1997 farias sara_oliveira
Post on 15-Dec-2014
551 Views
Preview:
DESCRIPTION
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAFACULDADE DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANASMESTRADO EM HISTORIA
IRMAOS DE COR, DE CARIDADE E DE CRENcA:A IRMANDADE DO ROSARIO DO PELOURINHO
NA BAHIA DO SECULO XIX.
DissertaF o apresentada ao Mestrado de Ilistd-ria da Faculdade de Filosofia a Ciencias Jimanas da UFBa., como requisito parcial para obtencao do gau de rnestre,sob a orientaF o doprole . Jogo Jose Reis.
SARA OLIVEIRA FARIAS
SALVADOR, SETEMARO DE 1997
M4 RADO EM H 3rH -uUrBB
1, ANA
SARA OLIVEIRA FARIAS
TRMAOS DE COR, DE CARIDADE E DE CRENcA:IRMANDADE DO ROSARIO DO PELOURINHO
NA BAHIA DO SECULO XIX.
2
sUMARIo
ABSTRACT ................................................. ........................................................ 3AGRADECIMENTOS ......................................................................................... 4ABREVIATURAS .................................................................................................7INTRODUcAO .................................................................................................. 8
CAPtTULO I - ORGANIZACAO INTERN A ................................................. 11A importfincia dos compromissos ................................................ 11O socorro aos irmos ............. ...................................................... 13A normatizac0 .o da vida leiga ...................................................... 20Os leigos no poder ...................................................................... 24Aliancas e rivalidades na me;a ................................................... 29As mulheres na mesa ................................................. . ................ 32
CAPITULO 11-0 TRIUNFO DO ROSARIO SOBRE 0 ESPIRITO MALIGNO:CONFLITOS ENTRE IRMAOS E PADRES .............................36
Parocos, vigarios, capelf es na ordem religiosa ............................ 370 jogo de interesses e a aprovacao do compromisso ................40CapelO .es X irmaos .........................................................................55Vit6ria negra ? ..................................................................................59
CAPITULO III -A ECONONIIA DOS IRMAOS .............................................. 60As obrigag6es economicas ......................................................... 61A receita do Rosario ................................................................. 65
Os legados ..............................................................................65Os servicos prestados .............................................................70As propriedades .....................................................................75
A despesa do Rosario ................................................................78A fortuna dos irm0os .................................................................. 84
CAPITULO IV- FUNERALS, FESTAS E A DEVOcAO DO ROSARIO ......... 90Irmandades e firnerais .................................................................... 92A vontade dos irni0os ....................................................................99Os enferros fora da igreja ........................................................... 103A FESTA NA CONFRARIA ....................................................... 105A devoc0o dos irnnttos .................................................................105O catolicismo frouxo ..................................................................107O ritual da festa .........................................................................109As irmandades e o Rosario .........................................................113A influencia da Romanizac5o no Rosario ..................................115
CONSIDERA(^OES FINALS ..................................................................................120FON I ES ....................................................................................................................122AN EX 0 ......................................................................................................................123R 1 B1.1 O(. RAFLk .......................................................................................................135
9
RESUMO
Esta 6 tuna hist6ria institucional da irmandade negra do Rosario dos Pretos
das Portas do Carmo em Salvador, Bahia, durante o seculo dezenove . Baseada numa
escassa coleg6o de documentos remanescentes , ela discute a organizag6o interne da
instituiqao , seus membros , vida econ6mica, rituais , -.omo tamb6m tens6es e conflitos
interno e externo , particularmente entre a irmandade e as autoridades eclesiasticas.
ABSTRACT
his is an institutional history of the black `brotherhood of Rosario dos Pretos
das Portas do Carmo in Salvador, Bahia, during the nineteenth century . Basead on a
thin collection of surviving documents , it discusses the internal organization of the
institution , its membership , economic life, rituals , as well internal and external tensions
and conflicts , particulary between the brotherhood and church authorities
4
AGRADECIMEN TOS
No decorrer deste trabalho contei com a colaborac o de diversas pessoas. Se
por acaso esqueci de alguem, nfo me leve a mal , porque descobri que escrever
agradecimentos a tao penoso quanto escrever uma dissertacao . Quero agradecer a boa
vontade e paciencia de todos os fmcionarios dos arquivos e bibliotecas onde pesqui-
sei. No arquivo da irmandade do Rosario contei corn dedicada paciencia de Alb6rico
que me acolheu no maior perfodo da pesquisa , a quern agradeco de coracao.
Aos irniaos e irmfs da Veneravel Ordem Terceira do Rosario que bern me
receberain e me ouviam falar de tmia hist6ria que ainda estava tneio obsctu-a, eras
mesmo assim me incentivavam a sempre seguir adiante. Valeu !
Agradeco a Capes, que financiou a pesquisa mediante concessflo de bolsa de
estudos . 0 apoio da UNEB, atrav6.s do programa de ajuda de custo foi importarrte
para a finalizagao da redacao. Presenga fundamental tiveram meus colegas , amigos e
alunos do Campus IV-UNEB/Jacobina Eles foram fundamentais pela preservaFlto do
men born humor dtuarrte 10(10 esse perfodo. Me suporlararn no,., nlonrenlos alegres e
dificeis, e ainda hem que supotlanun. Minha gratidao ent especial a Paulo Garcia,
Cira4a, Cosine, Iraides, Jorirna A Zacarias agradeco duplannente conio colega de traba-
lho e de mestrado. Apesar de nossas at>,gfistias, dividimos os resulta.dos das nossas
pesquisas. Agradcco tamberrr to aluno Jose Alves que pacienlemente elaborava cone
mestria os dados ntunericos tao cau-o a mini pela minhia aversao a matenraifica.
Aos professores que de fonua direta on rndlreta colahorar-am corn este traba-
lho. Msu-ia figs Comes de Oliveira centilmente colocou a nrintha disposicflo os testa-
nicntos e inventarios de liberlos. Marli Geralda Teixeira sempre acreditou Hesse tra-
balho e leunbro-tree quarrdo a ideia surgitr na disciplinn Pesquisa Historica Supervisi-
onada, sob sun orientaS io. Lina Aras iconipru)ljct ► os prirneiros passos (10 tr-abalho.
(.'rndido da Cost.] e Silva contribuiu coin till or7macbes sobre a Ilistoria da Isreja.
.loilo Reis liri hem rnais quo tun orientador. Este sirn unt verdadeiro ► nestre ria
arie da pesquisa. C'orriciii error, direcionou a Pe(luuisa, nuiiitas ve..es tanlbe In se irritou,
urts nmsuno a:,Siun n;io perdeu a(1u< Ie hole e admirav,ei huuuol gun rnuitas ve is se
5
transformava num humor cortante. Mas saiba Jofio que eu gostava Acho agora que
mais palavras s.o desnecessarias, voce bem sabe o que tudo isso representou para
mim.
Aos amigos de muito tempo e os recerites o meu agradecimento mais que
especial. Am6lia esteve sempre comigo em varios momentos. A sua bela e atenciosa
colaboracno no arquivo da irmandade foi fundamental, al6m disco compartilhou comi-
go das minhas dt vidas e aflig6es. Wlamyra foi o que de melhor encontrei nesse traje-
to, parte da dissertactfo foi concebida tamb6m por voce e lembro bem como n6s fo-
mos solidarias. 0 resultado estd at. Z6 Carlos, Raimundo, Wilma, me fizeram rir de
mim e do meu objeto o tempo todo. E como isso valeu. Adriana, Nelia e Jailton
sempre torcerain para que tudo desse certo e eu sempre soube disso.
Malta acompanhou todo esse processo. Muitas vezes o cansaco me desanima-
va, mas o seu amor e carinho me abasteciam. Por mail que eu the agradeca, mesmo
assim you ficar the devendo. Pacientemente me ouviu f dar de irmandade, escraviddo
entre outras coisas. Minha gratid.o.
A Conceicdo Neto pelas maravilhosas fotografias da Igreja do Rosario. Tadeu
Luciano com muita gentileza e bem ao seu estilo de serta nejo corrigiu a verstio final
da dissertaVao.
6
Psu a I,ourival e Nilde, mess pals
Para Malta , coin carinho.
7
ABREVIATURAS
A.I.N.S.R. Arquivo da Irmandade de Nossa Senhora do Rosario
APEB Arquivo Publico do Estado da. Bahia
ACMS Argnivo da Curia Metropolitana de Salvador
ACMRJ Arquivo da Curia Metropolitana do Rio de Janeiro
AN. Arquivo Nacional
B.N. Biblioteca Nacional
A11IRC Arquivo Municipal de Rio de Contas
8
INTRODUCAO
As irmandades catolicas foram no seculo passado importantes forma
de organizacao negra na cidade de Salvador . Atraves delas a possivel per-
ceber como seus associados , ainda que pertencentes a urna religiao official,
no caso o catolicismo, nao esqueceram de sus tradicoes. Ao inves de con-
frontarem diretamente com o status quo, os confrades negros optaram por
outra fonna de resistencia. Lutaram silenciosament.e dentro do que o sistema
permitia.
Nossa Senhora do Rosario se popularizou entre os negros, tornando-se
sua protetora. Na Bahia a irmandade do Rosario foi erguida e confirmada em
1685 na Se Catedral. No inicio do seculo seguinte os confrades levantaram
sua propria capela as Portas do Carmo, atual Pelourinho. E a confraria fi-
cou conhecida corno irmandade do Rosario dos Pretos do Pelourinho.
Na cidade do Salvador, existiram diversa: irmandades do Rosario: a do
Joao Pereira,(a igreja existe ate hoje na Av. Sete de Setembro- Merces),
Rosario dos Quinze Misterios, nas imediacoes do Santo Antonio Alem do
Canso, a de Brotas, a de Itapagipe, entre outras que desapareceram corn o
tempo. Mas feliznrente a mail antiga irmandade do Rosario, localizada no
largo do Pelourinho, se encontra ern pleno funcionarnento, tanto a igreja
conio sua irmandade.
A sua historia merece ser contada por varios motivos, entre eles o
fato de a rrmandade ter sobrevivido quatro seculos, a major paste do tempo
sob a escravidao, contribuindo para a afrinacao dos negros e da cultura
negra na Bahia. Este e urn trabalho baseado ern documentos da epoca, que
cobre a historia dos confrades do Rosario ro seculo XIX. A restricao a
esle periodo Fe da por quest6es praticas. A documentacao que se encontra
9
no arquivo da irmandade e outros de Salvador se refere principalmente ao
oitocentos . Vez por outra recuo ao seculo XVI1I, baseada em informaroes de
cronistas ou da bibliografia secundaria . Corres-pondencias , livros de atas, de
entrada de irmaos , livros de receita e despesa, compromissos fazem parte do
acervo documental da irmandade . No Arquivo Publico da Bahia , os testa-
mentos e inventarios foram fundamentais par<< tentar descobrir quem eram
esses confrades.
Corn base nessa documentacao , a dissertarao esta dividida em quatro
capitulos:
No primeiro capitulo , apresento como se organizava o poder na irman-
dade, o que ditava seus compromissos em relacao a quern mandava, ao
auxilio-mutuo, as aliancas etnicas, a rede de solidariedade que se estabelecia
nesta familia ritual , os conflitos entre os inembros, o papel da mulher na
confraria.
No segundo capitulo, e retratada a relac:ao entre poder eclesiastico e
poder leigo. Destaco aqui o confronto entre o vigario do Passo e os imrios
negros por ocasiao da aprovarao do regimen:o da innandade no inicio do
seculo M. Atraves desse confronto pude peiceber que, apesar dos irm os
sairem parcialmente vitoriosos, tiverain que aceitar a figura autorit.aria do
vigario. 0 principal aqui e demonstrar que es:,es negros no aceitaram ludo
que as autoridades lhes queriam impor que denunciaram e Iutararn por inde-
pendencia no trato de suas instituiroes.
No terceiro capitulo, a receita e a despesa do Rosario e estudada.
Retrato como os irmaos conseguiain arrecadar clinheiro. Doacoes, peditorios,
alugu6is e missas sao algumas fonrmas de arrecadacao de recursos. Em outro
momento, tento descrever quais eram as itens que mais sobrecarregavam os
cofres do Rosario. A economia da innandade revela confrades na maioria
das vezes pobres. Garantir recursos e egtiili'xrar receita-despesa nao era
tarefa das mais face).';.
10
Morte e festa sao temas do ultimo capitulo. Elas constituiam datas
especiais no calendario dos irmaos . Os pedidos de enterros dos confrades
sao analisados atraves dos testamentos , onde se ve que as immndades
eram locais preferidos para o chamado descanso final. Os ritos finebres es-
tavam presentes nesse rito pos-morte, como pox - exemplo, as missas de cor-
po presente e as missas ofertadas em favor de terceiros. Em outro momen-
to, analiso a vida festiva dos confrades. A d-.vocao a N.S. do Rosario foi
fundamental para que os irmaos sedimentassem sua identidade.
11
CAPITULO I
ORGANIZACAO INTERNA
A importancia dos compromissos
0 cotidiano dos irmaos negros do Rosario das Portas do Can -no, assim
como dos membros de outran innandades leias, era regido por normas de
conduta ditadas pelos seus "compromissos". Atraves desses estatutos, vida e
a morte dos associados erarn disciplinados e organizados, se asseguravarn
direitos e se exigiam o cumprimento de deveres. 0 compromisso, enfirn,
impunha ordem, normatizava as relacoes no interior da confraria,
recompensava e punia.
Para que uma irmandade funcionasse legalmente era preciso ter seu
compromisso aprovado pelas autoridades civis e religiosas. Apos a
aprovarao, os irmaos estariam aptos a praticar sua devocao ao santo patrono
e seu espirito caritativo.
0 que se pretende aqui nao a uma mera descricao dos estatutos que
regeram a imiandade de Nossa Senhora do Rosario das Portas do Cam o
durante o seculo XIX. Os compromissos sao tratados como fontes
imporiantes do periodo escravista que retratam, em certa medida, a
mentalidade de determinado grupo, bem como ,ua capacidade de organizacao
frente a urea sociedade pouco solidaria e incerta para os negros .' Neste
Varios autores trabalhararn corn compromissos de irrnandad?s Entre eles destacarn-se: Juli.taScarano, Lh: voydo e Escraviddo . A Irmandade Nossa Senhora do Rosdrro dos Pretos noDistrito Diarnantmo no scrciJo X1 Z11, Sno Paulo, Naciona; , 197.5: Cabo Boschi, Os leigos e oFodor, Sao Paulo, Attica, 1986; Patricia Mulvey, 'The black lay brotherhoods of colonial Brazila history", Tese de Doutorado , City University of New York 1970; Jeferson Bacelar &
Corn:: i'no Souza , 0 Ros,.no dos Frctos do Fclourrnho, Sa'vador, Funda io do PatrirnnnioArtistic, e Cultural da E^ariia, mimeo, 19'74, Jc' c, Jose Reis, A Morte e uma Festa , Srjo Paulo,
AS b:ji I,F'ras, 1 91 1.,1siuta fives t !,l,^rn recut?Jece a brnrcu1ancia d'-'s foll-1pre'llissn's
criquarho fonts 1ns:orica ( ' 1 1 1 P. bill mrl-^rucra dos Purti os CrJtnl:,ronnssos das lnnandades " in
12
capitulo, procuro organizar infonnacoes referentes a mutualismo , conflitos
latentes , politics interna, padroes de religiosidade entre outran questoes.
0 primeiro compromisso da irmandade do Rosario das Portas do
Can-no de que tenho noticia a datado de 1781, mas nao consta entre os
documentos existentes nos arquivos baianos, e por isso nao pude analisa-lo.
O trabalho se volts entao pare os seguintes compromissos : o de 1820, que
vigorou pars todo o seculo XIX, resistindo a urn perlodo de mudanras e as
vezes turbulento de revoltas federalistas militares, escravas , romanizacao da
Igreja Catolica, aboligao, entre outros acontecimentos que afetaram a
sociedade baiana. Esse estatuto desencadeou urn conflito entre o paroco e
os irmaos, trazendo a tona questoes elucidativras a respeito do cotidiano e
da convivencia entre os irmaos e clero, que tratarei adiante.
Na segunda metade do seculo XIX, os irmaos exigiram da Mesa da
confraria urn novo compromisso, melhor adegrrado as mudangas do perlodo.
Nurn projeto datado de 1872, os confrades acreditavarn na "necessidade da
organizarao de urn novo compromisso para reger esta Irmandade [...] em
razao dos notaveis defeitos e omissao que se recente o velho compromisso
que procedendo com diversas reformas do ano de 1781 a. 1820 ainda rege
corn decencia esta Innandade." 0 projeto nao foi adiante e os irmaos
continuararn com o antigo regimento. Estudaido este e urn outro projeto
datado de 1873, que no encontrei na documentacao da irmandade, e que
tambem nao foi aprovado, o antropologo Tefcrson Bacelar e a historiadora
Maria Concei4 io Souza afinnam que nao existe nenhuma referencia quanto a
sua aprovacao e vigencia, especulando que tais nao foram "been aceito pelas
autoridades, especialmente na tentativa de elevacao de categoria para vir
i titer privilegios somente concedidos a ordens terceiras." As ordens terceiras
cram ordens que estavani ligadas as ordens conventuais, corno a dos
h1.ve : , Fuliras l ortus qtu ressi^zcrta^rt , ('refeitura Ivlunici;)al do Salvador , S1,IEC , 1 9 7 5 1 1 1 -
113 'err t1111^^i:j ^. idcr _'rl ThsE Iv9a`liadc' de '^''1IL't:1ra tai 1'c';2c i' r; C1QCli Ir p1tZ11C1CCJCS
^:rltt^orac rnn FJ,; tie In,pr. na! ( I ^4O-Ibh'P ) NIttrol , UFF''irc do Mestrado , 1 ,'^5.
13
beneditinos, dos franciscanos, dos carmelitas, entre outras. Elas reuniam os
segmentos privilegiados da sociedade e certamente gozavam de mais
prestigio. z
0 fim do seculo proporcionou a confraria a categoria de Ordem
Terceira, representando em certa medida o oomportamento de uma epoca
marcada por novos valores. Com isso um novo compromisso foi escrito, em
1900, que tambem sera objeto de analise.3
0 socorro aos irmaos
A preocupacao com a sorte dos irmaos e tentativas de atenuar as
dificuldades da sua vida material estavam presentes nos regimentos das
confrarias. Nas associacoes negras, essa preocupacao aumentava. Assim,
proporcionar socorro material em vida e enterro decente constituiam regra
geral. Mas, e preciso it alem do auxilio-mutuo. 0 regimento da irmandade
do Rosario revela tambem estrategias de aIiancas e rivalidades etnicas.
Atraves do controle dos cargos dos mesal-ios a possivel perceber como se
dava na pratica a politica etnica entre os irmaos negros. No caso dos
africanos, essas confrarias de cor erarn espacos de recriacao das identidades
etnicas africanas. Tinham como principal criterio de identidade a cor da pele
em combinacao com a nacionalidade.4
As confrarias de cor representavarn uma especie de familia ritual, de
parentesco. Urna familia que procurava proteger e arnparar sous membros. Os
irmaos da mesma etnia, e em muitos casos de gnipos etnicos diferentes, se
ajuciavanl e de certa forma preservavam on recriavam suas identidades.
Analisando as confrar-ias medievais por:uguesas, a historiadora Maria
Helena da Cruz Coelho, entende que nessas associagoes se encontrava a
2 "Projeto de Conipromisso" ( 1872 ), Razbes da Apresentas o d'este compromisso , cx.l, doc.2Jeferson Bacelar & Maria Conceicao Souza, 0 Rosario dos Fretos do Felournnho, p.39.3 " Cornpromisso da Veneravel Ordem 33 do F:nsurio, ( 1900 ), cx 1,doc 3, mss ALN.S F:
St^bre ,.. estra?.^s?as de aliarr;a: fl-I" crrifr-m-ras de cor, vr_r Reis, A morle e urna feste, 1 55 e Joao
l,it?s '1' !rr-n ac r rrs?s'rrrc as rio l rasr)","lej .1.5
14
familia artificial, permeada "por lacos de afeitcao mutua e solidariedade que
reconduzem a seguranca aos homens." Insisto mais uma vez que, no caso
das irmandades de cor, e especialmente na confraria do Rosario, essa
solidariedade, garantia a seguranra dos negros em um ambiente adverso,
marcado pela escravidao africana.5
0 compromisso de 1820, composto de 24 capitulos, retrata, como ja
foi assinalado, a preocupacao com seus associados. De acordo com a
nocao de caridade , fundamental na ideologia religiosa catolica, assim rezava o
capitulo XXIII do compromisso :
Da Charidade que se praticara com os Irmaosdoentes , pobres e encarcerados
116 a charidade o acto, que mais se deve prezar, poisa praticargo varges exemplares em Artudes; por isso deve-ruos exercer com os nossos Innaos enfermos. Os IrmgosProcuradores terlo cuidado ern sitar qualquer Innlo destanossa Irmandade que se ache enfenno saber se the lie mis-ter alguma couza tanto para o corporal , como espaitual , e seachar em desamparo e extrerna necessidade darA pane a Mesaon do Irni o Juiz ; para the mandar applicar a provide".ncia quepareca junta; e sendo srrmmamente pobre , e necessitado the con-ferir3 a Meza como cabeca da Innandade alguma esmola [.. ] Damesma forma os lim5os Procuradores terAo igual cuidado em vi-zitar os carceres onde achando algurn lnnao desta Innandade, po-bre e enfermo prezo [.. ]°
Aqui solidariedade se apresent.a como princjpio cristao, traduzido por
caridade. A doenra, pobreza, o encarceramento erarn preocupacoes constantes
da it-tnandade, porque certamente atingiam corn muita forma os pretos. A
Bahia do inicio do seculo XIX era composta por unia popularao
rnajoritariamente negra e pobre. A populacao de Salvador ern 1835, ano da
Maria 13elena da Crime. Coelho, As confrartas n;edievais portu,9''ucsas: cspaso de solidarredadcsno villa r• n: morte, z;EV Sermi,a de Estudos Medie•vales, E>tella, 1 c'_9"...
11% da IITIislidade de N S do Rosario dus I'oiaF do Ta7Ttio," ! l^20;, fl . al' III,d:, l,rr,ss AIld^k
15
revolta dos males, foi estimada em 65.500, serido 27. 500 escravos (42%) e
38 800 livres e libertos (58%). Os libertos ocupavam diversas atividades:
sapateiros,carpinteiros, vendiam nas runs, carregavam cestos etc. Os escravos
tambem se ocupavam nessas mesmas atividades. A Bahia enfrentou, a partir
das decadas de 1820 e 1830, uma crise economica e politica sera
precedentes, sob o clima anti-portugues desencadeado com a guerra da
Independencia de 1822-1823. 0 censo de 1872 registrou uma populacao de
108.138 habitantes entre livres e escravos. A populacao livre era 95.637
habitantes, divididos da seguinte forma: 30,9% brancos, 43% mulatos, 23,5%
negros e 2% caboclos. A maioria dessa popularao continuava pobre, e a
economia instavel. A sociedade mostrava-se ainda muito desigual, onde o
rico era associado ao branco e o negro ao pobre.'
Os negros do Rosario, enquanto confrades, pelo menos tiveram a certeza
de ver atenuados os efeitos da crise economica sobre si. Uma vez que o
governo nao assurnia a assistencia aos pobres coube as irrnandades
desenvolver esse papel.
O associativismo acompanharia a confraria, embora menos enfaticamente,
no projeto de compromisso de 1872, que nada inclui sobre assistencia aos
irrnaos. Corn o aparecimento de associaroes civis, como a Sociedade dos
Artifices, a Sociedade Protetora dos Desvalidos, entre outras, as irmandades
passaram a no ser as unicas responsaveis pela sorte dos associados que
tambem possuem membros dessas outras instituicoes . Por exemplo, sobre a
Sociedade dos Desvalidos, fundada em 1832 por um africano livre, o
antropologo Julio Braga afirma que nos "sews primeiros anon de existencia,
firncionou como junta, uma especie de sist.ema rotativo de credito corn que
ajudava 05 seas associadoos e parentes destes, que ainda se cncontravani
Ku n 1,,!a,I ,f+;:Iua .S'QlJO ^iti . 'Irri': .^ ri^t'lt;Cl C. no Jno.`'no. F.1c, de- 1 c''u F1"U71^E'1f'6. 1 1, 112 )
16
presos ao cativeiro." As irmandades dividiriarn com essas outras instituicoes
tarefa de socorrer os destituidos.e
A ideia de caridade crista parece diminuida ao longo do seculo XIX
na irmandade do Rosario, sendo no projeto de 1900 substituido pela nocao
secular de "direito":
CAPITULO 4 ( 1.900)
DIRRTTOS F GARANTTA!i DOS IRMAOS
Artigo 11 & 5° Verificado o estado pecuni5rio da Ordem ejulgado sufficiente darn as Ingo pobre e enfennosem recursos para tratar-se, unra pensgo mensal ,ate que a Ordem tenha um Asylo onde devemabrigar-se.9
Tanto em 1872 quanto em 1900 continiava-se a garantir, como era de
costume, o direito a enterro, missas, comenioracoes festivas. Em 1900 a
ajuda. aos associados estava subordinada ao estado economico da instituicao.
Alenr disso, e preciso lembrar que a piedade, mais especificamente a partir
da segunda metade do seculo passado, ganhava novos contornos.
Viver da caridade passou a ser sinonimo de ociosidade, de vadiagem,
alimentar a caridade significava sustentar uma sociedade preguicosa.
Merrdicancia e ociosidade passavam a ser questOes discutidas pela elite, e
pela Igreja, que detenninavarn uma caridade "comedida," voltada apenas para
os verdadeiros necessitados. A discussao atir!gia tambern outros segmentos
da populag5o, principalmenle quando vinha a i ona a substituic o do trabalho
escravo. "Como em outras regices do pals, a discussao girou em torno da
fonna45o do miro-de-obra livre mediante adocao de medidas repressivas
tendentes a remover o homem Iivre pobre de urn estado que a elite definia
como indolencia e preguira." 10 A caridade agora era tolerada para poucos.
f' Julio Praga, Sociedade Protetora dos Desvalidos uma ,rma,rdade de cor, Salvador, lanarna, 1987,
^' Ver "Proieto de C'oni{_^rornissc.^' f 1 872) , Cap. 1 I , do.. "Compromisso da V.03' doI?nss^rio" ( I "'DC) Cap 4 , Cx I dc,c rnss; ALIJ S k^o^xnIt r Frnt;n Fi!h" , -A 1r- ^t,7irl; .nrclir;:rcr+ r ra^rv^ rr!z Prtuz dc, •e'citJc> :"A',38-- I'a^r!r,/calvnd^r,
1 ;,'.! 1, 14()
17
O Estado Nacional exigia individuos aptos para o trabalho e os negros
da irmandade nao podiam e nem queriam ser associados ao homem ocioso.
Eram negros aptos para o trabalho, carregavam cestos, transportavam
mercadorias, mercadejavam nas ruas de Salvador. 0 trabalho era por
excelencia negro. A ideologia montada pela elite certamente influenciava
toda a populacao, inclusive os negros do Rosario. Isso poderia explicar, em
parte, a ausencia ou diminuirao das praticas caritativas nos regimentos da
confraria na segunda metade do seculo M.
O caster mutualista do Rosario nt o c stave apenas evidenciado nos
compromissos, mas em documentos escritos por irmaos negros solicitando
assistencia da irmandade. Em 1848, Joaquim Timoteo de Jesus, ex-
procurador de mordomos, escreveu que durante "quatro annos sucessivos,
fazendo a bern da mesma Irmandade tudo quanto coube e meo alcance,
como he publico [.e..] achase hoje bastante rniseravel, sem meios de poder
subsistir-se, por molestias que padece e athe sera ter agazalho algum, vem
por tanto requerer a esta Ilustre Junta roupas e ajuda." Ja em 1856, Clara
Maria do Monte Falco da Silva, "pobre c cega", pedia "concessao para
edificar urea inorada humilde para uzo da Supplicante, em terreno
pertencente a mesrna Irmandade [...] fica do por morte da Supplicante
perlencendo por heranca a Nossa Sentiora do Rosario todas as-11benleitorias.
E quant.o a relarao existente entre escravidao e immndades. Alinal,
ajudar o irmio escravo a se libertar seria tar ibem urn ato de solidariedade,
caridade e ajuda mut.ua. Nao foi encontrado nenhum item de compromisso
que tratasse do assunto. Nem mesmo o projeto de estatuto de 1872,
elaborado numa conjuntura abolicionista - a lei do Ventre livre acabava de
ser aprovada- faz referenda a some dos innaos cativos. Seria de estranlhar o
corrq)orlanicnto da innandade ? Ou de Into ela naio teve como objetivo a
ll^, P. ,',7 ,1r dr_
18
libertacao dos escravos membros? A ausencia desse item no Rosario me fez
rastrear compromissos de outras confrarias negras no Brasil a fim de
observar como estas tratavam a quest-do.
0 estatuto de 1786 da Congregacao dos Pretos Minas Mahii, do Rio
de Janeiro , por exemplo , afirmava o seguinto: "os Congregados que forem
captivos querendo Libertar-se tendo o seu dinheiro e the faltar para o ajuste
da sua alforria, fara saber ao regente para este the dar as providencias
fazendo juntar os Congregados participando- lhes a necessidade que tem o
outro do dinheiro para se libertar." A irmandade de N.S. do Rosario e Sao
Benedito, tambern do Rio de Janeiro, em 1891, ditava como um dos deveres
da associarao tirar "de sua rends a quantia necessaria para libertar dous
irmaos captivos, sendo um de cada sexo." Parece estranho que a in-nandade
tratasse dessas questoes em periodo pas-abolicionista. Certamente o
regimento fora feito antes de 1888 e so aprovado posteriormente.
Consultando outros compromissos das confrarias de cor, corno o da
irmandade de S. Benedito de Parati, bem como uma confraria de N.S do
Rosario de Minas Gerais, alem dos estatutos de associacoes negras do
perbodo colonial pesquisados pela historiadora Patricia Mulvey ern sua tese
de doutorado, nenhum deles faz referenda a compra de alfolTias.12
A ausencia da promorao de alforrips pelas confrarias negras foi
observado por alguns historiadores. Segundo Julita Scarano, as innandades,
nao se opuseram a ordem vigente, quando muito podiam cooperar para a
alfon'ia deste on daquele imiio." Para Cabo Boschi, as irnlandades de negros
s6 nAio combateram a ordem escravocrata, mas tambem bncorporararn
r' .f•grade;o no Prof. Flavio r-'Tomes a iridicaS o do documento dos negros Mahii . Ver AN."Estatutos da Congrega;ao dos Pretos Minas Mahii" ( 1?86 ,) , CMice 656 ; AC.M.R.J. ,"Regimento interno para execuczo do comprornisso da Vene-avel Irmandade de N. S. do Rosario eno P-enedito dos honiens de cor" ( 1891 ), Cx I , p.1 37 ; 'ier tarribem AC.M.R.J. , "ConipromissoIn Irmru,dade de S Benedito erecta na Villa de Parati , Rio de Janeiro", ( l 814 ) , s / catalogac3o ; eFA N. , F'undo : Mesa de Corisciencia e Ordens , "Comproniisso de N.S. do Rosario , Erspado deMariana" , ( 1 41 ( s"ndice 826 Solhhrc- os conipromissos do periodo colonial ver Patricia Mulvey"!l,r f-PU: Lnv 9i-cfl,c•rhordc -f r _,1r,r,i,al Er'r it a I,isrrr^ Trr de Lrutnradn ,City University1 ldrv; r',rl. .1
19
"padroes e ideologia de um grupo social dominante," Porem esquece o autor
que as alforrias eram parte da "ideologia dominante." Era coisa bern
comportada. Alforria nao era sinonimo de combate ao sistema escravista.
Alem disso era muito caro financiar alforrias. 0 dinheiro nao podia dar pars
todos que necessitassem.13
E preciso esclarecer no entanto, que as confrarias negras, quase sempre
excluiam o elemento escravo de sua admini :,trarao . Apesar de ser maioria
entre 1719 - 1837 , os escravos no podiam ser membros da mesa segundo o
compromisso de 1820 da confraria do Rosario das Portas do Can-no, a nao
ser em casos especiais . E nao podia exercer certos cargo justamente por
ser escravo . Assim rezava o capitulo XVI do estatuto:14
DA QUALIDADE DOS IRMAOS DA MESA
Para Juizes , Procuradores , e mais Innaos da Mesase elegerb pessoas libertas e izemptas de escravid5opars que sej5o promptos em exercer e satisfazer osaclos da Innandade[...1 Assim como tambcm no caso(pie altvrn InnIo sera embargo da sujeicgo scja bentprocedido , e o seu captiveiro suav' poderi ser 1mr5ode Mesa, mas em neith m cazo serfi Juiz , Escriv1oThesoureiro ou Procuradores ; por que estes rigoroza-mente devern ser pessoas libertas .
A justificativa para a exclusao e explicitada nesse estatuto. 0 escravo
por nao ter liberdade para frequenter e estar a disposicao da irmandade
Para realizacao dos servigos era excluido da mesa. A excecao valia para os
cativos glue pudessem dedicar um pouco de tempo para a confraria. No
1)rojetO (IC compronisso de 1872, nuio ha restricao explicita aos escravos
exercerem cargos de mesa , mas tarnbem nao foi encontrada especificacao
13 Julita Scararno, LarvoCio e Escravrdao ... p.83 ; Caio Boschi, Os Largos e o Poder .. p.156;14 " Con,prornisso da Inriandade de N.S , do Rosario das Forta:, do Canno," (1820) cap.X`.'I, cx.1, doc.1,nrrs /x.114 R Dc,s 3.175 inn'os rata Iogados no livro de entrada de irrnios ( 17 19-1 8?7 ), 1.821, ou
is 5?0'u r,^crefis=tr<^atn sua cor,di,,no ( se era escravo cu form) 1.148 ( 36% ) cram escravoo] ?5 r:e it larr.a l r, ► ;,n os 5.64-b
20
sobre o perfil de seus associados, ou seja, se para ingressar poderiam ser
libertos ou escravos. Apenas deveriam ser homens de cor preta. Certamente
que escravos deveriam compor ainda a irmandade, mas infelizmente nao
encontrei documentos que comprovassem sua participacao em cargos. Por
outro lado, o projeto de 1872 rezava que deveriam ser mesarios aqueles
que "saibao ler e escrever, tenhao boa representacao." Dificilmente o escravo
teria boa representacao, ou seja, gozava de respeito publico.15
Outras innandades negras no Brasil tambem restringiram a participacao
escrava nas decisoes da mesa. Foi o caso da confraria do Rosario de
Pernambuco, em 1765, que nao admitia "irmaos captivos nesta Mesa, pois
esta Irmandade ha bern abondantes livres de escravidao , e os ditos captivos
sao muita.s vezes impedidos do Senhorio para cumprirem corn suas
obrigacoes." 16
A normatizacao da vida leiga
Os irmaos tinham deveres a cumprir. Desviar do modelo estabelecido
pela irmandade resultava, na maioria das vezes, cm advertencia pelos
mesarios e, nos casos mais graves, em expulsao da confraria. Um conjunto
de regras determinava o comportaniento no interior dessas associacoes. A
primeira regra era o ato de admissao. Na irmandade do Rosario, em 1820,
tanto libertos corno escravos davam como joia de entrada a quantia do 2 $000
refs, devendo "eumprir as obrigacoes da Irmanclade no Servico cia \'irgem
Sant issir-na." 17
Os rnesar-ios deviam cuidar da integridade moral dos fieis. Por se
tratar de uma confraria negra, o comportamento dos sous confrades deveria
ser exemplar, para que nao se abrisse brecha a possiveis intervencoes das
' J rojeto de (,ornpromisso" ( 1 872 ),p 8, (a}, 4 °, cx 1, doc 2, niss 11,1 1 4.S R"r'( :i prcniissn da Irm iidade de Ni . doi J o;oio dogs horocio pretos da Villa de S Anton io do
] Jr do }'cnr^'^il iv' l.ita,()u. AIIiJ, Cc dirr 12 9 3, cap 9 alard l 3lulvcThe t;lc:; {: ?cn .... } l 18dr . 1J d 3.r^ruric, d^.^r I'r„iac Ali .d'aiic ,' r 1 ^'2O 1, fls 14-1 5, ra;, 11
21
autoridades civis e religiosas. Em 1820, exigia o compromisso que seus
associados mantivessem "bern ajustada a vida, exercitando-se nos santos
costumes." Em 1872, o confrade era convoc&do a promover sempre a "boa
ordem" na irmandade. 0 compromisso de 1900 conservaria basicamente as
mesmas caracteristicas dos documentos anteriores. A novidade seria um item
especifico sobre os casos de afastamento dos irmaos. Neste compromisso
utiliza-se o ten-no "eliminarao" para aqueles que nao se enquadrassem no
regime moral e religioso da irmandade. Assim, ditava o capitulo 41' do
compromi sso:' 8
ELIMJNAcAO
Art. 21. SeriSo elintinados os ImAos que praticareinos actos de que tratam os seguintes paragraphos,semdireito a serem indenisado3.
