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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE INSTITUTO DE OCEANOGRAFIA
PÓS-GRADUAÇÃO EM OCEANOGRAFIA BIOLÓGICA
ALIMENTAÇÃO DA TARTARUGA-CABEÇUDA (CARETTA CARETTA) EM HABITAT
OCEÂNICO E NERÍTICO NO SUL DO BRASIL: COMPOSIÇÃO, ASPECTOS NUTRICIONAIS E
RESÍDUOS SÓLIDOS ANTROPOGÊNICOS
JULIANA DE AZEVEDO BARROS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Oceanografia Biológica da Universidade Federal do Rio Grande, como requisito parcial à obtenção do título de MESTRE.
Orientador: Dr. Eduardo Resende Secchi
RIO GRANDE Julho de 2010
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I
AGRADECIMENTOS
Foi tão bom encontrar tanta gente disposta a ajudar ao longo desse caminho. Por isso
agradeço a todos de coração. A Dani, que me iniciou no mundo das tartarugas, por todo
apoio, orientação, carinho e amizade. Ao Edu, meu orientador, por todas sugestões, ajuda e
confiança no trabalho. Aos amigos do NEMA - Dani, Serginho, Carlinha, Alice, Dédi,
Bruna, Fabrício, Naná, Kleber, Renato, Rodrigo, Ana, Mara, por tudo que me ensinaram
durante nossa convivência e por tornar meus dias melhores. Pelas saídas de campo e ajuda
nas necropsias, um agradecimento especial ao Serginho, Dani, Dédi, Bruna e Fabrício. Um
mega-super-especial agradecimento ao Mestre Celso e tripulação. Ao mestre Juninho e
tripulação. Aos observadores de bordo, Caio (man), Maçaneiro, Marcel, Leo Sales e
Michel. Ao “Projeto Mamíferos Marinhos” do NEMA pelas saídas de campo. Ao projeto
TAMAR, principalmente ao Gil e ao Fernando. À indústria de pescado Torquato Pontes
pela doação de peixes. Ao projeto Cetáceos do Talude- FURG/Chevron, pelas coletas de
presas oceânicas. Ao pessoal do laboratório de tartarugas e mamíferos marinhos. Ao prof.
Carlos Prentice, William Vega, Sabrine Aquino e a todo pessoal do Laboratório de
Tecnologia de Alimentos, pela ajuda na rotina das análises de composição proximal e
acolhida. Ao Leandro Bugoni, pelas sugestões e pela minha primeira amostra de espinhel.
Ao Prof. Kinas, pelo auxílio estatístico. Aos membros da banca: Leandro Bugoni, Manuel
Haimovici e Carlos Bemvenuti. Aos identificadores das espécies, a Paula Spotorno pela
identificação dos moluscos, ao Rony pela identificação dos crustáceos, ao Waldemar
Amaral e a Anette pela identificação dos gelatinosos, ao Luciano Fisher pela identificação
de peixes e também coletas de salpas e pirossomos, a Roberta Santos e Lilia pela
identificação de lulas. Ao pessoal das tartarugas, Baila e Roberta, pela troca de idéias. A
II
todos doadores (as) de potes do mundo! Ao Lufi, coveiro do coração. Às meninas da
biblioteca setorial, Mari, Clarisse e Neiva. Aos grandes amigos, Diana, Wagner, Dédi,
Alessandra, Carlinha, Camila, Sônia, Kerou, pelos momentos de desabafo, companheirismo
e descontração. A Lea, muito importante, principalmente nessa reta final! À minha família,
mãe, pai, irmãs, sobrinhos e cunhados, pelo sempre presente incentivo e apoio. Ao Ugri
Maravilhoso, por todo apoio, carinho, amizade, compreensão, companheirismo, risadas,
conversas... e também pelos mapas. Ao CNPq, pela bolsa e ao Programa de Pós-Graduação
em Oceanografia Biológica pela formação e a Vera por toda ajuda.
III
ÍNDICE
Página
Lista de tabelas......................................................................................................... IV
Lista de figuras......................................................................................................... VI
Resumo...................................................................................................................... 1
Abstract...................................................................................................................... 2
Introdução.................................................................................................................. 4
Material e métodos (Linhas gerais)........................................................................... 8
Síntese dos resultados................................................................................................ 11
Considerações finais e recomendações...................................................................... 13
Literatura citada......................................................................................................... 18
Apêndice 1: Dieta da tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) (Testudines,
Cheloniidae) em habitat oceânico no sul do Brasil: composição, aspectos
nutricionais e resíduos sólidos antropogênicos.........................................................
24
Apêndice 2: Dieta da tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) (Testudines,
Cheloniidae) em habitat nerítico no sul do Brasil: composição e aspectos
nutricionais.................................................................................................................
67
IV
LISTA DE TABELAS
TABELAS Páginas
Apêndice 1
Tabela I. Distribuição de anos, estações do ano e classes de tamanho, das
tartarugas analisadas no sul do Brasil entre 2007 e 2009
35
Tabela II. Volume relativo (%V), frequência de ocorrência (%FO), índice de
importância relativa (%IIR) (método convencional), estimador (média da
distribuição posterior para o índice de importância relativa do método bayesiano)
e intervalo de probabilidade de 95% dos itens alimentares encontrados nos tratos
gastrointestinais da tartaruga-cabeçuda provenientes da captura incidental em
espinhel pelágico no Rio Grande do Sul entre os anos de 2007 a 2009.
36
Tabela III. Frequência de ocorrência (FO%) e inferência bayesiana do Índice de
Importância Relativa (Estimador) das principais presas da tartaruga-cabeçuda
para as diferentes estações do ano.
37
Tabela IV. Média da composição proximal de algumas presas da tartaruga-
cabeçuda no Rio Grande do Sul.
37
Tabela V. Massa total consumida (g), média e desvio-padrão (DP) dos itens
alimentares da tartaruga-cabeçuda.
37
Apêndice 2
Tabela I. Distribuição de anos, temporadas, estações do ano e classes de
tamanho, das tartarugas analisadas no sul do Brasil.
33
Tabela II. Porcentagem numérica (%N), volume relativo (%V), frequência de 33
V
ocorrência (%FO) e índice de importância relativa (%IIR) (método
convencional), estimador (média da distribuição posterior para o índice de
importância relativa do método bayesiano) e intervalo de probabilidade de 95%
dos itens alimentares da tartaruga-cabeçuda encontradas encalhadas na costa do
Rio Grande do Sul entre os anos de 1993 a 1995 (provenientes da coleção do
Laboratório de Tartarugas e Mamíferos Marinhos - FURG).
Tabela III. Porcentagem numérica (%N), volume relativo (%V), frequência de
ocorrência (%FO), índice de importância relativa (%IIR) (método convencional),
estimador (média da distribuição posterior para o índice de importância relativa
do método bayesiano) e intervalo de probabilidade de 95% dos itens alimentares
encontrados nos tratos gastrointestinais da tartaruga-cabeçuda encontradas
encalhadas na costa do Rio Grande do Sul entre os anos de 2007 e 2009.
34
Tabela IV. Número de otólitos medidos, tamanho médio e desvio-padrão (DP)
dos peixes encontrados no conteúdo gastrointestinal de Caretta caretta a partir
de equações de regressão utilizando o tamanho dos otólitos.
36
Tabela V. Inferência bayesiana do Índice de Importância Relativa (Estimador e
intervalo de probabilidade de 95%) das principais presas da tartaruga-cabeçuda
para as diferentes estações do ano.
36
Tabela VI. Média da composição proximal de algumas presas da tartaruga-
cabeçuda no Rio Grande do Sul.
37
Tabela VII. Massa total consumida (g), média e desvio-padrão (DP) dos itens
alimentares da tartaruga-cabeçuda.
37
VI
LISTA DE FIGURAS
FIGURAS Páginas
Apêndice 1
Figura 1. Localização dos espécimes de Caretta caretta coletados no sul do
Brasil entre os anos de 2007 e 2009.
35
Figura 2. Distribuição de tamanho (Comprimento curvilíneo da carapaça – CCC)
de Caretta caretta coletados no Rio Grande do Sul entre os anos de 2007 e 2009.
38
Figura 3. Porcentagem do índice de importância relativa para as principais presas
da tartaruga-cabeçuda na fase oceânica nas diferentes estações do ano;
Sargassum sp. (Ss), Atlanta sp. (As), Cavolinia uncinata (Cu), Lepas sp. (Ls),
Pirossomo (Pi) e Salpas (Sa).
38
Figura 4. Componentes principais da análise de correspondência entre estação e
principais presas da tartaruga-cabeçuda utilizando os valores do índice de
importância relativa. Linhas: Outono (Out), Inverno (Inv) e Primavera (Pri).
Colunas: Sargassum sp. (Ss), Atlanta sp. (As), Cavolinia uncinata (Cu),
Janthina janthina (Jj), Lepas sp. (Ls), Pirossomos (Pi) e Salpas (Sa).
39
Figura 5. Componentes principais da análise de correspondência entre estação e
principais presas da tartaruga-cabeçuda utilizando os valores de frequência de
ocorrência. Linhas: Outono (Out), Inverno (Inv) e Primavera (Pri). Colunas:
Sargassum sp. (Ss), Atlanta sp. (As), Cavolinia uncinata (Cu), Janthina janthina
(Jj), Lepas sp. (Ls), Pirossomos (Pi) e Salpas (Sa).
39
Figura 6. Porcentagem do índice de importância relativa para as principais presas 40
VII
da tartaruga-cabeçuda na fase oceânica nas diferentes classes de tamanho;
Sargassum sp. (Ss), Atlanta sp. (As), Cavolinia uncinata (Cu), Lepas sp. (Ls),
Pirossomo (Pi) e Salpas (Sa).
Figura 7. Componentes principais da análise de correspondência entre classes de
tamanho e principais presas da tartaruga-cabeçuda utilizando os valores de IIR%.
Linha: classe 1 (50 – 59,9 cm, C1) e classe 2, (60 – 69,9 cm, C2) . Colunas:
Sargassum sp. (Ss), Atlanta sp. (As), Cavolinia uncinata (Cu), Janthina janthina
(Jj), Lepas sp. (Ls), Pirossomos (Pi) e Salpas (Sa).
40
Figura 8. Porcentagem do índice de importância relativa para as principais presas
da tartaruga-cabeçuda na fase oceânica nos diferentes anos; Sargassum sp. (Ss),
Atlanta sp. (As), Cavolinia uncinata (Cu), Lepas sp. (Ls), Pirossomo (Pi) e
Salpas (Sa).
41
Figura 9. Componentes principais da análise de correspondência entre anos e
principais presas da tartaruga-cabeçuda utilizando os valores de IIR%. Linha:
anos 2008 e 2009. Colunas: Sargassum sp. (Ss), Atlanta sp. (As), Cavolinia
uncinata (Cu), Janthina janthina (Jj), Lepas sp. (Ls), Pirossomos (Pi) e Salpas
(Sa).
41
Figura 10. Proporção dos tipos de resíduos sólidos encontrados nos tratos
gastrointestinais da tartaruga-cabeçuda no ambiente oceânico entre 2007 e 2009.
42
Apêndice 2
Figura 1. Área de estudo das coletas de Caretta caretta no sul do Brasil. 32
Figura 2. Distribuição de tamanho (Comprimento curvilíneo da carapaça – CCC) 38
VIII
de Caretta caretta coletados no Rio Grande do Sul nos anos de 1993-1995 e
2007-2009.
Figura 3. Porcentagem do índice de importância relativa para as principais presas
da tartaruga-cabeçuda no ambiente nerítico nas diferentes estações do ano;
Buccinanops spp. (Bs), Dardanus insignis (Di), Libinia spinosa (Ls),
Loxopagurus loxochelis (Ll), Micropogonias furnieri (Mf) e Trichiurus lepturus
(Tl).
38
Figura 4. Componentes principais da análise de correspondência entre estação e
principais presas da tartaruga-cabeçuda utilizando os valores de IIR%. Linhas:
Primavera (Pri), Verão (Ver) e Outono (Out). Colunas: Buccinanops spp. (Bs),
Dardanus insignis (Di), Libinia spinosa (Ls), Loxopagurus loxochelis (Ll),
Micropogonias furnieri (Mf), Paralonchurus brasiliensis (Pb) e Trichiurus
lepturus (Tl).
39
Figura 5. Porcentagem do índice de importância relativa para as principais presas
da tartaruga-cabeçuda, para as diferentes classes de tamanho: Buccinanops spp.
(Bs), Dardanus insignis (Di), Libinia spinosa (Ls), Loxopagurus loxochelis (Ll),
Micropogonias furnieri (Mf) e Trichiurus lepturus (Tl).
39
Figura 6. Componentes principais da análise de correspondência entre classes de
tamanho e principais presas da tartaruga-cabeçuda utilizando os valores de IIR%.
Linha: classe 1 (50 – 59,9 cm, C1), classe 2 (60 – 69,9 cm, C2), classe 3 (70 –
79,9 cm, C3), classe 4 (maior que 80 cm, C4). Colunas: Buccinanops spp. (Bs),
Dardanus insignis (Di), Libinia spinosa (Ls), Loxopagurus loxochelis (Ll),
40
IX
Micropogonias furnieri (Mf), Paralonchurus brasiliensis (Pb) e Trichiurus
lepturus (Tl).
Figura 7. Porcentagem do índice de importância relativa para as principais presas
da tartaruga-cabeçuda para temporada 1 (T1) e temporada 2 (T2); Buccinanops
spp. (Bs), Dardanus insignis (Di), Libinia spinosa (Ls), Loxopagurus loxochelis
(Ll), Micropogonias furnieri (Mf) e Trichiurus lepturus (Tl).
40
Figura 8. Componentes principais da análise de correspondência entre
temporadas e principais presas da tartaruga-cabeçuda utilizando os valores de
IIR%. Linha: temporada 1 (T1) e temporada 2 (T2). Colunas: Buccinanops spp.
(Bs), Dardanus insignis. (Di), Libinia spinosa (Ls), Loxopagurus loxochelis (Ll),
Micropogonias furnieri (Mf), Paralonchurus brasiliensis (Pb) e Trichiurus
lepturus (Tl).
41
1
RESUMO
Para o estudo da dieta, foram analisados tratos gastrointestinais completos (n=80) e
estômagos (n=15) de espécimes mortos de Caretta caretta provenientes de captura
incidental na pescaria de espinhel pelágico, entre 2007 e 2009, com comprimento
curvilíneo da carapaça (CCC) médio de 58,6 cm (±4,6), e de encalhes na região praial,
entre 1993 e 1995 e 2007 e 2009, com CCC médio de 87 cm (±22,7) e 71,3 cm (± 9,3),
respectivamente. Os itens da dieta foram identificados e sua importância determinada pela
frequência de ocorrência, número, volume e Índice de Importância Relativa pelo método
convencional e inferência bayesiana. Utilizaram-se análises de correspondência para
observar como os tipos de presas estão relacionados com as variáveis estações do ano,
classes de tamanho e anos/temporadas. A composição proximal para algumas presas da
tartaruga-cabeçuda foi determinada. As presas mais importantes no ambiente oceânico
foram salpas e pirossomos, houve diferenças sazonais e entre os anos de 2008 e 2009,
porém não houve diferença ontogenética. No ambiente nerítico, as presas mais importantes
de C. caretta foram Libinia spinosa, Buccinanops cochlidium e Loxopagurus loxochelis no
primeiro período, enquanto L. loxochelis e Buccinanops spp. foram mais importantes em
anos recentes. Não houve variação na dieta entre estações do ano, entre classes de tamanho,
mas houve uma pequena diferença entre as temporadas. Caretta caretta também se
alimenta de iscas da pescaria de espinhel pelágico no ambiente oceânico ou descartes de
pescarias na zona nerítica. As presas neríticas possuem valores energéticos maiores que as
oceânicas. No habitat oceânico, a frequência de ocorrência de resíduos sólidos foi maior.
Sugere-se que o sul do Brasil é uma importante área de alimentação da tartaruga-cabeçuda
em diferentes fases do seu desenvolvimento.
2
Palavras-chave: dieta, Caretta caretta, valor energético, resíduos sólidos, sul do Brasil.
ABSTRACT
The diet of loggerhead sea turtles (Caretta caretta) in southern Brazil was investigated by
analyzing the contents of entire digestive tracts (n=80) and stomachs (n=15) of pelagic-
phase individuals incidentally caught in longline fisheries from 2007 to 2009 as well as
from neritic-phase animals washed ashore in 1993-1995 and 2007-2009. Mean curved
carapace length (CCL) was 58.6 (±4.6) cm for pelagic animals and 87 (±22.7) cm and 71.3
(± 9.3) cm for neritic turtles collected in the two sampling periods, respectively. Prey items
in the samples were identified to the lowest possible taxonomic level, and their importance
were evaluated by means of the frequency of occurrence, number, volume and index of
relative importance (both conventional and from Bayesian inference). Correspondence
analyses were performed to assess how the variables seasons, sizes and years/periods were
related to a given food item. Proximal composition was determined to some prey items.
Salps and pyrosomas were the most important prey for C. caretta during its pelagic phase.
Both seasonal and interanual, but not ontogenetic variation was observed in the diet during
this phase. For neritic phase, Libinia spinosa, Buccinanops cochlidium and Loxopagurus
loxochelis, were the most important prey in the first period (1993-1995) while L. loxochelis
and Buccinanops spp. were in the second (2007-2009). No seasonal or size-related
differences were found, though the diet varied between periods. Data also indicated that
bait and fishery discards are relevant in the diet of C. caretta in these two phases of its life
cycle. The prey of loggerheads in neritic habitat had higher energetic values than in oceanic
habitat. Anthropogenic debris were highly frequent in the digestive tract of pelagic turtles,
3
but rare in neritic animals. The results suggest that both offshore, pelagic habitats and the
continental shelf in southern Brazil are important feeding grounds for loggerhead turtles.
