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LEGITIMAÇÃO VERSUS DESLEGITIMAÇÃO DA PENA
Michelle Maria Costa Machado Bacharelanda em Direito pela Universidade Salvador – UNIFACS
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 TEORIAS ABSOLUTAS. 3 TEORIAS RELATIVAS. 3.1 TEORIAS DA PREVENÇÃO GERAL. 3.2 TEORIAS DA PREVENÇÃO ESPECIAL. 4 TEORIAS UNITÁRIAS. 4.1 O GARANTISMO PENAL. 5 TEORIAS DESLEGITIMADORAS. 5.1 ABOLICIONISMO PENAL. 5.2 MINIMALISMO RADICAL. 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo tem como escopo analisar as teorias da pena, tanto as
legitimadoras como as deslegitimadoras. Além de tratar dos aspectos mais
importantes, apontam-se também as principais críticas e falhas.
Neste presente artigo, analisar-se-á tanto as teorias que legitimam o
Estado à aplicação da pena em prol da “segurança jurídica” através da restrição de
liberdade do indivíduo, quanto as que desprezam a legitimação da pena por
considerá-la ineficaz.
As teorias legitimadoras dão diversas funções manifestas à pena. Tudo
isso para se chegar a um fim: a defesa e paz social. Estas são divididas em
absolutas, utilizada por Kant e Hegel e relativas.
As teorias relativas ainda se subdividem em teoria da prevenção geral,
em que o autor do crime é servido de exemplo à todos os membros da sociedade
para que estes evitem cometer crimes, e prevenção especial em que é destinada
especialmente ao autor do crime, preocupando-se com a sua reintegração na
1
sociedade. Tanto as teorias da prevenção geral, quanto a especial se subdividem
ainda em positiva e negativa.
Existem as teorias ecléticas ou mistas que sinteticamente explicando,
significam que a pena somente será legítima se for justa e útil. É mista porque
apenas legitima a pena se esta for necessária. Caso contrário esta será ilegítima. As
teorias Mistas que se destacam é a Teoria dialético-unificadora de Roxin e o
garantismo neoclássico de Ferrajoli.
Neste artigo, será tratado a priori das teorias absolutas.
2 TEORIAS ABSOLUTAS
Para estas teorias a pena representa como um fim em si mesma, isto é, o
autor do crime deverá pagar pelo mal cometido, objetivando a realização da justiça.
A pena seria então uma retribuição. Esta finalidade em si mesma nada tem a ver
com a sua ratio essendi.
Sinteticamente falando, a pena em si mesma faz a justiça e esta é
legitimada por “Deus”. Ou seja, o poder Estatal seriam legitimados divinos ao
aplicarem a pena. É o que afirma Déa Carla Pereira Nery:Esta teoria somente pretende que o ato injusto cometido pelo sujeito culpável deste, seja retribuído através do mal que constitui a pena. Ensina HASSEMER e MUÑOZ CONDE que existe uma variante subjetiva da Teoria retributiva que considera que a pena deve ser também para o autor do delito uma forma de “expiación”, ou seja, uma espécie de penitência que o condenado deve cumprir para purgar (expiar) seu ato injusto e sua culpabilidade pelo mesmo. (NERY, 2007, p. 04)
Na verdade, esta idéia de justiça em si mesma não é uma finalidade
direta da pena. Sua finalidade principal é a retribuição do mal, baseada na lei de
talião – olho por olho, dente por dente. Zaffaroni, Nilo Batista, Alagia e Slokar
resumem os propósitos das teorias absolutas: “As teorias absolutas (cujo modelo é
Kant) tendem a a) retribuir b) para garantir externamente a eticidade c) quando uma
ação objetivamente a contradiga d) infligindo um sofrimento equivalente ao
injustamente produzido (talião)” (ZAFFARONI; BATISTA; ALAGIA; SLOKAR, 2003,
p. 115).
Gamil Föppel também sintetiza que: “Finalmente, é de se observar que,
para as Teorias absolutas, é absolutamente indispensável que seja aplicada a
2
sanção penal. Deixar de executar uma sentença representaria, para os adeptos da
corrente, uma renúncia ao Direito e à Justiça.” (FOPPEL, 2004, p.13)
Pode-se afirmar que as teorias absolutas possuem caráter idealista, ou
seja, não se trata da função da pena e do direito penal como eles são, mas como
deveria ser.. Paulo Queiroz fundamenta que:
Convém dizer que, tanto em KANT quanto em HEGEL, a justificação da pena é uma justificação ‘idealista’. Significa dizer que o direito penal de que aí se trata não é o direito como ele é, histórica e praticamente, mas como deve ou deveria ser, idealmente falando. Daí porque, ainda que tal fundamentação do direito de punir não tenha correspondência na realidade jurídica, nem por isso tal teorização perde o seu significado e o seu valor. (QUEIROZ, 2005, p.19)
Kant é um defensor ferrenho da lei do talião. Para ele a aplicação da pena
é a realização da justiça. Para ele quem delinqüe viola a justiça e a ordem pública e
necessita ser devidamente castigado. A pena seria então uma retribuição moral.
Este autor abomina a idéia de a pena possuir função preventiva. Punir o
indivíduo para que este sirva de exemplo aos demais é um absurdo. Há uma recusa
da instrumentalização do homem para servir a sociedade, pois desta forma o
homem seria um mero objeto a serviço do poder punitivo e perderia toda a sua
identidade. Ele somente é utilizado para pagar um mal que ele mesmo cometeu,
mas nunca ser usado para aterrorizar uma sociedade. Pode-se antecipar de
imediato que o pensamento de Kant é contrário a teoria da prevenção geral negativa
que será explicada mais tarde. Gamil Föppel cita de forma exata Kant:
A pena jurídica, poena forensis, não pode nunca ser aplicada como um simples meio de procurar outro bem, nem em benefício do culpado ou da sociedade, mas deve ser sempre contra o culpado pela simples razão de haver delinqüido: porque jamais um homem pode ser tomado como instrumento dos desígnios de outro, nem ser contado no número das coisas como objeto de direito real. (FOPPEL, 2004, p. 16)
Para Hegel, a pena não é usada para fazer justiça. Ele estabeleceu um
método dialético em que a pena em suma seria a reafirmação do direito. O crime é a
negação do direito, ou seja, o delito fere o ordenamento jurídico. Portanto a pena é a
negação do crime, esta seria a negação da negação, e, como a negação da
negação resulta na afirmação, conclui-se que a pena é a reafirmação do direito.
Para Hegel não importa as funções da pena, esta é um direito imposto; o
que é relevante é que a pena serve como instrumento de manifestação do direito e
supressão do mal causado pelo crime. O indivíduo vive em função do Estado,
apenas vivendo neste meio ele assim o é considerado. Ao Estado é devido a
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obediência. Praticando um delito, o sujeito estará desobedecendo ao Estado e
necessita ser retirado da sociedade para que ele não violente mais o direito,
prevalecendo o direito, que é a vontade manifesta da sociedade. Ele, assim como
Hegel se baseia na lei do talião. Paulo Queiroz conclui que:
A pena para Hegel apresenta-se, em conclusão, como condição lógica inerente à existência mesma do direito, que não pode permanecer sendo direito senão pela negação da vontade particular do delinqüente, representada pelo delito, pela vontade geral (da sociedade) representada peça lei. (QUEIROZ, 2005, p. 23)
Esta teoria obviamente não é a mais adequada para determinar as
funções manifestas, latentes e legitimar a pena. Para começar a teoria absoluta
defende a proteção da sociedade por meio da pena. Sabe-se ao certo que este
argumento é falso, pois se sabe que a pena jamais, em hipótese alguma garantiu a
segurança da sociedade. Os crimes nunca deixaram de existir devido a existência
da pena e também nunca diminuiu a sua ocorrência, mesmo naqueles países em
que há pena de morte das mais dolorosas como nos asiáticos. O que garante a
segurança da sociedade não é aumentando o número de presídios nem diminuindo
a maioridade penal, por exemplo – é resolvendo primeiramente problemas sociais
como educação, saúde, moradia, para assim se falar em dignidade da pessoa
humana e bem-estar social.