& 1° Os que se eliminam voluntariamente.& 2° Os que mudarem de Religilo.& 3° Os que cometerem he micidio volunt(uio.& 4° Os que forem condenados por crimes infamantes.& 5° Os que lezarem a Or(lem em seus haveres
Ao lado da exclusdo de criminosos, se excluiam os corruptos e os
que se convertessem a unia outra religiao. Neste ultimo caso pole-se estar
aludindo i expans^io do Protestantismo na Bahia, que se da neste periodo.
Devo notar que, apesar dos negros do Rosc^u-io iniprimirem ulna dirnensao
festiva a seus rituais que evocavarn as religl es tradicionais da Africa,
aqueles que deram origem ao candomble baiano, no encontrei na
documentarao compulsada nern repulsa, nern adesao a religioes africanas. Em
nenhun] dos colnpromissos (1820,1900) e no projeto de compromisso de
1872 ha algo contra "feitiraria," como ocorreu a comprornissos de outras
irniandades fora da Bahia. No compromi so de 1900, a alusao ao
I ,onijIro!russc, (1k'20 ), c;!j^1I, rr. 1, 1(,c 1, fl 1 3v "Projelo de coru1rornisso" (1872 ), cai^ 2 e 3,
x 1 , ]. Tilt's ' 1'otn} dt, VC, er.ivr-1 '_'rdel I1 3' d(, l'i,sz r o," (l ?00 1, raj: 4°, rx 1,
22
desligamento da irmandade aqueles que "mudava de religiao " se referia, como
disse , ao protestantismo . E interessante que riada seja dito a respeito do
irmao que praticasse outra religiao - praticar ao inves de mudar - que a como
sabemos , e ate nossos dias, o caso do chamado povo -de-santo , que "pratica"
tanto o candomble' , como o catolicismo . 0 silencio em relagao a esta dupla
militancia religiosa sugere que o candomble , como hoje , era tolerado entre os
membros das irmandades negras.
No entanto , nada encontrei, repito, na documentagho , sobre essa dupla
militancia no interior da irmandade do Rosario dos Pretos do Carmo durante
o seculo XIX. E nao era para encontrar . 0 candomble era o segredo dos
negros diante dos brancos e os documentos da irmandade eram, sobretudo
embora no exclusivamente escritos como forma de comunicacao no e para
o mundo dos brancos.
Assim, os compromissos cuidavam do comportamento religioso e social
naquilo que podia ser claramente explicitado. Mas isso nao significa que o
explicito fosse pouco importante. Era apenas c que entao , e mesmo hoje, era
possivel ser escrito.
Se por um lado os confrades nao cram rigorosos corn a exclusividade
do culto catolico, por outro os mesarios ;:aziarn quest-do de repreender
aqueles que prejudicassern a instituicao. Como foi o caso do innao
Francisco Higino Carneiro, que ern 1861 fol repreendido pelos mesarios do
Rosario por ter publicizado nos jornais da cidade uma festa organizada por
ele, a ser realizada na irmandade, onde pedia auxilio para a confraria, e
quando chegou o dia do fcstejo, o innao desapareceu "fazendo recair [a
culpa] sobre a nossa Irrnandade." Scquer pagot. sacerdotes e musicos. l)epois
de descoberto o causador da conlusao, este se apresentou a mesa pedindo
desculpa e disse "que dinheiro no havia." 0 vigario tomou pate da
corrfusao e acusou "os crioulos do Rozhrio tudo querem fazer sem
dirheiro." Por sua vez, a irmandade retribuiu ao vig^ I irio afinnando "que
23
estes crioulos nada the devem ." Os mesarios enfrentaram tambem "o povo
que em grande numero havia concorrido ,[e] clamao contra a Irmandade." 0
caso foi levado a junta da confraria para que , em conjunto com a mesa,
punisse o culpado.t9
0 bom procedimento e carater dos seus membros era fundamental
para a organizagao da confraria . Os mesari os deveriam ser modelos de
comportamento para os associados , caso contrario seriam afastados de suas
Ibncoes. Foi o que ocorreu em 1846, quando a mesa pediu o afastamento
do procurador geral, o angolano Francisco Ramos , porque este so se
apresentava "embriagado insultante , que a todos os mezarios tem insultado."
O procurador causava tanta desordem na irmandade que esta foi "cercada
por huma patrulha de pollcia e tambem por cluas vezes tem atacado o juiz
actual com um cacete sendo este juiz um homem de idade ." A resolucao
tomada foi a de suspende - lo do cargo , substituindo -o por outro de Angola.
E queixas contra os tnesarios continuavam a acontecer. Em 1895 , o mesario
Jose Martins de Jesus, foi acusado de ter "se tornado incapaz de fazer
pane da referida Mesa , pelo seu procedimento reprovado , tomando-se
turbulento , rixoso e caluniador a ponto de faze s- os itmaos assignar papel em
branco para depois envolver a seu jeito ." Alum disso insultava e ameacava
aos mesrios, "considerando que else the ; ou no ponto de offender71
physicamente na Sacristia a um Mesario ."Ap6s tanta desordem praticada, a
irmandade resolveu demiti-lo.20
1V/ 11" P_ Ti'r:r c F.i c•lu ' , :x _ , do: 112, flr.i 1 J cz 2 1.doc 03-I, cv. 2 dc,( 1:',
24
Os leigos no poder
Com o objetivo de tentar evitar z'buso de poder daqueles que
exercessem cargos , o estatuto especificava as funcoes de cada mesario. A
Mesa era o drgffo administrativo da innandade e faziam parte dela o juiz,
que tambem podia ser chamado de presidente ou provedor, o escrivao,
consultores , procuradores , tesoureiro . Havia tarnbem uma mesa de mulheres,
mas sobre o papel delas tratarei mais adiante . Os mesarios regiam a
confraria, deviam zelar pelos interesses da irmandade , representando -a quando
necessario . Como afirmava o projeto de compromisso de 1872 : "a mesa e a
sede onde reside a disposicao administrativa do estado economico e
religioso de suas instituic6es.s21
0 estatuto de 1820 determinava que a mesa fosse composta de dois
juizes, urn escrivao, urn tesoureiro, um procurador geral, quatro procuradores e
os consultores. Em 1872, a composirao estaria mais simplificada: um juiz,
um tesoureiro,um procurador e nove consultores. Ja em 1900 existiria uma
mesa tinica, composta de homens e mulheres, conforme a tabela seguinte:22
COMPOSICAO DA, MESA (1900)
Homens Mulheres
I Prior Mestre cle NoviFos I Priore7aI Sub- wior 14 Definidores 1 Sub- priorezal Secretario Mestra de NovicasI Tesoureiro 18 CondignasI Procurador Geral1 Vigario de Culto
As funcbes dos mesarios praticamente continuarani inalteradas no
decorrer do seculo XIX. Os compromissos arenas detalham suas funroes e
-------------------------------"1're,jeto de romproinisso ," ( I R72 ), "Das atr • iliui Oes da Mesa, suas sessbes e fonrialidades,"
ep8',fl23' '('!nlromissc^ de ) ^ do Pc^s.ric, d'as 1'orias de "anmio " ( 1820 cap V1, cz l , doc 1, fl 10
du cc^rrrprouiis •; c, 1 1 - 7 ), cap 1 X72, 1, doc 2,1, 8 "t^cvuprornicso ( 1900) caf, 2,
cr l , ^lc^c
25
acrescentam novas cargos . Por exemplo, no p.-ojeto de estatuto de 1872 e
no compromisso de 1900 aparece o cargo de andador , que seria uma
especie de auxiliar do zelador , ajudando-o em tarefas como vigiar e guardar
os utensilios da capela, ajudando o capelao nos suns obrigagoes,de "assear e
zelar pelo patrimonio da irmandade ." Em 1872, juizes, escrivaes , tesoureiro,
procuradores e consultores tiveram suns fungoes esmiugadas.23
0 juiz, em 1820 , possuia as seguintes fungoes : promover a devogao a
N.S. do Rosario, acompanhar os enterros , presidir a mesa, alem de fiscalizar
todos os neg6cios da irmandade . Em 1872, suas atribuigoes eram muitas,
entre elas assistir a todos os atos e reunioes, manter a ordem na associagao,
convocar e presidir as sessoes, decidir as eleii oes em caso de empate, alem
de tambem administrar todos os neg6cio :r da confraria. Em 1900, a
terminologia mudava de juizes pars priore s que "deveriam ser irmaos
respeitaveis por sua inteligencia , probidade e prudencia e tenham mais de 30
anos ." Suas fungoes se assemeihavam aquelas propostas em 1872. No
estatuto de 1900, apareciam os cargos de sub-prior e secretario (este
equivalia ao escrivao). 0 primeiro substituia o prior, quando necessario. 0
escrivao responsabilizava-se por conservar todos os livros e papeis "relativos
aos negocios da Irmandade," por organizar "as pautas das missas" dos irmaos
falecidos, lavrar os termos de abertura dos livros de atas, de receita e
despesa. Lavrava tambem os termos dos "innaos e irmas que entrarem no
seu ano." Essas fungoes foram mantidas como nos estatutos anteriores.24
0 tesoureiro arrecadava o dinheiro para a instituigao. Em 1820, suas
atribuigoes nao estao detalhadas como nos estatutos posteriores. Era esperado
dele inteligencia e habilidade, para langar toda a receita e despesa nos
Livros da irmandade, sendo o responsavel por mandar dizer as missas pelas
aln)as dos confrades falecidos. Frequenternente havia acusagoes contra ele,
' 1'cc'jcto de comproniisso ' ( 1872 ), ca])9 , 1 3 e 16, cx l , doc 2,;)1-) 44-461 "Coin promisso ..." (1900 ).a] _' ^xl,doc3,4 I 0 c, , <. 20 -2 1 2 9°q ronusco ( 1 k2. ), j] D. ,cx I doc l 17 .. , "F'rnj etc) ... ( I 8i rap. 9'] 0°,cr. 6, "CompromiFso ... cap 4, cx l ,doc 3.
26
justamente por administrar mal a vida financeira da confraria. Talvez por
isso no estatuto de 1872 houvesse maior detalhamento do seu papel.
Langava todo o dinheiro nos livros de receita e despesa, administrava os
ordenados dos "empregados da capela ," cobrava os alugueis dos imoveis da
confraria, alem de equilibrar a receita e despesa, evitando surpresas
desagradaveis para a associagao, prestando contas trimestralmente a mesa.
Em 1900, as fungoes praticamente ficararn inalteradas , a excegao da
prest.agao de contas, que deixava de ser trimestral: o tesoureiro deveria
responder pelo dinheiro sempre que solicitado. E desempenharia sua fungao
sempre acompanhado pelo secretario. Parece-mil aqui um tipo de fiscalizagao,
tima vez que as contas tinharn que ser conferidas pelo secretario.2'
0 procurador representava e propunha solugoes para o bom andamento
da irrnandade. 0 estatuto de 1820 previa urn procurador geral, que ja tivesse
ocupado cargo de juiz, e quatro procuradores para servir a confraria, quando
necessario, conforme veremos em outro capitulo. Ele defendia a innandade
perante autoridades civis e religiosas. Uma fungao importante era avisar os
demais mesarios sobre, por exemplo, alguma agao movida contra a
associagao, sobre as festividades e os enterros, e the cabia frscalizar os
documentos. Acrescentava o cornpromisso de 1900 que o procurador poderia
protestar "perante a mesa (Iuanclo julgar quc nao esta de acordo con) o
compromisso ern suas deliberagoes e contrarias aos interesses da Ordern."
Novamente sao os estatutos de 1872 e de 1900 quo explicarn melhor seu
papel.
0 cargo de vigario do culto constava apenas no regimento de 1900,
cabendo a cie zelar e cuidar dos objetos da irmandade, alem de
providenciar "cera para as rnissas ,"e conservar os aitares "corn aceio." Os
consultores nao constavam no estatuto de 1900 , mas de acordo corn os
regimentos anleriores deveriam scr pessoas "prudentes, [del born juizo e
f !','(i( '^, rid •7
27
conselho," especie de conselheiros , solicitados pela mesa para opinar sobre
questoes administrativas . Tidos como pessoas de bom senso, cram
requisitados quando a mesa precisava tomar alguma atitude mais importante.
Alem de cuidar da vida admnistrativa , tinham como deveres acompanhar os
innaos falecidos , participar das procissoes festivas e estar presente a todas
as reunioes da irmandade.26
Atraves do compromisso da innandade , a distribui9do do poder entre os
mesarios era oficializada. A representatividade do poder era cuidadosamente
explicitada nesses estatutos . Africanos e crioulos por muitos anos
determinaram a ordem politica no Rosario. Ern 1872 e 1900 os confrades
destrincharain melhor as firncoes da mesa e dos mesarios. 0 poder interno
foi cuidadosarnente elaborado para normatizar a vida administrativa da
innandade . Quando acusada ou lesada , como no caso das disputas juridicas
ou de acusacoes por nao cumprir seu papel, os mesarios obtiveram vitorias
e deri otas. Os padres, frequentemente, se queixavam dos innaos, o que
demonstra urna certa incornpatibilidade entre o poder leigo e o poder
eclesiastico. As relacoes politicas no Rosario forarn cuidadosamente
definidas a fim de que nao pairassem duvidas sobre os cargos e suas
fiinGi es.
Juizes, escrivaes, tesoureiros e demais r:iembros da mesa cram eleitos
anualmente e podiarn se reeleger. Os comprcmissos perrnitiam a reeleicao,
desde que previamente justihcada. E cs mernbros da confraria
constanternente se utilizavam deste recurso. Assim, em outubro de 1866, a
mesa solicita reeleicao para continuer "as questoes que se achao principiadas
pedindo para isso approvacao da junta." Em 1882 tarnbem houve reeleicao
cla mesa para que esta pudesse concluir as obras da capela. A reeleicao
era, asslin, fato corriqueiro. Consultando os livros de atas observei que
aleuns resarios transformariam seas cargos em vitalicios. C) tesoureiro
1";211 1 <'{i- 3.;^p Q-20
28
Manuel do Bomfim Galiza, por exemplo, elcito em 1880 , permaneceu no
cargo ate 1889 . Certamente esse irmao gozava de prestigio na irmandade
para sua reeleicao . Em 1889, o vigario o defendia: "este deve ser reeleito
no so pelo interesse que tern tornado para o augmento da irmandade, como
par estar ainda em obra a capella ." Por outro lado , muitos confrades
recusavam-se a assumir os cargos da mesa . Os mesarios queixavam-se da
ausencia de pessoas para tal. Em 1842, a mesa se preocupava pelo fato de
que "neste anno nao tern sido possivel aparecer urn so hornem para aceitar
este cargo, por motivos particulares, outros talvez por conhecerem a
decadencia da Irmandade a maior parte por nao saberem ler, escrever, nem
assignar seu nome ." Talvez alguns confrades nao se interessassem em
a.dnrinistrar uma associacao pobre, outros por nao condizerem corn o modelo
de mesario estabelecido pela irmandade , ou ainda por esta nao ser mais um
atrativo pars os negros. Isso pode explicar, em parte, as frequentes
reeleicoes.27
Acusacoes contra mesarios foram fregeentes na confraria do Rosario.
Aqueles que ocupavam cargos cram mais visados. Em 1870, o procurador
geral da irmandade foi suspenso e sua eleigho anulada, por este "ter se
negado a assignar e satisfazer a sua pronressa de leis mil e quatrocentos
refs." Ern 1899, acusado de desfalque pelos irmaos da mesa, o "encarregado
das contarias" foi afastado do scu cargo. Na mesma sessao, o tesoureiro da
associaciio foi contrario a homenagear o definidor Manoel Nascimento por
ser igos prestados a instituicao. Estabelecida a discussao entre eles, a mesa
suspendeu a sessao "ate que acalmasse as anirnos."28
Esses episc dios revelam que a politica interna no Rosario era
cortilit.uosa. Acusacoes e descontentamento dos confrades corn a mesa foram
constantes. Cerlamente que o monopolio por detenninados grupos desagradava
27 f-..111 3.R Termo de F:erolu c', 03 de outubro de I FC66, cx.3,doc04,x,.34. Sobre rr_elel;ao verLnvros de (1 kF0-1 kk?7. cx 4 : cc^rTesF,on lencias, cx 21, dc'c 024, 1 E,42
1 11 1'1 Terri c it is do='cmlr: d: I P7n cx 1 3, do c 04 T1, f 2-« , ec'l'rc c
{r.'1 }^l C1Ur c ' 1,P,'r^^ SIP 1,^:^r f 1f 7'):. i.Ic^, f1C:-l- -
29
os demais, principalmente quando se tratava de uma monopolizacao
duradoura.
Aliangas e rivalidades na mesa.
Os mesarios de 1820 cram, via de rcgra, angolanos ou crioulos. 0
poder pertencia estrit.amente a esses grupos. Rezava o compromisso que:
"no armo ern que for o Escrivao da serie dos An-golas,seja o Thesoureiro da s&rie dos Crioulos;o mes-mo se ha de praticar corn o Procurador Geral [... J24
No projeto de compromisso de 187;2 nao ha referencia quanto a
condicao etnica dos mesarios, o que reflete o contexto da epoca. 0 trafico
negreiro havia encerrado e a restricao etnica nao fazia mais sentido, pelo
declinio da populacao baiana nascida na Africa. A escassez de homens
africanos se refletia na politica etnica das irmandades. 0 Rosario se
transformou, na segunda metade do seculo XLX, em unia irmandade crioula
e, portanto, brasileira.
0 livro de entrada de innaos do seculo X\/'M e inicio do XIX revela
que crioulos ja predonrinavanr na immndade. ism seguida, viriliam os jejes e
os an olanos. A difereri a entre crioulos e jejes era nruito pequena, nras o
numero de negros que se declara pertencer a algum gnrpo etnico e infimo,
o que dificulta a analise.
Numero de irmaos registrados (1719-1837) 3175 percenlual
Crioulos 115
Jejes 103
Angolas 48
Mina -------- 37
Benguela 17
3,6%
3,2 %
jr11,"
1,' i 1•-^..-.^iro -inr 1 o!1 dc,"a.,tic,. ldc c 1,f] 14
30
Nag8s 4 0,1
Mocambique 3 0,09%
S/ Declaracdo de origem 3 . 157 89,1%
Fonte: Livro de Entrada de Imam (1719-1837 )
Os angolas se aliavam mais com os brasileiros ( crioulos) do que com
os patricios africanos. Curiosa a dinamica etnica no Rosario. Apesar dos
jejes ingressarem em grande numero, eles eram proibidos de compor a mesa
diretora. Esta continuava, ate aproximadamente a segunda metade do seculo
XIX, dominada por crioulos e angolas. Na eleicao de 1871, crioulos e
angolanos continuavarn dividindo o poder na confraria. Para 1° juiz o
vencedor foi o angolano Gaspar da Costa Julio. Da serie dos crioulos, Joao
Luiz das Virgens( 20 juiz ). Posteriormente a esta data nao foi encontrado
nenhum documento sobre eleicoes que destaque a participacao diferenciada
( crioulos ou angolas) como mesarios.30
A alianca entre crioulos e angolanos talvez possa ser explicada pelo
fa.to de terem sido os angolanos os primeiros a chegarem a Bahia, e
tivessem se adaptado aos costumes da terra.. Na virada do seculo XLY,
continuavatn a chegar e se juntavarn a sous patricios. Nesse momento, eles
se transfonnavain ern afro-baianos. Concordo corn Reis, quando afinna clue
os angolanos foram introduzidos "as rnaneiras e nialicias da terra do
branco" e guando os sudaneses comeCaraln a chegar "ja havia uma longa
tradi4ao angolana de interac io com o meio brasileiro e seus habitantes, entre
os goals os crioulos." Nao e possivel desprezar o espaco que a cornnunidade
anolana ocupava na Bahia. No Rosario, erarn os rnais antigos e nao iriam
ceder seus cargos Para outros grupos de aGicanos, principalmente quando
estes }ossem sudaneses, sear qualquer 1parenbesco lingi istico on cultural, e
jq,
31
que por seu grande numero pudessem n;presentar ameaca a tradigao
angolana. Queriam preservar o poder utilizando o criterio da antiguidade.31
Controlar a mesa significava, entre outras coisas , controlar os irmaos de
outras etnias, alem de administrar diferenra .s etnicas. As irmandades eram
"canals de administrarao dessas diferengas". Angolas uniram-se aos crioulos,
foram capazes de organizar estrategias de aliangas e rivalidades. 0 que
parece estranho e o fato de crioulos e africanos se solidarizarem , porque o
comum era o conflito . Basta lembrar que nas revoltas escravas do seculo
XIX, crioulos estiveram ausentes . "Crioulos, cabras e mulatos no participaram
de nenhuma das mais de vinte revoltas escravas baianas anteriores a
1835."32
Cada irmandade negra era dirigida por urn ou mais grupos etnicos. A
alianca crioulo/angola tambem se repetiria na Irmandade do Rosario da
Conceicao da Praia e na Irmandade de Santo Antonio de Catagero, da
matriz de Sao Pedro. Nelas apenas esses dois grupos podiam "ocupar
cargos de direcao." Mas tambem a origem etnica revela que muitas vezes
africanos se uniam a africanos e repugnavam os crioulos. Esse foi o caso
dos ben,guelas, que dividiarn com as jejes as cargos de mesarios na
lrniandade do Rosario da Rua Joao Pereira. E na Innandade do Senhor Boni
Jesus dos Martirios, em Cachoeira, os jejes "expressararn sera rodeios sua
animosidade em relacao aos crioulos no Compromisso de 1765, admitindo-os
se pagassern urea joia dessezeis vezes mais cara e proibindo-os de
exercerem cargo de mesa." Outro caso de hostilidade etnica foi comprovado
atraves do compromisso de 1800 da Irmandade do Senhor Bom Jesus da
Cn,z dos Crioulos, tambern de Cachoeira, que aceitava apenas irmao
"natural da terra", e caso entrassem "Angola, Benguela ou Costa da Mina,
sera riscado da lrmandade." A excecao era apenas para as inulheres
t>efguclas, aiii olanas e da Costa da Mina (-,asadas corn os menibros da
r, 7 ... c~,. ,ra uo Fr; sil 1, ] ^.5
'1( ( i(PIi Cl 1 t' S., cc la'bCli(:O ('S^ IQVQ Pic) 1'r; jj 1 1 7.
32
confraria . Estas eram aceitas "em atengao aos maridos." Em caso de viuvez,
se casassem pela segunda vez "sem ser cony os da terra perderao toda a
honra da Irmandade."33
As mulheres na mesa
As mulheres ocupavain cargos nas confrarias negras, inas a origenn
etnica tambem criava regras entre etas. No caso da Irmandade do Born
Jesus dos Martirios, de Cachoeira, citada ant.eriormente apenas as mulheres
crioulas podiam exercer cargos , mas corno membros comuns as mulheres,
independente de suas origens , eram desejadas nas irmanda .des africana.s,
"talvez para aumentar o estreito mercado afetivo dos homens," sendo elas
pouco numerosas na comunidade africana.34
As inn As do Rosario das Portas do Carmo participavaln de urna mesa
exclusivainente con-rposta por nnrlheres. Erarn juizas,nrordonras e procuradoras.
As mulheres crioulas e angolas poderiam, pelo compromisso de 1820,
ocupar apenas esses cargos. Assim rezava o estatuto:
"Em cada aria se elegerao as Juizas que forem sufti-cientes de hurna e outra nac o,doze Mordomas , ou maisse poder ser, duas Procuradoras as quacs poder5o ser
nao." 3'Innis on
No projeto de conii)roIIIisso de 1872, existe referenda a juizas e
mordornas de festa . Em 1900 , o comprornisso deterrrrinava que as mulheres
tomariani "parte na administragao" e gozariam das "mesmas regalias dos
Irmaos mezarios em tudo que estiver de acordo cons seu sexo." A
l)articipagao administrativa das mulheres est.ava liniitada , pois eranr do "sexo
^' P.eis, A rtortc e unto fc:ta ... r,56 C oniprorn ,; o da Inna_idadc do Senior Dom Jesus da 1niz1 ' ^'ri^>>tl,.,c, la Jila da I'tip II r,ttra " I 1 s:001, i-al, 11 'do( 10,111.,; ; Al N S k'4 T:cis, A !Torte c^ tcnta rc::fo ...1,.5£x
l,i lrTti;vrl^v1, d, N ,In dui: I c,rl as r1r, 'arnin" I1 Zr'],^ ctq' V111, cx 1, d:,r 1,1 r:, I.1 14 F'.
33
fragil" e, supostamente nao possuiam capacidade de decidir. Essa
desqualificacao do sexo feminino esteve presente desde o estatuto de 1820.
Proibiam-se os escravos de ocuparem certos cargos, as mulheres,
independente de serem ou nao livres , no pcdiam ocupar certos cargos,-os
ma is importantes ou de direrao - porque pela "qualidade do sexo nao
exercitao ato de mesa ." Nesse estatuto , a. funcao desempenhada pelas
mulheres seria assistencial : "visitar os enfennos , orientar-se do tratamento [que
os doentes ] recebem e da boa ordem". Russel-Wood assinala a importancia
da ala feminina das confrarias de cor no que diz respeito a atividade de
assistencia social: "As mulheres das irmandades desempenhavam um papel
vital e essencial na prestacao de servicos sociais aos irmaos e a suas
familias atingidas pela doenca e pela pobreza." 36
Pelo estatuto de 1765, as irmas do Senhor Bom Jesus dos Martirios,
de cachoeira, tinham como atribuicao cuidar da festa e da procissao. Os
homens pretos do Rosario de Camarnu "apresentararn arenas classicas do
patriarcalismo no tratamento de suas mulheres." Pelo compromisso de 1788,
"as irmas procuradoras" realizavam tarefas tai; como: "lavar a roupa branca,
preparando-a com toda limpeza para o use das Missas, cosendo-as e
reforrnando-as."37
As mulheres na irmandade do Rosario cram maioria subordinadas. Dos
3175 irmaos catalogados pelo Livro de entrada de irmaos para o periodo
1719-1837 , 2204 cram mulheres, representando aproximadamente 69% dos
rnembros, mas continuavam sem ter poder administrativo. Das 161 escravas
que ocupavam cargos nesse periodo, apenas treze registraram sua etnia: seis
erani jejes, cinco crioulas e duas angolas. Aqui apesar do numero reduzido
de dados sobre a origem etnica das mulhel-es, as irmas jejes e crioulas
'6 "Frojeto de Compromisso de 1872 ," cap.6°, cx 1 ,doc.2, p . 16; "Compromisso ... 11900], cap 4°"Plrihui;i:'cs da Prioreza, Oub Prioreza, 1,4cstra de 1^ovi;a e Condig ias" cx 1, doc . 3 ;"Cornproniisso...
1820], cap.?:VI, ex l,doc 1,t7, 16; A.J.R Russel-Wood "Flack and mulatto hrotheroods in ColonialLraril a study in collective hehavio" aped Luciano Fiz,ieiredo, C' Avesro da I mdrla . C'ntidiano C
do ou d 0cr cm 1 i riu icrC: L" rev '('L7,do : i71, Fdtl1 ', J('.E' r ]y111 to, 1 993, r 1 C-^.
a±ri. r, 1,Ojlvt'v, 17re F;aCk C,ci1' _;,, , Rris. A morte 6 w?ic testa ...1' 58'
34
dividiam os cargos, o que demonstra que as regras de discriminacao etnica
foram subvertidas pela ala feminina do Rosario . Entre 1720- 1818 , dez juizas
eram da narao jeje. Isso sugere a no exclusito etnica entre as mulheres, no
periodo anterior ao estatuto de 1820. A partir deste apenas as mulheres
angolanas e crioulas dividiram o poder na mesa . Poder relativo e limitado
pela ala masculina.38
0 que explicaria o grande numero de mulheres nas irmandades negras?
A oportunidade de usufruir da assistencia material certamente influenciou a
entrada delas, mas os homens tambem foram atraidos pelo mesmo motivo.
Estudando o cotidiano das mulheres mineiras no seculo XVIU, Luciano
Figueiredo explica a paiticiparao das mulheres negras nas irmandades como
um reflexo da vida que desempenhavam nas comunidades mineiras . "0 baixo
nivel de vida a que estavam submetidas e a consequente necessidade de
obter a assistencia social oferecida constituia-se em importante motivacao
pars o seu ingresso[...].Tambem buscavam ali condicoes para um convivio
09social corn seus pares.
Figueiredo comprova a enorme expressac da mulher nas irmandades de
negros e mulatos. "Participando ou n io das mesas dirigentes, o elemento
ferninino assurniu realmente urn papel significativo." Talvez em Minas Gerais
as mulheres participassern, decidissem os assuntos da confraria.40
Em Salvador, as innas do Rosario raramcente aparecem na documentacao
consultada. Sao juizas, oferecem sermoes, constantemente sao cobradas pelo
atraso dos alugueis, sao viuvas defendendo sous rnaridos das cobrancas dos
mesarios. 0 registro de entrada de irmaos no traz dados sobre a condicao
civil dessas mulheres. Mas, atraves dos testamentos de libertos para o
periodo de 1790-1844, foi possivel identificar que das 38 testadoras que
perienciam a irniandade de N.S. do Rosario, 23 erain casadas. Mesmo nao
't JI_I N 5 R Li,,: o de entruda de irrriaos ( 1722-1526Y, cr. 7,duc 1u' i;rin ued^^,
I iCti irr^i /•ae sso 1 ^ 2
35
tomando parte das decisoes administrativas, as irmas nao estavam na
confraria apenas em busca de auxilio material. Essas mulheres eram
comerciantes, desinibidas e ganhavam mais dinheiro que os homens . Estavam
ali para ajudar seus maridos e os seus irmaos etnicos.41
A vida administrativa da irmandade estava assim organizada . Conflitos,
tensoes , monopolizacao etnica, bern como o pratiarcalismo que imperava na
confraria fizeram parte do cotidiano dos membros . Os compromissos definiam
as relaroes sociais e de poder no Rosario . Vida social e vida politica cram
ditadas pelos estatutos.
Os principais aspectos tratados pelos compromissos do Rosario
rnudavam de acordo com a epoca. 0 projcto de compromisso de 1872
propunha algumas mudancas , o estatuto era mas simplificado e as funcoes
da mesa mais detalhadas. Entretanto, sua aprovacao nao aconteceu.
Infelizmente a documentapi3o nao esclarece o porque do veto das
autoridades. Talvez, como afinnaram Bacelar e Souza, a proibirao do
estatuto estivesse relacionada ao fato dos irmaos pedirem a elevarao da
instituirao a categoria de ordern terceira.O que significava prestigio na
hierarquia eclesiastica. Aquela no era uma epoca propicia Para se atender
ri solicitacao de negros orgariizados. Os debates em torno da carnpanha
abolicionista favoreciarn aos negros e seus defensores, o que certamente
contrariava os poderosos da epoca. Permitir aquela prornorcao poderia
significar uma brecha favoravel aos irmaos negros. Os irmaos se tornariarn
terceiros eni 1900. Certamente que o nrometito favorecia a pronrocao, mas
quanto a isso tratarei adiante.
41 Agrade^o gentilmente a Profa. Marla Ines Conies de Cli^eira por ter colocado a nrinha disposicao
a listafiern dos testadores que pertenciarn as irmandades entre 1790-1890. Do total de 350
testarnentos de africanos lii ertos pesquisados pela autora, I ? perterrciam a algurrra irmandade, 52
testadores do periodo 1790-1844 faziam parte da irmandade do Rosario das Portas do Carno. Listei
o nir!ncro de mulheres testadoras, que n-mis urna ve:_ erar» rnaioria, e obtive o perfil do estado civil
^lrl,rv ti,r.trt niulhcrrs iiiertas e cscrava^ vr-r l4 ttoso F;,_;ln sec.Jo uma provincra no Inperro
36
CAPITULO II
O TRIUNFO DO ROSARIO SOI3RE 0 "ESPIRITO MALIG-NO": CONFLITOS ENTICE IRMAOS E PADRES.
A vida nas Irmandades religiosas nao era apenas feita de harmonia e
solidariedade , principalmente quando se tratava do relacionamento entre ir-
maos e clerigos. Queixas contra o vigario da freguesia , o capelao da Igreja,
a vigilancia e o controle or estes da conduta moral dos irmaos , sua intro-
rnissao nas festividades das associacoes , que fi-equenternente consideravam
urn espetaculo profano , alem do n9o pagarrLento de servigos prestados pelos
pobres e , t.ambem , a prestadoo de contas dest.es a instituica .o - eis alguns dos
motivos mais constantes dos conflitos , mutas vezes acirrados , entre padres
e innaos pretos de Nossa Senhora do Rosirio as Portas do Carmo de Sal-
vador.
E interessante observar que tais corrflitos tinham uma logica propria.
Os leigos se consideravam a propria Igrea e, nutna irmandade negra, essa
tendencia aumentava consideravelmente porque esta representava uma das
poucas chances de organizarao formal e relativarnente autonoma dos negros
na cidade. Pot- outro lado, a hierarquia eclesiastica queria controlar ao maxi-
rrro a Vida dos innaos. Diante dos diverscs interesses em jogo, o choque
cntre as pates era inevitavel. 'J'udo isso parece unr pouco ubvio, mas o que
Lorna essa historia interessante e o fato dessas querelas se arrastarem por
todo o periodo colonial e imperial e trazerenm a tona questoes bastante elu-
cidativas a respeito das relacoes de poder estabelecidas, e is vezes do con-
fi-onto direto, entre o poder leigo e o poder eclesiastico. Ao inesmo tempo
esses eanbales demonstranr a capacidade de organizarao, de negociacao e a
37
combatividade dos negros contra os adversarios, na defesa do que considera-
vam seus direitos e seas interesses.1
Parocos , vigarios , capelaes na ordem religiosa
A formacao do Brasil aconteceu em grande parte atraves da acao do
Estado e da Igreja. Estreitamente associado3 , esses poderes ditararn as nor-
mas de conduta dos civis e religiosos no periodo colonial e imperial. Entre-
tanto, por forca do Padroado, a Igreja foi obrigada a exercer urn papel se-
cundario. Os negocios eclesiasticos ficariam inteiramente submetidos ao poder
da coroa. "Na realidade, o monarca portugues tomava-se assim uma especie
de delegado pontificio para o Brasil, ou seja, o chefe efetivo da Igreja em
forrnarao. Ao Papa cabia apenas a confirnricao das atividades religiosas do
ref de Portugal.
Afirma a historiadora Katia Mattoso que, sob o instituto do Padroado,
a "Igreja catolica parecia dirigida por leigos. A hierarquia era pouco respei-
tada por padres e fiefs. Na major parte dos casos, o dinheiro destes ultimos
mantinha o culto e a cliama da fe das irmandades." Entretanto, reconhece
Mattoso, foi com o est.imulo da Igreja que a acao dos leigos se tornou
possivel.?
A vigilancia e o controle da Igreja cram exercidos pelos vigarios das
freguesias, pessoas mrrit.as vezes pouco populares perante os innaos. Acusa-
dos frequentemente de cobrar preros exorbitantes pelos servicos, o clero en-
trava em choque corn os mernbros das inmandades. A.lguns dosses episodios
seriio analisados adiante. Antes disso e born esclar-ecer quaffs os papeis de-
sernpenhados pelos padres na ordem religio^a.
Julita S._aranc',Llevo4to e E$cravld'do A Irma dadc do 1-foss Sen/fore do Rosario dos t.cto.^• noJ):stnto ih^7nulntrno no stcuJo }x7111, S'1o Paulo, N cional, 1975, p 51 ; ver tarnhE-m Joio F'.eir, Dife-
r n;s,r e F. is;Fiicias ;io Frasil escra^•i:,ta. Tent, ,n' ^,fl.duardn !itwrnirri. IL ^;tcn^1 • c j ro is ' o F',lsjl. Jr-i Ira a, 4, ed , I -trbpolis,'Io:.t::, F'auIiii
1'. ,j 1,;,
i --
38
0 vigario era o chefe da freguesia , rnas para ser paroco era nomeado
oficialmente pelo Estado e seu cargo era vitalicio. Os vigarios tambem po-
deriam ser vital icios ( vigario colado ), on encomendados , nomeados pelos bis-
pos temporariamente , ate que viessem a obter nomearcao official, que podia
demorar longos anos.O paroco reunia na sua paroquia as capelas sob a
responsabilidade de capelaes . Alem desses capelaes, Mattoso identifica mais
duas situaroes que encobriam a denominagao de capelao : "a do que exercia
suas funcoes sacerdotais junto a uma irmar.,dade religiosa ou uma familiar e
a do que ajudava no coro catedral , apesar de nao ser conego ." Havia tam-
bem capelaes nos engenhos e nos quarteis.4
Acrescenta ainda Mattoso que os capelaes forain os responsaveis pe-
los "encargos das almas de uma parte da populacao numerosa, que escapava
ao clero submetido a autoridade episcopal ." Os padres -capelaes que serviam
irmandades eram maioria . Nesse caso , o capelao era nomeado pela Mesa
adrninistrativa da confraria e eni tese estaria sob o controle dos innaos.