Keywords: diet, Caretta caretta, energetic values, anthropogenic debris, Brazil.
4
INTRODUÇÃO
As tartarugas marinhas têm distribuição circumglobal (Meylan & Meylan 1999). São
encontradas em mares tropicais e subtropicais de todos os oceanos (Márquez 1990). Cinco
espécies utilizam a costa brasileira para alimentação e reprodução (Marcovaldi &
Marcovaldi 1999), entre estas, a tartaruga-cabeçuda, Caretta caretta, considerada em
perigo de extinção (IUCN 2009).
No Brasil, áreas de desovas regulares de C. caretta estão localizadas nos estados do
Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e Sergipe (Marcovaldi & Chaloupka 2007). Os
filhotes desta espécie, ao nascer, após um período de incubação de aproximadamente 50
dias, seguem em direção ao mar (Marcovaldi & Laurent 1996). Os primeiros anos de vida
são denominados como “anos perdidos”, devido à carência de informações científicas.
Acredita-se que os filhotes nadem para o mar aberto e fiquem em bolsões de Sargassum,
onde encontram alimento e refúgio (Carr 1986; Bolten et al. 1998).
Esta espécie apresenta uma dieta carnívora durante toda a sua vida. Nos estágios
iniciais e de juvenil se alimentam de itens planctônicos, como salpas, pirossomos e
heterópodas em habitats oceânicos (Parker et al. 2005). São epipelágicas, passam 75% do
tempo nos cinco primeiros metros da coluna d’água (Bolten 2003). O tempo de
permanência nesse estágio oceânico no Atlântico Sul é desconhecido.
Quando em estágios juvenis mais avançados, C. caretta recruta para habitats
neríticos. De acordo com Bjorndal et al. (2001), no Atlântico Norte, esse recrutamento
acontece quando estes animais têm um comprimento retilíneo da carapaça entre 46 e 64 cm.
Nesta fase, comem principalmente no fundo (Bolten 2003), e geralmente, têm como
principais presas os crustáceos e os moluscos (Bjorndal 1997).
5
No sul do Brasil, C. caretta é encontrada nos estágios de juvenil, em habitats
oceânicos, onde é frequentemente capturada na pescaria de espinhel pelágico e em redes de
deriva (Barata et al. 1998, Kotas et al. 2004; Fiedler 2009). A alta captura desta espécie nas
áreas oceânicas no extremo sul do Brasil indicam que esta região é uma importante área de
desenvolvimento para juvenis de tartaruga-cabeçuda (Sales et al. 2008). Também é
encontrada em habitats neríticos, em seus estágios de juvenil avançado e adulto, onde é
comumente registrada em encalhes de praia e em pescarias que atuam sobre a plataforma
(Haimovici & Habiaga 1982, Monteiro et al. 2006). Caretta caretta apresenta índices de
encalhes elevados e regulares, indicando que esta região pode representar uma importante
área de alimentação para esta espécie (Pinedo et al. 1998, Monteiro et al. 2006).
Estudos sobre a dieta em habitats neríticos são bastante comuns (Hopkins-Murphy
et al. 2003), entretanto, estudos que objetivaram caracterizar a dieta da fase juvenil
oceânica dessa espécie ainda são escassos. Em geral, Caretta caretta tem uma alimentação
oportunista (Parker et al. 2005, Casale et al. 2008), e se alimentam, inclusive, de descarte e
iscas de algumas pescarias (White 2004, Revelles et al. 2007, Seney & Musick 2007).
No Brasil, informações sobre a dieta da tartaruga-cabeçuda são raras (Pinedo et al.
1998; Bugoni et al. 2003; Lenz 2009) e estão restritas ao Rio Grande do Sul e à fase
nerítica destes animais. Pinedo et al. (1998) encontraram crustáceos como o item mais
frequente, seguido de moluscos e peixes. No estudo de Bugoni et al. (2003) os peixes
foram o grupo mais frequente e a maior contribuição numérica foi de crustáceos. Apesar
das informações disponíveis, estas são baseadas em amostras de tamanho e abrangência
espaço-temporal reduzidas. Portanto, aspectos da ecologia alimentar como, por exemplo,
variação sazonal, interanual e ontogenética, bem como importância relativa e composição
6
energética das presas ainda precisam ser compreendidas. O valor nutricional dos itens
alimentares, ou parte deles, pode influenciar o comportamento de escolha do alimento e
consequentemente a relação entre presa-predador. Isso foi observado em tartarugas-verde
(Chelonia mydas), as quais pastam seletivamente sobre as folhas mais novas de Thalassia
testudinum, pois possuem uma maior qualidade nutricional (Bjorndal 1980).
Existe uma lacuna no conhecimento sobre os valores energéticos de presas
potenciais de diversos predadores (Doyle et al. 2007), incluindo de tartarugas marinhas. As
tartarugas-cabeçudas alteram completamente sua dieta quando mudam de habitat e
consequentemente, o valor energético de suas presas. Este fato pode ter importantes
implicações ecológicas, como por exemplo, influenciar taxas de crescimento ou até mesmo
de reprodução.
Para entender o papel desses animais no ecossistema e construir bons modelos
ecológicos quantitativos, é essencial compreender as interações da tartaruga-cabeçuda com
outras espécies (fluxo de energia e nutrientes) e com seu ambiente (Bjorndal 2003).
Conhecer essas interações permite tomar decisões de manejo adequadas, pois além de
conhecimento básico, informações sobre a dieta permitem entender sobre a qualidade das
áreas de alimentação, como os recursos tróficos são utilizados por estes animais e como as
atividades humanas têm interferido no uso do habitat pelas tartarugas marinhas. Conhecer a
dieta, adicionalmente, permite fazer predições a respeito dos efeitos das mudanças no
ambiente sobre esses animais.
Em vista disso, o presente estudo tem como objetivo caracterizar quali-
quantitativamente a dieta da tartaruga-cabeçuda nos habitats do sul do Brasil. Para isso, o
apêndice 1 teve como objetivos específicos caracterizar a composição da dieta da tartaruga-
7
cabeçuda, quantificar o valor nutricional dos itens alimentares e ainda, fazer considerações
sobre a interação desses animais no ambiente oceânico. Da mesma forma, o apêndice 2 teve
os mesmos objetivos específicos, porém no ambiente nerítico.
8
MATERIAL E MÉTODOS
Foram coletados tratos gastrointestinais completos de espécimes mortos de C.
caretta encalhados na região praial do litoral sul do Rio Grande do Sul (n = 45), entre a
Lagoa do Peixe (31°20’S; 51°05’W) e o Arroio Chuí (33°45’S; 53°22’W), e capturados
incidentalmente na pescaria de espinhel pelágico em áreas oceânicas no sul do Brasil (n =
35), entre as latitudes de 29° e 38° S e longitudes de 45° e 51° O. O material foi coletado
pela equipe do Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental (NEMA), entre os anos de
2007 e 2009, a partir de monitoramentos de praia com veículo tracionado e de duas
embarcações da frota espinheleira. Além destes espécimes, foram utilizados quinze
estômagos de exemplares coletados na praia entre 1993 e 1995 e depositados na coleção do
Laboratório de Tartarugas e Mamíferos Marinhos (LTMM) – FURG.
Dos animais amostrados, mediu-se o comprimento curvilíneo da carapaça (CCC),
tomado do ponto anterior médio do escudo nucal até a ponta posterior dos escudos
supracaudais (Bolten 1999), para permitir comparações da dieta entre as classes de
tamanho. Para os animais da coleção do Laboratório de Tartarugas e Mamíferos Marinhos
(LTMM) - FURG, obtiveram-se as medidas de comprimento retilíneo da carapaça (CRC),
que para fins comparativos com os dados mais recentes, foram convertidas em CCC pela
equação CCC = (CRC – 0,323)/0,924 (Revelles et al. 2007b).
O trato gastrointestinal foi analisado desde o esôfago até a porção final do intestino
grosso. O conteúdo foi lavado em peneira fina (4 mm) com água corrente, dividido em itens
e classificado como matéria orgânica (restos animais e vegetais) e material de origem
antropogênica (como por exemplo, plástico, pedaços de petrechos de pesca). As amostras
9
de conteúdos orgânicos foram preservadas em solução de álcool 70%. O material sintético
foi seco e armazenado em sacos plásticos.
Os itens da dieta foram identificados ao menor táxon possível. A quantificação dos
itens alimentares foi feita a partir da massa úmida (g), volume (ml) e número. Para a
pesagem foi utilizada balança e o volume foi medido através do deslocamento de líquido
em uma proveta de 50 ou 1000 ml, escolhida conforme o volume dos itens.
A importância dos itens na dieta foi calculada a partir do número relativo (N%),
volume relativo (V%), frequência de ocorrência (FO%) e índice de importância relativa
(IIR) modificado de Pinkas et al. (1971) no qual se substituiu o peso pelo volume. Para os
itens pelágicos o número foi retirado da fórmula, porque alguns animais são coloniais e
incontáveis.
Análises de correspondência foram utilizadas para verificar como os tipos de presas
ingeridas pelas tartarugas-cabeçudas estão relacionadas com as variáveis temporadas,
classes de tamanho e estações. A análise de correspondência, basicamente, converte uma
matriz de dados não negativos em um tipo particular de representação gráfica em que as
linhas e colunas da matriz são simultaneamente representadas em dimensão reduzida, isto é,
por pontos no gráfico. Este método permite estudar as relações e semelhanças existentes
entre as categorias de linhas (temporadas, classes de tamanho e estações) e entre as
categorias de colunas (tipos de presas) (Greenacre & Hastie 1987). Para esta análise, se
utilizou os valores de IIR% dos tipos de presas, pois este índice considera a frequência, o
volume e o número. Modelos estatísticos que permitem uma inferência bayesiana para
IIR% foram gerados tanto para todos os espécimes coletados, e entre espécimes de
diferentes estações do ano. Tais modelos, propostos por Kinas & Martinez-Souza (em
10
preparação), fornecem o estimador (média) para os itens que apresentaram ocorrência em
mais de dois tratos gastrointestinais e um intervalo de probabilidade, o qual permitiu
comparar o estimador entre estações do ano.
A composição proximal e o conteúdo energético foram determinados para alguns
dos principais itens da dieta da tartaruga-cabeçuda. A composição proximal foi determinada
segundo metodologia oficial (AOAC 1995), por meio da quantificação de proteína,
umidade, lipídios, e cinzas, em triplicata para cada análise, com exceção do Buccinanops
(duplicata). O valor energético foi obtido indiretamente, pelo coeficiente de Rubner para
organismos aquáticos: 9,5 kcal g-1 para lipídios, 5,65 kcal g-1 para proteínas (Winberg
1971) e expressos em kJ g-1 (massa úmida).
Os resíduos sólidos antropogênicos foram quantificados pelo volume (ml) e
categorizados.
As análises estatísticas foram realizadas utilizando o software R versão 2.10.0 (R.
Development Core Team 2007) e o programa Statistica for Windows versão 7.0.
11
SÍNTESE DOS RESULTADOS
A tartaruga-cabeçuda utiliza o litoral do Rio Grande do Sul para alimentação nas
diferentes fases do seu desenvolvimento. Quando em estágio de juvenil, capturada na
pescaria de espinhel pelágico, se alimenta principalmente de itens gelatinosos, flutuantes ou
próximos à superfície. Os principais itens alimentares foram salpas e pirosssomos. Apesar
da dieta predominantemente carnívora, também foram encontradas algas pardas no trato
gastrointestinal. Quando em estágios de juvenil mais avançado, a tartaruga-cabeçuda passa
a utilizar a plataforma continental, entre 11 e 75 m de profundidade, para sua alimentação.
Neste momento, a tartaruga-cabeçuda se alimenta no fundo e tem como principais presas os
crustáceos Loxopagurus loxochelis, Dardanus insignis e Libinia spinosa e o molusco
Buccinanops spp.
No presente estudo foram encontrados cinco animais que, provavelmente, estavam
na transição entre estes dois ambientes. Dois deles foram capturados em ambiente oceânico,
porém apresentavam itens neríticos, e nos outros três foram encontrados itens oceânicos em
animais encalhados na praia.
Salpas e pirossomos apresentaram baixo valor energético, de 0,37 kJ/g e 0,95 kJ/g
respectivamente, principalmente quando comparados com os itens neríticos Buccinanops
sp. (4,13 kJ/g) e L. loxochelis (4,24 kJ/g), e com a lula utilizada como isca na pescaria de
espinhel pelágico (6,42 kJ/g) (Eder & Lewis 2005).
As tartarugas-cabeçudas, tanto na fase oceânica como nerítica interagem com a
atividade pesqueira durante a alimentação. Na fase pelágica alimentam-se de lulas que são
usadas como isca na pesca de espinhel de superfície. Na fase nerítica alimentam-se do
descarte de pescarias que atuam sobre a plataforma continental.
12
Os resíduos sólidos antropogênicos são um problema para os animais em ambiente
oceânico, porém não são para os que estão em ambiente nerítico.
13
CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES
O estudo da dieta a partir de conteúdos gastrointestinais de animais mortos forneceu
informações sobre a ecologia trófica desses animais, incluindo aspectos sobre suas
interações com os ambientes onde vivem. A dieta de tartarugas imaturas, em fase oceânica
no sul do Brasil, foi investigada pela primeira vez, apesar de Sales et al. (2008) terem
sugerido, a partir de dados de capturas incidentais na pescaria de espinhel pelágico, que esta
área é habitada por um grande número de animais desta espécie, principalmente juvenis. A
dieta da fase nerítica havia sido anteriormente estudada por Bugoni et al. (2003) e
complementada por Lenz (2009), porém diferentes interpretações foram feitas,
possivelmente, devido a diferenças geográficas e número de amostras, uma vez que os
estudos mencionados foram realizados no norte do Rio Grande do Sul. A pesquisa sobre a
dieta da tartaruga-cabeçuda no Rio Grande do Sul permite inferir que esta é uma importante
área de alimentação para a espécie em diferentes fases da vida. As informações contidas no
presente estudo ajudam a esclarecer parte da ecologia alimentar da tartaruga-cabeçuda no
sul do Brasil, também levantam importantes questões para a conservação desses animais,
como a ingestão de iscas e descartes de pescarias e de resíduos sólidos antropogênicos.
Caretta caretta é a espécie mais capturada na pescaria de espinhel pelágico no
mundo (Lewison et al. 2004). Um dos motivos que torna a espécie vulnerável a esta captura
é a sua alimentação baseada em itens flutuantes nos primeiros metros da coluna d’água.
Além disso, a espécie possui uma estratégia alimentar oportunista, de forma que a isca da
pescaria se torna atrativa para a tartaruga. Neste estudo, assim como o trabalho de
Martinez-Souza (2009), verificou-se que a ingestão da isca pela tartaruga pode ocorrer sem
que esta fique fisgada no anzol. Outro fator que parece tornar a isca atrativa é a diferença
14
dos valores energéticos das presas naturais da tartaruga em habitat oceânico quando
comparadas com a lula, além de ser uma oferta de alimento a ser consumido com um baixo
investimento por parte do animal.
Os animais provenientes do encalhe na praia são, em sua maioria, juvenis
avançados e adultos e por isso possuem um valor reprodutivo relativamente alto para suas
populações (Crouse et al., 1987). Esses animais utilizam a plataforma continental para sua
alimentação e suas presas se encontram entre as profundidades de 11 e 75 m. Apesar de
crustáceos serem as principais presas desta espécie, foi verificado que estes animais
utilizam descarte de pesca na sua alimentação. Este hábito pode ter importantes
implicações, pois pode influenciar na captura incidental desses animais que podem se
aproximar das embarcações em busca de alimento. Especula-se que em áreas onde a
atividade pesqueira é intensa, descartes podem aumentar a densidade das populações de
tartarugas nas áreas de pesca, o que pode acarretar um aumento no risco de mortalidade
(Shoop & Ruckdeschel 1982). No litoral do Rio Grande do Sul, as áreas de pesca e da
alimentação da tartaruga-cabeçuda parecem se sobrepor.
De forma geral, os itens alimentares encontrados nos tratos gastrointestinais das
tartarugas-cabeçudas permitem inferir que animais capturados em espinhel pelágico estão
na fase oceânica e os animais encontrados em encalhe de praia estão na fase nerítica, porém
houve cinco exceções. Essas exceções são provavelmente animais em fase de transição
entre esses dois ambientes, pois o momento da transição entre as fases é complexo e
reversível (McClellan & Read 2007).
Resíduos sólidos antropogênicos parecem ser uma grande ameaça para os juvenis
oceânicos no sul do Brasil. As tartarugas oceânicas, analisadas no presente estudo, se
15
alimentam principalmente de itens planctônicos próximos à superfície. Este comportamento
promove a ingestão de resíduos antropogênicos flutuantes que se acumulam em zonas de
convergência, as quais são importantes áreas de alimentação de tartarugas na fase oceânica
(Polovina et al. 2004). Na fase nerítica, no entanto, a ingestão de resíduos antropogênicos
não parece ser um problema para as tartarugas-cabeçudas, provavelmente por sua
alimentação bentônica. Nesta mesma área, juvenis de tartarugas-verde ingerem
frenquentemente resíduos sólidos flutuantes (Barros et al. 2010).
A conservação das tartarugas marinhas em relação à ingestão de resíduos sólidos no
sul do Brasil (assim como em outros oceanos) é um problema de grande abrangência
geográfica que depende de cooperação internacional. Os juvenis de tartaruga-cabeçuda são
originários de populações de várias regiões geográficas. Análises genéticas (mtDNA) dos
animais capturados incidentalmente em espinhel pelágico indicaram que 45% eram
provenientes de populações brasileiras, enquanto os outros 55% vinham de outras áreas de
desova, localizadas possivelmente na África ou mesmo Oceano Índico (Reis et al. 2009).
