88409893 nuno portas de uma cidade a outra perspectivas perifericas
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2
�DICE
BIOGRAFIA 4
RESUMO 6
PALAVRAS-CHAVE
9
DICOTOMIA PLA�O/PROJECTO
10
I�CERTEZA
15
PLA�EAME�TO ESTRATÉGICO
18
REGULAÇÃO VARIÁVEL
23
REFLEXÃO CRITICA
25
I�TRODUÇÃO
26
ELEME�TOS ESTRUTURA�TES
27
ELEME�TOS DEPE�DE�TES DE OPORTU�IDADES
32
3
COMPETITIVIDADE
33
Capacidade de inovação 33
Centralidade e Cidades Carrefour 35
Projectos Especiais 36
Qualidade vs Quantidade 37
Case Study – Bilbao 38
Conclusão 39
EVE�TOS 42
Barcelona – Jogos Olímpicos 1992 42
Barcelona – Fórum 2004 45
Conclusão, Barcelona: duas intervenções distintas 46
ELEME�TOS ESTRUTURAIS E DEPE�DE�TES DE OPORTU�IDADES,
48
Exemplos concretizados
A escala do lugar 48
A escala da cidade 50
A escala do território 52
A criação de novas oportunidades: a regeneração de áreas industriais obsoletas.
53
A estruturação da paisagem 54
Novas oportunidades para o território
55
CO�CLUSÃO
56
BIBLIOGRAFIA 58
4
BIOGRAFIA
Nuno Portas nasceu em 1934 em Vila Viçosa, Portugal. Formou-se em arquitectura na
ESBAL (Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa), concluindo os seus estudos na
ESBAP (Escola Superior de Belas-Artes do Porto), no ano de 1960.
O seu trabalho é vasto e engloba prática e a teoria da arquitectura, sendo no entanto,
mais conhecido o seu trabalho como urbanista.
A sua prática teórica em arquitectura iniciou-se ainda em estudante na revista
Arquitectura, contribuindo posteriormente para a divulgação da arquitectura portuguesa
no estrangeiro. Como arquitecto colaborou com Nuno Teotónio Pereira (Igreja do
Sagrado Coração de Jesus) e com Camilo Cortesão (Conjunto habitacional Somincor).
Como urbanista, Nuno Portas assume um papel de grande relevo a nível nacional e
internacional; essencialmente no período pós revolucionário, onde chegou a
desempenhar o cargo de Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, participando
activamente na elaboração do programa SAAL (Serviço Ambulatório de Apoio Local),
programa que procurou introduzir modalidades de participação directa, conjugando
instituições com as populações, municípios e privados, procurando-se uma autogestão
assistida nos empreendimentos.
Nuno Portas foi também vereador do urbanismo na Câmara Municipal de Vila Nova de
Gaia, tendo contribuído para a elaboração de um plano estratégico e do PDM da
autarquia. O urbanista contribuiu também para os planos de Bolonha e das OPAH’s
5
francesas, assim como em experiências pioneiras em Portugal como por exemplo:
Barredo, Évora e Guimarães (entre 1974 e 1985).
Nuno Portas é conhecido internacionalmente através da sua carreira teórica, sendo autor
de várias publicações, como por exemplo “A cidade como arquitectura” de 1969, “Os
tempos das formas, vol.1: a cidade feita e refeita” de 2005, colaborou com Álvaro
Domingues e João Cabral no estudo editado pela Gulbenkian em 2003 “Políticas
urbanas, Tendências, estratégias e oportunidades”. Escreveu também vários artigos
como por exemplo: “Centros Velhos, Vida Nova”, “Os planos directores como
instrumentos de regulação” e “Depoimento de Nuno Portas” na revista Sociedade e
Território, e “Resposta a lótus, Projectos especiais, A planificação urbanística entre
planos e projectos” na revista Lotus, entre outros.
O texto “De uma cidade a outra: perspectivas periféricas” insere-se numa compilação
denominada “Lo urbano en 20 autores contemporâneos” publicada pelas Edicions UPC
de Barcelona em 2004, sendo a revisão de um outro texto presente na revista Ciudades
nº3 intitulado de “El planeamiento como proceso de Regulación Variable”. Este texto
acompanha as problemáticas e sugestões recorrentes na obra de Nuno Portas desde o 25
de Abril de 1974, como por exemplo a cisão entre Plano e Projecto, o Planeamento
Estratégico, a presença da Incerteza no Planeamento e a Regulação Variável, expondo
também a experiência acumulada ao longo da sua carreira de político e de urbanista. Por
outro lado, o texto também explicita as reflexões de Nuno Portas sobre os novos
territórios, apoiando-se este em outros autores como Choay e Solá-Morales. Nuno
Portas estudou extensivamente esta temática no Vale do Ave acompanhado por outros
como por exemplo Álvaro Domingues.
Nuno Portas participou também em números colóquios (por exemplo “Viver na cidade”,
Lisboa 1990), seminários e conferências.
Para além do seu trabalho teórico e prático, Nuno Portas foi também docente nas
faculdades de arquitectura ESBAL, FAUTL e FAUP.
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RESUMO
O texto analisado divide-se em duas partes distintas de acordo com o seu título: “De
uma cidade a outra: perspectivas periféricas”.
O primeiro ponto, denominado “A cidade”, aborda as questões decorrentes da evolução
do planeamento desde a óptica da cisão entre Plano e Projecto a partir dos anos 60 do
século XX e critica os modelos de planeamento propostos desde essa altura.
O autor começa por criticar os planos em cascata descendente (top-down), demasiado
normativos e que apesar das alterações político – económicas e sócias não se
modificaram, não conseguindo então assegurar formas coerentes no crescimento urbano.
Nesta altura verificou-se uma crise dupla: do estado social e da cultura modernista,
surgindo a crença em intervenções fragmentárias encarregues a arquitectos, sendo isto
uma reacção ao monopólio dos urbanistas e à cidade amorfa existente. Este urbanismo
de hiatos falhou ao não conseguir criar uma malha estruturante, evitando assim o
estabelecimento de uma continuidade espacial urbana, devido à utilização de um
sistema (down-top) que partia das partes para o todo.
No início da década de 1980 procurou-se a reunião entre a estruturação do todo e o
desenho das partes, reflectindo-se isto em planos de integração extensiva, onde tudo era
desenhado e previsto, o que se deveu à estabilidade politica e social de cidades como
Madrid. Nos anos 90, a instabilidade político – económica e o diferente crescimento
demográfico, aliado à atitude mais agressiva em relação ao exterior por parte do poder
local, procurando atrair grupos económicos e promovendo o ambiente, a cultura e o
7
lazer; tornaram este modelo de planeamento em algo de difícil manutenção. Criaram-se
assim vantagens comparativas e oportunidades não previstas; surgindo assim uma
incapacidade de predeterminação nos planos, o que constituiu um desafio para o
planeamento tradicional.
Segundo o autor, a maioria dos casos de sucesso (e insucesso) nas transformações
urbanas, decorreram à margem dos planos vigentes, o que se justifica pela renitência
dos urbanistas em aceitar as oportunidades não previstas como matéria de trabalho e a
falta de compreensão da essência do projecto urbano pelos arquitectos, condicionados
ainda pela noção determinista tradicional do projecto. O plano acaba por adquirir assim
características (selectivas) de projecto, e o projecto obtém características de plano,
incorporando uma maior incerteza.
Surgem então os conceitos de regulação e geometria variável em cidades de pequena
dimensão e cujo crescimento demográfico se aproximava do zero. Propunha-se o
desenho concreto de áreas consolidadas e uma abordagem mais flexível e probabilística
em áreas de difícil previsão de crescimento, criando-se assim planos de terceira geração
(uma denominação de Campos-Venuti) a duas velocidades. Percebe-se, desta maneira,
que já não está em causa a dicotomia plano/projecto mas sim a diferenciação entre
elementos mais persistentes na estrutura urbana e outras componentes dependentes das
oportunidades não previstas.
O que aproxima, sem esbater as suas diferenças, o plano e o projecto é o que agora se
chama de Planeamento Estratégico, instrumento já presente no mundo empresarial. Este
consiste na definição de estratégias realistas orientadoras de futuros planos, sendo,
portanto, meramente indicativo e não normativo, expressando hipóteses a testar,
reabilitando também deste modo um instrumento de planeamento: o diagnóstico, que
permite a reformulação de hipóteses e a criação de cenários com vista à atracção de
empresas, sociedade civil ou o estado. Há assim uma constante tomada de decisões
decorrente desta monitorização, desencadeando uma série de instrumentos de
planeamento que abrangem o projecto, o programa e a regulação conforme o grau de
incerteza presente. O Planeamento estratégico estava já presente nas conurbações do
Randstaadt e na associação do Rhur durante os anos 60 e 70 (o auge temporal da
dicotomia plano/projecto).
A incerteza condiciona a forma urbana, pois se existe um grau de certeza aceitável
assiste-se a um desenho que se aproxima do arquitectónico; mas, se por outro lado este
grau de certeza não existe, o território é deixado em aberto. Assim, regula-se aquilo que
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não se desenha, atribuindo aos elementos mais persistentes no território a função de
coesão e suporte deste mesmo. Por outro lado, os projectos resultam de uma estratégia e
promovem a interacção dos actores, contendo também um grau de indeterminação
grande, advindo assim os concursos de ideias, os quais se desenvolvem no sentido da
perda desta mesma indeterminação, funcionando como catalizadores estratégicos.
O autor termina este primeiro ponto dizendo que o choque entre arquitectura e o
urbanismo não consiste na escala, nem no objectivo; mas sim no objecto, no grau de
certeza e no conceito de tempo.
No segundo ponto o autor aborda “A cidade-outra”.
Ao tempo em que mudam as formas do planeamento também estão a mudar as
características da cidade “de facto”. Nuno Portas subscreve o termo de “o urbano”, da
autoria da F. Choay, como descrição duma situação na que os limites da cidade
tradicional não coincidem com os modos de vida.
O autor recolhe uma série de atributos do novo modelo de cidade. O primeiro será a
passagem da contiguidade, compactação e limite para descontinuidade, fragmentação e
difusão. Também como Choay, Portas explica esta mudança pela importância da
mobilidade. Aqui aparece a necessidade do “projecto de solo”, que permita ler entre os
fragmentos do conjunto uma coesão, já não no nível local, mas no nível geográfico. O
segundo atributo será o policentrismo, uma rede de centralidades competitivas mas
também complementarias, nascidas bem da centrifugação do modelo monocêntrico,
bem do tecido conformado por cidades de tamanho médio.
Finalmente, como factor de desenvolvimento propõe-se o fomento de actividades
polarizadoras.
O texto tenta por em relação estes atributos da cidade contemporânea com os termos
relativos ao planeamento explicitados na primeira parte. Dos atributos referidos
extraem-se três camadas específicas (deslocações, centralidades e ecologias) onde vão
actuar os planos promovidos pelo planeamento estratégico. Este faz sentido quando
possibilitar a interactividade entre os actores e os programas que fazem parte do
planeamento, de forma de se usar para reduzir a incerteza.
Assim, uma estratégia para o espaço colectivo implicará o ênfase nos eixos, nos nós de
centralidade e na construção da paisagem (componente estrutural segundo Campos-
Venuti ou elementos persistentes segundo Mazza), para deixar uma crerta margem de
liberdade à componente interventiva do plano, de forma que possa responder ao tempo
9
em que oportunidades e actores permitam reduzir a incerteza (o que é a regulação
variável).