"Ficavain ate sujeitos a sancoes , se negli €;enciassem atos de culto on se
cobrassern por eles mais do que fora estipulado."5
Queixas das imrandades contra os parocos e capelaes foram frequentes
durante o periodo colonial e imperial . Os f'ieis no viam seus padres conro
modelo de coml?ortamento. Esses erarn freq-ientemente vistos corno mercena-
rios, preocupados mais corn bens materiais do que com a assistencia espiri-
tual. Por outro lado, os padres queriam set pagos pelos servicos prestados,
pois precisavaln de clirr}reiro para seu sustelito. 0 comportamento dos padres
brasileiros seria tipico? Que foiinacao terian recebido Horror clerigos? E no
nnininro interessarite conhecer urn pouco da historia desses sacerdotes.
Remontando a unra epoca distante, conta-nos Thales de Azevedo que
ON padres que vieram de Portugal pertenciain a escc ria "do que la havia de
sacerdotes - uns suspensor de ordens, outros rebeldes e insubnrissos." Sobre a
39
formacao do clero, Azevedo city o caso de Diogo Antonio Feijo, que se
ordenou sem nunca fazer um curso regular. Formava-se o clero de forma
"precaria." Acrescenta o autor que, "para substituir os jesuitas , ao extinguir-
se a ordem benemerita, o marques de Pombal fez ordenar e seguir para o
Brasil padres preparados as pressas , em coisa de seis meses , recrutando su-
jeitos imbuidos de regalismos e par certo mais preocupados com a politics
e com o emprego do que com a religiao ." Na opiniao de Azevedo isso
explica o grande nrirnero de padres sem vocacao para a carreira.6
Certarnente que os padres do seculo XIX herdaram muitas das carac-
teristicas dos seus antecessores. Era mur.o comum no Brasil os padres
destoarem dos padroes que o Concilio de Trento procurara definir. Em sua
pesquisa sobre a Mesa de Consciencia e Ordem, o historiador Guilherme
Neves identificou varios casos "de transgressoes perpetradas pelos clerigos,
corn desmazelo, embriagues, atitudes injustas e violentas e, sobretudo, concu-
binatos." Alem da constante intrornissao dos parocos nos assuntos da admi-
nistracao da justica., como foi o caso do paroco de Carinhanha, as margens
do rio Sao Francisco, que em 1825, "valendo-se da ignorancia dos juizes
leigos, extorquia os paroquianos corn direitos excessivos da estola... C ainda
por cima vivia escandalosamente amancebado coin urns prostituta."'
Trabaihando corn 114 testamentos e 29 inventarios de padres falecidos
na Bahia entre 1801 e 1887, Kat.ia Mattoso pode observar que o clero, ape-
sar de se declarar celibatario, testava a favor dos seus filhos, reconhecendo
seus deslizes. Entretanto, Mattoso acredita que niio se tratava de nenhurna
aventura amorosa e sem consequcncias, pois "apenas 25% dos padres decla-
rarain um filho. Quarenta por cento deles chefiavam farnilias numerosas, corn
tres filhos ou mais o que exclui a ideia de relaroes acidentais, result.antes
de fragilidades passageiras. Os padres rnaritinhain sempre a rnesrrra mulher,
Ill^df" ; ^Ir f^_rar , I^ Irncrt:o du ^id,^Je to S.^lvcdvr, ^,Iaa,Itaru7a 1'_-'69, 214-15^uilF^-m F'rre^ra d;,^ N v(.^ "Fntre o I bless de Co±aciencic E, -Irdrus e o
I C^.'r',: 1^,.._. ^. ..:^•^. ^^.; ). 1.;`"^_^. }'.Ijll: _.^'.^ _ •.1^.1P . 1_ G ti:
40
mae de seus filhos." As normas do Concilio de Trento pareciam mais ficcao
do que realidade. Em 1857 , na cidade de A lcobaca, interior da Bahia, os mo-
radores denunciaram o vigario encomendado Francisco Jose de Oliveira
Fonseca, por este ter "uma mulher casada e acha-se com ella concubinato
publics e escandalosamente; passando seu desejo a ponto de apresentar-se
com ella na sua janela , e na ports da run de sus casa de morada, e de
noite deitados na calgada." A regra do cehbato continuava a ser transgredi-
da.
Alem de comportamento clerical nao tao exemplar, a situarao material
deles era delicada. Os vencimentos, quando recebidos, cram minguados. "Os
parocos raramente atingiam os niveis da remunerarao media recebida por
artesaos , pedreiros e marceneiros , que era de 200 mil reis anuais." Os viga-
rios colados possuiam fontes numerosas , mas "as quantias arrecadadas varia-
vam segundo o numero e a riqueza dos paroquianos." A situacao dos viga-
rios encomendados "era pior ja que s6 podiarn contar cone a generosidade
dos paroquianos." Essa situarao vexatoria explicaria em parte os interesses
do clero nas recompensas materials da vida religiosa. Teremos, desse modo,
padres-funcionarios mal pagos pelo Estado que completavam o orcamento
cobrando por seas serviros valores as vexes exorbitantes.9
O jogo de interesses e a aprovrrcrio do compromisso
Os conflitos na Irmandade do Rosario das Portas do Can-no vinham
de lon,ge. A corifi-aria fora erguida e confinnada na Se Catedral , ern 1685.
Entre 1703-1704 os irrnaos conseguiram levantar sua propria capela as Por-
tas do Can-no. Quando, em 1718 , a nova freguesia do Passo foi desmernbra-
da da Se, os paroquianos , ainda sem a SL a rnatriz, ocupararn a capela do
rr -
41
Rosario dos Pretos. Entretanto, os negros dirigiram-se ao Rei, por intermedio
do govemador do Brasil, conde de Sabu€;osa ao Rei, queixando-se dessa
apropriacao injusta. Carlos Ott assinala o papel importante clue desenvolveu
o conde de Sabugosa, pronunciando-se a favor dos irmftos do Rosario. F
assim urna Carta datada de 1726, obrigou c vigario do Passo a devolver a
igreja aos pretos. Assim dizia:
"Fago saber que por parte dos juizes a Irmaosda Irmandadi, que fizeram hua ermida as suas pr6
prias custas para o que impretaram primeiro do Reverendo Arcebispo ... a estando assim a sua Inmandade corn toda a descencia; e como nessa cidade,serto da mesma ermida e erigira tambem hua Igrejapara Matrix pedira o dito Arcebispo aos Supplicantes que em quanto estava sendo acabada os freguezes adrninistrava nos na ermida [ Rosario J. E estando assim :ilguns dias intentarlo as ditos freguezesa se apossarem-nos da stia F.rmida que flies tintra custado tando traballro,e despesa de sua fazenda para liesservir de fre€vezia e vendo as supplicantes esta injustica que lhes queri o fazer recorrer1o a nrirn pars queos mandasse comerciar na sua antiga posse (...)10
Aos paroquianos do Passo, no restou otitra alternativa senao acatar a
decisao do Rei e construirern sua propria matriz. "Que houve muita oposi-
q5o disfsu-cada dos paroquianos contra a decisao do conde de Sabugosa,
mostra o fato de terenr protelado mais dez anos o inicio da constnrcao da
matriz do Pass,-,). E mesmo quando. em 1736, comecaram corn as obras, os
t.rabaihos se arraslaram por varios anos e no se devem ter rnudado para a
nova rnatriz antes de 1740.""
Nesse acontecido, a justiga prevaleceu gragas a altivez desses negros,
eras o apoio do conde certarnente muito contribrriu para o desfecho. Resta
perguntar o por que da decisao do governador. Acredito que resulta do seu
J:,lt' de N de IN i iric' d J - -tc dc, }'e lc,uririhc,, 9*" A^ur:, :-;, r ]5
^--rrCr.;Iic u N ^i_ I ,_--
42
bom senso , tentando evitar alguma razao dos negros . Havia negros rebeldes
na colonia, sobretudo reunidos em quilombcs . Caso o pedido do governador
fosse desfavorsvel a irmandade , o governo poderia ter de enfrentar reunioes
de negros , pedindo justica, e ninguem sabe onde isso poderia dar. Favorecer
aos membros do Rosario significaria traze -lc,s para mais perto do olhar vigi-
lante das autoridades.12
Era de se esperar que o trato dos brancos corn os membros das ir-
mandade de cor fosse permeado por muit .cs conflitos , tanto no periodo co-
lonial como imperial . Afinal, o controle social era uma razao fundamental
para a tolerancia dessas instituicoes e, se tanto o poder eclesisstico como o
poder civil intervirarn muitas vezes nos assuntos da irmandade do Rosario,
foi para corrigir desvios dos negros para melhor controls-los. Nesta batalha,
os padres foram soldados de linha de frerrte e, portanto , mais suscetiveis
de entrarem em choque direto com os irmaos.
Naquele mundo, controlados pelos brancos, os rnenrbros do Rosario
tentavam burlar os olhares vigilantes dos padres. Com desinibicao , os mesa-
rios da innandade fregiientemente recorriam a intervencao do poder temporal,
e outras vezes ao bispo ou arcebispo local. Talvez o caso da disputa pela
capela, em 1718, tivesse sido o primeiro sinal inrportante de que os negros
nao iriam aceitar qualquer tipo de injustica. E isso se confirmaria, corno ve-
remos mais adiante. Apesar de socialmente fracos, os negros da irmandade
souberam fazer politics, procurrndo apoio, proteyao, intemrediacao ou exigindo
justica dos poderes constituido do governador.
Diante de qualquer ameaca a confraria, a Mesa logo acionava seas
procuradores para defende-la. A via utilizada para lutar e garantir os direitos
dos imi ios negros era, alem da peticao as altar autoridades, a via juridica.
A rnaioria das causas que envolvia a Inuandade era defendida por urn Pro-
curador Genal. O c'.irupromisso de 1820 estabelecia que fill cargo fosse ocu-
r
43
pado por um irmao , revezando-se os da serie Angola com os da serie dos
Crioulos. Assim rezava o estatuto:
"Haver'a na Mesa hum Procurador Geral pessoa agil e diligente que ja tenha servido o Cargo de Juiz [...] a este tera a Mesa todo respeito; hum anno sera da serie dos Angolas, outroda serie dos Crioulos [...] tomar'a conhecimentode todas as determinacdes da Mesa que no fora bem da Irmandade para se oppor e protestar [...]13
Atraves desses procuradores, os negcos do Rosario reclarnaram seus
direitos diante de autoridades civis e eclesidsticas, pelo simples fato de nao
adrnitirern que a palavra do padre, por exernplo, fosse considerada como a
ultima nos assuntos da confraria. Quase sempre, quando um novo compro-
misso estava para ser aprovado, esses conflitos afloravam. Foi o que aconte-
ceu no processo de aprovacao do compromisso de 1820. Pela docurmentacao
consultada, percebe-se o ernpenho da confrVia em aprova-lo na forma origi-
nalmente concebida. Ern 1810, o entao procurador da confraria, Vicente Porfi-
rio Soares, se encontrava na Corte do Rio de Janeiro, demandando junto a
Real Magestade a confinnaGao do compromisso. A partir dessa data, os
conflitos entre o vigario colado do Passo, Vicente Ferreira de Oliveira, e a
irnandade do Rosario, gartliariain folego no Tribunal da Mesa de Conscien-
cia e Ordens. Aparentemente, a contenda continuou no ano de 1821, quando,
rrtesrno apes aprovado o estattito, o procura:or dessa epoca, Jose Vicente de
Santana, pedia o acrescimo de rnais tres capitulos. Se conseguiu, no fica-
rnos sabendo. Entretanto, o episodio demos!.ra a desarmonia existente entre
lei,gos e clerigos, trazendo a tona a luta dos inmaos negros contra o precon-
ceito e a arrogancia do vigario."
1,_111 I. I „N,;sn, d:,: InnandadP de N N:n, 11'31 itJ2 F 1!] : ,;, ^^ k z C It k!-I! .c 1 11, 1
1-! , . :1- :i= .'l 'it i^^1. i. :''.1
44
Na documentarao consultada , encontrani-se as queixas dos irmaos con-
tra o vigario , acusado de querer interferir , indevidarnente, em assuntos da
confraria, se opondo a aprovagao do compromisso , alem de cobrar de forma
exorbitante os servicos prestados , tirando excessiva vantagem financeira. As-
sim, pronunciava-se por exemplo Jose Vicente escrevendo do Rio de Janeiro:
"que elle recebe primeiro os direitos de sua fabrica e por tanto encomenda
os defuntos em sua Casa antes que venhao a ser entetrados nesta Irmanda-
de." Por outro lado, o padre Vicente Ferreira de Oliveira se opunha ao esta-
tuto por este ser "muito ofensivo e destruti'vo dos Direitos Paroquiais," con-
siderando-se tambem espoliado pela irmandade. 0 que podemos deduzir, e
veremos adiante, a haver um conflito de interesses nao apenas espiritual, mas
sobretudo material entre a innandade e o vig6rio.15
Agressoes, xingamentos constam das ca-tas enviadas pelo procurador, do
Rio de Janeiro, aos mesarios da irmandade do Rosario, em Salvador. Quase
sempre o padre era definido como servical do Diabo, que infernizava os
devotos do Rosario, sendo urn espirito maligno. 0 mal aqui estaria sendo
servido pelo mensageiro de Deus. Assim ele escreveu. "...faro guerra ataco
o inimigo e temorizo-o e gritando viva a mae de Deus do Rosario estou
corn a fe, esperanra de levantar estandarle da vitoria contra o inimigo infer-
nal a que protesto vencer com as proteriies tao Diving..." Estava declarada
a ",g uerra." Alias esse e um terrno rnuito :rtilizado pelo procurador, quando
fazia referencia ao desenrolar dos acontecimentos. Talvez, Canto o vigario
quanto o defensor da innandade realrnente pensassem que se tratava de uma
luta em que so haveria um vencedor. lb
Resta-nos saber de forn-ia rnais detall'ada as desavenras entre as par-
tes. Segundo relata Jose Vicente. o vigarie pertubava a paz da confraria,
Iu', -- uradc,r g11ieizava-ue d" l , g' arlc, sc apropnrtr do dilLtiieiro is f5l,rlca, urn fw3o de resrlVa
^;r)a I c,ssuSr,. din!lairn t5!:jktui dt vf,na SCr' rel^.:Ss"I, ln l,ar3 a ITi1r11n-la,JeCr P114 S I-'-
, ,,1^ 1 5'"vl;:l- dc, }-_ic. Y do n^c,st^, -3F ] "1 I-Qess de ^^_,;i<^e iFn is
1, jIc'ii d' 1^.
it ^.i it }'. ...'c':'I •l„I'(!I'. .21? v-, d! '..1}.,)
45
alem de "ambicionar lucrar so bens temporaes e nao espirituais ...". 0 procu-
rador acusava , portanto , que o padre apenF .s se interessava em ganhar di-
nheiro . Talvez houvesse exagero nas declararoes , todavia o que valia era
tentar denunciar a Coroa o mau funcionario espiritual , que teria um carater
mesquinho e ganancioso . Evidentemente o vagario precisava de dinheiro para
seu sustento , e se prestava servigo a irmandade deveria receber por isso. Na
verdade , o que parecia estar em jogo era uma medirao de forcas entre os
dois contendores . A irmandade tentava limitar as funcoes paroquiais e o vi-
gario impor suas vontades.17
0 que teria o novo compromisso para desagradar e enfurecer o paroco
a ponto deste ser tao veementemente contrario a sua aprovarao? Quaffs os
fatos que teriam tirado o sossego e a pay : dos irrriaos e do seu paroco?
Alguns capitulos propostos pelos irmaos nao foram aceitos pelo paroco por-
que, segundo este , violavam o que determinava o Direito Eclesiastico. Tres
questoes fundamentais desencadearam o conflito entre vigario e inmandade: a
primeira delas dizia respeito ao sepultamer to de irmaos , a segunda ao fato
de ser on nao a capela do Rosario filial da igreja do Passo e , por ultimo,
temos a polemica em torno dos cargos de tesoureiro e escrivao serem
exercidos por negros.'8
O vigirio, Vicente Ferreira de Oliveira, seria urea pessoa detesta-
vel,"mesquinha" e "interesseira", de acordo com o relato do procurador Jose
Vicente. No Rio de Janeiro, tentando fazer valer os direitos da itmandade,
este atacava o outro diretamente , propondo a limitay o das func6es paroqui-
ais. Pelo desejo do representante do Rosario, o dito vigario nao seria "pago
1 14 OR Con•espond eru_ias ( Car-t 8 6,.as do Rio ), 25 de rnaro do I Cr-1 2G, duc.U^-b; ;; ubre oscanllitos referentes a falta de pagan i ento ver Tenrios de Resolu;€,o, cr.. 03.1e A partir das c amas do procurador Jose Vicente de Santa Aria, que se encontram no arquivo dainnarndade do Rosario, corne;ei a buscar o que teria motivado de fato a contenda . Infelinnente adculul,enta;eo encolitrada na ioeja do Rosario sobre o episodic' apresentava lacunas, alpunas inclusi
p< la u;•'io du trrnpo Ihestava tcritar obtr•r iufonrr<,.,es rlo Pr-111ivo Ni(ic,nal , t-articu-lanul;l?r. atr,lves do 1'11ndr, ,le 1A ca de Ccn, scii-ncia e ()rdrns c dc, Descrnbw-gu do }'af,, Ysprcifi-
!!I1S'II't I,<I d ' 111era de v11SrI<91Clit e '_ lrdens l(„al! :off duffs rrla-C, ^ reCllead<'r 'le
111 .,:7a, 'Pt 1,1-'lrsol,re fro,I! Erscc d. U:.,P11:C, £ ,.;r 1-1 'l:A,-;1:11 a (LiL-I:.l:L-(' Q''jr
''c-1£ 11e11 a!ii:rt -!1!.E li•'.fl C,f :Ir ^„-i,c t u :=c-'.., l"i'a;•Ii.
46
por defuntos que sejao de Freguezia estranha por elle encomendados Para
irmandade ." Isto porque o defunto ja teria de pagar aos parocos da sua fre-
guesia de origeni, o que era de acordo coin as Constituiroes Primeiras do
Arcebispado , que regia estes assuntos . Sobrt a encomendadao dos defuntos
de freguesias estranhas , rezava a Constituigao : "E, falecendo algua pessoa
fora de sua Freguesia , se dara recado ao Paroco daquella, onde o defunto
falecer e ira encomendar per si, ou por outrem." No ha portanto restricao
ao fato de o paroco encomendar os corpos que nao fossem de sua fregue-
sia, mas tambem nao esclarece e nem determina o pagamento destes pelo
servico.19
Por outro lado, o vigario explicou ao Tribunal que sempre fora do
costume "encomendar Para si ou seus Coadjuntores todos os corpos, que
vem de outra qualquer Freguesia inda ja encomendados pelo seo competente
Paroco a interessar-se as suas Freguezias Filiais, e receberem o emolu-
mento perrnitido pela Constituicao ... so o su plicante se acha espoliado deste
Direito, sem que os Suplicados apresentem titulo algurn legitimo, que o ex-
clua, nao querendo eles que o Suplicante encomende os cadaveres, nem que
exija o seu respectivo benez, a so sim que o seu capelao assista a seme-
lhantes funcoes funebres." Talvez fosse costume na freguesia do Passo ga-
iihar pelo sepultainento de irmaos de outros lugares. Os parocos de diversas
freguesias poderiam perfeitainente entrar em acordo e ambos receberem seus
emolumentos. Ate porque, como id foi mencionado, as ConstituirOes nao
proibiam explicitannente tal pratica.cO
Afimiava ainda o vigario "que os Irn-Aos do Rosario nenhumas outras
causas alegao para tzencao, senao a de serem pobres, e a de terem hum
Capelao," mas tal alegacao nao teria fundamento pelo fato de se tratar de
LJ) S R. Corresi or,deiirias 1 Ca-tas (j() 02 de ju,-L1,o de IS 16, cx..20, doc.02-c \Ter "ebastido
1"1.'iitciro da vide, .1'o l1 t1L 4'3c5 Jnmc1 raS do ArccL! T11 at Dos Fr1tCrraniCIItos, FXrgiiias e
0 ffra^ios -.1os Defurit^^s ^'rnnn ^, dcfurite^s l^',o de ser erco'oendados Z'elo seu I'aroco antes que
i1 'c,llrtii. d,s I
47
uma irmandade composta "de homens pretos, forros , calgados, ricos ." Eviden-
temente que denominar a irmandade de rica e listar apenas as forros como
irmaos da confraria era inverdade era mais um exagero do paroco, ja que
existem documentos da epoca que comprovam a presenga de escravos no
Rosario . Mas valia tudo para obrigar os irmaos a reconhecerem o direito
paroquial . Resta saber o por que da aparente insubmissao desses negros.21
Em Fevereiro de 1816, a irmandade gq.ieixava-se ao Tribunal da Mesa
de Consciencia e Ordens contra o fato de o vigario querer destruir o cos-
tume dos irmaos de dispensar o paroco das celebragoes f inebres. Afinnavam
os rnesarios que "ha 62 anos se ve permitido aos Suplicantes puderem fa-
zer Codas e quaisquer fungoes eclesiasticas , que nao forem merainente paro-
quiais, que quizerem fazer na dita Capela; [ ...] pella Carta Regia de S. Ma-
gestade o Senhor Rey se mostra confirmar o acordo na Relagao da Bahia."
A causa dos negros estaria apoiada em uma decisao do proprio govemo
favoravel a irmandade, mas que os parocos pareciam ou preferiam ignorar.
Os irnAos apostavam na vitoria e acertaram. No compromisso de
1820, no capitulo "do enterramento e missal dos irrnaos falecidos,"o paroco
no era o responsavel pela realizagao das cerimonias funebres. A innandade
convocaria "o Capellao,ou outro qualquer Sacerdote a seo rogo." 0 costume
utilizado no seculo X%1M de dispensar o paroco dessas celebragoes parece
que continuava a vigorar para o seculo seguinte, legalmente respaldado pelo
Tribunal."
Outro fator responsavel pela querela centre o vigario e seus confrades
renronta ao seculo X'VIIl, quando os inn5os do Rosario tiveram praticarnente
toniada sua igreja pela paroquia do Passo. A relagio entre esta paroquia e
a capela da irmandade negra sempre fora dificil. 0 vigario da freguesia do
.N l,".esa de Causc,tr,%,a e rde?,_, 19 de iurlric d( 1001 1 , cr 20 , pc 03, doc.50, sobre a presen, ado scravvcs na irmaudade vet' P.11^ :.h: Livro de E?,trada Je rr?naos ( 1722-1806
,, ll 1„esa de sci"nr is e .`rder,c, 0'7 de fevereiro de 1 I r9. 2$ . pc 0"3, doc 50, 'er 1a?r,bc•rnIjtadd do de i f^l ^ . _Y. 2 ^'^ } . ^ r . _ , d;, t r ., d1 1 5,
48
Passo, na qual estava localizada a igreja de N.S. do Rosario, queria trazer os
negros sob sua vigilancia e subordinacao. Os confrades denunciavarn:
"Que o padre Vicente Ferreira de Oliveira,querendo privar os Suplicantes de longissunae antiquissima posse em que se acham, posseconfessada por elle mesmo , que agora por hummeio extiaordinario , e fora das regras geraes deDireito, glrer destnrir , ou fazer vacilante [...] 0 caso he que os Supplicantes responderdo a aquellerequerimento , corn documentos competentes quetudo se acha affecto a. Real Meza da Consciencia a Ordens pars ser deferido com justica." 23
Acenando com um principio de senioridade, a irmandade do Rosario
nao aceitava determinacoes da paroquia do Passo por considerar que esta
fora criada muito depois "de erecta a Cape"ila dos Suplicantes." Considerava
ainda que a capela nao era filial do Passe e que os negros seriarn seus
legitimos senhores da capela. A resolucao de no aceitar subordinacao a
uma Matriz paroquial aborreceu e preocupou o vigario. Se o Direito Eclesi-
astico deterlninasse que a capela do Rosario estava sob jurisdigdo do Pas-
so, os confrades deveriam obedecer. Neste item ganliou o padre, pois no
l)edido para aprovacao do compronusso 1820, os inn<ros afirrnarn que a
capela dos negros continuava sendo filial da mat.riz do Passo.``'
Outra frente de luta dizia respeito a tentativa dos irinaos pretos de
aiastar da mesa os brancos que ocupavarn cargos. Esta foi ulna das ques-
t6es tratadas quando da aprovacao do estati. to de 1820. 0 estatuto anterior,
datado de 1781, estabelecia que os cargos de tesoureiro e escrivao fossem
ocupados por brancos, mas os negi-os tentaram mudar isso no novo corn-
pronrisso. Eles exigiranr que tail cargos fossein ocupados por negros. Essa
atitude desagradou mais uma vez ao paroco do Passo, que em 1814 achava
f. l l 1"1t r"I plc 11.1 y h ( r`_ .X30, c fl
Y. I. (,_ , ,IT'r;;;- ,I I ,l: II 1.3
t;: a lE. gar i i[ i,, ,^11' j( 11 . .' _Y -,,h ,ti 1. - .
49
a atitude dos negros audaz uma vez que "foi determinado por V.A, fossem
sempre Escrivans e Thesoureiros homens brancos ." Considerava ainda absur-
do a decisao do Juiz de Capelas , Luiz Antonio Barbosa d ' Oliveira, "que nao
so mandou por seu despacho , e contra o Compromisso fossem Escrivans e
Thesoureiros homens pretos ."ZS Isso quer dizer que os pretos do Rosario ja
haviam na pratica, e com aprovacao de autoridade competente , passado a
ocupar os cargos antes exclusivos de brancos.
A contends sobre ser ou nao os pretos tesoureiros e escrivaes era
antiga . Desde 1812 o entao Juiz de Capelas , Jose Botto Machado, que em
1814 exercia a funcao de Desembargador da Bahia , fora favoravel ao pedido
dos irmaos , mas parece que a autoridade eclesiastica se intrometera contra a
resolucao . Nao se dando por vencidos, os confrades em 1815 denunciaram
serem vitimas de racismo : "Os homens brar.cos que costumavao servir estes
empregos, tratavao com total desprezo os outros Mezarios pretos, ja em ra-
zao das cores, ja por se considerarem mais inteligentes, e terem ern seu po-
der, ern razao dos empregos de Escivao e Thesoureiro todo o fundo e pre-
ciozo da Irmandade, nos Li\7os e Archivo como Escrivam e os dinheiros e
Cabedais como Thesoureiro. 0 resto dos Mezarios era tratado como escorea
vil, que nada intluia na substancia do governo e Administracao." Acrescenta-
varn tatnbern que o simples fato de o compromisso de 1781 determinar que
fossem brancos escrivaes e tesoureiros, no era Para aqueles desprezarem
os negros, mas sim "para os ajudarem no irabalho, e como mais inteligentes
escreverem os Livros, e fazerem as contas dos dinheiros que recebiao[...]
isto porque naquelle tempo em que principiou a Irmandade, se fez o Com-
l)romisso, haviao poucos pretos que soubessem ler, escrever e contar." Acu-
savarn tambern os brancos de exercerem absoluto despotismo, prevarica^ao, e
usurpa^ao dos dinheiros da confraria.21
do Ski
50
A participagao dos brancos nos cargos das irmandades de cor era uma
pratica comum . Segundo Joao Reis, os pretos aceitavam por varias razoes:
"para cuidar dos livros , por nao terem instrurao para escrever e contar, ou
ainda por imposigao pura e simples ." No caso da irmandade do Rosario, da
vila de Maragogipe , no Reconcavo , os corifrades em 1820 aceitavam que
pessoas de qualquer cor "poderiam servir como juizes ou juiza ," porque a
maioria dos devotos eram pretos e pobres a no podiam suprir a irmanda-
de. Havia ressalva para o escrivao da mesa que , "sera branco ou pardo; por
no haver na dita povoagao pretos , que saiba ler, e contar..." No caso dos
negros do Rosario das Portas do Carmo, estls nao aceitaram os brancos nos
principais cargos. Igual atitude tomou os jejes e benguelas do Rosario da
Rua do Joao Pereira. Em 1784 , tentaram "de:mover os brancos dos cargos de
tesoureiro e escrivao ." A presenga dos brancos gerava tensoes e intrangiiili-
dade em algumas associagoes negras.77
Os confrades do Rosario levaram a contenda ao Tribunal e acreditaram
que as autoridades favoreceriam a irmandade. E em carta de 1816, o procu-
rador anunciava aos irmaos baianos vitoria neste ponto: os cargos de tesou-
reiro e escrivao seriam ocupados por negros. Se riao conseguiram afastar o
vigario da vida da irmandade, pelo menos afastaram os brancos de seus
principais cargos. Certamente o resultado fav oravel deveu-se a capacidade de
augumentagao do procurador, mas nao se de.ve esquecer que, provavelmente,
a atitude das autoridades estava tambem relacionada a conjuntura da epoca:
as revoltas escravas. Favorecer aos negros, nesse momento, era mais seguro
para a sociedade. Sena melhor dar-Ihes canals "legitimos" e pacificos de
associagao e expressao, que os mantivessevir aflastados de ideias de rebel-
dia. 28
" c' prom:sso de 1: do Roderic dos pretos de Sc'dF'atolonieu da vila de Maragc'gipe" apudht n:, I:'ilerrn^as e ct^-ias 1pp S'-l0.
' 1 ] d S F . C Tij Ctt<l<tt<tr:' ( Ca! do }'.to •, 25 dr iU?L}to de 1 19, ry 20 do C'2-b, AN ],9rsa dt•r I "rlrtt:, ,_ }r +ti;:i^^ de 1 `^1 ^, 2 i df rctctt:brc^ dE" l t'] ^, cY -5F (•' C?. F:ci,, F f^i ltc
51
Mas restavam outras divergencias entre vigario e irmandade. 0 procurador
denunciou a intromissao do paroco nas eleicoes dos mesarios . Pela vontade
dos confrades questoes administrativas nao fariam parte das funcaes paro-
quiais . Por outro lado, o vig&io do Passo cbnsiderava " essa corporacao insu-
bordinada," par nao fazer anualmente "eleicao de oficiais novos como he
obrigada a fazer." Porem, essa insubmissao acontecia por estarem os negros,
segundo o paroco branco, apoiados por pessoas do proprio governo. 29
As cartas escritas pelo procurador revelam que ele acreditava nao
estar sozinho na "batalha." Contava com o apoio "de Deus e o Fidalgo que
esta protegendo agora a causa com o seu interesse_" Desconheco como o
procurador teve acesso a esse Fidalgo, e qual o interesse dele em promover
os interesses da irmandade negra. Talvez fosse um blefe do representante do
Rosario. Na correspondencia de 13 de outubro de 1815, relataria aos mesari-
os da confraria o seu otimismo em relarao a vitoria no Tribunal, principal-
mente depois do apoio dado pelo misterioso Fidalgo. Alern de Deus e do
fidalgo, Jose Vicente cit.ava o nome de Sebastiao da Rocha Soares, alguem
que the emprestava dinheiro para dar andamento a causa. Sobre Soares, sei
apenas que enviou de Salvador a quantia de 60$r. para Jose Vicente, entre-
gue pelo seu correspondente, Sr. Jose Gomes Pepe Correia, no Rio de Ja-
neiro. Ele talvez fosse apenas internlediario do dinheiro da associarao, quem
Babe algum comerciante de Salvador corn correspondente no Rio de Janeiro
que por algum rnotivo patrocinava de certo modo a causa dos irmaos. 30
A correspondencia escrita pot Jose Vicente sugere que ele se conside-
rava negociador habil, em quern os irnraos deviarn confiar. Ele se vangloria-
va de "que tern sabido desempenhar os viveres da amizade para os por
livre de hum jugo pezadissirno do vigario." Aqui, de novo o procurador
`^^^. =Y. !1i,r :,^^-E,1
52
insinuava ser bem relacionado com pessoas que poderiam ajuda-lo no Tri-
bunal, provavelmente referindo -se ao tal fidalgo. 31
0 procurador se dizia "politico sincero e fiel." Fidelidade que tinha
sua dimensao religiosa, demonstrada at-raves de uma linguagern de militancia
mistica, quase de guerra santa . 0 procurador preferia estar "mil vezes morto
e no inferno do que por omissao minha triunfar o Diabo" sobre a irmanda-
de. Esta combatia um vigario do Demonio, no de Deus. E para evitar a
derrota era necessario recorrer a autoridades mais perto do monarca e de
Deus, como no caso do Infante D. Sebastiao, tido como protetor da causa do
Rosario, a quern Jose Vicente charna de "amo e senhor." Tudo indica que o
Infante era neto de D.Joao VI, rnas nessa epoca, ele era apenas urea crianca.
Escolhe-lo como protetor da causa do Rosario significou aproximacao com o
poder real a fim de garantir parecer favoravel a irmandade. A sagacidade do
procurador e demonstrada atraves do bajulamento deste para com a autori-
dade. Sua gratidao aquele "senhor" era tamanha que Jose Vicente encomenda
"ao melhor professor desta cidade hurna Irnagem de Sao Sebastiao, corn toda
perfeicao com resplendor de ouro, cuja briagem a pedi de pedra Jaspe," para
presentee-lo. 3` Os irmaos podiarn ser pobres, mas nao econornizavam na hora
de participar corn dignidade da economia da troca de favorer, da logica de
reciprocidade tao Cara ao clientelisrno.
A devocao e gratidao de Jose Vicente tinharn como objetivo influenci-
ar o Tribunal, para contrabalancar a influencia do vigario. Assim se pronun-
ciava, em agosto de 1815, a respeito do Tribunal: "elles olhao so para o
que dizern dela [ a innandade ] o vigario, e :i v.m. nada tern para darern este
he o motivo de quern i.em custado o querzrem dar raz_ao a Innandade." Se
o vigario procurava ter influencia nas decisdes dos senhores do Tribunal, o
proeurador se respaidava corn a figura do Infante, pois sabia que "o perigo
x=.114 3 ] (f c,n7 (ar^{I'k I 1 s ( Carta:; do I':ic, ), 2_ de iev ercim de I 1 C, i_x.20, duc02-b/.] I] F. Cc,n s}'inldi•Iv. ],-IF i_'a'i is do F.ic,22 de fcverc irt., de I 16. ex 20, doc 02-b; a rest-eit o
• f . ; I , if i t , 1 1 r ' .. . ' . r . { ' s . . . : ( . , I,u) l ' : I I I v vi! :.(2111 i,._ ( Fir I r•1-r-rc 14'fi.'!*1r ""12S pC!cz i( !l•:!
! j . r: . .'a[ F_IC` lf1'Ir 1rC', ',rile, •^1dlt, rrd(, 1 _ _ ^1 ] . }'}` ?ti _ . .
53
era evidente ," a nada melhor do que ter um "medianeiro a intercessor de
S.M, para felicidade desta Innandade."33
Quando era epoca de aprovacao dos compromissos das in -nandades,
principalmente das confrarias negras , frequentemente as autoridades religiosas
advertiam as autoridades portuguesas do perigo de aprova-los sem cuidadoso
escrutinio . Isso ficou evidente quando , em 1765, a confraria negra do Senhor
Born Jesus dos Martirios da Bahia enviou seu compromisso para Lisboa, e
as autoridades civis a religiosas locals advertiram que os negros jejes a ela
associados eram pagaos a deveria ser subrnetidos "a disciplina do bispo."A
historiadora Patricia Mulvey a -firma que , apesar das restri^6es das antorida-
des colonials , "a maloria dos compromissos foi aprovada pela Mesa de
Consciencia e Ordem em Lisboa, que tendia a ser mais tolerante que as
autoridades brasileiras com os estatutos das innandades negras."34
A Mesa de Consciencia e Ordem t;ra um orgao vital do padroado,
criado para "melhor adrninistracao politica a religiosa das colonias ." Era uma
especie de tribunal, composto por urn presidente e cinco juizes, escolhidos
entre clerigos e leigos, que "podiam conhecer e julgar, como delegados da Se
Apostolica, quaisquer processos de cunho eclesiastico ou civil que envolves-
sem religiosas." A Mesa aconselhava ao Rei sobre capela, hospitais, ordens
religiosas, paroquias etc.35 Foi esse o Tribunal que Jose tiicente enfrentou,
em nome da irmandade do Rosario. A Mesa viera para o Brasil junto com
a familia e a Corte real portuguesa.