A conservação de tartarugas marinhas é um desafio complexo e que requer o
conhecimento sobre aspectos essenciais da biologia básica desses animais, como
reprodução, migração e alimentação (Burke et al. 1993). Além de conhecimento básico,
informações sobre a dieta são essenciais para que decisões de manejo adequadas sejam
tomadas, pois permite entender sobre a qualidade das áreas de alimentação, como os
recursos tróficos são utilizados por estes animais e como as atividades humanas têm
interferido no uso do habitat pelas tartarugas marinhas. Além da composição da dieta, a
análise da qualidade nutricional e os valores energéticos de presas e itens alimentares da
espécie, contribuiu para o conhecimento sobre possíveis aspectos envolvidos no momento
16
de transição entre as fases de desenvolvimento e também sobre os motivos que levam estes
animais a mudarem de habitat. Juvenis avançados de C. caretta recrutam para áreas
neríticas antes de retornarem para suas praias de origem para reprodução (Musick &
Limpus 1997). A grande diferença energética encontrada entre as presas da fase oceânica e
nerítica devem influenciar nas taxas de crescimento e reprodução dos indivíduos e
consequentemente das populações.
Conhecer áreas específicas de alimentação da espécie e movimentos entre habitats
pode permitir a identificação de áreas prioritárias para a proteção da espécie. Entretanto
essa visualização de uso de habitat, assim como conhecer padrões de movimento e
transição entre as fases seria alcançada com o uso de tecnologias mais avançadas, como a
utilização de transmissores satelitais e análises de isótopos estáveis. Para um
aprofundamento acerca da ecologia alimentar e uso do habitat da tartaruga-cabeçuda no sul
do Brasil, recomenda-se:
- Conhecer as idades (tamanhos) de transição e recrutamento para a fase nerítica com o uso
de isótopos estáveis.
- Compreender a real contribuição de iscas e descartes de pesca na alimentação da
tartaruga-cabeçuda, que seria possível com o uso de isótopos estáveis.
- Verificar se existe relação entre o tipo de substrato encontrado no conteúdo
gastrointestinal da tartaruga-cabeçuda, os itens alimentares e as áreas de alimentação da
espécie.
- Investigar a composição proximal de outras presas importantes da tartaruga-cabeçuda,
como Libinia spinosa e Dardanus insignis.
- Relacionar a dieta da fase oceânica com variáveis abióticas.
17
- Relacionar a distribuição e abundância das presas nas áreas de alimentação, tanto
oceânicas como neríticas, com as quantidades encontradas nos conteúdos gastrointestinais.
18
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1
APÊNDICE 1
Manuscrito formatado para a Revista Zoologia
Alimentação da tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) (Testudines, Cheloniidae) em
habitat oceânico no sul do Brasil: composição, aspectos nutricionais e resíduos sólidos
antropogênicos.
Juliana de Azevedo Barros1,2,3; Danielle da Silveira Monteiro1; Sérgio Curi Estima1;
Eduardo Resende Secchi2
1 Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental – NEMA. Rua Maria Araújo 450
Cassino, Rio Grande - RS.
2 Laboratório de Tartarugas e Mamíferos Marinhos. Instituto de Oceanografia,
Universidade Federal do Rio Grande – FURG, Avenida Itália Km 8, CEP 96201-900, Rio
Grande - RS.
3 Programa de Pós-Graduação em Oceanografia Biológica. Universidade Federal do Rio
Grande – FURG.
Feeding of oceanic loggerhead sea turtles (Caretta caretta) (Testudines, Cheloniidae) in
southern Brazil: composition, nutritional aspects and anthropogenic debris.
Abstract
Diet analyses of 35 loggerhead sea turtles (Caretta caretta) with CCL ranging from 47 to
66.5 cm, collected as bycatch in pelagic longlines fisheries from 2007 to 2009 in southern
Brazil demonstrated that the most common prey items were salps and pyrosomas. The
results suggest that these turtles fed near the sea surface upon preys of low energetic values.
Squids used as bait of longline fishery were also consumed by turtles. Anthropogenic
2
debris were frequently ingested and might represent a threat to oceanic turtles in this
important developmental and foraging area.
Key-words: Foraging ecology, Proximal composition, Sea turtle
Resumo
A análise da dieta de 35 tartarugas-cabeçudas (Caretta caretta), com comprimento
curvilínio da carapaça variando entre 47 e 66,5 cm, coletadas entre 2007 e 2009, na captura
acidental em espinhel pelágico no sul do Brasil demonstrou que as principais presas foram
salpas e pirossomos. Esta espécie se alimenta próximo a superfície, principalmente de
salpas e pirossomos, presas com baixo valor energético. As lulas que servem como iscas na
pescaria de espinhel pelágico também são utilizadas na alimentação da tartaruga-cabeçuda.
Os resíduos sólidos foram ingeridos frequentemente (91,04%) e representam uma ameaça
às tartarugas oceânicas nesta importante área de desenvolvimento e alimentação.
Palavras-chave: Composição proximal, Ecologia alimentar, Tartaruga marinha.
Introdução
As tartarugas marinhas são encontradas em mares tropicais e subtropicais de todos
os oceanos (MÁRQUEZ 1990, MEYLAN & MEYLAN 1999). Das sete espécies existentes,
cinco utilizam a costa brasileira para alimentação e reprodução (MARCOVALDI &
MARCOVALDI 1999), entre elas a tartaruga-cabeçuda, Caretta caretta.
No Brasil, áreas de desovas regulares de C. caretta estão localizadas nos estados do
Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e Sergipe (MARCOVALDI & CHALOUPKA 2007). Os
filhotes desta espécie, ao nascer, após um período de incubação de aproximadamente 50
dias, seguem em direção ao mar (MARCOVALDI & LAURENT 1996). Os primeiros anos de
3
vida são denominados como “anos perdidos”, devido à carência de informações científicas.
A hipótese mais aceita é que os filhotes nadem para o mar aberto e fiquem em bolsões de
Sargassum, onde encontram alimento e refúgio (CARR 1986; BOLTEN et al. 1998).
O estágio oceânico começa quando as tartarugas-cabeçudas entram, pela primeira
vez, nas zonas oceânicas (BOLTEN 2003). Os juvenis desta espécie utilizam estas áreas
como habitat de desenvolvimento e se movem predominantemente por giros e correntes
oceânicas durante alguns anos até retornarem para áreas de alimentação na zona nerítica
(BOLTEN 2003, MUSICK & LIMPUS 1997, ZUG et al. 1995).
A duração desse estágio oceânico parece variar bastante. No Atlântico Norte,
BJORNDAL et al. (2000, 2003a) estimaram a duração da fase juvenil oceânica entre 7 e 11,5
anos, e com comprimento curvilíneo da carapaça (CCC) entre 49,5 e 69 cm, enquanto que
SNOVER (2002) sugere um estágio oceânico maior, com duração entre 9 e 24 anos. Na
Austrália, juvenis oceânicos não recrutam para os habitats neríticos antes de atingirem 70
cm de CCC ou mais (LIMPUS et al. 1994). Porém, no Mediterrâneo há uma fase
estritamente pelágica apenas para animais até 25 cm de CCC (CASALE et al. 2008). No
Atlântico Sul o tempo desse estágio oceânico permanece desconhecido.
Esta espécie apresenta uma dieta carnívora durante toda a sua vida. Nos estágios
iniciais e de juvenil, em habitats oceânicos, se alimentam de itens planctônicos e nectônicos
de baixa mobilidade, como salpas, pirossomos e heterópodos (PARKER et al. 2005). São
epipelágicas, passam 75% do tempo nos cinco primeiros metros da coluna d’água (BOLTEN
2003). Quando em estágios juvenis mais avançados, C. caretta recruta para habitats
neríticos e muda completamente sua dieta.
4
As tartarugas-cabeçuda, na região oceânica do sul do Brasil, fazem parte de um
estoque genético misto, pertencentes a áreas de desova de diferentes regiões do mundo,
incluindo, por exemplo, Brasil, Austrália, Grécia e Estados Unidos (REIS et al. 2009). É
uma espécie considerada em perigo de extinção (IUCN 2009). Entre as principais ameaças
à sobrevivência desses animais estão as atividades humanas associadas às áreas de desova e
as capturas incidentais em diversas pescarias (CONANT et al. 2009).
No sul do Brasil, indivíduos de C. caretta são frequentemente capturados na
pescaria de espinhel pelágico e em redes de deriva (KOTAS et al. 2004; FIEDLER 2009). As
altas capturas desta espécie no extremo sul do Brasil sugerem esta região como uma
importante área de desenvolvimento para juvenis de tartaruga-cabeçuda (SALES et al.
2008). Além disso, sabe-se que em ambientes oceânicos, esses animais são associados a
zonas de convergência, vórtices e correntes geostróficas (POLOVINA et al. 2004). A região
do Atlântico Sul Ocidental é influenciada pela corrente do Brasil, que flui para o sul,
transportando Água Tropical, e pelo ramo costeiro da Corrente das Malvinas que flui para o
norte, transportando Água Subantártica, formando assim a Convergência Subtropical
(GARCIA, 1998). Uma das características salientes da Convergência Subtropical é sua
instabilidade latitudinal e estacional (BOLTOVSKOY, 1981).
Apesar de um longo estágio oceânico, o conhecimento sobre a dieta de C. caretta
nesta fase é escasso (CONANT et al. 2009). Existem estudos no Mediterrâneo, Pacífico
Norte, Atlântico Norte e Atlântico Sul (REVELLES et al. 2007a, CASALE et al. 2008,
PARKER et al. 2005, WALLACE et al. 2009, MARTINEZ-SOUZA 2009). Em geral, esta espécie
tem uma alimentação oportunista (PARKER et al. 2005, CASALE et al. 2008), e alimenta-se,
inclusive, de iscas de algumas pescarias (REVELLES et al. 2007a).
5
Para entender a complexa ecologia alimentar de C. caretta é importante conhecer o
valor nutricional das presas. Os valores energéticos de presas potenciais de diversos
predadores são pouco conhecidos (DOYLE et al. 2007), incluindo os de tartarugas marinhas.
Os valores energéticos das presas oceânicas, em geral animais gelatinosos, podem
influenciar na mudança de habitat e da dieta. Segundo WERNER & GILLIAM (1984), animais
mudam de habitat para maximizar suas taxas de crescimento. Para avaliar o papel desses
animais no ecossistema e construir bons modelos ecológicos quantitativos, é essencial
compreender as interações da tartaruga-cabeçuda com outras espécies (fluxo de energia e
nutrientes) e com seu ambiente (BJORNDAL 2003b).
A nutrição influencia todos os processos biológicos (BJORNDAL 2003) e, por isso,
ganhos nutricionais reduzidos têm consequências negativas no crescimento e nas taxas de
reprodução desses animais (BJORNDAL 1997, MCCAULEY & BJORNDAL 1999). Um fator
que pode acarretar na redução do ganho nutricional é a diluição da dieta, causada pela
ingestão de resíduos sólidos. Os efeitos dessa ingestão podem ser letais ou sub-letais e,
direta ou indiretamente, responsáveis pela morte do animal. A poluição marinha é hoje
considerada uma das principais ameaças às tartarugas marinhas (BJORNDAL 1997). Estudos
sobre a ingestão de resíduos sólidos por tartarugas marinhas são escassos no Brasil. O
conhecimento sobre o impacto desta ingestão pode auxiliar na elaboração de estratégias de
conservação para os habitats de alimentação, considerada uma prioridade para aumentar as
chances de sobrevivência das tartarugas marinhas (BJORNDAL 1999).
Conhecer essas interações permite tomar decisões de manejo adequadas e,
adicionalmente, fazer predições a respeito dos efeitos das mudanças no ambiente sobre
esses animais. Informações sobre dieta permitem entender sobre a qualidade das áreas de
6
alimentação, como os recursos tróficos são utilizados por estes animais e como as
atividades humanas têm interferido no uso do habitat pelas tartarugas marinhas. Dessa
forma, o presente estudo tem como objetivo caracterizar a alimentação da tartaruga-
cabeçuda em habitat oceânico no extremo sul do Brasil, bem como quantificar o valor
nutricional das presas.
Metodologia
Coleta de amostras
A amostra analisada é composta por espécimes mortos de C. caretta capturados
incidentalmente na pescaria de espinhel pelágico em áreas oceânicas no sul do Brasil entre
as latitudes de 29° e 38°S e longitudes de 45° e 51°O (Figura 1). Dois barcos de espinhel
com desembarque em Rio Grande foram monitorados.
Dos animais coletados, mediu-se o comprimento curvilíneo da carapaça (CCC),
tomado do ponto anterior médio do escudo nucal até a ponta posterior dos escudos
supracaudais (BOLTEN 1999), para permitir comparações da dieta entre as classes de
tamanho. As coletas das tartarugas ocorreram entre abril de 2008 e dezembro de 2009, com
exceção de dois espécimes, coletados em julho e setembro de 2007.
Triagem e análise do conteúdo gastrointestinal
Analisou-se o conteúdo gastrointestinal, desde o esôfago até a porção final do
intestino grosso, de todos os espécimes. O conteúdo foi lavado em peneira fina (4 mm) com
água corrente, dividido em itens e classificado como matéria orgânica (restos animais e
vegetais) e material de origem antropogênica (como por exemplo, plástico, material de
7
pesca). As amostras de conteúdos orgânicos foram fixadas em solução de álcool 70%. O
material sintético foi seco e armazenado em sacos plásticos.
Os itens da dieta foram identificados ao menor táxon possível. A identificação dos
crustáceos foi feita por comparação com a coleção de referência do Laboratório de
Crustáceos Decápodes - FURG e bibliografia disponível (MELO 1996, 1999). Os moluscos
foram identificados a partir da comparação de conchas com a coleção do Museu
Oceanográfico - FURG e guias de identificação (COSTA 2005, RIOS 2009). Os organismos
zooplanctônicos foram identificados com base em literatura especializada (BOLTOVSKOY
1999). A identificação de todos os grupos taxonômicos contou com o auxílio de
especialistas.
A quantificação dos itens foi feita pelo peso úmido (g) e volume (ml). Os resíduos
antropogênicos foram classificados de acordo com o tipo de material. Foram quantificados
pelo volume (ml) e a frequência de ocorrência. Para a pesagem foi utilizada uma balança e
o volume foi medido através do deslocamento de líquido em uma proveta de 50 ou 1000
ml, conforme o volume dos itens.
Composição proximal das presas
A composição proximal e o conteúdo energético foram determinados para as
principais presas da tartaruga-cabeçuda. Salpas e pirossomos foram coletados em navio de
pesquisa, nos dias 30/10 e 01/11 de 2009, nas posições de 28º21’S/47º41’O e
27º02’S/46º45’O. Para conhecer a composição proximal de salpas e pirossomos,
realizaram-se determinações de proteína, umidade, lipídios, e cinzas, em três repetições
para cada análise, segundo metodologia oficial (AOAC, 1995). Para a análise de umidade,
utilizou-se o método de secagem em estufa a 105ºC, com circulação de ar, até peso
8
constante, e com 5 g para cada amostra (Método 950.46); para lipídios, utilizou-se o
método de extração por Soxhlet, com 5 g para cada amostra (Método 960.39); para
determinação de cinzas, empregou-se o método de incineração em mufla a 600ºC até peso
constante, com 1,5 g para cada amostra (Método 920.153); as proteínas foram determinadas
por micro Kjeldahl, com 0,2 g para cada amostra (Método 928.08).
Geralmente o valor de carboidratos em peixes é baixo, portanto não foi medido,
pois seu valor energético é praticamente zero (MÁRQUEZ et al. 1996, PAYNE et al. 1999). O
valor energético foi obtido indiretamente, utilizando o coeficiente de Rubner para
organismos aquáticos: 9,5 kcal g-1 para lipídios, 5,65 kcal g-1 para proteínas (WINBERG
1971) e expressos em kJ g-1 (massa úmida).
Análise dos dados
A importância dos itens na dieta foi determinada a partir do volume relativo (V%,
Eq. 1), frequência de ocorrência (FO%, Eq. 2), e índice de importância relativa modificado
de PINKAS et al. (1971) (IIR, Eq. 3) no qual substituiu-se o peso pelo volume e retirou-se a
porcentagem numérica do cálculo, pois alguns dos organismos são coloniais e, portanto
incontáveis. Para melhor compreensão, o IIR é apresentado em porcentagem (CORTÉS
1997).
V (%) = Vi x 100 Eq. 1
Vt
Onde: Vi = Volume total do item alimentar i, Vt = Volume total de todos os itens
alimentares.
FO (%) = ΣTDi x 100 Eq. 2
ΣTDt
9
Onde: TDi = Tratos digestivos com o item alimentar i, TDt = Tratos digestivos que
continham itens alimentares.
IIR = (V%) * FO% Eq. 3
As estações do ano representadas nos dados foram o outono (abril, maio e junho), o
inverno (julho, agosto e setembro) e a primavera (outubro, novembro e dezembro). As
tartarugas foram classificadas em duas classes de tamanho, C1, que incluiu animais de 47
cm de CCC até 59,9 cm e C2, que contém os animais de 60 cm até 67 cm (Tabela I).
Análises estatísticas
Análise de correlação de Spearman foi realizada para verificar a existência de
correlação entre o tamanho dos animas (CCC) e o volume (ml) de resíduos ingeridos (ZAR
2010). Análises de correspondência foram empregadas para avaliar como as variáveis anos,
classes de tamanho e estações estão relacionadas com os tipos de presas. Embora seja
considerada uma técnica descritiva e exploratória, esta análise simplifica dados complexos
e produz análises exaustivas de informações que suportam conclusões a respeito das
mesmas. A análise de correspondência, basicamente, converte uma matriz de dados não
negativos em um tipo particular de representação gráfica em que as linhas e colunas da
matriz são simultaneamente representadas em dimensão reduzida, isto é, por pontos no
gráfico. Este método permite estudar as relações e semelhanças existentes entre as
categorias de linhas (anos, classes de tamanho e estações) e entre as categorias de colunas
(tipos de presas) (GREENACRE & HASTIE 1987). Para esta análise, utilizou-se os valores de
IIR% dos tipos de presas, já que o índice considera a frequência e o volume juntos, e a
frequência de ocorrência (FO%), pois a presença/ausência do item poderia fornecer
informações úteis, principalmente em relação à sazonalidade.
