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Rebento, São Paulo, n. 7, p. 122-143, dezembro 2017
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A Comicidade no Teatro de Ionesco: o espaço do riso em As Cadeiras
Mariana de Lima e Muniz e Maria Gorete Oliveira de Souza
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Rebento, São Paulo, n. 7, p. 122-143 maio 2017
Resumo |
Neste artigo, tratamos do teatro do absurdo francês dos anos 1950, especialmente, o teatro de Ionesco. A fim de relatar o cômico no teatro do absurdo, recorremos às pesquisas de Bakhtin no campo do cômico-sério, em que o teórico descreve os elementos da carnavalização, bem como suas categorias de classificação. Escolhemos As Cadeiras, entre as peças de Ionesco, para uma análise das categorias bakhtinianas de espaço: limiar e praça pública. É no espaço que os corpos se movem e as ações acontecem e, segundo Bakhtin, no limiar, acontecem as crises e as reviravoltas, enquanto que na praça pública, sucedem-se as catástrofes e os escândalos. Devido a isso, este artigo se desenvolve pelas considerações de como o riso em As Cadeiras se acomoda dentro dessas duas categorias de espaço.
Palavras-chave: Riso. Cômico. Teatro do Absurdo. Ionesco. Bakhtin.
Abstract |
In this article we speak about the french theater of absurd, specially, Ionesco’s drama. For relating the comic humor of the Theater of the Absurd, Bakhtin’s researches into the serious comic field was requested because from this field Bakhtin had described elements of carnivalization and has named the categories into which he identified such elements. Among the Ionesco’s plays, on the purpose of an analysis on limiar and public square, bakhinian space categories, we chose The Chairs. It’s on the space that the bodies move themselves and the actions happen. According to Bakhtin, in the limiar happen crises and turnabouts, while in the public square happen catastrophes and scandals. As a result, this article is developed by the considerations about the way the comical laughing in The Chairs inhabits these both space categories.
Keywords: Comical laughing. Comic. Theater of the Absurd. Ionesco. Bakhtin.
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Introdução
Se são trágicas ou cômicas as peças do teatro do absurdo, às
vezes, causa dúvidas. Esse teatro mexe com as paixões humanas,
aludindo sobre seus males, suas dores. Tal matéria, no entanto, deu
muito pano para as mangas da comicidade desse teatro que se fez nos
anos 1950, especialmente, na França, onde produziam Samuel Beckett
e Eugène Ionesco. Principal expoente do teatro do Absurdo, Eugène
Ionesco declara em entrevista a Martin Esslin (1968), quando este
pesquisava para escrever a obra O teatro do Absurdo, que não
conseguia entender a diferença que se faz, separando o que é cômico
do que é trágico. Em seguida, Ionesco expõe algumas razões para sua
concepção, buscando elucidar sua posição ao crítico. Conforme a
compreensão do dramaturgo, comparado ao trágico, o cômico, sendo
em si a intuição do absurdo, não aponta nenhuma saída. Nessa
condição, o cômico iria muito acima do desespero e também da
esperança. Revela ainda as reflexões do dramaturgo que só o cômico
faria o homem conseguir forças para suportar a tragédia que é a
existência.
Essas declarações, aliadas às suas próprias leituras, levam Esslin
a traçar um perfil das peças de Ionesco. Nesse perfil, o esquema das
peças é descrito como idêntico ao do orgasmo: início, intensificação,
aceleração, proliferação, tudo crescendo até atingir a culminância, que
é o ponto de saturação das tensões psicológicas, levando por fim o
corpo ao limite insuportável. Depois daí, é preciso relaxar: aparecem
liberação e alívio da tensão e acomete-‐se pela sensação de serenidade.
“Tal liberação toma forma de riso, e é por isso que as peças de Ionesco
são cômicas” (ESSLIN, 1968, p. 171).
O riso consequente do esquema descrito por Esslin dialoga com a
carnavalização, de Bakhtin. O exemplo que segue revela a praça pública
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carnavalesca bakhtiniana. Embora à primeira vista não se vislumbre,
de imediato, a carnavalização dos acontecimentos dramáticos, no
processo da peça, vão emergindo as imagens, a cosmovisão e as ações
carnavalescas como categorias encontradas no mundo de Ionesco.
Categorias estas que serão descritas nas considerações deste artigo,
como referência ao espaço do cômico no absurdo ionesquiano.