En>. julho de 1817, uma provisao regia daria por encen-ada a contenda
entre vigario e irmandade, com parecer favorecendo o paroco. Mas este con-
Iinuava queixando-se da desobediencia dos lrnaos, "dita Irmandade sempre
se tem mostrado orgulhosa, e nao querendo nunca consentir, nem dar-se por
,i,l,r+. .., ^ IL` i,ur Io !1'ur_urad„r CC,L1ti i o 'rril^uu^,1 vrr (mac rfa ^,,L^li'L`^li'iF, 17 C3r n^:^,sto d^ 1 s^] S,do,_ O2-t', sobre i; :iel^:^sltno i^'r,r7es{^^udencias, 04 de al^'•iI de 1^IC, cx 20,doc (u2-l,
'+4 ^ Its .^ .,^.^' ,r{r, rr i 441•v.l.., ._iCl'C' i-. ^..C"'tf .71 t. C'S .. ^ }' +
."1'.. _ ...... !'i ;: .1 4S,'r ... }^ i'" . vel t,Llilgill l':. _:1 t .^i ^C'; ^'I ,iris i. `, .'7:1 . .1 ^;,^'j'•• ^i_. ), f".l(^
54
satisfeita com as Regias Determinagoes de V. Mag." E realmente, apesar de
aprovado em 1820 , a briga persistia no Tribunal da Mesa de Consciencia e
Ordens. Em agosto de 1821 , o procurador Jose Vicente de Santa Anna pedi-
ria as autondades acrescimo de tres capitulos ao estatuto e, mais uma vez,
o paroco seria contrario ao pedido, A documentagao nao esclarece o conte-
udo desses capitulos. Possivelmente nao conseguiu ter seu pedido aceito,
porque nao foi encontrado nenhum documento que o comprovasse. Mas o
episodio demonstra mais uma vez a insistencia dos membros do Rosario em
verem garantidos seus direitos , ou o que acreditavam serem esses direitos.36
0 texto final do compromisso de 1820 determinava, no capitulo 5,
"Da disposigao e factura da Eleigao," que o paroco deveria presidir as elei.-
goes juntamente com os juizes. Deveria tambem rezar as novenas na irman-
dade. Poderia se identificar nessa determinagao uma confrrmagao da autori-
dade do Sacerdote. Contudo, a importancia do sacerdote parecia diminuida
pelos negros do Rosario. Os irmaos deveriam comunicar ao vigario apenas
oito dias antes da eleigao, "quando a Mesa achasse preciso sua presenga."
Os mesarios evitavam o envolvimento do vigario em assuntos da confraria,
limitando ao maximo sua participagao. Se no conseguiram afasta-lo total-
inente do cotidiano da associagao, pelo me,nos sb o convocariant na ultima
horn. No capitulo 20, "Das Missas da lrmandade," existe uma pequena refe-
renda ao papel do vigario, atribuindo-lhe apenas a fungao de celebrar as
"Missas das Quintas feiras," ressaltando que o sacerdote deveria se encon-
trar na hora detenninada pela irmandade para que nao oconresse nenhum
contra tempo. Assim dizia o estatuto: "os lnnaos Procuradores terao todo o
cuidado de saber as horas em que o Reverendo Vig^'trio se ha de achar
Para a ditta Missa a fim de que nao haja pertubargao nem demora."7
t iJ 1^4 i : dr Ccu^s^ iF n^ ie r i_r^leiis, 1 c de outut^rn dr ] bl , cx. 26B, J,c.O2 uZ de n^^^^s?o de 1 S21 ,
^-f
55
Este episodio terminou com a imposic ;ao e controle da igreja catolica
sobre seus freis, particularmente freis negros que, em hipotese alguma deve-
riam desviar dos padroes estabelecidos . Mas, ainda que nao houvesse desfe-
cho favoravel aos confrades do Rosario , com desenvoltura, eles souberam
marcar e impor sua presenca no mundo dos brancos, na igreja , no tribunal e
na corte.
Capelaes X irmaos
Desentendimentos entre padres e irmaos continuariam acontecendo no
decorrer do seculo .XIX. Os, motivos mats frequentes dessas desavencas seri-
am as queixas do clero em relarao ao pagamento de seus ordenados. Em
agosto de 1827, o entao capelao da irmandade, Pe. Faustino da Costa Gomes,
reclamou aos mesarios sobre o atraso do pagamento desde "a riltima de se-
ternbro do proximo passado anno... e rogo a prompta providencia da minha
juslissima reprezent.arao." 0 capelao acusaria o tesoureiro, "que de nenhum
rnodo me tern querido pagar."?g
Mas o padre Faustino continuou servindo a irmandade durante longos
anon. Em 1847, etc pediria. a. Mesa do Rosario urn aumento do seu ordena-
do. A fine de justificar seu pedido, argumentou: "hum Capella, que a 31
annos sere com a possivel pontualidade, merece toda atencao, mormente
quando nada ate o prezente tem alem do s,eu ordenado, a esterilidade dos
100$000 refs [ anuais J. que percebe." Segundo o padre tal quantia era insig-
rrifrcante diante de seas obriga^oes, been como das esmolas doadas por ele
a Irrnandade. Alern disco, o religioso qucixava-se do no pag;unento para
acompanhar enterros e encon ►endar deluntos. Parece que os membros do Ro-
sario tratavaln os capelaes como seas empregados, que realrnente eram assa-
lariados da irmandade. Alegando zelo corn a:, coisas da Irnn;u-idade, o capelao
56
dizia tambem cuidar "do aceio de tudo quarto pertence ao Altar." Por tudo
que fora exposto, afrrmava :
"que no ht', exorbitante a quantia de 400$000 reis[ que ] exijo para pagamento a gratificag5o de Cape-llgo com o onus, a que me sujeito e por isso confioque esta Meza de novo esclarecida a respeito do destino de semelhante quantia conceders a minha pretenc5o para que de huma vez se convenga, de que emmim no existe o sdrdido interesse do lucro; mas antes muito amor e dedicac o a esta Caza."39
0 padre usava de bons argumentos e i;e defendia antes que o acusas-
sem de estar interessado ern bens tempora. s. A causa dessa exposit 1o de
rnotivos foi o fato de os mesarios terern oferecido apenas a rernuneraciio de
280$000 reis. Certamente seu pedido nao foi atendido, porque as reclama-
coes continuararn a acontecer. Dois anos depois, o padre solicitou a innan-
dade uma gratifrcacao "visto ser muito diminuto o seu ordenado."40
A pobreza dos padres podera explicar em parte os constantes pedidos
de aurnento, de gr-atificag6es, been Como o cobrarem pela celebracao de bati-
zados, casamentos e enterros entre outros servicos. Julita Scarano afrrma que
os padres, assim corno os militares eratn "mal pagos, inais sobrecalregados
de trabalho, os que mais se queixavam e, por outro lado, os que mais
suscitavarn reclarnacoes da parte dos moradores."41
A cobranca pela destribuicao dos sacramentos seria uma forma de ga-
rantir a vida doles aqui na t.erra. Acusados inuitas vezes de cobrarem preros
exorbitantes por tais servigos, constanternen.e os padres cram chamnados a
atencao pelas irrnandades. Foi o que ocon-eu ern 23 de juiho de 1866,
quando os inrraos do Rosh io, reunidos ens "acto de Meza cornpleta," exami-
naram uma queixa do juiz da confraria, Roberto Jose Correa, contra o padre
Capelao Joao da Cruz de Jesus. A queixa foi sustentada por documentos
de ^_u a to de ]h-1', cr. 2 1, dt,c
,'i 1 ;n u:.. .. l . .
57
"devidamente comprovados," demonstrando que o dito capelao nao era digno
de servir a irmandade . Depois de analisada a docurnentaca.o, a Mesa suspen-
deu "qualquer contrato que com o referido padre tenha havido; ficando derni-
t.ido desde a datta o presente termo." A causa dessa briga foi o mau pro-
cedimento do padre. 0 capelao ofendera a i.rmandade, nao apenas verbalmen-
te, mas escrevendo ao tesoureiro Joao Luiz das Virgens um bilhete dos mais
"insollente que se pode escrever a hum homem." A mesa acusou -o de nao
querer "passar recibos ao nosso irmao dos dinheiros que recebe." Questiona-
do sobre isso, o capelao Joao da Cruz resp onderia:
"He ulna desordein quando temos necessidade lidarcom pessoas ie ctuta intelligencia !!! Pessoa de rna fee costumes julga sempre os de minha parte . Eu felismento trato neg6cio com pessoas de que me abonlo, e tithehoje sou garantido por muitos athe desconhecidos. Desgracada Capella!!! Posso eu esperar dois e trez mesessem recebet ' c por vinte e quatro horas no pode esperar? A conta cstfi por mun assignada he quanto bastase quizer , no mande por que felismente tenho hoje 50SHis e quando me faltasse tenho [ por j amigos pessoaslavradas, n1o he pedi emprestado , sei o que he meo,por isso ctmnpro fieltnente tnitiltas obrigacoes."42
!vez servir a utna irmnandade de negros, composta por pessoas de
potuc(V ()sses, nao agradasse no reverendo Joao da Cmz . 0 padre realrnente
fez urn jogo de classe na sua ctuta , ao falar de sua boa relacao corn genie
de dinheiro. Os rnesarios do Rosario, por sua vez , sentirarn -se ofendidos ern
sua dignidade e o demitiram . Assim se pronunciou o juiz Roberto Jose Cor-
rea: "diz clue no preciza d'aqui ser Capellao, que tern contos de reis na
Caixa. Ens vista do exposto gesso a V.Sr,. providencia deseziva a fn] de
que into nao continue d'esta forma, e parece-nre clue d'escle o prirneiro atlre
o ultimo lrniao deve se recentir deste procedintento."`''
58
Apos esse episodio, parece que a frscalizagao dos mesarios sobre o
capelao se tornou mais efetiva. Quando da :;ua contratagao, os innaos faziam
questao de tomar bern claro quais as sua obrigagoes. Alem de citar o capi-
tulo do compromisso referente as missas que ele teria de celebrar, a mesa
esclarecia sobre seu ordenado, para que ndo pairassem duvidas a respeito,
talvez corn receio de evitar reclamagao de algum padre mais chegado as
coisas materiais . Assim, a irmandade do Rosario reuniu- se, em setembro de
1866, a fim de determinar as fungoes do i:)adre frei Joao do Coragao de
Jesus: "celebrar missas aos domingos pelas sete horas da manha, a dias
santos...encomendar os corpos dos in-ndos que falecendo vierem a capella,
assim corno as missas de quintas feiras." Sobre o salario, o padre receberia
"a quantia de tresentos mil reis annualmente, por pagamento de trirnestre." E
se o padre ficasse doente teria a obrigagac, de mandar "outro sacerdote em
seu lugar." No entanto, a Mesa reconhecia o dever de pagan o ordenado do
"Padre Capellao, no dia de seas vencimentos, e para isto reservara os pri-
rnciros dinheiros que receber."44
Nem sempre os ministros de Deus cumprirarn fielmente as fungoes
eclesiasticas, a nem os mesa--,s foram to assidut-s com o salario dos pa-
dres. Por isso, os contlitos c'.intinuariatn por todo o periodo imperial. Ora
por razbes financeiras, ora reagindo a intrornissao do poder eclesiastico nos
assuntos da irmandade. Assim, mais uma vcz a junta do Rosario aprovava,
em outubro de 1866, por unanimidade, urna representagao ao arcebispo contra
o vis?ario, por este querer escolher "ao seu gosto" o serrnao da festa. 0 sa-
cerdote achava-se no direito de intervir no conteudo da liturgia catolica, mas
feria o estatuto da confraria que atribuia somente a mesa o direito de esco-
Iha do terra do sermao.4,
59
Vitoria Negra?
0 epis6dio de aprovagao do comprc'misso de 1820, a revelador de
ousadia dos negros e da arrogancia do padre . A contends demonstrou a ca-
pacidade de organizagao dos negros, e sus habilidade para lidar com os
adversarios. As irmandades negras foram locais de atividades religiosas, e em
decorrencia da pr6pria sociedade escravista se transformaram em espagos de
resistencia negra. Os confrades do Rosario tentavam garantir seus direitos,
impondo-se diante da intromissao dos vigarios . Denunciaram praticas abusi-
vas, recorreram as autoridades, as vezes venciam, outras perdiam.
Nao conseguiram afastar o paroco de suas fungoes principais, mas
conseguiram que os principais cargos da irmandade fossem exercidos por
eles e nao por brancos. E impossivel deixar de ver nessa hist6ria a afrrma-
gao de uma identidade racial. As irmandades negras, pode-se dizer, foi no
seculo passado uma arena de conflito racial, uma escola de conscientizagao
dos ne,pros diante do racismo e prepotencia dos brancos.
60
CAPITULO III
A ECONOMIA DOS IRMAOS
Os confrades do Rosario tinharn direito a urna vida religiose e urna
vida corn assistencia , dentro dos limites ca economia da irmandade. Esse
seguro nao era gratuito . A irmandade trabalhava pelos seus associados e
recebia por isso. Atraves de joias de entra . da, anuais , doaroes, peditorios, le-
gados, rendimentos de alugueis e renda de emprestimos de dinheiro, a ir-
mandade conseguia se manter economicarner:le.
Sustentar urna irmandade negra em momentos de crise, como foram
as decadas de 1820 e 30 e ao longo da segunda metade do seculo passa-
do, nao Cleve ter sido tarefa das mais faceis para os rnesarios que a admi-
nistravam. Frequentemente equilibrar receita e despesa era sinonimo de pre-
ocuparao, principalmente para o tesoureiro, i-esponsavel pelas frnancas. Alias,
ele era um dos alvos prediletos de critica dos innaos , que o acusavam fre-
qucnterncnte de comipcao, de lesar o patrirrionio da innandade.
Entender como funcionava economica_nente a institu ic5o signhlica es-
rrriu4ar as despesas e receitas que esta possuia. Quais os gastos inaiores
da conti-aria? Coln o salario dos sous funcionarios, corn missas, festas reli,gio-
sas, enterros? E interessante conlrecer esse universo economico em n6meros,
que por mais aborrecidos que parecam, revela a vida material de urn de-
tenninado q-upo, suas preocupacoes, bern corno contrap6em uma economia
simbo'lica a uma material . Que irrformacoes sao reveladas a partir dos li-
vros de receita e despesa? E dos testarnen}os e invcntarios? Os imi os ao
ii onercu (Icl x ivairl bens p ilrii ii inrliln(liide? 1) Ro Ei11-10 post- rnorlem Iucravi i
0111 it l]lolie (IO` ^: C tI it ^ilLlild!^^' AF pOF^:I\CIS I(Spos ta s llitril
61
questoes aparecerao no decorrer deste capitulo. Mas inicialmente, apresento
como os compromissos tratava.m das finances da confraria.
As obrigacoes economicas
Como a economia assombrava as innandades, principalmente aquelas
mais pobres, seus estatutos tratavam de determinar a quantia que cada
membro deveria doar para ser aceito coma irmllo. No ja referido compro-
misso de 1820, tanto libertos como escravo:; doavam a mesma quantia.'
"tanto liberto como escravo, que quizerementrar como Innao desta Irmandade darnde sua entrada 2$000 reis, a logo o Innaoescrivao the farfi tenno de entrada nos E-vros da Innandade."
Escravos pagando? A primeira vista causa estranheza, mas basta lem-
brar que muitos cram "negros de ganho." Erarn negros vendedores, carrega-
dores, artesaos etc, que geralmente auferiarn rnais do que a soma contratada
para pagan seas senlrores. E twnbem os donos de escravos podiatn pagar a
mensalidade dos cativos, certarnente uma forma encontrada para to-los sob
controle, por outro lade, ocupados na religiao donrinante, que por regra de-
via domestics-los. Cada mesario devia faz^r urn tenno de promessa para
legitimar sua entrada na irmandade e confirmar sua posse na mesa. A pro-
messa viriha acompanhada de dinlheiro (tambem charnada de joia de entra-
da ) que cada niessrio doava. Havia urea h,erarquia nas doag6es das esmo-
las. Juiz e escrivao doavarn as maiores esmolas. Pelo compromisso de
1820, o juiz deveria "dar no fire do anne 16$000 refs; o Escrivio 8$000
62
reis; o Tezoureiro 4$000 reis; o Procurador Geral 6$400; e cada consultor
sera 4$000 reis." Somados, esses valores alcanram 38$400 reis, que da-
vam para comprar mais de 100 litros de farinha na epoca. A confraria do
Rosario assegurava o lado material da instituicao, restringindo a ocupacao
desses cargos aqueles que pudessem desembolsar tais quantias . Certamente
nem todos os libertos e livres tinham condicoes de pleitear os cargos de
rnesario. Alem da restricao etnica, a estrrtificacao economica ajudava o
tnonopolio de certos grupos na mesa. A igualdade entre irmaos tinha seus
limites.2
0 projeto de compromisso de 1872 estabelecia a quantia de 15$000
caso o individuo fosse aprovado corno irmao. Os membros casados deveri-
am dar de entrada "a joia de 25$000, est3ndo sua consorte de accordo
corn o amigo antecedente3 sera considerada Irma[...] fora esse acto pagara
coda urn a joia do artigo citado", ou seja, 1.5$000. Essas joias tinham prazo
para serem pagas. Em 1820, o prazo era miis longo, urn ano apps a posse
dos tnesarios. No projeto de 1872, o itmao tinha trinta dias para quitar. Se
isso no acontecesse perdia o direito "de approvado para Irmao[...1 e so
podera ser novamente submetido a ella [aprovacao] apt•esentando a referida
joia."4
Em 1900, para ser itmao do Rosario, exigia-se ulna joia no valor de
50$000 reis. Entre 1889-1930 a depreciacao do mil reis se fez de maneira
baslante acelerada. Repetindo a tradicao do estatuto de 1820, o de 1900
Sobre os negros de ganho ver Maria Ines Cortes de Oliveira, 0 Ltberto: o scu mundo e os ou-
tr;,s, S'to Paulo, Corntpio, 1988, 18 ; sobre a ocupacao dos negros ver tarnhem Joao Reis, "A Breve
nep-a de 1657," USP, 28, 1993, pp. 6-28; sobre o pagantentb das merisalidades dos escravos ver Julita
Sca ano, Lh vocao e Escravida'o. A Irmandade de Nossa Scnhora do Rosario dos Pretos no Distri-to D;o rantmo no src^'o X1'III, Sio Paulo, Nacional, I 97`, p F7
-arti o afInna o srhwnle: "Foe e. srr apre c.e ntado para i.tn`ac lode pessoa que professor a sateta
P.e!it iar ' a^ir,lica, que to ilta tons rc s+. ir:es e hose de 1-rfeita salde " B "Prnieto de coml:,rorriirso
.'r. _irio 'lr _ .::j d'..III1Fci.• r'4^ rye:,°. ^._Y. 1,']i,....1
63
especifica o valor que cada mesario deveria dar no ato de entrada. Esses
sao os va.lores:5
Prior - 100$000 refs
Sub Prior - 50$000 refs
Secretr-io - 25$000 reis
Tesoureiro - 20$000 reis
Alestre de Novicos - 20$000 reis
Procurador Geral - 50$000 Nis
Vigario de Culto - 20$000 reis
As pessoas nao pagavam, nao se "sacrificavam" economicamente (no
caso dos mesarios) apenas para que no futuro fossem socorridos. Eles fazi-
am um investimento em prestigio social, o prestigio que cornandar uma
instituicao como o Rosario Ines dava no interior da comunidade negra e
fora dela. Eles se transformavam em interlocutores de ulna sociedade mergu-
lhada em rituais publicos de expressao de religiosidade, e isso t.inha unia
dimensao politica. Esses lideres negros mantinham uma relacao de poder
com as autoridades, ja que cram "autoridade" no interior da cornunidade ne-
gra. Tat prestigio, tal poder, tal privilegio, como em outras instituicies, tinham
seu preco.
Exclusivaniente composta por negros, os confi-ades do Rosario fregiien-
temente virarii, no decoirer do scculo X LX, sua despesa crescer e a receila
niinguava. ilma das formas segura que a irmandade possuia laara gaaantir
diulaeiro no cofre cram as promessas de irmaos que assurniam cargos. Os
estatutos talnbem deixavarn claro que seas associados ConlUns deveriaan fa-
zer suas doaciles e pagar em tempo agil o valor da joia.
t1v -r K .1t MI n<,• i;c^llc: A rlci:.dc do Sclrad4
... .. ... .. ._.... .. _t 1 1 l 1 'J _1I',`
64
Se havia exigencia do pagamento de joias e outras contribuicoes, a
irmandade nao era menos austera com cobranca de dividas. Ela emprestava
di tht iro para seus irmaos, mak exi is o pagazento pontualmento, Quase
sempre a quitarao da divida se dava corn atrasos. Em 1831, Francisco Sou-
za Paranhos enviou correspondencia a mesa da irmandade pedindo desculpas
pela demora do pagamento da divida. No documento, fica claro que a ir-
rnandade ja o havia chamado sete vezes para quitar o debito. E era tudo
feito dcntro dos rituals da easa: as me 6rios so rouniam e deliberavam
contra o procedimento do irmao mau pagador.6
Os mesarios as vezes recorriam a lei para verem garantido o recebi-
mento de dinheiro emprestado. Em abril de 1842, o procurador da confraria,
Nicolao de Polentino Cananierirn, comunicou aos mesarios que havia conse-
guido, atraves de urn advogado escolhido pela mesa do Rosario, notificar a
viuva "do finado nosso Irrnao Juiz o Tenente Felix dos Santos Lisboa." 0
docuniento sugere que a viuva se recusava a pagar dividas para com a
imiandade, talvez contraidas pelo sou finado niarido. A briga entre ela e
irrnandade se prolongaria ate 1846, quando, na "primeira Vara Civel do
Cartorio do Tabeliiao Antonio Augusto de Mendonca", D. Angela Roiz dos
Santos entrava com unia acao acusando a irmandade de the ser devedora
de uma quantia. Entretanto, o parecer foi favoravel a irrnandade. Nao satisfei-
ta a viuva apelou "para o Superior Tribunal da Rela4 o." 0 entao procura-
dor da confraria, Nicolau Cyrilo, comunicou aos mesarios que, apps essa
atitude da reclalnante, o processo empenara. 0 episodio demonstra que nern
sempre era ficil obter emprestimos de volta, e alern disco revela tainbem
que quando o assunto era dinheiro os irmaos se estranhavam. Aquela ideia
de confraria harmonica cedia lugar a urna irmandade com os problemas
65
cotidianos por que certamente passavam todas as associacoes, fossem religi-
0"as ou elvis.7
A RECEITA DO ROSARIO
Os Legados
Como ja assinalei, um dos sustentaculos da confraria eram as doa-
-9 es dos irmaos e mesarios no ato de sua entrada na instituicao. Alem
disso a confraria conseguia doaroes de simpatizantes e associados. Os va-
lores ofertados variavarn de 1$000 a 100$000 reis. Os associados da insl.i-
tuieao em geral eram pessoas de poucas posses, o que se refletia no va-
lor das doaroes. Valores inferior a 100$000 reis eram os rnais frequentes
nos livros de receita das decadas de 1830 a 1890. Essa quantia, no inicio
do seculo XIX era uma pequena fortuna, comprava-se inclusive uma escra-
va adults, mas nao valia muito no fim do seculo.8
No livro de receita do ano de 1839-1840, cinco mesarios doaram um
total de 34$400. As esmolas variaram de 4$000 a 16$000 reis neste perio-
do. Urn juiz de devocaro doou nesse rnesmo ano 4$000 reis. As juizas do
ano de 1840-41, doaram 61$000 reis. Os fiefs doaram para. esse mesmo ano
31$370 reis. A receita da irmandade para o ano de 1843-44 indicava a
soma apenas de esmolas como sendo de 1:014$180 ( leia-se urn conto qua-
torze rnrl cento e oitenta reis). Dinheiro suficiente para comprar na epoca
pelo menos dois escravos homers em perfeita saude. Mas valores altos do-
ados individualmente pelos innaos, como se ve para o ano de 1839-41,
n5o foram frequentes. A irmaundade do Rosario tentava se rnanter com as
inl in ►as doay6cs dos sous associados.9
1 N 3 P. Curresl;or,di;;cias, U3 de ;n1 de 7 fi42, cr 21 ,dac.0] -o Corresr, ond cr,cir , 27 de julhu de] h-i P" :x 2 1 ,do _ I.'
LJ 14 .- I'. I.1 vrC^. Sri P( ; l r r. 1.if ^•^a f '• ' rY. 12 ', sC,Urc prr; r,c d rScrcfvo f 'SFr K-,O f6 Maac ,^ c , ,.tirr
66
Outra forma de captar recursos cram os peditcrios (parte da arrecada-
940 do dinhoi o de egrnola.a) quo oes irri7ffos realizavi r'r, pcinoipa.lrrlento tins
festas religiosas da confraria. Nos livros de receita do Rosario no existe
nenhuma referencia especifica aos peditdrios, mas existem arrecadagbes de
dinheiro ofertadas ao Rosario, costume que persiste ate nossos dial. Nas
festas catolicas frequentemente encontramos, tanto na capital e mais ainda
no interior da Bahia, freis response veis par pedir contribuisilo a comunidade
pars as festividades do padroeiro. Os devotos financiavam as festas dos
santos em troca de gracas. A devogao tambem tinha seu prego.
Os livros de receita trazem algumas vezes legados de associados ou
pessoas indiretamente ligadas a confraria. Esse foi o caso de D. Anna Ri-
tta de Almeida e Oliveira, que nao sei se era irma on alguma devota do
Rosario. Em 1895, ela legou a irmandade a quantia de 200$000 reis.10
Se os livros de receita nao esclarecem quem cram as pessoas que
legavam para o Rosario, os testamentos trararn um perfrl dos testadores que
deixaram alguma coisa para suas irniandades. lnfelizmente, erubora os dados
que possuo n5o s5o suficientes para demonstrar que grupos testavam em
favor de suas irinandades. Mas sugerem que os testadores cram poucos e
em sua maioria pobres. Os testamentos id forarn utilizados por historiadores
corn o objetivo de fomecer inforrnacbes a respeito de doacoes deixadas
pelos rnernbros das inmundades. Nesse sentido silo classicos os trabalhos de
Katia Mattoso e Maria Ines Oliveira a respeito dos libertos no seculo XIX.
0 individuo, quando se preparava para a lnorle, legalizava atraves do testa-
mento alguma situacao irregular, corno por exemplo reconhecimento de urn
tlll)0 nilluial, noiiicavir llcrdeiro ,Jos cm e 1cs 1)AIe11te ou n.to, c dclcnlrltliava
a forma conio seria seu enterro. A hora da morte era o ultimo rnornento
par-a distribuir o dinheiro e os bens que o moribundo possuia, e a ultirna
u )or1tirlldede para pra tiCar a caiidacle Crisla, doando beds a pessoas e it
67
instituigbes pias. No caso das instituigoes, principalmente as irmandades, a
doagao poderia significar um reconhecimento de servigos recebidos ou ainda
urea exteriorizagao da fe. Ja afirmou Katia Mattoso que "numa cidade em
que o mercado de traba.lho so absorvia de maneira permanente pequena
parcels da populagao ativa e onde uma proporgao ainda menor dos que
trabalhavam era favorecida pela fortuna, pouca gente tinha bens para le-
gar." 11
Os legados dos africanos libertos pars a primeira metade do seculo
XIX aconteciam em sua grande maioria a favor das pessoas fisicas, em
lugar das instituigoes. De acordo com a historiadora Maria Ines Cartes de
Oliveira, os africanos preferiam legar "sua terga a pessoas fisicas que sabi-
am muito mais necessitados do que a instituigoes." Mesino assim, Oliveira
encontrou Para esse mesmo periodo,(primeira metade do seculo XIX ) que
16,1% dos testadores e 24,5% das testadoras deixaram as 1grejas, irmanda-
des, conventos ou instituigoes de caridade "legados em dinheiro ou ern obje-
tos de adorno." Mulheres legavam mais que homens. As mulheres trabalha-
varn numa atividade rentavel: o comercio. Possuiarn dinheiro e, em muitos
casos, ganhavam mais que os homens. Dal talvez testarem em favor da ir-
mandade. Outra razao, seria que elas tinharn major compromisso que os ho-
1anlcns corn as insti(ui4iics que the abrigavarn.
Esses testamentos revelam tambcm que a innandade do Rosario era
uma das mais citadas nos testamentos dos libertos.Vinte e leis homens e
quarenta e ties mulheres declararam pertencer a irmandade de Nossa Senho-
ra do Rosario das Portas do Carrno.
Tornando coino base os trabalhos de Mattoso e Oliveira, selecionei
aqueles africanos libertos que faziam pane da irrrlandade do Rosario, per-
fazendo apenas urn total de 52 testamentos. Destes, apenas 38 forarn por
:1 t1'h ^.iv 1vi pi, ILGfi d( f' Ld,, r! )17 IN;II1C 11 r7 .f((7,d,, XLk . rma jllilt'
Tq -r<7
68
mim localizados no Arquivo Publico da Bahia, dos quais seis deixaram al-
gum legado para irmandades, e desses apenas quatro legaram a confraria
do l mcxio. A seguir quem doou e as qudltiu.Q doadasi.'3
Ern 1821, Jose Alves Lima, jeje, viuva de Antonia Maria da Concei-
rao, fez seu testamento. Ele declarou pertencer as seguintes irmandades: Ro-
sario (do Carmo ); Cruz da Redengao e Jesus Maria Jose. Apesar de fazer
parte de outras confrarias, deixou cern mil reis somente para a confraria do
Rosfirio. A quantia legada era razoavel a das doag6es deixadas por Jose
Alves essa era a de maior valor. Para os escravos Jose Francisco e Pe-
dro, ofertou apenas dez e vinte mil reis respect ivamente. 14
Ja a africana Feliciana Maria de Jesus Araujo, em 1826, deixou di-
nheiro para todas as irmandades das quais fazia paste. Declarou possuir
apenas uma morada de casas na rua Larangeiras "e alguns bens insignifican-
tes dentro da mesma casa." Dos rendimentos da casa destinou cem mil reis
a innandade ao Rosario, alem de doar mais vinte mil reis a mesma irman-
dade. Ja para as confrarias de Sao Benedito, de Santana (da freguesia do
Passo) e de Santa Efigenia, legou em dinheiro trinta, oito e quatro mil reis
respectivamente.
As doagoes realizadas pelos testadores nao eram unifonnes. Doava-se
rnais para urna determinada irmandade. Dinheiro ou outms bens, comp
imoveis, cram os legados mais fregiientes. Talvez as doagoes fossem de
acordo corn o prestigio que cada associagao possuia ou o maior compro-
rnetimento do testador corn a niesnia. Apesar do numero pequeno de testado-
res que deixararn legados para as irmandades, eles sugerern uma certa hie-
rarrquia das doarbes. Localizei apenas urn registro de testarnento, onde o
1e A listagem dos testamentos foi gentilmente cedida vela Frofa Maria h -les de Oliveira A aniostra
Secono:rrlU'ou na prlmelra metade do sFrulo Xix,Torquea rmalorla dos test.adores que dlsponho seconcerltrou nesse T.erlodo . 15^ a ricwlr,F lit'ertr,1: , dry.. quaffs 52 T"-rtr•nriarn a inrtandade do F. e rioJas Fortas dc; f-anre T ara consultar ess;es te ;t.a uenlus, ',+ cr os 64 :.:'y'es de F_rtiistrns r]e TFStarnrn
T_ i^... . `. in 177v-1S2,t_. ^.
..I L _!'i CIF >>F- \•!
69
testador deixava a mesma quantia para todas as suas confrarias . Em 1826, o
afi icano natural da Costa da Mina, Francisco Martins Afonso, juiz do Ro-
sirio e membro da irmandade da Redenc .o, doou dez mil reis para cada
uma dessas irmandades.16
A quantidade de bens que esses confrades do Rosario declaravam nos
testamentos a modesta : alguns escravos , moveis e poucos imoveis. Era um
reflexo da sociedade baiana oitocentista. Uma sociedade muito desigual na
distribuicao de sua riqueza. Segundo Walter Fraga, "a pobreza possuia rrnil-
tiplas faces e gradaroes. A posse de urn casebre, de um escravo , de algu-
mas roupas e moveis, certamente situava certos pobres alguns degraus acima
do limite da miseria." Provavelmente aqueles testadores pertenciam a esse
gmpo.l7
Para as ultimas decadas do seculo XIX, encontrei tres testamentos e
cinco inventarios de mesarios da irmandade. Os legados a irmandade, embora
modestos, continuavam a acontecer. Escolhi analisar doffs invent.arios, corn
testamentos do inicio do seculo XX, que pertenciam a dois mesarios que se
destacararn na irmandade do rosario. Eram pessoas de recursos. Urn foi pro-
curador geral do Rosario, cargo que ocupou durante as ultimas decadas do
seculo XIX. Manoel Friandes, nascido em Salvador, morador no Tororo de-
terminou ein seu testarnento que todas os seas bens, dentre eles varias pro-
priedades, ficaria para sua unica filha, Maria da PaixSo, mas em caso de
morte desta seriam doados as confrarias do Rosario do Can-no e Rosario
dos Quinze Misterios. Alem disso, legou uma casa na rua do Moinho Para
a irmandade do Rosario do Joao Pereira. E Para a irrnandade da Conceicao
do Tororo deixrnl as seguinles propriedades: duns "casinhas," sem cspccifi-
car a localiza4,ao, e urna casa na travessa do Moinho, alern de urn nicho
"pequeno corn uma imagem de N.S. Santana por 5$000 reis.'$
f.FTF.F LF:T 2t1s11l26.I i ^:Iter 3+-,^ 1^1crdi2cTs, mc,icgicc_ c vadic,s.::c> F'aulo i ^n!v c1c'r,?'.'JC1TE .DEL JFF'A. ]'_T''f. p 2^^ eris .^.t ^a,i^• f^.^r;rn ,('l:';^^.' .],T t^^!r;un'c ^1:r se rn- a n^ irr;e:itari/T it 1,1;iri:,r1 Iri-
utri^ 1"', 11" iic Is^sni^iw;i,v
71
A partir da proibicao de enterros no interior das igrejas na decada de
1850, os intiaos 1orlirrn obrigados it oonstruir cemitOrios ou ocupar etwoeiros
em cemiterio. A confraria do Rosario edificou seus cameiros no cerniterio
das Quintas dos Lazaros, local afastado do centro urbano e da igreja e de
carater mais modesto. Para ser enterrado nesses carneiros, pagava-se um
valor. 0 livro de receita da irmandade para o ano de 1868-1869 traz al-
gumas poucas informaroes. Pagava-se pelo cameiro de urn anjo, por exem-
plo 15$000 reis e pelo cameiro Para adultos 20$000 reis.20
0 cerniterio era rentavel. No compromisso de 1900, constava na lista
de patrimonio da instituicao "um cerniterio edificado d'entro do quadro da
Quinta dos Lazaros." 0 mesmo estatuto trazia ainda urna relacao dos tipos
de carneiros e pregos. Os precos variavam de acordo corn o tipo de car-
neiro e outros servicos que se quisesse ter.
TAI3ELA ESTAEELECIDA EM 1900 PELA MESA ADAIINISTRATIVA
DA VENERAVEL ORDEM 3' DO ROSARIO PARA
SEUS CARNEIROS NO CENIITERIO ( em reis )
Um carneiro por 3 arlos para adulto 50$000
Urn carneiro por 6 anos para adulto 100$000
Unl carneiro por 3 anon Para crimp 255000
11111 ca nreiro por 6 ,uros pam crianca 50$000
Licenca pain colocac<io de inscricoes 5$000
tdem pa abertura e inhunlacoes de ossos 5$000
Licenca pars colocacao de urnas em circa dos mesmos 20$000
Urn canreiro perpetuo pa qualquer roil o da Ordem 300S000
Fonle: "Disrosisbes Gerais," Comr,romisso de 1900, ca.l,doc.3, A.I.N.S.R
72
A tabela acima demonstra que possuir urn carneiro perpetuo custava
caro, mas tinha-se a garantia de deixar , naquele local, a lembranca eterna
do falecido, alem de se poder abrigar outros membros da familia . Talvez
fosse a certeza de que, pelo menos, esses cameiros seriam locals de en-
contro de familiares apos a morte.