10
Modelos estatísticos que permitem uma inferência bayesiana para IIR% foram
gerados como alternativa ao método convencional. Na estimativa bayesiana, a média de
uma distribuição posterior Beta, substitui o valor do índice convencional. Este método tem
a vantagem de permitir o cálculo de precisão da estimativa (desvio padrão das posteriores
marginais) e intervalos de probabilidade que delimitam o intervalo com 95% de
probabilidade para o verdadeiro e desconhecido valor do IIR% (KINAS & MARTINEZ-SOUZA
artigo em preparação). O estimador (média) foi calculado para os itens que apresentaram
ocorrência em mais de dois tratos gastrointestinais.
As análises estatísticas foram realizadas no software R versão 2.10.0 (R.
DEVELOPMENT CORE TEAM 2007) e no Statistica for Windows versão 7.0.
Resultados
Foram coletados 35 espécimes de tartaruga-cabeçuda provenientes da pescaria de
espinhel pelágico no sul do Brasil e águas internacionais adjacentes. Os animais
apresentaram um CCC médio de 58,6 cm (±4,6) e seus tamanhos variaram entre 47 e 66,5
cm. Os indivíduos da classe de tamanho de 50-59,9 cm foram os mais frequentes (Figura
2). Todos os tratos gastrointestinais continham itens alimentares, com volume médio de
391,93 ml (DP ± 846,34). Encontrou-se um total de 24 taxa identificados na dieta da
tartaruga-cabeçuda. O principal grupo encontrado foi o dos tunicados.
Composição da dieta
Salpas e pirossomos foram os itens mais importantes da dieta das tartarugas-
cabeçudas, na fase pelágica, no sul do Brasil entre os anos de 2007 e 2009. As salpas
apresentaram o maior índice de importância relativa, tanto para valores obtidos a partir do
11
índice comum, como para os valores do método bayesiano. Os pirossomos foram o item
alimentar que apresentou a segunda maior importância relativa na dieta. Pela inferência
bayesiana, a importância de salpas e pirossomos foi bastante semelhante (Tabela II).
As salpas foram mais frequentes que os pirossomos, apesar da semelhante
importância. Estes dois itens tiveram alta frequência, presentes em mais da metade das
amostras. Lepas spp., o pteropoda Cavolinia uncinata e até mesmo o heteropoda Atlanta
peronii e a alga Sargassum sp., também foram itens frequentes, mas devido ao baixo
volume, não apresentaram um IIR expressivo (Tabela II).
Os itens alimentares que tiveram um volume relativo significativo na dieta foram
salpas e pirossomos, e juntos, representaram 79,72% do volume total da dieta (Tabela II). A
lula (Illex argentinus) é usada como isca da pescaria de espinhel pelágico, e também
representou expressivo volume relativo (24,94%), quando incluída no cálculo, porém, não
foi contabilizada nos cálculos apresentados na tabela II, pois não é naturalmente predada
pela tartaruga-cabeçuda.
As lulas estiveram presentes em todos os tratos gastrointestinais. Em três tartarugas
havia mais de uma lula no mesmo estômago. Além destes, havia um estômago com duas
lulas, porque, especificamente no cruzeiro em que esta tartaruga foi capturada, utilizaram-
se duas lulas por anzol.
Os intervalos de probabilidade calculados pela inferência bayesiana foram amplos e
pouco informativos, porém refletem a grande variabilidade dos conteúdos gastrointestinais
das tartarugas-cabeçudas no ambiente oceânico no sul do Brasil (Tabela II). Os itens
alimentares encontrados na dieta das tartarugas-cabeçudas permitem inferir que estes
animais estão em fase oceânica. Entretanto, itens alimentares provenientes da região
12
nerítica foram encontrados juntos com itens pelágicos em dois espécimes. Num deles, com
51,5 cm de CCC, encontrou-se o peixe Porichthis porosissimus e no outro, com CCC de 62
cm, exemplares do molusco bentônico (Crassatela riograndensis) típico da plataforma
interna.
A dieta apresentou diferenças entre as estações do ano. As salpas foram o item
alimentar mais importante na primavera e estiveram altamente associadas com esta estação,
enquanto que no outono e no inverno os pirossomos foram mais importantes (Figura 3, 4 e
5). Nas análises de correspondência, quando utilizado o IIR, os pirossomos estiveram
associados ao outono e ao inverno (Figura 4), porém quando se relaciona a FO% com os
tipos de presas, os pirossomos não estiveram associados a qualquer estação do ano (Figura
5), pois sempre foram bastante frequentes (Tabela III). Os intervalos de probabilidade dos
itens da dieta das tartarugas, calculados para as estações do ano, também são grandes e
pouco informativos (Tabela III), pois, além da grande variabilidade nos conteúdos
gastrointestinais, foram calculados para um pequeno número de amostras.
Não houve diferenças ontogenéticas na dieta das tartarugas-cabeçudas. Salpas e
pirossomos foram presas importantes para as duas classes de tamanho analisadas (Figura
6). Itens flutuantes de pequeno tamanho, como Sargassum sp., Atlanta sp., C. uncinata, J.
janthina e Lepas sp. estiveram associados à menor classe de tamanho (Figura 7).
A dieta variou entre os anos de 2008 e 2009. Em 2008, as salpas foram o item
alimentar mais importante na dieta das tartarugas-cabeçudas, com um IIR de 97,54%,
enquanto em 2009, os pirossomos foram mais importantes, com um IIR de 94,35% (Figura
8). Salpas estiveram altamente associadas com 2008, enquanto que pirossomos tiveram alta
associação com 2009 (Figura 9).
13
Composição proximal das presas
As salpas representaram cerca de 50% do volume na dieta das tartarugas-cabeçudas.
Este item alimentar apresentou um valor energético de 0,37 kJ/g, o segundo item com
maior volume foram os pirossomos, que possuem o valor energético de 0,95 kJ/g (Tabela
IV). Salpas apresentaram a maior contribuição em massa da dieta, seguido dos pirossomos
(Tabela V). Porém, quando a massa consumida da isca do espinhel pelágico também é
considerada, esta passa a ser a segunda maior contribuição em massa na dieta e apresenta
um valor energético maior que as presas naturais da tartaruga-cabeçuda (Tabela IV e V).
Ingestão de resíduos sólidos
Os resíduos sólidos antropogênicos representaram 1,84% em volume total do conteúdo
gastrointestinal das tartarugas-cabeçudas oceânicas e tiveram uma frequência de ocorrência
de 91,43%. O volume médio dos resíduos nos tratos gastrointestinais foi de 7,06 ml (DP ±
9,46), o volume médio relativo em relação ao conteúdo do trato gastrointestinal foi de
3,83%. Plásticos representaram 69% dos resíduos sólidos antropogênicos, seguidos de
madeira (Figura 10).
Houve uma relação baixa, inversa, mas significativa, entre o tamanho das tartarugas
(CCC) e a quantidade de lixo ingerida (n=35, Spearman R=-0,30, p<0,05).
Discussão
Observou-se uma alta variabilidade no volume do conteúdo alimentar das
tartarugas-cabeçudas, evidenciada pelo alto desvio padrão. Resultados semelhantes foram
registrados para o Pacífico Norte por PARKER et al. (2005). Provavelmente isto está
relacionado com as grandes variações na disponibilidade de alimento no ambiente
14
oceânico. HAWKES et al. (2006), em estudos com o uso de telemetria, perceberam uma
notável variação individual nos padrões de forrageamento das tartarugas em ambiente
oceânico, a qual foi atribuída às variações ambientais.
Salpas e pirossomos foram os itens mais importantes na dieta da tartaruga-cabeçuda
no ambiente oceânico no sul do Brasil, assim como na maioria dos estudos de dieta desta
espécie durante sua fase oceânica (VAN NIEROP & DEN HARTOG 1984, PARKER et al. 2005,
REVELLES et al. 2007, MARTINEZ-SOUZA 2009). Salpas e pirossomos são importantes
componentes da comunidade zooplanctônica em oceano aberto e amplamente distribuídas
(ESNAL 1999, ESNAL & DAPONTE 1999). Estes itens representaram 79,72% do volume da
dieta, indicando dominância dessas presas na dieta das tartarugas-cabeçudas.
MARTINEZ-SOUZA (2009) encontrou salpas e sifonóforos como os itens mais
importantes e com maior volume relativo na dieta das tartarugas-cabeçudas capturadas em
espinhel pelágico no Uruguai, região muito próxima à área de estudo. Como não existem
estudos sobre a abundância e distribuição de pirossomos e sifonóforos nestas regiões, torna-
se difícil explicar as causas dessas diferenças na dieta, mas provavelmente seja devido à
disponibilidade variável desses organismos. No sul do Brasil, pirossomos foram registrados
na dieta da tartaruga-de-couro e de juvenis de tartaruga-verde (PINEDO et al. 1998, BARROS
et al. 2010).
Apesar da dominância de salpas e pirossomos, a presença de itens como Lepas sp.,
as algas pardas Sargassum sp. e Macrocystis pyrifera e pterópodos indica que as tartarugas-
cabeçudas no sul do Brasil e áreas adjacentes são oportunistas, se alimentam próximo à
superfície e ingerem itens flutuantes nos primeiros metros da coluna d’água.
15
WITHERINGTON (2002) encontrou mais de 100 taxa em estudo utilizando lavados
esofágicos em filhotes recém nascidos de tartarugas-cabeçudas. No presente estudo, a
variedade de presas não foi tão alta, mas apresentaram um nicho também amplo, se
alimentando ocasionalmente de diversas presas. Talvez tartarugas menores tenham uma
menor habilidade de escolha. Isso também é sugerido pela associação, na análise de
correspondência, de itens como Sargassum sp., Janthina janthina, Lepas spp. e pteropodos
à menor classe de tamanho das tartarugas oceânicas. PLOTKIN (1996), no noroeste do Golfo
do México, analisou tartarugas-cabeçudas com CCC entre 10,8 e 32,5 cm (média = 20,7) e
estes mesmos itens estavam presentes na dieta. Além disso, existe uma correlação baixa,
inversa, porém significativa entre o CCC e a quantidade de resíduos sólidos antropogênicos
ingerida pelas tartarugas-cabeçudas.
A dieta das tartarugas-cabeçudas no sul do Brasil foi predominantemente carnívora,
embora ocasionalmente as algas Sargassum sp. e Macrocystis pyrifera foram encontradas,
fato também registrados na literatura científica (BJORNDAL 1997). Além disso, é comum o
registro de tartarugas oceânicas associadas com Sargassum sp. (CARR 1986,
WITHERINGTON 1994), enquanto que a associação com Macrocystis não é tão conhecida.
Entretanto, no México, tartarugas-verdes em fase oceânica foram registradas associadas a
Macrocystis sp. (NICHOLS et al. 2001). Dois dos três espécimes que apresentaram M.
pyrifera na dieta foram capturados na latidude 37°S (norte da Argentina). Bancos dessas
algas são encontrados em águas frias, até o norte da Patagônia, Província de Chubut
(BARRALES & LOBBAN 1975) e fragmentos dos mesmos podem ser carregados pela corrente
das Malvinas para latitudes menores (COLL & OLIVEIRA 1999).
16
O siri Portunus spinimanus também foi uma espécie de presa frequente na dieta da
tartaruga-cabeçuda, especialmente no outono. Esta é uma espécie de importância comercial,
e registrada para áreas costeiras, no entanto, existe o registro desta espécie em frentes de
Sargassum sp. (MELO 1999).
Heterópodas e pterópodos são frequentemente encontrados na dieta da tartaruga-
cabeçuda em fase oceânica (PARKER et al. 2005, MARTINEZ-SOUZA 2009), inclusive no sul
do Brasil. Na mesma região, esses itens foram registrados na dieta de tartarugas-verdes
juvenis (BARROS et al. 2010) e também na dieta de outras espécies oceânicas, como do
atum albacora-laje (Thunnus albacares), tubarão-azul (Prionace glauca) e anekim (Isurus
oxyrynchus) (VASKE-JR. & RINCÓN 1998, VASKE-JR. & CASTELLO 1998). As espécies de
pterópodos encontrados na dieta da tartaruga-cabeçuda são epipelágicos e estão associados
a massas de águas quentes (corrente do Brasil) segundo VAN DER SPOEL & DADON (1999),
mas apesar disso, na dieta das tartarugas-cabeçudas, pterópodas foram mais frequentes no
inverno.
O mamangá-liso (Porichthys porosissimus) foi encontrado inteiro no trato de uma
tartaruga, porém essa espécie de peixe é capturada pela pesca sobre a plataforma,
principalmente entre 40 e 80 m de profundidade (HAIMOVICI et al. 1996). LENZ (2009)
registrou esta espécie de peixe na dieta de tartarugas-cabeçudas no ambiente nerítico, no
litoral norte do Rio Grande do Sul. Esta ingestão sugere que o animal estava, anteriormente,
ocupando o ambiente nerítico.
Indivíduos de C. caretta são capturados por consumir as iscas presas aos anzóis dos
espinhéis (WITZELL 1999). No presente estudo, em três estômagos foram encontradas mais
de uma isca no mesmo estado de digestão, o que sugere que as tartarugas podem estar se
17
alimentado destas iscas sem que a captura aconteça. REVELLES et al. (2007a) levanta esta
hipótese, mas salienta que não há informações comprobatórias. MARTINEZ-SOUZA (2009)
também reporta a presença de mais de uma isca por estômago nas tartarugas-cabeçudas
capturadas na pescaria de espinhel pelágico no Uruguai. No presente estudo também se
registrou a presença de duas lulas no mesmo estômago. Neste caso, isso aconteceu porque
nesse lance de pesca duas lulas foram colocadas como isca no mesmo anzol por serem
pequenas.
Pirossomos foram fortemente associados ao outono e ao inverno, e salpas à
primavera. MARTINEZ-SOUZA (2009) encontrou maiores IIR para as salpas na primavera.
Mesmo com valores superiores aos outros grupos de presa, observou-se uma queda no
IIR% das salpas durante o outono e o inverno, enquanto que pirossomos se sobressaem
nesta última estação. Parece existir a tendência de salpas serem ingeridas na primavera
enquanto que pirossomos no outono e no inverno. Talvez isso ocorra devido a variações
sazonais na disponibilidade desses grupos no ambiente oceânico, influenciando diretamente
na dieta das tartarugas.
Entre os anos também houveram diferenças na dieta. No ano de 2008, as salpas
foram mais importantes, enquanto que em 2009 foram os pirossomos. A abundância de
salpas tem alta variabilidade interanual (MADIN et al. 2006) e isso pode acarretar em
diferenças na sua importância na dieta. Em ecossistemas marinhos, processos
oceanográficos e climatológicos determinam a disponibilidade de recursos e podem ter
profundos impactos nas populações animais (STENSETH et al. 2002).
Os intervalos de probabilidade de 95%, resultados do cálculo do IIR% pelo método
de inferência bayesiana estende as possibilidades inferenciais ao fornecer margens de erro,
18
ao contrário da estimativa convencional (MARTINEZ-SOUZA 2009). Além disso, os
resultados encontrados por KINAS & MARTINEZ-SOUZA (em preparação) mostram que o
estimador bayesiano apresentou um melhor desempenho que o IIR comum. Porém, no
presente estudo os intervalos foram muito grandes, talvez pelo pequeno número de
amostras resultantes quando divididas em estações, ou ainda pela grande variabilidade do
volume da dieta dos espécimes de tartaruga-cabeçuda. Sendo assim, não foram muito
informativos em relação às diferenças na dieta.
Os itens alimentares das tartarugas capturadas em espinhel pelágico permitem
inferir que os indivíduos analisados estão na fase oceânica, com exceção dos dois
espécimes que continham itens neríticos. Além da composição da dieta, isso é reforçado
pela significativa diferença, na região de estudo, entre a média de tamanho dos animais em
ambiente oceânico capturados em espinhel pelágico e dos espécimes que utilizam a
plataforma e são encontrados encalhados nas praias do Rio Grande do Sul (MONTEIRO et al.
2006).
Por outro lado, os dois animais com itens comumente encontrados no ambiente
nerítico, indicam o momento de transição entre a fase oceânica e nerítica desses animais.
Segundo MCCLELLAN & READ (2007), a transição entre fases é complexa e reversível,
durante a qual alguns indivíduos podem transitar entre águas costeiras e oceânicas por
alguns anos, por motivos ainda desconhecidos. Um destes espécimes possuía o CCC=51,5
cm, menor que o tamanho médio dos animais capturados em espinhel pelágico (58 cm),
enquanto o outro possuía o CCC maior que da média de captura (62 cm). A diferença de
tamanho entre os dois animais em transição indica que esta transição pode variar em cada
indivíduo. Estudos utilizando isótopos estáveis e telemetria, juntamente com a análise do
19
conteúdo gastrointestinal poderiam elucidar o padrão de uso do ambiente oceânico e
nerítico, além de outros aspectos relativos à ecologia trófica e uso do habitat no sul do
Brasil.
Provavelmente a existência das fases oceânica, nerítica e transicionais estão ligadas
às diferenças geográficas e oceanográficas dos locais que as tartarugas-cabeçudas habitam.
Estudos recentes têm revelado que alguns indivíduos adultos permanecem se alimentando
em ambientes oceânicos como os juvenis (HATASE et al. 2002, HAWKES et al. 2006, REICH
et al. 2010) e isso tem sido atribuído a variações intrapopulacionais por motivos não
conhecidos, mas que, provavelmente, estão relacionados a demandas nutricionais variáveis
em função de diferenças regionais na qualidade nutricional do alimento entre os ambientes
pelágico e nerítico.