O espaço do riso em As cadeiras: a praça pública e o limiar
Antes de quaisquer considerações, é importante fazer
referências às duas categorias: praça pública e limiar. Enquanto praça
pública é um espaço delimitado, limiar estabelece o limite entre um
espaço e outro, como se pode ver a seguir. Para as considerações sobre
praça pública podemos destacar este trecho da obra Questões de
literatura e de estética: a teoria do romance: “O cronotopo real é a praça
pública (a ágora). Foi ali que, pela primeira vez, surgiu e tomou forma a
consciência autobiográfica e biográfica do homem e da sua vida na
Antiguidade clássica” (BAKHTIN, 1993, p. 251, grifo do autor). Já para
as considerações sobre limiar, referimos o trecho da tese Inventário do
cômico-‐sério: elementos para uma crítica carnavalesca do teatro do
absurdo e suas reverberações na contemporaneidade:
Da visão filosófica da universalidade se estabelece na menipeia uma estrutura triplanar em que se movem as ações e os confrontos dialógicos (síncrise). Os três planos envolvem o homem em suas polaridades: o plano da terra, o do céu e o do inferno. “A estrutura triplanar da menipeia exerceu influência determinante na estrutura do mistério medieval e da sua tipologia cênica” (BAKHTIN, 1981, p. 100). Do limite entre esses planos, potencializou-‐se um gênero
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dialógico dentro da menipeia, [...] que é o diálogo no limiar. A terra limita-‐se com o céu e com o inferno; céu e inferno limitam-‐se entre si e com a terra (SOUSA, 2014, p. 51).
Embora, teórica e filosoficamente já se preveja que a condição do
limiar é a de estabelecer limite, como se compreende a partir de
Bakhtin (1981), nem todas as peças de Ionesco deixam tão clara a
transposição desse limite quanto A lição. É praticamente inevitável
perceber que, no exato momento em que a aluna cruza o portal e
adentra a sala de espera da casa do professor, aquela fração do espaço
é o limite entre os dois mundos: o mundo da vida e o mundo da morte.
Mas em As Cadeiras, esse limite é, em si, uma extensão do próprio
conceito teórico da categoria limiar.
Nessa linha tênue e imaginária em que se separam os espaços da
experiência humana, sobrevêm muitas ocorrências na vida dos
indivíduos, as quais se alternam entre as trágicas e as cômicas, sendo
experimentadas em praça pública. Nas leituras dos limiares implicados
no teatro ionesquiano, o riso flui exatamente nesse ponto onde a
tragédia passa do limite e se transforma na outra face da moeda, a
comédia.
Para fins de analogia, pode-‐se sugerir que, assim como os festejos
do carnaval ritualizam o limiar como passagem (BAKHTIN, 1981), o
teatro de Ionesco absorve a ideia do ritual carnavalesco e sugere
dramaticamente que vida e morte, em um ponto qualquer, se
encontram e se fundem. Consequentemente, essa fusão é apreensível
em As Cadeiras por uma recorrente circularidade. Para melhor situar as
ideias e obter melhor compreensão do que se vai analisar aqui, seguem
breves considerações de um resumo da peça:
Numa torre circular situada numa ilha (muito semelhante à de Beckett em Fim de Partida) mora um
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casal de velhos, o marido com 95 anos e a mulher com 94; o marido é porteiro-‐zelador, muito embora seja difícil conhecer como poderia ele ter tal emprego em local tão deserto. O casal está esperando a visita de um grupo de pessoas importantes que foi convidado para ouvir a mensagem que, no fim da vida, o velho deseja legar à posteridade – o fruto de sua experiência. Os convidados chegam; não são vistos nem ouvidos, mas os dois velhos vão enchendo o palco com um número sempre maior de cadeiras para acomodá-‐los, enquanto falam torrencialmente em termos de conversa polida. A multidão se torna cada vez mais compacta, os dois velhos têm cada vez maior dificuldade em movimentar-‐se em meio a ela, e finalmente chega o próprio imperador; está tudo pronto para o aparecimento do orador. Este entra, e é um personagem real. Tranquilo por saber que sua mensagem será transmitida, o velho se suicida pulando no mar, seguido pela velha. O orador encara a multidão de cadeiras e tenta falar, mas é surdo e mudo, e só consegue emitir sons borbulhantes e inarticulados. Afinal, ele resolve escrever alguma coisa num quadro-‐negro, mas não passa de uma confusão de letras sem sentido (ESSLIN, 1968, p. 135).
