a ação civil ex delicto no direito brasileiro
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A AÇÃO CIVIL EX DELICTO NO DIREITO BRASILEIRO
Leonardo de Faria Beraldo
SUMÁRIO: 1. Intróito - 2. A ação civil ex delicto: 2.1. Legitimidade
ativa; 2.2. Legitimidade passiva; 2.3. Competência na ação
reparatória; 2.4. Prescrição da ação civil; 2.5. Al guns aspectos
polêmicos - 3. Eficácia civil da sentença absolutór ia penal: 3.1.
Sentença fundada na inexistência do fato; 3.2. Sent ença fundada na
falta de prova da existência do fato; 3.3. Sentença fundada na
inexistência de infração penal; 3.4. Sentença funda da na
inexistência de prova de o réu ter concorrido à inf ração penal; 3.5.
Sentença fundada em circunstância excludente do cri me ou isentiva
da pena: 3.5.1. Estado de necessidade; 3.5.2. Legít ima defesa; 3.5.3.
Exercício regular de direito; 3.5.4. Estrito cumpri mento do dever
legal - 3.6. Sentença fundada em insuficiência de p rovas; 3.7.
Outros casos - 4. Implicação de outras legislações na ação civil: 4.1.
A Lei 9.099/95 e os Juizados Especiais Criminais; 4 .2. A Lei 9.714/98
e o art. 45 do Código Penal; 4.3. O caso fortuito e a força maior - 5.
Conclusões - 6. Bibliografia.
1. INTRÓITO
A questão da responsabilidade jurídica pode ser compreendida em
dois grandes campos de atuação: responsabilidade civil e
responsabilidade penal. Os bens e direitos tutelados pelos
ordenamentos civil e penal não são muito diferentes uns dos outros,
estando todos interligados: são eles o direito à vida, à saúde e à moral
da pessoa, ao patrimônio, integridade física etc. Porém, a proteção em
sede penal não é tanta quanto na esfera civil, podendo muito bem uma
pessoa ser absolvida em um julgamento criminal e, em decorrência do
mesmo fato, ser condenada no juízo civil.
2
Inicialmente, vamos passar a alguns conceitos básicos para que
melhor possamos entender e explicar o presente trabalho.
"Responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem alguém
a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiro em razão de ato
próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa
ou animal sob sua guarda, ou, ainda, de simples imposição legal. A
responsabilidade civil requer prejuízo a terceiro, particular ou Estado, de
modo que a vítima poderá pedir reparação do dano, traduzida na
recomposição do statu quo ante ou em uma importância em dinheiro".1
Já a responsabilidade criminal pode ser traduzida como "a
responsabilidade que pressupõe lesão aos deveres de cidadãos para
com a sociedade, acarretando um dano social determinado pela violação
de norma penal, exigindo, para restabelecer o equilíbrio, a aplicação de
uma pena ao lesante. É a que decorre de prática de contravenção penal
ou de crime comissivo ou omissivo pelo agente imputável que for
chamado a responder por ela penalmente, arcando com as
conseqüências jurídicas de seu ato, incorrendo nas sanções previstas na
lei penal. O lesante suporta a respectiva repressão. Denomina-se,
também, responsabilidade penal".2
Outra diferença que vale a pena não só conceituar, mas também
discernir, é no que tange aos ilícito penal e civil. "A cientificidade da
separação estaria em fixar o que determinada sociedade resolveu em
determinado lugar do tempo ser de maior ou menor importância para
essa mesma sociedade ou para o indivíduo; ou seja, dizendo o que
pertence à seara do Direito Penal e à do Direito Civil, respectivamente.
É, portanto, questão de ordem política, porque decorre da opção política
de instituir conseqüência ao ilícito, de molde a impressionar a esfera
civil ou penal".3
1 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 1ª ed. v. 4. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 171. 2 Idem, p. 174. 3 FELIPETO, Rogério. Reparação do dano causado por crime. 1ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 37-38.
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Pode-se dizer então que, na realidade, ocorre sempre um fato e,
decorrente dele, poderá ou não haver repercussões nas esferas civil,
penal ou até mesmo nas duas juntas, como nos ensina RAYMUNDO
CÂNDIDO,4 ao brilhantemente discorrer sobre o tema em sua tese de
livre-docência pela UFMG.
Embora o Código de Processo Penal só faça menção a dois tipos
de satisfação do dano, reparação no art. 63, e ressarcimento no art. 64,
utilizando-as lato sensu, existem outras maneiras, no sentido mais
estrito da expressão, de se satisfazer a pretensão da vítima.
A primeira delas é a restituição, modalidade pela qual a vítima
poderá reaver o objeto da qual foi privada em se tratando dos crimes
contra o patrimônio (furto, roubo etc.), a res furtiva. Dever-se-ia, sempre
que possível, dar preferência a esta modalidade de satisfação, pois,
muitas vezes, o objeto pode não ter nenhum valor material, mas tendo
um grande valor sentimental, os chamados bens fungíveis, v.g., uma jóia
de família.5
O ressarcimento, que nem sempre tem sua conotação empregada
de maneira correta, é usado sempre que não é possível sua restituição,
representando tudo aquilo que a pessoa perdeu em decorrência da falta
do objeto, v.g., danos emergentes, lucros cessantes etc.6
A reparação será utilizada nos casos em que o dano não for ou
não puder ser ressarcido. Trata-se da modalidade freqüente e
corretamente utilizada para o cálculo dos danos morais,7 apesar de
nossa Assembléia Nacional Constituinte, infelizmente, ter utilizado da
4 "A noção do lícito e do ilícito não coincide, naturalmente, em todos os ramos do direito; um fato pode ser lícito ou indiferente para um determinado ramo do direito e ilícito em outro. A ação antijurídica do homem atinge a ordem jurídica em geral, embora ofenda um setor particularizado de seu complexo organismo. E nem sempre é fácil fazer a diagnose do mal que o ataca" (Eficácia da Coisa Julgada Penal no Juízo Cível, Revista Forense nº 174, p. 33, nov./dez. 1957, apud FELIPETO, Rogério. Op. cit., p. 38). 5 Vide arts. 313, 233 a 242 do Código Civil/2002 (correspondência arts. 863 a 873 e 1.542 do Código Civil/1916); e arts. 621 a 631 do Código de Processo Civil. 6 Vide arts. 402 a 404 e 952, parágrafo único do Código Civil/2002 (correspondência arts. 1.059 a 1.061 e 1.543 do Código Civil/1916). 7 Vide súmula 491 do STF, e 37 e 221 do STJ.
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expressão indenização ao tratar do dano moral, no artigo 5º, incisos V e
X, da Constituição da República de 1988.8
A quarta e última modalidade a ser vista por nós será a
indenização, que sempre será devida decorrente de atos lícitos
praticados pelo Estado, v.g., as desapropriações, tombamento etc.9
Uma vez ultrapassada a fase dos conceitos, passemos a outro
ponto, de grande importância, que merece ser apontado: o da
independência não só das jurisdições,10 mas também da
responsabilidade civil e da penal.
Para melhor entendimento desta sistemática, faz-se mister a
leitura interpretativa, conjunta e harmônica do artigo 935 do Código
Civil/2002,11 juntamente com o artigo 65 do Código de Processo Penal.12
Ao final da leitura, chegaremos então à conclusão de que é preciso fazer
uma interpretação restritiva, sob pena de cometer vários equívocos,
como bem salientou TOURINHO FILHO,13 ao dizer que o dispositivo em
exame não significa que a sentença penal que reconheça uma dessas
excludentes de ilicitude impeça a propositura da ação civil. Houve
excesso de linguagem.
Ainda, no magistério de AGUIAR DIAS, a interpretação do art. 935
(antigo art. 1.525) pode ser reduzida a esta fórmula: "o injusto criminal
8 Vide arts. 76, 1.546 e 1.547 do CC (os artigos 76 e 1.546 do CC não foram repetidos no Código Civil/2002, porém, o art. 1.547 foi repetido e com uma redação melhorada, no art. 953 do novo Código); art. 5º, V e X, CF/88; Lei da Imprensa 5.250/67. 9 Vide art. 37, § 6º, CF/88. Ainda, ALVES, Vilson Rodrigues. Responsabilidade civil do Estado. 1ª ed. 2 vols.: Bookseller, 2001. 10 "A SENTENÇA ABSOLUTÓRIA PROFERIDA NO JUÍZO CRIMINAL SUBORDINA A JURISDIÇÃO CIVIL QUANDO NEGA CATEGORICAMENTE A EXISTÊNCIA DO FATO OU A AUTORIA, OU RECONHECE UMA EXCLUDENTE DE ANTIJURIDICIDADE (LEGÍTIMA DEFESA, EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO, ESTADO DE NECESSIDADE DEFENSIVO). A ABSOLVIÇÃO CRIMINAL POR FALTA DE PROVA, COMO OCORREU NO CASO, NÃO IMPEDE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO CÍVEL" (STJ, REsp nº 89.390/RJ, 4ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. de 10.06.1996). No mesmo sentido, STJ, REsp nº 1.158/GO e 23.330/RJ. 11 Art. 935: "A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. Importante anotar que, para ARAKEN DE ASSIS, a 2ª parte deste artigo encontra-se derrogada. In, Eficácia..., p. 106. 12 Art. 65 do CPP: "Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito". 13 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal comentado. 3ª ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 159.
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nem sempre coincide em seus elementos com o injusto cível; quando,
reconhecidos, na instância penal, o fato e a autoria, ainda assim for o
acusado declarado não delinqüente, por faltar ao seu ato alguma das
circunstâncias que o qualificam criminalmente (por não estar completo o
subjektiv Tatbestand, como dizem os alemães) o julgado criminal não
condiciona o civil, para o fim de excluir a indenização, porque não são
idênticos num e noutro direito os princípios determinantes da
responsabilidade; no crime, a responsabilidade por crime é exceção, e
no cível é a regra".14
Portanto, após exsurgir em todos estes conceitos e denominações,
passaremos a uma análise mais profunda da ação civil ex delicto, que,
nada mais é, do que uma ação, no âmbito civil, decorrente de um delito,
que pode ou não ter repercutido na esfera penal. E, como já mencionado
anteriormente, veremos mais detalhadamente nos próximos itens.
2. A AÇÃO CIVIL EX DELICTO
Conforme exposição no capítulo anterior, a ação civil ex delicto ou,
se preferir, actio civilis ex delicto, é uma ação que sempre corre perante
um juízo cível, podendo dividir-se em duas espécies. A primeira seria o
caso do art. 64 do CPP, tendo como pré-requisito necessário à sua
propositura um fato anterior, delito ou contravenção penal, para que
então se enseje direito de reparação à vítima do ato delituoso, e a
segunda é a que está disposta na redação do art. 63 do CPP, que é a
execução da sentença penal transitada em julgado, sendo que aquela
espécie é, na prática, muito mais comum do que esta.
Pergunta que está constantemente ao nosso redor é com relação
ao motivo pelo qual o Código de Processo Penal trouxe, em suas linhas,
matéria que concerne à área civil, ou seja, a actio civilis ex delicto,
brilhante e facilmente respondida por TOURINHO FILHO.15
14 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 10ª ed. 3ª tiragem, v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 816. 15 "Procurou o Estado exercer verdadeira tutela administrativa dos interesses privados atingidos pelo crime, como se constata pelos arts. 91, I, 65, III, b, 78, § 2º, 83, IV, todos do CP, e também
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Resumidamente, o que o legislador processual penal tenta buscar é
oferecer certos benefícios na esfera penal aos agentes que tomarem
iniciativa em reparar o dano causado por eles mesmos.
2.1. Legitimidade Ativa
Possui legitimidade ativa a pessoa que pode pedir a tutela
jurisdicional, que se sente lesada e faz uso de seu direito subjetivo de
procurar o Estado, detentor do monopólio da jurisdição, querendo que
sua pretensão seja satisfeita. É também comumente chamada de "pólo
ativo" da ação.
A legitimidade ativa, quando exercida por pessoa do rol elencado
no artigo 63 do CPP,16 será então chamada de ordinária. Já, quando
proposta pelo Ministério Público, no caso do artigo 68, também do
CPP,17 será então chamada de extraordinária, perfazendo aquilo que os
processualistas chamam de substituição processual. Vale lembrar que
nos casos em que a vítima não tenha capacidade processual, poderá ela
ser representada em juízo por seu curador, pais etc., o que não é
substituição, e, sim, representação.
Poderá propor também a ação sua mulher - ou ex-mulher se for o
caso - seus filhos ou seus pais. A respeito, este é o teor da Súmula 491
do STF.18 A concubina também é parte legítima para propor a ação.19
Muita polêmica gira em torno do art. 68 do Código de Processo
Penal, sendo freqüente e veementemente questionada a sua
constitucionalidade, após a vigência da CF/88. A questão vacila muito,
pelos arts. 63 e 68 do CPP", in, TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 152. 16 Art. 63 do CPP: "Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros". 17 Art. 68 do CPP: "Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1º e 2º), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público". 18 "É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado". 19 RT 598/138, 588/117, 583/153, 582/99 e 553/199, in, STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, 5ª ed., São Paulo: RT, 2001.
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tanto na doutrina, quanto na jurisprudência. Muitos autores entendem
que aquele artigo foi recepcionado pela Constituição de 1988,20
alegando que o Ministério Público estaria, assim, defendendo interesses
sociais. Por outro lado, há também aqueles que entendem de maneira
contrária, dizendo que o artigo supra mencionado foi revogado com o
advento da Carta de 1988, criando as Defensorias Públicas21 e, também,
do "Estatuto da Advocacia",22 afirmando que de tal maneira, o Ministério
Público estaria usurpando funções típicas da Defensoria Pública.23
A nosso ver, a resposta não pode ser dada tão rapidamente, sem
que seja feita uma profunda análise de vários dispositivos legais em
conjunto24, harmonicamente. O cerne da questão pode ser muito bem
resolvido da seguinte maneira: nas comarcas onde ainda não há
Defensoria Pública devidamente instalada e organizada, o Parquet
poderá intentar ação de reparação em nome da vítima pobre. Porém,
nas comarcas que já são equipadas por Defensorias, não poderia o
Ministério Público ter legitimatio ad causam, pois estaria, assim,
exercendo função atípica, usurpando-a da Defensoria Pública. Neste
sentido, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou, através de
decisões, na conformidade de votos dos Ministros SEPÚLVEDA
PERTENCE25 e MARCO AURÉLIO.26 Em parte do voto do eminente 20 Nesse sentido, FERNANDO TOURINHO FILHO, ADA PELLEGRINI e ROGÉRIO FELIPETO. 21 Art. 134 da CF/88: "A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV". 22 Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. 23 Nesse sentido, RUI STOCO e ARAKEN DE ASSIS. 24 Vide arts. 127, 129, 134 e 194 da CF/88; arts. 81 e 82 do CPC; arts. 63 e 64 do CPP. 25 MINISTÉRIO PÚBLICO: LEGITIMAÇÃO PARA PROMOÇÃO, NO JUÍZO CÍVEL, DO RESSARCIMENTO DO DANO RESULTANTE DE CRIME, POBRE O TITULAR DO DIREITO À REPARAÇÃO: C. PR. PEN., ART. 68, AINDA CONSTITUCIONAL (CF. RE 135.328): PROCESSO DE INCONSTITUCIONALIZAÇÃO DAS LEIS. 1. A alternativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa entre a constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade ou revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex tunc faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização da norma da Constituição - ainda quando teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada - subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem. 2. No contexto da Constituição de 1988, a atribuição anteriormente dada ao Ministério Público pelo art. 68 C. Pr. Penal - constituindo modalidade de assistência judiciária - deve reputar-se transferida para a Defensoria Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada: até que - na União ou em cada Estado considerado -, se implemente essa condição de viabilização da cogitada transferência constitucional de atribuições, o art. 68 C. Pr. Pen. será considerado ainda vigente: é o caso do Estado de São Paulo, como
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Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, infra, pode ser vista claramente a
conclusão à qual S. Exa. chegou, brilhantemente, sem restar dúvidas a
respeito do tema:
Estou em que, no Contexto da Constituição de 1988, essa atribuição
deva efetivamente reputar-se transferida do Ministério Público para a
Defensoria Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar
existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do
art. 134 da própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada:
até que - na União ou em cada Estado considerado -, se implemente
essa condição de viabilização da cogitada transferência constitucional
de atribuições, o art. 68 do CPP será considerado ainda vigente. O caso
concreto é de São Paulo, onde, notoriamente, não existe Defensoria
Pública, persistindo a assistência judiciária como tarefa atípica de
Procuradores do Estado.
Isto é o que a doutrina vem chamando de inconstitucionalidade
progressiva do art. 68, do CPP.27 Ou seja, se não houver Defensoria
Pública na Comarca que deverá ser proposta a ação civil ex delicto, o
Parquet terá legitimidade ad causam; apenas e tão-somente nestes
casos.
Portanto, três requisitos se fazem indispensáveis à propositura da
ação por um dos membros do Parquet: i) não haver Defensoria Pública
decidiu o plenário no RE 135.328" (STF, RE nº 147.776/SP, 1ª T., Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. de 19.05.1998). 26 STF, RE nº 135.328/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, j. de 29.06.1994. E, ainda, ADIn. 558 de 16.08.1991; TJDF, Acórdão nº 110.359, 2ª Turma Cível, Rel. Des. Adelith de Carvalho Lopes, j. de 19.10.1998; TAPR, Ap. nº 123081500, 1ª Câmara Cível, Juiz Conv. Antônio Renato Strapasson, j. de 10.08.1999 - AC.: 11432 e REsp nº 68.275/MG. 27 "DIREITO PROCESSUAL. CONSTITUCIONAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL EX DELICTO. LEGITIMIDADE. CPP, ART. 68. INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA DECLARADA PELO STF. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. 1. Apesar da Constituição Federal de 1988 ter afastado, dentre as atribuições funcionais do Ministério Público, a defesa dos hipossuficientes, incumbindo-a às Defensorias Públicas (art. 134), o Supremo Tribunal Federal consignou pela inconstitucionalidade progressiva do CPP, art. 68, concluindo que 'enquanto não criada por lei, organizada - e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação - a Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código de Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista' (RE nº 135.328-7/SP, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 01.08.94). 2. Precedentes do STF e do STJ. 3. Embargos rejeitados" (STJ, EREsp nº 232.279/SP, Corte Especial, Rel. Min. Edson Vidigal, j. de 01.07.2003). No mesmo sentido, v. STJ, REsp nº 475.010/SP.
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instalada na Comarca; ii) o dano civil resultante do crime e, iii) a
pobreza da vítima. Faltando um desses requisitos, não poderá então o
mesmo atuar no pólo ativo da ação.
2.2. Legitimidade Passiva
Possuirá legitimidade passiva, na forma do artigo 64 do Código de
Processo Penal,28 o autor do crime e, se for o caso, o responsável civil.
Podem, portanto, figurar no pólo passivo da ação os pais,29 por
eventuais danos que seu filho possa vir a causar a terceiros; o patrão,30
por atos praticados por seu empregado; os sindicatos,31 em decorrência
de atos praticados por grevistas; os donos de animais;32 os Bancos;33 o
condomínio;34 enfim, qualquer pessoa pode responder pelos danos. É
importante ressaltar que o responsável civil só poderá figurar no pólo
passivo de um futuro processo de execução, se tiver feito parte no
processo-crime.
O casal não responde solidariamente pelos atos ilícitos praticados
por apenas um deles,35 podendo, numa execução, o cônjuge utilizar-se
dos embargos de terceiro,36 a fim de resguardar a sua meação.37
E, por fim, a obrigação decorrente do delito civil se transmite aos
herdeiros intra vires, ou seja, dentro das forças da herança (art. 5º, XLV,
da CF/88).38
28 ) Art. 64 do CPP: "Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil". 29 RT 589/201, 373/161, 559/203, 765/371, 118/250, 110/88, 566/219, 625/110, 430/115, 523/92 etc, in, Stoco, Tratado..., cit. 30 RT 575/277, 715/258, 577/158, 122/59, 590/150 etc. Em sentido contrário, RT 110/174 e 667/107, in, Stoco, Tratado..., cit. 31 JTJ-LEX 190/248 e RT 731/253, in, Stoco, Tratado..., cit. 32 RT 599/137, 641/182, 719/160, 508/122, 520/202, 523/239, 508/193, 713/205, 727/274, 764/268 etc., in, Stoco, Tratado..., cit. 33 RT 481/130, 547/190, 601/61, 543/78, 552/60, 596/136, 779/351, 577/90, 676/151, 495/144, 575/224, 571/100, 741/219 etc. 34 RT 530/212, 489/89, 648/120, 737/382, 667/199 etc, in, Stoco, Tratado..., cit. 35 Art. 226, § 5º, CF/88. 36 Art. 1.046 do CPC. 37 FELIPETO, Rogério, Op. cit., p. 64. 38 ASSIS, Araken de. Eficácia civil da sentença penal. 2ª ed. São Paulo: RT, 2000, p. 73.
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2.3. Competência na Ação Reparatória
Dispõe o artigo 100, V, a, do Código de Processo Civil, que o foro
competente para julgar as ações de reparação do dano é o do lugar do
ato ou fato. Já o parágrafo único do mesmo artigo trata da hipótese
decorrente de delito ou acidente de veículos, declinando da competência
para o domicílio do autor ou do local do fato.
Segundo ARAKEN DE ASSIS,39 "a regra do forum comissi delicti
busca 'economia de movimentos para eventuais exames, perícias ou
vistorias'; parte da premissa de que o autor dessa espécie de demanda
logrará êxito, privilegiando-o; e alvitra que elemento diverso de fixação
da competência tornaria 'muito difícil' o ressarcimento". Merece aplausos
esta regra de competência por ter feito valer o princípio da economia
processual, além de propiciar às partes um julgamento muito mais
eficaz.
2.4. Prescrição da Ação Civil
Com relação à prescrição contra o Estado, dispõe o artigo 1º do
Decreto nº 20.910/32 que "as dívidas passivas da União, dos Estados e
dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a
Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza,
prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual
se originarem". Entre particulares, o prazo era o vintenário. Fica então a
grande dúvida com relação ao caso em que a vítima, ainda aguardando
a sentença do processo criminal transitar em julgado, e tendo então um
título executivo judicial,40 dá início à execução; porém, após cinco anos
contados da data do ato ou do fato. O Superior Tribunal de Justiça
então, para dirimir a controvérsia, tem decidido em seus arestos que o
termo inicial para efeitos de prescrição não é o dia da ocorrência do fato
39 Eficácia..., cit., p. 74. 40 Art. 584, II, CPC: "São títulos executivos judiciais: II- a sentença penal condenatória transitada em julgado".
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ilícito e danoso, porém, o de quando ocorreu o trânsito em julgado da
sentença criminal.41
Destarte, duas normas e princípios devem ser interpretados de
modo coerente, harmônico, com resultado útil,42 ou seja, no sentido de
que a vítima não pode ser obrigada a aforar a ação civil dentro dos cinco
anos do fato criminoso. Trata-se de questão de puro bom senso. Como é
que seria possível negar o direito a indenização com base na prescrição
do fato, uma vez que a pessoa é detentora de um título executivo
judicial? Pensar de maneira diferente seria, simplesmente, absurdo.
Assim, a pretensão da vítima nasce a partir do trânsito em julgado da
ação penal.
Já com relação aos particulares, trouxe o Código Civil de 2002
importante norma neste sentido, que, no seu art. 200, tem a seguinte
redação: "quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no
juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença
definitiva". Com efeito, cabe aqui ressaltar que o prazo prescricional
para a reparação civil foi reduzido para três anos, ex vi do disposto no
art. 206, § 3º, V, do mesmo diploma legal.
2.5. Alguns Aspectos Polêmicos
Assim como todo ramo do direito, a actio civilis ex delicto não foge
à regra e possui vários pontos polêmicos, onde há divergência, tanto na
doutrina, como na jurisprudência, merecendo ser analisada
minuciosamente, para que as dúvidas a seu respeito possam ser
dirimidas.
O primeiro deles é com relação ao parágrafo único do artigo 64 do
Código de Processo Penal,43 ao conferir ao juiz de direito a faculdade, e
não obrigatoriedade, de suspender a ação civil enquanto a ação penal
41 Nesse sentido, STJ, REsp nº 302.165/MS, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, j. de 05.04.2001. E, ainda, REsp nº 302.579/SE e 279.086/MG. Em sentido contrário, REsp nº 8.273/SP. 42 Conjugação do art. 63 do CPP, 935 do CC/2002 e 584, II do CPC. 43 Art. 64 do CPP: "Sem prejuízo... parágrafo único: Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela".
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estiver em curso. Portanto, a suspensão do feito civil, quando em curso
ação penal versando sobre o mesmo substrato fático, encerra mera
faculdade,44 segundo critério de conveniência, havendo meios
processuais que asseguram a possibilidade de, caso proclamado, em
sede criminal, juízo de certeza quanto à autoria e à materialidade, fazê-
lo prevalecer sobre eventual pronunciamento decisório conflitante,
proferido na esfera cível. O art. 110 do CPC diz que o juiz pode
sobrestar o andamento do processo até que se pronuncie a justiça
criminal, tendo ainda, no seu parágrafo único, a condição de exercer a
ação penal no prazo máximo de trinta dias, sob pena de cessar o efeito
deste. A nosso ver, o juiz deve, sempre que estiver na dúvida,
suspender a ação civil, para não correr o risco de haver decisões
contraditórias.
Vale ainda lembrar que o art. 265, § 5º, do CPC deixa bem claro
que o período de suspensão não pode exceder o prazo de um ano,
devendo o juiz dar prosseguimento ao processo, após o fim do prazo.
O segundo ponto a ser discutido diz respeito à prisão civil na ação
civil ex delicto. Como é sabido, no Brasil só é cabível prisão civil por
dívida nos casos de depositário infiel e ao devedor de pensão
alimentícia.45 Logo, por um grande espaço de tempo, foi debatido o tema
que diz respeito à prisão civil por inadimplemento de gênero alimentício,
em sede de ação civil ex delicto. Sem dúvida alguma ela não é cabível,
por ser instituto próprio do direito de família, e não das ações de
indenização.46
44 AÇÃO CIVIL - JULGAMENTO DE AÇÃO CRIMINAL - SUSPENSÃO DO PROCESSO - FACULDADE DO JUÍZO - O SOBRESTAMENTO DE AÇÃO CÍVEL, ATÉ POSTERIOR JULGAMENTO DE FEITO CRIMINAL, É MERA FACULDADE CONCEDIDA AO MAGISTRADO, O QUAL, NÃO VISLUMBRANDO RELEVÂNCIA EXTREMA QUE O JUSTIFIQUE, HÁ QUE DETERMINAR O PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO" (TAMG, AI nº 127.884-0, 5ª Câmara Cível, Rel. Juiz Aloysio Nogueira, j. 25.11.1991). No mesmo sentido, STJ, REsp nº 33.200/SP e 61.370/SP, e TAMG, Ap. 287.069-5. 45 Art. 5º, LXVII, da CF/88. 46 AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ATO ILÍCITO. PENSÃO CONCEDIDA EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PRISÃO CIVIL. INADMISSIBILIDADE. FALTA DE PEDIDO DO CREDOR. DECISÃO EXTRA PETITA. 1. A prisão civil é instituto excepcionalíssimo e deve ser reservado exclusivamente para o devedor de pensão alimentícia decorrente do direito de família e ao depositário infiel. 2. A pensão fixada em antecipação de tutela concedida na ação de indenização por ato ilícito não se insere no quadro de direito de família, sendo inadmissível a cominação de prisão civil.
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A seguir examinaremos prazo recursal do Ministério Público na
actio civilis ex delicto. Pela regra do art. 188 do CPC, o Ministério
Público tem prazo em dobro para recorrer, mas somente nas suas
funções ordinárias (parte e fiscal da lei), que não é o caso quando atua
como substituto processual na ação civil ex delicto, exercendo nesse
caso função extraordinária, de mais que fica então no ar dúvida com
relação ao prazo para recorrer. Entendemos que, se o Ministério Público
está exercendo essa função em face de falhas, ou até mesmo por não
existir defensoria pública no local, e já que esta dispõe de prazo em
dobro,47 seria uma insensatez tamanha não gozar o Parquet da mesma
prerrogativa.48
3. A cominação é agravada pela falta de pedido do credor, tornando a decisão viciada por ser extra petita. 4. Justamente por não ser direito de família a pensão devida ex delicto, é que não se admite justificação da impossibilidade de adimpli-la. 5. Agravo de instrumento conhecido, acolhida a preliminar e negado provimento quanto ao mérito" (TAMG, AgI nº 275.457-4, 2ª Câmara Cível, Rel. Juiz Caetano Levi Lopes, j. de 01.07.1999). E, ainda, HABEAS CORPUS - PRISÃO CIVIL - ALIMENTOS - INDENIZAÇÃO - ATO ILÍCITO - É manifesta a ilegalidade da prisão civil determinada pelo inadimplemento da obrigação de caráter alimentar decorrente de ação indenizatória ex delicto, tornando-se imperativa a concessão de Habeas Corpus, em face do constrangimento ilegal sofrido pelo devedor" (TAMG, HC nº 200.983-8, 2ª Câmara Criminal, Rel. Juíza Myrian Saboya, j. de 08.08.1995). 47 Nesse sentido, TJDF, acórdãos nº 109.050 e 124.249; e TAMG, Ap. 263.077-5 e 241.419-9. 48 Entendendo não gozar do prazo em dobro: "INDENIZAÇÃO - ATO ILÍCITO - MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMATIO AD CAUSAM RECURSO - PRAZO - VOTO VENCIDO - O PRAZO RECURSAL EM DOBRO, PREVISTO NO ART. 188 DO CPC, APLICA-SE AO MINISTÉRIO PÚBLICO, A QUALQUER TÍTULO COM QUE EXERÇA SUA FUNÇÃO, SEJA COMO PARTE, SEJA COMO FISCAL DA LEI. V. V. - NÃO GOZA O MINISTÉRIO PÚBLICO DE PRAZO EM DOBRO PARA RECORRER, QUANDO AGE COMO SUBSTITUTO PROCESSUAL DA PARTE, SOB PENA DE OFENSA AO PRINCÍPIO QUE ASSEGURA A IGUALDADE DOS LITIGANTES (JUIZ MARINO COSTA). - NÃO TEM O MINISTÉRIO PÚBLICO LEGITIMIDADE PARA FIGURAR NO PÓLO ATIVO DA AÇÃO CIVIL INDENIZATÓRIA EX DELICTO, QUANDO NECESSITADO ECONOMICAMENTE O TITULAR, PORQUANTO NÃO SE INCLUI DENTRE SUAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS A DE SUBSTITUTO PROCESSUAL DA PARTE, COMPETINDO A DEFENSORIA PÚBLICA O PATROCÍNIO DOS INTERESSES INDIVIDUAIS DISPONÍVEIS. V. V. - É O MINISTÉRIO PÚBLICO PARTE LEGÍTIMA PARA PROPOR, NA QUALIDADE DE SUBSTITUTO PROCESSUAL, AÇÃO INDENIZATÓRIA EX DELICTO, OBJETIVANDO O RESSARCIMENTO DE DANO CAUSADO A PESSOA NECESSITADA, POR CONSTITUIR FUNÇÃO COMPATÍVEL COM SUA FINALIDADE, SEGUNDO A MELHOR EXEGESE DO ART. 129, IX, DA CF, NÃO SE TRATANDO DE ATRIBUIÇÃO INSTITUCIONAL PRIVATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA, NOS TERMOS DO PARÁGRAFO 1º DO CITADO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL (JUÍZES LOPES DE ALBUQUERQUE E ALOYSIO NOGUEIRA" (TAMG, EInfrs. nº 154.005-8, 5ª Câmara Cível, Rel. Juiz Lopes de Albuquerque, j. de 28.04.1994).
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Por fim, o quarto e último tema polêmico ora escolhido por nós diz
respeito à possibilidade ou não do Parquet de, em caso de procedência
da pretensão da actio civilis ex delicto, fazer jus a honorários
advocatícios.49 Por força do artigo 128, § 5º, II, a, da Constituição de
1988, ao Ministério Público é vedado "receber, a qualquer título e sob
qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais. Por
outro lado, a alínea b desse mesmo inciso veda o exercício da
advocacia. Ora, se o Parquet pode "advogar" para os pobres, por que é
que ele não pode receber os honorários advocatícios? Quer dizer então
que ele vai trabalhar de graça? No nosso modesto ver, se a defensoria
pública tem direito a receber tal verba, o Ministério Público também. Na
nossa opinião, o eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, data
maxima venia, equivocou-se no julgamento de um caso como este,
entendendo ser incompatível com o art. 23 da Lei 8.906/94, entendendo
S. Exa. que a verba honorária é destinada tão-somente aos advogados.50
Entretanto, no agravo regimental em agravo de instrumento nº
189.430/SP, do STF, que teve como relator o eminente Ministro
Sepúlveda Pertence, ficou entendido que o simples fato de o acidentado
ser representado por membro do Ministério Público não dispensa o
pagamento de honorários advocatícios, "devidos à entidade estatal
mantenedora da instituição".51 Como já ressaltado, comungamos desta
opinião.
49 Importante chamar a atenção, aqui, para o fato de que apenas os advogados e os médicos têm direito aos chamados "honorários". Sendo assim, a Instituição do MP terá direito a uma verba compensatória pelo trabalho desenvolvido naquele processo, mas que não pode ser intitulada de honorários. 50 "EM CASO DE PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO AJUIZADA EM AÇÃO CIVIL "EX DELICTO" PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, ILEGÍTIMA A CONDENAÇÃO DO VENCIDO AO PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, TENDO EM VISTA QUE, POR DEFINIÇÃO LEGAL (ART. 23 DA LEI 8.906/1994), OS HONORÁRIOS SÃO DESTINADOS TÃO-SOMENTE AO ADVOGADO" (STJ, REsp nº 34386/SP, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. de 24.03.1997). 51 São citadas ainda no voto as súmulas do STF de nº 234 e 450, e os RE nº 105.566 e 111.924.
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3. EFICÁCIA CIVIL DA SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA
Neste item trataremos dos efeitos da sentença penal absolutória
no âmbito do direito civil; sua repercussão, eficácia, validade etc.
Passaremos agora à análise das diversas formas pelas quais o juiz
de direito poderá absolver o réu, seja por estar provada a inexistência
do fato, seja por não constituir o fato infração penal etc. Esta é uma fase
de extrema importância do processo penal, pois dependendo de como o
réu for absolvido, produzirá ou não efeitos na esfera cível. É muito
comum os advogados recorrerem das decisões de 1ª instância para
"obter a modificação do fundamento legal quando preenchido o
necessário pressuposto do recurso (eventual prejuízo em tese) que lhe
confere legítimo interesse. Assim, por exemplo, se absolvido por
insuficiência de prova (art. 386, II, IV, VI do CPP), pode pretender o
reconhecimento da inexistência do fato, diante dos efeitos diversos
dessas decisões quanto à responsabilidade civil (arts. 65 a 67 do
CPP)".52
Portanto, conforme seja a natureza e a fundamentação da
sentença penal, é que, aí sim, poderemos saber o valor que terá no
cível.
3.1. Sentença Fundada na Inexistência do Fato
Ministra o art. 386, I, do CPP que será absolvido o réu, quando o
juiz reconhecer a inexistência do fato.53
Assim, quando o réu for absolvido no juízo criminal por este
fundamento, não haverá repercussão alguma na jurisdição civil,
obrigando-se assim este juiz a indeferir a inicial e extinguir o processo
sem julgamento do mérito, uma vez que se trataria de pedido
52MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal interpretado, 8ª ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 851. 53 Conjugação dos art. 66 do CPP e 935 do CC/2002. "E, nesta desagradável contingência, a ação civil se inviabiliza, pois o fato ilícito, que compõe sua causa de pedir, 'indiscutivelmente' não existe!" (Eficácia..., p. 102).
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manifestamente inepto, diante da decisão absolutória ao fundamento de
inexistência do fato, pois, se o fato não existiu, não pode gerar então
efeito algum. Assim também se manifestaram, ARAKEN DE ASSIS54 e
MIRABETE.55
A jurisprudência também tem-se posicionado neste sentido.56
3.2. Sentença Fundada na Falta de Prova da Existênc ia do Fato
Modalidade presente no art. 386, II, do CPP, que não exclui o
dever do réu de indenizar a vítima, pois não se trata de inexistência do
fato, e, sim, de falta de prova da existência do fato. Nessa hipótese,
segundo MIRABETE, "embora com indícios da ocorrência do ilícito se
54 "E, nesta desagradável contingência, a ação civil se inviabiliza, pois o fato ilícito, que compõe sua causa de pedir, 'indiscutivelmente' não existe!" (Eficácia..., p. 102). 55 "Evidentemente, nessa hipótese não pode ser proposta a ação civil pelo fato imputado ao réu absolvido, pois no juízo penal ficou reconhecido que ele não ocorreu" (Código..., p. 239). 56 INDENIZAÇÃO - ATO ILÍCITO - RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL - CONTESTAÇÃO - PRECLUSÃO - DESPACHO SANEADOR - LEGITIMATIO AD CAUSAM - TESTEMUNHA - SUSPEIÇÃO - EMBORA OS JUÍZOS PENAL E CÍVEL TENHAM OBJETIVO COMUM, QUAL SEJA, O RESTABELECIMENTO DO DIREITO VIOLADO, A AÇÃO PENAL VISA A APLICAÇÃO DE PENA OU MEDIDA DE SEGURANÇA AO INFRATOR, COM A FINALIDADE ESPECÍFICA DE ASSEGURAR A PAZ SOCIAL, ATINGINDO A SANÇÃO, DIRETAMENTE, A LIBERDADE E HONRA DO ACUSADO, ENQUANTO QUE A DENOMINADA AÇÃO CIVIL EX DELICTO ENSEJA A PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO MATERIAL À VÍTIMA PELOS DANOS SOFRIDOS, MEDIANTE CONSTRIÇÃO MERAMENTE PATRIMONIAL E QUE SE MOSTRE CAPAZ DE RESTITUIR O OFENDIDO AO STATU QUO ANTE, DA FORMA MAIS ADEQUADA POSSÍVEL. - A responsabilidade civil é independente da penal, e, desde que o juiz criminal não tenha reconhecido, categoricamente, a inexistência material do fato, há licitude em promover pretensão indenizatória no juízo cível. - O fato de um dos encarregados da empresa em que ocorreu o acidente não haver integrado a ação penal movida contra o dono da firma não o afasta do pólo passivo da demanda indenizatória, porquanto sua responsabilidade na produção do evento danoso poderá ser aferida quando da sentença final, a ser proferida no processo de ressarcimento de danos. - Incumbe ao réu, na relação processual, apresentar no momento adequado todas as razões de fato e de direito com que impugna o pedido, sendo vedado debatê-las posteriormente, face aos efeitos da preclusão. - É defeso a parte devolver ao Tribunal, mediante agravo, matéria objeto de Despacho Saneador que não foi impugnado na devida oportunidade processual, o que não impede, entretanto, que o juiz reaprecie a legitimidade ad causam das partes, por se tratar de questão cujo exame não preclui para o julgador. - A oitiva de testemunha impedida, na qualidade de informante, é faculdade outorgada pala lei processual ao julgador, que poderá não a utilizar, segundo seu prudente arbítrio e se considerar sua prescindibilidade ao contexto probatório existente nos autos (TAMG, AgI nº 223367-2, 3ª Câmara Cível, Rel. Juíza Jurema Brasil Martins, j. de 13.11.1996). Ainda, no mesmo sentido, as apelações do TAMG, que tiveram como relatora a Juíza Jurema Brasil, nº 287.069-5 e 247.569-8. Também com mesmo entendimento, o STF, em RTJ 52/136).
17
tenha instaurado a ação penal, não ficou comprovada cumpridamente
sua materialidade".57
ARAKEN DE ASSIS, citando PONTES DE MIRANDA, ensina que
"nenhuma decisão de cognição incompleta atua no cível", fazendo
menção, claro, a este inciso. E mais, que "nada influi quanto à
existência do fato, apurável, mediante a apropriação de provas novas ou
de outra avaliação do acervo, na demanda reparatória; e vincula,
positivamente, no concernente à autoria (art. 1.525, segunda parte, do
Código Civil), que não se encontra descartada nesta espécie de
sentença, porque, tivesse sido apurado o não envolvimento do réu com o
delito, o juízo absolutório assentaria, tecnicamente, no inciso IV".58
Portanto, se a absolvição do réu se der com fulcro neste inciso, as
portas da jurisdição civil estarão abertas à vítima para exercer a sua
pretensão reparatória.
3.3. Sentença Fundada na Inexistência de Infração P enal
O art. 386, III, do CPP prevê como hipótese absolutória não
constituir o fato infração penal. "No caso de haver prova de existência
do fato, mas não estar ele subsumido a qualquer figura penal, a
absolvição se impõe".59 São exemplos dados por JULIO FABRINI
MIRABETE,60 "a hipótese de se concluir por fraude civil em acusação de
estelionato; de se verificar que a vítima de sedução já tinha mais de 18
anos na época do fato etc.
Como bem apontou ARAKEN DE ASSIS,61 citando FREDERICO
MARQUES, "o inciso supõe ter a denúncia descrito, com foros de
razoabilidade, fato típico penal, chegando, assim, à fase agora
considerada e superando a rejeição liminar (art. 43, I, do CPP)".
57 Op. cit., p. 847. 58 Op. cit., p. 104. 59 Mirabete. Código..., cit., p. 847. 60 Processo Penal, 12ª ed., São Paulo: Atlas, 2001, p. 459. 61 Op. cit., p. 104.
18
Continuando com as explicações do processualista gaúcho, "no
caso do art. 386, III, haja vista a diversidade inumerável de situações,
resultante da multiplicidade e desarmonia dos elementos normativos dos
tipos penais, a demanda reparatória se abre ao lesado: fato não
caracterizado como infração penal pode, perfeitamente, conter todos os
elementos do suporte fático do ilícito civil".62
Corroborando este entendimento, o preceito do artigo 67, III, do
CPP, assim dispõe.63
Sendo assim, a absolvição criminal, por não constituir crime o fato
imputado ao réu, não exclui a responsabilidade civil, pois o fato poderá
ser civilmente ilícito.64
3.4. Sentença Fundada na Inexistência de Prova de o Réu ter
Concorrido à Infração Penal
O art. 386, IV, do CPP permite a absolvição, se não existir prova
de ter o réu concorrido para a infração penal. Nesta quarta modalidade,
no caso de ser reconhecido que o réu não concorreu para a infração
penal, não ficará impedida a vítima de ajuizar a ação reparatória.
Embora a modalidade descrita neste inciso possa parecer bastante com
a do inciso I, há notória diferença entre elas, pois esta diz respeito à
inexistência do fato, enquanto aquela, à inexistência de prova de o réu
ter concorrido à infração penal, ressaltando que, neste caso, inexiste
prova e, no caso de serem elas insuficientes, estaríamos tratando então
de absolvição pelo inciso VI.
Neste presente caso, "três hipóteses calham ao inciso: primeira, o
acusado logra provar a alegação de negativa da autoria, através de álibi
convincente; depois, a acusação deixa de reunir prova suficiente da
62 ASSIS, Araken. Eficácia..., cit., p. 104. 63 Art. 67: "Não impedirão igualmente a propositura da ação civil; III- a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime". 64 RT 464/265.
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autoria; e, por fim, a imputação de co-autoria, irrogada ao réu, não se
respalda na prova".65 Continua ainda lembrando que "exceção feita à
primeira, que, no regime do art. 1.525, segunda parte, do Código Civil,
trancaria a ação civil contra o mesmo réu, em virtude da
incontrovertibilidade da autoria, as outras situações tornam irrelevante o
pronunciamento penal no julgamento da demanda reparatória".66
Na jurisprudência, este também é o entendimento,67 principalmente
neste recente julgado do STJ,68 no que diz respeito ao dever do réu da
ação penal de indenizar a vítima.
3.5. Sentença Fundada em Circunstância Excludente d o Crime ou
Isentiva da Pena
O disposto do art. 386, V, do CPP arrola como hipótese
absolutória a existência de uma circunstância que exclua o crime ou
isente o réu da pena. Apesar de o Código de Processo Penal elencar os
artigos pertinentes a esse respeito, foram estes modificados com a
reforma da parte geral do Código Penal, passando então a ter novos
dispositivos: "a) exclusão da ilicitude (justificativas), constante do art. 23
do CP (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do
dever legal ou exercício regular de direito); b) exclusão do dolo, seja por
erro sobre os elementos do tipo (art. 20, caput, primeira parte, do CP),
seja em decorrência das discriminantes putativas (art. 20, § 1º, primeira
parte do CP); e c) exclusão da culpabilidade, prevista no art. 22 (coação
irresistível e obediência hierárquica), no art. 26, caput (inimputabilidade
65 Eficácia..., cit., p. 105. 66 Eficácia..., cit., p. 105. 67 RT 762/596 e 526/325, e RTJ 74/663, in, MIRABETE, Julio Fabrini. Código..., cit., p. 848. 68 "RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRABALHO. DECISÃO CRIMINAL ABSOLUTÓRIA QUE NÃO NEGOU A AUTORIA E A MATERIALIDADE DO FATO. INEXISTÊNCIA DE CULPA DOS RÉUS NA ESFERA CRIMINAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO CIVIL. PRECLUSÃO INEXISTENTE. AFERIÇÃO DE CULPA NO ÂMBITO CÍVEL. POSSIBILIDADE. - A sentença criminal que, em face da insuficiência de provas da culpabilidade dos réus, proprietário e encarregado geral da empresa onde houve acidente de trabalho, os absolve com base no art. 386, IV, do CPP, sem negar a autoria e a materialidade do fato, não gera a preclusão da discussão da culpa da pessoa jurídica de que possa decorrer eventual responsabilidade civil" (STJ, REsp nº 171.682/SP, 4ª T., Rel. Min. César Asfor Rocha, j. de 29.05.2001).
20
por doença mental, desenvolvimento mental incompleto e retardado), no
art. 28, § 1º (embriaguez fortuita completa), todos do Código Penal".69
Passaremos agora, para termos uma visão melhor a respeito das
excludentes acima, estudar uma a uma, na visão da doutrina e da
jurisprudência.
3.5.1. Estado de necessidade
Diz-se em estado de necessidade a pessoa que, para salvar um
bem jurídico seu ou alheio, sacrifica o de outrem. Para melhor
ilustrarmos este caso, tomemos como exemplo A, dono de um automóvel
devidamente estacionado na rua, B, trafegando normalmente por esta
rua em seu carro, e C, pedestre que atravessava por esta rua. Para
evitar uma colisão com C, ou seja, que ele seja atropelado, B abalroa
seu veículo no automóvel de A. Em vista destes fatos, B terá de
indenizar A, mas com direito de regresso em face de C, tendo em vista
que ele estava fora da faixa de pedestres. Foi feita, neste caso, a
combinação dos artigos 188, II, 929 e 930 do Código Civil/2002.70
Portanto, embora a lei declare não ser ilícito o ato praticado em
estado de necessidade, sujeita seu autor a reparar o prejuízo causado.71
Ordinariamente, destruir ou deteriorar bens alheios é ato ilícito,
porque a ninguém é dado fazê-lo. Todavia, excepcionalmente, o
legislador entendeu por bem que é lícito destruir coisa alheia, desde que
com o propósito de evitar um mal ainda maior, não devendo, pois,
exceder os limites do indispensável para a remoção do perigo. Todavia,
desde que a vítima não tenha dado causa ao dano praticado por
terceiro, ela terá direito de se ver ressarcida. "Tal solução me parece má
porque desencoraja o herói a praticar o ato capaz de evitar mal maior".72
69 ASSIS, Araken. Eficácia..., cit., p. 106. 70 Correspondente aos arts. 160, 1.519 e 1.520 do CC/1916. 71 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. v. I. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988, n. 152, p. 340. 72 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: responsabilidade civil. v. IV. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989, n. 11, p. 29.
21
Muito pertinente é a observação de ORLANDO SOARES, quando
assevera que "no estado de necessidade, ao contrário da legítima
defesa, a vítima é inocente".73
Como bem disse SILVIO RODRIGUES, "a lei, entretanto, fixa dois
requisitos para que o ato escape à censura da iliceidade. Impõe-se: a)
que as circunstâncias o tornem absolutamente necessário; b) que não
exceda os limites do indispensável para a remoção do perigo".74
Com relação ao dever indenizatório, a jurisprudência tem
entendido ser perfeitamente cabível em casos como este.75
3.5.2. Legítima defesa
Diz-se, em legítima defesa, quem, empregando moderadamente
meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, contra um
bem jurídico próprio ou alheio. Esta excludente de ilicitude está contida
na conjugação dos arts. 188, I, e 1.540 (CC/1916),76 ambos do Código
73 Responsabilidade civil no direito brasileiro: teoria, prática forense e jurisprudência. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, n. 20.2.3., p. 488. 74 Idem, ibidem. 75 "ESTADO DE NECESSIDADE. LICITUDE DA CONDUTA DO CAUSADOR DO DANO. AUSÊNCIA DE CULPA DEMONSTRADA. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO AFASTA A OBRIGAÇÃO REPARATÓRIA (ARTS. 160, II E 1.520, CC. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I - O motorista que, ao desviar de "fechada" provocada por terceiro, vem a colidir com automóvel que se encontra regularmente estacionado responde perante o proprietário deste pelos danos causados, não sendo elisiva da obrigação indenizatória a circunstância de ter agido em estado de necessidade. II - Em casos tais, ao agente causador do dano assiste tão-somente direito de regresso contra o terceiro que deu causa a situação de perigo" (STJ, REsp nº 12.840/RJ, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figuiredo Teixeira, j. 22.02.1994). No mesmo sentido: "RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. SITUAÇÃO DE PERIGO CRIADA POR TERCEIRO. OBRIGAÇÃO DO CAUSADOR DIRETO DO DANO DE INDENIZAR, COM AÇÃO REGRESSIVA CONTRA O TERCEIRO. APLICAÇÃO DO ART. 1.520 DO CÓDIGO CIVIL. Na sistemática do direito brasileiro, o ocasionador direto do dano responde pela reparação a que faz jus a vítima, ficando com ação regressiva contra o terceiro que deu origem à manobra determinante do evento lesivo. Recurso especial conhecido e provido parcialmente" (STJ, REsp nº 127.747/CE, 4ªT., Rel. Min. Barros Monteiro, j. 10.08.1999). E, ainda, REsp nº 234.263/RJ. 76 Artigo este sem correspondência no Código Civil/2002.
22
Civil. Porém, faz-se mister estarem presentes todos os requisitos para
que seja atribuído ao fato a legítima defesa real.
Existem em nosso ordenamento jurídico três espécies de legítima
defesa, a real, a putativa e a de terceiro. Contudo, dependendo de por
qual delas o réu for absolvido na esfera penal, é que saberemos se a
vítima ou, no caso de falecimento desta, o cônjuge, filhos etc., terá ou
não direito a indenização. Na doutrina, há aqueles que entendem que a
legítima defesa de terceiro e a legítima defesa putativa não devem gerar
direito a reparação no cível. No entanto, este não é o nosso
entendimento, pois, como é que se poderia pensar na hipótese de um
terceiro, que não deu causa ao fato, mas teve seu bem jurídico lesado,
não ter direito a justa indenização?
A legítima defesa putativa não exime o réu de indenizar o dano,
pois somente exclui a culpabilidade e não a antijuridicidade do ato.77
O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo ser cabível a
indenização por parte da vítima, nos casos de legítima defesa putativa,78
legítima defesa de terceiro,79 erro de execução,80 e por culpa exclusiva
77 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 6ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1995. 78 "CIVIL. INDENIZAÇÃO. HOMICÍDIO. PENSÃO. DANO MORAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. A SUSPENSÃO DO PROCESSO, NA HIPÓTESE DE QUE TRATA O ART. 110, DO CPC, É FACULTATIVA, ESTANDO ENTREGUE AO PRUDENTE EXAME DO JUIZ, EM CADA CASO, QUE DEVE TER UMA LINHA DE CONTA A POSSIBILIDADE DE DECISÕES CONTRADITÓRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DECISÕES CONTRADITÓRIAS NA ESPÉCIE VERTENTE. Ainda que admitida a tese de legítima defesa putativa, subsistiria a obrigação de reparar o dano, visto não ser caso de exclusão de ilicitude. Julgamento extra petita caracterizado. Pretensão de pensionamento deduzida, em consonância, aliás, com o disposto no art. 1.537, II, do Código Civil, tendo a sentença, chancelada pelo acórdão, determinado o pagamento da indenização de uma só vez. Postulada a apuração e fixação em liquidação por arbitramento, a condenação em quantia certa, quanto ao dano moral, desborda do pedido (STJ, REsp nº 47246/RJ, 3ª T., Rel. Min. Costa Leite, j. 30.08.1994). E, ainda: "RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO CONTRA O ESTADO POR HOMICÍDIO PRATICADO POR ESCRIVÃO CIVIL ATUANDO SIMULTANEAMENTE COMO ESCRIVÃO POLICIAL. RÉU QUE ALEGA LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA. SUSPENSÃO DO PROCESSO COM BASE NO ART. 265, IV, LETRA "a" DO CPC. INADMISSIBILIDADE NA ESPÉCIE (ART. 65, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). AGRAVO PROVIDO. O reconhecimento do erro de fato ou legítima defesa putativa, que isenta de pena o réu na esfera do direito criminal, não exclui a responsabilidade civil de reparar danos causados sem ter havido agressão do ofendido, até porque mesmo a culpa levíssima impõe o dever de indenizar" (TJPR, AgI nº 3122, 5ª Câmara Cível, Rel. Des. Fleury Fernandes, publicado em 21.12.1998). 79 "RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TEORIA OBJETIVA. AÇÃO PRATICADA POR POLICIAL RODOVIÁRIO, NA PRESUMIDA DEFESA DE TERCEIRO. RESULTANTE DE MORTE DE TERCEIRO ESTRANHO AO EVENTO.
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da vítima.81 Já a legítima defesa real, todavia, é excludente de ilicitude
por excelência.82 Por outro lado, quando restar provada culpa
concorrente entre a vítima e o agente do Estado, deverá ser calculado o
valor da indenização, guardadas suas devidas proporções.83
1. Se o agente público, no exercício de suas funções, pratica dano a terceiro não provocador do evento, há do Estado ser responsabilizado pelos prejuízos causados, em face dos princípios regedores da teoria objetiva. 2. O art. 107, da CF de 1969, em vigor na época dos fatos, hoje reproduzido com redação aperfeiçoada pelo art. 37, par. 6º da CF de 1988, adotou a teoria objetiva da responsabilidade civil do Estado, sob a modalidade do risco administrativo temperado. 3. A absolvição de policial rodoviário, no juízo criminal, em decorrência da morte causada por ocasião de ação praticada em legítima defesa de terceiro, não afasta a responsabilidade civil do Estado, se não provar que o acidente ocorreu por culpa da vítima. 4. Passageiro atingido por disparo de arma de fogo em decorrência de ação policial contra motorista de veículo. 5. Independência da responsabilidade civil do Estado em confronto com a criminal, salvo quando no juízo penal se reconhece, via decisão trânsita em julgado, ausência de autoria e de materialidade do delito. 6. A absolvição no juízo criminal não impede a propositura da ação civil, quando pessoa que não concorreu para o evento sobre dano, não tiver culpa. 7. Indenização fixada de acordo com as regras do art. 1.537, do Código Civil, considerando-se os ganhos médios da vítima reduzidos de um terço. 8. Indenização por danos morais cumulada com a relativa aos danos materiais. possibilidade" (STJ, REsp nº 111.843/PR, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, j. de 24.04.1997). 80 "RESPONSABILIDADE CIVIL. LEGÍTIMA DEFESA. "ABERRATIO ICTUS". O AGENTE QUE, ESTANDO EM SITUAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA, CAUSA OFENSA A TERCEIRO, POR ERRO NA EXECUÇÃO, RESPONDE PELA INDENIZAÇÃO DO DANO, SE PROVADA NO JUÍZO CÍVEL A SUA CULPA. NEGADO ESSE FATO PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA, DESCABE CONDENAR O RÉU A INDENIZAR O DANO SOFRIDO PELA VÍTIMA. ARTS. 1.540 E 159 DO CC" (STJ, REsp nº 152.030/DF, 4ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. de 25.03.1998). 81 RESPONSABILIDADE CIVIL. "SURFISTA FERROVIÁRIO". CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. Risco assumido inteiramente pelo "surfista ferroviário", sendo inexigível e até mesmo impraticável nessa hipótese a fiscalização por parte da empresa" (STJ, REsp nº 261.027/RJ, 4ª T., Rel. Min. Barros Monteiro, j. de 19.04.2001). No mesmo sentido, TAMG, Ap. 263.992-7. 82 "RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CRÍTICA PROFISSIONAL AGRESSÕES FÍSICAS DO OFENDIDO. LEGÍTIMA DEFESA. CONCEITO. REQUISITOS. INOCORRÊNCIA NO CASO. ARTS. 160-I, CC E 25, CP. ESTADO EMOCIONAL. REEXAME DOS FATOS DA CAUSA. I - Consoante o art. 160, I do Código Civil, a legítima defesa excluiu a ilicitude do ato, ou seja, a responsabilidade pelo prejuízo causado. II - Nos termos do art. 25 do Código Penal, "entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. III - Portanto, para a caracterização dessa excludente de ilicitude mister a presença dos seguintes requisitos, a saber: a) que haja uma agressão atual ou iminente; b) que ela seja injusta; c) que os meios empregados sejam proporcionais à agressão. A ausência de quaisquer desses requisitos exclui a legítima defesa" (STJ, REsp nº 170.563/MG, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. de 16.03.1999). 83 "RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE EM PONTE DE MADEIRA -FALTA DE SINALIZAÇÃO. HAVENDO CULPA CONCORRENTE, DO MUNICÍPIO - QUE DEIXOU DE SINALIZAR A ESTRADA E A PRÓPRIA PONTE, E DO MOTORISTA QUE SABIA DAS CONDIÇÕES PRECÁRIA DESTA - A RESPONSABILIDADE DEVE SER REPARTIDA EM PARTES IGUAIS, ARCANDO, O MUNICÍPIO COM METADE DOS DANOS APURADOS" (STJ, REsp nº 13.369/MS, 1ª T., Rel. Min. Garcia Vieira, j. de 26.02.1992).
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3.5.3. Estrito cumprimento de dever legal
Há casos em que a lei impõe determinado comportamento, em
face do que, embora típica a conduta, não é ilícita. A sentença penal
absolutória, estribada na discriminante do estrito cumprimento do dever
legal (art. 23, III, do Código Penal), deixa incólume a pretensão civil da
vítima. Lícito que seja o ato, permanece íntegra a referida pretensão
perante o agente: não há regra jurídica civil que exclua, no caso, o dever
de indenizar.84
A propósito, AGUIAR DIAS, citado por ARAKEN DE ASSIS,
exclama: "Que dever legal é, de fato, o que pode causar dano impune?
Compreende-se que isente de responsabilidade criminal, mas dá-lo
sempre como causa da exoneração da responsabilidade civil é
desconhecer o que está assentado na consciência jurídica universal:
todo dano injusto deve ser reparado".85
Apesar de esta modalidade não estar na redação do art. 160, I, do
Código Civil, entendemos ser possível fazer uma analogia, aplicando-se
então o estrito cumprimento de dever legal como excludente de ilicitude,
o qual, conjugado com o art. 1.540 do mesmo texto legal, parece-nos
ficar claro que não seria certo falarmos em indenização, pois apesar de
o fato danoso estar provado, assim como "a relação de causalidade
entre a ação e o dano, o procedimento do agente encontra escusativa
que lhe retira qualificação de ilícito ou o absolve do dever de pagar",86
mas, assim como na legítima defesa e no exercício regular de direito, se
ficar comprovado que houve excesso e abuso de direito, deverá então o
dano ser reparado.
84 Araken. Eficácia..., cit. p. 110. 85 Idem, ibidem. 86 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19ª ed. v. I. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 427.
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3.5.4. Exercício regular de direito
Como o próprio nome já diz, trata-se de exercício, regular, de um
direito, como, v.g., o pai que castiga o filho, a pessoa que em posse de
jóias penhoradas as vende etc., mas sendo vedado o abuso de direito e,
claro, a ofensa a patrimônio de terceiro, assim como na legítima
defesa.87
Conforme disposição do art. 160, I, do Código Civil, não
constituem atos ilícitos os praticados em exercício regular de direito. Na
visão da jurisprudência, o ato, dependendo da forma pela qual foi
executado, poderá88 ou não89 gerar direito à indenização no âmbito civil,
não podendo haver, como já dito acima, abuso de direito. E para
completar, nas palavras do majestoso CARVALHO SANTOS, "o exercício
do direito, embora possa gozar da mais ampla liberdade, não pode ir
além de um justo limite. Por isso que todo direito acaba onde começa o
direito de outrem".90
87 O Novo Código Civil trata em seu art. 187 do abuso de direito: "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". Lembrando que não há no CC/1916 nenhum dispositivo correspondente, mas, a contrario sensu do exercício regular de um direito, já o era admitido pela doutrina. 88 CIVIL E PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. EMPREGADA DOMÉSTICA. SUSPEITA DE FURTO. TRANCAMENTO NO APARTAMENTO. QUEDA DO EDIFÍCIO. SUSPEITA DE SUÍCIDIO. IRRELEVÂNCIA. RESPONSABILIDADE DOS PATRÕES. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. INOCORRÊNCIA. USO IMODERADO DO MEIO. DOUTRINA. RECURSO DESACOLHIDO. I - A relação de trabalho entre patrão e empregada doméstica confere àquele o poder de exigir tão-somente as obrigações decorrentes do contrato de trabalho. Prender o empregado no local de trabalho, sob o argumento de averiguações quanto a eventual ilícito praticado, constitui uso imoderado do meio, nos termos da melhor doutrina. II - O exercício regular de um direito não pode agredir o direito alheio, sob pena de tornar-se abusivo e desconforme aos seus fins. III - O cerceamento ao direito fundamental de ir e vir encontra no ordenamento constitucional hipóteses restritas, não se podendo atribuir ao empregador o poder de tolher a liberdade do empregado, ainda que por suspeita de crime contra o patrimônio (STJ, REsp nº 164.391/RJ, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. de 18.03.1999). No mesmo sentido, STJ, REsp nº 111.843/PR. 89 INDENIZAÇÃO - Danos morais - Responsabilidade civil - Paciente que teve suas trompas extirpadas durante cirurgia cesariana - Alegação de que tal ato acabou por torná-la infértil - Risco de vida iminente e comprovado - Tanto a prova documental quanto a testemunhal confirmam o diagnóstico do médico, bem como a necessidade da intervenção cirúrgica contestada pela autora - Tal conduta, caracterizada como exercício regular de um direito, se impõe pelo dever de salvaguardar a vida da autora, bem maior a ser tutelado - Descabe, portanto, o reconhecimento de responsabilidade civil dos réus pelos danos físico e moral que a autora veio a sofrer - Recurso adesivo não conhecido e recurso principal desprovido. (TJSP, Ap. nº 57.416-4, 7ª Câmara de Direito Privado - Rel. Des. Benini Cabral, j. de 26.08.1998). 90 SANTOS, J. M. de Carvalho. Código Civil brasileiro interpretado, v. III.
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3.6. Sentença Fundada em Insuficiência de Provas
E por último, dispõe o art. 386, VI, do CPP que autoriza a
absolvição do réu quando não houver provas suficientes para sua
condenação. "Refere-se a lei genericamente aos casos em que,
excluídas todas as hipóteses anteriores, não pode ser a ação julgada
procedente por falta de provas indispensáveis à condenação. Assim, é
cabível quando houver dúvida quanto à existência de uma causa
excludente da ilicitude ou culpabilidade alegadas e que, embora não
comprovadas, levam à absolvição pelo princípio in dubio pro reo".91
Nessas condições, fica claro que a sentença do art. 386, VI, não
repercute na demanda reparatória, que poderá muito bem ser proposta.
Concluindo esta parte e, lembrando a independência das
jurisdições civil e penal, não é só porque a sentença penal foi
absolutória que a pessoa não terá o direito de se ver indenizada ou, pelo
menos, de propor ação reparatória no cível. A propósito, na
jurisprudência, este é o entendimento.92 E no que concerne à
independência das esferas penal e administrativa, também há julgados
do STJ neste sentido.93
91 Mirabbete. Código..., cit., p. 849-850. 92 "RESPONSABILIDADE CIVIL. ACTIO CIVILIS EX DELICTO. INDENIZAÇÃO POR ATROPELAMENTO. INCORRETA EXTINÇÃO DO PROCESSO CÍVEL (CPC, ART. 267, V). DECISÃO CRIMINAL ABSOLUTÓRIA QUE NÃO NEGOU A AUTORIA E A MATERIALIDADE DO FATO. CC, ART. 1.525, CP, ART. 91, CPP, ARTS. 65 A 67 E 386, VI, CPC, ART. 584. RECURSO PROVIDO. I. Sentença criminal que, em face da insuficiência de provas da culpabilidade do réu (CPP, art. 386, VI), o absolve sem negar a autoria e a materialidade do fato, não enseja a extinção do processo cível com arrimo no art. 267, V, CPC. II. A absolvição no crime, por ausência de culpa, não veda a actio civilis ex delicto. III. O que o art. 1.525 do Código Civil obsta e que se debate no juízo cível, para efeito de responsabilidade civil, sobre a existência do fato e sua autoria, quando tais questões tiverem sido decididas no juízo criminal" (STJ, REsp nº 23.330/RJ, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. de 24.06.1992). 93 RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. CARÁTER NÃO-ABSOLUTO. ART. 132 CPC. DEMISSÃO. ABSOLVIÇÃO NA ESFERA CRIMINAL. INDEPENDÊNCIA COM A ESFERA ADMINISTRATIVA. REINTEGRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. O afastamento do juiz que participou da fase instrutória, ainda que por motivo de férias, autoriza seja a decisão proferida por seu sucessor/substituto. Inteligência do art. 132 do CPC. Entendimento jurisprudencial pacificado no sentido de que a absolvição criminal por falta de provas não vincula o procedimento administrativo, principalmente no caso, onde o servidor militar foi demitido por motivo de imoralidade da conduta, com base em legislação castrense" (STJ, REsp nº 170.717/SP, 5ª T., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. de 11.06.2001).
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3.7. Outros Casos
Merecem ainda algumas considerações outros casos comuns no
nosso dia a dia. Para não nos alongar ainda mais, optamos por
mostrarmos apenas o lado jurisprudencial destes casos a seguir, que
também não obstam a propositura da ação civil ex delicto: o
arquivamento do inquérito policial,94 a prescrição da ação penal,95 a
inimputabilidade do autor do fato,96 o beneficiário do perdão judicial97 e,
apesar de não termos conseguido encontrar acórdãos que tratasse de
anistia e graça, devem os beneficiários destes institutos indenizar as
vítimas, conforme decisão do STJ ao tratar do indulto98. O sursis, claro,
94 "RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSTRUTORA. DESABAMENTO DE LAJE. - A responsabilidade da construtora não fica excluída apenas porque a vítima ocupava um apartamento na condição de locatário. - O arquivamento do inquérito policial não impede a ação civil de reparação do dano. - Os triênios devem ser considerados, no seu devido tempo, para o cálculo da pensão devida aos dependentes do policial militar" (STJ, REsp nº 276.198/RJ, 4ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. de 14.12.2000). 95 "AÇÃO DE INDENIZAÇÃO, POR DANOS MATERIAIS E MORAIS, POR MORTE DE FILHO MENOR E SEM CAPACIDADE LABORATIVA - RECONHECIMENTO, APENAS, DE DANOS MORAIS - RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE SENTENÇA CRIMINAL CONDENATÓRIA - JUROS COMPOSTOS - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, NO JUÍZO CRIMINAL, EM RAZÃO DA PRESCRIÇÃO - IRRELEVÂNCIA PARA EFEITO DA IMPOSIÇÃO DO DEVER INDENIZATÓRIO - FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO EM SALÁRIO MÍNIMO - PERMISSIBILIDADE. É indispensável a comprovação de que o filho menor trabalhava, ajudando o pai, à percepção de indenização a título de danos patrimoniais, na forma de pensão mensal, sendo, no entanto, devida a indenização a título de danos morais. A sentença que julgar procedente a ação de indenização, decorrente de ilícito penal fará consignar que os juros compostos são devidos desde a data em que o delito foi perpetrado, mesmo em se tratando de responsabilidade do preponente. A extinção da punibilidade, por ter operada a prescrição, não exime a reparação de danos, em face da responsabilidade civil, como efeito da sentença penal condenatória. A fixação de indenização por danos morais em salários mínimos não significa a vinculação vedada no art. 7º, IV da Constituição da República" (TAMG, Ap. 275.523-3, 4ª Câmara Cível, Rel. Juiz Ferreira Esteves, j. de 09.06.1999). 96 "INDENIZAÇÃO DE DANOS POR ATO ILÍCITO. SENDO O AUTOR DO ILÍCITO MENOR INIMPUTÁVEL, RESPONDEM SOLIDARIAMENTE PAI E FILHO, NA ÓRBITA CIVIL, PELA REPARAÇÃO DO DANO CAUSADO A TERCEIRO (ART. 1.521 C.C.)" (TJRS, Ap. nº 598041143, 7ª Câmara Cível, Rel. Des. Maria Berenice Dias, j. de 13.05.1998). 97 "INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - CULPA - PROVA - PERDÃO JUDICIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - SEGURO OBRIGATÓRIO - COMPROVAÇÃO - RESTANDO COMPROVADA NOS AUTOS A CULPABILIDADE CRIMINAL DO RÉU, MESMO TENDO ESTE SIDO BENEFICIADO PELO PERDÃO JUDICIAL, CABÍVEL A RESPONSABILIDADE CIVIL. - A responsabilidade da empresa deve ser reconhecida se o veículo causador do infortúnio era de propriedade daquela e o motorista seu sócio, fazendo presumir autorização expressa daquele. - Admite-se a compensação do total da condenação com a verba recebida pela vítima através do seguro obrigatório" (TAMG, Ap. 239.610-5, 1ª Câmara Cível, Rel. Juiz Paris Pena, j. de 23.09.1997). 98 PROCESSUAL PENAL. RÉU COM BENS INDISPONÍVEIS. INDULTO NATALINO. INTELIGÊNCIA DA EXPRESSÃO "CONDENADO DEFINITIVAMENTE" DO INCISO I DO ART. 8º DO DECRETO N. 1.242/94. POSSIBILIDADE DE O PACIENTE SER INDULTADO E RESSARCIR A VÍTIMA (PREVIDÊNCIA SOCIAL) APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA
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nem mereceria comentários, pois é suspensão condicional da pena, ou
seja, o réu fora condenado, mas obteve este benefício da justiça, e
sendo assim, a vítima, com toda certeza, é possuidora de um título
executivo.
Longe de nossa intenção querer esgotar todos os outros casos não
tratados, mas preferimos nos restringir aos mais comuns e corriqueiros
do nosso dia a dia.