Composição proximal das presas
As presas pelágicas possuem alto conteúdo de umidade e baixo valor energético,
principalmente quando comparados com as presas neríticas (Apêndice 2). DAVENPORT &
BALAZS (1991) também determinaram a composição proximal para pirossomos e
encontraram valores muito semelhantes ao presente estudo. O valor médio de umidade
encontrado por estes autores foi de 93,69%, enquanto que no presente estudo foi de
92,03%. Os autores estudaram a dieta da tartaruga-de-couro, e como resultado encontraram
pirossomos como uma importante presa dessa espécie. Estes autores sugerem ainda, que a
tartaruga-de-couro deve compensar o baixo valor nutricional das presas com a ingestão de
grandes quantidades destas. Parece que isto também ocorre com a tartaruga-cabeçuda, e é
evidenciado pelo maior volume médio e frequência de ocorrência dos itens nos tratos
gastrointestinais de tartarugas oceânicas quando comparado com tartarugas neríticas
20
(Apêndice 2). A frequência de itens alimentares no trato gastrointestinal foi de 100%, o que
sugere a constante busca por alimento para compensar o seu baixo valor energético.
As salpas e os pirossomos apresentaram um valor energético baixo quando
comparados com a lula Illex argentinus. Quando as lulas são incluídas na análise da dieta,
representam grande volume relativo. A lula não é um item natural da dieta, mas parece ser
muito atrativa às tartarugas, podendo representar um grande aporte de energia para esses
animais. Esta espécie parece ter a capacidade de ingerir a isca dos anzóis do espinhel sem
ser capturada, como foi registrado neste estudo e por MARTINEZ-SOUZA (2009).
Resíduos sólidos antropogênicos
Registrou-se um baixo volume relativo dos resíduos sólidos antropogênicos na dieta
das tartarugas-cabeçudas no sul do Brasil. Entretanto, registrou-se uma alta frequência de
ocorrência desses resíduos, o que representa um problema para a conservação das
tartarugas-cabeçudas em ambiente oceânico. Segundo BJORNDAL (1997), a obstrução do
trato gastrointestinal pode acontecer mesmo com a ingestão de pequenas quantidades. Os
efeitos sub-letais da ingestão podem ter consequências severas, mas são difíceis de
quantificar (BOLTEN 2003).
A alta frequência de resíduos sólidos na dieta da tartaruga-cabeçuda é uma
consequência do tipo de alimentação desta espécie. Ao alimentarem-se de itens flutuantes,
estão sujeitas à ingestão dos resíduos presentes no ambiente. Além disso, tartarugas-
cabeçudas, quando em fase oceânica, costumam se associar aos limites e frentes de
convergência (POLOVINA et al. 2004), onde o acúmulo dos resíduos sólidos é favorecido, e,
dessa forma, a sua ingestão pelas tartarugas.
21
Sabe-se que juvenis oceânicos frequentemente ingerem resíduos sólidos (CARR
1987, BJORNDAL 1997). Isso tem sido registrado em diversos locais no mundo. No
Mediterrâneo, REVELLES et al. (2007a) encontraram resíduos em 63,15% das tartarugas
analisadas, dos quais, plásticos e madeiras também foram os tipos mais comumente
ingeridos. Em área próxima, também no Mediterrâneo, TOMÁS et al. (2002) registraram
79,6% das tartarugas com ingestão de resíduos sólidos. No Uruguai, MARTINEZ-SOUZA
(2009) encontraram materiais de origem antrópica em 45,7% das tartarugas oceânicas,
porém o intestino não foi quantificado quanto aos resíduos, o que provavelmente explica a
diferença encontrada em relação ao presente estudo.
A frequência de resíduos sólidos no sul do Brasil foi extremamente alta e é a maior
entre os registros disponíveis na literatura. Sendo assim, além da captura incidental em
espinhel pelágico, a ingestão de resíduos sólidos também parece ser uma ameaça à
sobrevivência das tartarugas-cabeçudas que habitam as áreas oceânicas do sul do Brasil.
O controle da poluição marinha está ligado à gestão ambiental e ao processo de
tomada de decisão para o gerenciamento da zona costeira, o que torna a ingestão de
resíduos sólidos pelas tartarugas marinhas um problema bastante complexo para a
conservação desses animais, principalmente porque atingem regiões distantes, como as
áreas oceânicas.
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Figura 1. Localização dos espécimes de Caretta caretta coletados no sul do Brasil entre os anos de 2007 e
2009.
Tabela I. Distribuição de anos, estações do ano e classes de tamanho, das tartarugas analisadas no sul do
Brasil entre 2007 e 2009.
Número de amostras
Anos
2007 2
2008 14
2009 19
36
Estações
Outono 8
Inverno 12
Primavera 15
Classes de tamanho
40 - 49,9 1
50 - 59,9 20
60 - 69,9 14
Tabela II. Volume relativo (%V), frequência de ocorrência (%FO), índice de importância relativa (%IIR)
(método convencional), estimador (média da distribuição posterior para o índice de importância relativa do
método bayesiano) e intervalo de probabilidade de 95% dos itens alimentares encontrados nos tratos
gastrointestinais da tartaruga-cabeçuda provenientes da captura incidental em espinhel pelágico no Rio
Grande do Sul entre os anos de 2007 a 2009.
Itens alimetares VR% FO% IIR% Estimador Intervalo (95%) Tunicados Salpas 52,50 71,43 63,83 41,66 (22,32 – 61,58) Pyrossomidae 27,22 57,14 26,48 38,87 (19,46 – 57,98) Crustáceos Lepas sp. 0,89 45,71 0,66 7,46 (2,58 – 14,58) Portunus spinimanus 0,36 8,57 0,05 1,71 (0,04 – 6,83) Portunidae 0,51 8,57 0,06 Hyperideo 0,01 8,57 0,00 0,23 (0,01 – 0,85) Macroalgas Sargassum sp. 0,81 14,29 0,20 2,31 (0,19 – 8,76) Macrocystis pyrifera 1,10 8,57 0,15 2,29 (0,08 – 9,17) Moluscos Cavolinia uncinata 0,28 40,00 0,18 3,59 (1,03 – 7,95) Atlanta peronii 0,04 22,86 0,02 0,97 (0,16 – 2,52) Diacria trispinosa 0,07 14,29 0,01 0,52 (0,05 – 1,85) Janthina janthina 0,02 11,43 0,06 0,39 (0,03 – 1,33) Janthina exigua 0,01 2,86 0,01 - - Cavolinia longirostris 0,01 2,86 0,01 - - Crassatela riograndensis 0,13 2,86 0,01 - - Limopsis janeiroensis 0,01 2,86 0,01 - - Cnidários Aequorea sp. 0,55 5,71 0,05 - - Siphonophora 0,08 5,71 0,01 - - Peixes Porichthis porosissimus 0,10 2,86 0,01 - - Peixe NI 1,12 5,71 0,11 Ovos 0,22 2,86 0,01 - - Outros
37
Gelatinosos não identificado 9,34 34,29 5,43 - - Não identificado 4,53 34,29 2,64 - -
Tabela III. Frequência de ocorrência (FO%) e inferência bayesiana do Índice de Importância Relativa
(Estimador) das principais presas da tartaruga-cabeçuda para as diferentes estações do ano.
Outono (n=8) Inverno (n=12) Primavera (n=15)
Itens
alimentares FO% Estimador Intervalo (95%) FO% Estimador Intervalo (95%) FO% Estimador Intervalo (95%)
M. pyrifera 25 10,82 (0 - 36,56) 0 - - 8,33 1,33 (0 – 2,83)
Sargassum sp. 25 12,87 (0 - 39,12) 8,33 3,55 (0,01 - 17,17) 13,33 8,1 (0,02 - 99,89)
Atlanta sp. 37,5 4,44 (0 - 18,74) 16,67 1,67 (0 - 5,91) 20 1,31 (0 - 3,9)
C. uncinata 50 4,77 (0 - 20,3) 58,33 3,56 (0,01 - 13,58) 20 0,83 (0 - 2,97)
D. trispinosai 25 6,93 (0 - 85,65) 8,33 1,39 (0 - 5,26) 0 - -
J. janthina 12,5 3,03 (0 - 13,21) 8,33 1,81 (0 - 3,16) 13,34 0,37 (0 - 1,39)
Hyperideo 25 1,78 (0 - 4,22) 0 - - 13,3 0,37 (0 - 1,52)
Lepas spp. 50 10,85 (0 - 31,77) 41,64 7,51 (0,02 - 32,68) 46,67 4,68 (0 - 12,28)
P. spinimanus 37,5 14,06 (0 - 99,7) 0 - - 8,33 1,53 (0 – 3,95)
Pyrossomidae 62,5 24,76 (0 - 63,44) 50 51,22 (0,26 - 86,61) 60 24,76 (0 - 48,13)
Salpas 37,5 5,69 (0 - 58,4) 66,67 29,29 (0,06 - 62,88) 93,33 56,71 (0 - 82,12)
Tabela IV. Média da composição proximal de algumas presas da tartaruga-cabeçuda no Rio Grande do Sul.
Espécie Proteína (%) Lipídio (%) Umidade (%) Cinzas (%) Valor energético (KJ/g)
Salpas 0,97 0,36 95,00 - 0,37
Pirossomos 4,03 92,03 - 0,95
Ilex argentinus - - - - 6,42*
* Valor retirado de EDER & LEWIS (2005)
Tabela V. Massa total consumida (g), média e desvio-padrão (DP) dos itens alimentares da tartaruga-
cabeçuda.
Presas Total Média DP
38
Pirossomo 2746,56 144,56 269,25
Salpa 5346,18 232,44 869,45
Illex argentinus 3266,68 108,89 78,81
0
5
10
15
20
25
40 - 49,9 50 - 59,9 60 - 69,9
CCC (cm)
Núm
ero
de in
diví
duos
Figura 2. Distribuição de tamanho (Comprimento curvilíneo da carapaça – CCC) de Caretta caretta coletados
no Rio Grande do Sul entre os anos de 2007 e 2009.
0102030405060708090
100
Ss As Cu Ls Pi Sa
Principais presas
IIR%
Out (n=8)Inv (n=12)Prim (n=15)
Figura 3. Porcentagem do índice de importância relativa para as principais presas da tartaruga-cabeçuda na
fase oceânica nas diferentes estações do ano; Sargassum sp. (Ss), Atlanta sp. (As), Cavolinia uncinata (Cu),
Lepas sp. (Ls), Pirossomo (Pi) e Salpas (Sa).
39
Figura 4. Componentes principais da análise de correspondência entre estação e principais presas da tartaruga-
cabeçuda utilizando os valores do índice de importância relativa. Linhas: Outono (Out), Inverno (Inv) e
Primavera (Pri). Colunas: Sargassum sp. (Ss), Atlanta sp. (As), Cavolinia uncinata (Cu), Janthina janthina
(Jj), Lepas sp. (Ls), Pirossomos (Pi) e Salpas (Sa).
Figura 5. Componentes principais da análise de correspondência entre estação e principais presas da tartaruga-
cabeçuda utilizando os valores de frequência de ocorrência. Linhas: Outono (Out), Inverno (Inv) e Primavera
-0.3 -0.2 -0.1 0.0 0.1 0.2 0.3
-0.3
-0.2
-0.1
0.0
0.1
0.2
0.3
Out
Inv
Pri
-0.3 -0.2 -0.1 0.0 0.1 0.2 0.3
-0.3
-0.2
-0.1
0.0
0.1
0.2
0.3Ss
As
Cu
Jj
LsPi
Sa
-0.5 0.0 0.5 1.0
-0.5
0.0
0.5
1.0
Out
Inv
Pri
-0.5 0.0 0.5 1.0 1.5
-0.5
0.0
0.5
1.0
1.5
Ss As
Cu Ls
Pi Sa
40
(Pri). Colunas: Sargassum sp. (Ss), Atlanta sp. (As), Cavolinia uncinata (Cu), Janthina janthina (Jj), Lepas
sp. (Ls), Pirossomos (Pi) e Salpas (Sa).
0102030405060708090
100
Ss As Cu Ls Pi Sa
Principais presas
IIR%
40 - 49,9 (n=1)50 - 59,9 (n=20)60 - 69,9 (n=14)
Figura 6. Porcentagem do índice de importância relativa para as principais presas da tartaruga-cabeçuda na
fase oceânica nas diferentes classes de tamanho; Sargassum sp. (Ss), Atlanta sp. (As), Cavolinia uncinata
(Cu), Lepas sp. (Ls), Pirossomo (Pi) e Salpas (Sa).
Figura 7. Componentes principais da análise de correspondência entre classes de tamanho e principais presas
da tartaruga-cabeçuda utilizando os valores de IIR%. Linha: classe 1 (50 – 59,9 cm, C1) e classe 2, (60 – 69,9
-0.2 -0.1 0.0 0.1 0.2
-0.2
-0.1
0.0
0.1
0.2
C1 C2
-1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0
-1.0
-0.5
0.0
0.5
1.0
SsAs CuLs Pi Sa
41
cm, C2) . Colunas: Sargassum sp. (Ss), Atlanta sp. (As), Cavolinia uncinata (Cu), Janthina janthina (Jj),
Lepas sp. (Ls), Pirossomos (Pi) e Salpas (Sa).
0102030405060708090
100
Ss As Cu Ls Pi As
Principais presas
IIR% 2008 (n=14)
2009 (n=19)
Figura 8. Porcentagem do índice de importância relativa para as principais presas da tartaruga-cabeçuda na
fase oceânica nos diferentes anos; Sargassum sp. (Ss), Atlanta sp. (As), Cavolinia uncinata (Cu), Lepas sp.
(Ls), Pirossomo (Pi) e Salpas (Sa).
Figura 9. Componentes principais da análise de correspondência entre anos e principais presas da tartaruga-
cabeçuda utilizando os valores de IIR%. Linha: anos 2008 e 2009. Colunas: Sargassum sp. (Ss), Atlanta sp.
(As), Cavolinia uncinata (Cu), Janthina janthina (Jj), Lepas sp. (Ls), Pirossomos (Pi) e Salpas (Sa).
-1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0
-1.0
-0.5
0.0
0.5
1.0
2008 2009
-1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0
-1.0
-0.5
0.0
0.5
1.0
Ss As Cu Ls PiSa
42
Proporção dos tipos de resíduos sólidos
42%
27%
9%4% 1%
1%
3%
13%Plástico mole
Plástico duro
IsoporBorracha
Madeira
Linhas
Fibra sintética
Carvão
Figura 10. Proporção dos tipos de resíduos sólidos encontrados nos tratos gastrointestinais da tartaruga-
cabeçuda no ambiente oceânico entre 2007 e 2009.
43
ANEXO
Espécies identificadas no conteúdo gastrointestinal das tartarugas-cabeçudas (Caretta
caretta) e respectivos números de tombamento no Museu Oceanográfico da Universidade
Federal do Rio Grande - FURG
Espécie Número de tombamento
Atlanta peronii Lesuer, 1817 51.019, 51.030, 51.046
Crassatella riograndensis (Vokes, 1973) 51.013
Cavolinia longirostris (Blainv., 1821) 51.037, 51.042
Cavolinia uncinata (Rang, 1829) 51.014, 51.017, 51.020, 51.028, 51.036
Janthina janthina (Linnaeus, 1758) 51.039
Janthina sp. 51.021, 51.035
Limopsis janeiroensis (E.A.Sm., 1915) 51.011, 51.040
Spirotropis stirophora (Watson, 1881) 51.012
Diacria trispinosa (Blainville, 1821) 51.018, 51.026, 51.029, 51.034
Cavolinia tridentata (Niebuhr, 1775) 51.027
Cylindriscala acus (Watson, 1883) 51.015
Janthina exigua (Lamarck, 1816) 51.010
1
APÊNDICE 2
Manuscrito formatado para a Revista Brasileira de Zoologia
Dieta da tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) (Testudines, Cheloniidae) em habitat
nerítico no sul do Brasil: composição e aspectos nutricionais
Juliana de Azevedo Barros1,2,3; Danielle da Silveira Monteiro1; Sérgio Curi Estima1;
Eduardo Resende Secchi2
1 Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental – NEMA. Rua Maria Araújo 450
Cassino Rio Grande - RS.
2 Laboratório de Tartarugas e Mamíferos Marinhos. Instituto de Oceanografia,
Universidade Federal do Rio Grande – FURG, Avenida Itália Km 8, CEP 96201-900, Rio
Grande-RS.
3 Programa de Pós-graduação em Oceanografia Biológica. Universidade Federal do Rio
Grande – FURG.
Diet of neritic loggerhead sea turtles (Caretta caretta) (Testudines, Cheloniidae) in
southern Brazil: composition and insights on nutritional value
Abstract
The diet of loggerhead sea turtles (Caretta caretta) in southern Brazil was investigated by
analyzing the contents of complete digestive tracts (n=45) and stomachs (n=15) of neritic-
phase animals washed ashore in 1993-1995 and 2007-2009. Mean curve carapace lengths
(CCL) were 87 (±22.7) cm and 71.3 (± 9.3) cm for neritic turtles collected in 1993-1995
and 2007-2009 sampling periods, respectively. Libinia spinosa, Buccinanops cochlidium
and Loxopagurus loxochelis, were the most important prey in the first period while L.
loxochelis and Buccinanops spp. were in the second. No seasonal or size-related differences
2
were found, though the diet varied between periods. Data also indicate that fishery discards
are relevant in the diet C. caretta in these two phases of its life cycle. The preys of
loggerheads in neritic habitat had high energetic values. Anthropogenic debris were rarely
observed. The results demonstrate that the southern Brazil continental shelf is an important
feeding ground to loggerhead turtles.