Num ambiente descrito como circular que, em teoria,
representaria a praça pública, o limiar sugerido é bem sutil e
significativamente representado por paredes que se trasladam por uma
reentrância. Nas preliminares do texto, uma descrição do cenário
apresenta as duas categorias, e já de pronto se distingue o que remete à
praça pública (o espaço da catástrofe e do escândalo) e o que remete ao
limiar (o espaço da crise e da reviravolta). Igualmente, é este o cenário
em que se ambienta As Cadeiras:
Paredes circulares com uma reentrância ao fundo. É uma sala muito despojada. À direita, partindo do proscênio, três portas. Depois uma janela com um banquinho à frente, e mais uma porta. Na reentrância do fundo, uma grande porta de honra com dois batentes e mais duas portas, uma em frente à outra e de cada lado da porta de honra: essas duas portas, ou pelo menos uma delas, são quase ocultas aos olhos do
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público. À esquerda do palco, sempre partindo do proscênio, três portas, uma janela com um banquinho exatamente defronte à janela da direta, e também um quadro-‐negro e um estrado. [...]. Na frente do palco, duas cadeiras, lado a lado (IONESCO, 2004, p. 89).
A sala, praticamente despojada de móveis e adereços, dialoga com
o vazio existencial, pelo qual quase sempre o dramaturgo começa suas
peças. Por assim entender, a circularidade dialoga com o âmbito
próprio das praças. Os diversos referenciais que designam limiares,
como reentrância, portas em grande quantidade – contam-‐se, pelo
menos, dez –, janelas, banquinhos, batentes, estrado, podem sugerir a
ideia de uma praça, com suas ruas contíguas. Além disso, a disposição
lado a lado das duas cadeiras nos lembra os bancos de praça. Todos os
indicativos da alternância dos pontos onde se concentram as ações são
importantes para a análise do encontro das situações que levam ao
riso, um exemplo disso é a sensação desconfortável de se observar a
ocupação dos espaços, não por algo que represente preenchimento,
mas por um simbolismo de vazio. O estranhamento remete-‐se a uma
reflexão séria e, ao mesmo tempo, risível.
O infinito e o riso: andar em círculos e unir os opostos
Considera-‐se, no entanto, que em se tratando da concepção do
espaço, o principal ponto de transição em que Ionesco concentra sua
apreensão absurda é a reentrância. Todavia, é provável que o referido
dramaturgo estivesse bem consciente dessa proposta, por assim
considerar que reentrância pode suscitar a ideia do início de um
labirinto ou da circularidade infinita: reentrância sugere uma falsa
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saída, como as raias mesmo de labirintos ou o meio de um oito. Oito
que, quando deitado, simboliza o infinito.
Aqui, se observa o quanto a peça dialoga com várias linguagens e
campos distintos, permitindo uma rápida digressão sobre esse símbolo.
O símbolo oito, sob diversas concepções, costuma ser visto na
representação do Universo e da Vida, envolto, até, em certo misticismo.
O infinito, no entanto, por seu símbolo e conceito, fundamenta-‐se nas
áreas numéricas. Materialmente, a dimensão denominada infinito
constitui uma antiga investigação da matemática, da geometria e das
ciências exatas afins. Dentro desse campo exato de estudo recebe
denominação e sentido e estes se estendem aos campos em que o
infinito envolve o homem. Esse oito deitado (∞), na verdade, é uma
curva cônica em quarta dimensão chamada Lemniscata de Bernoulli,
nome pouco conhecido. Sua equação (X²+Y²)=A²(X²-‐Y²), segundo o
engenheiro Wanderlan Paes Filho1, é considerada imponente
justamente pelo resultado a que chega, isto é, pela curva que descreve
num plano cartesiano.
Quanto às considerações mediadas por experiências não tão
exatas como as matemáticas, descrevem-‐se outras concepções. Sobre
as interpretações à lemniscata, místicas e existenciais – que muito
dialogam com os subtextos do absurdo ionesquiano e com as
finalidades dos rituais carnavalescos medievais – um interessante
material é encontrado em texto de Bernardo de Gregório2:
1 Sobre essa curva, comenta Wanderlan Paes Filho: “Aí vai a imponente Lemniscata de Bernoulli: (X²+Y²)=A²(X²-‐Y²). Bela curva, semelhante a um 8 deitado que nada mais é que o infinito sonhado”. In: Filho (2008). Disponível em:http://terramagazine.terra.com.br/blogdopaulocostalima/blog/2008/01/07/lemniscata-‐de-‐bernoulli-‐eefeitos-‐da continuidade/. Acesso em: 29 ago. 2013.
2 Transcrição literal do texto. Disponível em: <http://www.beautyonline.com.br/bernardodegregorio/antroposofia.htm> Acesso em: 29 ago. 2013.
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A lemniscata é uma figura geométrica em forma de hélice que é o sinal matemático do "infinito". Simbolicamente a lemniscata representa o equilíbrio dinâmico e rítmico entre dois polos opostos. O símbolo da lemniscata nos remete diretamente ao Arcano Maior do Tarot de número 14: "A Temperança", onde vemos uma mulher que mistura e equilibra, através de sucessivas misturas, dois jarros que contêm água: um com água fria, outro com água quente. Conforme as sucessivas passagens de fluidos de um jarro a outro, e deste de volta ao primeiro, se processam, obtém-‐se o elemento morno (temperado) (GREGÓRIO, 2008, s.n.).