A extensão dos elementos estruturantes dos fragmentos precisa de uma legitimação e
uma decisão política aplicada na escala do urbano, e deveria ter uma prioridade que
ainda não teve, frente a regeneração urbana na cidade histórica. Mas essa integração das
partes produzida por estes elementos não implica reduzir a diversidade da cidade
contemporânea. A cidade-outra não pode assumir a uniformidade da cidade histórica.
PALAVRAS-CHAVE
DICOTOMIA
PLA�O PROJECTO
I�CERTEZA
PLA�EAME�TO ESTRATÉGICO
REGULAÇÃO
VARIÁVEL
Esquema 1 – Hierarquia das Palavras-Chave
10
A dicotomia Plano/Projecto explicita a diferença entre estes dois elementos. O Projecto,
determinístico é, segundo Nuno Portas, um instrumento de trabalho e apresentação da
arquitectura. O Plano, envolve Incerteza. De maneira a aproveitar as oportunidades que
a Incerteza concede ao planeamento e ao urbano existem dois “mecanismos”: o
Planeamento Estratégico que define as prioridades, a estratégia, para o desenvolvimento
das cidades ou regiões urbanas. A Regulação Variável adequa os elementos
estruturantes na construção do urbano e aquelas áreas já definidas; com as áreas mais
incertas e dependentes da incerteza, ou seja, o surgimento das oportunidades não
previstas.
DICOTOMIA PLA�O/PROJECTO
A dicotomia Plano/Projecto é uma das referencias chave do texto de Nuno Portas “De
uma cidade a outra: perspectivas periféricas”, ocupando o autor de uma forma
continuada durante a primeira metade do texto, a saber: “A cidade”.
De forma a começar a análise da palavra-chave, ou expressão chave, procuraram-se os
significados das palavras que compõe a expressão. Como tal, temos:
Plano: (Lat. Planu), adj. liso; raso; chão; (fig.) fácil; claro; manifesto; s.m. superfície
plana; planície; planta ou desenho que representa a projecção horizontal de um
edifício; projecto que inclui uma série ordenada de operações e meios destinados a
atingir um fim; programa; intenção; intuito; desígnio; (Econ.) conjunto de disposições
descritivas destinado a dar uma directiva à acção e à politica económica; (Geom.)
região determinada por três pontos não colineares, na qual pode assentar
completamente uma recta, em todas as direcções; (Fot., Cin.) imagem ou sucessão de
imagens definidas pela distância entre a objectiva e a cena a fotografar ou a filmar e
pelo conteúdo (dimensão e posicionamento dos objectos) dessa imagem. (Dicionário
Universal da língua portuguesa, Texto editora, lda, Lisboa, 1995)
11
Projecto: (Lat. projectu), s.m. plano; intento; desígnio; redacção provisória de lei, de
um contrato, de estatutos, etc.; plano geral de uma obra; iniciativa. (Dicionário
Universal da língua portuguesa, Texto editora, lda, Lisboa, 1995)
Dualismo, ou dualidade foi uma doutrina estabelecida por Descartes, e Christian Von
Wolff quem primeiro utilizou o conceito em sua concepção moderna, segundo o qual "é
o sistema filosófico ou doutrina que admite, como explicação primeira do mundo e da
vida, a existência de dois princípios, de duas substâncias ou duas realidades
irredutíveis entre si, inconciliáveis, incapazes de síntese final ou de recíproca
subordinação." (in www.Wikipédia.com)
Consideramos a palavra dualismo como um termo próximo capaz de substituir a palavra
dicotomia.
A dicotomia Plano/Projecto é uma temática recorrente na obra de Nuno Portas; sendo
uma consequência das teorias urbanas do Movimento Moderno que, como Busquets diz
no seu texto “Villaggi e Metropoli”, “(…) instaurara com a planificação restritiva de
sistemas e zonas”.
Nuno Portas distingue Plano de Projecto, através das suas diferenças básicas.
Urbanismo
PLA�O
Incerto
Elemento regulador, com menos definição que o
projecto.
Arquitectura
PROJECTO
Determinístico
Instrumento de desenho, intervenção rigorosa e bem definida, condicionada pela
rigidez.
Esquema 2 – Dicotomia Plano/Projecto
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O projecto, como tema arquitectónico, é determinístico, um instrumento de desenho,
uma intervenção rigorosa e bem definida, condicionada pela sua própria rigidez. Deste
modo, o projecto é um instrumento da arquitectura, por si só uma área em que as
certezas na concepção são grandes, partindo desde a encomenda até à sua construção. O
projecto tende a minimizar a incerteza, desenhando exaustivamente desde uma escala
que permita uma implantação até aos pormenores construtivos, não deixando, assim,
espaço para a improvisação, ou oportunidades não previstas.
Por outro lado, o plano prevê a incerteza, sendo um elemento regulador, com menos
definição que o projecto.
A incerteza cumpre, então, um papel fundamental, na medida em que distingue
claramente estes dois elementos.
Assim:
“Em teoria, o que distingue um plano de um projecto não é a escala (ou dimensão) mas
sim os graus de incerteza (ou a probabilidade dos seu programa). <o campo do
urbanismo essa diferença na consistência do que se pretende, do desígnio, repercute-se
inevitavelmente no desenho e na regulação, ou seja, nas soluções para o que se sabe e
nas regras do jogo para o que ainda não se pode saber.” (<uno Portas)
A crítica a este dualismo começou a ganhar ímpeto com as crises social e da cultura
modernista, mas o processo de planeamento só muito mais tarde foi alvo de mudanças.
Entretanto o consenso gerado pela Carta de Atenas e pelos CIAM e experimentado na
reconstrução da Europa do pós-guerra, foi-se perdendo. Segundo Le Corbusier:
“ Fazer um plano é pecisar, fixar ideias. È ter tido ideias. É ordenar essas ideias de
forma a que sejam inteligíveis, possíveis, transmissíveis. É pois, manifestar uma
intenção exacta.” ( Le Corbusier, 1923)
Um plano assumia assim uma função de desenho extensivo e de regulação também
extensiva que pouco espaço deixava para a incerteza. O Plano assumia um cariz muito
mais de projecto de arquitectura do que propriamente de plano urbanístico.
A vanguarda foi ultrapassada pelos tempos e no final dos anos 60, com o surgimento
das teorias dos fragmentos e dos três Re’s. O planeamento ficou encarregue das
intervenções individuais de arquitectos que acabaram por resultar em cidades cheias de
13
hiatos; numa resposta à monopolização exercida pelos urbanistas, que obcecados pela
visão sistémica do planeamento e pelo zoning, desvalorizaram a importância da
arquitectura urbana.
Esta cidade “manta de retalhos” não conseguia resolver os problemas existentes da
cidade, nem tão pouco aqueles que agora começavam a surgir como a falta de qualidade
ambiental, a massificação do trânsito automóvel, a desindustrialização e a concentração
monofuncional de actividades, assim como a construção ilegal e os problemas sociais de
tudo isto inerentes.
Passou-se de uma abordagem de top-down, para uma outra abordagem de down top, em
que ao contrário da primeira, os planos se fazem das partes para o todo.
Faltava uma malha estruturante à cidade que a unisse e a estruturasse.
Foi, já nos anos oitenta que se começou a observar, em algumas cidades, casos muito
específicos em que a convergência de opiniões e vontades entre políticos, promotores e
cidadãos, que se começou a procurar a integração destas partes separadas: a estruturação
de um todo e o desenho das partes, envolvendo já uma noção de estratégia. Um claro
exemplo é Madrid.
Estas tentativas, como o caso de Madrid, constituem uma tentativa de reacção ao
dualismo entre arquitectura e urbanismo; no entanto a integração extensiva de todos os
níveis de informação e regulação, retiraram a capacidade de flexibilidade que um plano
deverá ter de forma a poder responder a acontecimentos inesperados; constituindo assim,
mais uma vez, um intento frustrado, que se aproximava mais de um projecto, que para
além de desenhar, regula.
Entretanto, começou-se a pensar que planos como o de Madrid não seriam o melhor
instrumento de planeamento dadas as novas condições de poder local, podendo ainda
agravar-se as condições politicas, sociais e económicas, como de resto se veio a
verificar.
Surgiram os Planos a duas velocidades, denominados de Terceira Geração (planos de
Secchi em Siena e Bérgamo, Campos-Venuti em Bolonha, etc…), em que a crescente
incerteza começou a ser contemplada no processo e nos instrumentos de planeamento.
Estes planos de Terza Generazione distinguiram as modalidades de intervenção,
exemplificando o modo de proceder dependendo das situações a observar,
demonstrando de uma forma precisa a dicotomia plano/projecto. Assim: nas áreas de
mais difícil predição deixava-se em aberto a determinação de áreas de expansão, devido
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à dificuldade de atribuição de vocações e de formas urbanas coerentes; e nas áreas mais
consolidadas procurava-se um desenho ou regulação mais extensivas.
Distinguem-se, desta forma, também conceitos como elementos estruturantes e
elementos dependentes de oportunidades na construção do urbano; e importa-se a
estratégia do mundo empresarial de forma a tentar definir a direcção do
desenvolvimento das áreas urbanas.
Nuno Portas considera que a questão dos choques entre urbanismo e arquitectura não é
de zoom, não é de objectivo, mas sim de objecto, e de oportunidade, ou seja de tempo;
querendo com isto dizer, que a diferenciação entre a arquitectura e o urbanismo não é a
escala a que se fazem, nem do objectivo com que se fazem; mas o facto de o urbanismo
ser um processo temporal, que decorre da incerteza que lhe é endógena. Para o autor,
eventualmente as diferenças entre os dois campos ir-se-ão reduzir, partilhando
características selectivas um do outro; mas nunca deixarão de existir enquanto
disciplinas distintas, com os seus feitios inerentes, sendo que a visão sistémica e
regulamentista dos planos continuará, apesar de apresentar formas de se expressar
múltiplas, já não reduzidas ao top-down; e a necessidade de arquitectura urbana
subsistirá, embora aplicada de uma forma mais estratégica e mais selectiva.
Fig. 1 e 2 – Plano de Siena (esquerda), Plano de Bolonha (direita)
15
I�CERTEZA
A palavra Incerteza diferencia o Projecto do Plano, sendo muito importante para a
compreensão destes dois elementos enquanto instrumentos da arquitectura e do
urbanismo respectivamente.
De modo a perceber o âmbito do conceito incerteza começou-se por tentar entender o
seu significado literal. Assim:
Incerteza:
1. Qualidade do que oferece dúvidas, do que não se pode prever ou determinar com
toda a certeza 2. Estado de espírito de quem tem dúvidas, não está seguro da realidade
de um facto, da veracidade de alguma coisa 3. Estado de pessoa que não sabe o que
deve fazer, que não se sente segura; indecisão, hesitação, vacilação, acontecimento,
situação imprevisível; coisa incerta (Dicionário da Língua Portuguesa
Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa)
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A incerteza é um termo utilizado num vasto número de campos, incluindo a filosofia, a
estatística, a economia, os seguros, a psicologia, a engenharia e a ciência. Aplica-se à
predição de eventos futuros, a medidas físicas já realizadas ou ao desconhecido.
De acordo com a visão da história do Planeamento, reflectida no texto de Nuno Portas,
há um momento especifico em que, finalmente, as regras do planeamento tradicional se
alteram substancialmente. Este acontecimento deve-se a uma série de factores e as
consequências desta mutação lançariam o desenvolvimento do que é o Planeamento
Urbano actual.
Até ao fim da década de 1960, as metodologias do planeamento eram claras e
predefinidas: um processo top down, ou seja uma série fortemente hierarquizada de
propostas e de decisões, que desde a macro escala faziam um zoom até ao pormenor
construtivo. Havia então uma pretensão de resolver exaustivamente, através de um
plano todos os problemas da cidade.
Entretanto, a visão disciplinar alarga-se e começa a entender a necessidade de inserção
de matérias novas no estudo do planeamento da cidade.
O urbanista Campos-Venuti, primeiro, inseriu no plano urbano disciplinas externas
como sociologia, higiene, psicologia de massas e outros elementos que à partida não
pareciam possuir uma ligação com o planeamento urbano. Desta forma, Campos-Venuti
destrói definitivamente o axioma antigo de pureza do plano.
Neste ponto começam a cair claramente uma série de sistemas e instrumentos do
Planeamento.
“(…) a incerteza é a menor capacidade de predeterminação ou prefiguração das
soluções concretas (…)” (<uno Portas).
De facto, a criação de uma nova metodologia do Planeamento, induz à compreensão de
não ser possível resolver exaustivamente à priori, com soluções pré fabricadas, as
questões levantadas pelo urbano. Além disso, com a introdução de um conjunto de
disciplinas heterogéneas, introduzem-se uma multiplicidade de actores que tem de
interagir entre eles, e com diversos campos do conhecimento, o que acaba por gerar
oportunidades inesperadas. Estas oportunidades produzem mutações imprevistas na
cidade.
Esta é uma visão muito mais dinâmica do conceito da cidade.
17
Gandelsonas, define um mecanismo escritor de permanência e de efemeridade, numa
metáfora textual para a cidade.
“É no espaço onde esses dois níveis se reconciliam onde a arquitectura encontra o
lugar da sua articulação com a cidade, o lugar em que a arquitectura pode produzir
mudanças que gravem traços permanentes na esfera urbana.” (M. Gandelsonas)
Este mecanismo de escrita é um dos exemplos das novas leituras da cidade que foram
inspirados pela “destruição” do Planeamento Tradicional.
“Como vivemos numa época de grandes incertezas, as nossas decisões devem ser, de
alguma forma, flexíveis, passíveis de aperfeiçoamento. não devemos tomar atitudes
ultimas em todos os campos.” (<uno Portas).
A época da incerteza chega após a falha da física clássica, com a Teoria da Relatividade.
As ideias caminham numa via probabilística desde o século passado.
“O mundo não é mais definível, mas somente provável, e mais quantificável nos termos
das estatísticas.” (Arroyo de Eduardo in “Pricipios de Incertidumbre”, Croquis nº118,
2003)
Ao introduzir-se na arquitectura e no planeamento a probabilidade e a estatística,
inserem-se alguns fundamentos do pensamento científico contemporâneo. Os tópicos
básicos da indeterminação, da matéria – energia, da unidade, do espaço – tempo e da
entropia entram na metodologia de projecto como efectivos operadores projectuais.
O aproveitamento destas metodologias de base científica podem sofrer diferentes
abordagens de acordo com as teorias que servem de base, sejam elas, por exemplo: as
teorias da complexidade e do caos, da geometria de fractais, teoria das catástrofes, ou o
principio da incerteza de Eisenberg.
“Tudo aquilo que acontece na natureza é fruto da sorte e da necessidade” (Demócrito)
18
PLA�EAME�TO ESTRATÉGICO
O Planeamento estratégico é um tipo de planeamento que prevê a utilização de um
plano prévio que define a estratégia a seguir.
Para começar a entender a amplitude da expressão “Planeamento Estratégico”,
começamos por definir o significado de cada palavra que a compõe. Deste modo:
Planeamento estratégico empresarial:
O desenvolvimento de estratégias tem sido tradicionalmente abordado como um
processo formal de planeamento, envolvendo, em geral, duas etapas. A primeira
engloba a definição do negócio bem como a explicitação da missão da organização e
seus princípios.
A segunda é constituída das análises dos ambientes interno e externo à empresa, a
determinação de objectivos com seus respectivos indicadores de acompanhamento e a
formulação das estratégias correspondentes para alcançá-los.
(www.Wikipédia.com)
19
Planeamento:
s.m. acção ou efeito de planear ou de planificar; trabalho de preparação para qualquer
empreendimento; no qual se estabelecem os objectivos, as etapas, os prazos e os meios
para a sua concretização; estabelecimento de um plano. (in Dicionário Universal da
língua portuguesa, Texto editora, lda, Lisboa, 1995)
Estratégia:
(Lat. strategia < Gr. strategía, comando do exército), s.f. parte da arte militar que
estuda as grandes operações da guerra e lhes prepara o plano; estratégia; táctica;
ardil. (in Dicionário Universal da língua portuguesa, Texto editora, lda, Lisboa, 1995)
“O planeamento estratégico, é um processo criativo de identificação e
acompanhamento das acções mais importantes, tendo em atenção as forças e fraquezas,
bem como as ameaças e oportunidades.” (Sorkin, 1985)
Cronologicamente podemos começar por analisar três gerações do planeamento.
A primeira destas gerações existiu no pós-guerra, consistindo num planeamento
racional-compressivo baseado no pressuposto da unicidade do interesse publico e que
prescreveu para além da difusão/racionalização do equipamento social, uma política de
condicionamento da afectação do solo através de um zonamento rígido. Segundo Gibelli
(1993):
As principais críticas apontam-no como demasiado estático, pouco flexível e, muitas
vezes é acusado de ter constituído um significativo obstáculo burocratizante à decisão.
Este mega planeamento esbateu-se a partir dos anos 70, dando lugar a intervenções
essencialmente correctoras de desequilíbrios mais pontuais e locais devido a um cenário
de crises e incertezas. O principal objectivo destas intervenções era a coesão social e a
melhoria global das condições de vida nas cidades, embora se continue ainda a efectuar
uma clara distinção entre a esfera do público e do privado.
20
Posteriormente, uma nova geração, terceira geração, surgiu; sendo designada de
planeamento estratégico. É uma importação do mundo empresarial e constitui um
processo interactivo de definição de objectivos a longo prazo.
Acentua-se a operacionalidade do plano, a previsão deixa de ser meramente
extrapolativa, diferenciando-se cenários alternativos e estabelecendo-se uma maior
abertura à permanente revisão. É dada uma maior atenção à esfera produtiva e não
apenas à vertente social.
Identificam-se as áreas mais competitivas e as mais débeis, procurando sinergias
(complementaridades) entre grupos de cidades.
Inicialmente, o planeamento estratégico foi um dos instrumentos utilizados com o fim
de melhorar a eficiência das empresas, construindo um processo interactivo de definir
os objectivos a longo prazo. Trata-se então de identificar fileiras mais competitivas no
contexto regional ou internacional, as respectivas virtualidades e debilidades,
fomentando as relações de complementaridade.
“Certos elementos deveriam ser substituídos por outros elementos, que seriam âncoras
para que o planeamento urbanístico existisse para além do amanha. A estratégia tem
que ser para depois de amanha.” (<uno Portas, conferencia faculdade de engenharia,
2007)
Segundo o arquitecto Nuno Portas, “o contexto e a gestão são caracterizados por um
alto grau de incerteza e imprevisibilidade, no espaço e no tempo” (<uno Portas,
conferencia faculdade de engenharia, 2007) . Daí, a importância da aplicação do
planeamento estratégico que assegure um melhor crescimento urbano, capaz de acolher
as oportunidades, ao contrário do planeamento tradicional, rígido e dogmático, tendo o
planeamento urbanístico estratégico ter que ser concretizado “sem prazo de validade”.
Assim, Nuno Portas recusa o PDM uma vez que este tem prazo e não é flexível.
Nuno Portas defende também que nenhum plano pode ser concebido como um “fato por
medida”, tendo de oferecer várias frentes de desenvolvimento e capacidade para
responder pela incerteza relativa ao aparecimento de novas necessidades no tecido
urbano. O planeamento tem que ser pensado no seu contexto, e não como uma receita
que serve a todo e qualquer território em questão.
21
O planeamento estratégico surge de forma a “acolher a lógica das oportunidades não
previstas (…)”. (<uno Portas in De uma cidade a outra perspectivas periféricas)
Ao contrario do planeamento tradicional, o planeamento estratégico deixa de ser
determinante para passar a ser mais indicativo, adaptando-se à imprevisibilidade do
mundo actual e, consequentemente, evitando a descredibilização do sistema.
“O planeamento estratégico é um processo para gerir a mudança e para descobrir os
caminhos de futuro mais promissores para as cidades e colectividades locais. Este
processo consiste em colocar no centro das atenções as fraquezas e oportunidades das
cidades e colectividades locais.” (Artur Andersen e Co, citado por Padioleu)
“O plano pode pois incluir uma componente projectual mais ou menos determinante
mas não pode transformar-se num projecto como por vezes pensam arquitectos, juristas
ou políticos. O plano pode (e deve ser) construir um momento de redução apreciável da
incerteza mas não pode eliminá-la, fingindo ser um projecto–para-cumprir ou
tornando-se num processo continuo de revisões tendencialmente interminável e
juridicamente inaceitável.” (<.Portas )
O Plano e projecto aproximaram-se sem que as suas distinções básicas tenham
desaparecido.
Assim, o planeamento estratégico, para além de aproximar o plano e o projecto através
do motor incerteza, serve exactamente para reduzir esta mesma incerteza.
A estratégia é indicativa, expressa em hipóteses a testar, desencadeando diversos
instrumentos de intervenção de acordo com os graus de incerteza. Surge como um
momento privilegiado.
O planeamento estratégico estava já presente nas conurbações do Rhur e do Randstadt.
Estas apresentavam estratégias realistas a longo prazo prevendo o desenvolvimento
regional nas suas mais variadas dimensões.
22
Por outro lado, temos o exemplo de Brasília, onde o planeamento estratégico não foi de
todo aplicado. Assistiu-se ao crescimento rápido por prioridades politicas, onde o
saudável e gradual crescimento urbano adaptado as necessidades locais que vão
surgindo ao longo do tempo foram renegadas para segundo plano. Foi o surgimento de
uma cidade como se de um edifício se tratasse, onde a interdicisplinidade não teve lugar.
Não havendo um planeamento estratégico funcional que prevê-se o desenvolvimento
futuro, o crescimento da cidade de Brasília surgiu sem regra e desconectado em relação
ao projecto de Óscar Niemayer.
“Lúcio Costa e <iemeyer, que pensavam saber como as pessoas do futuro viveriam,
projectaram Brasília sem enfrentar nenhum tipo de condicionamento. E quando
Fig. 3, 4 e 5 – Conurbação Randstadt (esquerda) e conurbação do Rhur ao longo das décadas (centro e direita)
Fig. 6– Plano de Brasília (Lúcio Costa)
23
acusados de que as coisas não estavam a dar certo, houve uma frase famosa, atribuída
a Lúcio Costa: "<ão fomos nós que não demos certo, foi a cidade brasileira que não
evoluiu como pensávamos". (<uno Portas,)
Assim, podemos concluir que as sociedades modernas tornaram-se sociedades de
incerteza, sendo que os sistemas de pensamento ou decisão mais determinados não
resistem. Apenas os sistemas flexíveis, abertos, com determinação mínima ou variável,
ou ainda com identidade regulável, se adaptam e têm maior probabilidade de serem
eficazes.
É então necessário categorias práticas e flexíveis de raciocínio para se pensar o dominar
situações tornadas incertas – o planeamento estratégico.
REGULAÇÃO VARIÁVEL
A Regulação Variável prevê diferentes modos de actuação conforme o grau de incerteza
existente.
De maneira a compreender o significado da expressão começou-se por subdividir as
palavras que a compõe. Deste modo, temos:
Regulação:
(De regular +suf. Cão) 1. estabelecimento de regras; acto ou efeito de regular. =
regulamentação. 2.conjunto de normas, de p+receitos. = regulamentação, regulamento.
3. regularização de um movimento, uma função… regulação de um relógio. 4. acção de
manter o equilíbrio, de assegurar um funcionamento correcto de um sistema complexo.
5. Jur. Repartição de danos e despesas, de forma equitativa. Regulação de acidentes
marítimos. (in Dicionário Universal da Língua Portuguesa, Texto Editora, 1995)
24
Variável:
(Do latim variabilis) 1. que varia. 2. que é susceptível de se modificar, de mudar.
=inconstante, mutável. Temperatura atmosférica variável. 3. que pode ter diferentes
valores ou aspectos, segundo os casos particulares ou mediante as circunstancias
=diferente, diverso. 4. mat. Que toma ou +pode tomar diversos valores distintos.
Grandeza variável. 5. gram. Que pode tomar formas diferentes conforme o género,
grau, numero, modo, pessoa, tempo… 6. astr. Que sofre variações de luminosidade.
Estrel variável. Adv. Variavelmente (in Dicionário Universal da Língua Portuguesa,
Texto Editora, 1995)
Segundo Nuno Portas, a regulação Variável é aquela em que o grau de determinação do
planeamento depende do grau de incerteza do contexto para o qual o planeamento é
executado. Ou seja, quanto maior o grau de certeza, como nas áreas patrimoniais ou nos
elementos estruturantes na construção da cidade, mais fácil é o desenho e a regulação do
espaço. Pelo contrário, aquelas zonas menos consolidadas, devem ser deixadas, o mais
possível, em aberto, de forma a permitirem possíveis intervenções, sem que o plano
vigente caduque.
Segundo Nuno Portas, podemos falar de planos a duas velocidades no seu conteúdo
regulador.
Estes planos forneceram uma resposta aos problemas do planeamento no momento em
que se passou da expansão urbana para a transformação urbana. São os Planos de
Terceira Geração.
As problemáticas urbanas principais decorrentes desta mutação são várias: um grande
processo de explosão das industrias e das residências populares das cidades maiores, ao
que corresponde uma terciarização mais activas das centralidades; o antagonismo entre
serviços elitistas e serviços sociais massificados, ao qual corresponde um antagonismo
análogo da conservação ambiental nas zonas históricas e nas zonas de interesse natural;
e a crescente demanda produtiva e social do transporte de massa.
A enorme quantidade de património edificado fez emergir a necessidade de redução de
solo agrícola para urbanizar. Deste modo recupera-se a necessidade de recuperar as
zonas intersticiais sem construção ou mal utilizadas.
Outra problemática emergente foi a necessidade de recuperação da forma urbana e a
produtividade.
25
Assim, os planos necessitaram assumir mais do que uma velocidade.
Mas áreas de acção intensiva, os planos programam sempre instalações privadas ou
públicas (novas implantações do sector terciário) com grande valor económico para a
cidade, de forma a serem multifuncionais. Colocam-se aqui os maiores investimentos.
Assim, regula-se e desenha-se o que está consolidado e cujo uso é de mais fácil previsão.
Nas áreas envolventes a estes pólos de transformação estratégica, os tecidos urbanos e
as modestas expansões previstas pelos planos, constituem aquilo que Campos-Venuti
definiu de acção extensiva. Nestas áreas os planos programam um crescimento leve e
gradual, através de um planeamento flexível e elástico, de forma a integrar-se nos novos
tecidos uma função terciária com uma aplicação mais suave de forma a servir pessoas e
empresas.
Deste modo, nas áreas em que existe uma menor definição de usos futuros, a regulação
variável permite um planeamento flexível, deixando em aberto a possibilidade de
oportunidades e acções não previstas.
Estabelece-se então um novo dualismo entre elementos persistentes e elementos
dependentes de oportunidades, existindo uma miríade de possibilidades adequadas ao
grau de incerteza presente. O plano deixa de ser um desenho adequado, mas sim um
guião.
REFLEXÃO CRÍTICA
26
I�TRODUÇÃO
A problemática escolhida desenvolve-se sobre o seguinte tema: Elementos
Estruturantes e Elementos dependentes das oportunidades na construção as cidade.
A escolha desta problemática deveu-se ao facto da mesma ser um tema recorrente no
texto em análise para a disciplina de Teoria IV, “De uma cidade a outra: perspectivas
periféricas” de Nuno Portas.
O texto encontra-se dividido, como o seu título indica, em duas partes: A Cidade e A
Cidade-outra, abordando temas que são recorrentes na obra do autor, tais como: a
27
dicotomia Plano/Projecto; a Incerteza, o Planeamento Estratégico, a Regulação Variável
e os novos territórios.
A escolha da problemática surgiu devido à sua transversalidade em relação ao texto,
abordando todas as temáticas presentes neste.
Os elementos estruturantes, como o traçado e a sua reflexão no espaço colectivo das
cidades, permitem a construção da cidade e a articulação de transformações passadas
com outras futuras.
Os elementos dependentes de oportunidades são derivados da incerteza, não podendo
ser previstos e como tal não permitem uma abordagem concreta e desenhada, sendo
somente regulados, ou então indicados como potencialidade pelo plano Estratégico das
cidades, conurbações ou áreas metropolitanas.
Para se perceber os mecanismos e instrumentos existentes é preciso também
compreender as palavras-chave previamente apresentadas e articulá-las com as ideias de
outros autores.
ELEME�TOS ESTRUTURA�TES
PROJECTO DE SOLO
ESPAÇO COLECTIVO
desenha
ELEME�TOS ESTRUTURA�TES
28
A definição física dos elementos estruturantes na construção do urbano geralmente
ocorre com o Projecto de Solo. Este último, desenha e conforma o espaço colectivo, que
pode ser de duas índoles: publico ou privado. No entanto o facto de ser privado não
significa que seja de uso privado, sendo este factor por demais importante na definição
espacial. Assim, um espaço privado pode ter um uso público e vice-versa.
O Traçado ou Projecto de Solo, constitui um instrumento de síntese, essencial na
inserção do factor tempo na construção da cidade, permitindo manter alguns elementos
em aberto e outros claramente definidos.
O espaço colectivo define a identidade histórica das cidades e projecta-as em direcção
ao futuro, permitindo o constante diálogo entre diferentes áreas construídas em
diferentes tempos.
O pensamento de Nuno Portas parece articular-se em função das dicotomias. O
dualismo aparece como fio condutor através de todo o texto “De uma cidade a outra:
perspectivas periféricas”, tanto no título do texto como na estruturação deste em duas
partes: A cidade e a cidade-outra. A primeira amostra deste dualismo é a distinção entre
a cidade pensada, proposta pelo urbanismo e a cidade real, resultante as vezes deste
pensamento mas também do confronto com a conjuntura, com a incerteza, por usar um
dos termos fulcrais na teoria do professor Portas.
Outro dos dualismos recorrentes nesta teoria é o dualismo urbanismo/arquitectura, que
também se pode ler como dualismo plano/projecto, e que para Nuno Portas se baseia no
dualismo mais abrangente certeza/incerteza.
O dualismo plano/projecto usa-se como fio condutor numa reflexão sobre a história
recente das diferentes formas de aproximação à cidade. Assim, numa estratégia de
tesis/anti-tesis, passa-se do urbanismo do “zoning” ás intervenções dos “fragmentos”,
Esquema 3 – Construção do Espaço Colectivo
29
destas aos planos desenhados extensivamente, e destes para os “Planos de terceira
geração” e o planeamento estratégico.
É nos planos de terceira geração que Nuno Portas pega no conceito que se traduz no
tema do trabalho em questão, isto é, uma nova dicotomia, a dicotomia elementos
estruturantes/elementos dependentes das oportunidades.
O urbanismo do zoning tenta solucionar problemas de funcionamento, mas resulta
indiferente perante o problema da forma urbana e do espaço colectivo, reduzido
simplesmente a um vazio entre edifícios. Além disso, a segregação de funções acabou
por gerar toda uma série de problemas no interior da cidade. Como resposta, a teoria
dos “fragmentos” pretendia solucionar estes problemas mediante intervenções
arquitectónicas “de qualidade”. Mas estas actuações, pela sua própria natureza pontual
não resolvem o problema da forma urbana global nem beneficiam o resto dos tecidos
urbanos sem intervenção.
Também o plano extensivo não resulta operativo, mas por questões diferentes. Além da
extrema dificuldade contextual que ele implica, não tem em conta nem está preparado
para afrontar as novas condições na construção da cidade contemporânea. O plano
extensivo pode, em condições totalmente favoráveis, ter bom sucesso na cidade
compacta, mas é totalmente impraticável no modelo difuso.
“De facto, a insuficiência não estava tanto na fragmentação das intervenções
concretas públicas, mas sim na falta de “suportes” explícitos com capacidade
estruturante para articular “em rede” os efeitos sócio-culturais e económicos dos
fragmentos” (<uno Portas, 1996).
Esses suportes são os elementos estruturantes que propõem os planos de terceira
geração. A outra parte da dicotomia, os elementos dependentes das oportunidades,
permite lidar com as novas condições da cidade contemporânea, a maior incerteza, a
descentralização das competências, o crescente peso dos movimentos sociais, a
competitividade entre cidades e as novas tecnologias. Mas sobretudo, esta dicotomia
introduz um elemento chave na construção da cidade, o tempo.
Esta dicotomia resulta fulcral no texto estudado, mas também na teoria completa de
Nuno Portas, porque introduz o conceito de regulação variável. O planeamento de
regulação variável pode considerar os diferentes tempos na construção da cidade
30
desenhando de uma vez os elementos estruturantes, os “elementos para cumprir” e
deixando abertos, apenas regulando, os elementos dependentes das oportunidades
segundo o grau de incerteza que se tem no momento do planeamento. O termo de
regulação variável é:
“Muito próximo do gradiente da normativa que teorizou faz tempo Luigi Mazza, ou o
passo da norma substantiva à norma de procedimento de F. Ascher” (<uno Portas,
2003).
Além de Nuno Portas, podemos encontrar conceitos equivalentes, ou de alguma forma
equiparáveis, no pensamento de outros autores.
Antonio Font reintroduz os conceitos de plano de estrutura e plano operativo:
“o primeiro como projecto dos rasgos fundamentais da ordenação, e o segundo como
atribuição dos direitos e obrigações da propriedade do solo e o dos agentes
urbanizadores no momento da urbanização.” (António Font, 2003)
Estes dois elementos têm relações diferentes com os tempos da cidade e com a
incerteza:
“O plano (de estrutura) deve definir a meio e longo prazo os elementos estruturantes
da cidade, como marco estável de referência. O plano operativo pode e deve-se
adequar às conjunturas específicas. A distinção, pois, destes elementos e
determinações essenciais no planeamento e os que não o são, a fim que permaneçam
aqueles e abra-se a possibilidade de modificação destes através de procedimentos
regrados simples.” (António Font, 2003)
Philippe Panerai fala da permanência do traçado através do tempo, dando como
exemplos os traçados romanos, a retícula nova-iorquina e o traçado agrícola do Cairo.
O êxito, visto a sua durabilidade, desses traçados seria a sua resposta à capacidade de
substituir a edificação no seu interior, mantendo-se como referência e imagem.
“Se enquanto projectar novas áreas é necessário definir os traçados viários nos
primeiros momentos... o estofo dessa malha fica, frequentemente, para etapas
posteriores” (Panerai, 2002)
31
Assim, desenham-se os elementos estruturantes, e os elementos dependentes da
oportunidade ficam à espera do momento certo para melhor se poder definir.
Também os tempos da construção da cidade do Manuel de Solà-Morales podem-se ler
em função da dicotomia que ocupa a temática a desenvolver, urbanização como
elemento estruturante, não apenas num nível funcional, mas também como traçado,
como “imagem permanente e memorável da cidade” (Solà-Morales, 1986) e
parcelamento e edificação à espera dos seus respectivos momentos.
Como já apontavam alguns dos autores citados anteriormente, os elementos
estruturantes são os responsáveis pela forma urbana, são os elementos permanentes e
legíveis, quer seja como elemento físico, quer seja como imagem mental. No livro “A
imagem da cidade”, Kevin Lynch fala de diversas categorias estruturantes, como eixos,
nós, limites e fitas. Esses elementos são os que constroem a imagem mental da cidade,
o que resulta perdurável e não apenas contingente. São os mesmos elementos que
Panerai recomenda usar como base para a construção dos traçados.
Tanto para Panerai, como para Solà-Morales, os elementos estruturantes são os traçados:
“que é o que resumirá e exprimirá a organização conjunta do solo”, onde se situa “a
força figurativa do projecto (...)no momento inicial e mais permanente.”(Solà-
Morales,1986)
Os elementos estruturantes são os responsáveis pela definição do espaço colectivo,
identificado na cidade consolidada (e, portanto, também em grande parte do imaginário
colectivo), como uma sucessão de ruas e praças delimitadas pelo alinhamento da
edificação.
Esta identificação já não é real na cidade contemporânea, mas os elementos
estruturantes devem-se usar, como na cidade compacta, para manter a coesão e
assegurar a leitura da cidade contemporânea como uma totalidade, ainda que formada
por fragmentos diferenciados, separados por interstícios.
A cidade contemporânea é assim:
“um mosaico de cheios e vazios irregulares e desligados cuja coesão depende (...) da
capacidade para seguir construindo paisagem e espaço público. A cidade exterior, que
32
não teve, como devia, uma malha ordenadora do espaço público (...) deve ter a sua
oportunidade de reubanização (...) com a sua dimensão eco-paisagista.” (<uno Portas,
1996)
A cidade contemporânea é a cidade-território, “uma única grande cidade com algumas
zonas de campo incorporadas nela” (Indovina, 1990), portanto os elementos
estruturantes devem funcionar numa escala supramunicipal, numa escala territorial. A
ordenação do sistema de espaços livres como elemento estrutural tem de desenvolver
um papel vertebrado e articulador dos diferentes tecidos existentes ou de uma nova
planta.
“Desde o jardim urbano ao parque metropolitano, desde o percurso pedonal até o
corredor territorial, desde o espaço agrícola até os espaços naturais protegidos, tem
de se configurar um sistema de espaços livres que seja a peça fulcral da rede ambiental
territorial.” (Antonio Font, 2003)
A transversalidade de escalas aparece como um factor indissociável dos elementos
estruturantes, já que a sua função é a articulação dos distintos elementos que formam a
cidade; articulação entre eles e articulação num tudo global coerente.
“Parâmetro de referência comum entre as distintas formas construídas das tramas
urbanas e pauta espacial, subtil mas potentíssima das suas transformações
temporárias.” (Solà-Morales, 1986)
OPORTU�IDADES �ÃO PREVISTAS
33
As Oportunidades não previstas são um produto da incerteza decorrente do planeamento
Urbano actual. Para ser mais específico decorrem de uma incerteza de tipo UR.
A definição de um plano estratégico, ou seja de uma estratégia para o desenvolvimento
de uma cidade ou região urbana, deixa uma margem de manobra relativamente grande
para o surgimento de oportunidades que não podem ser previstas.
Outro grande factor que interfere na criação de oportunidades é a capacidade de uma
cidade se tornar competitiva através da exploração dos seus recursos materiais e
imateriais, sendo capaz de projectar a sua centralidade (ou capaz de criar uma
centralidade), atraindo desta forma oportunidades de desenvolvimento em detrimento de
outros centros urbanos.
Por último, a capacidade organizativa de eventos internacionais promove a
transformação das cidades através da realização destes mesmos na cidade, constituindo
elementos catalíticos de desenvolvimento, importantes na atracção de novas
oportunidades da mais variada ordem.
COMPETITIVIDADE
ELEME�TOS DEPE�DE�TES DE OPORTU�IDADES
INCERTEZA
PLANEAMENTO ESTRATÉGICO
COMPETITIVIDADE ENTRE CIDADES
EVENTOS
Esquema 4 – Construção e tipos de Oportunidades não previstas
34
“Desde os anos oitenta os municípios, com maior ou menor cumplicidade com os
governos centrais e dos fundos europeus, adoptam implantações mais agressivos em
relação ao exterior – competência ou complementaridade com outras cidades, atracção
de grupos económicos com maior capacidade de inversão produtiva e imobiliária,
oferta de melhoria ambiental, assim como de atractivos culturais, turísticos e de lazer,
etc –. Esta agressividade está dominada pelo aproveitamento ou criação oportunidades
e vantagens comparativas.” (<uno Portas )
A competitividade entre cidades ou regiões é um factor preponderante no planeamento e
gestão urbana actuais, interferindo na procura de um desenvolvimento regional face a
um contexto global muito mais abrangente.
Com o advento dos planos de terceira geração (uma denominação de Campos-Venuti),
surge a noção de regulação e geometria variáveis, de forma a responder de uma forma
mais coerente aos desafios que o planeamento urbano tradicional não conseguia resolver.
Para tal, propuseram-se planos a duas velocidades que desenhavam áreas cuja definição
já é mais consolidada e propunham uma abordagem mais flexível e probabilística para
outras áreas cuja previsão do seu desenvolvimento é de maior dificuldade;
diferenciando deste modo as estruturas urbanas persistentes e outras dependentes de
oportunidades não previstas. A incerteza desempenha, então, um papel de suma
importância na construção das cidades.
A competitividade é decorrente da incerteza na medida em que os agentes não
conseguem prever o surgimento de oportunidades, podendo somente influenciar a
escolha dos seus municípios ou regiões através de uma política estratégica que defina as
prioridades a tomar.
Capacidade de Inovação
As oportunidades não previstas, geradas ou potenciadas primeiramente pelas mudanças
no sistema económico, ocupam-se maioritariamente da capacidade de inovação das
cidades, sendo que a difusão da inovação pode influir na difusão da desigualdade, pois
os meios necessários para esta mesma inovação são caros, e nem todos os municípios ou
conurbações os podem suportar.
35
Um dos agentes mais importantes ao se falar nas cidades da actualidade é a
competitividade, baseada em estudos económicos. A capacidade de competir está
indelevelmente associada à capacidade produtiva e à inovação, sendo este segundo
elemento um factor de suma importância que exige um recurso raro e normalmente
efémero: a criatividade.
Peter Hall refere em “Cities in Civilization” a raridade e escassez deste recurso,
apoiando-se nos estudos de John B. Goddard que demonstra que as tecnologias de ponta
não diminuem a desigualdade entre distintos lugares, tendendo até a amplificá-la.
Jane Jacobs baseia a economia na cidade (por oposição às macroeconomias nacionais),
devido à histórica primazia destas na produção de riquezas.
“Se quisesse definir o desenvolvimento económico com uma palavra, esta seria
improvisação, um processo de improvisação contínua num contexto que permite que as
improvisações injectadas nele sejam adequadas para a vida diária.”(Jane Jacobs, 1986)
Jacobs menciona que é a capacidade de inovação das empresas e a sua
complementaridade, o uso flexível das novas tecnologias, e as características das
cidades; que permite às regiões urbanas a capacidade de substituir as importações,
sendo esta a verdadeira fonte de riqueza efectiva das cidades, posteriormente estimulada
pelo comércio com áreas de menor desenvolvimento. Existe, então, uma criatividade
aplicada também ao intercâmbio, em que a centralidade definida pelas cidades continua
imprescindível.
Actualmente existe uma grande pressão para inovar. A gestão municipal ou
metropolitana adoptou em muitos casos um tipo de gestão empresarial. Este tipo de
gestão é executado através da diversificação de serviços e dos canais de prestação dos
mesmos, através da inovação tecnológica, associada a inovações de carácter
organizacional. Em Portugal temos como exemplos os projectos Cidades e Regiões
Digitais. No entanto, o insucesso deste modelo levou à adopção de uma visão que
preconiza mais o serviço público e o envolvimento da comunidade.
Para além do desenvolvimento económico, também o desenvolvimento social e cultural
exige uma postura inovadora, de modo a que a sua gestão e as suas relações com outros
actores se possam processar de uma forma melhor.
36
Desta forma os municípios devem desempenhar um papel duplo face à inovação: por
um lado deverão ser parceiros de empresas locais, nacionais ou mesmo internacionais; e
por outro lado demonstrar através das suas práticas, quer em termos de serviços
prestados, quer em termos de gestão de recursos, inovação.
Centralidade e Cidades Carrefour
Joan Busquets enumera, no seu texto “Villaggi e Metropoli”, algumas áreas de
transformação nas cidades durante as décadas de 1980 e 1990, de forma a se
consolidarem como espaços de centralidade: reorganização de portos marítimos centrais
(por exemplo Roterdão); a recuperação mais ou menos generalizada das vias
ferroviárias e suas estações e a mudança na hierarquia destas últimas, seguida pela
opção da Alta Velocidade (por exemplo Lille, projecto de Rem Koolhas); a
reformulação ou relocalização de aeroportos (por exemplo Lisboa, Ota); e a implantação
de áreas industriais que deixam de ser monofuncionais.
Estes novos espaços de centralidade, as cidades Carrefour (“cidades encruzilhada”) a
que Jean Gottmann se referiu, são sítios onde existe acesso a grandes infra estruturas de
transporte, de energia e de informação; potenciando-se a mobilidade. A cidade é, assim,
uma ligação num complexo sistema de redes, em que as mais interactivas e logo mais
criativas são as que mais transformações sofrem. A grande mobilidade inerente à
encruzilhada de redes nas cidades potencia também o comércio com outras regiões
menos desenvolvidas, o que lhes permite um desenvolvimento económico
comparativamente mais substancial.
Pode-se afirmar que existe um efeito cidade, pois o desenvolvimento de actividades cria
a concorrência de outras que lhes são complementares, surgindo assim projectos
especiais catalíticos de desenvolvimento urbano estratégico nas regiões urbanas.
No entanto, o grande comércio centralizado, as fábricas inteligentes, os espaços
representativos e as áreas residenciais bem dotadas de serviços; rivalizam já com os
projectos urbanos.
A evolução espacial da cidade encontra nesta transformação a sua própria demonstração.
37
Projectos especiais
O processo de planeamento urbano não segue mais o modelo top-down, em que se
propunha uma redução de escala e um aumento de certezas; mas sim a articulação a
partir de uma acção ou projecto que são catalíticos e que possuem capacidade executiva.
Com esta experiência a gestão e a planificação tradicionais deverão tornar-se mais ágeis;
passando-se de um planeamento por áreas a um planeamento por problemas. Este facto
deve-se ao ressurgimento do protagonismo da decisão de programas e agentes, formas
de gestão e contrapartidas, concursos e autores; em oposição ao plano propriamente dito.
“O projecto urbano, derivado do nível estratégico de decisão pega numa parte da
cidade (prevista ou não no plano) à qual atribui um programa de execução quase
sempre resultante de uma negociação prévia com alguma, mas não todas as entidades
promotoras, sejam públicas, privadas ou mistas.” (<uno Portas)
Estes agentes catalíticos, os projectos urbanos que Nuno Portas refere no seu texto,
tendem a implantar-se nas áreas degradadas, transformando-as; e enfatizando de novo a
forma urbana, através da composição e do desenho. Também a integração de funções
distintas, a dotação de infra-estruturas são intenções destes projectos especiais e
permitem o desenho da forma da cidade, superando a dicotomia Plano/projecto instalada
pelo movimento moderno com a sua planificação restritiva de zoning.
A sucessão destes projectos especiais, pode, por outro lado, não ser benéfica, pois a sua
construção abusiva, não dependente de uma forma urbana pré-existente e estruturante
transforma o tecido urbano numa manta de retalhos, não se devendo optar por uma ideia
de contrapeso, mas sim por uma de equilíbrio.
A colocação dos projectos urbanos deve também procurar promover a maior área de
afectação para o efeito inovador ou renovador que preconiza.
“As cidades deverão convencer, mais do que os seus cidadãos, os promotores externos
que apresentam excelentes oportunidades.” (Joan Busquets, 1999).
Muito importante na realização de projectos urbanos é a conceito de marketing que lhes
está inerente. Esta ideia funciona durante a fase de atracção da oportunidade, assim
38
como no tempo em que esta se concretiza, promovendo a imagem da cidade que a
recebe, sendo um complemento eficaz na atracção de outras oportunidades, reforçando
assim o efeito catalítico do próprio projecto urbano na cidade e na região que o recebe.
No entanto este marketing não se deve transformar em propaganda, nem estes projectos
urbanos, quando irrelevantes ou parciais, em geniais.
Torna-se evidente o peso dos mass media no novo urbanismo, assim como na
competitividade das cidades, que se digladiam pelo título de cidade exemplar.
Qualidade vs Quantidade
Subsiste a ideia de que riqueza e qualidade de vida estão ligadas entre si, apesar de que
quando se fala de questões ambientais haver a tendência em separá-las.
De forma a resolver esta aparente dicotomia deve-se apostar num desenvolvimento que
seja qualitativo e não quantitativo, apostando-se num crescimento a longo prazo e não
num enriquecimento a curto prazo. Este desenvolvimento deve apostar na procura de
dotar as urbanizações de infra estruturas básicas, de melhorar a qualidade da água para
consumo, na gestão de recursos, e também promover o uso misto de áreas urbanas (de
forma a favorecer a coexistência entre actividades múltiplas), proteger e valorizar a
identidade das cidades, orientar o desenvolvimento das cidades, etc… Todas estas
medidas, constituem objectivos do planeamento urbano tradicional, na procura de uma
melhoria de qualidade vida; havendo que conjugar esta mesma qualidade de vida com a
criatividade preteritamente referida e com a competitividade inerente ao mundo
empresarial. A cidade deve procurar assegurar a sua auto-suficiência através da
utilização de recursos reproduzíveis, valorizando a sua forma urbana e ecológica, assim
como a sua capacidade produtiva e económica e promovendo a sua sustentabilidade a
longo prazo. É uma situação que poderá ser resolvida dependendo da forma como a
quantidade regular a qualidade.
Caso de estudo - Bilbao
39
O Case Study de Bilbao foi escolhido por apresentar um Plano Estratégico
relativamente recente que pretende formar uma área metropolitana, dotando assim
Bilbao de uma centralidade até então desconhecida (à excepção da histórica
centralidade industrial), de forma a tornar a cidade mais competitiva, atraindo novas
oportunidades; acabando, pelo contrario por olvidar o factor inovação, opondo a este a
imagem de marca (que já é sobejamente conhecida), criando até um certo efeito Bilbao.
O que se pretende para o Bilbao futuro é um “projecto” antes de mais sócio-económico,
ou seja um futuro onde se estabeleçam novas relações de produção e sociais, além de
uma nova organização territorial que passa assumir um âmbito metropolitano. Estas
novas relações constituem, para Bilbao, uma resposta ao processo de desindustrialização
actual.
O Plano Estratégico de Bilbao preconiza uma relação explícita entre modelo social e
modelo territorial, apostando na capacidade destes dois modelos em gerar qualidade de
vida e recursos humanos qualificados; de forma a conseguir estimular o
desenvolvimento de serviços de produção avançados.
A nova organização social pretendida é uma sociedade “sem conflitos nem classes”,
podendo todos aceder de uma forma democrática a todos as experiências e qualidade de
vida a gerar. De forma a evitar a o aparecimento de elementos dissonantes, o plano
estratégico estabelece deveres e atenções a ter, por todos (desde o cidadão comum ao
governo local e metropolitano); uma espécie de plano de acção social de forma a
atenuar os efeitos negativos que poderão decorrer da aplicação do mesmo Plano. O que
se pretende é uma qualidade de vida alta, através de um ambiente urbano atraente e
competitivo, que não se reflicta em défice de produtividade, e logo falta de capacidade
de atracção de oportunidades novas.
No entanto, o Plano Estratégico de Bilbao apresenta algumas contradições. De facto, o
principal instrumento de aplicação do plano é o Plano Territorial Parcial, que não
consegue trazer nada de novo à estratégia, dando-lhe somente forma.
O Plano Territorial Parcial preocupa-se mais em definir os espaços em espera e
sustentar futuras propostas arquitectónicas que concretizem projectos urbanos, do que
propriamente a estruturar a globalidade da área metropolitana; parecendo também mais
preocupado com o favorecimento especulativo dos próprios terrenos do que a definição
de pontos de intervenção estratégica de maneira a maximizar o efeito catalítico e
dinamizador dos ditos projectos urbanos.
40
A intenção do Plano Estratégico, concretizado então nos Planos Territoriais Parciais,
parece ser mais de uma índole mais de conformação de uma imagem urbana, que insira
Bilbao num roteiro de cidades a visitar; funcionando assim como um elemento de
marketing favorável a própria cidade, dando-lhe uma imagem de marca. Para isso
aposta em arquitectos de renome como Ghery, Foster, Calatrava (etc…), e no papel
mediático, que na actualidade a arquitectura concentra; na renovação da ria, o local que
mais actividade industrial concentrava.
Esta concretização parece relegar no entanto um factor essencial na elaboração do Plano
Estratégico: a revitalização sócio económica baseada nos factores produtivos e de
inovação como resposta à crise industrial que a cidade vive.
Conclusão
Devido às condicionantes de um município, este não pode funcionar como uma empresa.
Os municípios são entidades publicas em que coexistem um nível politico e outro
administrativo, que necessitam de prestar satisfações os cidadãos. Possuem também um
enquadramento legal rigoroso que os obriga a articularem-se com outros níveis de
Fig. 7 e 8 – Desenvolvimento da imagem de marca de Bilbao, projecto para Torre Iberdrola
Fig. 9 e 10 – Desenvolvimento da imagem de marca de Bilbao, Guggenheim (Gehry) e ponte sobre a ria de Bilbao (Calatrava)
41
governação e com diversos actores locais, regionais, nacionais ou internacionais. Além
destas condicionantes, a própria evolução económico-social e cultural também colocam
entraves ao modelo de planeamento tradicional.
De forma a se tornarem competitivas, as cidades e regiões urbanas devem apostar no
financiamento de projectos municipais inovadores (projectos especiais); a simplificação
e flexibilização da legislação que orienta os municípios (de forma a promover a gestão
inovadora e original); o estimulo dos cidadãos para a inovação (através da formação,
novas práticas de gestão de recursos, em suma o factor criatividade); a facilitação entre
as autarquias e actores externos; e a necessidade da consciência do potencial de
inovação de que dispões (gestão de recursos imateriais).
Algumas práticas inovadoras podem ser: o envolvimento dos cidadãos nas instituições
locais; o aumento da transparência dos processos de gestão e administração municipal; a
melhoria da imagem do município ou região urbana; promover o desenvolvimento
social, económico e territorial sustentável; lutar contra a exclusão social através da
formação dos cidadãos e apoio à cultura; melhorar o funcionamento das organizações
municipais; incentivar e intensificar as relações com actores externos de modo a atrair
oportunidades não previstas e alargar a base de recursos disponíveis.
A competitividade de uma região urbana ou cidade não pode ser somente analisada de
um ponto de vista económico, mas sim tendo em conta todos os aspectos da vida
Esquema 5 – Oportunidades de inovação, fonte: Público
42
humana, pois estão inter relacionados, influindo simbioticamente uns nos outros, de
forma a criar ou não atractividade.
O planeamento é, assim, a forma disponível de garantir os interesses colectivos em
sítios onde o mercado por si só não o consegue; deixando em aberto o que não pode ser
previsto, mas estruturando-o numa lógica de oportunidades não previstas que reforçam
o coeficiente de atractividade das regiões urbanas e a possibilidade de desenvolvimento.
EVE�TOS
43
As oportunidades não previstas podem surgir com a organização de eventos
internacionais.
Estes eventos são sujeitos a candidatura e a sua realização num determinado sítio é
decidida por entidades externas, as mesmas que os promovem e os supervisionam,
podendo ter um âmbito desportivo, social ou cultural.
São oportunidades condicionadas por prazos de actuação claramente definidos e firmes.
Os eventos internacionais podem permitir um desenvolvimento e um crescimento
exponencial e uma visibilidade nunca antes vivida nas cidades, o que não significa que,
necessariamente, os eventos são sempre uma boa oportunidade para o desenvolvimento
da cidade.
Barcelona – Jogos Olímpicos 1992
Em Barcelona recorreu-se a uma metodologia de planeamento que permitisse definir um
conjunto de vectores essenciais de desenvolvimento da cidade, numa fase muito rica em
que, por um lado, se consolidava o processo de recuperação da crise económica e, por
outro, se iniciava o processo de integração na Europa, e as cidades despontavam para
um novo papel na economia internacional. O aproveitamento destes factores como
plataforma de lançamento da cidade, a par da dinâmica induzida pela realização do
Fig. 11 – Parque olímpico de Montjuic, Barcelona (1992), fonte: GoogleEarth
44
Jogos Olímpicos em 1992, constituía motivo bastante para mobilizar os diversos actores
sociais, económicos, culturais e institucionais para a antecipação das estratégias mais
ajustadas.
A elaboração do Plano Estratégico de Barcelona assentou em mecanismos de
cooperação entre agentes públicos e privados, no pressuposto de que a participação
alargada dos agentes da cidade é uma condição chave no início de forma a garantir uma
maximização da concertação de esforços na fase de concretização.
Quando a cidade de Barcelona percebeu a possibilidade de se candidatar para os Jogos
Olímpicos de 1992, a administração local perspectivou a ocasião perfeita para acabar
algumas transformações na cidade.
De forma a cumprir este objectivo foram decididos três critérios fundamentais.
Em primeiro lugar era necessário colocar as quatro áreas olímpicas principais no interior
da cidade, em pontos estratégicos, ou seja, na fronteira entre a cidade consolidada e
aquelas áreas urbanas que ainda não se encontravam bem definidas, numa lógica de
agentes catalíticos que regenerassem o ambiente envolvente.
Em segundo lugar, utilizar para estas áreas critérios de projecto urbano feito por autores
solventes e responsáveis.
Em último lugar, criar edifícios passíveis de utilização após o término dos Jogos
olímpicos, que poderiam agir como elementos fundamentais na transformação da cidade.
As quatro áreas de intervenção eram: a Vall d’Hebron, a extremidade da Diagonal, o
monte de Montjuic e uma parte da antiga área industrial de Poblenou.
Estas quatro áreas eram ligadas entre si por quatro itinerários principais que
conformavam um quadrado no mapa da cidade. Estes eram caracterizados pela sucessão
de intervenções estratégicas que garantiam o sucesso da regeneração de tecidos proposta.
Entre a Diagonal e Montjuic fica a estação de Sants, que cria um ponto comercial entre
os dois pontos.
Entre Montjuic e a Cidade Olímpica de Poblenou foi projectada toda a requalificação da
frente marítima de Barcelona.
Entre a Cidade Olímpica e Vall d’Hebron começava a ser potenciado um sector à volta
da Plaza de les Glories, que Cerda já tinha proposto como grande centro metropolitano.
Estes quatro itinerários renovaram importantes sectores da cidade, contribuindo para
resolver alguns problemas pontuais.
45
A construção de uma rede viária que ligava a cidade consolidada com as áreas menos
definidas da mesma e consequentemente com as áreas de intervenção; sendo uma
tentativa de conseguir uma integração óptima entre a malha urbana e as ruas. Esta rede,
as Rondes, apresentam o mesmo conceito das boulevards.
No entanto, a operação mais significativa e imponente ao nível de traçado foi a
requalificação da frente marítima.
Este tipo de operação é típico da Urbanística do século vinte. De facto, muitas cidades
adoptaram esta metodologia de maneira a renovar a utilização de uma zona que
frequentemente se tornou degradada e sem actividade.
A maioria dos usos desta parte da cidade derivam das funções da antiga cidade
industrial, ou seja, linhas de comboios, implantações industriais do século dezanove,
áreas antigas de portos mercantis, instalações militares de defesa da costa, bairros
residenciais ou bidon-villes abusivas.
Os antigos usos foram perdendo vitalidade e na actualidade a demanda de actividades
colectivas e espaços de lazer requereu um espaço, que para além de se situar junto ao
mar, também fica inusitadamente perto do centro histórico.
A ocupação deste solo tem um carácter de ampliação do centro histórico em si,
permitindo também o completar de um programa de equilíbrio social e económico. O
novo porto olímpico inclui muitos espaços e actividades integradas na vida da cidade,
com um novo bairro, lojas, escritórios, hotéis, igrejas, escolas e uma grande estrutura
universitária situada numa antiga caserna universitária.
As grandes barreiras foram destruídas, duas linhas ferroviárias foram eliminadas, os
grandes esgotos foram desviados pelos novos depuradores. Antes dos Jogos Olímpicos
Fig. 12 – Frente marítima de Barcelona pós Olimpíadas, fonte: Google Earth
46
havia um quilómetro de praia, hoje existem 4,2 km. Esta requalificação foi
sucessivamente continuada com novos projectos para Noroeste.
Barcelona – fórum 2004
Doze anos depois do sucesso das olimpíadas de 1992, Barcelona teve de novo a
oportunidade de realizar um evento internacional.
Barcelona tentou a candidatura a capital europeia da cultura e à realização de uma
Exposição Internacional.
Tentava-se agora terminar o processo de renovação iniciado com os Jogos Olímpicos
através da junção de recursos necessária à organização de um grande evento.
Após a falha nas candidaturas supracitadas, a câmara municipal de Barcelona conseguiu
a nomeação para a organização do Fórum Universal das Culturas de 2004. Esta
organização constituía-se numa série de ventos, conferencias, espectáculos, exposições
(com temáticas como paz, diversidade cultural e sustentabilidade).
A estimativa do número de visitantes rondava os 4milhões de pessoas.
Para a realização deste evento foi escolhido um local específico, que fica na zona oeste
da cidade, no fim da Diagonal.
Era uma área muito vasta, degradada social, física e ambientalmente.
O projecto desenvolvido em 2004 consistiu no prolongamento da Diagonal até ao mar e
o desenvolvimento da frente marítima olímpica; desenhando uma área estratégica
dotada de grandes potencialidades de desenvolvimento.
A cidade delegou ao grupo Hines a operação Diagonal Mar, que consistiu na realização
de um projecto de torres, de um centro comercial e na privatização de um parque urbano.
Fig. 13, 14 e15 – Área de intervenção do Fórum 2004
47
Simultaneamente, na zona do Fórum 2004, são elaborados planos com base na
coexistência heterogénea de equipamentos públicos e privados. Os conteúdos destes
planos são definidos à posteriori por projectos de arquitectura e a sua realização é
oferecida a operadores privados, sem haver uma estratégia geral que defina as condições
e os equilíbrios da relação entre os mesmos e a envolvente.
A conexão com o tecido urbano envolvente não foi aprofundada, e o desenho espacial é
desligado e incoerente com as suas próprias componentes devido à sua dimensão de
dezasseis hectares.
Conclusão
Barcelona: duas intervenções distintas
Parece claro que o projecto Olímpico de Barcelona é resultado de uma situação
particular, com um forte governo local, uma grande coesão social, uma intervenção
pública que conseguiu definir um processo de planeamento a longo prazo, com a criação
de novos serviços e infra estruturas, integradas pelo tecido urbano e a transformação de
espaços públicos.
O resultado deste processo foi uma profunda transformação do centro histórico, da
cidade consolidada e de algumas áreas dispersas.Este modelo desapareceu com o fim
das Olimpíadas.
Actualmente a cidade está mais fragmentada, com uma maior presença de capital
privado a servir de motor para as intervenções e transformações urbanas. Actualmente a
arquitectura prevalece sobre o urbanismo.
O enfoque principal deixou de ser o aspecto social local, mas sim o turista. Barcelona, à
semelhança de Bilbao, tornou-se numa cidade de turismo internacional.
Neste aspecto, o Fórum 2004 constitui-se com a conclusão natural de um processo. Os
conteúdos conceptuais tornaram-se indefinidos e fragmentários de um ponto de vista
urbanístico. Este facto deve-se à inexistência de um plano global que aborde a questão
da cidade metropolitana e, também, ao predominio dos investimentos privados.
Os trabalhos urbanos feitos nos últimos dez anos são elaborados a partir do pressuposto
“produto urbano”, onde o negócio parece sair vencedor sobre um “desenho” unitário da
cidade. Tudo isto é confirmado pela prevalência de um parque temático sobre a
construção de uma cidade polivalente.
48
O grande projecto de 2004 surge como um paradigma destas ambiguidades.
ELEME�TOS ESTRUTURA�TES E DEPE�DE�TES DE
OPORTU�IDADES
Exemplos Concretizados
A transversalidade de escalas aparece de forma recorrente como um factor necessário no
planeamento adaptado à cidade contemporânea.
49
A intervenção na cidade abrange desde a escala territorial até a escala do mobiliário
urbano. Mas, não só em termos de intervenção, mas também em termos de repercussão:
uma intervenção pontual, de lugar, numa parte da cidade pode ter consequências à
escala de toda a cidade, e elementos estruturantes à escala territorial podem ser fulcrais
no planeamento de uma intervenção pontual.
A dicotomia em análise, elementos estruturais/elementos dependentes das
oportunidades, também actuam em diferentes escalas do território. Para o exemplificar,
demonstra-se a estruturação de escalas que propõe Antonio Font, “lugar, cidade e
território” (Font, 2003) e analisa-se a operatividade dos nossos conceitos como leit-
motiv em três projectos de actuação na cidade, nessas diferentes escalas. Isso não
significa que a intervenção só tenha em conta a tal escala. Verifica-se que a interacção
nas diferentes escalas tem consequências no projecto, seja qual for a sua escala.
A escala do lugar
Na escala do lugar, analisa-se o projecto para o parque do Poblenou, em Barcelona, de
Manuel Ruisánchez e Xavier Vendrell, de 1989.
O projecto surgiu no âmbito das Olimpíadas em Barcelona, como parte da estratégia da
construção de equipamentos olímpicos e espaços colectivos. Como já se referiu, a
oportunidade criada pelo grande evento foi usada para construir um conjunto de espaços
públicos, e regenerar parte da cidade numa estratégia global de reestruturação.
Assim, no parque do Poblenou situam-se as instalações para a competição de
Badmington e para o treino do atletismo.
Mas, a origem do parque do Poblenou está ligado a outra das situações paradigmáticas
das oportunidades criadas na cidade contemporânea, a reutilização de áreas industriais
obsoletas e a sua transformação em espaço colectivo.
O parque do Poblenou desempenha uma função importante a nível urbano, a articulação
entre os diferentes tecidos que se encontram nesse ponto: o bairro do século XIX do
Poblenou, o novo traçado da Vila Olímpico, arrancado desde Barceloneta, e o parque da
Mar Bella, desde a foz do Besós.
Além disso, também concorre lá um elemento estruturante importante à escala territorial,
a Ronda Litoral, umas das vias de cintura da área metropolitana. Assim, comprova-se
como elementos de escalas maiores tem repercussão na escala do lugar.
50
O projecto usa como ponto de partida da ordenação paisagista do parque os traços da
antiga zona industrial, tal como recomenda Panerai para configurar o novo traçado, ou
no sentido do palimpsesto do André Corboz.
“A transição entre o bairro do Poblenou e a praia, a continuidade entre o passeio
marítimo da Vila Olímpica e o passeio da Mar Bella, a paisagem própria das zonas
análogas do litoral (praias, dunas, pinheiros), a vegetação e a recuperação da antiga
extensão das vias do comboio, a lembrança industrial do comboio e do barco são os
termos que estão na origem do projecto.” (Ruisanchez e Vendrell, 1989)
O projecto tem em conta o momento da oportunidade desde a ideia do projecto. Os
equipamentos olímpicos que se articulam no parque, o Pavilhão desportivo de
competição de Badmington e as pistas de treino de Atletismo, para se converter em
equipamentos para o bairro depois das Olimpíadas. O pavilhão alberga na actualidade
os equipamentos desportivos para o bairro, o arquivo histórico e a biblioteca pública do
Poblenou, tudo integrado no interior do parque para o bairro.