Outra crítica mordaz é que a pena em nenhum momento possui como
objetivo a realização da justiça. O direito penal utilizado pelo Estado tem como fim a
harmonização da sociedade, e isto são obtidas através da aplicação da pena. A
justificativa da aplicação da pena se justifica pelos seus fins e fundamentos segundo
Paulo Queiroz (QUEIROZ, 2005, pp. 26-27).
As teorias absolutas pressupõem lei de talião, que se baseia na aplicação
da pena de forma proporcional ao delito cometido. Sabe-se que esta lei de talião fere
os direitos humanos e fundamentais da pessoa humana, pois se utiliza de
tratamento desumano como violência, tortura e até morte sangrenta para punir o
delinqüente. Não é punindo-se desta forma que se garantirá a paz social.
A idéia de retribuição de um mal é muito taxativa. As teorias absolutas
não explicam a forma como esta punição irá se proceder e o sentido desta. Além
disso, essas teorias afirmam que somente com a retribuição de um mal poderá se
realizar a justiça. O que não é verdade. Há várias maneiras de se fazer justiça, a
pena é um dos meios, não o único e absoluto. Paulo Queiroz fundamenta:
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Também a idéia de retribuição pressupõe a necessidade mesma da pena, pois fundamenta algo que já é dado, previamente, como existente e válido. Não responde à indagação sobre quais os pressupostos que devem orientar a punição de uma certa conduta, nada diz sobre qual deva ser seu conteúdo, e nada refere sobre quais ações passíveis de repressão, ou, ainda, sobre a melhor forma de enfrentá-las, supondo-a simplesmente como imperiosa e inevitável. Logo, tal teoria de modo algum explica porque se deva impor a pena a alguém, ao invés de, por exemplo, perdoá-lo ou simplesmente censurá-lo ou porque não se optar por um outro instrumento de controle social que não a pena, bem como sobre qual a pena aplicável em cada caso. (QUEIROZ, 2005, p. 27)
Outra crítica apontada é que a pena é um instrumento a serviço do
Estado, ou seja, esta pode ser utilizada a depender da vontade deste. Não é uma
imposição absoluta, que tem que ser aplicada toda vez que ocorrer um delito. O
Estado aplica a pena quando for oportuno.
Outro equívoco das teorias absolutas é que se aplicando a pena realizará
a justiça. Isto é uma verdadeira mentira. É fato notório que o sistema penal atual é
extremamente precário e por conseqüência injusto. A começar por ser um sistema
desigual e desproporcional, pois crimes praticados por indivíduos de alta renda
como os crimes de corrupção ficam impunes, enquanto pequenos furtos praticados
por pessoas miseráveis são punidos com todo o rigor. Percebe-se então que o
sistema penal1 escolhe as pessoas de classes menos favorecidas para realizar a
falsa justiça e assim mostrar a sua força.
3 TEORIAS RELATIVAS
Ao contrário das teorias absolutas, as teorias relativas não possuem uma
finalidade em si mesma. Estas teorias dão uma finalidade a pena – prevenção e
ressocialização. Estas teorias são subdividas em prevenção geral e especial. A
teoria da prevenção geral explica que a pena tem como fim punir o sujeito para que
este sirva de exemplo aos demais. Já a seguinte afirma que a pena tem função
ressocializadora. As teorias da prevenção geral e especial ainda são subdividas em
prevenção geral positiva e negativa; prevenção especial positiva e negativa. A priori
será tratado a respeito das teorias da prevenção geral.
1 Em relação ao sistema penal, Gamil Föppel denuncia: “Seletividade – o sistema penal seleciona suas vítimas nas classes mais humildes da sociedade. Estas, originariamente, possuem problemas familiares, financeiros e, ainda que se afastando o determinismo mesológico de Hipolit Taine, estão mais propensas a delinqüir. Alem disso, há a notícia de que noventa e sete por cento dos presos não puderam arcar com honorários advocatícios.” (FOPPEL, 2005, p. 119)
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3.1 Teorias da prevenção geral
As teorias da prevenção geral, genericamente falando, têm como objeto a
sociedade em geral, isto é, a pena é aplicada em função de toda uma sociedade
para que esta presencie o sofrimento e dor daquele cidadão e se intimide para que
não cometa crimes. Em outras palavras, significa que aquele sujeito que cometeu
um delito, servirá de exemplo a todos para que não cometam crimes, caso contrário
sofrerá a mesma dor que o delinqüente. As teorias da prevenção geral como já foi
dito, subdivide-se em prevenção geral negativa e prevenção geral positiva.
A prevenção geral negativa tem por objetivo aterrorizar a população para
que esta não cometa delitos. Chama-se prevenção geral porque se destina não ao
delinqüente, mas à sociedade em geral. Um dos principais defensores é Von
Feurrbach. Esta teoria faz com que a pena seja um instrumento de confiança e
segurança da população e consequentemente um fortalecedor do ordenamento
jurídico com a certeza de que este não será violado, e caso isso ocorra às punições
serão extremamente severas.
Feurbach afirma que o crime seria uma espécie de tentação e
sensualidade em que o ser humano estaria dissuadido a cometer tal delito,
simplesmente por prazer ou pela facilidade de se realizar algo almejado. Para ele a
função da pena seria uma coação psicológica que combateria esta tentação que é o
crime. Como já foi dito a pena tem como objetivo amendrontar as pessoas para que
evitem cometer tais delitos. Paulo Queiroz sintetiza de forma clara as idéias de
Feuerbach:Por conseguinte, fim da pena não pode ser, segundo Feuerbach: a) a prevenção contra futuros delitos de alguém em particular; b) nem retribuição moral, porque esta pertence à ética e não ao direito, e porque tal pretensão seria fisicamente impossível; c) nem melhoramento moral, porque este seria o objetivo da expiação, porém não o objetivo da pena. (QUEIROZ, 2005, p. 34)
Esta teoria assim como a absoluta é falha, pois se observar a realidade
social perceberá que a pena somente intimidará as classes menos favorecidas,
como Zaffaroni afirma, aos vulneráveis. Esses vulneráveis são aquelas pessoas sem
oportunidades, de baixa renda, em que o sistema penal pune com uma maior
facilidade, ao contrário das classes mais favorecidas em que não há um rigor em
punir crimes cometidos por estas pessoas. Portanto, devido a esta seletividade do
sistema penal e consequentemente da função preventiva da pena é que a pena
recairia somente perante os marginalizados. Além do mais ao perceber a ineficácia
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da pena o criminoso não se intimidaria, mas arranjaria formas elaboradas de
enganar o poder de polícia do Estado e cometer mais delitos. Assim explana
Zaffaroni e seus parceiros:A partir da realidade social, pode-se observar que a criminalização pretensamente exemplarizante que esse discurso persegue, pelo menos quanto ao grosso da delinqüência criminalizada, isto é, quanto aos delitos com finalidade lucrativa, seguiria a regra seletiva da estrutura punitiva: recairia sempre sobre os vulneráveis. Portanto, o argumento dissuasório estaria destinado a cumprir-se sempre sobre algumas pessoas vulneráveis e estar sempre referido aos delitos que elas costumam cometer.[...] Uma criminalização que seleciona as obras toscas não exemplariza dissuadindo o delito, mas sim da inabilidade em sua execução: estimula o aperfeiçoamento criminal do delinqüente ao estabelecer o maior nível de elaboração delituosa como regra de sobrevivência para quem delinqüe. Não tem efeito dissuasivo, mas propulsor de maior elaboração delituosa. (ZAFFARONI; BATISTA; ALAGIA; SLOKAR, 2003, p. 117)
A teoria da prevenção geral negativa é incompatível com o Estado
Democrático de Direito. O comportamento do Estado ao intimidar o seu povo,
punindo o criminoso como exemplo, é totalmente antidemocrático. Esta teoria não
estabelece limites para esta intimidação e ao invés de ter um Estado Democrático de
Direito estar-se-á diante de um Estado de polícia que poderia utilizar do poder
punitivo sem limite algum. Como afirma Zaffaroni e seus companheiros, “As únicas
experiências de efeito dissuasivo do poder punitivo passíveis de verificação são os
estados de terror, com penas cruéis e indiscriminadas” (ZAFFARONI; BATISTA;
ALAGIA; SLOKAR, 2003, p. 118).