Key-words: Feeding ecology, Proximal composition, Sea turtles.
Resumo
Estômagos (15) e tratos gastrointestinais completos (45) de tartarugas-cabeçudas (Caretta
caretta) coletadas entre 1993-1995 e 2007-2009, respectivamente, a partir de
monitoramentos de praia, no sul do Brasil, foram analisados. As tartarugas do primeiro
período tiveram um comprimento curvilíneo da carapaça médio de 87 cm (±22,7), enquanto
que as do segundo de 71,3 cm (± 9,3). Os itens alimentares mais importantes da tartaruga-
cabeçuda foram Loxopagurus loxochelis, Buccinanops spp., Dardanus insignis e Libinia
spinosa. Peixes, entretanto, apresentaram baixa frequência, mas elevado volume na dieta
nos dois períodos analisados, o que indica a utilização de descarte das pescarias para
alimentação. As presas da tartaruga-cabeçuda na fase nerítica possuem alto valor
energético. Resíduos antropogênicos raramente foram encontrados nos tratos
gastrointestinais. Os resultados indicam que a tartaruga-cabeçuda utiliza a plataforma
interna e média, para predar sobre animais bentônicos e que estas áreas são importantes
ambientes de alimentação.
Palavras-chave: Composição proximal, Ecologia alimentar, Tartaruga-marinha.
Introdução
3
A tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) apresenta distribuição circunglobal (DODD
1988). No Brasil, esta espécie desova principalmente na Bahia, Espírito Santo, Rio de
Janeiro e Sergipe (MARCOVALDI & CHALOUPKA 2007). Das cinco espécies de tartarugas
marinhas que utilizam a costa brasileira para alimentação e reprodução C. caretta é a que
possui o maior número de fêmeas desovantes (MARCOVALDI & CHALOUPKA 2007). No
passado a espécie foi intensamente caçada e seus ovos coletados para consumo humano,
hoje, todo ano, muitos indivíduos são capturados incidentalmente principalmente em redes
de deriva e espinhel durante sua fase pelágica e em redes de emalhe de fundo e arrasto
durante a fase nerítica. Além da pesca, a poluição marinha também é uma das principais
ameaça às tartarugas marinhas. Apesar dos esforços mundiais de conservação e evidente
recuperação em certas áreas, a tartaruga-cabeçuda continua classificada como ameaçada de
extinção (IUCN 2009).
Caretta caretta apresenta uma dieta carnívora durante toda a sua vida. Nos estágios
iniciais e de juvenil se alimentam de itens planctônicos, em habitats oceânicos (PARKER et
al. 2005, Apêndice 1). Quando em estágios juvenis mais avançados, C. caretta recruta para
habitats neríticos. De acordo com BJORNDAL et al. (2001), no Atlântico Norte, esse
recrutamento acontece quando estes animais têm um comprimento retilíneo da carapaça
entre 46 e 64 cm. Nessa fase, predam principalmente sobre crustáceos e moluscos
bentônicos (BJORNDAL 1997, BOLTEN 2003).
No sul do Brasil, a tartaruga-cabeçuda habita ambientes neríticos, nos estágios de
juvenil avançado e adulto e é encontrada encalhada nas praias e capturada em pescarias que
atuam sobre a plataforma (HAIMOVICI & HABIAGA 1982, MONTEIRO et al. 2006). Esta
região apresenta anualmente índices de encalhes elevados de C. caretta (MONTEIRO et al.
4
2006), e parece ser uma importante área de alimentação para esta espécie (PINEDO et al.
1998, BUGONI et al. 2003). De todo o litoral brasileiro, o Rio Grande do Sul é o estado que
apresenta o maior número de encalhes de C. caretta (MARCOVALDI & CHALOUPKA 2007).
Estudos sobre a dieta da tartaruga-cabeçuda em habitats neríticos são bastante
comuns (HOPKINS-MURPHY et al. 2003). SENEY & MUSICK (2007) demonstraram que a
dieta varia ontogeneticamente entre classes de tamanho, e que, machos e fêmeas partilham
os mesmos recursos alimentares. Outros estudos revelam diferenças na dieta entre áreas
geográficas e estações do ano (HOPKINS-MURPHY et al. 2003). Em geral, Caretta caretta
tem uma alimentação oportunista (PARKER et al. 2005, CASALE et al. 2008), e se alimentam
inclusive de descarte de pescarias (WHITE 2004, SENEY & MUSICK 2007).
No Brasil, informações sobre a dieta da tartaruga-cabeçuda são raras, restritas ao
Rio Grande do Sul e algumas vezes baseadas em poucos exemplares (PINEDO et al. 1998;
BUGONI et al. 2003; LENZ 2009). PINEDO et al. (1998) encontraram crustáceos como os
itens mais frequente, seguidos de moluscos e peixes. No estudo de BUGONI et al. (2003) os
peixes foram o grupo mais frequente e a maior contribuição numérica foi de crustáceos.
Diversas abordagens têm sido empregadas para identificar espécies de presas
dominantes ou importantes na dieta de animais (MACDONALD & GREEN 1983), como
abundância numérica, volume ou peso, frequência de ocorrência e valores energéticos
(HYSLOP 1980). Cada uma dessas medidas atende diferentes objetivos. Por exemplo,
medidas de abundância numérica refletem processos de aquisição dependente da densidade
das presas, por outro lado, volume ou peso são medidas que consideram o valor nutricional
da dieta ou ainda podem ser usados quando presas são muito numerosas ou coloniais e
incontáveis (MACDONALD & GREEN 1983).
5
Conhecer o valor nutricional e energético dos itens alimentares é importante, pois
pode influenciar o comportamento de escolha do alimento e consequentemente a relação
presa-predador. Tartaruga-verde (Chelonia mydas), por exemplo, pasta seletivamente sobre
as folhas mais novas de Thalassia testudinum, as quais possuem uma maior qualidade
nutricional (BJORNDAL 1980). Existe uma lacuna no conhecimento sobre os valores
energéticos de presas potenciais de diversos predadores (DOYLE et al. 2007), incluindo de
tartarugas marinhas. As tartarugas-cabeçudas alteram completamente sua dieta e
consequentemente, o valor energético de suas presas quando mudam de habitat, o que pode
ter importantes implicações ecológicas, como por exemplo, influenciar taxas de
crescimento e de reprodução.
Para entender o papel desses animais no ecossistema e construir bons modelos
ecológicos quantitativos, é essencial compreender as interações da tartaruga-cabeçuda com
outras espécies (fluxo de energia e nutrientes) e com seu ambiente (BJORNDAL 2003).
Conhecer essas interações, assim como possíveis ameaças, permite tomar decisões de
manejo adequadas e, adicionalmente, fazer predições a respeito dos efeitos das mudanças
no ambiente sobre esses animais. Informações sobre dieta permitem entender sobre a
qualidade das áreas de alimentação, como os recursos tróficos são utilizados por estes
animais e como as atividades humanas podem interferir no padrão de uso do habitat pelas
tartarugas marinhas. Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo caracterizar a dieta
da tartaruga-cabeçuda em ambiente nerítico do extremo sul do Brasil, e ainda, avaliar o
valor nutricional da dieta.
Metodologia
Área de estudo
6
A plataforma continental do sul do Brasil atinge 140 km de largura, em média, na
parte compreendida entre Rio Grande e Chuí, sendo mais estreita ao norte. A cobertura
sedimentar é predominantemente arenosa na parte costeira e lamosa a partir dos 40-50 m de
profundidade. Fundos de conchas e areia ocorrem paralelos à costa. A plataforma
continental e a região litorânea do sul do Brasil têm influência das descargas de água
continental do Rio da Prata e da Lagoa dos Patos, bem como da Corrente do Brasil, de
águas quentes e que se desloca na direção Norte-Sul no verão e da Corrente das Malvinas,
de águas frias e de direção oposta, no inverno. O encontro destas duas massas de água
forma a Convergência Subtropical, um ambiente de elevada produtividade, e local de
reprodução, desenvolvimento e alimentação de inúmeras espécies animais (CASTELLO et al.
1998). A elevada produtividade e as características do fundo oceânico na região permitem
uma intensa pesca de arrasto e emalhe demersal de diversas espécies de peixes.
Monitoramento e coleta dos animais
O trato gastrointestinal foi coletado de espécimes mortos de C. caretta encalhados
na região praial. Os animais encontravam-se em diferentes estágios de decomposição,
embora animais frescos foram priorizados. As coletas, realizadas pelo Núcleo de Educação
e Monitoramento Ambiental-NEMA, ocorreram entre junho de 2007 e dezembro de 2009.
Utilizou-se um veículo 4x4 para monitorar a praia a uma velocidade média de 30 km/h.
Percorreu-se, mensalmente, 355 km de praia no litoral do Rio Grande do Sul, entre a Lagoa
do Peixe (31°20’S; 51°05’O) até o Arroio Chuí (33°45’S; 53°22’O) (Figura 1). Um
espécime coletado em 2004 e dois em 2006 foram utilizados nas análises. De todos os
animais mediu-se o comprimento curvilíneo da carapaça (CCC), tomado do ponto anterior
7
médio do escudo nucal até a ponta posterior dos escudos supracaudais (BOLTEN 1999), para
permitir comparações da dieta entre classes de tamanho.
Quinze conteúdos estomacais da coleção do Laboratório de Tartarugas e Mamíferos
Marinhos (LTMM) - FURG, coletados entre 1993 e 1995 foram também analisados. Desses
animais foi medido o comprimento retilíneo da carapaça (CRC, porém esses valores foram
convertidos em CCC pela equação CCC = (CRC – 0,323)/0,924 (REVELLES et al. 2007b)
para fins comparativos com as tartarugas do período posterior.
Triagem e análise do conteúdo gastrointestinal
Em cada espécime, o conteúdo gastrointestinal foi analisado desde o esôfago até a
porção final do intestino grosso. O conteúdo do trato gastrointestinal foi lavado em peneira
fina (4 mm) com água corrente, dividido em itens e classificado como matéria orgânica
(restos animais e vegetais) e material de origem antropogênica (como por exemplo,
plástico, pedaços de petrechos de pesca). As amostras de conteúdos orgânicos foram
preservadas em solução de álcool 70%. O material sintético foi seco e armazenado em
sacos plásticos.
Os itens da dieta foram identificados ao menor táxon possível. A identificação dos
crustáceos foi realizada por comparação com a coleção de referência do Laboratório de
Crustáceos Decápodas da FURG e bibliografia específica (MELO 1996, 1999). Os moluscos
foram identificados a partir da comparação de conchas com a coleção do Museu
Oceanográfico da FURG e guia de identificação (COSTA 2005, RIOS 2009). Para a
identificação dos peixes, compararam-se os otólitos encontrados com a coleção de
referência do Laboratório de Recursos Pesqueiros Demersais e Cefalópodes da FURG. A
identificação de todos os grupos taxonômicos contou com o auxílio de especialistas. A
8
quantificação dos itens alimentares foi feita pelo peso úmido (g), volume (ml) e número.
Para a pesagem foi utilizada balança e o volume foi medido através do deslocamento de
líquido em uma proveta de 50 ou 1000 ml, escolhida conforme volume dos itens.
Composição proximal das presas
A composição proximal e o conteúdo energético foram determinados para alguns
dos principais itens da dieta da tartaruga-cabeçuda. O ermitão (Loxopagurus loxochelis) e o
molusco (Buccinanops cochlidium) foram coletados na região intermareal da praia do
Cassino ainda frescos, no dia 27/07/2009. Os peixes, corvina (Micropogonias furnieri),
maria-luiza (Paralonchurus brasiliensis) e peixe-espada (Trichiurus lepturus) foram
coletados em uma indústria de pescado, em Rio Grande, no ano de 2009. Os organismos
foram utilizados inteiros, com exceção do peixe-espada, do qual, utilizou-se apenas a
cabeça, por tratar-se da porção descartada a bordo e, provavelmente a qual é consumida
pelas tartarugas.
Para determinar a composição proximal dos crustáceos, peixes e molusco foram
realizadas, segundo metodologia oficial (AOAC 1995), quantificação de proteína, umidade,
lipídios, e cinzas, em triplicata para cada análise, com exceção do Buccinanops (duplicata).
Para análise da umidade, utilizou-se o método de secagem em estufa a 105ºC, com
circulação de ar, até peso constante, e com 5g para cada amostra (Método 950.46); para
lipídios, o método de extração por Soxhlet, com 5g para cada amostra (Método 960.39);
para determinação de cinzas, o método de incineração em mufla a 600ºC até peso
constante, com 1,5g para cada amostra (Método 920.153) e as proteínas foram
determinadas por micro Kjeldahl, com 0,2g para cada amostra (Método 928.08).
9
Geralmente o valor de carboidratos em peixes é baixo, sendo assim, não foi medido
pois seu valor energético é praticamente zero (MÁRQUEZ et al. 1996, PAYNE et al. 1999). O
valor energético foi obtido indiretamente, utilizando o coeficiente de Rubner para
organismos aquáticos: 9,5 kcal g-1 para lipídios, 5,65 kcal g-1 para proteínas (WINBERG
1971) e expressos em kJ g-1 (massa úmida).
Análise dos dados
A importância dos itens na dieta foi calculada a partir do número relativo (N%, Eq.
1), volume relativo (V%, Eq. 2), frequência de ocorrência (FO%, Eq. 3), e índice de
importância relativa modificado de PINKAS et al. (1971) (IIR, Eq. 4) no qual se substituiu o
peso pelo volume. Para uma melhor compreensão, o IIR é apresentado em porcentagem
(Cortés 1997).
N (%) = Ni x 100 Eq. 1
Nt
Onde: Ni = Número total do item alimentar i, Nt = Número total de todos os itens
alimentares.
V (%) = Vi x 100 Eq. 2
Vt
Onde: Vi = Volume total do item alimentar i, Vt = Volume total de todos os itens
alimentares.
FO (%) = ΣTDi x 100 Eq. 3
ΣTDt
10
Onde: TDi = Tratos digestivos com o item alimentar i, TDt = Tratos digestivos que
continham itens alimentares.
IIR = (N% + V%) * FO% Eq. 4
O comprimento total (CT) dos peixes foram estimados a partir do comprimento do
otólito (CO), por meio de equações de regressão para a corvina (Micropogonias furnieri)
(Eq. 5), maria-luiza (Paralonchurus brasiliensis) (Eq. 6) e peixe-espada (Trichiurus
lepturus) (Eq. 7). As equações utilizadas foram retiradas de BASSOI (2005).
CT corvina = 18,343*CO1,0987 Eq. 5
CT maria-luiza = 26,005*CO -21,709 Eq. 6
CT peixe-espada = 84,378*CO1,3022 Eq. 7
As estações do ano representadas nos dados foram a primavera (outubro, novembro
e dezembro), o verão (janeiro, fevereiro e março) e o outono (abril, maio e junho). As
tartarugas foram classificadas em quatro classes de tamanho de acordo com o CCC (C1 de
50 a 59,9 cm; C2 de 60 a 69,9 cm; C3 de 70 a 79,9 cm e C4 maiores de 80 cm).
Categorizou-se como temporada o agrupamento dos meses sequenciais da primavera, verão
e outono, pois encalhes de tartarugas marinhas na região são comuns nesses meses. Sendo
assim, o ano não foi considerado nessa comparação. Dessa forma a temporada 1 (T1) inclui
de setembro de 2007 a junho de 2008 e a temporada 2 (T2) inclui setembro de 2008 a junho
de 2009 (Tabela I).
11
Análises estatísticas
Análises de correspondência foram utilizadas para verificar como os tipos de presas
ingeridas pelas tartarugas-cabeçudas estão relacionadas com as variáveis temporadas,
classes de tamanho e estações. Embora seja considerada uma técnica descritiva e
exploratória, esta análise simplifica dados complexos e produz análises exaustivas de
informações que suportam conclusões a respeito das mesmas. A análise de
correspondência, basicamente, converte uma matriz de dados não negativos em um tipo
particular de representação gráfica em que as linhas e colunas da matriz são
simultaneamente representadas em dimensão reduzida, isto é, por pontos no gráfico. Este
método permite estudar as relações e semelhanças existentes entre as categorias de linhas
(temporadas, classes de tamanho e estações) e entre as categorias de colunas (tipos de
presas) (GREENACRE & HASTIE 1987). Para esta análise, utilizaram-se os valores de IIR%
dos tipos de presas, pois este índice considera a frequência, o volume e o número. Devido
ao baixo número, as amostras da coleção do LTMM-FURG não foram incluídas nas
análises de correspondência.
Modelos estatísticos que permitem uma inferência bayesiana para IIR% foram
gerados para todos os espécimes e para agrupamentos por estação do ano. Tais modelos,
propostos por KINAS & MARTINEZ-SOUZA (em preparação), fornecem o estimador (média)
para os itens que apresentaram ocorrência em mais de dois tratos gastrointestinais e
também um intervalo de probabilidade, o qual permitiu comparar o estimador entre
diferentes estações.
As análises estatísticas foram realizadas utilizando o software R versão 2.10.0 (R.
DEVELOPMENT CORE TEAM 2007) e o programa Statistica for Windows versão 7.0.
12
Resultados
Quinze estômagos de tartaruga-cabeçuda coletados no sul do Brasil, que fazem
parte da coleção do LTMM-FURG foram analisados. Estes animais tiveram um CCC
médio de 87 cm (DP=22,7; 50,5 – 112,5). Os conteúdos estomacais apresentaram um
volume médio de 37,87 ml (DP = 66,72). Dois estômagos estavam vazios. Tratos
gastrointestinais completos (n=45) provenientes de encalhe de praia também foram
analisados. Os animais coletados mediram em média 71,3 cm (± 9,3; 57 – 98,5). Os
conteúdos dos tratos gastrointestinais completos apresentaram um volume médio de 265,41
ml (DP = 252,3). Três animais estavam com trato gastrointestinal vazio.
