquecido ,de·perguntar. O meu éJerry.

PETFR (Com ligeiro riso nervoso)- Alô, Jerry.

JERRY (Responde com a cabeça)- Agora, vejamos: qual é a razãopara ter a fotografia de uma mulher,.especialmente em duas molduras?Pois eu tenho duas, você se lembra.Nunca deito com uma dona mais deuma vez e a maioria delas não sedeixaria fotografar no quarto nummomento desses. Seria estranho eacho gue triste, também.

PETER - Elas?JERRY - Não. O que é triste é

que eu não consiga estar com umadona mais de uma vez. Nunca fuicapaz de usar o sexo com, ou comose diz?.. ter relações com alguémmais do que uma vez. Uma vez só;e acabou-se... Oh!, espere! Quan­do eu tinha quinze anos... e corode vergonha só em me lembrar quea minha puberdade tenha vindo tan-·to tempo depois, .. eu era um h-o­m-o-s-s-e-x-u-a-l. Eu quero dizer pe­derasta... (Muito rápido .. .) pede­rasta. .. com todos os "ff' e "rr"com sinos badalando, bandeiras des­Iraldadas ao vento. E durante onze:dias, eu me encontrava, ao menosduas vezes por dia, com o filho dosuperintendente do parque... umrapaz grego, cujo aniversário era no,

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Page 5: Albee, Edward - A história do jardim zoológico

mesmo dia do meu, só que ele eraum ano mais velho. Eu me sentiamuito apaixonado. . . mas talvez te­nha sido só sexo. E, agora, eu gostode prostitutas; gosto sim, de verdade.Mas por uma hora.

PETER - Bem, isto me parece per­feitamente compreensível .. ."

JERRY (Irado) - Olha aqui! Vocêvai me aconselhar a casar e criarperiquitos?

PETER (Também irado) - Deixeos periquitos em paz! E continue sol­"teiro se você quiser. Isso não é daminha conta. Não fui eu quem co­meçou essa conversa. .. e...

JERRY - Está bem, está bem. Des­culpe. Então? Você está zangado?PE~ER "(Rindo) - Não, não es­

"tou.

JERRY "(Aliviado) - Ótimo. (Vol­tando ao seu tom anterior.) Ê inte­ressante que você me tenha pergun­tado sobre as molduras. Pensei quevocê fosse me perguntar sobre osbaralhos pornográficos.

PETER (Com um sorriso de quemsabe do que se trata) - Eu conheçoesses baralhos.

JERRY - Não é o caso. (Ri) Euacho que quando você era garoto,você e seus amigos passavam esses"baralhos um para o outro, ou vocêtinha o seu?

PETER - Eu acho que muitos denós tínhamos.

JERRY - Evocê jogou fora poucoantes de se casar.

PETER - Olha aqui. Eu nuncamais precisei dessas coisas, depoisque fiquei mais velho.

JERRY - Não?PETER (Embaraçado) - Eu pre­

f iro não falar sobre esse assunto.

JERRY - Então não fale. Alémdisso, eu não estava tentando desco­brir sua vida sexual, depois da ado­lescência e em épocas difíceis; ondeeu queria chegar era à diferença devalor entre as cartas pornográficasquando você é garoto e cartas por­nográficas quando você é mais ve­lho. Essa diferença é que quandovocêégaroto você usa as cartas comoum substituto para a experiência reale quando você é mais velho vocêusa a experiência real como umsubstituto para a fantasia. Mas creioque você prefere ouvir o que meaconteceu no Jardim Zoológico.

PETER (Entusiasmado) - Oh, sim,no zoológico. (Depois, sem jeito)Quer dizer. .. se você ...

JERRY - Deixe-me contar, porquefui lá ... bem, deixe-me contar-lhealgumas coisas antes. Já lhe falei so­bre o quarto andar da pensão ondemoro. Acho que os quartos são me­lhores nos andares de baixo. Achoque são, não sei. Mão conheço nin­guém no terceiro nem no segundoandar. Oh, espere aí! Sei que há umasenhora morando no terceiro andar,na parte da frente. Eu sei, porqueela chora o tempo todo. Toda vezque saio ou chego. Toda vez quepasso pela porta de seu quarto, sem­pre a ouço chorando, um choro aba­fado, mas muito definido... Muitodefinido mesmo. Mas quero falar éda dona da pensão e sobretudo deseu cachorro. Eu não gosto de usarpalavras muito duras para descreverpessoas. Não gosto. Mas a dona dapensão é gorda, feia, mesquinha,estúpida, suja, ordinária, bêbeda, umsaco de imundice. E você pode ternotado que, como muito raramentesou irreverente, não posso descrevê-latão bem quanto seria possível.

PETER - Você a descreve ... commuito realismo.

JERRY - Obrigado. De qualquermaneira, ela tem um cachorro e eu

"vou lhe falar sobre o cachorro, poisela e seu cachorro são porteiros deminha residência. Amulher já é bas­tante desagradável; ela investe pelohall de entrada, espionando para verse eu não levo coisas ou gente parao meu quarto; e quando ela já to­mou seus dois ou três copos de gincom limão no meio da tarde, elasempre me faz parar no hall e agarrao meu casaco ou meu braço e apertaseu corpo contra o meu para meconservar num canto de tal maneiraque ela possa conversar comígo.Você não pode imaginar o que é ocheiro de seu corpo e o seu bafo . ..e em algum lugar do fundo daquelecérebro do tamanho de uma ervilha,um órgão que desenvolveu apenas osuficiente para Jazê-la comer, beber,falar, ela oferece uma nojenta paró-

•dia dÕ desejo sexual. Esou eu, Peter,sou eu o objeto de sua viscosa se­xualidade.