Atualmente, até as pessoas que não são juristas, percebem que a pena
não intimida criminosos em potencial. Delitos, desde o surgimento da humanidade
sempre existiram e sempre existirão, mesmo que as penas sejam mais severas
como a pena de morte, por exemplo. Esta espécie de sanção não desestimulou o
ser humano para o cometimento de delitos. Além do mais há a precariedade do
sistema penal, em que certos crimes só são punidos abstratamente, nunca
concretamente, como o porte ilegal de armas. O delinqüente sabendo desta
ineficácia, não hesita em nenhum instante de praticar tal crime.
Além disso, a prevenção geral negativa é inconstitucional, porque gera
uma imposição da lei em expor aquele indivíduo como “testa de ferro” como exemplo
para que os demais não cometam delitos. Ferrajoli fundamenta o que foi dito e ainda
compara a prevenção geral negativa com idéias de Nicolau Maquiavel:Acrescento que uma prática penal orientada pela função dissuasiva da imposição e não da ameaça da pena pode efetivar-se em punição discricionária e desigual, segundo as conveniências políticas ou o alarme
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social, em relação aos quais o condenado é destinado a servir como “bode expiatório”. Com efeito, o seu inspirador é aquele de que “os fins justificam os meios”, oposto àquele da visão kantiana e característico da ação política de Maquiavel em diante, constituindo o seu êxito prático na submissão das razões jurídicas às razões políticas ou de Estado que, como adverte Gustav Radbruch, resolvem-se sempre no “terrorismo penal”. (FERRAJOLI, 2005, p. 258)
Para a teoria da prevenção geral positiva a pena é um instrumento de
estabilização, ou seja, a pena restabelece a ordem social que fora abalado pelo
sujeito criminoso. Além disso, a pena é uma espécie de reafirmação do direito, a
conscientização da sociedade de que as leis devem ser respeitadas. A maior
preocupação desta teoria é através da pena transmitir valores éticos-sociais-morais
à sociedade. O objetivo da pena seria o da integração social. Esta é uma reação
necessária para o cumprimento desta meta.
Para Welzel, o direito penal tem como função a proteção de bens jurídicos
e a garantia e reafirmação dos valores éticos e sociais. Quando um crime ocorre, o
bem jurídico particular é atingido, não podendo o Estado voltar ao tempo e retornar
ao status quo ante. O que resta agora é defender os interesses sociais para que
estes não sejam contaminados. O direito penal conscientiza a sociedade,
reafirmando o direito, fazendo com que esta seja fiel às leis. O próprio Welzel conclui
que “a missão do direito penal é a proteção de bens jurídicos mediante a proteção
dos elementares valores de ação ético-social.” (QUEIROZ, 2005, p. 40).
Para este autor, a proteção aos bens jurídicos é secundária, ou seja, só
ocorrem caso o cidadão não tenha compreendido os valores ético-sociais e tenha
praticado delitos. A proteção dos bens jurídicos possui finalidade coercitiva. Portanto
é necessário que antes de se proteger os bens jurídicos através do poder punitivo,
se garanta a difusão de valores de cidadania, respeito à vida, à integridade física e à
dignidade. Sem esta pretensão de difundir esses valores básicos, o poder punitivo
somente teria função repressiva e coercitiva. Busca-se ensinar ao cidadão o que é
certo e o que é errado, e caso esta lição não tenha sido apreendida utiliza-se o
poder punitivo para então reafirmar o direito.
Welzel citado por Gamil Pöppel dispõe:
[...] Mais essencial que a proteção de determinados bens jurídicos concretos é a missão de assegurar a real vigência (observância) dos valores de ato da consciência jurídica; isso constitui o fundamento mais sólido que sustenta o Estado e a sociedade. A mera proteção de bens jurídicos tem um fim policial e negativo. Contrariamente, a missão mais profunda do direito penal é de natureza ético-social de caráter positivo. (FOPPEL, 2004, p.40)
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É meio duvidoso que o direito penal, de natureza coercitiva, tenha por
finalidade conscientizar a população sobre valores éticos e sociais. Seria transferir
ao direito penal uma função reeducativa que poderá ser feita pelo poder público sem
utilização do poder punitivo. Os meios de comunicação, por exemplo, poderiam ser
fortes aliados nesta difusão de valores. Ninguém deixa de praticar um crime,
preocupado com a ética e a sociedade, primeiro o delinqüente pensa no seu próprio
benefício. Segundo Paulo Queiroz (QUEIROZ, 2005, p.41) se o indivíduo não pratica
um crime é por outros valores como morais, religiosos, etc.
Para Jakobs, a pena nada mais é que uma necessidade e através da
pena os valores são respeitados. Em síntese, a pena é a reafirmação do direito.
Paulo Queiroz retrata a posição de Jakobs:
A pena ou, mais precisamente, a norma penal, aparece aí, como uma necessidade sistêmica de estabilização de expectativas sociais, cuja vigência é assegurada ante as frustrações que decorrem da violação das normas. Este novo enfoque utiliza, enfim, a concepção luhmanniana do direito como instrumento de estabilização social, de orientação das ações e de institucionalização de expectativas (QUEIROZ, 2005, p. 43).
Desta forma, pensa Jakobs o delito destrói as expectativas de uma ordem
social, pois se espera baseado no princípio da confiança que o cidadão temente a lei
não cometerá tal delito. Ou seja, espera-se sempre uma conduta lícita praticada por
este cidadão. A sociedade confia nele, espera que ele possua uma boa conduta,
amparada pelo direito. No entanto, quando um crime é praticado, consequentemente
o princípio da confiança é violado e se destroem todas essas expectativas. É neste
contexto que entra a função da pena, uma forma de proteção e prevenção dessas
expectativas. A pena ao ser aplicada assegura e reafirma o direito a restabelece a
confiança no sistema. Além disso, a pena previne a negatividade produzida pelo
delito garantindo a estabilidade social.
Diante do exposto pode-se concluir que a posição de Jakobs nada mais é
que uma referência à concepção Hegeliana, das teorias absolutas. Ou seja, a teoria
da prevenção geral positiva está mais para uma teoria absoluta do que relativa, pois
está preocupada em retribuir um mal causado pelo agente, através da reafirmação
do direito e garantindo a justiça e a paz social. Gamil Foppel traduz o que foi dito
acima:
Partindo-se, então, desta premissa normativa pura, dissociada de outras considerações referentes aos indivíduos, pode-se, claramente, afirmar que, em verdade, a teoria da prevenção geral positiva não pode ser considerada como relativa ou utilitarista, sendo, evidentemente, uma nova leitura da
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teoria absoluta Hegeliana, que se punia para reafirmar a justiça. (FOPPEL, 2004, p. 43)
A maior crítica desta teoria é que ao utilizar o direito penal para a
reafirmação do direito, poderia se criar um Estado arbitrário e consequentemente
afetaria direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana e o direito à
liberdade. Além disso, pode-se concluir que a teoria da prevenção geral positiva
possui traços da teoria absoluta defendida por Hegel, pois para ele a pena serve
para reafirmar o direito e realizar a justiça.
Zaffaroni, Nilo Batista, Alagia e Slokar apontam críticas em relação à
realidade social:
A partir da realidade social, essa teoria se sustenta em dados reais que a anterior. Segundo ela, uma pessoa seria criminalizada porque com isso a opinião pública é normatizada ou renormatizada, dado ser importante o consenso que sustenta o sistema social. Como os crimes de “colarinho branco” não alteram o consenso enquanto não forem percebidos como conflitos delituosos, sua criminalização não teria sentido. Na prática, tratar-se-ia de uma ilusão que se mantém porque a opinião pública a sustenta, e convém continuar sustentando-a e reforçando-a porque com ela o sistema penal se mantém: ou seja, o poder a alimenta para ser por ela alimentado. (ZAFFARONI; BATISTA; ALAGIA; SLOKAR, 2003, p. 122)
3.2 Teorias da Prevenção Especial
Ao contrário das teorias da prevenção geral que tem como objeto a
sociedade, as teorias da prevenção especial possuem como objeto o indivíduo. A
pena atua sobre este para prevenir que não se cometa mais delitos. Possui como
objetivo principal a ressocialização do delinqüente. Estas teorias não possuem
caráter retribucionista nem visam dissuadir a sociedade a não praticar delitos,
somente se preocupa com a ressocialização do sujeito em isolado.