Fig. 16 – Projecto de Poblenou, Barcelona
51
A escala da cidade
À escala da cidade falar-se-á do projecto de Rem Koolhas para a cidade nova de Melun-
Sénart, no sul de Paris, em 1987.
“Lille é uma intervenção clássica que tenta de minimizar o caos, enquanto que em
Melun-Sénart o nosso objectivo foi usa-lo.” (Rem Koolhas, 1996)
Ainda que sejam actores muito diferentes, se se usar a palavra incerteza em vez de caos,
pode-se reconhecer a teoria de Nuno Portas.
O autor afirma que não se pode controlar ou prever o desenvolvimento urbano, o tecido
construído. Os actores e os tempos são desconhecidos no momento do concurso
urbanístico portanto, o autor prefere não prefigurar ou condicionar este
desenvolvimento, mas pôr a força semântica do projecto, a forma urbana, nos espaços
livres, onde ainda existe certeza para o desenhar.
“A estratégia do projecto consiste na geração dum sistema apto para ser desenvolvido,
mais que na determinação de resultados formais. Os objectivos da proposta centraram-
se na acessibilidade de serviços urbanos e na preservação de determinadas qualidades
estéticas do lugar. Uma primeira distinção, entre projecto urbano e projecto de
desenvolvimento, serve para definir as áreas de controle e de indeterminação. A
contestação explícita de qualquer ideologia urbana como determinante do plano,
implica a aceitação da impossibilidade de exercer uma determinação absoluta sobre a
materialização da cidade.” (Rem Koolhas, 1996)
Fig. 17 e 18 – Área de Poblenou
Fig. 19 – Implantação de Melun-Sénart
52
O projecto para Melun-Sénart faz um uso explícito da dicotomia de elementos
estruturantes/elementos dependentes da oportunidade, caracterizados aqui como os
vazios e as isolas.
Os vazios articulam-se em bandas associadas a velocidades e usos estruturais diferentes
que se sobrepõem: a banda das ligações, a banda dos percursos, a banda dos programas,
a banda da paisagem, a banda dos vazios e a banda dos limites. Estas bandas, como os
traçados para Panerai, articulam o conjunto dos espaços livres e dão a coesão necessária
para uma leitura holística do projecto, e ao mesmo tempo permitem um alto grau de
liberdade para os espaços entre as bandas, as ilhas, que vão permitir programas
diferentes dependendo do seu tamanho, forma, localização e relação com a envolvente.
A escala do território
Fig. 19 e 20 – As Bandas de Melun-Sénart Fig. 21 e 22 – As Interbandas de melun-Sénart
53
A intervenção do IBA Emscher Park situa-se em Renania no Norte-Westfalia e
compreende 17 cidades e uma área de 800 km2.
É uma região extraordinariamente densa, onde os agrupamentos urbanos tocam-se e
confundem-se, formando um tecido urbano fragmentado e difuso, pouco ordenado e
extenso. As áreas não construídas ocupam uns 320 km2 dos 800 totais. Estes espaços
abertos não são vazios, estão ocupados tanto por auto-estradas, estradas e linhas de
comboio, como por canais de águas residuais, terrenos industriais e mineiros em desuso,
caracterizados por um alto nível de contaminação.
Esta área responde com bastante precisão ao modelo de cidade difusa proposto por
Indovina. Não é uma área metropolitana marcada por um centro, nem uma difusão
originada pela centrifugação de população e actividades para a periferia, mas uma
malha formada por diferentes pontos nodais enlaçados numa rede hierarquicamente
horizontal. É possível acrescentar a estes factores uma tendência crescente para a
deslocação da população desde as áreas urbanas para as áreas menos ocupadas, devido a
vantagens comparativas economicamente.
A criação de novas oportunidades: a regeneração de áreas industriais obsoletas.
A economia da região do Ruhr baseava-se na indústria pesada e na mineira,
nomeadamente na metalurgia (as conhecidas industrias Krupp) e na extracção de carvão.
A zona era um dos motores da economia produtiva alemã. Mas na década de 1970 as
Fig. 23 e 24 – Reutilização de espaços industriais no Emsher Park
54
mudanças económicas a nível global fizeram com que o sector descesse drasticamente
de competitividade, provocando o encerramento de minas e fábricas metalúrgicas, com
as consequências sociais de aumento do desemprego, dos conflitos sociais e o
decréscimo da população, além do inevitável declínio dos ambientes urbanos e o
surgimento de numerosas e desoladoras áreas em desuso.
A esta nova e negativa situação social e económica acrescentam-se os problemas
ambientais, consequência da actividade mineira do carvão a céu aberto, aumentando a
poluição provocada pela indústria metalúrgica e o uso do rio para evacuar as águas
residuais da indústria e das áreas urbanas.
Perante esta situação surge a oportunidade do IBA ( Internationalle Bauaustellung)
Emscher Park a partir de 1989, com duração pré-estabelecida e encerramento fixo
marcado em 1999.
Os IBA são exposições da construção e a residência já clássicos na Alemanha, dos quais
formam parte mostras tão conhecidas como Weissenhofsiedlung, Stuttgart 1927, Hans-
viertel, Berlim 1957, IBA Berlim, 1987). Mas IBA Emscher Park não se trata
propriamente de uma Exposição no verdadeiro sentido do termo, mas sim, de uma
programação de actividades, unindo diversos organismos (administrações locais,
empresas industriais, ONGs, grupos de pressão, e a população em geral), cujo objectivo
maior é o de impulsionar novas ideias e projectos, adoptando nisto um papel instigador.
Os seus objectivos específicos prendem-se às áreas de desenvolvimento urbano, social,
cultural e ecológico, considerados como sectores básicos para impulsionar e direccionar
as mudanças numa antiga região industrial em processo de transformação.
O projecto existe para assistir a esse processo: ao empregar uma exposição da
construção como instrumento prático, o IBA transforma essa exposição numa central de
discussões políticas e profissionais, voltada especificamente ao debate do
desenvolvimento da região.
A estruturação da paisagem
55
Consequentemente, com a condição difusa da zona, a actuação do IBA Emscher Park
propõe uma reestruturação do território, baseada na organização dos espaços livres,
aproveitando a linha do rio Emscher.
”A estratégia do espaço colectivo deveria implicar uma ênfase nos nós de centralidade,
nos eixos e na construção da paisagem” (<uno Portas, 1996).
E neste caso, marcadamente com a sua dimensão eco-paisagista. Assim, o elemento
fulcral do projecto é o Emscher Landschaftpark, isto é, o parque paisagístico do rio
Emscher.
Trata-se de um parque que simboliza, ao mesmo tempo que envolve, a transformação
urbanística e a recuperação ecológica do rio Emscher. Os espaços abertos entre as áreas
urbanas, no meio de indústrias e minas abandonadas, formam a base estruturante deste
parque. O seu âmbito de actuação compreende novos conjuntos de edifícios
habitacionais ou de trabalho e áreas de recreio. Além da recuperação ambiental, cuidou-
se da conservação do património histórico e cultural desta envolvente industrial como
parte integrante da paisagem. Os terrenos industriais abandonados proporcionavam a
oportunidade de introduzir os corredores verdes a escala territorial até os centros
urbanos. Um objectivo importante era, ligar os espaços abertos fragmentados e superar
obstáculos, para desta forma tecer a paisagem afectada e poder ler o território como um
todo, ainda que formado por fragmentos diferenciados e separados.
�ovas oportunidades para o território.
Fig. 25 – Amplitude territorial do Emsher Park
56
O sistema de parques interligados permite articular directa entre as estratégias à escala
territorial e as intervenções locais. O IBA Emscher Park é formado por mais de 120
projectos a diversos níveis e escalas de actuação: desenvolvimento do sistema de
parques entre as áreas urbanas, ordenando o crescimento difuso (a escala do território);
projectos urbanísticos que promovem cidades compactas mas também periferias
complexas (e escala urbana) e projectos modelo de novos centros tecnológicos e
empresariais a partir da criação de empresas relacionadas com a industria sustentável e
as tecnologias limpas, com o objectivo de servir de catalizador para a regeneração
económica da região com base num novo tecido industrial (e escala do lugar).
A reabilitação das antigas zonas realiza-se com a intenção tanto de manter o espírito do
lugar, como para gerar um atractivo potencialmente catalizador. Criam-se rotas
turísticas especialmente desenhadas e sinalizadas, que valorizam a estética dos marcos
regionais e ajudam a criar uma “imagem de marca” para o Ruhrgebiet, as rotas
Industrie-natur e Industrie-kultur. Entretanto, os projectos são executados através de
contratos autónomos, realizados pelas administrações locais, por empresas
independentes, ou, ainda, por organismos promotores de iniciativas
desenvolvimentistas.
CO�CLUSÃO
Existem inúmeras formas de construir o urbano, não havendo, no entanto uma fórmula
exacta universal que permita o sucesso em todos os casos. O falhanço do que
conhecemos como cidades é um falhanço da intelectualidade por não ter sabido vê-las
como um sistema vivo. A dicotomia entre elementos estruturantes e elementos
dependentes de oportunidades parece ser uma metodologia que ajuda a aumentar a
probabilidade de êxito na construção da cidade.
“É evidentemente necessário ter cuidado com as formas mágicas – é necessário
confrontar as memórias de fazer cidade com o contecto actual das intervenções a
desenhar. Porque uma coisa é retomar a quadricula como malha formal numa
intervenção arquitectónica projectada de uma vez e a realizar de jacto (isto é, anulado
57
o factor tempo e não deixando margem a outros agentes para intervirem no processo
que, practicamente, não existe) e outra será tirar alição de uma forma de determinação
da cidade predominantemente estratégica e aberta a múltiplas intervenções ao longo do
tempo (…)” (<uno Portas, 1980)
A importância dos elementos estruturantes das cidades não se encontra na edificação
que a compõe, mas sim na qualidade do espaço colectivo e urbanístico que a comporta,
e é a flexibilidade deste que lança o futuro do urbano através da articulação com eventos
e espaços que ainda estão por acontecer ou utilizar. É a sua persistência que permite a
definição do conceito de lugar, assim como da identidade do mesmo e a capacidade de
criar afectividade com todos aqueles que o usam.
É esta capacidade de atracção e manutenção de atractividade que o espaço colectivo
propõe numa cidade e que, posteriormente, cria factores de competitividade na mesma.
A sua correcta estruturação permite, com o apoio político e social necessário,
desenvolver os aspectos económico, social e cultural que potenciam a centralidade de
uma cidade.
Com a centralidade, e a capacidade de se projectar perante os seus pares, as cidades
ganham presença no panorama regional, nacional e por vezes internacional. Desta forma,
o seu raio de afectação passa a uma esfera completamente diferente, podendo assumir
responsabilidades de organização de eventos, exponenciando ainda mais a sua imagem.
No entanto, assiste-se muitas vezes a uma desvirtuação deste processo, sendo que o
único factor de atractividade considerado é a imagem de marca, relegando os factores de
produtividade e consequentemente todo o sistema humano local para segundo plano.
“Em suma, não há teoria geral que nos sossegue. A acupunctura urbana é, pois,
incontornável mas só tem êxito se no momento de pôr as agulhas no território
soubermos o que isso significa em probabilidades de sinergias e efeitos catalíticos – ou
de metasteses, se nos enganarmos!” (<uno Portas, 2001)
58
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