É válido chamar a atenção para o diálogo que se interpõe entre as
categorias de espaço (praça pública e limiar), a geometria e a
matemática, além da geografia. Do mesmo modo, a dimensão
metafísica e filosófica do mesmo infinito dialoga com o absurdo da
trágica comicidade da peça. Como as duas dimensões, física e
metafísica, apesar de opostas, são inseparáveis, as categorias carnaval
e absurdo, do ponto de vista de uma análise dramática da matéria e do
imaterial, também não se separam.
Considerando-‐se fisicamente o espaço de As Cadeiras e
comparando-‐o com a existência, vai-‐se observar que as reentrâncias
em uma circunferência sugerem a linha por onde nunca se chega a
lugar nenhum. Para tanto, quanto mais um corpo se afasta do ponto de
partida, mais se aproxima do mesmo ponto. As ações de afastamento e
aproximação resultam em ambivalências e correspondências perfeitas.
Outrossim, trazendo-‐se para o drama a ideia de “um ritual
ambivalente biunívoco” (BAKHTIN, 1981, p. 107), como é a “coroação-‐
destronamento” (BAKHTIN, 1981, p. 107), ação principal do carnaval
medieval e em que o fim de um ciclo representa imediatamente o início
de outro, a chegada e a partida são somente pontos contíguos. O círculo
e o ciclo se correspondem em ações de repetição e circularidade. No
giro acontece uma inversão imperceptível e o mesmo ponto
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transforma-‐se em seu oposto, tanto quanto na “coroação já está contida
a ideia do futuro destronamento” (BAKHTIN, 1981, p. 107).
A transformação que se dá nesse limiar simbolizado por
reentrâncias assume a prerrogativa de relativizar os conceitos de ida e
volta, e aproximá-‐los das concepções de nascimento e morte. Infere-‐se
que é válida essa comparação, pois ela chama a atenção para o fato de
que entre vida e morte há também contiguidade e oposição – por
extensão, pode-‐se dizer que o mesmo se observa entre o trágico e o
cômico. Nascimento opõe-‐se à morte, mas é, ao mesmo tempo, contíguo
a ela. Mais precisamente, um tem o poder de gerar a outra, e vice-‐versa.
Eis o motivo pelo qual se ritualizam na praça pública as ações
carnavalescas.
O princípio comum entre a praça pública de As Cadeiras e as
festas carnavalescas que ritualizam a vida é que quanto mais as
personagens se afastam do ponto de partida, mais próximas elas vão
ficando do ponto de chagada. Soa óbvio, mas não dentro de uma
estrutura em que o óbvio é um engano. Em geral, esses lados são
extremos, por isso, são opostos, mas como o espaço da peça de Ionesco
é circular, eles resultam no mesmo, como já se comentou acima.
Parece contraditório que As Cadeiras, sendo uma das peças que
mais sugere a humanidade sem saída nem salvação, seja, a mais
pródiga em limiares, pela própria proposta do cenário. Mas, não há
contradição nesse limite se as personagens estão no meio do mar,
numa espécie de ilha vertical em forma de torre. Tentar escapar por
qualquer abertura, provavelmente, será um encontro com o fim, pois
do outro lado é o mar com sua profundidade líquida.
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Ambivalência: riso de rir e de chorar
A ambivalência, outra categoria risível, surge a partir dessas
saídas sem saída. Por um princípio do teatro do absurdo, saídas são, ao
mesmo tempo, entradas. Essa reflexividade biunívoca vai caracterizar a
ambivalência do limiar. Então, sendo o limiar, na concepção
carnavalesca de Bakhtin (2008), uma categoria ambivalente, vai
resultar que portas, janelas, degraus, escadas etc., recorrentes em peças
de Ionesco, são, por associação, signos ambivalentes.
Essa ênfase para os espaços de transição entrecortando os
espaços de permanência é um traço ao qual se deve dar atenção em
escritos de Ionesco. Esse recurso, de certa forma, representa uma
tendência ionesquiana à estratégia do absurdo niilista. Pavis (2008)
descreve as características das obras desse dramaturgo a partir desta
estratégia: “É quase impossível extrair a menor informação sobre a
visão de mundo e as implicações filosóficas do texto e da
representação.” (PAVIS, 2008, p. 2). Por assim entender, se essa
estratégia se caracteriza por desfechar certo hermetismo e se o traço
niilista recai sobre essa impossibilidade, compreende-‐se a descrição de
Pavis. Como quase sempre, o limiar vem submetido pelos mesmos
termos – janelas, portas, ruas, escadas, degraus; e menções a travessias,
bem como a espaços entre um ponto e outro etc. – que por serem tão
comuns e corriqueiros, enganam os sentidos, logo, de princípio, não se
percebem neles nem categoria filosófica nem direcionamento à
consciência crítica de Ionesco. Mas só de princípio.