Von Lizt, principal defensor desta teoria, argumenta que a pena tem como
objetivo a ressocialização. Esta é feita através de três medidas: asseguramento,
ressocialização, e intimidação (em relação ao delinqüente). A intimidação ocorre nas
hipóteses do réu primário, sem antecedentes criminais e de boa conduta, cometer
um crime. A pena seria uma espécie de advertência para este criminoso eventual. A
ressocialização se aplica aos casos do delinqüente reincidente, que vem reiterando
a prática de crimes.
Se esta ressocialização falhar e o agente criminal continuar a cometer
novos delitos, utiliza-se o asseguramento, para criminosos que não conseguem se
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ressocializar. A medida é extrema, pois isola este indivíduo da sociedade, assim
como os nazistas faziam com os judeus, ciganos, negros e homossexuais, ao jogá-
los nos campos de concentração. Gamil Foppel citando Von Lizt afirma: “a função da
pena e do direito penal era a proteção de bens jurídicos por meio da incidência da
pena sobre a personalidade do delinqüente, com a finalidade de evitar futuros
delitos” (Föppel, 2004, p 27).
Renato Marcão e Bruno Marcon em seu artigo Rediscutindo os fins da
pena expõem a posição de Claus Roxin em relação às teorias da prevenção
especial:
Para Claus Roxin, a teoria da prevenção especial tende, mais que um Direito Penal da culpa retributivo, a deixar o particular ilimitadamente à mercê da intervenção estatal. Outra objeção consiste no fato de que, nos crimes mais graves, não teria de impor-se uma pena caso não existisse perigo de repetição [...] (MARCÃO; MARCON, 2007, p. 17)
Os referidos autores ainda citam Roxin:O exemplo mais contundente é constituído, neste momento, pelos assassinos dos campos de concentração, alguns dos quais mataram cruelmente, por motivos sádicos, inúmeras pessoas inocentes. Tais assassinos vivem hoje, na sua maioria, discreta e socialmente integrados, não necessitando portanto de ressocialização alguma; nem tampouco existe da sua parte o perigo de uma reincidência ante o qual deveriam ser intimidados e protegidos. Deverão eles, então permanecer impunes.[...]A teoria da prevenção especial não é capaz de fornecer a necessária fundamentação da necessidade da pena para tais situações.[...]O que legitima a maioria da população a obrigar a minoria a adaptar-se aos modos de vida que lhe são gratos? De onde vem o direito de poder educar e submeter a tratamento contra a sua vontade pessoas adultas? Porque não hão de poder viver conforme desejam os que fazem à margem da sociedade. Será a circunstância de serem incômodos ou indesejáveis para muitos dos seus concidadãos causa suficiente para contra eles proceder com penas discriminatórias? Tais perguntas parecem levemente provocadoras (MARCÃO; MARCON, 2007, p. 17).
Como já dito anteriormente as teorias da prevenção especial se
subdividem em prevenção especial positiva e prevenção especial negativa que será
explanada logo a seguir.
A prevenção especial negativa tem como foco a proteção da sociedade
através da neutralização do indivíduo. Claramente falando, é a exclusão daquele
criminoso que cometeu um mal à sociedade através da sua exclusão e segregação
nas penitenciárias. Isolado do convívio social, o agente criminosos estaria
impossibilitado de cometer crimes. Segundo Zaffaroni e os co-autores,
(ZAFFARONI; BATISTA; ALAGIA; SLOKAR, 2003, p.127) a prevenção especial atua
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quando uma ideologia fracassa, isto é, quando a norma é descumprida, por essa
razão apela-se para a neutralização e exclusão do indivíduo. Carolina de Mattos
Ricardo sintetiza bem o conceito de prevenção especial negativa “A prevenção
especial negativa funda-se na idéia de intimidação a partir da neutralização do
apenado, que fica fora de circulação e percebe que sua ação tem uma conseqüência
jurídica, o que evitaria o cometimento de novos ilícitos penais”. (RICARDO, 2007, p.
4).
O fim da pena para esta teoria é evitar a reincidência através da medicina
social. Busca-se nas penitenciárias curar o delinqüente através terapias,
tratamentos, para que futuramente ele possa ser reintegrado ao seio social. É o
chamado saneamento social, que é feito através do isolamento do sujeito que é
considerado um ser nocivo, perigoso e que precisa ser urgentemente curado. Paulo
Queiroz fundamenta o que foi dito:Em sua versão mais radical, a teoria da prevenção especial pretende a substituição da justiça penal por uma “medicina social”, cuja missão é o saneamento social, seja pela aplicação de medidas terapêuticas, visando ao tratamento do delinqüente, tornando-o, por assim dizer, dócil, seja pela sua segregação, provisória ou definitiva, seja, ainda, submetendo-o a um tratamento ressocializador que lhe anule as tendências criminosas. (QUEIROZ, 2005, p.54)
Atualmente, há a plena consciência de que a retirada do criminoso do
convívio à sociedade para uma penitenciária, não o impede de cometer crimes. É
uma grande ilusão da teoria da prevenção especial negativa de que excluindo o
indivíduo este não cometerá delitos. O que mais ocorre nas prisões são crimes como
atentado violento ao pudor, corrupção passiva, dentre outros. Portanto é uma grande
ilusão confiar na pena privativa de liberdade. Assim argumenta Zaffaroni e seus
companheiros:
Os riscos de homicídio e suicídio em prisões são dez vezes superiores aos da vida em liberdade, em meio a uma violenta realidade de motins, abusos sexuais, corrupção, carências médicas, alimentares e higiênicas, além de contaminação devido a infecções, algumas mortais, em quase 80% dos presos provisórios. Assim, a prisionização é feita para além da sentença, na forma de pena corporal e eventualmente de morte, o que leva ao paradoxo a impossibilidade estrutural da teoria. (ZAFFARONI; BATISTA; ALAGIA; SLOKAR, 2003, p. 126)
A prevenção especial positiva consiste na meta de ressocialização do
indivíduo. Esta missão deverá ser cumprida através da medicina social, ou seja, a
higienização do indivíduo. Equipara-se o criminoso à uma pessoa doente que
precisa de tratamento médico. A pena seria uma espécie de cura para este indivíduo
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enfermo, dominado pela doença do crime. A partir desta medicina social busca-se
reintegrar o delinqüente à sociedade. Desta forma explica Paulo Queiroz:
Em sua versão mais radical, a teoria da prevenção especial pretende a substituição da justiça penal por uma “medicina social”, seja pela aplicação de medidas terapêuticas, visando ao tratamento do delinqüente, tornando-o, por assim dizer, dócil, seja pela sua segregação, provisória ou definitiva, seja, ainda, submetendo-o a um tratamento ressocializador que lhe anule as tendências criminosas. (QUEIROZ, 2005, p.54)
Pode-se afirmar que o papel do juiz para esta teoria é o de médico social
que como aplicador do “remédio” pena teria a missão de saneamento social,
higienização e cura do criminoso, isto é um meio de defesa social contra um
indivíduo que possui uma enfermidade contagiosa, pois se este não for excluído de
imediato poderá contaminar todo o restante da sociedade.
Não há dúvidas que as teorias da prevenção especial possuam um
caráter nazista. A forma de tratamento do criminoso como uma ameaça, a sua
exclusão numa prisão, pode ser comparada ao isolamento dos judeus, ciganos e
homossexuais num campo de concentração anti-semita. A prisão é uma forma de
esconder as mazelas da sociedade, ou seja, de armazenar aquelas pessoas
inferiores que de alguma forma seriam um incômodo, uma ameaça às pessoas
superiores. Um autor não identificado ao escrever um artigo publicado no portal
múltipla argumenta que:Em contrapartida, a teoria da prevenção especial positiva, defende a idéia de ressocialização daqueles indivíduos que já cometeram ilícitos penais, considerando o crime como algo natural e social, que é praticado por certos indivíduos já detentores de uma personalidade perigosa. Assim defendia a escola positiva Italiana, centrando a concepção do crime na figura do autor do delito e configurando a pena como um meio de defesa social. Então, seria o delinqüente um indivíduo naturalmente inferior, degenerado e, portanto, a pena é a maneira mais adequada para sua regeneração e para a proteção da sociedade. Estabelecia-se a partir daí uma divisão clara entre a anormalidade: os criminosos e a normalidade: a maioria da sociedade. (PORTAL MÚLTIPLA, 2007, pp. 02-03)
A pena como função ressocializadora é uma hipocrisia. Sabe-se
atualmente que esta função atribuída à pena é uma grande farsa. Criminosos ao
entrar em penitenciárias não são ressocializados, muito pelo contrário. Lá este
aprende uma nova forma de cometer crimes para garantir a sua sobrevivência em
um local de ambiente tão desprovido de dignidade. Ao cumprir a sua pena este
individuo sai da prisão muito mais perigoso e marginalizado que antes e obviamente
não estará pronto a ser reintegrado no seio coletivo, mas para ser mais e mais
marginalizado e desta forma continuará a cometer novos delitos.
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A pena de prisão ao contrário do que aponta a Lei de Execução Penal,
não possui o condão de ressocializar um indivíduo. Além da prisão, há também o
estigma do preconceito. A sociedade por mais que seja vítima da violência, também
possui requintes de crueldade ao segregar e excluir por ela mesma aquele sujeito,
pois nem ela própria acredita que este mudou e não cometerá mais crimes. Pode-se
concluir desta forma que nem as pessoas acreditam na função da pena, pois se
realmente acreditasse não teria preconceitos. Nesta linha conclui Gamil Foppel:a) O cárcere não educa – o encarceramento das pessoas, ao contrário do que deveria fazer, embrutece, dessocializa. Não há aprendizado, exercício de atividade laborativa, enfim, não há um processo gradual de reincerção no grupo social. Presos, milhares de internos amontoam-se em condições subhumanas, lembrando um inferno dantesco. Ao sair do presídio, ou o individuo sai demente, impossibilitado de retornar à normalidade, ou sai revoltado, disposto a “retribuir à sociedade os seus anos de martírio. (FOPPEL, 2004, pp. 116-117)
Esta teoria se baseia na periculosidade do autor, não no fato.
Fundamenta-se, portanto na representatividade de um perigo que este delinqüente
traz. É uma injustiça, pois se puniria de forma severa alguém que comete crimes de
forma reincidente do que alguém que comete um homicídio de forma eventual.
Então se pune de maneira mais severa o criminoso reincidente do que o eventual,
pois este último é menos perigoso que o primeiro. Há uma desproporcionalidade
neste modo de punir, violando-se diversos princípios constitucionais como o da
dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade.
4 TEORIAS UNITÁRIAS OU MISTAS
A priori seria a junção de idéias das teorias absolutas com as relativas.
Possui aspectos distintos de cada uma dessas teorias. A pena possui varias facetas,
portanto a função preventiva é uma das suas manifestações assim como a função
retribucionista. A partir desta junção objetiva-se alcançar um conceito único de pena.
A teoria dialética unificadora de Claus Roxin e o garantismo de Luigi Ferrajoli são as
duas espécies de teorias unitárias.
A teoria dialética unificadora cujo pensador é Claus Roxin fundamenta
que o direito de punir (que é momento de manifestação da pena) deve se ser
analisado em três momentos: cominação, aplicação e execução. Nesses três
momentos estará sempre presente a finalidade da pena. Note-se que por Roxin
acreditam em um fim da pena, há traços das teorias da prevenção geral e especial.
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Quanto à cominação, para este autor é necessário saber qual a finalidade
do Estado. A pena é um instrumento de poder do Estado e sua finalidade
corresponde ao objetivo do Direito penal, consequentemente utilizado pelo governo,
pois só este é legitimado a aplicar à pena. Gamil Foppel argumenta que: “Em
referência ao Estado, Roxin entende que a sua finalidade é a de dupla proteção: aos
bens jurídicos essenciais e à prestação por parte dos cidadãos.” (FOPPEL, 2004, p.
75).
Para Roxin, o direito penal deverá ser utilizado de forma limitada, ou seja,
de forma subsidiária. Só deverá intervir este ramo do direito público se os demais
ramos fracassarem. O direito penal somente deverá ser utilizado em ultima ratio, em
casos se situações extremas, não poderá ser utilizado por razões em que o direito
civil poderá ser perfeitamente aplicado. Por exemplo, em hipóteses de ocorrência de
danos patrimoniais, não se deve utilizar a pena privativa de liberdade, mas a
indenização como sanção. Feriria o princípio da proporcionalidade. A pena possui
portanto duas finalidades: proteção dos bens jurídicos e prestação dos cidadãos.
Desta forma o próprio Roxin argumenta:O direito penal é de natureza subsidiária. Ou seja: somente se podem punir as lesões de bens jurídicos e as contravenções contra fins de assistência social se tal for indispensável para uma vida em comum ordenada. Onde bastem os meios do direito civil ou do direito público, o direito penal deve retirar-se. (ROXIN, p. 32)
Por ser uma teoria dialética, limita-se a teoria da Prevenção geral e
especial. A aplicação da pena não poderá ocorrer de forma cruel e desumana, não
sendo permitido meios ilícitos para obter a prova da culpabilidade do agente. A
culpabilidade é o limite da pena. Para se aplicá-la é necessária a priori uma análise
da culpabilidade do delinqüente. Isto seria uma garantia ao agente cometedor do
delito, uma vez que a pena seria aplicada de acordo com seu grau de culpa naquele
delito. Desta forma afirma Roxin:
Daqui se retira para a justificação da pena que, embora se possa imputar a sua existência à pessoa do delinqüente que estará obrigado em atenção á comunidade, tem de responder pelos seus actos na medida de sua culpa, para a salvaguarda da ordem dessa comunidade. Deste modo, não é utilizado como meio para os fins dos outros mas, ao co-assumir a responsabilidade pelo destino, confirma-se a sua posição de cidadão com igualdade de direitos e obrigações. Quem não quiser tal aceitar como justificação da pena, terá de negar a existência de valores públicos e, com eles, o sentido e missão do Estado. (ROXIN, p. 35)
Quanto à aplicação da pena pode-se concluir que sua função é um misto
da teoria da prevenção geral, que é limitada pelas garantias constitucionais e a
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prevenção especial que possui limite na culpabilidade. Em relação a execução da
pena Roxin acredita na ressocialização do delinqüente, ou seja utiliza-se a função da
prevenção especial, mas claro, limitada pelos princípios e garantias constitucionais.
Claus Roxin conclui que:
Não é lícito ressocializar com a ajuda de sanções jurídicos penais pessoas que não são culpadas de agressões insuportáveis contra a ordem dos bens jurídicos, por mais degeneradas e inadaptadas que sejam essas pessoas. Caso este ponto de vista seja ignorado, estaremos sob a ameaça do perigo de uma associação coletivista que oprime o livre desenvolvimento da personalidade. As consequências da garantia constitucional da autonomia da pessoa devem, pois, respeitar-se igualmente na execução da pena. É proibido um tratamento coativo que interfira com a estrutura da personalidade, mesmo que possua eficácia ressocializante – o que é válido tanto quanto à castração de delinqüentes sexuais, como quanto à operação cerebral que transforma contra a sua vontade o brutal desordeiro num manso e obediente sonhador. (ROXIN, p. 41)
Juarez Cirino dos Santos tece críticas negativas á respeito das teorias
unitárias, pois estas juntam os aspectos das teorias retributivas e das teorias da
prevenção geral e especial. Mas as falhas destas teorias não são supridas, estas
continuam por fim a existir. É o que afirma este autor:A crítica jurídica e criminológica sobre as teorias unificadas da pena criminal afirma que os defeitos das teorias isoladas não desaparecem com a reunião de funções (a) de compensar ou expiar a culpabilidade, (b) de corrigir e neutralizar o criminoso e (c) de intimidar autores potenciais de manter/reforçar a confiança no Direito. Por exemplo, completar a função de retribuição com a função de prevenção especial ou geral, significa admitir a insuficiência da retribuição sob forma de prevenção etc. Além disso, a admissão de diferentes funções da pena criminal, determinada pela cumulação de teorias contraditórias e reciprocamente excludentes, significa adotar uma pluralidade de discursos legitimantes capazes de racionalizar qualquer punição pela escolha da teoria mais adequada para o caso concreto. (SANTOS, 2005, p. 34)
4.1 O Garantismo Penal
O garantismo penal, que assim como o abolicionismo penal é uma das
respostas à crise do sistema penal e tem como principal defensor Luigi Ferrajoli, que
defende a função da pena como prevenção geral negativa. Não se deve utilizar a
prevenção geral negativa em todos os seus aspectos. Esta prevenção diz respeito
às penas informais, isto é, evita que tanto a sociedade faça justiça com as próprias
mãos quanto o Estado aplique sanções incompatíveis com os princípios
constitucionais, ou seja, penas injustas e excessivas.