A média do CCC dos animais da coleção (LTMM – FURG) foi maior que dos animais
coletados entre os anos de 2007 e 2009 (Figura 2).
Registrou-se um total de 53 taxa na dieta das tartarugas-cabeçudas no ambiente
nerítico. Os principais grupos encontrados foram crustáceos, moluscos e peixes. Entre os
anos de 1993 e 1995, as presas mais importantes da tartaruga-cabeçuda foram Libinia
spinosa e Buccinanops cochlidium. Segundo o estimador bayesiano, Loxopagurus
loxochelis também foi um dos itens mais importantes da dieta (Tabela II). Crustáceos
apresentaram uma importante contribuição numérica, assim como um grande volume
relativo, representando 72,69% do volume da dieta (Tabela II). No período seguinte (2007
– 2009), L. loxochelis, Buccinanops spp., L. spinosa e D. insignis foram os itens
alimentares mais importantes na dieta da tartaruga-cabeçuda (Tabela III). Crustáceos
também representaram um grande volume relativo, de 59,86% na dieta.
13
Nos dois períodos, os peixes apresentaram baixa frequência na dieta, porém, um
significativo volume relativo, representando 19,45% e 20,25% respectivamente. Os
otólitos, quando bem preservados, permitiram o conhecimento do tamanho do peixe
ingerido pelas tartarugas (Tabela IV). Em um trato gastrointestinal, encontraram-se 23
pares de otólitos de corvina. Os otólitos dos peixes presentes no conteúdo gastrointestinal
da tartaruga-cabeçuda algumas vezes não foram encontrados, sendo assim, o peixe-espada
(Trichiurus lepturus), na maioria das vezes, foi identificado pela mandíbula.
No conteúdo gastrointestinal dos espécimes analisados entre 2007 e 2009,
constatou-se que em 68,18% da ocorrência de Buccinanops spp. encontraram-se apenas as
conchas (provavelmente ocupadas por ermitões), enquanto que em 31,82% opérculos ou a
parte mole (pé) do molusco foram encontrados, sugerindo a predação do molusco inteiro.
Treze indivíduos do camarão Pleoticus muelleri foram encontrados no esôfago de uma
tartaruga. Itens de origem pelágica, como salpas, pteropodas e Lepas spp. foram
encontrados em três tartarugas provenientes do encalhe de praia com CCC de 57, 68 e 69
cm, porém nestes espécimes não havia itens de origem bentônica/nerítica comumente
encontrados. Na fase nerítica, resíduos antropogênicos não foram comuns, ocorrendo em
baixo volume em apenas cinco das 60 tartarugas analisadas. Apenas plástico mole foi
encontrado.
Os grandes intervalos de probabilidade obtidos pela inferência bayesiana refletem a
grande variabilidade do número, volume e frequência das presas nos tratos gastrointestinais
das tartarugas (Tabela II e III).
14
No conteúdo gastrointestinal das tartarugas-cabeçudas analisadas foi notada a
frequente presença de sedimentos, principalmente de lama. Areia e cascalhos biodetríticos
também estiveram presentes.
Não foi observada variação sazonal na dieta das tartarugas-cabeçudas durante sua
fase nerítica. Embora o ermitão Dardanus insignis pareça estar associado à primavera
(Figura 3, Tabela V), essa associação não foi tão marcante (Figura 4). A associação da
maria-luiza e do peixe-espada com o verão e o outono, respectivamente, não deve ser
considerada importante devido à baixa frequência de amostras contendo peixes. Os itens
alimentares parecem não estar associados com as classes de tamanho (Figura 5 e 6), com
exceção dos peixes maria-luiza (Paralonchurus brasiliensis) e peixe-espada (Trichiurus
lepturus) que parecem estar associados com classes intermediárias (Figura 6). Buccinanops
spp. foi a presa mais importante na temporada de 2007-2008, enquanto que L. loxochelis
predominou na temporada de 2008-2009 (Figura 7), embora na análise de correspondência
esse padrão não pareça evidente (Figura 8).
Composição proximal de presas
O conteúdo de proteína, lipídios, cinzas e umidade variou entre as espécies de
presas analisadas. O conteúdo de umidade variou entre 73,9% e 81,73%. Os maiores
valores de proteína se referem aos peixes e ao molusco Buccinanops spp. O maior valor
lipídico e de cinzas foi do ermitão Loxopagurus loxochelis (Tabela VI).
A corvina (Micropogonias furnieri) e o ermitão (Loxopagurus loxochelis) foram os
itens com maiores valores energéticos entre os analisados (Tabela VI). O ermitão foi a
presa mais frequentemente ingerida e com maior volume relativo na dieta das tartarugas
15
coletadas no período de 2007 – 2009. Em termos de massa total consumida, as maiores
contribuições foram do ermitão e do peixe-espada (Tabela VII).
Discussão
Foi encontrada uma alta diversidade de itens alimentares na dieta da tartaruga-
cabeçuda, na fase nerítica, no extremo sul do Brasil. O número de taxa registrado foi maior
que dos espécimes em fase oceânica (Artigo 1). Entretanto a maioria dos itens alimentares
encontrados nos conteúdos gastrointestinais da tartaruga-cabeçuda tem baixo número e
frequência e, provavelmente, algumas das ingestões são acidentais, principalmente como de
pequenos bivalves e gastrópodos. TOMÁS et al. (2001) também encontraram um grande
número de taxa (47) na dieta das tartarugas-cabeçudas no Mediterrâneo e atribuíram ao
oportunismo de C. caretta, e ao que torna difícil fazer inferências sobre a dieta em outras
áreas (DODD 1988, PLOTKIN et al. 1993).
No ambiente nerítico do Rio Grande do Sul, as tartarugas-cabeçudas são
generalistas, resultado este também encontrado por outros autores (DODD 1988, PLOTKIN et
al. 1993, TOMAS et al. 2001, BUGONI et al. 2003, LENZ 2009). Entretanto, há a
possibilidade de que essas tartarugas realizem alguma seleção de suas presas, pois a
dominância de L. loxochelis e Buccinanops spp. na dieta é evidente, principalmente no
segundo período analisado. Porém, como não é conhecida a abundância destes organismos
na região não é possível saber se C. caretta seleciona estes itens ou se os mesmos são
consumidos por serem os mais abundantes.
Loxopagurus loxochelis, Buccinanops spp., L. spinosa e D. arasor são espécies
bentônicas e habitam profundidades entre 11 e 75 m (CAPITOLI & BEMVENUTI 2004),
16
indicando que C. caretta utiliza a plataforma interna e média do Rio Grande do Sul para
sua alimentação na fase nerítica. Em Cabo Verde, estudos de telemetria demonstraram que
três espécimes de tartaruga-cabeçuda no ambiente nerítico, permaneceram a profundidades
médias de 26, 59 e 60 metros (HAWKES et al. 2006), corroborando com o resultado
encontrado pela análise de dieta.
As espécies com maior contribuição numérica, em ordem de importância, foram D.
insignis, L. spinosa, Buccinanops e L. loxochelis no primeiro período (1993 – 1995) e L.
loxochelis, Buccinanops spp., L. spinosa e D. insignis no segundo (2007 – 2009). Estas
desigualdades podem ter ocorrido devido a diferenças na abundância das presas entre os
dois períodos, ou ainda, pelo número amostral não ser representativo, especialmente no
primeiro período. Em áreas próximas, como litoral norte do Rio Grande do Sul e Uruguai,
crustáceos também são reportados com a maior porcentagem numérica da dieta de
tartarugas-cabeçudas (LENZ 2009, MARTINEZ-SOUZA 2009), demonstrando que são os
principais recursos alimentares da espécie na região.
Os ermitões L. loxochelis e D. insignis, além de numerosos também foram bastante
frequentes na dieta das tartarugas-cabeçudas no sul do Rio Grande do Sul. Sendo assim,
devido ao elevado número, volume e frequência, os ermitões são considerados as principais
presas da tartaruga-cabeçuda na região. Em geral, ermitões são importantes presas das
tartarugas-cabeçudas. Na Geórgia, ocorreram em 68% dos tratos gastrointestinais das
tartarugas (YOUNGKIN & WYNEKEN 2004), enquanto que na Virginia ocorreram entre 5,3 a
36,2% (SENEY & MUSICK (2007).
Além de serem presas de movimento lento e de alto valor nutritivo, provavelmente
exista uma grande abundância dos ermitões, assim como do gastrópode Buccinanops spp.
17
na região. AYRES-PERES et al. (2008) em estudo recente no litoral do Rio Grande do Sul
encontrou D. insignis e L. loxochelis como as espécies de ermitões mais abundantes entre
as isóbatas de 12 e 50m. Apesar disso, não se conhece muito sobre a ecologia e distribuição
do ermitão L. loxochelis na região de estudo, porém sabe-se que é encontrado no ambiente
costeiro do Rio Grande do Sul em profundidades de 8 a 30 m, em fundos com lama e areia
(RIEGER 1997).
Existe uma associação entre os ermitões (L. loxochelis e D. insignis) e os
gastrópodes Buccinanops spp.. A concha deste molusco é a mais utilizada por estas
espécies na área de estudo (AYRES-PERES et al. 2008), no entanto, não se sabe se a
tartaruga-cabeçuda procura se alimentar do molusco ou do crustáceo.
O caranguejo-aranha (Libinia spinosa) também foi um crustáceo importante na dieta
das tartarugas analisadas. É um item presente na dieta das tartarugas-cabeçudas no litoral
norte do Rio Grande do Sul (BUGONI et al. 2003, LENZ 2009) e Uruguai (MARTINEZ-SOUZA
2009). Libinia spinosa faz parte de um núcleo de espécies dominantes de Brachyura
durante todo ano no Rio Grande do Sul (SOUZA 1998). Outras espécies do gênero Libinia
são importantes presas de C. caretta nos Estados Unidos (PLOTKIN et al. 1993, BURKE et al.
1993).
Loxopagurus loxochelis e L. spinosa têm preferências por fundos de lama (RIEGER
1997, MELO 1999). Segundo CAPÍTOLI (2002), as maiores concentrações de organismos
bentônicos ocorreram entre 30 e 75 metros de profundidade, associadas ao aumento dos
teores de lama no substrato. Sendo assim, é possível que exista uma relação entre o
substrato e as áreas utilizadas para alimentação pela tartaruga-cabeçuda. Dada a presença
18
frequente de sedimento areno-lodoso nas amostras, recomenda-se estudos sedimentológicos
para verificar se essa relação existe.
No litoral norte do Rio Grande do Sul, BUGONI et al. (2003) encontraram peixes
como o item mais frequente na dieta das tartarugas-cabeçudas e LENZ (2009) encontrou
peixes em 48% das tartarugas analisadas, porém no presente estudo, o conteúdo
gastrointestinal apresentou baixa frequência e grande volume. As espécies mais frequentes
foram Trichiurus lepturus e Micropogonias furnieri. Segundo HAIMOVICI et al. (1996),
estas duas espécies são abundantes sobre a plataforma do Rio Grande do Sul. Entretanto
não há pescaria direcionada ao peixe-espada, o qual é capturado e descartado em quase
todas as pescarias, principalmente no arrasto (MAGRO 2005). Os espécimes de corvina
registrados na dieta das tartarugas-cabeçudas tiveram em média 19 cm, e são também,
provavelmente, descartes de barcos de pesca. Nesta região, na maioria das pescarias de
arrasto, é comum o descarte a bordo de algumas espécies por não apresentarem valor ou
tamanho comercial (HAIMOVICI et al. 1998). Provavelmente os peixes não sejam predados
pelas tartarugas-cabeçudas a menos que estejam moribundos ou mortos, dada sua
velocidade de natação. Assim, sugere-se que estes animais estejam se alimentando do
rejeito da pesca, similarmente ao registrado no Mediterrâneo e Atlântico Norte (SHOOP &
RUCKDESCHEL 1982, SENEY & MUSICK 2007).
No presente estudo, peixes tiveram maior importância na dieta de tartarugas de
classes de tamanho intermediárias, resultado semelhante ao encontrado por SENEY &
MUSICK (2007), entretanto a razão para essa diferença ontogenética é desconhecida.
Segundo LENZ (2009), camarões não estiveram presentes no trato de tartarugas no
litoral norte, porém já haviam sido registrados por BUGONI et al. (2003). Talvez este item
19
também não faça parte da alimentação natural da espécie, sendo encontrado raras vezes,
provavelmente quando o animal coletado foi capturado pela pescaria direcionada aos
camarões. A presença deste item no esôfago da tartaruga pode ser um indício da captura
incidental pela pescaria de arrasto de tangones. Esta pescaria ocorre principalmente em
profundidade de até 40 metros (BAPTISTA-METRI 2007). O arrasto de camarão foi apontado
como a maior causa da mortalidade de juvenis, subadultos e adultos de tartarugas marinhas
associada a ações humanas, com uma estimativa de captura anual em todo o mundo de 150
mil indivíduos (ORAVETZ 1999).
Provavelmente as pescarias de arrasto têm afetado diretamente as taxas de
sobrevivência das tartarugas marinhas no sul do Brasil devido às capturas incidentais. Além
disso, tais pescarias interferem na estrutura do habitat das principais presas da tartaruga-
cabeçuda, que se alimenta predominantemente no fundo, e, portanto, potencialmente
afetam, indiretamente, a aptidão desses animais.
Não foi observada variação sazonal na dieta da tartaruga-cabeçuda, provavelmente
porque a composição das presas não variou no período amostrado. Entretanto, esperava-se
encontrar diferenças entre as estações, pois a característica hidrográfica mais marcante nos
fundos da plataforma continental é o ingresso meridional da Água Subantártica de
plataforma no inverno e a intrusão da Água Central do Atlântico Sul (ACAS) no verão
(CASTELLO et al. 1998, PIOLA et al. 2000). Além disso, alguns estudos revelam diferenças
na dieta da tartaruga-cabeçuda entre as estações do ano (HOPKINS-MURPHY et al. 2003).
Parece haver uma pequena diferença na composição da dieta das tartarugas entre as
temporadas de 2007-2008 e 2008-2009. No primeiro período Buccinanops possui um maior
IIR%, enquanto que L. loxochelis é mais importante no segundo. SENEY & MUSICK (2007)
20
encontraram variabilidade entre períodos, porém monitoraram a dieta das tartarugas durante
um intervalo de tempo de 20 anos e com isso detectaram uma grande mudança na dieta,
relacionada com as pescarias que capturam presas das tartarugas na região. Recomenda-se
que o acompanhamento da composição da dieta de tartarugas-cabeçudas seja mantido em
longo prazo para detectar oscilações temporais, caso ocorram, e suas causas.
Alguns animais encontrados no ambiente nerítico apresentaram itens característicos
de tartarugas que se alimentam no ambiente oceânico do Sul do Brasil (Apêndice 1). Esses
animais podem estar em uma fase de transição entre o ambiente oceânico e nerítico.
MCCLELLAN & READ (2007) argumentam que a transição da fase oceânica para nerítica é
complexa e reversível e que alguns indivíduos podem deslocar-se entre águas costeiras e
oceânicas por alguns anos, por motivos ainda desconhecidos. Esta é uma das hipóteses do
que pode estar acontecendo com estes animais, visto que dois desses espécimes possuíam
68 e 69 cm de CCC, tamanhos estes que estão próximos da média de CCC das tartarugas na
fase nerítica no sul do Brasil (MONTEIRO et al. 2006). Outra hipótese é de que estes animais
possam ter sido capturados e descartados em ambiente oceânico e chegaram à praia, pois
apresentavam apenas os itens oceânicos no trato gastrointestinal. Entretanto a interpretação
deve ser feita com cautela, pois estudos com animais encalhados podem dificultar a
identificação da procedência dos animais antes do encalhe. Estudos utilizando isótopos
estáveis e telemetria são essenciais para tentar preencher estas lacunas no conhecimento da
história de vida e ecologia alimentar das tartarugas-cabeçudas nesta região.
Os itens alimentares das tartarugas coletadas na região praial do Rio Grande do Sul
permitem inferir que os indivíduos analisados estão na fase nerítica, com exceção dos três
exemplares com itens oceânicos. Além da composição da dieta, isso é reforçado pela
21
significativa diferença entre o tamanho médio dos animais em ambiente oceânico
capturados em espinhel pelágico (58 cm) e dos espécimes que utilizam a plataforma (74
cm) e que são encontrados encalhados na praia do Rio Grande do Sul (MONTEIRO et al.
2006).
Composição Proximal
Moluscos e crustáceos possuem valores energéticos bastante semelhantes entre si e
próximos aos dos peixes. Diferente do que acontece com os animais da fase oceânica
(Apêndice 1), os rejeitos de pesca tornam-se atrativos pela facilidade do encontro, porém
não possuem valor energético maior que presas naturais.
Os valores energéticos do ermitão L. loxochelis e do molusco B. cochlidium são
similares, sendo assim, do ponto de vista energético, o consumo de um item ou outro não
faz diferença para a tartaruga-cabeçuda. Porém, o ermitão possui maiores valores de
lipídeos, enquanto que o molusco maiores valores protéicos.
Quando comparados com as presas oceânicas (Apêndice 1), os itens alimentares
neríticos possuem um valor energético cerca de uma ordem de magnitude maior. Os
conteúdos energéticos das presas das tartarugas-cabeçudas podem estar influenciando o
comportamento na busca por alimento. Na fase pelágica, devido ao baixo valor energético a
busca por alimento deve ser constante (Apêndice 1), o que provavelmente não está
ocorrendo com os animais na fase nerítica. Talvez o valor energético de suas presas permita
a busca por presas adequadas, corroborado pela evidente dominância do ermitão e do
molusco Buccinanops spp., e isso pode ser uma razão para a ocorrência de três animais
com o trato gastrointestinal vazio. Alternativamente o trato gastrointestinal vazio também
pode ser devido a algum tipo de debilidade das tartarugas.