PETER - Ê revoltante. Ê horrível.JERRY - Mas eu achei uma ma­

neira de conservá-la à distância.Quando ela conversa comigo, quandoela me espreme com seu corpo e co­chicha sobre seu quarto, tentandoconvencer-me a ir até lá, digo, sim­plesmente: mas amor, ontem não foio bastante para você, e anteontem?Então, ela se desconcerta, aperta osseus pequeninos olhos, ela sua umpouco e; então, Peter. .. e neste mo­"menta é que eu acho que praticoalgo de bom naquela atormentadacasa. .. um sorriso ingênuo começaa se"formar no seu rosto indescrití­vel, e ela dá risinhos e solta gemidosenquanto recorda o ontem e o ante­ontem; enquanto crê e revive o que 19

Page 6: Albee, Edward - A história do jardim zoológico

mca aconteceu. Então, ela me lar­t e caminha para junto daquele

.,.. onstro neg~o que ~ ~ ~,elu . cachorrofirialmente, volta para seu quarto.eu estou salvo, até o nosso pró­

mo encontro.PETER - Isso é tão . . . incrível.cho difícil acreditar quegenteassim:ista, realmente.JERRY (Um pouco zombeteiro) ­coisa gue se lênos livros, não é?PETER (Seriamente) - É.

JERRY - Seria melhor que tudo;0 não passasse deficção. Você temzão, Peter. Bem,o' que eu estouierendo lhe contar é sobre o se~

.chorro; e vou lhe contar agora.PETER (Nervosamente) - Ah,n; o cachorro.JERRY - Não vá embora. Vocêío está pensando em ir, está?PETER - Bem. . . não.JERRY(Comose se dirigisseaumaiança) - Porque depois de eu lhentar sobre o cachorro, sabe, en­o. .. então eu vou falar sobre ote aconteceu no Jardim Zoológico.PETFR (Sorrindo, timidamente) ­ocê. .. você é cheio de histórias,io é?JERRY - Você não é obrigado acutar. Ninguém está prendendolcê aqui; lembre-se disso. Ponha;0 na cabeça.PETER - Eu sei.JERRY - Sabe mesmo? Ótimo.I seguinte e longa narrativame pa­ce que pode ser feita com uma~l11de movimentação, para se obterm ela um efeito hipnótico em Pe­• e na platéia, também. Algunsovimentos específicos foram suge­los, mas o diretor e o ator que in­'preta Jerry poderão obter melhor~ultado por si mesmos.) . Bom.

(Como se lesse num enorme cartaz)a história de Jerry e o cachorro.(Nova~ne~ten ~tural.), 9q~e vou lhecontar tem algo que 'ver com as ra­zões pelas quais às vezes é necessá­rio que uma pessoa se afaste muitodo caminho para atingir um pontorelativamente próximo; ou tambémseja somenteeu que penso assim. Emtodo o caso, foi por isso que fui aoJardim Zoológico hoje e porque ca­minhei em direção ao norte... atéque cheguei aqui. Bem. O cachorro,eu acho' que já lhe disse, é um ver­dadeiro monstro negro; tem uma ca­beça desproporcionalmente grande,orelhas pequenas, bem pequenas, eolhos. .. injetados de sangue, talvezporque estejam infeccionados; quan­to ao corpo, você pode ver as cos­telas dele através da pele.. Ocachor­ro é negro, todo negro; todo negrocom exéeção dos olhos avermelha­dos, e... sim... U1I!a feri~a ' abertaem sua pata dianteira... direita .. .que também é vermelha. E, ah, o

' pobre monstro, eu acho que é umcachorro velho mesmo.. . certamen-te, um cachorro velhoe maltratado .Quase sempre tem uma ereção .também vermelha, portanto. E .

. ? h' h' Ique mais.. .. a , SIm; a aque a corcinza, amarela, esbranquiçada, tam­bém, quando ele mostra as presas.Assim: foi isso que ele fez, quandome viu pela primeira vez.. . no diaem que mudei para a pensão. Tivemedo daquele animal, no primeiromomento que o vi. Animais não vãocoma minha cara, como se eu fosseSão Francisco que vivia com pássa­ros dependurados nele o tempo todo.Eu quero dizer é que os animais mesão indiferentes . . . como as pessoas(Sorri, ligeiramente ... ) na maioriadas vezes. Mas esse cachorro nãome era indiferente. Desde o começo,

ele vinha rosnando para agarrar umadas minhas pernas. Não era raivoso,não, você, sabe; era um cachorromeio trôpego; mas que corria muitobem ainda. Entretanto, eu sempreconseguia fugir. Uma vez, ele arran­cou um pedaço da minha calça, olhe,você pode ver aqui, onde está re­mendado; foi no dia seguinte à mi­nha chegada; mas com um pontapéme livrei dele e corri, rápido, paracima (Intrigado.) Até hoje não des­cobri como os outros hóspedes searranjam com ele; mas você, certa­mente, já sabe o que eu penso; achoque era só comigo. De qualquer ma­neira, isso continuou por uma se­mana, sempre que eu chegava: masnunca quando eu saía. É engraçado.Ou melhor, era engraçado. Eu po­deria arrumar a mala e viver na ruapor causa do cachorro. Bem, eu es­tava pensando nisso um dia no meuquarto, depois de ter sido corridopelo cachorro até lá. E decidi. Pri­meiro, vou sufocar esse cachorro degentilezas e se isso não der certo ...vou matá-lo, simplesmente. (Peterestremece) Não reaja a nada Peter:escute, só isso. Assim, no dia se­guinte, saí e comprei um pacote desanduíches de carne, mal passada,semmolho e sem cebola; no cami­nho para casa, joguei fora o pãoe guardei só a carne. (Talvez, açãopara a cena seguinte) Quando che­guei à pensão, o cachorro estava es­perando por mim. Entreabri a porta,e lá estava ele no hall, esperando por 'mim. Entrei, com toda cautela, e não -'se esqueça: com a carne na mão;abri o pacote e botei a carne nochão a uns quatro metros de ondeo cão estava rosnando para mim.Assim! Ele rosnou; parou de rosnar;fungou, e começou a andar, lenta- ·mente; e em seguida, mais rápido;

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e mais rápido na direção da carne,Bem, quando ele chegou perto dela,parou e olhou para mim. Eu- sorri;

",,,,, ' mas ,para experimentar a.reação dele,você compreende. Ele virou a carapara a carne, cheirou-a, fungou mais,e então RRRRAAAA GGGHHHH,desse jeito. .. e passou a abocanharos pedaços. Era como se ele nuncativesse comido nada em sua vida,com exceção do lixo. O que deviaser verdade. Acho que a dona dapensão só come lixo. Bem, ele co­meu a carne toda, quase que tudode uma vez, fazendo ruídos na gar­ganta como uma mulher. Então, de­pois que ele terminou de comer acarne, e de ter tentado comer tam­bém o papel, ele sentou e sorriu.Acho que ele sorriu; sei que gatossorriem. Foi, para mim, um momen­to muito grato. Então, GGRRR... ,ele rosnou e avançou desta vez. En­tão, fui para o meu quarto, deiteie comecei a pensar de 1l0VO flO ca­chorro. Para falar a verdade, eu mesentia ofendido e estava furioso, tam­bém. Afinal, eram seis excelentessanduíches de carne sem molho ...Eu tinha sido ofendido. Mas" poucodepois, decidi tentar a mesma coisapor mais alguns dias. Como vocêdeve ter percebido, o cachorro vinhaalimentando aquela antipatia comigo.E eu imaginava que não seria capazde superar essa antipatia. Assim, ten­tei por isso mais cinco dias, masacontecia sempre o mesmo: ele ros­nava, fungava, caminhava, mais rá­pido, me olhava, avançava na carne,GRRRRRR sorria, rosnava, Grrr .. .Bem, por esta época a Avenida Co­lumbus já estava coalhada de pãese eu estava já mais enojado do queofendido. Portanto, decidi matar ocachorro. (Peter ergue a mão emprotesto) Oh, não fique alarmado,

Peler, nãn fui bem sucedido. No dia Grrr. .. Eu disparei .:da acima- lem que decidi matar o cachorro, como de costume. E ACONTECEI] !comprei apenas um sanduíche, de QUE O ANIMAL FICOU MOR- ;carne e aquilo que eu pensei que . .TALMENTE DOENTE. Fiquei ·sa-fosse uma mortífera porção de ve- bendo disso, porque ele passou a nãoneno para rato. Quando comprei o me esperar mais epor que adona dasanduíche, disse ao homem que não pensão parou de beber. Ela me fezse preocupasse com o pão, porque parar no hall na mesma noite daeu só queria a carne. Esperei uma tentativa de homicídio e me coníi­reação dele, como: "nós não vende- denciou que Deus havia atingido seumos nenhum sanduíche de carne sem querido cachorrinho com um golpepão"; ou, "o que é que vai fazer; certamente fatal. Ela havia esqueci- osegurar a carne para comer?" Mas do de sua descontrolada sensualida­não: ele sorriu, embrulhou a carne de e seus olhos estavam muito aber­em papel impermeável e disse: "Uma tos, pela primeira vez. Pareciam osmordida para seu gatinho?" Eu aí olhos do cachorro. Choramingou equiz dizer: "Não, não é bem isso; implorou qUt eu rezasse pelo .ca­isto aqui faz parte ,de um plano para chorro. Eu quis dizer: madame, euenvenenar um cachorro que eu co- . já tenho que rezar por mim mesmo,nheço." Mas você não pode dizer pela bicha negra, pela família porto­"um cachorro que eu conheço" sem riquenha, pela pessoa que mora noficar engraçado; então eu disse e re- quarto da frente e que eu nunca vi,ceio que tenha dito um pouco alto pela mulher que chora deliberada­demais e de uma maneira muito for- mente do outro lado da porta fecha-mal: Ê UMA MORDIDA PARA O da, e pelo resto das pessoas de todas I

MEUIh CAICHORRO. Todto mundo as pensões do mundo inteiro; além Jme o ou. sso sempre acon ece quan- do mais, madame, eu não sei rezar.do tento simplificar as coisas, todo Mas. .. para simplificar as coisas ...mundo me olha. Bem, isso não inte- eu prometi que ia rezar. Ela meressa agora. Ao voltar para a pen- olhou. Disse que eu era um menti-são, misturei co~ as. ~~os a carne roso e 9.ue provavelmente queria quee o veneno,. sentmdo ja, aqu~la altu: °cachorro morresse. Eu respondi, era, .tanta tnsteza quanto ncjo. Abn em minhas palavras havia muita sin-a porta do hall e lá estava o mons- ceridade, que não desejava a mortetro, esrerando para ap?ssar-se da do cachorro. Não queria, e não eracostumeira oferta e, depois, saltar em só porque tinha sido eu quem o tinhacima de mim. Pobre coitado, ele ja- envenenado. Receio que tenha de lhemais soube que, no momento em dizer que eu queria que o cachorroque ele sorriu para mim antes de se vivesse para ver o que aconteceriaaproximar, foi suficiente para pas- com as nossas novas relações. (Petersar a minha raiva. Mas, lá estava ele demonstra seu crescente desgosto epreparando para atacar, esperando. um antagonismo que, também, cres-Botei o bolo de veneno no chão, ce, lentamente) Por favor compreen­aproximei-me da escada e fiquei da Peter; essas coisas são importan­observando. O pobre animal engoliu teso Você deve acreditar em mim;a comida como de costume, sorriu, isso é importante. Nós precisamoso que quase me fez mal, e então, conhecer os efeitos de nossas ações. 2í

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(Outro profundo suspiro) Bem, dequalquer maneira, ocachorro. r~~upe.rou-se. Não tenho a menor ldela decomo ou por que, a não ser que eleseja um enfeitiçado cão que guardaos portões do inferno ou outro re­fúgio do mesmo tipo. Não estou bemlembrado de minha mitologia. Vocêestá? (Peter começa a pensar, masJerry continua) De qualquer manei­ra, e você já perdeu a oportunidadede ganhar por uma pergunta no va­lor de oito mil dólares, Peter; dequalquer maneira, o cachorro nãomorreu e a dona da pensão recupe­rou a sua sede, em nada alteradapelo renascimento de seu latido. De­pois de ter assstido a um filme queestava sendo levado em um cinemada Rua Quarenta e Dois, um filmeque eu já tinha visto; depois da donada pensão ter-me contado que seucachorrinho estava melhor, estavacerto de que ele estaria esperandopor mim. Eu estava... bem... como

d· ? duadc? f . d?se IZ.... se UZI o.... ascma o....'"'- não, não era bem isso... eu estava

ansioso ao ponto de ter o coraçãopartido, é isso. Eu estava ansioso aoponto de ter o coração partido parame ver, mais uma vez, frente à fren­te com o meu amigo. (Peter reage)Sim, Peter, amigo. É a única palavraad.equada. Eu estava ao ponto de tero coração partido, etc., para estar,uma vez mais, frente à frente como meu amigo cão. Entrei pela portae avancei, sem medo, até o centrodo hail. O animal estava lá... fi­tando-me. Olhei para ele; ele olhoupara mim. Acho que... acho quenós ficamos muito tempo assim .petrificados, como duas estátuas .olhando um para o outro. Eu olheimais para sua cara do que ele olhoupara a minha. Eu quero dizer que

'.22_posso me encontrar durante mais

tempo em olhar para a cara de umcachorro do que um cachorro podese encontrar em olhar para a minha,ou para qualquer outra pessoa, tan­to faz. Mas durante aqueles vintesegundos - ou aquelas duas ho­ras - que nós nos olhamos, umpara a cara do outro, nós estabele­'cemos um contato. E era isso -queeu queria que acontecesse; eu agoragostava daquele cachorro e queriaque também gostasse de mim. Eu ti­nha tentado gostar dele e eu tinhatentado matá-lo, sem sucesso. Euesperava que isso acontecesse, masnão sei porque esperava lue um ca­chorro pudesse compreender algumacoisa, muito menos minhas razões...mas eu tinha esperança. (Peter pa­rece hiplwtizado) É que ... éque ...(Jerry eslá estrgnhamente tenso, ago­ra) , .. é que se você não pode con­viver com gente, você precisa ten­tar. ,. de alguma forma COM ANI­MAIS! (Muito mais rápido agora,como um conspirador) Você nãocompreende? Uma pessoa tem queencontrar uma maneira de relacio­nar-se com alguma coisa. Se nãopode com as pessoas. .. se não podecom as pessoas... com ALGUMACOISA. Com uma cama, com umabarata, com um espelho... não,isso seria difícil demais, este seriaum dos últimos passos a tomar. Comuma barata... com... com... comum tapete, com um rolo de papelhigiênico.. não, isso também não...Você está vendo como é difícil en­contrar coisas? Com a esquina deuma rua, com muitas luzes de todas,.as cores refletindo no chão oleoso eseco das ruas. .. com um pouco defumaça. .. um pouco... de fuma­ça ... com ... com baralh()~ porno­gráficos, com um cofre. . . SEM CA­DEADO... com o amor, com o vô-