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Pode-se afirmar que a pena teria dupla função de proteção. Além de
proteger a vítima do delito, protege o delinqüente que ao cometer um crime estaria a
mercê da violência da sociedade, inconformada com tal ato praticado por ele e
também do Estado que poderá também de exceder.
Desta forma conclui Paulo Queiroz:Confere-se-lhe (ao direito penal), portanto, uma dupla função preventiva, ambas de signo negativo: prevenção de futuros delitos e prevenção de reações arbitrárias, partam do particular ou do próprio Estado. Privilegia, porém, seu modelo de justificação do direito penal, essa segunda função, que considera como “fim fundamental” da pena. (QUEIROZ, 2005, pp. 68-69)
Ferrajoli é o grande defensor de um direito penal minimalista. Amparado
pelo princípio da intervenção mínima, este autor defende que o direito penal só
deverá atuar em casos de extrema relevância, quando os demais ramos do direito
não forem eficazes para solucionar o conflito, Ou seja o poder punitivo somente será
usado em ultima ratio. Edson Miguel da Silva Junior sintetiza as idéias de Ferrajoli:Essa revitalização do princípio da intervenção mínima e do garantismo penal passou a ser denominada de direito penal mínimo ou minimalismo penal que tem como proposta central a mínima intervenção do Estado, com a máxima garantia do direito de liberdade do cidadão. Em outras palavras, a prisão somente deve ser aplicada para se evitar um mal maior para a sociedade, em decorrência da sua falência (alto custo, ineficácia e injustiça); bem como, a conhecida seletividade do sistema penal deve ser combatida pelas garantias individuais.Em resumo, o direito penal mínimo, reconhecendo certa utilidade social no controle penal, aponta para a descriminalização (abolição de vários tipos penais, tendo como critério a fragmentariedade e subsidiariedade), despenalização (criação de vias alternativas que solucionam o conflito penal sem aplicação de pena) e desinstitucionalização (diversificação da resposta penal, transferindo o conflito para os sujeitos envolvidos). (JUNIOR, 2007, p. 02)
O garantismo penal é uma característica do direito penal mínimo. É um
meio de proteção garantido aos cidadãos contra atos arbitrários do Estado e
particulares. O próprio Ferrajoli conceitua o garantismo penal:
[...] Precisamente, no que diz respeito ao direito penal, o modelo de “estrita legalidade” SG, próprio do Estado de Direito, que sob o plano epistemológico se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano político se caracteriza como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e a maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos. É, consequentemente, “garantista” todo sistema penal que se conforma normativamente com tal modelo e que o satisfaz efetivamente. (FERRAJOLI, 2005, p. 786)
Diante do exposto, se conclui que Ferrajoli visa uma relegitimação do
sistema penal e a deslegitimação do sistema penal em vigência, isto é aqueles que
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violam os princípios e garantias constitucionais. Edson Miguel da Silva Junior
argumenta:Dessa característica da proteção penal (mínima intervenção) junta-se uma outra: o garantismo. O direito penal, desde o século XVIII, é uma busca pela limitação do poder punitivo do Estado face ao cidadão. Pelos séculos passados constatou-se que o poder punitivo do Estado sempre serviu à opressão. Daí, o direito penal moderno (liberal) ter sido construído a partir de um discurso garantista, caracterizando o direito penal da Escola Clássica como um instrumento de proteção do indivíduo contra o Estado. (JUNIOR, 2007, p. 01)
Apesar desta teoria do direito penal mínimo ser inovadora e priorizar os
direitos humanos e constitucionais, ela possui falhas. Uma delas é que o garantismo
penal é muito “bonito” na teoria, mas na prática ele não funciona. Infelizmente existe
uma sociedade de espírito extremamente cruel e vingativo. Esta sociedade prega a
defesa pelos direitos humanos dos presos na teoria, fala-se em garantismo penal
somente no papel.
Quando um crime grave ocorre a sociedade é intolerável e quer vingança
e a pena máxima, se possível deseja até que o delinqüente sofra maus tratos e até a
sua morte. É muito fácil falar de direito penal mínimo, mas no momento em que o
filho, o pai de alguém da comunidade sofre um crime de estupro, homicídio, roubo,
todos se esquecem desses direitos humanos, das garantias de um devido processo
legal e do princípio do contraditório. Exige-se justiça, a pena mais cruel ao agente
criminoso. Se o juiz ao aplicar a pena for brando, há uma sensação de impunidade o
que revolta a ordem social.
Não é o direito penal que irá resolver o problema das reações informais.
Independente da intervenção penal essas reações sempre continuarão correndo
devido a intolerância da sociedade para com o criminoso. As prisões são os locais
onde mais ocorrem essas reações (linchamento, agressões, atentados violentos ao
pudor) e é de intervenção do Estado. Nem o próprio poder punitivo tem o controle da
reação do particular, esta continuará existindo. Neste ponto, argumenta Paulo
Queiroz:[...] mesmo ocorrendo a efetiva incidência da intervenção penal, por vezes se consumam reações informais arbitrárias, casos, por exemplo, em que, mesmo preso, processado ou sentenciado (condenado ou absolvido), ocorrem atos de linchamento ao réu ou se perpetram ações de represália a sua pessoa ou a pessoas ligadas a ele. Vale dizer, reações arbitrárias podem ocorrer, “a despeito de”, ou a mesmo “a pretexto de”, ou a mesmo “a pretexto da” intervenção do sistema de justiça penal (prisões ilegais, tortura, execuções, etc) (QUEIROZ, 2005, p. 77)
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Atualmente o que está ocorrendo é a expansão do direito penal, ou seja,
o contrário pregado pelo garantismo penal. Realmente, o ideal seria o direito penal
atuar em ultima ratio, mas na prática isso não acontece. Conflitos que podem ser
solucionados pelo direito civil e administrativo, são muitas vezes resolvidos na esfera
penal. O crime de dano, por exemplo, na deveria ser punido pelo direito penal, mas
somente ser considerado um ilícito civil, podendo ser perfeitamente solucionado
nesta esfera.
No código penal brasileiro, diversos tipos penais, muitos deles inúteis
fazendo com que se atole a máquina estatal, e, sendo o poder punitivo cheio de
falhas a sociedade deseja expandir algo totalmente falido que poderá causar danos
irreversíveis à humanidade.
5 TEORIAS DESLEGITIMADORAS
As teorias legitimadoras são assim denominadas porque conferem ao
estado a legitimação para punir aqueles que cometeram um delito. O direito penal
para essas teorias é fundamental para o controle da criminalidade. Somente o
Estado tem o condão de utilizar o poder punitivo para submeter o delinqüente a um
castigo
Já as teorias deslegitimadoras argumentam o contrário, abominam a
intervenção do estado em punir os criminosos. Estas não acreditam na eficiência do
sistema penal como legitimante do controle social, pois sabe-se que este sistema é
precário e falido. Existem duas teorias delegitimadoras: abolicionismo penal ou
abolicionismo imediato e minimalismo radical ou abolicionismo mediato.