As irmandades tambem vendiam desde sua criarao no perlodo colo-
nial, serviros fiinebres , inclusive para nao-associados . A irmandade do Ro-
sario da Conceirao da Praia estabelecia, em 1686, "o preco de cinco pata-
cas pelo use de seu esquife, oferecendo um desconto para quem provasse
ser pobre." Era costume tambem alugar caixoes e esquifes . "0 Rosario da
Praia alugou uma tarirnba e quatro tocheiros para o funeral de Luis Borges
da Silva, pequeno negociante de fazendas, em 1818.')21
Alguns compromissos previam sepulturas privilegiadas. "Em Pernambuco,
os irmaos do Rosario da vila de Santo Antonio, em 1758, cobravam aos
nao-associados 10 nail reis por enterros no tumulo dos irmaos na capela da
irmandade , 8 mil na sacristia e 6 mil no corpo da igreja." 0 espaco do
sepultamento tarnbem era negociado. Quanta mais proximo do altar mais
valorizado. Ficar perto dos santos era o passaporte mais eficaz para se ga-
rantir urea vida eterna ao lado do criador e dos anjos.`2
Falei ate agora somente daqueles que podiam pagar sous enterros e
sufragios. Os que nao t.inham renda sufrciente para realizar sou prdprio fune-
ral, encontravarn na irmandade a solidariedade na hora da rnorte. Pobres, do-
entes, negr-os, mesticos Wiliam direito a uma morte dign.a. Certa.rnente ester
funerals seriam simples, sera pompa, sem luxo, firgindo do estilo funeral es-
petaculo. O proieto de compromisso de 1872 do Rosario das Portas do
Carmo rezava que "o ir7nao que fallecer em est.ado de pobreza, e sem ter
pessoa al^,unra tie sua familia que prornova o scu erttenraniento a Mesa
falra de "Icordo corn a econoruia do cofre da lrmandade , dispendendo
73
ate a quantia de trinta mil refs ." No estatuto de 1900, o enterro ainda era
uma das atribuicoes da confraria, ressaltando todavia que "logo que a Or-
dem entoja em coindIcaes soccorrera aao ItThl1os pobres a lath o enterro
quando fallecerem." 0 controle financeiro estava tambem presente na hora
da morte, principalmente a partir da segunda metade do seculo XIX, reflexo
talvez da crise economica baiana.13
Outra forma de se angariar dinheiro para a irmandade era a celebracao
de missas . "A missa representava a mercadoria mais cara do mercado fune-
rario." Elas estavam presentes nos livros de receita e despesa e, principal-
mente, nos testamentos dos irmaos. E estes nao se contentavam corn poucas
missas. A salvacao da alma estava condicionada ao numero de missas que
se mandasse celebrar. Em 1805, o africano Ignacio de Sanlpaio, membro da
irmandade do Rosario das Portas do Carmo, determinou, no seu testamento,
que apos seu falecimento seriam "rezadas 20 missas de corpo presen-
te."Alem disso, distribuiu rnissas pa-a t.erceiros: "3 missas de esmola de
pataca cada uma" para seu ex-senhor e 10 missas "de esmola de 320$00
refs,"sendo 4 missas oferecidas ao anjo da guarda e aos santos do "meu
nome"; 4 missas "a todos que o ajudaram a viver"; 2 missas pelas almas
que estao no purgato1-io.14
0 pre^o de Lima missy simples, sera solenidade estava estipulado em
320 rein na prirneira metade do seculo XIX. Quantia irrisoria, mas que,
quando multiplicada, cert.amente contribuia corn a reeeita do Rosario. Ge-
ralmente os testadores pediwn rnissas. Os irrn os testadores que pertenciarn
a imrandade do Rosario pediam rnissas e pagavarn a innandade pelos ser-
vi4os prestados. Feliciana Maria de Jesus 'lraujo, africana natural da Costa
da Mina, pediu em seu testaniento, missa de coipo presente e dez missal
de 320 reis "por alma daquellas pessoas que eu tive negocio no trafrco da
^^ ^^-^Ic^s .. c, virus ',per P_1 ]d 5?? "F'rciFto dF cony}-'rnrn.sf-C, car l7, cy. ),doc 2;'1:1; 'r- :I1;. SC ins . ^j,^ }• ^^ ;i'ifl i , _ (iI;.:^i ;.c '. 1 1 X ' `k ,
74
minha venda ." As pessoas do seu pequeno comercio, venda , quitanda ou o
que seja nao foram esquecidas por Feliciana.25
Alem de celebrar missas , o Rosario alugava as dependencias da igreja
como sala de aula, e arrecadava dinheiro com loterias . Entretanto , nem sem-
pre a irmandade conseguia renda com loterias e alugueis . Em 1847, a cape-
la do Rosario necessitava fazer reparos . Juizes e mesarios promoveram uma
loteria para angariar dinheiro, mas nto houve, de acordo corn o escrivao,
nen hum lucro para a instituirao. Pelo contrario, ficaram no prejuizo. 0 alu-
guel do salao do Rosario, requisitado pelo professor publico Dr. Luiz Alva-
rez dos Santos , para ministrar aulas , tambem causou transtornos para os con-
frades. A Mesa da confraria queria tomar-lhe o salao argumentando que os
alunos estavarn destruindo o patrimonio. Indignado, o professor respondeu
que pagava corretamente o aluguel e agressivamente argumentou que a ir-
mandade "nao c propriet.aria do edif icio, que the e prestado em depbsito." 0
professor enviou um requerimento ao Juiz de Capelas e Residuos, acredi-
tando talvez no poder de controle das autoridades sobre os negros do Ro-
Sarlo.26
Os mesarios, nao se deixando intimidar pelo professor, tambem envi-
am colrespondencia ao juiz de capelas, explicitando o porque de nao conti-
nuar a alugar o salao da sacristia para as aulas. Alegavarn que os alunos
destruiram "a grade de seguranga do corrector da sacristia," faziam "zuada
no corrector", arronibaram a porta da entrada dos carneiros. Pela descricao
do escrivao, os alunos pareciam transfonnar a igreja ens parque de diver-
spies. Iiil'cliziientc n1io localizei o parceer do juiz, was o epis6dio denionstra
que new sempre era fficil angariar recursos Para a innandade, quando se
tratava de alug ur is. 0 epis6dio demonstra ainda que alunns individuos nao
concebiani que un,ia imiandade nega pudesse ser dona da sua pr6pria
!+c c }rc,c des r:nss^s vtr I!er^,A mortr .,. _ ',13F 1FT 1 ,fls f'v?Svi?hit
^icz'71 I rbr-- do 1 C0rr^^} onU Iiu7 F1 O do
75
igreja. Nao sei ate que ponto o aspecto legal favorecia a irmandade, mas o
que causa estranhamento a justamente esse tipo de argumento . As relacoes
entre sociedade civil e a irmandade eram permeadas por confl itos.27
As propriedades
As irmandades de maneira geral possuiam propriedades. Estas cram
conseguidas , na nnaie r•ia dam vexes , como ja foi vista, s.traves de legados de
irnraos.
As propriedades do Rosario localizavam- se nos arredores da igreja da
irmandade, hoje denominado centro historico. Possuiam tambem casas no
bairro da Saude, que pertencia a freguesia de Santana. Relaciono abaixo os
imoveis que constam nos livros de receita e despesa da cordraria para todo
o seculo XLY, embora nao seja certo de que todos estejain ai listados.
P]ROPRIEDADES
QUANT. LOCALI7.AcA.O ESPECIFICAcAO
01 - Ladeira da Rua do Passo n° 9 - Casa ten-ea
08 - Rua dos Canoes n°54,28,66,10,14,33,65,74 - Casas terreas
03 - Beco do rningari n°12,13, n°l9 - Casa ten-ea
01 - Ladeira do Carmo n° 36 Sobrado
() 1 - Situada proxima a Igreja do Ros-.u-io n°25 - Casa ten-ea
01 - Taboao 11°9 - Sobrado
02 -Rua da Sande n°68,245 Casa terrea
(11 - Ladeira da Ordern 3" de S. Francisco n°54 - Casa terrea
01 - Fortinho de Sao Alberto n°l 11 Casa terrea
01 - Beco do Quell-oz 11' 1 - Casa ten-ea
20
l -i^ !^,^, ^^ ^` i. x __. is i•4-F
76
Os alugueis das propriedades complementavam o orrament.o da irman-
dade. A pontualidade no seu pagamento era uma regra que os inquilinos
descotheciam. Talvez para os inquilinos o prego cobrado pesasse no orra-
mento domestico. Nao pude identificar quern cram as pessoas que alugavam
as casas . Alguns nomes, citados nos livros de receita e despesa, indicain
que eram membros do Rosario, como foi o caso de D. Izabel Roiz dos
Santos, moradora na rua direita da Satade, que pagou por todo o itno 1856
a quantia de 42$000 reis de aluguel a immandade. D. I zabel fora casada corn
um ex-juiz do Rosario.28
Para o ano de 1827-28, os alugueis dos sobrados na ladeira do Car-
1110, de Sao 1'rancisco, das casas aos auredores da igreja do Rosario, do Ta-
boao, da Rua do Passo e da rua dos Carvoes, renderam 343$540 reis, o
valor aproximado de um escravo na decada de de 1820. A media dos alu-
gueis mensais era de 2$000 a 3$000 mensais. Dinheiro suficiente para com-
prar de 17 a 25 kg de feijao.29
Os alugueis atrasaclos das casas Para os anos 1839-40 somava.m
623$320. D.Ursula Maria "da casa ao pe da Igreja de hum ano vencido em
22 de agosto de 1840" pagou 76$800, ou seja, seu aluguel mensal era de
6$400 reis. Em 1847, a irmandade recebeu de aluz'ueis atrasados 800$291.
Ja ern marco de 1848, as casas nlimeros 14 e 33 da rua dos Carves ren-
deram 9$000. Do sobrado n° 9 do Tabobo, recebeu de Henrique de Oliveira
"que pagou de atrazados ate 16 de Setembro de 1847 4$860. De Felicida-
de Perpetua "1 mez vencido ern 30 de Dezembro de 1847 4$000", e mais
urn ides vencido no valor de 4$000 de Libanca Maria. Os denials alugueis
atrasados perfizerarn um total de 89$100.0
77
0 escrivao do Rosario, Januario Cameiro, em 1848-49, fez o balango
dos rendimentos das propriedades. Todos os alugueis citados foram pagos
con atraso . Creio que eases pagamentos r'esultararn de vit6rias judiciais.
Segue uma pequena tabela do pagamento dos alugueis em atraso para os
anos 1848-49.31
RENDIMENTOS DAS PROPRIEDADES
LOCALIZAcAO MESES VENCIDOS VALOR
- Rua dos CarvOes n° 14 3 meses 18$000
- Ladeira do Carmo n° 36 3 meses 50$000
-Rua dos Canvoes n° 10 3 rneses 9$060
- Rua dos CarvOes n° 14 3 meses 18$000
- Rua dos Carvdes n° 33 3 ineses 9$000
- Baixa dos Sapateiros n° 25 3 ineses 18$000
- Taboao / sobrado n° 9 8 inquilinos c/3 rneses 94$200
- Beco do Queiroz no 1 3 meses 12$000
- Beco do mingau if 19 3 meses 9$600
237$860
No decorrer do seculo, os precos dos alugueis tenderam a aumentar,
mas nao em grandes proporcoes, principalmente se comparado corn os gene-
ros de primeira necessidade Como a farirrlra, o feijio e a came verde. Ern
1873, compravarn-se, corn 230$37, 156 kg de carne verde, cinco anos de-
pois a mesma quantidade de came era comprada por 353$96. A alta de
pre^.os era freq icnlcnrcnle provocmli pclas sec,rs c epidenrias. No caso dos
alugueis das propriedades da iimandade do Rosario, os precos tambem pa-
recia.rn acelerados. Por eNeniplo, a casa do beco do Queiroz. Como foi visto,
78
em 1848 a irmandade recebeu relativo a tres meses de aluguel 12$000. Dez
anos depois, o valor de um mes de aluguel equivalia aos ti-Es meses co-
bzidas da, dada passada.Isla quer dizar giuc aumentou 300%.32
Pagamentos atrasados de alugueis foram frequentes , mas em muitos ca-
sos nao existe de fato a referencia. Talvez o pagamento dessas locaroes
nao fosse sempre mensal . Poderia haver um acordo entre proprietario e in-
quilinos que determinasse o pagamento ao final de um determinado periodo.
Essa a uma hipotese. Outra e a de que a irmandade, a depender do tipo
de casa alugada, teria como locatarios a camada livre pobre, que era sua
clientela nos quadros da instituirao.
0 patrimonio do Rosario era modesto (20 propriedades), principalmente
se comparannos coin as imiandades de brancos. A Ordern 3a do Canno
possuia, em 1853, 37 casas terreas, 43 sobrados, 15 terrenos, entre outros
bens. Mais modesta, a Ordem 3a dos Pardos de N.S. da Conceirao do
Boqueirao possuia, no inicio deste seculo, nove casas e tres terrenos. Para
urna irmandade cornposta por negros, possuir vinte propriedades significava
muito. Melhor seria tentar comparar os bens do Rosario corn outras associ-
ac6es ne ar, mas nao possuo dados sobre estas.33
Legados, servi^os prestados, alugueis de propriedades constituiram entao
a base da receita do Rosario. Mas e preciso enxergar os gastos que a ir-
mandade possuia. Soria a receita superior que a despesa da associac5o?
A Despesa do Rosario
A folha de pagamentos e despesas ern geral sobrecarregavam a con-
fraria. Dc acordo coin os livros de despesa que cobrern o periodo de 1822
a 1899, os gastos mais fregOentes da irmandade cram coin as festal religi-
osas, incluindo decora4ao, orquestra, sernriio, coniida, fogies de artificio, velas,
r_-Ita . r3oc 07 ^ 1 58-f,ti] I,^,attosn, RAJ c: a crd(ldc, Sc;-
itti~i it-rfj-,ii
79
missas, hostias. Os funerais tambem implicavam gastos com a celebragao de
oficios, despesas com os carneiros , entre outros itens . 0 pagamento do orde-
nado do padre, pagamentos de dividas contraidas tambem oneravam a as-
sociacao.
As despesas registradas nos livros da irmandade demonstram que a
festa dos santos cat6licos estava sempre em primeiro piano e o seu custo
no era desprezivel . A preocuparlfo em realizar festas corn brilho e esplendor
tem uma l6gica: a festa. era um acontecimento p6blico, onde a irmandade
dernonstrava a capacidade para a cidadc quo as negros possuiam de afir-
mar seu prestigio, sua capacidade de organizarao, seu valor enquanto cida-
daos catolicos e, nao menos importante , sua maneira afro-brasileira de cele-
brar a vida. Dal, os gastos corn a festa ocuparem grande padre dos livros
de receita.
Nos anos de 1822-23, a innandade gastou apenas 55$280 com cera
para a festa. Para os anos de 1823-24, foram gastos 157$020 entre aluguel
de cera, carretos para a festa, sacristao, organista, lerrha para fogueiras. A
mrisica, elemento fundamental numa festividade, custou 30$000, e os fogue-
tes, 14$400. No decorrer do seculo, a despesa com a festa foi aumentando,
acompanhando o custo de vida da Bahia. Os padres tambern eram respon-
saveis pelo aurnento da despesa. Ern 1846, o conhecido vigario, Vicente Fer-
reira de Oliveira, recebeu pelas novenas da festa do Rosario 39$400 e o
padre Joao Quirino recebeu 12$000 pelo sennao da festa. Pela musica das
novenas foram pagos 55$000. 0 custo da festa Besse ano foi 209$560. No
ano de 1854, a confraria gastaria 232$240. Apesar de constar nos compro-
missos clue em epoca de crise a irn-randade nao faria a festa, apesar das
dificuldades, a sua realizacao aconteceu na rnaioria dos anos.34
Em 1893, a despesa corn as fest.ividades foi 3:980$260. So a cera
comprada pars a festa custou 217$630.Missas, Te-Deurn e fogos de arrifi-
80
cio custaram 453$000. Com a missa festiva ao S.S. Sacramento, foram gas-
tos 48$000 . Mesmo com o passar do tempo, a festa na irmandade continu-
ava firme . Em 1897, as vesperas da irmandade ser elevada a categoria de
Ordem Terceira, a fester custou para os cofres der confraria 909$000. Dinhei-
ro, segundo o tesoureiro Cleto Gomes da Silva , superior "a entrada de di-
nheiro" na irmandade , o que provavelmente endividou a instituigao . A festa
continuava, talvez sem o brilho de tempos passados , mas ainda era urna
demonstragao publica de urn catolicismo singular , como veremos no proximo
capitulo. A limitagao imposta pelas restrigoes economicas nao foram sufici-
entes para retirar das ruas o desfile dos membros da veneravel instituigao.35
A despesa do Rosario incluia outros itens. As missas, que no cram
poucas, por exemplo. Alias, afirnra Reis que as missas em todas as irman-
dades representavam o "grosso das despesas." Gastava-se com missas de
Natal, missas funebres e dia.s santos. Celebrar missas significava gastar velas
e, principalmente, corn padres. A falta de pagainentos destes resultava ern
conflitos corno foi visto anteriorment.e. Assirn, o padre capel"ao Jose Fausti-
no Gomes recebeu 40$000 em 1846, pela celebradao de cinquenta missas. 0
mesmo padre Jose Faustino declarou, em 1841, que recebeu da irmandade
a quantia de 96$760 por "tres quartets do rneu ordenado de capelao[...] fi-
cando vinte e urn mil setecentos e sessenta refs, iniportancia de sessenta e
oito missas, celebradas pelos finados fiesta innandade." A situagao dos co-
fres do Rosario deterrninava o atraso no pagamento dos sacerdotes.s6
Despesas corn zeladores, andadores, oficiais de justiga e outros cargos
tambem estiveram na list.a das despesas. As obras tanrbem oneravam bastan-
te o Rosario. Em 1824, ripas, varas, trincas etc. para consertar a casa da rua
do Passo custaram 37$100. Empreender obras significava tarrrbem incluir nos
,altos os jonrais de pedreiros, serventes. As obras cram necessarias parer
1.1) F,e'CE ' 1te l 2,Z do"' 14 11It r..?., r ,',:. 1_.;- ^1 4'
81
conservar o patrimonio . Em algumas situagoes cancelavam-se certos servicos
em detrimento do conserto da igreja . Foi o que aconteceu em julho de
1878. quando os mestrios , reunidos , decidir i realizar as "obras na capela"
e suspenderam as missas de domingo, quinta -feira e do sabado . Segundo os
mesarios a suspensao das missas fora feita pars conter despesas . Providenci-
ar para a realizacao de obras foram constante nas decadas de 1870-80. Na
sessao de 25 de marco de 1879, os mesarios decidiram agenciar esmolas
para "o auxilio das obras da capela."37
A situacao do patrimonio da irmandade refletia sua situacao economi-
ca. Em 1889, os mesarios enviaram um requerimento ao Arcebispo da
Bahia, onde foi relatado que a capela estava fechada desde 1880, "quando
teve de dar comeco as grandes obras." Relataram os irrnaos que o fecha-
mento se deu porque "todo o seu cobrimento amearava desabar[...] em se-
guida, teve de desmanchar-se todo corpo da igreja, tirar-se as taboas das
antigas sepulturas, fazer-se todo ladrilho de marrnore.[..]" 0 dinheiro gasto
ate ent.ao sornava 15:859$000. Comurlicaram ainda que, desde 1880, "nao foi
rnais possivel continuer com o Culto Divino." Mas as obras forarn rcaliza-
das com "os juros, esmolas e produto de tres loterias que the concedeu o
governo." 0 requerimento dos irmaos informava ao Arcebispo que a igreja
estava pronta para ser reaberta, o que contrariava o juizo da Provedoria
que havia determinado para a irmandade "entregar tudo, e que V.Ex'.Rrn'
pelas informacoes que teve extinguiria esta Innandade." Pediram ao Arcebispo
que "mandasse por pessoa de confianca, proceder a urn exame nesta capela
e ver, se tudo quarto acaba de dizer, e cxp s, he exacto ou no. Sera dolo-
roso Exm° Senr, que depois de tantos anos de trabalhos incessant es ao che-
gar ao termo para poderem abrir seu templo a devo4.ao dos fieis, the fos-
82
sem arrancado das moos legados too preciosissimos de seus antepassa-
doslll'"8
Manter a irmandade significava , alem de preserver patrimonio fisico,
preservar a cultura negra . Retirar a instituirao do cenario cultural e religioso
da Bahia signifwairia apagar unitt parte da historia religiosa e da memaria
de escravidao . A atitude das autoridades civis em fazer desaparecer a ir-
mandade talvez refletisse o medo do negro organizado depois da abolirao.
Fico a me perguntar se as autoridades agiriam da mesma forma se se tra-
tasse de uma associagao de broncos. Certwtiente os trataria com mais tole-
rancia. Era a rejeicao explicita dos brancos contra a populacao de cor.
A despesa com obras , festas, ordenados, entre outros itens, muitas ve-
zes desequilibrava as contas do Rosario. Gastava-se mais do que se arreca-
dava. Certamente os mesarios no decorrer do seculo XIX, tiveram muito
trabalho tentando equilibrar receita e despesa . Infelizmente, para as decadas
de 1820 e 1830, a docurnent.acao nao fornece informarao sobre arrecada-
cao e despesa totals da irmandade. Para os anos de 1840, a tendencia da
despesa se sobrepor a receita e clara . No periodo 1853-54 so encontrei o
valor da despesa que foi de 671$820. E nos anos 1854-55 a despesa au-
mentou para 1:586$382. Ern 1855-56, a receita ficou em 1:742$635 e a
despesa em 1:780$415. Estes foram anos especificamentes duros para os
negros de Salvador, devido a terrivel epidemia de colera. E provavel que
alem de dimifill icsio do nurnero de meinbros c clot carpacidade dos sobrevi-
ventes de socon'er a irmandade, esta ainda enfrentou despesa extra altissima
cone o enterro dos irmios rnortos pelo c6lera.39
Unia outra leitura advcm da observacao que o deficit nao e too ab-
surdamente grande, sobretudo levando-se ern conta os possiveis gastos epi-
demicos. A receita cresceu no periodo de 1853%55 o que pode ter lido
3c 1.1 1^ F_ ^Q ;,e. cr.4, dl,c E. 25 do iu' lIC do l ti•^^a2. d„^ roc s.^ _ ), ._ ^1^:? ^' •!c, ,,^ .r (,:Jildr F..'J: David
83
resultado do medo da morte e uma corrida para os bravos protetores de
N.S. do Rosario . Ainda assim, apesar do aumento da receita , os gastos com
miaaas, procissoes e outros ritoa propiciattrios ( de pedidos de protegao a
santo), somados as despesas com enterros , acarretara o tal deficit.
Os anos seguintes mantiveram essa tendencia. Para tentar equilibrar o
orramento da confraria, certamente muitos recursos foram utilizados. Foi o
que aconteceu em 1879, quando a irmandade colocou a venda algumas pro-
priedades : o sobrado da ladeira do Carmo e quatro casas terreas . A venda
dessas propriedades indica que a. econoirria dos in--A-is no is muito bell].
Nos anos de 1892-93, porem, a irmandade registrava que a sua receita fora
maior que a despesa: 4:013$970, contra uma despesa de 3:980#260. Embora
fosse pouca a diferenca, os mesarios conseguiram, depois de muitos anos,
saldo positivo nas contas do Rosario. Parece que, nos anos de 1890, as
contas da confraria se mantiveram equilibradas, os mesarios acreditavam na
prosperidade da instituirao.0 tesoureiro Cleto Gomes da Silva declarou,
em 1899, que "esta Ordem gracas a sua Padroeira continua a prosperar na
sua paste financeira. Devia-se no Banco da Bahia, quatro contos e quatro-
centos mil reis, agora porem resta-se trez contos e novecentos mil refs."
Condo se ve, eniprestimo bancario era outro expediente usado pelos irnraos
Para enfrentar suas despesas.40
Administrar o dinheiro da instituicao nao era tarefa das mais faceis.
Todas as despesas deveriarn ser comprovadas pelo tesoureiro. A mesa su-
perlrisionava os recibos e contas. Frequenteinente o tesoureiro era acusado
de nao curnprir honestainente suas fun^bes. Quando a pauta da reuniao era
prestaOto de contas, quase sernpre ocorria confusao. Em seternbro de 1878,
os rnes,-kios marearain urna sessao extra orclinaria pars discutirem as contas.
0 tesoureiro nao aceitou alegando que "igrrorava ter lido marcada a presta-
4(io de contas l>ara a referida scssao, [...] no que fora contestado pela
84
mesa." Os mesarios, de comum acordo, resolveram adiar a sessao. Mas o
tesoureiro continuava a entrar em choque com os mesarios . Acusado de
favorecer a si mesmo, o tesoureiro foi chamado pela mesa para dar expli-
cacoes. 0 irmao do dinheiro havia tirado da capela uma grade de jacaranda
para use proprio e no colocara o valor real nos livros de contas . 0 valor
por ele pago estaria abaixo do de mercado . 0 escrivao propos que o te-
soureiro entregasse a grade ou pagasse o prero verdadeiro. A proposta foi
rejeitada. pelo tesoureiro , e os mesarios formaram uma comissl io para avali-
ar o preco exato da grade. 0 valor apresentado pela comissao novamente
nao foi aceito pelo tesoureiro e este foi obrigado a devolver a grade para
a capela.'4 r
Em outras sessoes , o tesoureiro continuou a criar problemas. Na reu-
niao de 22 de setembro de 1878, a mesa deliberou que o escrivao estava
autorizado a exigir do tesoureiro apresentacao de todos os recibos. A briga
entre mesa e tesoureiro indica que havia uma fiscalizarao rigorosa ern torno
do dinheiro da irmanclade. Esses cargos deveriam ser ocupados por pessoas
id6neas, Segundo o compromisso.42
A Fortuna dos irmaos
A preocupacao em captar recursos estava presente entre os associados,
principalmente entre os mesarios, responsaveis diretos pelo bom andarnento
da irujandade. Estes, conio vinros, ajudavam a receita do Rosario atraves
dos legados deixados 'r instituiciio e outros donat.ivos em vida. Ma:. quern
seriain csses diri enles'? Eraiii eles p0ssuidores de pequeiias, nredias on
2randes fortunas?
Para todo o seculo ;SIX, encontrei apenas quarenta testarnentos e seis
inventfirios de inenibros do Rosario, dos qua is 11 pertenciam iqueles que
85
ocuparam cargos. Apesar de insuficiente para tracar o perfil economico, dos
irmaos os dados no entanto sugerem que a maioria dos associados perten-
cia ao grupo dos desafortunados . Da listagem dos confrades, apenas tres
irmaos possuiam tanto testamentos coma inventarios. Segundo Mattoso, essa
falta de correspondencia se explica pelo fato de nem todo testamento dar
lugar a inventario. "Este so era obrigatorio em tres casos : quando o testador
tinha, entre os herdeiros, crianras menores , cujos bens deviam ser resguarda-
dos; quando morria ab intestate [scm tcstamento] a quando, nao tendo her-
deiros, sua fortuna passava as maos do Estado." Isso que pode explicar a
pouca quantidade de testamentos e invent irrios dos rnesarios da irrandade.43
Dos quarenta testadores, quatro nao declararam quais os seus bens e
apenas tres nada possuiam para testar. Testavam apenas para dizer como
queriam seus enterros. Em 1844, a liberta Tereza Benedita de Jesus Cristo
declarou que no possuia bem algurn, "pois perdera Ludo corn a molestia
sofrida." Quando tinham propriedades, erarn quase sempre casas terreas, pou-
cos sobrados. Dezoito dos nossos proprietarios de casas, dois possuiarn so-
brados e Bois lestadores, alem de sobrados, casas c terrenos. Esse foi o
caso do ex-procurador do Rosario Antonio Xavier de Jesus, o mesrno de-
clarou enr seu inventario de 1872, possuir "urn sobrado de 4 andares a rua
do Julian na freguesia c1o Pilar, urna casa a rua da Vala, de frente, 7 por-
tas, terreno proprio, 3 casas terreas e um sobrado de dois andares." As pro-
priedades est.avarn avaliadas em 13:500$000. Saiam de cena os casebres
Para dar Lugar as casas de "cal e pedra."44
Certarnente possuir casa propria, ainda que terrea, representava algum
bem-estar no seculo X[X, principalrnente se levannos em considcracao que a
rnaioria dos pobres de Salvador morava "nos comodos inferiores das lojas
dos grandes sobrados do centro da cidade." Havia ainda os pobres que mo-
ravam 11;1 purl t^rria. 1\1orava11i "cntre paredes (IC taiga, l>iso de ban-0 hatido
86
e sob teto de palha ." Alguns innaos do Rosario representavam talvez uma
pequena parcela privilegiada de africanos e crioulos . Diante da pobreza que
assolava a Bahia, esses negros possuiam pelo menos ulna casa para morar.
Infeliunente as escravos associados €i irmandade nao deixaram rastros.45
Alem das propriedades, os testadores declararam possuir aguns moveis
e varios escravos . Dos 46 irmaos que deixaram testamentos e inventarios,
27 possuiam escravos (58,7%). A maioria desses testadores tinha mais de
um escravo . Apenas sete confrades (15,2%) possuiam apenas um escravo.
Esse foi o caso do irmao Nica.cio da Silva Cunha, natural da Costa da
Mina, liberto, falecido em 1815, que declarou no seu testamento ser proprie-
tario da escrava Maria, de nacao haussa, e "diz so possuir o dinheiro dessa
escrava e nada mais." Pobre escrava de Nicacio. Era cornum na Bahia oi-
tocentista alguern viver exclusivamente do trabalho de um on dois escravos.
Ter um ou dois escravos nao era sinonimo de riqueza, embora representasse
urn degrau acirna do limite da miseria. Referindo-se as diversas facetas da
pobreza,Walter Fraga analisa a situagao dos escravos desses senhores po-
bres. "Dificil a situacao desses escravos que, alem de lutarem pela propria
subsistencia, eram obrigados a carregar nos ombros a pobreza de seus se-
nhores. Possuir escravos era a aspiracao de muitos, e tambem dos que vivi-
am a bcira da indigencia."46
Muitas vezes as declaracoes que constavarn nos testamentos cram
muito vagas. A africana liberla Emereciana Maria da Ressurreicao declarou,
ern 1815, que possuia os bens que existiarn em sua casa, alem de ter cin-
co escravos. lioaquina Franeisca de Campos, da Costa da Mina, declarou-se
clone de oito escravos e "diminutos moveis." Ja Manocl Lopes Pereira, tarn-
bem africano, era relativanienie :rbaslado. Alcm de j ossuir algumas moradas
de casas e urn sobrado, era done de 14 escravos c mais "I cria que se
achy fora do scu podcr c qucr scr forro arbitrariamentC scndo alias men
87
cativo." A liberta Ana Maria do Carmo, ex juiza do Rosario , deixavtt coma
bens tres escravas de nagao mina , sendo coartadas om 40$000 rein "para
[ser] em dois anos livre." 0 preco do escravo coartado era quase sempre
abaixo do mercado e este tinha um prazo para pagar a quantia: "se esta
no fosse paga, haveria perda da oportunidade de se alforriar por aquele
preco." Dos testamentos que analisei dos membros do Rosario, vez por ou-
tra aparecern escravos coartados por urn determinado valor e que deveria
ser pago dentro de urn prazo lirnitado. Erani variac es das eartas de alforri-
as. Retomando aos bens de Ana Maria do Carmo, esta havia declarado
ainda que possuia "1 breve de ouro com 3 voltas de cordao, 2 pares de
botoes de punho," alguns moveis de casa e roupa de seu uso. A sirnplici-
dade desses bens revela a posicao social do testador. Entretanto, existiam, se
bem que menos frequente, vultuosos bens nas maos ' de irmaos do Ros6rio.47
Alguns testamentos e inventari.os realmente chamam a atencao pela
quantidade de bens que registrars. Mio por acaso algumas dessas fortunas
1?ertcnciars aquclcs que ocupara n cargos na irmsandadc: juizes, 1>>rocuradores,
consultores, escriv5es, tesoureiros. Novarente recorro aos testamentos e in-
ventarios do ex-procurador Manoel Friandes, e do ex-juiz e escrivao Manoel
Bomfrm Galiza.
Ma noel Friandes declarou possuir, em 1902, ano do seu testamento e
inventario, dez casas tcrrea.s espalhadas pelo Tororo, e urna a rua do jogo
do Lourenro (distrito de Nazarc). As propriedades estavam avaliadas ern
6:715$000 rcis. Os rnbveis (ntobilia de jacaran(a, mesa pequena,sofas, cadei-
ras) valiant 105$000 leis. Lases erani seas hens. Sua f'01-tuna era de
7:120$000. Levando em consideracao a classificacio das fortunas cm Salva-
'ttando Stuart "thwart:, a historiadora Maria ]nes Oliveira afirtna que "a coartacron" era urn esta-t.^_^to legal d<^ /n,cn^^a esparhola"que perrnitia aO eseravo exiuir a fixa;ao de urn pre;() justo parahrc tr^itr^lhasse e r,,.adrs:,e c^^tnprur sir,: lit,crdade" Entretmito, a autora descoii,ece come turrcionava
rustII iro 1'.i e;,l to ri,ir lnrdrriio:: irrlcrir (1( 's icstarnc'rit er, 0 escrnvr, cear-tado tiiJra seu
f1xodo.1i ( s;;l^r.,or a s:Fu 1^drdo r_^u Ielu vc,r:'.a1r du p!o;net::rio"\ser T veiru, 0 L±hcr..
l is l 1 1? 1. F:T ilr
88
dor Para o periodo 1801 - 1889 proposta por Mattoso, o ex-procurador era um
baiano de fortuna mediana . Manoel Galiza estava em melhor situarao. Suas
propriedades em 1908 foram avaliadas em 33:000$000. Somados aos mo-
veis, qua valiam 80$000 rdis, sou patrim6nio era urea verdadeira riqueza.
Mesmo levando em consideragAo que os valores no final do seculo XIX e
inicio do XX foram corroidos pela inflarao, a fortuna desses ex -mesarios
era consider6vel.48
0 inventario do ex-tesoureiro Januario Cameiro, durante os anos de
1856-57, avalia moveis, propriedades, alem de algum dinheiro no Banco,
Mercantil e na Sociedade do Comercio, no valor de 19:699$000 em 1874.
'falnberrr possuia uma fortuna media alta . Maior fortuna era do ex-
procurador geral da mesa de 1861. Entre moveis , escravos e propriedades,
Antonio Xavier de Jesus possuia 49:370$000 em 1872. Esses foram os me-
sarios afortunados do Rosario. Poderia arriscar o palpite de que esses cram
mais afortunados do que aqueles da primeira metade do seculo XiX, mas a
falta de dados me impediu de fazer comparagoes.49
Em 1844, o africano liberto e ex-juiz do Rosario, Maximiano Freitas
Henriques, declarava que nao possuia bern algum, alem dos seis escravos
que deixou forros e uma escrava coartada no valor de 50$000 refs. hi a
ex juiza Ana Margarida Teixeira de Menezes, liberta, era mais modesta. Pos-
suia apenas quatro casas. Efigenia Maria de Oliveira, africana e ex-juiza
clan irlmrndades do Rosario das Portas do Canno do Rosario da Conceicao
da Praia e da Reden^ao declarou ter ni veis sem valor e cinco escravos.
Acredito poder concluir que os mesarios cram pessoas relativarnente reme-
diadas. Os demais confrades, que no aparecem nos testarnentos e nos in-
ventarios, pocletn representar aquele estrato da populacao baiana clue vivia
89
na pobreza . Walter Fraga ressalta que o fato de nao possuir escravos e vi-
ver do prc prio trabalho era sinal de extrema pobreza.so
Os confrades do Rosario conseguiram sustentar a vida material da
irmandade . Se a irmandade sobreviveu isso se deveu em parte a administra-
gao economica dos mesarios . 0 dinheiro ou a falta Besse trouxe inumeros
aborrecimentos para os confrades , principalmente para os tesoureiros. A ir-
mandade tinha seus limites na propria pobreza dos membros a naturalmente
os problemas cotidianos de sobrevivencia estavam presentes na associagao.
E nao poderia ser diferente , pois a associagao refletia a sociedade baiana.
Mas o que torna essa historia admiravel e o fato de uma irmandade com-
posta por negros geraimente pobres ter subsistido to longarnente.
90
1
CAPITULO IV
FUNERAIS , FESTAS E A DEVOcAO DO ROSARIO
Uma das funroes das irmandades era a organizarao de festas religio-
Un a funcreia . E petbaul om diveracia , easoa evetitoar oon tltufwn momantoe
especiais no calendario delas.
Os ritos fiinebres ocupararn lugar de destaque na Bahia oitocentista.
Morrer com pompa e cerimonia era sinal de que o morto nao era qualquer
um, representava prestigio. Ricos e pobres, brancos e negros, livres, libertos e
ate escravos buscavam esse firn. A atrarao que os baianos tinharn on ainda
tem pela morte chamou atencao dos estrangeiros que visitaram a Bahia nes-
se periodo. Thomas Lindley escreveu que um dos principais divertimentos
da populacao eram os "suntuosos funerais." Os corlejos funebres se trans-
formavam, as vezes, em verdadeiras procissoes. De acordo com Joao Reis, a
morte era urea festa, porque "para os baianos morte e festa nao se exclui-
am. „l
As atitudes diante da rnorte revelam aspectos relacionados A mentali-
dade religiosa e outros temas. Os testamentos fornecem informaci es a res-
peito de pedidos de sufragios, de local de enterro, de intercessao dos cantos.
Estudar a rnorte significa entender um pouco mais sobre irlnandades religio-
sas. Basta lernbrar que, em 1836, as irmandades religiosas promoverwn urna
revolta contra urn cemiterio, pertencente a iniciativa privada, que retirava
dessas associa^i cs o direit0 do cutenrar os nrorlos erg seas teniplos. Alcnr
91
da mudanca do antigo costume, as irmandades deixariam de arrecadar parte
de seus recursos , provenientes desse tipo de servico.2
Pretendo aqui descrever as atitudes dos irmaos do Rosario frente a
morte . Que pedidos faziam mail fregr entemcnte? Onde desejavam ser sepul-
tados? Pediam o acompanhamento de outras irmandades? Pediam funerais
pomposos? Essas e outran quest6es serao reveladas a medida que conhecer-
mos Qs seas testamentos . Juntamente com os testamentos , os compromissos
novamente serao fontes necessarias para entender como a irmandade tratava
da morte dos seus associados . Em um outro momento os ritos funebres no
serao festa, mas mostrar$ o seu lado mais aterrorizante . As epidemias da
segunda metade do seculo XIX aboliranm o costume dos enterros nas igrejas,
provocando mudanca. nas atitudes dos baianos diante da morte. E as irman-
dades seriam as mais afetadas.