22
No sul do Brasil, no ambiente nerítico, a interação das tartarugas-cabeçudas com
resíduos sólidos antropogênicos não parece ser um problema. No litoral norte do Rio
Grande do Sul, LENZ (2009) encontraram resíduos em 21% das tartarugas analisadas,
porém estes apresentaram pequeno tamanho. Na mesma região, BUGONI et al. (2001)
encontraram resíduos em 60% das tartarugas-verde analisadas e BARROS et al. (2010) em
85,7%. Na fase oceânica, no sul do Brasil, foram encontrados resíduos sólidos em 91,43%
das tartarugas-cabeçudas analisadas (Apêndice 1). Provavelmente é o hábito alimentar da
tartaruga-cabeçuda, predominantemente demersal, na fase nerítica, que a torna menos
propensa à ingestão de resíduos sólidos.
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Figura 1. Área de estudo das coletas de Caretta caretta no sul do Brasil.
33
Tabela I. Distribuição de anos, temporadas, estações do ano e classes de tamanho, das tartarugas analisadas no
sul do Brasil.
Número de amostras
Anos
2004 1
2006 2
2007 1
2008 27
2009 12
Temporadas
2007 - 2008 18
2008 - 2009 18
2009 - 2010 3
Estações
Verão 23
Outono 8
Primavera 11
Classes de tamanho
50 – 59,9 4
60 – 69,9 14
70 – 79,9 16
80 – 89,9 7
90 < 1
Tabela II. Porcentagem numérica (%N), volume relativo (%V), frequência de ocorrência (%FO) e índice de
importância relativa (%IIR) (método convencional), estimador (média da distribuição posterior para o índice
de importância relativa do método bayesiano) e intervalo de probabilidade de 95% dos itens alimentares da
tartaruga-cabeçuda encontradas encalhadas na costa do Rio Grande do Sul entre os anos de 1993 a 1995
(provenientes da coleção do Laboratório de Tartarugas e Mamíferos Marinhos - FURG).
Itens alimentares %N %V %FO %IIR Estimador Intervalo (95%)
Moluscos
Buccinanops cochlidium 15,92 1,23 26,67 12,81 18,39 (5,23 – 38,91)
Adelomelon brasiliana 1,14 4,41 6,67 1,13 - -
Phalium granulatum 3,41 0,53 6,67 0,80 - -
Tonna galea 3,41 0,19 13,33 0,74 7,11 (1,4 – 18,4)
34
Mactra sp. 3,41 0,18 6,67 0,73 - -
Mactra isabelleana 1,14 0,35 6,67 0,30 - -
Ostrea sp. 1,14 0,00 6,67 0,23 - -
Anachis isabellei* 3,41 0,00 13,33 0,23 - -
Crustáceos
Libinia spinosa 13,64 43,65 33,33 58,56 42,54 (13,55 – 70,08)
Dardanus arasor 15,92 17,60 6,67 6,85 - -
Loxopagurus loxochelis 12,50 3,70 6,67 3,31 16,27 (3,12 – 48,88)
Balanus sp.* 12,50 0,18 6,67 2,59 - -
Excirolana armata 3,41 0,26 20,00 2,25 5,35 (0,71 – 15,68)
Hepatus pudibundus 2,27 2,02 13,33 1,76 10,34 (1,2 – 31,65)
Portunidae 1,14 5,28 6,67 1,31 - -
Peixes
Paralonchurus brasiliensis 2,27 19,36 6,67 4,42 - -
Peixe não identificado 1,14 0,09 6,67 0,25 - -
Outros
Salpa 2,27 0,09 13,33 0,97 - -
Tubo de poliqueta 0,00 6,67 - - -
Não identificado 0,88 0,00 - - -
* Possível ingestão acidental
Tabela III. Porcentagem numérica (%N), volume relativo (%V), frequência de ocorrência (%FO), índice de
importância relativa (%IIR) (método convencional), estimador (média da distribuição posterior para o índice
de importância relativa do método bayesiano) e intervalo de probabilidade de 95% dos itens alimentares
encontrados nos tratos gastrointestinais da tartaruga-cabeçuda encontradas encalhadas na costa do Rio Grande
do Sul entre os anos de 2007 e 2009.
Itens alimentares %N %V %FO %IIR Estimador Intervalo (95%)
Moluscos
Buccinanops spp. 28,16 14,65 60,0 32,27 34,01 (25,28 - 43,27)
Anachis isabellei* 16,31 0,16 11,1 2,30 2,13 (0,84 - 4,99)
Olivancellaria urceus 0,85 0,74 17,8 0,35 0,70 (0,25 - 2,26)
Adelomelon brasiliana 0,47 0,48 2,2 0,04 - -
Cylindriscala acus 1,05 0,01 2,2 0,03 - -
Abra sp. 0,10 0,03 6,7 0,02 - -
Corbula patagonica 0,14 0,01 4,4 0,01 - -
Mactra isabelleana 0,10 0,03 4,4 0,01 - -
35
Mactra patagonica 0,10 0,00 6,7 0,01 0,04 (0,01 - 0,22)
Musculus viator 0,30 0,00 2,2 0,01 - -
Corbula caribaea 0,07 0,00 2,2 0,01 - -
Cardiomya cleryana 0,03 0,00 2,2 0,00 - -
Erodona mactroides 0,03 0,00 2,2 0,00 - -
Chlamys sentis 0,03 0,00 2,2 0,00 - -
Cavolinia uncinata 0,03 0,00 2,2 0,00 - -
Stramonita haemastoma 0,17 0,00 4,4 0,01 - -
Nassarius albus 0,03 0,00 2,2 0,00 - -
Argonauta nodosa 0,07 0,00 4,4 0,00 - -
Adrana patagonica 0,03 0,00 2,2 0,00 - -
Natica sp. 0,03 0,00 2,2 0,00 - -
Nucula puelcha 0,03 0,01 2,2 0,00 - -
Ostrea sp. 0,07 0,00 4,4 0,00 0,04 (0,01 - 0,2)
Pitar rostratus 0,10 0,00 2,2 0,00 - -
Pleurotomella aguayoi 0,03 0,00 2,2 0,00 - -
Tivela ventricosa 0,10 0,00 2,2 0,00 - -
Tonna galea 0,03 0,00 2,2 0,00 - -
Crustáceos
Loxopagurus loxochelis 41,22 31,20 53,3 48,55 42,24 (31,31 – 52,55)
Libinia spinosa 2,10 15,16 37,8 8,19 6,28 (2,65 - 11,83)
Dardanus insignis 3,28 4,81 35,6 3,62 5,50 (2,36 - 9,94)
Clibanarius sclopetarius 0,71 1,41 11,1 0,30 2,18 (0,17 - 0,82)
Persephona mediterranea 0,30 0,82 17,8 0,25 0,76 (0,16 - 2,29)
Portunus spinicarpus 0,24 2,75 6,7 0,25 0,56 (0,03 - 2,31)
Hepatus pudibundus 0,30 0,60 17,8 0,20 0,75 (0,17 - 0,78)
Lepas spp.* 0,10 0,49 8,9 0,07 0,52 (0,03 - 0,15)
Excirolana armata 0,17 0,03 6,7 0,02 0,10 (0,01 - 0,43)
Balanus sp.* 0,37 0,44 2,2 0,02 - -
Pleoticus muelleri 0,44 0,34 2,2 0,02 - -
Portunidae 0,07 0,01 0,0 0,00 - -
Crustáceo não identificado 0,07 1,80 0,0 0,00 - -
Peixes
Trichiurus lepturus 0,64 10,06 17,8 2,39 2,59 (0,63 - 6,35)
Micropogonias furnieri 0,88 6,76 8,9 0,85 1,00 (0,13 - 3,37)
Paralonchurus brasiliensis 0,41 2,17 4,4 0,14 0,60 (0,04 - 0,62)
36
Macrodon ancylodon 0,07 0,00 4,4 0,00 - -
Peixe não identificado - 1,26 - - - -
Outros
Salpa 0,07 0,00 2,2 0,00 - -
Odonata* 0,03 0,04 2,2 0,00 - -
Poliqueta (tubos) 0,03 1,94 2,2 0,06 - -
Não identificado - 1,79 - - - -
* Possível ingestão acidental
Tabela IV. Número de otólitos medidos, tamanho médio e desvio-padrão (DP) dos peixes encontrados no
conteúdo gastrointestinal de Caretta caretta a partir de equações de regressão utilizando o tamanho dos
otólitos.
Espécie
N otólitos
esquerdos Tamanho médio (mm) DP
Corvina (M. furnieri) 30 196,66 21,79
Maria-luiza (P. brasilienses) 6 188,64 0,29
Peixe-espada (T. lepturus) 1* 1398,806** -
*Foram encontrados 18 pares de mandíbulas
* *Valor respectivo a um otólito e não valor médio.
Tabela V. Inferência bayesiana do Índice de Importância Relativa (Estimador e intervalo de probabilidade de
95%) das principais presas da tartaruga-cabeçuda para as diferentes estações do ano.
Primavera (n = 11) Verão (n = 23) Outono (n = 8)
Itens Alimentares Estimador Intervalo (95%) Estimador Intervalo (95%) Estimador Intervalo (95%)
A. isabellei 0 - 5,91 [1,3 - 14,07] 2,37 [0,23 - 7,07]
Buccinanops spp. 24,88 [10,39 - 43,29] 30,17 [17,18 - 45,82] 31,21 [15,37 - 48,81]
O. urceus 1,14 [0,08 - 3,93] 2,19 [0,29 - 7,69] 0,81 [0,01 – 3]
D. insignis 5,8 [1,04 - 15,16] 6,50 [2,17 - 13,86] 5,01 [0,24 - 24,91]
E. armata 0,74 [0,01 - 2,39] 0 - 0,64 [0,02 - 1,65]
H. pudibundus 2,81 [0,24 - 9,2] 0,48 [0 - 1,72] 2,28 [0,17 - 7,72]
L. spinosa 10,56 [1,63 - 26,6] 6,38 [1,01 - 15,65] 5,31 [0,67 - 15,97]
L. loxochelis 49,33 [26,95 - 70,97] 39,17 [24,65 – 54,61] 34,45 [15,04 - 54,63]
P. mediterranea 2,44 [0,06 - 23,85] 1,27 [0,11 - 3,75] 0,62 [0,01 - 1,76]
P. spinicarpus 0 - 2,27 [0,05 - 16,53] 1,31 [0,02 - 5,95]
M. furnieri 0 - 2,59 [0,13 - 12,22] 3,23 [0,09 - 12,71]
T. lepturus 2,30 [0,04 - 11,36] 3,07 [0,13 - 13,23] 12,76 [0,36 - 48,42]
37
Tabela VI. Composição proximal média de algumas presas da tartaruga-cabeçuda do ambiente nerítico do Rio
Grande do Sul.
Espécie Proteína (%) Lipídio (%) Umidade (%) Cinzas (%) Valor energético (KJ/g)
Loxopagurus
loxochelis 11,02 4,14 73,09 10,63 4,24
Buccinanops
cochlidium 17,49 0,36 79,73 0,76 4,13
Micropogonias
furnieri 17,60 3,38 76,65 3,01 5,50
Trichiurus
lepturus* 12,44 0,34 81,73 3,49 3,07
Paralonchurus
brasiliensis 16,86 0,27 78,87 3,50 4,08* Valores relativos à cabeça da espécie.
Tabela VII. Massa total consumida (g), média e desvio-padrão (DP) dos itens alimentares da tartaruga-
cabeçuda.
Presas Total Média DP
Buccinanops spp. 539,94 90,99 163,91
Loxopagurus loxochelis 3085,72 119,03 178,10
Micropogonias furnieri 673,03 136,61 187,13
Paralonchurus brasiliensis 276,77 194,92 140,97
Trichiurus lepturus 1621,45 244,56 247,92
38
02468
1012141618
50 - 59,9 60 - 69,9 70 - 79,9 80 - 89,9 90 - 99,9 100 -109,9
110 < Semmedida
Classes de tamanho - CCC (cm)
Núm
ero
de e
spéc
imes
1993 - 19952007 - 2009
Figura 2. Distribuição de tamanho (Comprimento curvilíneo da carapaça – CCC) de Caretta caretta coletados
no Rio Grande do Sul nos anos de 1993-1995 e 2007-2009.
0102030405060708090
100
Bs Di Ls Ll Mf Tl
Principais presas
%IIR
Primavera (n=11)Verão (n=23)Outono (n=8)
Figura 3. Porcentagem do índice de importância relativa para as principais presas da tartaruga-cabeçuda no
ambiente nerítico nas diferentes estações do ano; Buccinanops spp. (Bs), Dardanus insignis (Di), Libinia
spinosa (Ls), Loxopagurus loxochelis (Ll), Micropogonias furnieri (Mf) e Trichiurus lepturus (Tl).
39
Figura 4. Componentes principais da análise de correspondência entre estação e principais presas da tartaruga-
cabeçuda utilizando os valores de IIR%. Linhas: Primavera (Pri), Verão (Ver) e Outono (Out). Colunas:
Buccinanops spp. (Bs), Dardanus insignis (Di), Libinia spinosa (Ls), Loxopagurus loxochelis (Ll),
Micropogonias furnieri (Mf), Paralonchurus brasiliensis (Pb) e Trichiurus lepturus (Tl).
0102030405060708090
100
Bs Di Ls Ll Mf Tl
Principais presas
IIR%
50 - 59,9 (n=4)60 - 69,9 (n=14)70 - 79,9 (n=16)80< (n=8)
Figura 5. Porcentagem do índice de importância relativa para as principais presas da tartaruga-cabeçuda, para
as diferentes classes de tamanho: Buccinanops spp. (Bs), Dardanus insignis (Di), Libinia spinosa (Ls),
Loxopagurus loxochelis (Ll), Micropogonias furnieri (Mf) e Trichiurus lepturus (Tl).
-0.4 -0.2 0.0 0.2 0.4
-0.4
-0.2
0.0
0.2
0.4
Pri
Ver
Out
-1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0
-1.0
-0.5
0.0
0.5
1.0
Bs
Di
Ls
Ll
Mf
Pb
Tl
40
Figura 6. Componentes principais da análise de correspondência entre classes de tamanho e principais presas
da tartaruga-cabeçuda utilizando os valores de IIR%. Linha: classe 1 (50 – 59,9 cm, C1), classe 2 (60 – 69,9
cm, C2), classe 3 (70 – 79,9 cm, C3), classe 4 (maior que 80 cm, C4). Colunas: Buccinanops spp. (Bs),
Dardanus insignis (Di), Libinia spinosa (Ls), Loxopagurus loxochelis (Ll), Micropogonias furnieri (Mf),
Paralonchurus brasiliensis (Pb) e Trichiurus lepturus (Tl).
0,00
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
60,00
70,00
80,00
90,00
100,00
Bs Di Ls Ll Mf Tl
T1 (n=18)T2 (n=18)
Figura 7. Porcentagem do índice de importância relativa para as principais presas da tartaruga-cabeçuda para
temporada 1 (T1) e temporada 2 (T2); Buccinanops spp. (Bs), Dardanus insignis (Di), Libinia spinosa (Ls),
Loxopagurus loxochelis (Ll), Micropogonias furnieri (Mf) e Trichiurus lepturus (Tl).
-0.4 -0.2 0.0 0.2 0.4
-0.4
-0.2
0.0
0.2
0.4
C1
C2
C3
C4
-1.5 -1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0 1.5
-1.5
-1.0
-0.5
0.0
0.5
1.0
1.5
Bs Di
Ls
Ll Mf
Pb
Tl
41
Figura 8. Componentes principais da análise de correspondência entre temporadas e principais presas da
tartaruga-cabeçuda utilizando os valores de IIR%. Linha: temporada 1 (T1) e temporada 2 (T2). Colunas:
Buccinanops spp. (Bs), Dardanus insignis. (Di), Libinia spinosa (Ls), Loxopagurus loxochelis (Ll),
Micropogonias furnieri (Mf), Paralonchurus brasiliensis (Pb) e Trichiurus lepturus (Tl).
-0.4 -0.2 0.0 0.2 0.4
-0.4
-0.2
0.0
0.2
0.4
T1 T2
-1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0
-1.0
-0.5
0.0
0.5
1.0
Bs Di LsLlMfPb Tl
42
ANEXO II
Espécies identificadas no conteúdo gastrointestinal das tartarugas-cabeçudas (Caretta
caretta) e respectivos números de tombamento no Museu Oceanográfico da Universidade
Federal do Rio Grande - FURG
Espécie Número de tombamento
Musculus viator (Orb., 1846) 50.986
Corbula caribaea Orbigny, 1842 50.987
Chlamys sentis (Reeve, 1853) 50.988
Pteria hirundo (Linnaeus, 1758) 50.989
Mactra sp. 50.992, 51.009, 51.032, 51.044
Abra sp. 50.993
Codakia pectinella (C.B.Adams, 1852) 50.994
Adrana patagonica (Orbigny, 1846) 50.995
Pitar rostratus (Philippi, 1844) 50.996
Tivela ventricosa (Born, 1778) 50.997
Corbula patagonica Orbigny, 1846 50.998, 51.006
Erodona mactroides Bosc, 1802 50.999
Ostrea sp. 51.000
Cylindriscala acus (Watson, 1883) 51.002
Prunum martini (Petit, 1853) 51.003
Pleurotomella aguayoi (Carc., 1953) 51.004
Nassarius albus (Say, 1826) 51.005, 51.038
Anachis isabellei (Orbigny, 1841) 51.001, 51.007, 51.008, 51.022, 51.025, 51.031,
51.033, 51.041
Natica sp. 51.016
Bivalvia sd. 51.023
Buccinanops sp. (opérculos) 51.024
Nucula puelcha (Orbigny, 1846) 51.045
Tonna galea (Linnaeus, 1758) 51.043
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo