ameaçados: vidas, lugares e culturas em risco no século xxi
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Ensaio Fotográfico de Érico HillerTRANSCRIPT
ENSAIO
Érico Hiller
Ameaçados: vidas, lugares e culturas em risco no século XXIOutro dia me dei conta de que o rinoceronte poderia desa
parecer na minha geração. De pois de 50 milhões de anos vagando por esse mundo, o que di ría mos para nossos fi
lhos se esses ani mais sumissem do mapa? E olha que foi o que quase aconteceu na década de 70, quando sua população reduziuse à metade. Quan do essa ficha caiu, me gerou uma depressão daquelas.
Imaginar que com o au men to do nível dos ocea nos as Ilhas Maldivas um dia podem virar um lugar imaginário, presente apenas em fotos de livros de História, também me angustia mui to. Tudo isso por cau sa de alguma ação do homem ou devido às mudanças climáticas.
Com esse punhado de in quie ta ções martelando há uns dez anos, decidi sair pelo mundo atrás das vidas, lugares e culturas que estão em risco no século XXI. Os amea ça dos.
Edito as fotos da Ideia Sustentável há um bom tempo. Mas este ano vou dividir a tarefa com a de testemunha ocular de todos
esses processos que tanto me tocam. O pri mei ro lugar que estive, em março, foi nas tribos do sul da Etió pia. No Vale do Rio Omo, a assombração das mudanças começa a pai rar. As culturas seculares que se mantiveram longe do contato externo, até mea dos dos anos 60, começam a sentir a chegada de novos tempos. A Etió pia é o único país da África que nunca foi colonizado e, como se não bastasse, é todo montanhoso. O sul, então, é mais isolado ain da. Mas um turismo completamente insustentável, ba sea do em esmolas, e a construção de uma imensa usina hidrelétrica amea çam mudar tudo por ali. Para começar, o fluxo desse rio gigante não será mais controlado pela natureza, mas pelas comportas da usina, geridas pela mão do homem. O tênue regime de cheias e vazantes, que alimenta uma infinidade de afluen tes e permite a agricultura de várzea das tribos, vai se alterar. E a população vive uma an sieda de nova, a da modernidade, nunca antes experimentada.
12 Ideia Sustentável JUNHO 2011
Encostas gigantes cobertas de gelo… na África! O último gelo permanente ain da possível ver no continente. Fica na Tanzânia, no topo do Monte Kilimanjaro, a mais de cin
co mil metros de altitude. Mas o futuro vai virar passado no Kilimanjaro. Com a mudança climática, a grande montanha africana talvez seja o cartão postal a mudar mais rápido e radicalmente, perdendo justamente o gelo que lhe tornou mais pe cu liar.
O degelo é um processo de difícil reversão, acompanhado com angústia por cien tis tas e pela comunidade in ter na cio nal há um bocado de tempo. Na internet é possível ver imagens comparativas e as diferenças na camada de gelo permanente que cobria a montanha, da década de 80 para cá. É no mínimo desconsertante. O lugar conhecido pelos habitantes lo cais como a montanha branca vai dei xar de ser branca.
Por sua característica — relativamente largo e plano — podese caminhar até o topo e não escalar pro pria men te o Kilimanjaro. Por isso é comum vermos jovens, grupos de amigos, ca sais e até idosos encarando o desafio de pelos menos cinco
dias de andança. Claro, devese dizer que o frio e a altitude pesam bastante, fazendo com que grande parte desista pelo caminho. Eu mesmo acabei me sentindo mal e não che guei ao ponto mais alto. Estas fotos são uma parte, pois o trabalho ain da está inacabado.
Indiferente a essas dores, a via gem é lindíssima. Na medida em que se caminha acima da linha das nuvens, as pai sa gens parecem ex traí das de um filme sur rea lis ta. É de encher os olhos. Esse êxtase, alia do ao regozijo da subida e às questões am bientais sendo lembradas a cada instante, faz do percurso mais do que uma caminhada normal. Quan to mais se sobe, mais escasso o oxigênio. Tendese a falar menos. A trip fica mais intimista. Uma queda livre para dentro de nós mesmos. ❧
Érico Hiller é fotógrafo, editor de fotografia de Ideia Sustentável, e vai passar este ano visitando lugares, vidas e culturas do planeta que estão em risco no século XXI, com patrocínio das empresas Wisewood e Minidocks.
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