As festas dos santos catolicos serao tambem analisadas neste capitulo.
A devorao a Nossa Senhora do Rosario e outros santos, principalmente Sao
Beiiedito, Santa Efigenia e Nossa Senhora das Doren, santos considerados
mais humildes, cram mais populares entre os inn5os das confrarias negras.
0 rnomento da festa catolica era tambem momento de congracamento, alem
de lazes- e divertimento.
Assim conio a morte, a festa possuia seu ritual. Sermao, novenas, mis-
sal e, principalmente, a prociss5o constituiam espetaculos publicos. Nesses
momentos, os negros do Rosario reafirmavam seu estilo de cultura religiosa,
exp)ressavaln unna f'e que se aproximava mais de urn catolicismo baiano do
que daquele cde Roma. A romanizac5o da segunda metade do seculo ;SIX
visava controlar, entre outras coisas, o saliente ]ado profano dessas festas.
2 Sol,re o nioviniento de renaterada de 1836 na Bahia, ver F:eis,A morte e uma feta.KatiaI Iat toso e Maria liies Jr Oliveira trai alliararii Cnni os testainentos de hlwilos tic, seculo YTY J'J.ra-
r i [ ^ ( < £ I ` i t oI`a: i'e< CSI 1!' t it [I aI I t ltl Ide!: Xer 111t'1 f^R dlal ?e d:^ 771i,1'I C. ,.er vs] er I(i IilicHC
:I1!^f L. "" i Ir. , .Jf i, . _ ui "i_r:: l,'^.
''r
92
Tentava-se impor uma religiao mais ortodoxa, sem muito sucesso. Atualmente
sagrado e profano se complementam nessas manifestacaes.
Como ja foi visto no capitulo anterior, a situagao financeira restringiu a
pompa e o luxo dam festividades em momentos de crise . Mas, nem por
isso deixavam de ser realizadas. Os compromissos ressaltavam a importhncia
das festividades na irmandade. Atraves deles foi possivel ter ideia de como
os irmaos organizavam as festas da santa padroeira. Mas vamos comecar
pelos funerais.
IRMANDADES E FUNERAIS
Como acontecia nas confrarias de brancos, os compromissos das diver-
sas imandades negras brasileiras tambem assinalavam a importancia do fu-
neral para seus associados. Pelo estatuto do seculo XVIII, a irmandade do
Rosario de Recife era obrigada a realizar o enterro dos filhos dos irmaos,
"corrr tudo quanto se faz por seus paes excepto Missa." Ern 1765, a innan-
dade do Senhor Bom Jesus dos Martirios, da cidade de Cachoeira, dedicava
urn capitulo do seu estatuto ao enterro dos irTnaos. Quando falecesse algum
membro, a irmandade acompanha-lo-ia "corn cruz na forma que se pratica,
composto corn suas velas ou tochas, e com suas capas [...] e o rnesrno se
fara aos filhos dos innios em local previamente destinado: "do Altar do
Sentror para baixo." Para aqueles que no fossem irmaos e quisessem ser
acompanlrados pela irrnarrdade, "dar5o de esmola Para ella does mil reis."3
Atraves do coinpromisso de 1820, do projeto de comprornisso de 1872
e do estatuto de 1900 e possivel verificar conio a irmandade do Rosario
das Portas do Carzno prornetia tratar dos sous rnortos no decorTer do seculo
XLX.
"Worn}^ronrisso da ]rrrrarrdadr dr N S do Rosaric, dos hornrrrs prctos da Vd1a de S Aol(r io doI•, r!r dr I I, 17 `,cr ^utri},lnnirs .̀[,^ ,{n 1111 J +u1 dr ,In ,h,,, tn 1,.^;ir^ ,1n': 1 l:,titrj„^^, •l.,
1':dr r:, 1 „r l! I',
N t v.' Yo-4:, 1 2 7 1
93
Quando o membro de uma irmandade falecia, todos os demais associ-
ados tinham obrigagao de acompanha-lo em grande estilo. Era urn sinal de
solidariedade para com o defunto e seus familiares e, sobretudo, um gesto
de caridade crista. Em 1820, o compromisso determinava que "quando qual-
quer irmao fallecer, e for enterrado no acto da Irmandade se convocara esta
no maior numero que pode ser." Os irmaos vestiam a roupa da confraria:
"todos corn suas capas, e vellas em duas alias com o Esquife, guiao, e
manga, ir.o buscar para Capella onde sera enterrado; e no faltara sahir
com o Esquife o Ca.pellao, ou outro qualquer Sacerdote a seu rogo." Alem
disso havia os sufragios que a irmandade celebrava. Apos a morte, as mis-
sal deveriam ser rezadas pela alma do associado. A quantidade de tnissas
estava diretamente ligada ao cargo que o falecido tivesse ocupado.
"Pelo que tiver servido os Cargos de Jui-zes, tendo pago a sua promessa, se the di-re dez Missas:o que fiver sido Escrivao, eThesoureiro, na mesma confomiidade: o EscrMo oito Missas; igual ao Thesoureiro:osos Procuradores e Consultores terao sete:o que so tenha sido Irmo cinco Missas[...J"4
Mesmo apps a morte a hierarquia era mantida. Aqueles que exerciam
algum cargo no deveriam em hipotese aiguma faltar a estas solenidades.
Era estrit.amente proibido porque "como cabegas da Mesa devem ser exem-
plares e nao omissos." Insistia ainda o estatuto que os juizes "nos enterros
dos Inni"tos fallecidos terao toda a especial deligencia em nao faltaretn; por-
que alem de ser acto da obrigagao do cargo que exercem, ta.tnbern o he de
charidade, que se deve praticar corno ultimo beneficio que recebem [os
mortos] dos que ficao vivendo.
"C olnprorr] Is So da lnnandade de 11.23 do Rosario dal Portal do Camio [1820] ," cap " Do r_nter-
rarueldo e ] II : a'; due lnnr os fallecidos " rx I, do: I. fl : 1 , mss A, 111 S I_
ffl , i.: TUl::rr lf,.^^e ?Y. 1,dcv_ I, ^.)l',r11;,S.
L. 1 L 1'.
94
0 estado de pobreza dos irmaos nao os excluia do direito a um fu-
neral decente . Rezava o compromisso que "fallecendo corn efeito no estado
de pobreza, sera enterrado pela Irmandade da mesma forrna que outro qual-
quer Irmo que a fortuna o constituisse em abundancia de bens, e the darn
pelo arnor de Deos hurna mortalha branca ." A mortalha branca era urna das
roupas mais pedidas pars os enterros, era tambem a mais barata. No inicio
do seculo, a excecao do numero de missal, a irmandade garantia a igualdade
de todos na hora cla morte, mas posteriormerrte isso nrudaria.6
No projeto de compromisso de 1872, uma das obrigacoes dos irmaos
era "prestar-se ao acto de acompanhamento do irnao que fallecer, e por
meio das oraroes conhiecidas, implorar a salvarao de sua alma [...]" 0 proje-
to tambeni dedicou urn capitulo aos rhos funebres
"Logo que fallecer qualquer Irmlo, os linos da capella dar^o os signais funebres do estillo, sendo emhoras permettidas pelas leis canonicas e rnurricipais."
Os irmaos falecidos tinlram direito a encomendacao e acompanhamento
da irmandade , a carneiro , missa de setirno dia, "convidada por carta sua
farnilia ." Isso quanto aos irmaos em dia corn seus deveres financeiros, corn
suas mensalidades . Quanto ao associado que morresse em estado de pobre-
za e sem parentes, a mesa promovia seu enterro apenas "de acordo corn a
econornia do cofre da Imiandade , dispendendo ate a quantia de trinta mil
reis " para os irrnaos que tivessern mais de um a no na Innandade.8
Q funeral constava tambem no comprorisso de 1900, e corn direitos
arrrpliados a nrembros da familia do associado . Todo irmao tinha direito a
sepultura , bens como "sous filhos legitirnos ou legitimados por lei ate a ida-
° "^ orrq rorr^is :;o - (1 5 2(], ca1..> LII "Da Charidude que se pratica 'a corn os Inn5os doentes, pobres er_ncarre^ odc+s cr. 1 , doc 1, fl ? 3, fuss f.Lli SR
"Iroieto de o1tilr(,i^^isso ''[ 1E< 721, rap 1 7 "Dc,s Suffrcgios que teri,o os inj c's falecidos", cx ld:,c 2 , 11 17_.iS, .,a !_1 ld P 1.
95
de de 12 annos ." Essa era uma novidade que o estatuto trazia. De novo
exigia -se o acompanhamento da irmandade no funeral. Caro esta tivease
condicoes , usava-se o carro funerario no trajeto ffinebre. Custoso, o carro no
trajeto funebre era sinonimo de elegancia e ostentacao , tendo sido seu use
difundido ao longo do seculo XIX. Rezava ainda o estatuto que o morto
possula direito "aos dobres de sinos, a todos os sufragios privativos da Or-
dam e a missa do 30 dins ." Conserv va, co,no nee compromisso de 1820, a
celebragao do dia dos mortos. Essa comemoracao era realizada na primeira
segunda feira do mes de novembro.9
A visao dos africanos sobre a morte era to complexa quanto a do
catolicismo barroco. A morte era encarada como passagem, uma rnudanca de
estado e de piano de existencia. Para os nagos, por exemplo, a morte a uma
passagern do aiye para o orun. "0 orun e o espaco sobrenatural, o outro
mundo. Trata-se de uma concepcao abstrata de algo imenso, infinito e dis-
tante[...) 0 orun e um mundo paralelo ao mundo real que coexiste corn
todos os conteudos deste." Os ritos ftinebres seriam os responsaveis pela
passagem tranquila a este mundo paralelo. "0 morto que nao recebe os cui-
ciados necessarios, corre o risco de perder sua identidade no caminho que
devera levy-lo ao Onrm e transforinar-se em Egum errante pelo rnundo."10
Atraves do relato dos testadores membros do Rosario, pude perceber
que a mode "catolica barroca" tambem era complexa, os ritos cram impres-
cindiveis na cerim6nia. Os testadores tinham extrernada preocupac io corn
seas funerals, no que nbo diferiarn do costumes predominante na epoca en-
tre todos os baianos. Verifica-se que a boa mode so era possivel atraves
de suas irmandades. Para libertos e escravos, pertencer a uma confraria
dava direito aos ritos funebres. C) negro que nao tivesse esse direito podia
ser enten-ado em ceniiterios considerados de pagbos. 0 medo de ter seu
^' ' ' •lnq-r( ,nnsso da - -1 `-1 ^, . C z 1. doc.3, rnWs Al ld ?!\cr,er,1acl Clydc^rr, d() F.os;^n 1 c1, cNI 1 A- W1: .lkll, ^.;!c til i: .':i l' ^_ In.'^o-; ,^ ^G ^_.''iC ^`e^^,i•c U-n(uil>-, ',;
96
corpo enterrado nesse tipo de cemiterio levou, particularmente , muitos escra-
vos a se associarem as irmandades . Nelas o negro morria cercado da fami-
lia ritual , alem da certeza , de, com ela, passant` ao al6m.11
Atraves das irmandades , o funeral se transformava num ritual signifi-
cativo. Elas se responsabilizavam par buscar o morto em sua residencia,
acompanha - lo, sepulta -lo e rezar os sufragios necessarios para. sua alma. 0
testador declarava , na rnaioria das vezes , que a irmandade de sua escolha
deveria acompanha-lo . Ease foi o of so da liberta Maria de Freitas Guima-
raes, de narao jeje, que pertencia as irmandades do Rosario do Carmo e de
Sao Benedito. Ela declarou em 1830 que "se no dia do meo falecimento a
dita minha irmandade do Rosario, dei.xar de me vir buscar as horas proprias,
isto e, ate as oito horas da noite serei imediatamente enterrada no convento
do glorioso padre Sam Francisco na minha irmandade de Sao Benedito."12
Maria de Freitas Guimaraes dava preferencia ao acompanhamento da irman-
dade do Rosario, rnas desconfiava que esta the pudesse falhar.
0 enterro devia sempre ocorrer de acordo com a vontade do testador,
havendo algurnas vezes conflitos e desconfrangas quanto a presteza do ser-
vico da confraria. As vezes surgiam disputas entre a irmandade e parentes
dos falecidos. Em julho de 1855, Geraldo das Merces, tendo dado ao escri-
vao da confraria a quantia de 8$000 reis para que o enterro de seu afilha-
do fosse realizado na propria associacao, nao viii o servico realizado porque
a irmandade alegara que todos os seus carneiros estavarn ocupados. 0 se-
pultalnento acont.eceu no convento de Sao Francisco, rnas "a innandade nao
fez acto algum e nern sepultou-se o dito cadaver." Geraldo das Merces
exigia o dinheiro de volta, uma vez que a confraria nada fizera. Os mesari-
os do Rosario nao quiseram pagar e o suplicante levou o caso as autorida-
(les. I'
i ' I : I i _ s ' , , -I, I - I , - Trarn"n! (I F I" 1 ' .I'LL. ^_'/2-_
97
Nao foi possivel saber o desfecho da hist6ria acima e nem conhecer
a versao dos irmaos . 0 documento nao esclarece se Geraldo das Merces
era membro do Rosario, ou se apenas queria que seu afilhado fosse enter-
rado na igreja de sua simpatia. De qualquer forma, aparentemente, a confra-
ria fez pouco caso do funeral do menino . Um caso de negligencia, talvez.
For outro lado, houve casos em que a irmandade cumpriria seu papel
sem ser reconhecida. Em 1872 faleceu o portugu@s Joaquim Cust6dio Fer-
nandes, que pediu em testamento ser levado para sepulture pela irmandade
do Rosario, "para cujo firn deixava a esmola de cem mil reis (100$000)." 0
testamenteiro do falecido havia comunicado a confraria que o enterro seria
as 4 horas da tarde. Os innaos do Rosario se prepararam para a ocasiao e
foram buscar o corpo do falecido em sua residencia. Para surpresa de to-
dos, o defunto ja havia sido levado de carro. A innandade exigiu do testa-
menteiro o "pagamento da dita esmola, visto ter a Irmandade comprido seu
dever." 0 testamenteiro negava que a innandade comparecera a residencia
do falecido. Os mesarios exigiram do prornotor sua interferencia, que deu o
-cjnintC parcccr:
"A ser exacto como parece, o que consta dos docurnentos juntos a lmnandade apresentou - se a horapara levar o cad6ver , e portanto tern direito a havero legado deixado pelo testador."14
A vontade do nroilo nao foi eunrprida e os inriaos do Rosario exi,gi-
ram na justice e obtiverain o dinheiro que flies periencia. Talvez o fato de
urn portugues ser levado a sepultura por urna confraria de negros pudesse
ser bony para sua alma, mas nao agradasse parentes on patricios. No seria
socialmente prestigioso e assim decidiram contra o desejo do mono."
n?,
98
Em novembro de 1894, a viuva Maria Eduarda de Araujo exigia dos
rnesdrios do Rosario a quanntia de 30$000 r®is que o seu marido Leopoldi-
no, confrade da irmandade, havia dado como joia de entrada para compra de
urn carneiro . 0 marido faleceu e a irmandade na.o providenciou seu enterro.
0 tesoureiro respondeu ao oficio da dita viuva, relatando o seguinte:16
"No dia 20 do passado chegando eu em casa as 9 horas mais oumenos,disse -me minha mulher aqui veio um homem dizer que morreuo Sr. Leopoldio a quo vinha set depositudo no lgraja, no dia seguiriteporenn , eu fun na Igreja e dei logo as providencias necess 'drias a fiqueia espera de pessoas competentes que viesse declarar o que havia deverdade, no digando -se a comparecer pessoa algurna da familia, julguei en que houvessem tornado outra deliberaclo, porem depois destahora, encontrado eu corn o Sr. Bebiano Soares, na rua direita do Collegio com uma caixa de capella perguntei : Voce vai de capella quemThe faltou? disse-me elle meu padrinho Leopoldino, ent5o disse cu aelle ter recebido um recado hontem a noite , a ate esta hora sem confirmacao alguma[ ...] elk disse -me que o finado havia dcclarado os seus desejos a respeito a Ordem do Roz'rio, ja ve que esta falta foipelo lado de quern quer que seja, c ri o da Innandade,entio pedia euque fizesse sciencia a farnilia que ate esta hora ignorava tudo [como]nao tinha camel os abertos, e era ilnpossivel aquella hora [abrir], disseeu ao Sr.Bebiano neste caso no papa? eu tambem the respondi,paga".
A solu4ho encontrada foi a compra de uni carneiro na irmandade do
Senhor dos Martirios, tendo a irmandade do Rosario se comprometido com o
pagamento. Explicou, ainda o tesoureiro, que por diversas vezes quis pagar
o carneiro c o dito Bebiano sempre deixava pars depois. 0 tesoureiro afir-
nlou que tudo nao passara de urn man entendido e que a irrrlanclade cum-
prira scu papel e por isso nao devia nada a viuva.
Estar em dia coin a innandade do Rosario garantia uma mode segura.
('aso contrario, o iim io cra olhado coin desconfian^a. A organrzacao dos
fiunerais estava, na malorla das vezes, condicionada a disponibilidade finan-
ceira. Em 18-50, os mesarios do Rosario afilmararn que os filhos falecidos
dos lmi os solnente teriam direito a sepultura, caso a joia do membro as-
99
sociado tivesse sido quitada. E no caso dos irmaos mesarios que no tives-
sem "completo o anno de seu emprego, e que no meio d'elle falega-lhe o
filho, para. poder fruir da referida Braga, pagara logo sua joia.""
Os conflates aconteceram, na maioria das vezes, envolvendo parentes do
motto e irmandade. Em alguns episodios, o morto no teve sua vontade
cumprida. 0 morto determinava no seu testamento, os seus desejos, e cabia
a irmandade cumpri-los. Quando into nao acontecia, a confraria era acusada
pela familia do falecido.
A vontade dos irmaos
Autores como Katia Mattoso , Maria Ines Oliveira e Joao Reis ja assi-
na.laram a importancia dos testamentos como fontes importantes pars analise
do comportamento diante da morte , quando "certos subterfirgios e mentiras
sociais desaparecem e revelam -se os segredos que se escondiam no fundo
do coragao ou da rnemoria."'$
Quase sempre os testamentos cotnegavarn corn: "em norne de Deus, on
do "Pare " do Filho," "da Santissima Trindade ." Em seguida o testador ex-
plicava porque redigia o testamento . A liberta Rita Pereira do Nascimento
Campos, inlta do Rosario , em seu testamento datado de 1827, declarou:
"estando en] rneu perfeito juizo , e entendin iento, molesta de caina teniendo-
me da mode e desejando por minha alma no caminho da salvagao , por nao
saber o que de rrrirtt Deos quer fazer e quando sera servido levar -me para
sy faco este rneo solenne testamento na forma seguinte ." A doenga e o
medo do pos -mode fez corn que Rita preparasse seu testamento . Cuidou dos
seus herdeiros , quitota suas dividas com a irrrrandadc , resolveu outros assun-
tos rrrunda.nos antes de passar para o outgo tnundo.'9
1 i.^S h. C oll-(";; i r!•_1 l^ ,()u,1cn: ias, 17 r 1e rrv- ,,o de 7 ^ , 5 .). fx 3 , 1')) -f
<<cdr ^"^ ;i^^, /, ,^^(m, 1 11 t.^^^il,^•.n ^.. ^.; ^^ ,{^,^, 11,1-.t^^.^,n .e L:^,;e'^7li,^ ^) ^•,^^ a ^ ^Ir^^nt+. ^ !.f t« ^t^.
100
O destino da alma era a principa, preocupagdo dos testadores. A
maioria deles afirmava textualmente temor da morte. 0 ex-juiz do Rosario,
Francisco Martins Afonso, inicia seu testanu :nto da seguinte forma:
"Em nome de Deos Amdm . Eu Francisco [... ]desde obatismo , e par isso firma na fe[... ]e que tambem invoco no Santo nome, e no anjo da minim guarda c queestando em meo perfeito juizo e temendo a morte ordenei o presente meo testamento na melhor forma dodireito e inaneira seguinte.»20
Os pobres e mendigos, tanibern a pedido do testador, acornpanhavam
os funerals. Os testarncntos expressavarn assim o sentimento cle piedade.
"Em troca das esmolas os benfeitores pediam que os indigentes os acompa-
rdiassern ate a sepultura e rezassem pela salvacao das suas almas pecado-
ras " `'1 Em 1811, a ex-juiza do Rosario, Ana Maria do Cartno, africana, pediu
que 16 irmiios pobres acompanhassern seu enterro e em troca cada urn re-
ceberia a esmola de 4$000 reis. Isso derronstra que ela nao era pobre e
rcveia ainda unia hicrarquia dentro da inuandade. A ex-mess ria pedia urn
funeral digno cia sua posicao. Alem de Tedidos Para acompanharnento de
enterro havia aqueles que exigiam ser canregados pelos pobres e mendigos.
Esse fol o caso do liberto, e tambern confrade do Rosario, Joaquirn Louren-
4o Ele declarou que gostaria que scu como fosse carregado por "quatro
inhi ios nrendicantes, dando a calla burn dez tostoes." Em 1872, a ex juiza do
Rosario, Ana Margarida Teixeira de Menes, -,, exigin seu enterro corn decen-
cia, rmas scum luxo, e o seu corpo conduzido "a mao por pessoas pobres."``
A afiicana I4racia Fenrandes dos Santos, liberta, declarou ern set] les-
lanicnio de 1827 que queria Icr scu corl)o conduzido pela irmandade do
Rosario e sepultado na porla principal da icreja. Sinai de prestigio? Talvez.
101
A entrada de uma igreja e o primeiro passo em direcao ao espaco sagrado.
Certamente a of icana desejava que sua morte estivesse presente na memo-
ria dos fidis e confrades do Rosario . Outros testadores nao especifrcaram o
local exato da sepultura . Assim , em 1825 , 'Jertrudes do Espirito Santo, irma
de cinco irmandades , entre elas o Rosario Ias Portas do Carmo, determinou
que seu corpo fosse enterrado no conven .o dos Religiosos do Carmo, na
innandade de Jesus Maria Jose, mas as demais confrarias seriam avisadas
para o acompanhamento do feretro. A escolha por uma irmandade na hora
do sepultamento acontecia devido a varios fatores: simpatia do irmao, meno-
res taxas de serviro por ser confrade ha mais tempo. A preferencia indica-
va tarnbem o prestigio da innandade peran,e seus membros ou simpatizan-
tes.23
A mortalha tambem fazia parte do ritual do enterro. As Constituiroes
Primeiras proibiam o luxo e a vaidade na:: roupas dos defuntos. Oliveira
of rma que o costume de ser amortalhado no habito da Irmandade a qual se
l>Ctlencla Cla C 011111111 it tu(l il s as ca 11Ia (Ias socials, "c sell signlhcir(lo CI'-,l ex-
primir a igualdade (-io nivel de sua posicao e a diferenciarao ao nivel da
sociedade global ." Pedia se muito para ser enterrado em hAbito franc'
e cn1 nlotlalha l>ranca. Dos 37 testarnentos consultados de liberlos Para a
prinieira metade do seculo XIX, apenas cinco testadores n,io especificaram
corn que vestimenta gostariani de ser enterrados ; dezoito cscolherain o habito
firanciscano, Hove a niollalha branca , dois len^ois, urn habito branco coin veu
preto, urn habito da innandade e urn habito das religiosas da Soledade. C)
habito franciscano simbolizava a pobreza , a llumildade , dai a preferencia dos
lesladores. O use da mortalha branca pode scr entendido em pane Como um
costunle air icano, que tlulia nesta a cor da, morle , alas e larnbeni preciso
lenlbrar que o branco era cor crista: "havia urna relarao nmais direta com o
I)IalR .^ (to ;^^ult (^ ,Sud,u10. 0 purlo Clue cn^olv'_u o cadaver de Cristo e coil]
102
o qual ele mais tarde ressuscitou e ascencleu ao ceu ." Oliveira aventa duas
hipcteses para explicar ogee costume: o eig .ficado africano da core a outra
o fato de que pessoas que no tivessem t,-orno adquirir o habito francisca-
no, cannelita ou qualquer outro, eseolhiarrr a mortalha branca , por ser mais
barata.24
Ainda que a nova terra oferecesse novos costumes, certamente no mo-
mento de se recriar novos comportamentos , novas atitudes, os africanos apro-
veitavam muito de sua tradigao . E isso fcava mais explicito na hora da
morte. Na preparacao do encontro corn o c'ivino, corn os ancestrais, a heran-
ca cultural ainda que timida se apresentava.
Os sufragios para os mortos, parentes, amigos e ex-patroes tambem
estavam na lista de pedidos dos testadores. As missas garantiam urn born
destino pars a alma. Como ja foi visto no capitulo anterior, as missas fune-
bres eram aspecto importante na economia i*vtterial da irmandade. As missas
purificavam a alma do pecador, abreviando sua passagem pelo purgatorio.
Os pedidos de missas de corpo presente, '.narcavam a separayao do morto
dos vivos." E as innandades cuidavarn de celebrar as rnissas imediatament.e
apos a morte do irmao. No capitulo XX do estatuto de 1820 da irmandade
do Rosario clas Porlas do Canuo, consta uma lista de todas as missas da
coniniria, CIlFC Os qua is destaca-se a rllissa (los linados, corn proci s",io.
c_)s sulragios estavFUn presenles niio app nas na hora cla morle do IRnao,
mas acompanhavarrl o cotidiano cla innandade em outras ocasioes. Ern 1852,
a viuva do ex-inniio do Rosario, Marcellinc dos Santos Lima, pediu que a
innandade celebrasse missy polo aniversaric de morte do scu marido. Pas-
sados os ands, a viinra queria garantir um bom destino para a alma do fa-
lecido.`1
I.;ol,trir du Vidr, C-7co rl,tr icons .... TIT LVI dect'rlcia das sepuituras, c.652 ; F.ei, A
] 1 k ^^I'.^Y Ir.7, _) lla<' p
t•r !!i.:. f,nn l-rr. v (,r 1 c : A rxortc r umr. !;rrtn ..)) :(4-21: Al ]d ^. ^c!n) rn!^us:,c
- yA
103
Os testamentos revelam , na maioria das vezes, que as missas eram
pedidna em beneficio do testador . Rose foi o oarra do africano A8ostinho do
6 Freire , ex-procurador do Rosario , que pedu ao seu testamenteiro tres mis-
sas por sua alma. 0 seu pedido era modosto, principalmente se comparado
corn o testamento de Emereciana Maria da Ressurreigao , que havia pedido
apos sua morte cinquenta missas de corpo presente "pela sua alma no valor
de 320$00 refs ." Mas tambern havia aqueles que pediarn ofereciam niissas a
c6njuges falecidos, os anjos de guarda , ex-senhores, entre outros.Z7
Os enterros fora da tgreja
Em 1836, o costume de enterrar os mortos nas igreja .s das innandades
parecia ameagado. Uma nova lei provincial concedia a uma companhia pri-
vada o monopolio dos enterros em Salvador. Os confrades das diversas
agremiagoes religiosas reagiram a essa novidade . Com seus paramentos,
opas, estandartes, os membros das initandades exigiram do governo a revoga-
4ao da lei. Apos manifestagao em frente ao Palacio do Governo, seguiram
em direcao ao Cemiterio do Campo Santo. Em menos de uma hora, deram
com o Cenriterio a baixo. Era a revolta da Cemiterada, onde os representan-
tes dessa cultura funeraria lutavam pela preserva4ao do costume de entenrar
seus mottos nas igrejas. O .governo foi obrigado a. recuar.`8
Se os cotifrades sairani vitoriosos no episodio de 1836, o mesrno nao
aconteceria na decada de 1850. Nesse periodo, a Bahia enfrentou epidemias.
1'rimeiro a febre amarela e, posterionuente, o colera morbus mudariani os
costumes funerarios dos baianos. Sepultawrm-se os defuntos muitas vezes
em covas rasas. No havia tempo para enterros niais decentes, uma vez que
a quantidade de ntorios era assustadora. P lei de 2 de agosto de 1850,
proibia as inuni^a4i,es no interior dos icniplos, "entretanto os velhos habitos
cram dill ceis do screw descrtratzados, apesar de ja haver legisla4iio contra
1 04
eles: autoridades policiais entraram em conflito com os parocos e o povo,
que nao se conformava em enterrar seus tmtes queridos em lugares aber-
tob.,.s29 Mae a fiscalizaglo era atunrtte nits Inbandadlas . Em votembro do
1850, os mesarios do Rosario das Portas do Carmo foram inquiridos por um
subdelegado sobro par que continuavarn a enterTar scum mortoa nos carneiros
da igreja.3o
Corn a chegada do colera, em 1855, o:- governantes conseguiram proibir
do faro os enterros nas igrejas . Em agostc do mesmo ano , os professores
de inedicina decidiram incluir no novo Codigo de Higiene, um artigo proi-
bindo as inumacoes dentro da cidade. No dia 3 de setembro, uma lei de-
finitiva confirmaria a proibicao. A populacao agora tinha medo de se conta-
giar do colera atraves dos mortos. A cultura funeraria cedia espaco diante
da epidemia.31
0 cotidiano das irmandades foi abalado pela febre amarela, a variola
e mais especificamente com o colera morbus. Mas, se por um lado, as ir-
mandades viram seu antigo costume sucumbir, por outro lado elas promove-
ram procissoes de penitencia contra o colera.. "Alem de anunciarem o cortejo
pelos jornais, enviavarn convites para os pro„Drios irmaos, parocos, autoridades
e outras confrarias." 32 Em outubro de 1855, periodo mais critico da epide-
mia, Os irrnaos do Rosario da Concciv o rla Praia enviaraun convile aos
seus congeneres das Portas do Carmo Para sairem em Procissao de Peni-
tencia "pelas ruas da freguezia, para implore a sua efficaz protecao, perante
o Pal das Miscricordiac, afim de afiigentar de entre nos a epidenlia corn
que nos tern ferido[...]" A solidariedade nessas horas se f'azia neccssaria no
apenas entre innaos da mesma agremiacao.33
10 Anna ArIlf- lia Vieira Na;: cirncnto, Lxz .jrcj"Ura,a:: da cidude do Salvador , Salvador, Furida ;' ao Cul-tural 1c, Est ado da I• rLr,ia, 1 bE., p 165
.1 14 3 T: Tenin:, de }•',^.:;olu,^o , cz U?, lnr 02, fl 277nil 3,, 1.,,s I''u ic] ,a,m:,t•,', ,nv,sa'c1...1. s. i
105
Com a obrigatoriedade de enterrar os mortos nos cemiterios, o gover-
no incentiva sua construgao. Em 1857, o governo cede terreno a irmandade
do Rosario no cemiterio das Quintas dos Lazaros "para fabricar" seu pro-
prio cemiterio. Os mesario se reuniram e farmaram comissao para "agenciar
esmolas entre nossos irmaos e devotos, a fim de se dar principio a factura
de nosso cemiterio." No ano seguinte, em "acta de sessao de Meza," indica-
va-se a continuagao de obras dos novos carneiros.34
Mas passado o tempo do colera, um ^,-ostume se tornou frequente entre
a populagao baiana: o de depositar os osssos na capela da igreja onde o
morto era irrnao on simpatizante da confiaria. Em 1865, Paulo Alves da
Conceigao pediu ao provisor que os restos mortals de sua mae, D. Claudina
Porcina de Sao Jose, fosse levado do cer^H'erio das Quintas dos Lazaros
para a capela de N.S. do Rosario das Portas do Carmo. No ano seguinte,
D. Maria. Theotonia de Menezes pedia pF a que os ossos do seu finado
marido fosse depositado na sacristia do Rosario. Os mesarios decidiram que
o pedido somente seria aceito rnediante o pagamento no valor de 20$000
reis, porque o finado nao era irmao daquela confraria. Em 1870, Francelina
do Sacramento e Damiana Maria solicitaram aos mesarios "para depositarem
nesta capela [Rosario] as ossadas de suas falecidas maes, oferecendo vinte
mil refs (20$000) para ter direito a fazer depositar na Sacristia e Damiana
dez mil reis." Os vivos desejavarn ter seas mortos mais pr5ximos de si.
Ainda que niodilicado, persistia essc costume.''
Se a irmandade cuidou para que seus associados tivessem urea morte
decente e os mortos fossem sempre lembrados atraves dos sufragios, tambem
nao se esqueceu dos vivos. A festa da santa padroeira era e ainda a um
marco no calendario dos imiaos do Rosari 0 divertimento, a fe, a preser-
!.}zla'ir; all I rnfe Joao F:eis jrr,ter colocado a rnii a disposi ac, a documents ao referents aorist.rI v r1( c uuurr,rr,, da 11-ruarnla,le \'er Tt•nuo de rrsolu;ao, fl de jurllro de 1657 e 30 de
tn;nc' 1, i`b
:" i ' r,.l, ,il l,'rr [;IF, I lc '1r1, 1Y. _ ., 1; . Trnuw ,1r rrr,.lu ai, l^ ,1t.;i^ rl j, ... Y. +l ^. 1- 7. 1 ale ,1P.'S"]:,1 .: ( tit ^i }. ,j i (I!,• l^li r.^-r. i
106
vacao da sua cultura eram elementos indis;?ensr veis nos festejos dos associ-
ados.
II- A festa na confraria
A devocao dos irmaos
Nossa Senhora do Rosario se popularizou entre os negros, tomando-se
sua protctora. Segundo Julita Scarano, desde o seculo XVI "era sob essa
invocacao que em Portugal se congregavara os homens de cor." Os santos
pretos e pardos tambem gozavairl de singular popularidade entre a comuni-
clade negra baiana. Entre eles destacam-se Santa Efigenia, Sao Benedito, Santo
Antonio de Catagero, Sao Gonyalo, Santo Onofre. Alcm de intennediar Deus
e o mundo.36
Nao encontrei nenhuma explicacao convicente sobre o culto do Rosario
como protetora dos pretos, mas em todo o Brasil as mais famosas e mais
antigas irmandades negras sao do Rosario. que se sabe, Segundo Scarano,
e que a irmandade do Rosario originou-se da "antiga Ordem Religiosa de
Nossa Senhora das Merces pars a Redens-o dos Cativos, dedicada a livrar,
na Ailica, os cristiios do jugo mom-o. Nesse caso e, pois, compreensivel que
fosse a padrocira escolhida."37 Entretanto, essa nio e uma explicacao satisfa-
toria. A di-suilgayio do culto de Nossa Senhora do Rosario foi feito pelos
dominicauos, que popularizaiu-am o culto na Peninsula Iberica e (Jai fe-lo se-
guir Para o Brasil. "A Igreja, no scu esforco Para integrar o africano reccm-
chegado puma socicdade calolica c branca, atraiu-o Para as irmandades mail
capazes de interessa-lo."'a Acrescenta Roger Bastille que o culto de N.S. do
Roshno estava fora de mods, sendo restabelecido quando os dominicanos
emvlaram scus nussionanos para a Africa, "dai, sua Introducao a sua genera-
1 07
lizacao progressiva no grupo de negros escravizados."39 Mas Segundo Wal-
demar Mattos, a devorao do Rosario das Portas do Carmo, foi organizada
pelo padre Joao Pereira, baiano, jejufta,"dedicado a. protec .o dos escravos.""0
A historiadora Maria Aparecida Gaeta afirma que foram as contas do
Rosario que proporcionaram, no perfodo mec':.,val, a vitbria dos dominicanos
sobre os turcos em Lepanto. Este lado magic o do rosario seria adotado pelos
negros. 0 rosario era tido como uma "anr contra a repressao brutal de
seus cultos, utilizado corno uma espdcie de tunuleto que os protegiam dos
brancos. Alen disso servia como elemento para fazer simpatias, sobretudo
em quest6es atnorosas e conjugais. Luiz Mott descreveu varios casos de
negras que faziarn seas siinpatias, utilizando as contas do rosario para os
"feiticos amat6rios" no Brasil colonial. Segundo Eugenio Alisson, o rosario de
contas se assemelhava con o ifa-cordao, entrelarado con nozes ou buzios,
utilizados pelos africanos Para consulter o destino." Aqui os negros reelabo-
4trariam a tradicao africauia.