Na própria peça As Cadeiras, por exemplo, o sufoco existencial
bem como o desespero primordial do homem podem representar um
posicionamento crítico-‐filosófico do dramaturgo, mas sua estratégia é
hermética. O sufoco e o desespero são inquietações do espírito, o que
põe Ionesco em diálogo com Camus (2010). Apesar de serem
apreensões do espírito, tais inquietações são acentuadas na concepção
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geométrica das categorias do espaço. Primeiro, por sugerir que é
sufocante andar em círculos, sem perspectiva de se chegar a qualquer
parte, e isso está proposto na circularidade do espaço de permanência
(o salão da torre). Depois, por sugerir que é desesperante a ideia de
que a saída não vai além de um encontro com a morte e isso pode ser
associado às inúmeras possibilidades de saída (as várias janelas e
portas do salão) que vão dar direto nas profundezas do mar. As saídas
existem, mas são anuladas por perigo maior e iminente, em outras
palavras, as saídas são inócuas. Elas só serão compreendidas
vencendo-‐se a obscuridade da simbologia.
Apesar de envolta nos prospectos de obscuridade, a tendência de
Ionesco ao transitar por vias opostas ao objetivo que pretende alcançar
transparece quando, por exemplo, entende-‐se que o autor enche o
espaço de saídas, justamente para acentuar a falta de saída. É que o
drama ali instaurado se passa em um prédio circular, situado dentro do
mar, sugerindo uma ilha, mas vertical. Ali, ao se buscar uma saída para
fugir do vazio, da angústia e da solidão, vai-‐se mergulhar diretamente
no nada, que são as profundezas da água. Água que, na obra de Ionesco,
é representativa da morte, conforme análise que já se fez de O
Assassino, focando-‐se “na imagem do lago associada à do túmulo”
(SOUSA, 2008, p. 127), porque ali um matador fazia a água engolir as
vítimas. Assim, associando-‐se a ambivalência ao niilismo de As
Cadeiras, sugere-‐se a descrição de que na peça de Ionesco, a praça
pública é o vazio, e o limiar, as diversas saídas para o nada. O vazio e o
nada transformam-‐se em uma única concepção de espaço: o infinito.
Em suas peças, muitas vezes, Ionesco sugere o vazio e o nada pela
descrição de cores e tons do espaço cênico, ou por referências ao vidro.
Esse estilo acentua o niilismo e o absurdo, principalmente, quando e
porque o autor destaca cores como o branco, o negro, o azul; ao lado de
tons como claro, cinzento, escuro, cru e transparência de vidro. Para
ilustrar essas particularidades, alguns exemplos foram pesquisados em
outras peças também, como em O Rinoceronte: “Céu azul, luz crua,
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paredes muito brancas” (IONESCO, 1976, p. 9); “Entra-‐se por uma
porta de vidro [...]” (IONESCO, 1976, p. 9); em A Lição: “O céu é azul-‐
acinzentado” (IONESCO, 2004, p. 21); em O Novo Inquilino: “Paredes
muito claras” (IONESCO, 1963, p. 49); “Obscuridade completa no palco”
(IONESCO, 1963, p. 100); em O Assassino: “[...] o palco se ilumina
fortemente: é uma luz fortíssima muito branca; há esta luz branca, há
também o azul do céu brilhante e denso” (IONESCO, 1963, p. 107);
“Assim, depois do tom cinzento, a iluminação deve jogar com o branco
e com o azul [...]” (IONESCO, 1963, p. 107); “Ao princípio, enquanto o
palco está ainda vazio, a luz é cinzenta como a de uma tarde de
novembro ou de fevereiro, quando o céu está encoberto” (IONESCO,
1963, p. 107). Por fim, em As Cadeiras: “A luz que vem das janelas e da
grande porta desapareceu: não resta mais que a frouxa luz do início; as
janelas, negras, permanecem completamente abertas” (IONESCO, 2004,
p. 169-‐170).
Entendemos ser curiosa essa menção a fevereiro e novembro em
um contexto no qual se põe em evidência a luz, visto que fevereiro e
novembro são também limiares e são carnavalescos, por excelência. O
raciocínio aqui é que, em termos modernos (não, medievais), fevereiro
é o mês do carnaval, e novembro representa o fim de um ciclo que se
haveria começado, simbolicamente, no carnaval. De fevereiro a
novembro, transcorrem nove meses, que é o tempo de uma gestação
humana, por exemplo. Os dois referidos meses, representando o início
e o fim do ciclo gestacional, apontam para a sugestão de que em
fevereiro um espermatozoide e um óvulo encontraram-‐se em uma
relação sexual, fundiram-‐se e fizeram outro corpo. Cada um, perdendo
sua forma original, que nunca mais será recuperada, ao que capta-‐se
que morrem para fazer nascer outro corpo, no qual viverão fundidos.