5.1 Abolicionismo penal
O abolicionismo penal tem como argumento a extinção de todo sistema
penal e tudo que é associado a ele. Esta teoria defende que, como já foi dito o
sistema penal em si não é uma solução, mas um problema devido a suas
precariedades e sua ineficiência, pois este somente funciona em relação às classes
menos favorecidas, além de deixar impunes aqueles que realmente mereciam serem
punidos. Neste ponto, argumentam Edson Passetti e Roberto Baptista Dias da Silva:
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A teoria do abolicionismo penal sintoniza-se com o presente, evitando dicotomias e discriminações, mas, principalmente, procura mostrar que a sociedade sem o sistema penal já existe. As pessoas, no cotidiano, encontram soluções pacíficas para os acontecimentos, principalmente através de mecanismos conciliatórios e compensatórios, que dispensam qualquer intermediação do sistema penal. Mesmo com os dispositivos de segurança, há um limite estritamente violento que é inatingível ao sistema penal. Os mais conhecidos, também incluídos no que se convencionou chamar de "cifra negra", são: os homicídios entre quadrilhas nas ruas, entre prisioneiros nos cárceres, as violências cometidas pela polícia contra o alegado cidadão suspeito, a prática da tortura, os vínculos entre a polícia e o narcotráfico.(PASSETI;SILVA, 2007, p. 01).
Já está comprovado que o direito penal, não é eficaz na prevenção e na
não reincidência dos delitos. Mesmo punindo alguns criminosos, os delitos não
deixaram de existir. Um exemplo maior disso é o que ocorre nas penitenciárias. O
cidadão, mesmo preso continua a cometer os mesmos delitos enquanto estava solto.
É o caso de Fernandinho Beira- Mar um dos maiores traficantes de drogas do Rio de
Janeiro. Mesmo encarcerado, ele continuava, com a ajuda de policiais corrompidos
a comandar o narcotráfico.
Não há uma preocupação do Estado em controlar esses crimes dentro
das penitenciárias. Lá o delinqüente sofre todo tipo de crime como atentado violento
ao pudor, lesões corporais e até tentativas de homicídio. O Poder coercitivo, ausente
não ampara este sujeito que tem de se adaptar através de prática de outros crimes
para sobreviver a um caos.
Outra característica é que o sistema penal á altamente seletivo, só punem
uma parcela da sociedade, aquela de baixa renda, que não possuem oportunidades.
Com esses sujeitos o processo penal é bem rigoroso, as penas são altas até para
crimes de furto, em hipóteses cujo valor subtraído foi ínfimo. O direito penal é um
grande fomentador das desigualdades sociais. Tais crimes como os praticados por
deputados, senadores os chamados de “colarinho branco” ficam impunes em sua
maioria.
Inevitavelmente o abolicionismo penal denuncia a respeito da
problemática do sistema penal. Zaffaroni em seu livro Em Busca das penas Perdidas
afirma que o abolicionismo penal é uma das respostas à crise do sistema penal:
Em razão da deslegitimação dos sistemas penais, surgem duas grandes correntes de proposta de propostas político-criminais – ou políticas, se assim se preferir – com variáveis relativamente consideráveis em cada uma delas: a proposta de um direito penal mínimo ou “contração de direito penal” e a proposta de sua abolição ou do abolicionismo penal. (com grifos no original)
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[...] É importante adiantar que, ao contrário das respostas até agora examinadas – que “fogem” ou negam a deslegitimação ou que, como o funcionalismo, enfrentam-na com o propósito de refutá-la -, as respostas minimizantes e aboliconistas assumem e reafirmam a deslegitimação [...] (ZAFFARONI, 1991, p. 89)
O abolicionismo tem como principal objetivo a supressão do sistema
penal, pois como já foi dito este é ineficiente e precário. Busca-se através dos outros
ramos do direito como o civil, por exemplo, a solução para questões que antes eram
resolvidas pelo poder coercitivo. Ocorre a despenalização através da busca de
solução de conflitos através da conciliação instituto bastante utilizado no ramos do
direito processual civil. Desta forma argumentam Edson Passetti e Roberto Baptista
Dias da Silva:
A teoria do abolicionismo penal sintoniza-se com o presente, evitando dicotomias e discriminações, mas, principalmente, procura mostrar que a sociedade sem o sistema penal já existe. As pessoas, no cotidiano, encontram soluções pacíficas para os acontecimentos, principalmente através de mecanismos conciliatórios e compensatórios, que dispensam qualquer intermediação do sistema penal.
[...]Com a abolição do sistema penal, busca-se ultrapassar a mera transferência das condutas do campo penal para o civil, supondo que neste, por prevalecer a conciliação, se encontraria o meio mais eficaz para a pacificação real da violência. Seguramente, estaríamos no campo da despenalização sem dar fim à imposição punitiva, talvez privilegiando as situações de semi-liberdade ou de liberdade vigiada, sem o interesse efetivo dos envolvidos, mas contemplando o efetivo interesse dos reformadores de plantão. É inevitável encontrar um mesmo novo lugar para o encarceramento, substituindo-se a prevenção pela terapêutica geral (PASSETI; SILVA, 2007, p.01).
Infelizmente, nossa sociedade possui um espírito cruel e vingativo. Por
essa razão, a teoria do abolicionismo penal não surtiria efeito. Caso ocorresse um
crime hediondo de repercussão na imprensa como o crime de latrocínio cometido
contra o menor João Hélio, será que a sociedade apoiaria a utilização da
composição civil ou de medidas terapêuticas, ou seja, medidas não penais para a
solução de conflitos? O que acontece é o contrário.
Luciano Nascimento Silva tece opinião semelhante e complementa que
esta teoria deslegitimadora é utópica, mas de forma diferenciada:O abolcicionismo penal é uma teoria utópica, pois não declara a crença de que os conflitos sociais irão desaparecer com a abolição do sistema penal, pelo contrário, reconhecer a manutenção de tais conflitos. No entanto, postula pela abolição do sistema penal por entender – e demonstrar – que este serve apenas como instrumento de falsa resolução dos conflitos sociais. (SILVA, 2007, p. 24)
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No caso da morte de João Hélio, por exemplo, por haver um menor no
crime houve pressão por parte da mídia pela redução da maioridade penal, uma
medida totalmente anti-garantista e legitimadora do direito penal máximo. A
sociedade não está preparada para uma despenalização do sistema penal, muito
pelo contrário, esta quer ver seus criminosos devidamente punidos e massacrados.
O abolicionismo penal é uma teoria incompatível com a realidade dos
países latino-americanos. Esta teoria surgiu em países europeus onde o Estado
Social realmente encontra-se presente, onde este realmente é um Estado
democrático, não em países subdesenvolvidos da América Latina onde as
atrocidades nos presídios e nas delegacias de polícia imperam.
Desta forma, sustenta Salo de Carvalho:Não podemos olvidar, também, que as teorias abolicionistas foram criadas a partir de realidade totalmente distinta da realidade marginal latino-americana. É proposta gerada no interior das sociedades nas quais o Estado efetivamente cumpriu seu papel, ou seja, em países nos quais a existência do Estado Liberal e do Estado Social é notória, países nos quais as promessas da modernidade saíram do papel e integraram o cotidiano das pessoas. (CARVALHO, 2007, p. 11)
5.2 Minimalismo radical
O minimalismo radical não defende a supressão total e imediata do
sistema penal. Esta teoria defende a abolição a longo prazo, de forma mediata.
Assim como o abolicionismo penal, o minimalismo prega a abolição do direito penal,
mas de maneira graduada. Mas para isso deve-se ocorrer aos poucos uma
transformação social, mudanças nas bases da sociedade, como melhoria de direitos
fundamentais básicos como saúde, educação, lazer, moradia, emprego, enfim uma
evolução no padrão de vida da população. Mas nada impede que em alguns
momentos se ampliem a intervenção do sistema penal, mas somente para defender
alguns interesses sociais. Paulo Queiroz argumenta ao interpretar Alessandro
Baratta:
Para Baratta, em especial, a melhor política criminal corresponde a uma política de transformação das estruturas sociais e de poder, uma política, enfim, de minimização das desigualdades sociais, salientando que dentre os instrumentos de política criminal, o direito penal é o mais inadequado, pelas razões já assinaladas. Daí porque não se trata de uma política de “substitutivos penais”, vagamente reformista e humanitária, mas, sim, de uma política muito mais ambiciosa, de levar a cabo profundas reformas sociais e institucionais para o desenvolvimento da igualdade, da
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democracia, de formas de vida comunitária e civil alternativas e mais humanas. Enfim, a melhor política criminal é uma política não-penal, que se socorre de intervenções que vão às raízes dos problemas, uma resposta etiológica, e não uma resposta sintomatológica apenas. (QUEIROZ, 2005, p.103).