mito, com o choro, com o dese­jo, porque as prostitutas não sãoprostitutãs, quando ganham dinheirocom o seu corpo - o que é umato de amor e eu poderia pro­vá-lo - com o gemido, porque vocêestá vivo, com Deus. Que tal essa?COM DEUS QUE É UMA BICHANEGRA QUE USA QUIMONO EDEPILA AS SOMBRANCELHAS?QUE É UMA MULHER QUE CHO­RA DECIDIDA DO OUTRO LADODA PORTA FECHADA... comDeus que, segundo me contaram, deuas costas a tudo algum tempo atrás...com - algum dia - com as pes­soas. As pessoas. Com uma idéia;um conceito. E que lugar melhorpara transmitir uma idéia simples doque o hail de entrada de minha pen­são? Ali, seria UM COMEço! Oque é melhor para um começo ...para compreender e, possivelmente,ser compreendido... para um co­meço de entendimento do que com...(Aqui Jerry parece cair numa fadigaquase grotesca). .. do que com UMcachorro. Simplesmente: um cachor­ro. (Aqui, silêncio que pode ser pro­longado por um instante ou mais;depois, Jerry, fatigado, termina a suahistória.) Um cachorro. .. Me pare­te uma idéia perfeitamente válida.Lembre-se de que o homem é o me­lhor amigo do cão. Portanto: eu e ocachorro ficamos olhando, um parao outro. Eu mais tempo do que ocachorro. Eo que eu via, então, erasempre a mesma coisa, depois desseencontro. Agora, sempre que eu eo cachorro nos vemos, nós paramosonde estamos. Olhando um para ooutro com mistura de tristeza e sus­peita e fingimos uma indiferença mú­tua. Passamos um pelo outro comsegurança; compreendemo-nos. Étriste, mas você tem que admitir que

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PETER - Eu não estava 'esperan- 'do ninguém.

JERRY --:.. Não, eu não quero di­zer isto. Mas você me .encontrou. ;-,':eu estou aqui e não vou embora.

PETER (Consultando o relógio) ­Bem, você pode ficar, mas eu tenhode ir embora.

JERRY - Ora, vamos; fique maisum pouco. .

PETER - Eu tenho de ir paracasa; você compreende que ...

JERRY (Fazendo cócegas nas cos­tas de Peter) - Ora, vamos ...

PETER (Sente muita cócegas, Jerrycontinua e- avoz dele vai ficando emfalsete) - Não, eu... OHHHHH!Pare com 'isso. Não faça isso. Pare.OHHHH, não, não.

JERRY - Ora, vamos.

PETER (Jerry continua a fazer có­cegas) - Oh, hi, hi, hi. Eu tenhoque ir embora. Eu. .. hi, hi, hi. Afi­nal de contas... Pare com isso,pare, hi, hi, hi, afinal de contas osperiquitos já deverão estar jantandodaqui a pouco. Hi, hi, e os ' gatosestão botando a mesa. Pare, pare, e,e... (Perdeu todo o controle) enós 'vamos... hi, hi, hi... uh...ho ho ... ho ... (Jerry pára defazer cócegas em Peter, mas a com­binação das cócegas e suas própriasextravagâncias poem Peter rindoquase histericamente. Durante o seuriso, Jerry observa-o com um sor­riso curioso e fixo.)

JERRY - Peter?PETER - Oh, ha, ha, ha, ha, ha,

ha, ha. O quê? O quê?JERRY - Escute aqui.PETER - Oh, ho, ho, ho... o

que é, Jerry? Oh .. .

. nós nos compreendemos. Tínhamos I PETER - Não, não é mentira.feito várias tentativas de contato, JERRY '(Calmo) .:.... Tentei explicarmas falhado. O cachorro voltou ao tudo enquanto contava a 'história.lho eeu ganhei uma ~assagem soli- E contei devagar, ela se refere à... -tária, mas livre. Eu nãc voltei. Que- PETER _ NÃO QUERO OUVIRro dizer que ganhei uma passagem MAIS NADA. Você não me inte-livre e solitária, se é que uma perda ressa, nem a dona da pensão e mui-pode ser mais considerada como um to menos o cachorro dela ...lucro, Aprendi que nem a delicadeza JERRY _ O cachorro dela! Eue a crueldade por si mesmas, inde-

d . pensei que ele fosse meu ... Não.pendentes, uma a outra, cnam um Você tem razão. O cachorro é dela,resultado que as supere; e aprendi Peter. (Olha Peter decididamente,que as duas combinadas, juntas ao sacudindo a cabeça) Eu não sei omesmo tempo, criam verdadeira emo-

I que tinha na cabeça; é claro queção. Oque é,ganho é perda. E qua você não pode compreender. (Mo-foi o resultado? Nós, o cachorro e

nótono e cuidadoso) Eu não moroeu, tínhamos alcançado um compro-na sua rua, não sou casado com doismisso. Mais do que uma troca. Não

nos amamos mais, nem nos ferimos, periquitos ou qualquer que seja oarranjo lá da sua casa. Eu sou um

porque não tentamos mais nos apro- transitório permanente, o meu larximar um do outro. E quando eu oI· t - . ato de são as infectas pensões do lado oesteaimen ava, nao era ISSO um