Em princípio, este fato demonstra que é a morte originando a vida.
Este, em si, já é um princípio carnavalesco, conforme teoria de Bakhtin
(1981, 2008). Gerada em fevereiro, a nova vida só vem a nascer em
novembro. Quando nasce um novo ser, diz-‐se que a mãe deu à luz.
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Dois corpos em um: o corpo e o grotesco
Com a fusão dos gametas, vem a gestação e, com ela, surge a
imagem fundamental do corpo grotesco: dois corpos em um. Apesar de
sublimado por representar a vida, o novo ser é a síntese dos dois
corpos que o conceberam, portanto é grotesco por excelência. É
interessante notar que esse grotesco incide sobre outra categoria
bakhtiniana: o corpo. Nas considerações de Bakhtin (2008), corpo é
uma categoria expressamente carnavalesca. A razão é muito
emblemática. Quem é, senão o corpo, que atravessa o limiar e vai-‐se
expor na praça pública, experimentando por lá todas as ações, desde as
sublimes até as ridículas?
Se a referência a novembro e fevereiro é meio hermética às
considerações que vislumbram um diálogo entre o absurdo de Ionesco
e o carnaval, de um modo geral, ou entre os espaços cênicos e a praça
pública carnavalesca, de um modo específico, as três rubricas, que vêm
a seguir, não prescrevem igual obscuridade, nesses aspectos são três
momentos verificados em As Cadeiras. A primeira das três rubricas
descreve ações, imagens e sons carnavalescos, como se se tratasse de
um ritual: “Ele lança sobre o imperador invisível confete e serpentina;
ouvem-‐se fanfarras; luz intensa, como fogos de artifício” (IONESCO,
2004, p. 169). A segunda, dá continuidade: “Confete e serpentina sobre
o imperador, depois sobre o Orador imóvel e impassível, sobre as
cadeiras vazias” (IONESCO, 2004, p. 169). A terceira, parece descrever
um estado do chão em final de festa: “O palco fica vazio com suas
cadeiras, o estrado, o chão coberto de confete e serpentina. A porta do
fundo está completamente aberta para a escuridão” (IONESCO, 2004, p.
171). Os três momentos parecem descrever ambiente de carnaval,
moderno, é bem verdade, mas ainda assim, carnaval, sendo os dois
primeiros se identificam com um durante, e o último, com um depois
da festa.
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Dando um pouco mais de atenção a este último trecho,
considerando-‐se o palco a praça, e a porta o limiar, a leitura mais
imediata possível remete que a ação anterior presumível foi a de que
todos se retiraram e só restou ali o próprio espaço. Porém é preciso,
antes de tudo, perceber que Ionesco cria também um diálogo filosófico
com o vazio primordial, ou o mito do caos primordial, descrito na
Teogonia, de Hesíodo (1995). Esse diálogo justifica a observação de
que, a priori, o estado do espaço ionesquiano é sempre vazio e só a
posteriori a presença humana, ou seja, os corpos humanos, o preenche.
Salienta-‐se que As Cadeiras, a exemplo de muitas outras peças de
Ionesco, começa no vazio.
Com isso, presume-‐se que uma leitura coerente do trecho
transcrito é a de que, naquele momento, depois dos escândalos e das
catástrofes – acontecimentos da praça pública, como ressalta Bakhtin
(1981) – lá ocorridos e, consequentemente, que por ali passaram, o
espaço retorna ao seu estado inicial. No entanto, esse espaço não será
mais exatamente o mesmo; as marcas da presença humana ficaram por
lá (em termos modernos: confete e serpentina; em termos antigos:
excrementos, por exemplo). “O ritual dos charivaris compreendia entre
outros a projeção de excrementos” (BAKHTIN, 2008, p. 126).
Confetes e serpentinas são popularmente conhecidos como
objetos carnavalescos hoje. Com eles, já se teria um princípio de
diálogo entre o palco de As Cadeiras e as ruas por onde passa um
cortejo de carnaval. Se, por tradição, “o carnaval é a festa do tempo que
tudo destrói e tudo renova” (BAKHTIN, 1981, p. 107), o que é que há no
final da peça? O que parece é que o final, idêntico ao de uma festa de
rua, pressupõe que a vida continua, depois daquela suspensão, em que
se viveu outra realidade. Depois que o último folião se retira, as ruas se
esvaziam, mas ao mesmo tempo estão repletas dos traços dos que por
ali passaram.