O catolicisnmo frouxo
As praticas dos catolicos baianos -k.ram nmotivos de Lepanto Para
aclucles que clesconheciam nossa cultura. Os visitantes achavani que os
baianos profanavain as festas cat6licas. Pi• .re Verger cita o caso de Fran-
cois Froger, que passando pela Bahia no stculo X'VII, Sc escandalizou con
as pmcissOes religiosas:
I•.c+tar I astide• As r(Ir^;i c; c 1"Iccrus !;c, !;1(v 1, 35 c, 1- )uio, Livraria Pic,i,eira / E'DU3F', I b71 , v.1
i, 1c?44
,^rh 1( 1(ril?lr I'I:,tlc+f' CJ ,cnt ru;hu, I•:ic de Jwxciro, Cie lclitara Gr6-, ^1,(bi<^l.'i^ Jl'^1,'+!7 CQ culiu! l do 1'(,Iir., I:ar tr, 1`-S1, ii
r:,ec+ rr,^ 1•ra; as {- l ^f• . L.^r.- 1.^.cdt. "I.'(+tio.a•u± c• t^n•^uc^t, re•Lprnsli Ddre a ca;.ela
u. nrri Lags 6, 1 irflc' _.I '!-. 'h! `1-,;1 (1, Ll ,I
i :, ^. ,>>: .•.. 1, ! 1.i^ l.lis. ....,.2, r , .t(•^•C': .. ^, i
108
"No dia 21 de junho, nDssos Senhores (os oficiais) depois de te-reni ido saudar o Govem:.u.,r e o Intendente, dos quais receberammuitas gentilezas , foram v, r a procissdo do Santissimo Sacramentoque nio a menort conside"lvel nossa cidade pot rune quanddadeprodigiosa de crucifixos, d relictirios religiosos , quIo iidicula pelosgrupos de mascarados, dc, instrumentos e dangarinos que, por suasposturas lubricas , pertubaram a ordem dessa santa cerim8nia."42
Mas, o costume de dangas consideradas prolanas nas procissoes rernon-
ta a uma epoca medieval. Na Franra, no seculo das luzes, realizavam-se as
festas do asno. Em Portugal, as procissoes no interior das igrejas tinha de
tudo: dangarinos, apostolos, bandeiras, diabos, 3antos.43
Na Bahia, a maioria das festas catolicas herdou da tradicao portugue-
sa a preocuparao com o luxo e a ostentagdo. Na procissao do Triunfo da
Cruz de Cristo Nosso Senhor "havia em ctuantidades bandeiras, estandartes,
candelabros..." Negros libertos ou escravos participavarn dessas festividades.
"Era um catolicismo no qual os valores culturais e religiosos vindos da
Africa se tinharn discretarnente amalgarnado ►;om aqueles trazidos ao Brasil
pelos senhores port.ugueses."44
Os negros se identificavam corn esse catolicismo. Catolicismo barroco,
"repleto de sobrevivencias pagan, com seu politeisrno disfargado, supersticoes
e feiticos."45 Catolicismo em que os negros tirrham santos corno intercesso-
res, principalmente os santos negros. Era sobretudo uma religiao de contrato.
Pedia-se unia g'aca ao santo e em troca, quando atendido, o devoto pagava
geralmente na forma de nrissas ao santo p,lo ser vivo prestado. Urn caloli-
cismo de santos, ou como afirmou o sociologo Pedro Ribeiro de Oliveira,
urn "catolicismo popular," onde o conjunto de represent.ari.oes e praticas reli-
42 , r•Pran;uis Fro^;er aped Pierre Verger, ''FocissUes e Carnwal no Brasil," Ensaros/Penqrusas,n° 5 ,alvador, CEP.O, Out, 1 S;b4, r.2
43:,bre fesGfs rric•dievars vet Jacques } } -en , Festca dc lou,.or c carnaiwrs, Lisboa, Dom Quixote,
1'.:"-7 , \%c•rt. r ' T'ro' iss 'rs e Can,aval", 1, 344 -
Vrr;;c-r "Jr': isr u's (,-7 C) auior clama at cti, ,o par a o fato (it que as procrssOes e certaserunt!na^ { ssuimn u!n e:r{ ectt Cwruavalesc_r,
Pi cli'
109
giosas dos catolicos nao dependem da intervencao da autoridade eclesit stica
para serem adotadas pelos fieis.46
Na Bahia oitocentista, os santos catolicos influenciavam o curso da
vide e da natureza, "alguns dales considerados ' especialistas ' em um ou outro
dorninio particular." E o caso de Santo Antonio, tido como um mestre na
arte de arranjar casamentos. Sao Roque era um santo medico, especialista na
cura de doengas. Mas o fato de se ter santos especialistas nao quer dizer
que um fosse mais importante qua os demais. Todos eram considerados
poderosos entre os devotos. 0 cotidiano, no dizer da historiadora Laurinda
Faris dos Santos Abreu, era santificado. Cada dia pertencia a um santo. A
igreja "teatralizava o espago sagrado, elegeu nton>ientos maiores no calendario
littirgico e tornou-os festivos fomentando a exteriorizaga.o da fe e saciando
um imaginario avido de maravilhoso e de i '-presentagoes dramaticas.s47
O ritual da festa
A festa de N.S. do Rosario envolvia todos os confrades e, principal-
mente, os nrordomos, responsaveis diretos pela organizagao das novenas, da
procissao e da Testa propmunente dil.a. Participar dela, alem de ser urn ato
religioso, era urn ato moral, estabelecido na relagao corn a confraria e corn
a santa padroeira. Ditava o Coll mproinisso dcc 1820 que:
"A Festa da Virgem Nossa Senhora do Rosario, se far'a annualmentecoin Coda soleruudade dc%ida na segtunda Dominga do mez de outubro,corn missa cantada, Senn3o e Sacramento exposto; preparando-se parsisso a lpeja cons asscio, e oniato necessario: precedendo ern coves tarrtes snccssivas a Novena da r,esma Scrilhora, corn A9tisica oil orttio: cno dia da Festa se Tara a Pi-ocissi o corn aquella solermidade, que sercquer em senici haute acto,a goal hira ate as Portas de S5o Bento[...Inella hiraio as ntais Innandade; erectas na mesrna Capella coil) suascharolas dccenterricntc omadas.. a;uuulo a oidem dos lugares pelas suas arntilguidades."`
46 I'r drt ^. F:il c tri k C`li, etra, Fc h its- e L' ';;r,r,^ o do Gr:^scz, Petropolis, Votes. 19 5, p 1 13.4' ,..?li^:f_trn, f.^ It,i;1u.. ^• ... p 1 14 , Laurinda Faris dos ;]antot, P.br-eu, •,t',,uf^ ar•ie e lintandades . k. Santifi-
, (' do r^.u,tidi tilt," III _4 c
4 E ; q , , : : : < < , , _ • J j . f l : .s 1 „ s i , ' , , , •1a I t : , ,P r'r t 1',s;:r_' t- s,^licuid,'.P do sr,u dirt "IIws
110
No calendario da irmandade, a festa da padroeira era o momento mai-
or do celebrar1 o . Minas , sormlio a novenas exam elementos fhndamentais da
fostividado. Sem eles a celebracao nao se transformava em espetaculo. Sem
o brilho , esplendor e participagito dos membros a festa sucumbia . Alem do
serem momentos de ruptura com o cotidiarlo, cram, sobretudo, manifestagoes
"de renovacao dos lacos com o sagrado tltraves do cumprimento de pro-
messars relativas a gragas reeebidas , s€io momentofs de exaltui iio da fi huma-
na [...]49 Maria Aparecida Gaeta afuma 'iue os negros das irtnandades
construiram uma cultura e um saber escravo, "base de estrategias a projetos
de sobrevivencia cultural simbolica. Negros das mais diversas nacoes africa-
nas se reuniam e se irmanavarn durance festas de suas confrarias, preservan-
do suas tradicoes e os mecanismos de identidade cultural."so
Na innandade do Rosario os confrades tambem preservaram a memoria
africana. Jefferson Bacelar e Conceirao Scuza viram, nessas festividades,
um espaco oportuno para o Iivre exercicio das criacoes culturais dos ne-
gros, principalmente ias procissoes, que cram um "verdadeiro teatro ambulan-
te."r'1 Nos seculos XVII e XVIII, os negros bantos desfilavam com suas mas-
caras, seas atabaques. Coroavain seus reis e rainhas. Mas em pouco tempo,
as autoridades proibiri^un as mascaras. As festas de negros Braun temidas
pelos brauucos, (Iue acredit.avam que as ma.scaras facilitassem atos rebeldes.
111esrno assim, a memoria africana nao desa )areccu das festas das irrnanda-
des de cor.
No dceolrer do scculo XIX, as nr<iscaras praticamenle dcsaparecem das
Haas. Bacclar e Souza acreditam que a inexistencia de contato dos "negros
bantos" com a Africa fez cony que estes nao renovassem seus valores. En-
1,9arn,a a cicirl,4e r us !esias, F:i,-, de Janeiro , 1JFFJ, 1 9'_4, p.25•n il1 t_1[..^^ "`-...'dC` n^lg 1^..l^HF 1 1 24
!? ,.nn ;J ^•ri'1_ /r, !e1 r lri{^. Salvader ,Futria,bo do
1 ,,'riu^^^-i !; . sti ;'^^i•^.. i; 1 .^ !;t..,.. i'n' n, 1'.'74.) ^!i
111
tretanto, a preciso lembrar que o inicio do ;-,eculo XIX foi um periodo con-
turbado , marcado pelas revoltas escravas de nagoa e haussas. Isso pode ter
inibido, por pressoes das autoridades e da propria cornunidade negra, as
manifestacoes de rua.52
Como foi visto anteriormente, o compromisso de 1820 determinava a
participacao de todos os confrades na fest vidade. Alem disso, estabelecia
uma organiz^acao hierarquica das procissoes. Em primeiro lugar, a propria
confraria, em seguida as demais irmandades segundo criterio de antiguidade.
Os mesarios vinham na seguinte ordem:
"Goias a procissao os Juizes que tiverem servido oaniio anteced?nte , on os que forem inunediatos, eadiante da clrarola ira o Inngo I7iesoureiro actualdando a direita ao Nosso Reverendo Padre CapelIgo, o qual a.-ompanhara de Sobrepelliz."53
A hierarquia era praticada no cotidiano e na festa da confraria. 0
destile dos innaos expunha publicaruente o prestigio e o rncrito que cada
i nesa rio possuia. Era tennometro de status. Corn isso os mesarios recebiain
os dividendos de seus investimentos em teinno e dinheiro para a irmanda-
de. Estavam all corno lideres legitimos de uma comunidade de devotos. E e
I)rocedente especular que essa posicao de Lstaque devocional se traduzisse
cur lideran4a na conuuridade, em assrrntos ex-religiosos, nos negocios, nas re-
des utrricas, na interlocuciio coin o mundo dos brancos.
A procissao era o momenta mail solene da festividade. 0 tempo do
deslile Ionrava-se um tempo sagrado ou, como alinnou Maria Aparecida
Gaeta, o tempo lornava-se mulliplo, tornado pela devocao e pelo grazer da
liberdade. " tlrn tempo cin que o individual se enraizava no social e no co-
letivo." E em que its negros cram "sujeilos de sua religiosidade." 4
f ,^^ kv- Al °I t^. F.,
112
A festa religiose dos confrades parVt da tradicao de festas populares
na Bahia oitocentista "era tambe'm dag prin 4aa Ala cidade , havendo prof isa
omainentarao da Iva , barraquinhas, carrussel ',, musica, fogo de artiucio, e o
mais prolongando -se o arraial ate segunda -feira."55
0 efeito plastico da cerimonia era uma preocuparao dos organizadores
da festa. Quanto mais luzes, brilho, maior o prestigio da confraria. Em 1861,
os mesarios do Rosario pediam ao Provisor do Arcebispado licence para
realizar a festa da padroeira com "ornato necessuirio e cera bastante que
chegue ao menos a quarenta luzes ."'6 A rnusica tambem era fundamental,
mas ao contrario dos tempos coloniais nac se tratava mais da percussao
arfi-icana e sini os metals this bandas marcias. Neste ponto os irlnaos havi-
anl lido seu espirito danificado pela Igreja c governo, talvez unit resultado
da Romanizarao que discutirei adiante. Em 1890, os mesarios solicitavam o
"comendador das arenas" para "mandar was das musicas marciais para abri-
Ihantar a festividade externamente."''
Algunlas vezes a sltua( ilo tlnancclril (I ficultava a rea11za4Slo (1as festl-
vidades. Em epocas de crise, a irmandade adiava a data da comemoracao
ate que a alrecadacao de filndos fosse suficiente. Como foi visto no capitu-
lo sobre a eeouonlia (la irnlandade, frequentenlente os gastos coni a Testa
ociipavani unla graiide pane das despesas. Celebrac. ies de missas, novenas,
fogos, foguetes, musica, organistas e despesas coin vigario eram os principals
itens a sobrecarregarenl de despesas o Rosario. Eni 1824, gastararrl-se coin a
Testa 477$840 rein, enquanto as delnais despesas chegaram a apenas
248$390 rcis. No periodo de 1848-1849, as despesas (las festas tiveram a
seguint e distribuiy io:
^c ::t da II.'d.t-. rat„po^,:, "I 'r, issN •s Tradic iot,ais (1 a Ra),ia' it, A'iu, do Argwvo A-ib ,co do Es-
t^
I ! l 1 P, dr oul i,k - dr 1 4r.1 cr. 2'' • d " 0 5
Despesa do 1° trin ►estre ........................................... 189$044
Despesa do 2° triniestre ........................................... 327$670
Despesa do 3" tr•in ►estre ........................................... 245$455
Despesa do 4° trimestre ...........................................1:476$4702:238$639
A preocupacao em realizar a gastar corn a festa deve ser entendida
no contexto do catolicismo leigo. A festa revc:lava urn pouco da tradicao
'e festas africanas, apesar de suas transformagi3cs em diregao a urn modelo
_. ►(lis born comportado cony o passm- dos anos. Nlas celebrar bern a vida
continuava fundamental no mundo da escravidao. Afrrmava-se uma identidade
zcial entre os negros, a uma identidade que se confirmma pelas aliancas
urn outras irmandades negras.
As Irmandades e o Rosario
A Igreja do Rosario das Portas do Carrno abrigava, nos seas altares
.terais, devoroes pertencentes a diversas irmandades negras e de pardos ali
.,rstalados. Eram irmandades que nao tinham condicoes de construir seu pro-
°Irio templo. Altares de N.S. das Dores e Santa Efigenia, por exemplo, foram
-igidos na igreja do Rosario. Havia tanrbem s.intos que nao eram titulares
.e nenhuma confraria especifica mas sous devotos se reuniam , no Rosario,
nara cultua-los. Era o caso de Santo Elesbao, por exemplo. A irmandade do
"osario abrigava esses cultos, servindo corno urna especie de igreja matriz
tra eles.
Os membros da irrnandade de Santa Efigeiiia, ern 1836, pediram licenca
,'')s mesarios do Rosario para realizarem "soles mente os Festejos que sao
vidos a mesnia Santa , nests inesrna Capella (do Rosario]." As cerirnonias
':)col-11,1111 cony o ;rval dos nicnibros do Rosario. As rclacues enle essas
conli-arias se realizavam em decon-encia da solidariedade, mas sobretudo do
respeito a ltierarquia. A igreja do Rosario era uma das mais antigas igrejas
negras e certamente isso corltava entre as irtnandades de negros e pardos.59
As diversas irmandades existentes na Bahia se encontravam por ocasi-
ao das cerimoriias festivas, em particular as procissoes. Joao da Silva
Campos desereveu os santos quo acompanliavatn a procissbo de N.S. do
Rosario:
"No cortejo figuuravarn habitualinente as unagens deNossa Senhora do Rosario, de Sao Benedito, de SiloDorliin os e 1o Senhor Deus Meirino. A prirueirti eterceira s5o de grandc tainarillo [... ]..,60
A confi-aria do Rosario, por outro lado, se fazia presente nas festivida-
des clas outras imiandades. A mesa administrativa da Inmandade do Senhor
Boni Jesus da Cruz, erecta na igreja da Palma e composta por crioulos,
convidou, eni 1841, os itmaos negros do Rosario para "tomaretn coipo" na
procissao do santo padroeiro. Os negros cla nacao ketu, abrigados sob a
protecao do Born Jesus dos Martirios na igreja da Barroquinlia, celebravain
a virgeni Santissinia Setiliora da Boa Morte, 1o segundo domingo de agosto.
Num convite ndo datado esses devotos pediam aos irmaos do Rosario que
honrassetn "com acto desta Innandade, as tres horas da tarde, a fim de fazer-
se um Pomposo desfile religioso com Assistencia de V.Sa o qual ficamos
eternamente agradecidos." Era uma oportunida de de reunirem- se negros brasi-
leiros e afl-icanos,oportunidade que precisava ser bem aproveitada pelos ne-
gros, que assim ampliavam o seu espirito de comunidade.61
0 mundo dos brancos tambem demandava a participacao negra em
suas festividades. Em 1857, o arcebispo da Bahia, juiz e protetor da Irman-
s9 AI.N.S.R. Actividades de outras devosbes. Irmandades e Associag6es, 1836, ex.18, doe.160 Joao da Silva Campos, "Procissoes Tradicionais da Bahia," p.494.61 M.N.S.R. Actividades..., cx.18, doc.1; cx.17, doc.01-f
1115
(lade de Sao Francisco Xavier, enviou convit^,- aos mesarios do Rosario para
acornpanharerrl a procissao do padroeiro official da Bahia. Essa confraria era
composta por pessoas de prestI .gio da sociedade baiana, encabegadas pelo
proprio Arcebispo. Os negros do Rosario tarnbem participavam da procissao
do Corpus Christi, urn dou momentos mais solenom da reli giao aat6lica na
Bahia . Participavam como bons cat6licos que eram da importante procissao,
marcando seu higar no cenario cat6lico de Salvador, estabelecendo urna ci-
dadania religiosa que nao possuiarn na vida civil . Mas nao devernos pensar
que aqueles negros nao pensassem em traduzir um tipo de cidadania no
outro.62
A inilucncia da Romanizagao no Rosario
Coma id foi vi5ata, o catolicismo leigo no Brasil no era sempre
aquele ditado pelas autoridades eclesiasticas. Os cat6licos frequentemente se
interessavarn mais pelas festas de santos do que pelas missas . E as lideres
das confrarias souberani traduzir os desejos dos devotos. "Os padres viam
as innandades e confrarias ativas na preparagao e na celebragao das festas
de santos [...] 0 zelo que elas demonstravarn na devogao aos santos contras-
tava corn o seu relaxanrento quanta a participagao nos sacramentos e na
missa dorninical."63
Entre outros motivos, o comportamento dos freis fez com que a copula
da Igreja cat6lica desenvolvesse a partir c;, 1830 urna politica reformista,
colocada em pratica na segunda metade do seculo XIX, tendo como objeti-
vo nioldar o catolicismo brasileiro confonne o romano. A Igreja dessa epo-
ca era mail intransigente quanto a ortodoxia, enquanto instituigao era
"cat6lica romana" e menos "nacional ." Ha tambcm por parte dessa Igreja
62 AI . N.S,R. Actividades , missas, procissao , festa, cx . 17, doc . ) 1-O. Encontrei nos macos sobre corres-pondencias varios convites do Arcebispo aos mesarios do Rosario para participarem da Procissaodo Corpus Christi.63 Oliveira, Religido e Dominacdo de Classes, p.285
uma tendencia , segundo Hugo Fragoso , a e,,i opeizacao , rejeitando os valores
culturais negros e indigenas.64
A refoinla da Igreja interferiu no eotidiano clas irmandades , sobretudo
this confrarias negras, embora as festas de santos continuassern a acontecer.
Mas nao com o brilho do passado . A agao reformista da Igreja seria mais
um fator para a perda do prestigio clas inr1 lclades. Corno a "romanizagao"
era uma politica "de clina para baixo ," o processo foi lento . Segundo Pedro
de Oliveira, a estrategia romanizadora s6 se deu efetivamente apps a sepa-
ragao da Igreja do Estado, com o advento da Republica. 65
Em 1890 , o lider do episcopado brasileiro , D. Macedo Costa , sintetizou
em uni doctimento intitulado "Pontos tie reforma nit Igreju do Brasil," as
ideias refonrllstas. Pregava a restatiraci o das ordens religiosas tradicionais e
o aumento do nunlero de dioceses, tratava dos casos de abuso dos padres,
cones imoralidade , negligencia no culto, entre jutras coisas . Os bispos deve-
riam ser rigorosos na vigilancia do clero . Havia uma preocupagao pela re-
generagao moral do clero brasileiro, nos moldes ortodoxos tragados pelo
concilio tridentino . Sobre as confrarias , reconllecia-se a influencia delas na
sociedade , mas as via como abrigo de outras seitas , como a magonaria, tao
difundida nesse periodo . A reforma introduziu novas devogoes , ligadas a
associagoes pias, entidades fundadas e dirigidas por padres, ficando os devo-
tos subordinados a eles . "Este e urn ponto-c iave no processo de romaniza-
gao, pois os leigos nao tern nelas o poder de decisao, que vai para as
maos do vigario ." 66 Surgem congregagoes corno Sagrado Coragao de Jesus, A
Imaculada Conceigao . As festas religiosas dessas associagoes aconteceriarn
no circuito da par6quia.67
64 Jose Oscar Aeozzo (cord), Ilrstbria da Igreja no Brasil :;egunda o^poca, 3" ed., Petropolis, Vozes,Paulirias, torno 11/2, 1992, pp.143-4465 Oliveira, Religido e Dominacdo de Classes, p.27966 Cilridido da Costa e Silva & Riolando Azzi, Dots estudos sobre D. Romualdo Antonio de SeixasArcebispo da Bahia, Salvador, CEB, 1982, p.19 ; Oliveira, Religido ... p.28267 Oliveira, p.287
I 17
Mas a romanizacao nao conseguiu exterminar as festas tradicionais. 0
que houve foi uma fiscalizagao mais int .ensa do clero. Era preciso lernbrar
aos lieis que a Igreja carl6lica era "coisa seria". Na festa do Rosario de
1894, os mesarios colocaram "na casa (fit mesa [...] o retrato do Extrr° e
Rvm° Senhor D. Jeronymo Thome da Silva ." Talvez os irmaos quisessem
agradar a autoridade ou foram forgados a prestigia .- lo. Atitudes como essas
se tomaram frequentes nas ultimas decadas do seculo. 68
Afinal, era preciso evitar o que aconteceu a outras irmandades. Em
1915 , por exemplo os associados da extinta irmandade do Rosario do muni-
cipio de Rio cle Contas recordavam com nostalgia das festas da santa pa-
droeira.
"Este modesto festejo de hoje, quantas recordacdes plangentes No trazem aos devotos de N.S. do Rosario, mormenteaos que amantes das tradigdes Ceram num ligeiro paraleloentre o passado e o presence? Qu1o amarga sera esta comparac o! No inicio do seculo 18, foi ftutdada aqui a irmandade do Rosario que errcenando em si os mais sublimes preceitos do Cltnshanismo recebendo em seu seio,com o rtesmo caminho seres inteiramente antag6nicos:"senhores e escravos."[...]No primeiro domingo de outubro se celebrava a festa.O Rei e a Rainha, escothidos entre os irmdos quase sempre representado por creancas eram pomposantente recebidosno Templo, sendo colocados em suas cabecas ricas coroasde prata e atirados sobre sua fronte. Annualmente repetia-seeste festejo singular ate 191?, quando aqui esteve o Sr. D.Jeronymo, que, certamente ntal infonuado extinguiu a secular Irmandade[... ]60
Talvez para evitar destino semelhante, os irmaos do Rosario do Carmo
decidiram pela politica de bajulacao a D. Jeronimo.
0 conjunto de transfonmcoes pela qua] passava a sociedade e a
igreja baianas na segunda metade do seculo XIX afetou a irmandade do
Rosario. Mas uma dessas mudancas deve ter afetado particulannente o es-
se AI.N.S.R. Correspondeencias, 25 de setembro de 1894, cx.23, doc.1-v69 Jornal "0 Cinzel", 31/10/1915. Arquivo Municipal de Rio de Contas, s/ catalogacao.
ll -
oirito dos irmaos ne,, os: a abolicao cla escravatura em 1888. Esta data
urpreendeu os irmaos lutando pela refonna fisica de sua igreja, corno vi-
mos, e se ternos irrforrrracoes sobre essas diticuldades infelizmente lido pos-
suimos testemunho direto deles sabre o advento da. abolicao. Mas podemos
irnaginar a festa que foi. Mais do que isso, agora parecia que cidadania re-
ligiosa iria culminar com cidadania civil. Sabemos que tal nao ocorreu. Seja
coma for, os neg;ros do Ros,Trio se sontirarn rnais a vontade no periodo p6s-
emancipacionista e talvez isso explique o proximo passo tornado na historia
institutional da irmandade: sua elevacao a categoria de Ordem Terceira.
Ate aquele ponto a categoria de Ordern Terceira era privilegio de
brancos e rnulatos. Corn a aboligao, cliegava a vez dos pretos. Ainda assirn,
sabiam que a Igreja nao era exatamente "arniga dos pretos," a igreja por
exemplo t.eve um papel praticamente nulo no movimento contra a escravi-
dao. Era entao preciso saber negociar, saber, ern particular cercando o ar-
cebispo da Bahia, massagearido seu ego. Ern 1894, mesmo ano em que pen-
duraram o retrato de D. Jeronimo na sala de reuniaes da irmandade, os me-
sarios do Rosario escreveram ao arcebispo pedindo para se tornarern Tercei-
ros:
"Desejando os IrniAos serem elevados a cathegoria deterceiros, vem muito humildemente impetrar de V.F aBaca de eleva- los a dignidade de Ordem 38 da Santissima Virgem do Rosario, solicitando a Bulla da sua confirmacdo [...] Cumpre dizer que a Igreja esta collocada emum dos melhores pontos d'esta cidade ,diariamente frequentada pelos Fieis : fazem com toda solennidade a Festa doSantissinio Rosario tudo conforme ordenou S.S. Papa Lego 13.,,70
70 AI.N.S.R. Requerimento para elevacao da Irmandade a Ordem 3' do Rosario, 07 de abril de 1894,cx.l, doc.9
.i;
Ern 1899, onze anos ap6s a abolicao, a irmandade foi elevada a Orden
Terceira. A nova classificaydo era urn evidente sinal do prestigio perante a
popula4ao baiana . Para a lgreja, o interesse seria trazer as confrades, agora
terceiros, mais proximos do catolicismo oficial.
Resta saber so os innaos agiram de acordo. Faltam infoma46es a
esse respeito . () Cato e clue os negros do Rosario utilizaratn da nova posi-
4ao para difundir , no seculo seguinte , seus valores, sua cultura e sua religio-
sidade, aletrt do cont inuar sendo espap do abrigo da identidade negra no
"elourinho.
CONSIDERACOES FINAIS
0 estudo de urea innarulade de cor revela rnais urn aspecto da hist6ria
clog negro no Brar.il, Atxaves dessa tissociaq o, eles prornoverain ter sob
controle vidas, neste e no outro mundo, reafirmando e reelaborando sua
identidade. Nao pretendo definir a confraria do Rosario como exernplo ma-
xirno da. luta negra. Prefiro considers-la como mars uma, entre tantas manei-
ras, que os escravos e libertos adotararn para sobreviver corn alguma digni-
clade. Atraves da solidariedacle colet.iva os trrnaos do Rosario marcaram
presenya na sociedade baiana, celebrarain ritos que os colocavam no centro
de uma religiao dominante, fazendo-se cidadaos dessa "sociedade religiosa,"
cidadania que obviarnente nao tinham na sociedade civil. Funerais e festa se
entrela4aram e constituiam os mornentos rnsximos de exercicios dessa cida-
dania rnistica.
As festividades demonstravam a capacidade de organizacao do negro.
Apesar da escravidao e da pobreza da Bahia oitocentista, negros e rnestiros,
pobres e escravos trabalharam para que o brillio da festa nao desaparecesse
ao longo do seculo XIX. Era uma forma de afrmar a capacidade de reali-
zacao negra a uma sociedade dominada pelos brancos. E o fizeram abraran-
do um catolicismo, desviante do oficial, que enfetizava a relacao com os
santos, atraves de promessas, de dan4as e cantos.
Os rituais fbnebres eram o outro polo importante da vida na irmanda-
de. Os compromissos garantiam a boa morte, uma morte assistida pela fa-
milia de irmaos de devocao, com missas, velas e sepultura no esparo sagra-
do da innandade, fosse no templo das Portas do Carmo, ou nos car-tieiros da
Baixa de Quintas.
Os llnl£]os souberatll controntar a alTogalnCla das autoridades, conquistaranl o
direito de reunir-se, de dirigir sua institui^ io Imlis autonornamente . Estes sao
pontos altamente relevantes , conquistas ineritorias numa sociedade escravocra-
ta e racista . Atraves dos estatutos , os negros do Rosario reelaborarain it no-
cao de parentesco formaram uma farnilia ritual que proporcionou urn meca-
nismo de aglutinacao solidaria ern rneio a urn inundo incerto. Se as autori-
dades civic e religiosas irnrlginararrl que na innandade os negros se tornari-
-ur1 manipulaveis , enganaratn - se. Elas foram escolas de orgrulizacao por t una
vida independente em tomo de uma identidade negra , apesar de por muito
tempo esta identidade se encontrar dividida por linhagens etnicas , que a pro-
pria irmandade ajuclou a reelaborar na Bahia.
0 florescimento de associaq.6es civis, as mudarrras nas atitudes em
relacao a caridade , a proibicao de enterros nas igrejas ao longo da segunda
metade do seculo XIX afetararn negativaniente as innandades religiosas. No
Rosario , nao foi diferente, mas os confrades do Rosario conseguirarn rnanter
viva a instituirao . Os livros de atas, as correspondencias , os livros de receita
e despesa , entre outros documentos , revelam uma associacao que continuava
a organizer suas festas , organizar a devocao e normatizar a vida dos irmaos
e quando preciso defender-se da ofensiva das autoridades . A irmandade, de-
pois trasformada em Ordem Terceira, continuava sendo , apesar das transfor-
maroes ocorridas , local de organizacao e solidariedade de africanos e seus
descendentes.
A trajetoria da confraria do Rosario das Portas do Carmo e singular.
Enquanto outras agremiaroes de negros desaparecerarn ou tiverarn participa-
9ao reduzida no cenario religioso da Bahia , a irrnandade atualmente denomi-
nada Ordem Terceira sobreviveu ao tempo . E hoje mem6ria historica negra
no largo do Pelourinho.
FO NTES
ARQUIVO DA IRINLANDADE DO ROS.WO
- Cornprornissos do Rosario das Portas do Carmo (1820 e 1900)- Projeto de comprotnisso ( 1872 )
Con1prcnisso da Irm. Sr. flow Jesus cl,i Cruz dos Crioulos, nasterrors da Villa da Cachocira. ( 1800 )
- Requerimento p/ eleva^ to da irmandade a Orclern 31 ( 189,1 )- Livro de Termos de resolu4.ao ( 1794 a 1891 )- Livro de Atas ( 1856 a 1899 )
Livro de entrada de irmaos ( 1719- 1837 )- Livro de Receita e Despesa ( 1822-1899 )- Subscri46es-obras carneiros ( 1858 )- Subscric es-festa de N.S. do Rosario (1891-94)- Atividades de outras devo43es, irmandades e associacoes (1826-1891)- Obras e reformas na Igreja ( sec. XLX )- Propriedades da Irma.ndade. ( sec. XLX )- Correspondencias ( 1811 a 1898 )
ARQUIVO PUBLICO DO ESTADO DA BAHIA
- Livro de registro de testamentos - 64 volumes (seculo XLX )- Livro de inventarios ( segunda metade sec. XIX )- Serie: Religiiio ( Irmandades )- Serie: Policia
ARQUIVO DA CURIA METROPOLITANA DE SALVADOR
- Pastas : irmandades e capelas
ARQUIVO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO
- Fundo: Mesa de Consciencia e Ordens (1810 a 1821)- Fundo : Desembargo do Passo (1810 )
ARQUIVO DA CURIA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO
- Compromissos
ANEXOS
CONIPROMISSO DA I1UNIANDADE DE NOSSA SEiNIIORA DOROSARIO DOS IIOMENS PRETOS (1820 )'
CAPITULO IDa Instituifdo e Erecdo da Irmandade
A invocaydo com que fbi erecta, e instituida esta Irmandade, de baixoda qua] tent confianca seus devotos Imi os, por crescerem tanto nos argumentos es-piritunira, eprrry tatrip ornog; lie da Ss►crn iqsirrna VII in NURP4 S+ t44ortt ik ttog4rio, itqual foi erect,-4 e Confirmada na Santa Se Cathedral fiesta Bahia por antigo Com-promisso do aumo de 1685, e passando depois para sua propria Igreja abaixo daportas do Carmo, se tern regido e multiplicado ate certo tempo com louvavel zelo, egrandeza, e como por algumas raze es, alem do muito com que a Irmandade se ten]propagado, e melhor acordo com que os inodernos se ten] delineado o regimen] dellase faz precizo novos estatutos, e reforma de Compromisso que se ordenou no annode 1769, para melhor accerto do governo das Mezas que administrardo neste prezenteanno de 1820 se ordennou este novo Compromisso, para que auxiliado pela ProtecaoReal, por elle se continue no Servico, e devocao da Virgem Santissima do Rozario.
CAPITULO IIDa obrigafdo Christi q. deve ter cada Irmo
Todo e qualquer Irmdo desta Santa Irmandade, cuidara muito em ser devo-to da Virgem Santissima, rezando todos os dias o seo Rosario, Confessando-se e Co-mungando todos os mezes na Capella da mesma Senhora, principalmente em o dia dasua festividade, e nos de qualquer Invocacdo da Purissinra Virgem Senhora Assistirdoem todos os Sabbados a Ladainha, e nos Domingos o Tergo; trazendo sempre ben]ajustada a vida, exercitando-se nos Santos costumes, assistindo a todos os OfliciosCatholicos, q. se recitarem na ditta Capella, cumprindo com os preceitos Divinos, paraque tenhdo o amparo, e protecdo da Virgem Senhora; e cazo haja algum Irmdo quefalle a estes justos e pios deveres, ( o que de nenhum se espera ), e passe a escanda-lozo, e perverso, ser6 chamado pela Meza, e o Reverendo Capelldo o advirtird Chris-tamente.
1 A grafia foi mantida na forma original.
CAPITUL.O IIII)a entrada dos L-maos
Toda a pessoa de qualquer qualidade, e sexo qtie seja, tanto liberto,conio escravo, gtie gitizeretn entrar por Ir-nift.o desta hmmnandade darn de sna entracia2$000 r,;, e logo o trmrto Escrivao the Iara termo de entrada nos Livros da Irmanda-tie, e fiesu-it o ditto kinn.o obrigado H. pugar cola €tuno cent Feiw de tuurual , a cuidarsnmito em observar, e cumprir as obrigacoes da Irmandade no ServiFo cla VirgemSantissima corn aquelle amor de Deos, e zelo que clew como Chatolico, e para issoo Irmito Escrivao tern de obrigacao logo que passar o termo, ter o capitulo segundodesk Compromisso; a cada hum Irmao que entrar, para saber do regimen cla Innanda-de, e sua obrigaF io.