Baratta, principal defensor do minimalismo radical defende que o direito
penal não pode ser substituído por outra coisa se a sociedade não evoluir:Nós sabemos que substituir o direito penal por qualquer coisa melhor somente poderá acontecer quando substituirmos a nossa sociedade por uma sociedade melhor, mas não devemos perder de vista que uma política criminal alternativa e a luta ideológica e cultural que a acompanha devem desenvolver-se com vistas à transição para uma sociedade que não tenha necessidade do direito penal burguês, e devem realizar, no entanto, na fase de transição, todas as conquistas possíveis para a repropriação, por parte da sociedade, de um poder alienado, para o desenvolvimento de formas alternativas de autogestão da sociedade, também no campo do controle do desvio. (BARATTA, 2002, p. 207)
A crítica feita ao minimalismo radical também é valida para criticar o
abolicionismo imediato. Mas não é a única crítica. A abolição do sistema penal
implicaria, daria espaço à vontade dos particulares que tentariam a todo custo, face
à ausência do Estado punir aquele delinqüente. Não é radicalizando que se
resolverá o problema. O sistema penal é falido, isso é fato, mas embora sendo
precário ele possui o condão de controlar os impulsos vingativos de uma sociedade
vingativa e cruel.
É muito vaga a argumentação do minimalismo radical em relação a abolir
o sistema penal em longo prazo. O problema é que esta teoria não aponta formas de
como poderia aboli-lo. Apenas argumentam que se deve ocorrer transformações
sociais, mas não se fala como fazer isso. É muito complicado mudar o rumo da
historia e a forma de pensar de uma sociedade mesmo a longo prazo e para piorar
sem mostrar quais medidas tomar para que isso ocorra.
6 CONCLUSÃO
Diante do exposto, podem-se tirar as seguintes conclusões:
Em relação às teorias positivas legitimadoras da penas, estas buscam em
vão delimitar uma função da pena, contudo sem lograr êxito. Tudo em busca de um
objetivo falso: defesa e paz social. Seria menos hipócrita delimitar que a função da
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pena possui o objetivo de extermínio das classes marginalizadas e a permanências
dos poderosos no poder.
A começar pelas teorias absolutas que dão a pena um caráter meramente
retributivo e que a mesma possui o dever de efetuar a justiça. Esta prega a proteção
da sociedade por meio da pena. Sabe-se que a pena não é um instrumento de
proteção do indivíduo. A pena não garante em nenhuma hipótese a proteção da
sociedade. Crimes jamais deixaram de existir devido a leis penais severas.
A pena por si só, não pode ser considerada justa, pelo contrário. A perda
de legitimidade do sistema penal mostra o quanto a aplicação da pena é injusta.
Além disso, as teorias absolutas são baseadas na lei de talião,
verdadeiras mitigadoras da dignidade da pessoa humana. Portanto se conclui que
as teorias absolutas são inadequadas ao ordenamento dos países latino-
americanos, pois concede uma função demasiadamente repressora à pena.
Já as teorias relativas que ao contrário das absolutas não consideram a
pena como um fim em si mesma, mas que possui finalidades de prevenção e
ressocialização, também são extremante falhas.
A começar pela teoria da prevenção geral, utilizada através da teoria
mista (união da teoria da prevenção geral negativa com a especial positiva), no
ordenamento jurídico brasileiro que institui um caráter preventivo à pena, esta é
inconstitucional. Punir um indivíduo para que este sirva de exemplo aos demais,
realmente, é arbitrário e desigual e como diz Ferrajoli possui fundamentos
maquiavélicos (fins justificam os meios)
A prevenção geral positiva é outra teoria que tenta em vão legitimar a
pena. Afirmar que a pena é a reafirmação do direito e que através dela busca-se
transmitir valores ético-sociais é uma atitude hipócrita. O criminoso não deixa de
praticar um crime pensando com valores éticos, mas em seu próprio benefício. Além
disso, a reafirmação do direito nada mais é que uma concepção da teoria absoluta,
ou seja, a realização da justiça que, já está claro que a pena não realiza a justiça,
mas dor e sofrimento ao condenado.
A teoria da prevenção especial negativa diz respeito a retirada do
criminoso do seio social para a prisão que seria um local de neutralização do
indivíduo, onde o mesmo seria reeducado e ressocializado. É uma ilusão de que na
prisão o condenado estará impedido de cometer crimes. Muito pelo contrário, pois a
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prisão é um local de corrupção, onde crimes hediondos são constantemente
cometidos.
A teoria da prevenção especial também é inadequada, pois defende que a
função da pena tem o condão de ressocializar o indivíduo. Esta função
ressocializadora é criticada pela teoria agnóstica da pena, que a considera falsa.
Esta ressocialização defendida pela prevenção especial positiva consiste
na higienização do criminoso, ou seja, este na prisão será medicado, reeducado
para futuramente se reintegrar na sociedade. È a chamada medicina social.
A pena como função de higienização e cura é falsa e mentirosa, pois a
mesma na realidade contribui para a deterioração da saúde mental do indivíduo.
Numa penitenciária ele passa por inúmeras privações como a de liberdade, de
identidade, sexuais, além da violência habitual, presente nas penitenciárias.
As teorias unitárias ou mistas também são falhas porque determinam
mais de uma função e todas falsas, além de serem contraditórias. Esta teoria busca
suprir a função da pena, através da união de várias funções, contudo sem lograr
êxito, devido a não eficácia dessas funções.
O garantismo penal, que tem como objetivo a intervenção mínima do
direito penal, é uma teoria inovadora para atenuar o poder punitivo, mas inadequada
para os sistemas penais latino-americanos. Infelizmente a população clama por
segurança jurídica e para isso exige a punição severa dos criminosos. Há uma
ilusão de que penas severas geram segurança jurídica.
Há ainda o espírito extremamente vingativo da população, que não se
conformaria em penas benevolentes para o delinqüente. Devido aos meios de
comunicação informar de forma sensacionalista a ocorrência de um crime, gera na
sociedade um sentimento de revolta e o garantismo penal induziria a população que
o criminoso ficara impune.
As teorias deslegitimadoras defendem a supressão do sistema penal,
transferindo ás instituições administrativas a função de sancionar o sujeito. O direito
civil também possuiria esta função. Acontece que, as teorias abolicionistas são
também, incompatíveis com o sistema penal dos países latino-americanos, pois,
estes possuem uma realidade diferente dos países europeus, onde se originou o
abolicionismo penal.
Nos países europeus, há a existência de um verdadeiro estado Social, em
que o Estado cumpre as suas funções, respeitando as leis. Já nos países europeus
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a realidade é distinta, pois o que prevalece é uma incompatibilidade das normas
constitucionais e infraconstitucionais com a realidade social e atrocidades cometidas
pelo sistema penal para com os marginalizados. Poder-se-ia abolir o sistema penal
se os outros ramos do direito poderem suprir de forma eficaz esta ausência, mas
com a corrupção da administração pública e a ineficiência do direito civil, esta tarefa
é impossível.
Por essa razão, ainda é necessário uma tentativa de adequação dessas
teorias ao sistema penal dos países latino-americanos ou ainda assim buscar uma
outra alternativa como uma visão agnóstica da pena (criação de Zaffaroni, e seus
parceiros argentinos), por exemplo. Mas para isso é preciso um maior esforço dos
juristas em tentar amenizar as mazelas trazidas pelo poder punitivo, para que a
sociedade viva em condições dignas, compatíveis com os princípios
constititucionais.
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