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Diálogos com Sísifo, o mito trágico: o esforço inútil
A festa acaba e a vida retoma seu curso. As esperanças no futuro
são como uma porta escura: existem, mas não se sabe aonde vai dar. Se
a praça é comparável à existência e se a vida é a festa do homem que
sempre espera merecer vida melhor para viver, conforme pensa Camus
(2010), a peça carnavaliza essa espera, apresentando uma porta larga,
aberta sempre, mas completamente escura. Essa escuridão dialoga com
a incerteza de futuro ou daquilo que ele reserva, em termos de vida, ao
mesmo tempo que dialoga com a certeza da morte. Ou, em termos
carnavalizados, com a transposição do limiar, a linha tênue e
imaginária que separa os dois planos da existência.
Os rituais da cultura humana divertem, alegram, renovam as
esperanças, mas nunca deram, nem poderiam dar, garantia do alcance
de resultados esperados. Essa mistura de vazio e saída para o nada,
unida à alegria desse renovar de esperança, é que ressalta a
consciência absurda herdada de Sísifo, o mito que “só é trágico porque
seu herói é consciente”, conforme as conclusões de Camus (2010, p.
139). A certeza de que a vida resultará na morte é, para o ser humano,
uma forma de consciência do trágico, ou seja, tanto quanto o mito, o
homem também é consciente de sua tragédia e obstinado em recusá-‐la.
Conseuqentemente, recusar não significa impedir o destino, porém,
pode prescrever a comédia de uma tragédia anunciada.
Jamais se pôde evitar que o passar dos dias representasse, ao
mesmo tempo, viver e morrer. Jamais pôde o homem livrar-‐se do
paradoxo de que um dia a mais é um dia a menos: mais um dia vivido;
menos um dia a viver. Nesse paradoxo, estão algumas razões de se
argumentar que as sugestões inferidas em As Cadeiras, por Ionesco, de
que um indivíduo atravessar portas escuras que o levam a sair do vazio
para penetrar o nada, são, em muitos pontos, compatíveis com os
esforços inúteis de Sísifo no cumprimento do castigo que lhe
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imputaram os deuses. Em outras palavras, atravessar o limiar entre o
vazio e o nada resultaria na mesma coisa de permanecer no vazio, por
assim entender que daí sobrevém a ideia da correlação com os esforços
inúteis do mito. Inúteis, porque inútil é carregar-‐se uma pedra para
colocá-‐la no topo de uma superfície onde já se sabe de antemão que ela
não ficará lá, pois ela rolará tão logo seja solta. De acordo com a
imaginação de Camus:
Os mitos são feitos para que a imaginação os anime. No caso deste, só vemos todo o esforço de um corpo tenso ao erguer a pedra enorme, empurrá-‐la e ajudá-‐la a subir uma ladeira cem vezes recomeçada; vemos o rosto crispado, a bochecha colada contra a pedra, o socorro de um ombro que recebe a massa coberta de argila, um pé que a retém, a tensão dos braços, segurança totalmente humana de duas mãos cheias de terra. Ao final de prolongado esforço, medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, a meta é atingida. Sísifo contempla então a pedra despencando em alguns instantes até esse mundo inferior de onde ele terá que tornar a subi-‐la até os picos. E volta à planície (CAMUS, 2010, p. 138).
As considerações filosóficas seguem em diálogo com a dor
humana fundamental. Mas, a partir desse ponto descrito por Camus,
em que o fim dá ensejo a um novo começo; em que a figura do mito
volta, para subir em seguida, e novamente voltar, e assim,
sucessivamente, por toda a eternidade, sabe-‐se que é com a alegria
carnavalesca da morte ambivalente, ou a esperança da ressurreição,
que há o diálogo da consciência absurda. Assim, o espaço do mito é o
espaço do homem, repetido pelo mesmo vago dos tempos
intermináveis, pois em seus rituais, o homem repete o mito e, de certa
forma, os ritos substituem a consciência trágica por uma esperança de
felicidade, como que para atenuar a tragédia da humanidade. Mais uma
vez, voltando-‐se ao mito para pensar o homem movido por essa
hipotética alegria, considera-‐se o entendimento de Camus:
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Assim como, em certos dias, a descida é feita na dor, também pode ser feita na alegria. Esta palavra não é exagerada. Também imagino Sísifo voltando para a sua rocha, e a dor existia desde o princípio. Quando as imagens da Terra se aferram com muita força à lembrança, quando o chamado da felicidade torna-‐se premente demais, então a tristeza se ergue no coração do homem: é a vitória da rocha, é a própria rocha. O desespero imenso é coisa pesada demais para se carregar (CAMUS, 2010, p. 139).