da cidade de Nova Yorque, que éamor? E quando ele tentava me a maior cidade do mundo. Amém.morder, não era isso talvez, um atode amor? (Silêncio. Jerry dirige-se PETER - Desculpe... eu naopara o banco de Peter, sentando-se qUIs ...ao seu lado. Esta é a primeira vez JERRY - Está bem. Desconfia queque Jerry se senta durante a peça.) você não sabe bem o que pensar deFim da história de Jerry e o cachor- mim, não é? 'ro. (Peter está silencioso) Então, Pe- PETER (Tentando uma piada) -ter? (Jerry fica subitamente alegre) A gente encontra pessoas de todosEntão, Peter? Você acha que eu po- os tipos na minha profissão. (Sorrideria vender esta história para "Se- entredentes.)leções" e ganhar duzentos dólares na JERRY - Você é um sujeito en-série "Meu tipo inesquecível?" Ein? graçado. (Força um riso) Saobia dis-(Jerry está muito animado, Pete, so? Você é. .. dotado de uma gran-perturbado) Vamos, Peter, o que é de comicidade.que você acha? PETER (Modesto, mas divertin-

PETER (Paralisado) - Eu ... não do-se) - Oh, não. Não sou não.sei .. , não sei. .. não compreendo... (Ainda sorri entredentes.)acho que não. (Quase chorando) Por JERRY - Peter, eu o deixo cha-que você me contou tudo isso? teado ou... confuso?

JERRY - E por que não? PETER (Iluminado) - Bem, devoPETER - EU NÃO ENTENDI confessar que não era esse o tipo

NADA! de tarde que eu havia previsto..JERRY (Furioso, mas baixo) - JERRY - Você quer dizer que não

Mentira. I sou a pessoa que você esperava.

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JERRY (Misteriosamente) - Pe­ter, você não quer saber o que acon­teceu no Jardim Zoológico?

PETER - Ah, ha, ha, ha, ha. Oquê? Oh, sim; o zoológico. Oh, oh,oh, oh. Bem eu tive meu zoológicoparticular por um momento com ...hi, hi, hi, os periquitos prontos parajantar e... ha, ha, ha... sei lá oquê ...

JERRY (Calmamente) - Sim, foimesmo muito engraçado, Peter. Nãopensei que pudesse ser tão engraça­do. Mas você quer ouvir oque acon­teceu no Jardim Zoológico ou não?P~TER - Quero. Quero, sim, cla­

ro. Conte, oque aconteceu no zooló­gico?

JERRY - Agora vou lhe contar oque aconteceu no zoológico. Masantes devo dizer por que fui ao zooló­gi~o. Fui até lá ~aber de que m~­nera as pessoas vivem com os am-. . . ..mais e como os animais vivem unscom os outros ecom as pessoas, tam­bém. Não foi, provavelmente, umaexperiência muito proveitosa, com

A todo mundo separado do resto, pe­las grades, os animais isolados damaioria dos outros e as pessoas sem­pre separadas dos animais. Mas as­sim é que são os zoológicos. (Em­purra Peter com o braço) Chegapra lá.

PETER (Amistoso) - Desculpe,mas você já não tem bastante es­paço?

JERRY (Sorrindo, ligeiramente) ­Bem, todos os animais estavam lá euma porção de gente estava lá, poisé domingo e todas as crianças, tam­bém, estavam lá. (Empurra Peter denovo) Chega pra lá.

PETER (Paciente, ainda amistoso)- Está bem. (Ele se afasta mais elerry tem todo o espaço que poderia

24 _desejar.),

JERRY - Estava muito quente, porisso havia um mau cheiro no ar etodos os vendedores de balão e to­dos os vendedores de sorvete e todasas focas latiam e todos os pássarosgritavam. (Empurra Peter com maisforça) Chega pra lá!

PETER (Muito aborrecido) - Eunão posso chegar mais pra lá, e parede me bater. O que é que há comvocê?

JERRY - Você não quer ouvir ahistória? (Bate de novo no braço dePeter.)

PETER (Confuso) - Não sei. Sósei que não quero que me batam nobraço.

JERRY (Bate de novo no braço dePeter) - Assim?

PETER - Pare com isso! Oque éque há com você? _

JERRY - Eu estou louco, seumerda!

PETER - Bem, agora eu não gostei.JERRY - Escute aqui, Peter. Eu

quero este banco. Você vai sentarnaquele ali adiante, se você for bon­zinho eu lhe conto o resto da his­tória.

PETER (Aturdido) - Mas. .. porquê? Oque éque há com você? Alémdisso, não vejo razão nenhuma para~air deste banco. Eu me sento aqui~uase todos os domingos, à tarde,quando o tempo está bom. É sosse­gado aqui. Nunca vem ninguém sen­tar-se aqui; este banco sempre foimeu.

JERRY (Suave) - Saia deste ban­co. .. Peter. Eu quero este banco.

PETER (Quase choramingando) ­Não!

JERRY - Já disse que quero estebanco e vou ficar com ele. Dê ofora daqui!

PETER - Não se pode ter tudooque se quer. Você devia saber dis-

so; é a lei das coisas. Pode-se teralgumas coisas que se quer, mas nãotudo.

JERRY (Ri) - Imbecil! Você éum retardado mental!

PETER - Pare com isso!JERRY - Você é um vegetal! Vá

deitar-se no chão.PETER (Intenso) - Agora, você

vai me ouvir, seu ... Já agüentei atarde toda.

JERRY - Nem tanto.PETER - Osuficiente. Já oagüen­

t~i o sufi~iente. Escutei o que vocêtinha a dizer porque parecia que vo­cê. ': bem, porque pensei que vocêprecisava conversar com alguém.