CAPITULO IVDa dispozic o da Festa , Procissio e solennidade do seu dia
A Festa da Virgem Nossa Senhora do Rozario, se far 'a annuaimente coin todasolenniciade devida na segunda Dominga do mez de Outubro, coin Missa cantada;Sernido e Sacramento exposto ; preparando-se Para isso a Igreja coin asseio , e ornatonecessario : precedendo em nove tardes sucessivas a Novena da mesma Senhora, coinMusics ou orgao : e no dia da Festa se fara A Procissdo coin aquella solennidade, quese requer em semelhante acto, a qua] hira pelas ruas da Cidade ate as Portas de SaoBento , donde voltara as horns que se recollia sem detrimento , e escandalo, e nellahirao as mais Irmandades erectas na mesma Capella corn suas charolas decentenienteornadas seguindo a ordem dos lugares pel as suas antiguidades. Guiara a Procissao osJuizes que tiverem servido o anno antecedente, ou os que forem immediatos, e adianteda cha rrola de Nossa Senhora ira o Irmao Thesoureiro actual coin capa e vara; eatraz fechara o Imido Escrivao actual , dando a direita ao nosso Reverendo PadreCapelldo, o qual acompanhara de sobrepelliz , e tocha de armas . Os dous Juizes actua-es fech to igualmente atraz do Pallio . Quando haja Procissao , nd.o deixard de hir oSantissimo Sacramento conduzido pelo Reverendo Parocho da Freguezia, levardo asvaras do Pallio os Irmdos, que tenhdo servido de Juizes, em falta destes supprirdo osEscrivdes , e Thesoureiros . A despeza da charola de Nossa Senhora sera feita pelaIrmandade : Os diamantes, joias, e aprestos para o melhor brilhantismo, e asseio coinque se deve ornar a Rainha dos Anjos , procurard .o os Irmdos Thesoureiro, e Escrivao.A disposicdo da esmolla, que a Irmandade deve dar pelo Sermdo pertence a Meza,assim como tambem a eleicdo do Sacerdote ; porem se algum Irmdo , Juiza, ou qualquerdevoto queira dar o Sermdo para o dia da Festa , se the acceitara, fazendo entdo aIrmandade a Festa de manna : Cazo algua Meza queira fazer Tedeum , o fara a suacusta, entrando a Irmandade para esse fim s6 coin a cera do Throno . As novenasserdo feitas pelo Reverendo Parocho , e quando a Irmandade se ache impossibilitada,se fardo pelo nosso Reverendo Capelldo, cujas Novenas se a Meza actual a quizerfazer coin o Santissimo Sacramento exposto, serd a sua custa; assim como em quantoa Irmandade se achar individada, nao sera obrigada a fazer Procissdo , e se a Meza aquizer fazer , ndo concorrera a Irmandade coin couza algud pars ella, pois a da Mezafara a sua custa
1::
CAPITULO VDa disposici o, a facttu•a da Eleisto
A primeira Dominga de Outubro se convocara Meza completa detodos os Irmaos, de que ella se compoe, e cazo falle algum por justo impedimento, seavitttrtl qunlquer outro Irmdo quo Whim servido jft nn M za a lugut do inipedido, aqual se fara no Consist6rio da Capella da mesma Irmandade, e ahi em, e verdadeira-metite sera genio de affeicao, ou odio procederdo naquella Eleicdo; para o q. se porana Meza hum escrutinio, e hum sacco com favas brancas, e pretas, e cone por contado Escrivao contar as favas, e fazer assento dos votos approvados. Assentados todosem acto da Meza, onde tambem se achara prezidindo o Reverendo Parocho; principia-ra a propozica.o, o Juiz da serie dos Angolas, o qual propora tres Irntaos que sendo
capazes de exercer o lugar de Juiz, e sendo approvados pela Mesa, seguird a propos-ta do Juiz da serie Crioulos, e approvados que sejao, se passara a proposta do Es-crivdo na forma referida, bem entendido, que no anno em que for o Escrivdo da seriedos Crioulos; o mesmo se ha de praticar com o Procurador Geral, seguindo sempre
esta mesma ordem. 0 Procurador Gera] ndo seri sendo quern ja tenha occupado ocargo de juiz, pars com maior inteligencia exercer o lugar. Os mais Procuradoresdarao os seos homens, e approvados pela Meza continuara a factura dos Consultores,cujo numero dita conforme a determinacao dos Juizes, e augmento da festividade na-quelle anno: calla hum dos quatro Procuradores nomearii o seu homem e approvadosque seja pela Meza, continuarao ate concluir a Eleicdo, na qual assignara o Reveren-do Vigario, e igualmente o Escrivdo, e logo no dia seguinte a pord em limpo para oReverendo Vig'ario assignar a da Eleigao, para ser publicada, como he costume, no diada nossa Festividade. 0 Escrivd.o que acaba, tern obrigacao no dia que se fizer oInventario, entregar ao novo Escrivdo a Eleicdo acompanhada com a ditta propostapara evitar duvidas. Ndo poderA ficar a Meza reeleita de hum ano para outro, semjustos motivos, como sejdo obras, ou dependencias judiciais, a bem e utilidade daInnandade, ainda assim convocard a ditta Meza hums Junta completa de vinte cincohomens que tenhdo servido cargos na Irmandade, pars a Junta concordarem na reelei-cdo da ditta Meza.
CAP!TULO VIDos Offciais que hao de servir na Mesa e posse delles
Os Irmaos que annualmente hdo de servir na Mesa constardo de dous Juizes,hum Escrivao, hum Thesoureiro e hum Procurador Gera], e quatro Procuradores, e osConsultores como diz o Capitulo Quinto: Serdo de inteiro procedimento e verdade,com aptiddo e agilidade pars satisfazerem com desempenho suas obrigacoes, tudo sefari na forma, e polo modo que lhes devem succeder no anno seguinte, como ficadisposto no ditto Cap. 5°, que todos devem ser pessoas de quem se confie o zelo, e
augmento da Irmandade Fechada a Eleicdo ein huma folha de papel com obrea ou
Iacre, entregara o Inn.io Escrivao ao Reverendo Padre Pregador no dia cia. Festa para
este publicar no puipito em voz alta na presenca do auditorio . Depois fara o dittoEscrivtto participar por em -uLs escriptas pelo seu punho nos novos eleitos , para quena terceira Dominga depois da Festa se achem na nossa Capella as oito horas damarnlra para tornarenl posse dos seos cargos; cuja posse ja sera a despeza feita acusta da nova Mesa. Do rendimento da salva, tanto da Mesa, como das Juizas, Mor-dornos, e tudo o niais, o Inudo Thezoureiro fury a despeza deste dia; e do seo liquidofart siente ao Inndo Escrivao part calregar na sua receita . A Missa cla Posse seradicta pelo nosso Reverendo Capellao pela esmola de 2$000 rs ; depois da Missa fardo ditto Reverendo Capelldo aquellas admoestag6es costumadas que se praticdo nasPosses. Subirao as Mesas velha , e nova para o Consist6rio donde o Irmdo Eseriv"Ioque acaba lavrara o Torino de Posse que sera assignado pelas duas Mesas, o queconcluido os Juizes novos coin a Mesa despedirao a Mesa preterita, e principiardo aadininistrar cons fervor , e zelo o born regimen . Os Irmaos Thesoureiro , e Procuradorpreteritos darao hum pequeno inventir io na Ca: a da Fabrica; e os Juizes, e maisO$iciais da Mesa actual farao avizar o dia quo lhes for mais conveniente aos Ir-nnaos Escrivao, Thesoureiro , e Procurador Geral Para o Inventario dos bens de NossaSenhora ficando alcancado o Irmd .o Thesoureiro, em algunmas pews da Ir-nlandade quep. sua omissao deixou a revelia , sera punido com aquela politica , coin que se devetractar os nossos lnnaos ; mas se por nieios politicos ndo der conta do q. faltar; nessecazo sera punido com a Lei.
cAPITULO VIIDos Mordomos da Festa
Todos os arnnos elegerao os Mordomos que acabao outrosvocalmente para servirem a Virgem Nossa Senhora, e serdo de doze para servirenl aVirgem Nossa Senhora, e serao de doze para sima, pessoas idoneas, e com posse poispor conta delles come todo gasto da Novena, Festa, e Procissao; serao estes avizadospor cartas, on sejao Irmaos, on nao; porque nao sendo ficarao Irmaos, e se the lavraratermo no qual se declare que entrou na Irmandade sendo Mordomo de Festa, depoisde dar a sua esmola; cuja despeza serd paga ao arbitro da Mesa, o que muito re-commendamos todo cuidado, e zelo para augmento da Irmandade.
CAP!TULO VIIIDas Juizas , Mordomas e Procuradoras
Em cada hum ano se elegerao as Juizas que forem sufficientes de huma eoutra nacdo , doze Mordornas , ou mais se poder ser, dual Procuradoras as quaes pode-rdo ser lands ou nao, e com estas se praticard o mesmo que a respeito dos Mordo-mos fIca disposto e se escreverdo seos nomes na mesma Eleicdo que se publicar edas acceitarem se lancarao no Livro das Eleiydes.
CAPITULO IXDo Officio dos Juizes , e suas obtigac6es
Os dous Juizes terdo particular cuidado da conservaVdo, e augrnentodesta Sancta Irmandade de que os mais Irmdos Mesarios ndo faltem por omissho ocnrrrprirem com suns ubri,gay6es; e f w o dara prompta execuq€to a tudo quanta se Ihesdeterminer- em Mesa, para qua nfo halm ffwtrr algunia no Servtco da Vir=gisw NoryduSenhora Em cada mez farlo huma Mesa. Os irmAos terho obrigacfto a nao faltarempor que conio cabeFas da. Mesa devem ser exemplares a ndo remissos. Na Procisstodeve hir os Juizes com seas capas e varas e varas cobrindo atraz do Palio; nos en-terros dos h-mdos fallecidos terao toda a especial deligencia em no faltarern; por quealern de ser acto da obrigaclo do cargo que exercem, tambem o he de charidade, quese deve praticar como ultimo beneficio quo recebein dos q. ficho vivendo. Em quantoas Mesas que se acha esta Irmandade de prezidir hum Juiz seis mezes, do que nasceter exito, e vigor a emulagdo de cads hum querer nos seos seis mezes disfhzer o queo outro determinou nos seos; se ordenna com o justo acordo, e razdo que se undoarnbas vontades como fica determinado no Cap. 3°, e presidirto ambos em today asMesas do aiuio: Nas materias e neg6cios quo se propozerem, votardo com favas bran-cas, e pretas confornie suas consciencias lhes ditar, e entender ser justo, levando sem-pre diante dos olhos o em da Irniandade, e zelo do servico da Mai de Deos. Logoq. tomarem posse serho obrigados a tomar conta dos papeis, e ngocios da Irmandadepara ter conhecimento de todas suns forcas.
CAPITULO XDo Officio de Escrivdo e sua obrigadoo
Sera o Irmdo Escrivdo obrigado a ter em seo poder os Livros dos Abce-darios, dos annuaes, e dos mortos, e todos os mais estarao dentro do archivo do nos-so Consistorio, e querendo ver algum Livro, ou papel respectivo a Irmandade pedirh.ao Irmo Thezorrreiro para the abrir a porta do Consistorio, e tirard no Archivo oLivro que carecer, e ahi vera o q. quizer . 0 Escrivdo a respeito do qual se observa-rd para a Eleicao deve ser pessoa que saiba ler, escrever e contar on alias assignaro seo nome, tern obrigaddo de assistir a todas as mesas, e propord nella os negociose materias que carecerem ser decididas pela Mesa, e do que se assentar lavrard ter-mo no Livro delles para ser assignado por toda a Mesa como tambem tomard porinventario todos os papeis relativos a Irmandade o novo Escrivdo do que assignaratenno junto com a Mesa. Da mesma forma lavrara termo no Livro do Inventhrio quehaverd donde conste dos bens, joias, e mais alfaias existentes. Terri o ditto Escrivdomuito cuidado em lavrar os termos dos Irmaos e Innds que entrarem no seo anno, equando se fazer cobranca dos annuaes farh. descarga no Livro delles os annos quecads hum satisfazer , e da mesma sorte o assento dos mortos. He da economia doEscrivdo passar bilhetes para os Irmdos fallecidos declarando nelles o que deve deannuaes para serem cobrados por seos bens havendo, isto he, do que for remisso ernpagallos; logo que qualquer Irmo que falleca nada deva de annuaes tera logo cuida-do de passar os bilhetes das Missas, e fazer remetter pelo Irmo Procurador ao Ir-
ill-do "I1resoureiro para as mandar diner e mbo se demorar com os sutlragios das al-ias. Na Procissao hira com capa, e vara tecluuido no rneio a Corpora4ao dos rnaisMesarios, adiante der Charola de Nossa. Senliora, e nos enterros hira encorporandocom os da Mesa no lugar imediato, ou fronteiro no Tl ►esoureiro, no rneio dos quaeshira o Juiz coin vara.
CAPITU1JO XTDo Thesoureu-o e suas obrigacoes
O T1iesoureiro sera pessoa que scuba ter, escrever, e costar, ou ao nienosassignar o seo nome, que seja homem possibilitado, e do conhecida verdade, e saeonseioncia, inteligento o hail; par quo da exaptidao de hLun bom TIhezoureiro pende oaugmento, a conservacao, o interesse, e fiscalizacdo do Pa.trimonio da Innandade, e porisso ndo deixara de assistir a todas as Mesas. Toda a receita e despeza que se finerno seo anno sera lancada no Livro competente polo Irmo Escriv.Io, qiie he querndove escrever nos Livros da himurdade, pa a no tint do anno dar satistacjo de tudo anova Mesa, qua tomando costa e achando-a legal a approvarti, e entrard no exercicioo novo Thesoureiro. Se a Irmandade the ficar devendo alguma cousa de resto derdespeza que tiver feito the satisfara logo em continente. Tera especial cuidado en ►mandar dizer as Missas por alma do Irniao que fallecer tendo entdo pagos os annua-es, cobrando quitacoes assignadas pelos Padres que as disser no Livro parer isso decusto a excepcao das uzuaes sem ordem e acordo da Mesa a qual parer as que sefrzerem assistira, e votary Serd obrigado o Thesoureiro pars menos difficuldade darcontas no fim de cada trez mezes.
CAPITULO XIIDo Procurador Geral, Procuradores da Mesa e sues obrigasres
Havers na Mesa hum Procurador Geral pessoa agil e deligente que ja tenhaservido o cargo de Juiz; este procurara. as demandas da Irmandade, e dependenciasdeltas a este tern a Mesa todo respeito; hum anno sera da serie dos Angolas, outroder serie dos Crioulos, o Procurador Geral tomard conhecimento de todas as determi-nac2Ses da Mesa que ndo for a bern da Irmandade para se oppor e protestar, e quan-do no queira protestar vira logo com a Junta para esta determinar. 0 ditto Procura-dor Geral ter{ assento eni frente dos Juizes. Corso seja precizo para coin mais sua-vidade, e menos detrimento se cuidar no zelo e servico da Irmandade haverdo quatroProcuradores, que serao annualmente eleitos como Pica detenninado no Cap. 5*. Osquais terdo summo cuidado e deligencia procurarem tudo quanto pertencer a Irmanda-de. Avizara coin deligencia preciza a todos os IrmAos Juizes, e Mesarios: da mesmaforma fardo saber aos Irmtios Zeladores quando ha enterros para que se ndo atribuaa ignorancia, e falter de noticia qualquer descuido, ou omissao que possa haver. Terdotambem a incumbencia avizar os Irmdos da Mesa para se fazerem esters quando osIrmdos Juizes lhes determinarem que o facao, alem das q. annualmente se fizerem; ecazo haj .o algumas demandas na Irniandade tambem por conta delles corre agencia-rem; e procurarem auxiliando ao Procurador Gera], o qua] serd obrigado a dar em
Mesa conta (1o estado deltas, e. o importe das despezas, que se fizerem recebera do
11^esonreiro, qne constvrdo semrn precizas contribuira sear a rnenor duvida. Terao
taoem os dittos Procrrradores grande cuidado em arrecadarem tudo quanto pertencer aIrrnandrrde fazendo entrega ao Tlresoureiro, e si rrtr a Mesa parry cujos expe-Clicoes serecommends muito que elejao pessoas rnenos occupadas em que concorrdo agilidade,viveza, e exatidao.
CAPITULO XIIIDos Consrrltores e suas obrigacdes
Os C'onsultores na conformidade disposta do referido Capitulo ' serlocorno ja fica deterrninado virao ser pessoas pnidentes born juizo, e conselho, parattrdo procederenr corn acerto, e ser to sempre prompto nas occazioes de Mezas assistire nelles cada burn per si dari o seu parecer, e votarao corn hrunildade, rnodestia semalteracao de palavras , bem corno todo os mais vogaes; porque sb assim se evitaopertubagoes e discordias.
CAPITuLO XIVDos Reverendos Capellao , Sacluistao e suas obrigacoes
0 Reverendo Sacerdote, que tiver a seu cargo, o rniuistorio de Capellao,corno tlo bem o que exercitar emprego de Saclrrist1o, serto Sacerdotes do haito dePedro, Confessores prudentes, e de idade competente, de vida e louvares costumes. 0Reverendo Padre Capellao dira todas as Missas da Irmandade nos Sabbados e nosdias notados no Cap. 20 e a Missa no dia da Padrocira. 0 Reverendo Padre Sa-christao tern. a seu cargo tratar dos ornanientos, assear os Altares, trazellos paramenta-dos, e promptos para se celebrar nelles o Sacramento Saticio da Missa : Mandar lavaras alvas, toalhas, e tudo relativo a obrigactio do Sachrist1o, que conio Sacerdote igno-ra. Nao poderd emprestar para fora da Capella couza alguma que a seu cargo tiver,sem consenso da Meza, ou alias do Irmao Thesoureiro. Admittido q. a qualquer Sa-cerdote para Capellao, on Sachristao por hacho da Meza se the fard termo no Livrodelles, para ficarem exercendo, nao sb o expressado, mas tambem obrigacao de reza-rem a Ladainha de Nossa Senhora nos Sabbados , e nos Domingos o Terao a tarde ea tarde e a este respeito o mais que licitamente pertence a obrigacao Sacerdotal;perceberd de seu sallario secenta e quatro mil e o salario do Padre Sachristao serdarbitrado pela Meza, e o Irmao Thesoureiro satisfard cobrando de ambos quitacces.
C APITTJLO XVDos Irmdos Zeladores
C:'ouvent muito haver nella nostia Iru ►andale does h7mlos corn occupa41o
de Zeladores, os quaes serdo noiniados pela Mesa na primeira que se fizer depoisque tomarem Posse, e set-do pessoas que tenhdo bastante conhecimento dos Irmaos daIr^iutftdu la, cjye gajttc rrtca . a deg ttnir a ctellga. tttp^ac m ini clam Augolsii, putro clogCrioulos, podendo ser, no obstara se forem ambos de hud so qualidade. He obriga-Vito Belles annualmente avizarern os Irmdos para os enterros dos fallecidos, e se Ihesrecornencla muito que se esmerem em convocar bastantes Irmdos, Para que este actode cltaridade se execute com hum ntuneroso acompanhamento, evitando a desculpa quepode haver da ignorfutcia por falta de avizo, por do poderem os Procuradores somen-te fazer geral participacao a Irtnandade; logo que tiverem certeza da hora do enterroa farao constante aos Zeladores para estes sahirem a convocar os Tondos, ficando daparte dos Procuradores avizar aos Juizes, e mais Mesarios como ja fica tractado noCap. 12. Tatnbem flea da obrigadoo de avizar ,to Padre Capelldo para os enterros.
CAP! TULO XVIDa qualidade dos Irmaos da Mesa
Para Juizes, Procuradores, a mais Irmdos da Mesa se elegerdo pessoas liber-tas e izemptas de escraviddo, para que sejao promptos em exercer e satisfazer osactos da Irmandade; e vivdo livre d'algud infamia a que esta sugeita a condicdoservil de q. nascera sem duvida magoa aos companheiros q. lhes forem afeicoados,
assim como prazer nos males dos que forem ntal affectos. A excepcdo porem dosIrmdos Mordomos da Festa, por que estes podendo ser pessoas sugeitas com tantoque possdo cumprir com as suas obrigacoes no decurso do anno e satisfazerem asdevidas esmolas costutnadas. Assim como tambent no cazo, que algum Irtndo sentembargo da sugeicdo seja bem procedido, e o seo captiveiro suave poderd ser Irmaode Mesa; mas em nenhutn cazo sera Juiz, Escrivdo, Thesoureiro ou Procuradores; porque estes rigorozamente devem ser pessoas libertas. E da mesma sorte as Juizas,Mordomas e Procuradoras, the no servird de objecdo a falta de liberdade; por q. pelaqualidade do sexo ndo exercitao acto de Mesa
CAPITULO XVIIDas promessas que fardo os Irmdos da Mesa
Em o primeiro Domingo depots da Posse ou no segumdo se fara.Mesa completa de todos os Irmdos, e nella fara calla hum Itmdo sua promessa, decla-rando a esmola que hdo de dar no fim do anno que sera calla hum Juiz 16$000 rs ,o Escrivdo 8$000 rs., o Thesoureiro 4$000 rs, o Procurador Geral 6$000 rs., e cadaConsultor sera 4$000 reis. Os Procuradores ndo serdo obrigados a darem joias, salvose voluntariamente o queirdo fazer, por que bastard exercerem os seos cargos comsatisfacdo e zelo; e por q. alguns Irmdos tem cauzado prejuizo a esta nossa Irmandade;por no satisfazerem o que promettem; se ordena, que alem do regresso que a mesma
Irnutndade tern de cobrar judicialmente de queiii a mesma he devedora, taunbein ficar;io Irmao , que thltar de satisfizer a stia promessa inhabilitado de occupur mais cargoalgtun na Irmatidade; nom entrar em Junta, e menos ter voz activa on passiva pare oq, o lnn io Escrivf-to actual logo em Mesa fara termo de cada hii t das promessasseparacI iunentt no livro deI1iu em clue nrjsigintu°tto.
CAPITULO XVIIIDo Cofre, que deve haver na Irmandade
Parece muito conveniente; e com effeito precizo que Baja na Innan-dade hum Cofre em que se depozite em boa guarda todo o dinheiro , joias, pews deour-u , c grata gut' se Ctisturna guardar, pare cuja execuvao sera do proporcionado ta-manho o qual existira na Caza do Consistorio ,ou onde parecer mais conveniente, eutil a mesma Irmandade . Tera fecho de cinco chaves seguras , e differentes pumas dasoutran de sorte, que calla chavvv abra a sua fechadura singularmente: Cada Juiz tomaraa guardar a sua chave , o EscrivCo terd outra, o ° 'hesoureiro outra, toc€undo a quintachave ao Procurador Geral : Quando for precizo se abrir o Cofre para nelle se tirar-algua . peca, qua seja necessaria para o uzo, ou dinheiro para alguma obra, ou despe-zas; se acharao todos com as suns chaves pare abrir o Cofre, e tirado o que se pre-cizar, o fecharao, e logo o Escrivd .o lavrara o tenno que todos assignardo levandocada hum com sigo a chave respective
CAPITULO XIXDos livros que haverflo na Irmandade
Faz se precizo para o born regimem da Irmandade livros destinados,e separados para os negocios della rubricados pelo Provedor de Capellas e Rezidu-os, estdo os seguintes = o 1.° Para receita e despezas do Tllesoureiro em o qual so-mente escrevera o Irmd.o Escrivao actual. 0 2° Para nelle se lancarern os termos, erezolucoes da Meza pelo mesmo Escrivdo cujos termos serao assignados por todaMesa_ 0 3° Para se lavrarem as entradas dos Irmdos expressando a sua formalidadeassignada pelo Irmao que entrar, no cazo que algum ndo saiba escrever o Escrivdoassignara por elle. 0 4° Para se copiarem as eleic2Ses de cada anno tanto dos Juizese Mezarios, como dos Mordomos da Festa, Juizas Procuradoras e Mordomas; depoisde constar que aceitardo. 0 5° Para a cobranca dos annuaes , no qual estardo todos osIrmdos lancados por A B Cdario os seus nomes, para descarregardo os q. forem pa-gando. 0 6.° Para assento dos Innaos q. fallecerem q. de calla hum se fard seo termoassignado pelo Escrivdo declarando o nome e lugar donde era morador se liberto onescravo. 0 7° Para se escreverem as quitag6es das Missas que se disserem pelosIrmdos que fallecerem assignadas pelos Reverendos Sacerdotes que as disserem. 0 8°Finalnienle p<u-a se huiyaretu todos os bens, propriedades, e joias quo possuir a. Ir-mandade, e da mestna forma se assentar d qualquer peca, ou traste que de novo sefizer, expressando se foi feito pela Irmandade, ou por offerta de algum Irmdo bemfei-tor, ou qualquer outra pessoa, q. devota, e agradecidamente a dedique a Mae Santissi-ma do Rosario.
133
C:IPITIJLO XXDas 1\lissas da Irmandade
Mandanio os Irmlos da Mesa celebrar pelo Reverendo Padre Cappe-llo as Missas des sua obrigacao applicadas por tencdo dos nossos Irmaos vivos, edefuntos, cujas Missal serao de incenso, assistida pela Mesa corn capas, a tochas;acoltadas pelos Irm tos Procuradores, em o Altar mor (la Virgem Nossa Senhora.Muito we recomeu(ia ufto haja falta orri € ►ssistirem as Missal segaintes.
Dia de NatalDia da CircuncisdoDia de ReisDia da Purificacao de Nossa SenhoraDia des Instituicao do Santissimo SacramentoDia d' Annunciacao de Nossa SenhoraDia de Pascoa da Ressurrei4 ioDia d' Ascericao do SenhorDia do Naseimento de Nossa SenhoraDia de Todos os SantosDia de Finados, corn Procissdo, o Capellao de CapesE dia da Conceicao de Nossa Senhora.
As Missas das Quintas feiras serao celebradas pelo Reverendo Vigario as quaesserao celebradas polo Reverendo Vigario as quaes serao applicadas pelos vivos edefuntos; de quinze em quinze dias de quinta feira havers reforms do Santissimo Sa-cramento administrado pelo ditto Reverendo Vigario, cujas Missas de reforma seraoapplicadas pela Alma do Doador, e se ]he dara de esmola de calla huma das Missastanto as de reforms como as diarias quatro contos e oitenta reis: a Mesa sera obri-gada assistir a todas as Missas de Capa, e tocha os Irmaos Procuradores terao todoo cuidado saber as horas em que o Reverendo Vigario se ha achar a ditta Missa afire de que ndo haja perturbacto nern demora
CAP!TULO XXIDo enterramento e Missas dos IrmAos fallecidos
Quando qualquer Irmao fallecer, e for enterrado no acto da Irmandadese convocara esta no maior numero que poder ser, e todos com suas capas, e vellasem duns alias com o Esquife, guiao, e manga, hirao buscar pare Capella onde serdenterrado; e no faltar'a sahir com o Esquife o Capellao, ou outro qualquer Sacerdotea seo rogo, e os Juizes com os mais Irmaos que poderem, e se acharem no dittoacto, cobrirao a Irmandade levando capas, e tochas distintas. Pela alma de calla humdos Irmaos que fallecer se mandarao dizer as Missas que se vao declarar. Pelo quetiver servido os Cargos de Juizes, tendo pago a sua promessa, se the dira Missas: oque tiver sido Escrivao, e Thesoureiro, na mesma conformidade: o Escrivao oito Mis-sas; igual ao Thesoureiro: os Procuradores e Consultores terao sette: o que s6 tenhasido Irmdo cinco Missas, todas de esmolas de duzentos e quarenta reis, dittas peloPe. Capellao, e Sachristdo na propria Capella.
CAPIT1ILO XMIDos suffragios que se ha de facer no Domingo depois da Festa de Nossa Senhora
Na Segunda feira logo depois do dia da. Festa de Nossa. Senhora se mandarlo di-zer duns Capellas de Missas na nossa mesma Capella applicadas pelas almas dosnossos Inn tos vivos, e defitntos de esmola de trezentos e vinte cada huma ; ficando oIrmo Thesoureiro na inteligencia de as mandar dizer , e cumprir com este Capitulo.Dia de finados ma ndara por no Cruzeiro da Igreja hum estrado coberto, com quatrolazes , e caldeirinha d'agua benta . onde o Reverendo Padre Capell"lo rezar : o Respon-s;o e0tuo assina o Capitulo 20.
CAPITULO XX11IDa Charidade que se praticara com os Irmaos doentes, pobres e encarcerados
He a charidade o acto que mais se clove prezar, pois a praticarao VarOes exemplaresern virtudes , por isso a devemos exercer com os nossos Irtnitos enfennos. Os InnaosProcuradores terrso cuidado em vizitar qualquer Irrnao desta nossa Irrnandade, quo seache enfermo ; saber se the he mister alguma couza tanto para o corporal, como espiri-tual, e se achar em desamparo e extrema necessidade, datd parte a Mesa, ou ao IrmaoJuiz; para the mandar applicar a providencia que parecer justa ; e sendo sununamentepobre e necessitado , the confira a Meza como cabeca da Irmandade alguma esmolaE fallecendo corn effeito no estado de pobreza, serf enterrado pela Inman lode damesma forma que outro qualquer Innt o que a Fortuna o constituisse em abundanciade bens , e the darn pelo amor de Deos huma mortalha branca. Da mesma forma osIrmaos Procuradores terao igual cuidado em vizitar os carceres onde achando algumIrmao desta Irmandade , pobre e enfermo prezo, e que se ache detido. Tambem he dojusto dever dos dittos Procuradores vizitar o hospital da Sancta Caza a ver se ternalgurn Irmao que esteja a fallecer , ou fallecido para dar parte a Irmandade para thefazer o enterro , como he costume.
CAPITULO XXIVDe como se elegera a Junta e quando sera convocada
Rigorozamente he precizo a convocacao da Junta, para melhor acordo de al-gumas dependencias, e negocios de ponderacao que ocorrem na Irmandade, e para seobviar a desordem que pode originar grande copia de Irmaos entre os quaes se in-troduzem alguns de animo intrigante, que mais serve de perturbar, que diz S. Matheusno Cap. 20 vers 16 = Multi enim sunt vocati ; panci vero electi; se deve todos osannos eleger huma Junta de Irmaos de born juizo, e prudencia de animos zelozos, epacificos. Na Mesa do primeiro mez depois da Posse, elegerao vinte e cinco Irmaosque tenhao jA servido de Juizes, Escrivaes, Tliesoureiros, Consultores, e tambem Procu-radores, de huma e outra Nacao, que nelles concorrdo os requizitos acima expressa-dos. Serao obrigados os eleitos por servico de Deos, e de sua Mae Santissima accei-tarem a eleicao que nelles se fizer. 0 Irmao Escrivdo lavrar'a termo da eleigao nolivro respectivo, e participara por carta a cada hum em como esta eleito. Fora destenumero de Irmaos nao se admittirao outros alguns, salvo por impedimento d'algumeleito, por que nesse cazo se convocara outro Irmao de igual graduacao para comple-tar o numero.
CONJUNTO ARQUITETCONICO VISTO DO CARMO COM DESTAQUE PARA IGREJA DO ROSARIO
`Vista da Faaohada da Igreja do Rosario
IllUI,IC)C:RAF1A
Livros, artigos, teses
Abreu , Martha Campos . "0 Rnpe'rio do Divine ": Festas Religiosas e Cultura popular
no Rio de Janciro l 3O-.l Sifo Paulo, Tese de Doutorado ,UNICA11MMP,1996.
Alisson , Eugenio , "Later e clevocao: aq festa l do Rosario nas cornarcas de Mariana eOuro Preto no perfodo e :; cravista," Estudos de Nistdria; Franca, 1996.
Alves, Mariela . 170112a Mortas due ressuscitam, Prefeitura Municipal do Salvador,Salvador, 1975.
Azevedo, Tlrales de. Povoan:ento da cidade do Salvador, Salvador , Itapua, 1969.
Bacelar, Jefferson & Conceicao Souza 0 Rosario dos Pretos do Pelourinho, Salva-dor, Fundacao do Patrimonio Artfstico e Cultural cla Bahia, mimeo, 1974.
Bast.ide, Roger . As reiigiJes africanas no Brasil, Sao Paulo , Livraria Pioneira/ EDUSP,1971, v.1.
Boschi , Caio. Os leigos e o poder, Sao Paulo , Mica, 1986.
Braga, Julio. Sociedade Protetora dos Desvalidos: uma irmandade de cor, Salva-dor, Ianamn , 1987.
Campos, Jose da Silva. "Procissdes Tradicionais da Bahia," Anais do Arquivo Publicodo Estado da Bahia , 1941 , v.27, pp.251-515.
Coelho , Maria Helena da Cruz. "As confrarias medievais portuguesas : espago de solidariedades na vida e na morte", XIX Semana de Estudos Medievales, Estella, 1992, pp . 118-134.
David, Onildo Reis . 0 inimigo invisivel : epidemia na Bahia no sdculo XIX. SalvadorEDUFBA/ Sarah Letras , 1996. '
Figueiredo, Luciano. 0 Avesso da memdria. Cotidiano e Trabalho da mulher em Minas Gerais no seculo Xi/111. Edunb, Jose Olympio, 1993.
Fraga, Walter. Mendigos, moleques e vadios na Bahia do seculo XIX. Sao Paulo/Salvador, HUCITEC/ EDUFBA, 1996.
Heers, Jacques. Festas de loucos e carnavais. Lisboa, Dom Quixote, 1987.
Hoornaert, Eduardo. Histdria da Igreja no Brasil. Primeira epoca. 4a edicao, Petr6polis, Vozes, 1992.
Martinez, Socorro Targino . Ordens Terceiras: Ideologia e Arquitetura . Diss. de I\tes
trado , Salvador, 1979.
Mattoso, Katia. Bahia : a cidade do Salvador e seu mercado no seculo k7,k" Sao Pan
lo, HUCITEC, 1978.
1`l;,.,;1 wn(vrtootc #'se,ravos IiI, rto,s na Ifahia no.,) sE t'ulo^ ,k7. k: lJnia tone pai -a o estudo de inentalidades . Salvador, UFBa , CEB, 1979.
"Parocos e Vi; rios em Salvador no se'culo XIX: As m(iltiplas Riquezas do Clero Secular da capital baiana," Tempo e 3ociedade, 1:1 (Jan-jun 1982).
Ser escravo no Brasil. 3a edicao , Brasiliense, 1990.
Bahia Ssculo k7X.• Uma Provlncia no Impe{ rio. Rio de Janeiro, NovaFronteira, 1992.
Mattos, Waldenna •. Evolusao histdrica e cultural do Pelourinho. Rio de Janeiro, CiaGrafica Barbero, 1978.
Morals Filho, Melo. fiestas e tradieoes populares do Brasil. Anot. Lufs da ChmaraCascudo , Rio de Janeiro, Ediouro , s/data.
Mott, Luiz. "Cotidiano e vivencia religiosa: entre a capela e o calundu ." In FernandoNovais & Laura de Mello e Souza. Histdria da vida privada no Brasil . Sao Paulo,C& das Letras, 1997, v.1.
Mulvey, Patricia "The black lay brotherhoods of colonial Brazil : a history," Te-se de Doutorado , City University of New York, 1976.
Nascimento , Anna Amelia Vieira Dez freguesias da cidade do Salvador Salvador,Fun-dacao Cultural do Estado da Bahia, 1986.
Neves, Guilherme Pereira das. "Entre o Trono e o Altar: a Mesa de Consciencia eOrdens e o papel da religido no Brasil ( 1808 - 1828 )" in Cultura Portuguesa naTerra de Santa Cruz . Maria Beatriz Nizza da Silva (org), Lisboa , Editorial Estampa, 1995.
Oliveira, Anderson Jose Machado de. Devoya'o e Caridade: Irmandades Religiosasno Rio de Janeiro Imperial (1840-1889. Diss. de Mestrado,Niter6i, UFF, 1995.
Oliveira, Maria Ines Cartes de. 0 Liberto: o seu mundo e os outros,Sao Paulo, Corrupio, 1988.
Oliveira, Pedro R. de. Religido e dominacdo de classe . Petropolis , Vozes, 1985.
t J /
Ott, Carlos. "A Irmandado de Nossa Senhora. do Rosario dos Pretos do Pelourinho,"Afro-Asia, 6-7, (1968).
Reis, Jotio Jose. Rebelico escrava no Brasil: a histOria do levante dos rnaNs (1835).Sio Paulo, Brasiliense, 1986.
. A morte e uma fsta: ritos junebres e revolta popular no Brasildo seculo XZX Sao Paulo, C& das Letras, 1991.
"A grove negra de 1857 na Bahia,"Revista U?, 28, 1993, pp.8-28.
"Diterencas e Resistencias no Brasil ,"Tempo, 3, 1997.
"Quilombos e revoltas escravas no Brasil ," Revista USP, 28,(dez-fev/ 95-96), pp.14-39.
Russel -Wood, A.J.R. "Black and mulatto brotheroods in Colonial Brazil : a study incollective behavior" spud Luciano Figueiredo , 0 Avesso da MemOria. Cotidianoe Trabalho da mulher em Minas Gerais no seculo XVIII. Edunb , Jose Olympio,1993.
Salgado , Graca ( org ). Fiscais e Meirinho. Rio de Janeiro , A.N.R.J., 1985.
Santos, Luis Gonsalves dos (Pe. Perereca). Membrias para servir a Histdria do Reino do Brasil. Zelio Valverde, 1943, v.1.
Santos, Juan Elbein dos. Os nags e a morte. Pade, asese e o culto egun na Bahia.Petropolis, Vozes, 1976.
Santos , Maria Helena Carvalho dos ( cord.) A Festa. Comunicagdes apresentadas no VIIICongresso Internacional , Lisboa, Estampa, 1992.
Scarano , Julita Devo,^ao e Escraviddo : A Irmandade de Nossa Senhora do Rosariodos Pretos no Distrito Diamantino no seculo XVIII. Stlo Paulo, Nacional, 1975.
Souza, Marina de Mello . Parati: a cidade e as festas. Rio de Janeiro , UFRJ, 1994.
Silva, CAndido da Costa e & Azzi, Riolando. Doffs estudos sobre D. Romualdo Antonio de Seixas Arcebispo da Bahia, Salvador, CEB, 1982.
Verger, Pierre. "Procissoes e Carnaval no Brasi l", Ensaios / Pesquisas, if 5, Salvador,CEAO, out, 1984.
Vide, Sebastido Monteiro da, Constituicoes Primeiras do arcesbispado da Bahia feytas, e ordenadas pelo ilustrissimo, e reverendissimo senhor Sebastido Monteyro daVide, arcebispo do dito arcebispado, e do Conselho de sua Magestade, propostas eaceytas em o Synodo Diocesano, que o ditto senhor celerou em 12 de junho de 1707. Coimbra: Real Collegio das Artes da Comp. de Jesus, 1720.
top related