O diálogo com o limiar do mito trágico vai acentuar o elemento
trágico da condição humana experimentada em As Cadeiras, tanto pela
dor quanto pela alegria dos esforços vãos. Essa antítese acentua o
caráter carnavalesco da praça pública representada no palco. Antítese
esta que se realiza em dor e alegria, efetivamente – concordando-‐se
com Camus – legada por Sísifo às gerações humanas. E assim é que, em
outras palavras, o vazio e a saída para o nada da peça ionesquiana, em
fusão, ou tomados separadamente, resultam no mesmo vácuo
metafísico, espaço ao qual Camus se refere pela imagem muitíssimo
significativa de espaço sem céu.
Em síntese: razões e considerações
Unir opostos, a princípio, irreconciliáveis, como o desengano e a
esperança, é um jogo de simbolismos que transforma o concretismo
das imagens em recurso a favor da abstração das ideias, e o resultado é
o que se revela na peça: uma crítica existencial; e ainda melhor: a peça
satiriza os valores vazios da humanidade. E cabe aqui lembrar a
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maestria de Ionesco nessa técnica de aproximar os opostos, sendo que
esse é um traço do estilo do dramaturgo que a crítica destacou desde
que ele, ainda acadêmico de Francês, publicou o ensaio “Não!, com o
objetivo de provar a possibilidade de serem mantidas posições opostas
sobre um mesmo assunto, e a identidade dos contrastes” (ESSLIN,
1968, p. 121).
Quanto à crítica aos valores vazios do ser humano,
experimentada em As Cadeiras, o que, no mínimo, se pode inferir é que
a vida humana é uma vida no limiar, por assim dizer, entende-‐se que o
homem transita repetidamente entre pontos extremos, como Hamlet,
de Shakespeare, entre a razão e a paixão. A representação do nada e do
vazio ionesquiano por meio de uma ênfase aos elementos invisíveis,
apesar de não ser uma apreensão em termos explícitos, como, aliás,
efetivamente não o são as apreensões do teatro do absurdo, permite
um indicativo muito importante. Do ponto de vista desta análise, é
nesse limiar que se situa a consciência crítica de Ionesco na concepção
de As Cadeiras, peça para a qual escolheu o nada como tema
fundamental. Conforme a pesquisa de Esslin, o próprio Ionesco definiu
sua preocupação essencial:
“O tema da peça”, escreveu ele ao diretor da primeira produção, Sylvan Dhome, “não é a mensagem, ou os fracassos da vida, nem o desastre moral dos dois velhos, mas as próprias cadeiras; isto é, a ausência de gente, a ausência do imperador, a ausência de Deus, a ausência da matéria, a irrealidade do mundo, o vácuo metafísico. O tema da peça é o nada... os elementos invisíveis devem tornar-‐se cada vez mais claramente presentes, mais e mais reais, até o ponto, inadmissível, inaceitável à mente que raciocina, em que os elementos irreais falam e se movem...e o nada pode ser ouvido, tornar-‐se concreto...” (ESSLIN, 1968, p. 136, aspas do autor).
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De um modo geral, o que contém essa descrição são aspectos
relevantes quando se analisa uma peça de Ionesco, correlacionando a
estética do teatro do absurdo com elementos da carnavalização ou
alusivos ao cômico-‐sério. A opção de recortar as duas categorias de
espaço e trazê-‐las para este artigo deveu-‐se a duas razões. Primeiro,
porque praça pública e limiar são representativos dos aportes teóricos
de Bakhtin sobre o riso carnavalesco, e esses aportes fundamentam
esta pesquisa. Segundo, porque as ações corriqueiras ocorrem nesses
dois espaços, colocando o homem cara a cara consigo mesmo em suas
batalhas existenciais, além disso, chama a atenção a forma como o
dramaturgo organiza suas escolhas de elementos que fazem as
categorias se sobressaírem.
Em outras palavras, se é na praça pública que ocorrem a
catástrofe e o escândalo e no limiar, a crise e a reviravolta, o homem é
posto em xeque por toda a existência e precisa fazer inúmeras
peripécias para equilibrar-‐se nesses saltos. Destaque-‐se o modo como
Ionesco trabalha a linguagem em suas peças, ao perceber que de um
lado, essas peripécias são as metáforas de um hipotético plano
filosófico sério da existência; de outro, elas subvertem esse plano,
jogam com a carga dramática das situações e potencializam suas
interfaces com o cômico e o riso. Riso que, aliás, metaforiza o final de As
Cadeiras: sozinhas, depois que sai de cena a última personagem, vazias
e na escuridão do palco, as cadeiras estouram em gargalhadas.
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Referências |
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