JERRY - Você sabe arranjar bemas coisas, metodicamente; e apesar

•disso. .. oh, qual apalavra que devoempregar para lhe fazer justiça ...CRISTO, você me enche ... saia da­qui e me dê o meu banco.

PETER - MEU BANCO!JERRY (Empurra Peter para quase

fora do banco) - Suma da minhavista.

PETER (Retornando asua posição)- Vá à... vá para o inferno. É de­mais. Você já está demais. Eu nãovou lhe dar este banco, este banconão éseu e. .. acabou-se. Agora, váembora. (Jerry bufa, mas não semove) Vá embora, já disse. (Jerrynão se move) Vá embora daqui ...você é um vagabundo... é o quevocê é. Se você não for, vou chamarum guarda para levá-lo daqui. (lerryri, fica) Estou lhe avisando, vou cha­'mar um guarda.

JERRY (Suave) - Você não vaichamar nenhum guarda; eles estãodo outro lado do parque, preocupa­dos com as "bichas", tirande-as decima das árvores e de trás das moi-

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ge~al, e ainda por cima, levementé,mlOpe. .. eu acho. '

PETER - CHEGA! .JERRY..- ... mas, você sabe, como

eles costumam falar na televisão ot~mpo todo, você sabe, e eu falo,sinceramente, Peter, você tem umacerta dignidade; isso me surpreende...

PETER - PARE!JERRY (Levanta-se preguiçosamen- .

te) - Muito bem, Peter, nôs luta­re~os pela posse deste banco, massera uma luta desigual... (Tira dobolso e abre com um clique umafaca assustadora.)

PET.ER (Subitamente desperta comareabdade da situação) - Você estálouco! Você está louco varrido'VOCÊ VAI ME MATAR! (Mas an~tes que Peter tenha tempo para pen­sar no que vai fazer, lerry atira afaca a seus pés.)

JERRY - Aí está. Apanha. Vocêapanha. esta fa:a para que a lutapossa ficar de Igual para igual.

PETER (Horrorizado) - Não!JERRY (Atira-se sobre Peter, agar­

ra-o pelo colarinho. Peter levanta-se:sua: faces quase se tocam) - Agoravoce

A

apanha a faca e lute comigo.V?ce v~i lutar pelo seu amor pró­pno; vai lutar por este maldito banco.~ETER (Esforçando-se) - Não .

DeIXe. .. deixe eu ir embora! ele .socorro!

JERRY (Esbofeteia Peter) - Luteseu filho da puta; lute por seu ban­co; lute por seus periquitos; lute porseus gatos; lute por suas duas filhas'lute P?r. sua mulher; lute por su~mascalinidade; seu verme insignifi­cant~. (Cospe no rosto de Peter)Voce nem pode fazer um filho machoem sua mulher.

PE;ER (Escapa, enfurecido) ­Isso e uma questão de genética e não

tudo e agora quer também este ban­co. Você acha que ,um homem develutar por .essas coisas? Diga, Peter,este banco aqui, este ferro eesta ma­deira, este banco 'representa' a suahonra? Ê por ele que você acha quedeve lutar? Você pode imaginar aI..guma coisa mais absurda?

PETER - Absurda! Olhe, eu nãovou discutir honra com você nemtentar explicá-la. Além disso, não éuma questão de honra. Mas mesmoque fosse você não entenderia. '

.JERRY (Com desprezo) - Vocênao sabe do que está falando, sabe?Esta éprovavelmente a primeira vezem toda a sua vida que você tentaenfrentar alguma coisa mais difícilao que l,i~par a latrina de seus ga~

tos. Estúpidol Você não tem idéiaa menor idéia daquilo que as outra~pessoas precisam?

P~TE.R - Oh, rapaz; escuta aqui:voce nao precisa deste banco. É cla­ro que não.

JERRY - Preciso sim; preciso.PETER (Tremendo) - Há anos

que venho aqui; tenho tido momen­t?S de grande prazer, de grande sa­tisfação, aqui, neste banco. E isso éimportante para um homem. E souum homem de responsabilidade, souum homem ADULTO. Este banco émeu, e você não tem nenhum di-reito de me tomá-lo. .

JERRY - Então, lute por ele. De­fenda-se; defenda seu banco.PETE~ - Você está me forçando

a fazer ISSO. Levante e brigue.JERRY - Como um homem.PETER (Furioso) - Sim, como um

homem, já que você insiste em zom­bar de mim.

JERRY - Tenho de lhe dar créditopor uma coisa, Peter; você é um ve-

tas. Eles não fazem mais nada. Aúnica função deles é essa. Você podegritar até arrebentar; não vai adian­tar nada.P~T~R" ·- POiJCIA! Estou lhe

avisando, você vai ser preso. rouCIA! (Pausa) Eu disse POLtCIA!(Pausa) Isto é ridículo!

JERRY - Você é que é ridículo:um homem deste tamanho gritandopolícia numa linda tarde de domingono parque, sem que ninguém estejalhe fazendo nada.

Mesmo que um guarda já tivesseterminado a ronda e aparecesse poraqui, ele ia provavelmente pensar quevocê não anda bom da bola.

PETER (Com nojo eimpotente) ­Deus do céu, eu vim aqui só paraler e, agora, você me toma o banco.Vocé é um louco.

JERRY - Ei, tenho novidades paravocê, como se diz. Tomei conta doseu precioso banco evocê nunca maisvai tê-lo de voltã,_PETER (Furioso) - Saia do meub~nco ..Não me interessa que eu es­teJa agindo com bom senso ou não.Eu quero este banco para mim equero que você SAIA DAQUI!,JERRY (Zombando) - Oh .. "olha

so quem enlouqueceu, agora!PETER - Saia!JERRY - Não.PETER - ESTOU LHE AVISAN­

DO!JERRY - Você não imagina como

você está se tornando ridículo!PETER (A fúria apossou-se dele)

- Não me interessa (Quase choran­do) SAIA DO MEU BANCO!

JERRY - Por quê? Você tem tudoo que guer no mundo. Você faloude seu lar, de sua família, de seupequeno Jardim Zoológico. Você tem

Page 12: Albee, Edward - A história do jardim zoológico

, de virilidade, seu ... seu monstro. guém. " você ... ou alguém ... e I Peter. (Petercorre até o banco, apa-(Afasta-se e apanha a faca, recua decidi que conversaria com você.. . nha o livro, recua) Muito bem, Pe­um pouco; ele respira com dificulda- e lhe diria certas coisas... e essas ter . .. muito bem. Agora, vá embo­de) Vou-lhe dar a ultima chance; coisas que eu lhe diria fariam com ra. Rápido. (Peter hesita por um mo­suma-se daqui e me deixe em paz! que... Bem, aqui estamos. Compreen- menta, depois sai do palco) Depres-(Segura a faca com o braço firm e, de? Aqui estamos. Mas... não sei... sa... (Os olhos de Jerry estão fe-mas à certa distância, na sua frente, . será que eu planejei tudo isso? Não... chandoj ... Depressa.. . seus peri- .não para atacar, mas para se de- eu não poderia ter planejado tudo. quitos estão fazendo o jantar. . . osfender.) I Mas acho que sim. Agora, já lhe gatos os gatos estão botando a

JERRY(Suspira profundamente) - c~ntei tud~ que você qu:ria saber, mesa .Que assimseja! (Atira-se contra Pe- nao contei? E agora voce ~a?e de PETER (Fora do palco num gemi-

. ler eempurraocorpo contra a faca. tudo que ~conteceu no zoo~oglco. E do) - Oh, Iheu Deus!Tableau: por um momento, comple- agor~ .voce sabe o que vai ver na JERRY (Os olhos ainda fechados,lo silêncio. Jerry atravessado pela tele~lsao e o rosto de quem eu lhe balança a cabeça e fala; uma com-faca no extremo do braço ainda fir- falei, o,meu drosto... pO rosto qpue binação de bufo e súplica) Oh...me dePeter. EntãoPeter grita, afas- voce esta ven o agora, eter ... e- s D s (EI t' t)

P b· dn Ea vi , meu eu . e es amor o.la-se deixando a facaemJerry. Jer- ter . . . eter, o nga o. u vim atery ~o se move. Então ele também você. (Ri fracam ente) e você megrita, o som de um animal fatalmen- confortou. Meu caro Pete~! . PANOte ferido com a faca enterrada nele. PETER (Quase desmaIando) -Jerry cambaleia até o banco, que Meu Deus!Peter abandonara. Senta-se fitando JERRY- É melhor você ir agora.Peter: os olhos ea boca abertos em Pode aparecer alguém evocê não vaiagonia.) querer estar aqui, quando este alguém

PETER (Sussurra) - Oh, meu chegar.Deus, oh meu Deus, oh meu Deus. . . PETER (Não se move mas começa(Ele repete essas palavras muitas ve- achorar) - Oh, meu Deus, oh, meuzes, rapidamente.) Deus . . .

JERRY (Jerry está morrendo, mas JERRY (Mais fraco ainda, perto daagora a sua expressão parece mudar. morte) - Você não voltará maisOs músculos do rosto relaxaram-se, aqui, Peter, você foi desapropriado.sua voz varia, algumas vezes ferida Perdeu seu banco, mas defendeu suapela dor, mas na maior parte do tem- honra. Peter, eu vou lhe dizer umapo ele parece distante de sua morte. coisa: você não é um vegetal; estáSorri.) Obrigado, Peter; agora, com bem, você é um animal. Você tam­toda sinceridade, Peter, muito obri- bém éum animal Mas émelhor vocêgado. (Peter boquiaberto, não pode ir embora, Peter. Depressa, é melhorse r7IOVer, paralisado.) Oh, Peter, eu você ir. . . (Jerry apanha um lençoestavacom tanto medo quevocêfosse e com grande esforço limpa no caboembora. (Ri como pode) Você não da faca as impressões digitais) Vá em­imagina o medo que eu tinha que bora, Peter, depressa. (Peter afasta-se,você fosse embora e me deixasse só. vacilante) Espere... espere, Peter.Agora vou lhe contar o que aconte- Leve seu livro... o livro. Aqui .ceu no Jardim Zoológico... quando junto de mim... no seu banco .eu estava lá, quando eu estava no ou melhor, no meu banco ... Venha,zoológico, eu decidi que caminharia apanhe o seu livro. (Peter move-se

6,:rumo ao norte... até encontrar al- para olivro, mas recua) Depressa ...

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