4. IMPLICAÇÃO DE OUTRAS LEGISLAÇÕES NA AÇÃO CIVIL
Apesar de o Direito ser dividido em vários ramos, ter várias
ramificações, e estes divididos em códigos na maioria das vezes, há um
grande número de legislações que se encontram fora destes, são as
comumente chamadas leis esparsas.
Passaremos a uma parte de nosso estudo agora onde iremos
pegar alguns aspectos mais interessantes de cada uma delas, claro
dentro da ação civil ex delicto.
4.1. A Lei 9.099/95 e os Juizados Especiais Crimina is
Os chamados Juizados Especiais99 vieram a tona pela primeira vez
com o advento da Constituição de 1988, no seu art. 98, I, que prevê sua
criação para dirimir conflitos cíveis de menor complexidade e infrações
penais de menor potencial ofensivo. Foi então criado pela Lei 9.099/95
e, desde então, tem sido muito procurado pelos brasileiros em geral.
Porém, nas palavras de ROGÉRIO FELIPETO, "sob o escudo de
CONDENATÓRIA. O indulto não tem o condão de limpar os efeitos civis da condenação. Apenas extingue a punibilidade. Ordem denegada. Ementa da decisão de 17.06.1996: Penal. Indulto. Concessão. Exigência. Ressarcimento do dano. O indulto, como espécie de extinção da punibilidade, deve ser interpretado de forma restrita, estando, assim, sujeito a previsão contida na disciplina específica sobre a necessidade de ressarcimento do dano "ex delicto". Pedido de extensão indeferido (STJ, HC nº 3.355/RJ, 6ª T., Rel. Min. William Patterson, j. de 05.12.1995). No mesmo sentido, RT 730/467. 99 Vale ressaltar a promulgação da Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, passando os crimes de menor potencial ofensivo de 1 para 2 anos (não superior a 2 anos), no seu art. 2º, parágrafo único.
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proporcionar uma justiça mais rápida, renuncia-se ao dever de efetivar a
verdadeira aplicação da justiça, dizendo-se o direito no caso concreto. O
Estado não reconhece a sua incapacidade de saciar as demandas
sociais e cria instrumentos paliativos para aliviar a carga processual. A
Lei 9.099/95, antes de instrumento de justiça, foi recurso de diminuição
estatística de processos, transformando um conflito, uma lide, em
número, olvidando-se os fatores pessoais e sociais que o circundam".100
O primeiro dos institutos que iremos estudar será a composição
dos danos, que se encontra no art. 74 da referida lei. É sempre cabível a
composição civil dos danos,101 mas quando se tratar de ação penal de
iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à
representação, o acordo acarreta a renúncia tácita ao direito de queixa
ou representação. A partir de então, a vítima estará em posse de um
título executivo judicial, e poderá utilizá-lo no juízo cível.
O segundo instituto trazido pela Lei foi a revolucionária transação
penal, contida no art. 76, e que iniciará caso tenha restado frustrada a
composição dos danos, e se tratando de infração penal de menor
potencial ofensivo (art. 61). Trata-se de um acordo - daí o nome
transação - feito entre o MP e o autor do fato, quando a vítima quiser vê-
lo sendo processado, onde será imposto a ele (autor do fato) uma pena
restritiva de direito ou multa, na forma do art. 76.
Contudo, para o nosso estudo, a parte mais importante desse
benefício está no que dispõe o § 6º do dispositivo citado, o art. 76, que
prevê expressamente não ter este dispositivo efeitos civis, cabendo aos
interessados propor ação cabível no juízo cível. Parece-nos muito lógica
esta disposição, uma vez que o transacionado firmou acordo com o
representante do Ministério Público, e não com a vítima. Porém, na ação
reparatória far-se-á necessário a comprovação de culpa do réu.102 Outro
100 Op. cit., p. 95. 101 Apenas danos materiais. Danos morais e estéticos deverão ser cobrados na esfera civil. 102 "RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - PROCESSO CRIMINAL POR LESÕES CORPORAIS TRANSAÇÃO HOMOLOGADA POR SENTENÇA - ART. 76 DA LEI 9.099/95 DIVERGÊNCIA SOBRE A NATUREZA DESSA SENTENÇA - NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA CULPA NO JUÍZO CÍVEL - APELO PROVIDO. Como a responsabilidade civil é independente da criminal e não sendo a sentença homologatória de transação no processo penal, nos termos do artigo 76 da Lei 9.099/95, de natureza condenatória propriamente, faz-se
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fator importante é se o réu não pagar a multa da transação penal, onde
deverá esta ser executada? A resposta vem em arestos do STJ,103 no
sentido de ter de ser promovida execução penal, nos moldes do art. 51
do Código Penal.
O terceiro e último instituto a ser estudado por nós nesta Lei é o
da suspensão condicional do processo (art. 89). Como o próprio § 1º, I,
do referido artigo impõe, será cabível a reparação do dano, salvo
impossibilidade de fazê-lo. O referido § 1º trata das condições do,
comumente chamado pela doutrina, sursis processual, e o § 3º afirma
que a suspensão será revogada se o beneficiário não reparar o dano,
desde que tenha motivo justificável. Portanto, assim como no tradicional
sursis já conhecido por todos, este também não deve ser tratado
diferentemente.
4.2. A Lei 9.714/98 e o Artigo 45 do Código Penal
A Lei 9.714/98, também conhecida pela lei das penas restritivas de
direito, trouxe diversas inovações na parte geral do Código Penal no que
tange à aplicação das penas restritivas de direito ou multas. Neste
nosso estudo, para não nos delongarmos muito, daremos atenção
apenas ao art. 45, § 1º, pois é o que tem a ver com nossa matéria.
Diz o artigo já mencionado que "a prestação pecuniária consiste
no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou (...). O valor
pago será deduzido do montante de eventual condenação de reparação
civil, se coincidentes os beneficiários". Portanto, pela redação final do
artigo, se por ventura A for condenado a pagar multa a B, no julgamento
criminal, de 100 salários mínimos; e no juízo civil, A for novamente
condenado a pagar a B, a importância de 100 salários mínimos, os
valores deverão ser compensados e, assim, A não deverá pagar
novamente os tais 100 salários mínimos a B.
necessário o exame da prova produzida no juízo cível para o reconhecimento da culpa do requerido" (Ap. Cível nº 131083400, 3ª Câmara Cível, Rel. Juiz Domingos Ramina, j. de 09.03.99). 103 STJ, Resp nº 222.061/SP, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, j. de 28.06.2001.
31
4.3. O Caso Fortuito e a Força Maior
Apesar destes institutos não configurarem ação civil ex delicto por
motivos óbvios, ou seja, não existe crime nos casos infra citados,
parece-nos interessante fazer uma breve abordagem sobre o tema, uma
vez que esta obra tem uma grande abordagem na seara da
responsabilidade civil.
Dispõe o art. 393 do Código Civil de 2002 que "o devedor não
responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito, ou força maior, se
expressamente não se houver por eles responsabilizado".104 Passemos
então aos seus conceitos antes de analisarmos alguns casos da
jurisprudência. O caso fortuito é o fato natural, imprevisível ou
inevitável. É fruto do acaso e provém das forças naturais ou de uma
causa cujos efeitos não era possível prever-se ou evitar-se. Assim
constituem caso fortuito: uma tempestade, um incêndio (não provocado
dolosamente), uma enchente, um terremoto etc. Já a força maior seria
um fato previsto ou imprevisível, mas igualmente superior às forças
humanas. É o acontecimento (força da natureza, fato de terceiro) que
não pôde ser previsto nem evitado, e que libera o devedor na
impossibilidade de executar sua obrigação ou exonera o autor de um
dano na impossibilidade de o evitar em proveito de um credor ou do
terceiro vítima de um dano".105
E, também, como já dito por diversas vezes acima, a culpa
exclusiva da vítima é excludente de responsabilidade civil.
Destarte, quando um fato puder ser evitável e não o for, caberá
então indenização por parte da vítima; pois esta é a grande
característica do caso fortuito e da força maior, a sua inevitabilidade.
São casos comuns na jurisprudência a enchente,106 o incêndio,107 o
104 Antigo artigo 1.058 do CC/1916. 105 NÁUFEL, José. Novo dicionário jurídico brasileiro, 3ª ed., v. I, Rio de Janeiro: José Konfino-Editor, 1963, p. 304. 106 "Responsabilidade Civil - Município - Mauá - Indenização por danos causados por enchente - Chuvas acima dos padrões normais, que provocaram inundações - Culpa atribuída ao serviço público municipal, pela inexistência ou má prestação dos serviços de prevenção e contenção de
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roubo em transporte rodoviário108 etc. Muito se discute na doutrina e na
jurisprudência com relação à responsabilidade dos estabelecimentos
bancários, se é objetiva ou subjetiva. Entendemos ser esta subjetiva,
uma vez que, v.g., nos casos de perda do talonário de cheques, o cliente
deve comunicar ao banco, caso contrário estaria agindo com culpa e não
teria direito a ser ressarcido. Continuando, num hipotético caso de não
haver culpa nem do banco, e nem do cliente, quem é que deveria
suportar os danos? J. AGUIAR DIAS, ao analisar este caso, entendeu
que tal prejuízo competia ao banco, por força do risco profissional. Nos
casos de responsabilidade do banco para com terceiros,
responsabilidade aquiliana, ela existe desde que provada culpa do
banco ou de seus funcionários, que então seria a chamada culpa in
eligendo ou também, outra espécie, in vigilando. No caso de cheques
falsos a jurisprudência tem entendido que o banco deve se aparelhar
melhor para evitar este tipo de problema.109
águas do Rio Tamanduateí - Falta de prova quanto ao argumento - Ocorrência, por outro lado, de anormal índice pluviométrico à época da inundação, com decretação de calamidade pública - Causa excludente (caso fortuito/força maior) caracterizada, afastando a obrigatoriedade de indenizar" (TJSP, Ap. nº 75.708-5, 7ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Lourenço Abbá Filho - j. de 31.07.2000). 107 "LOCAÇÃO - DANO NO IMÓVEL - INCÊNDIO - RESPONSABILIDADE DO LOCATÁRIO - DANOS - ALUGUEL ATÉ A DATA DA RETOMADA - PREVISÃO CONTRATUAL - ADMISSIBILIDADE. A responsabilidade pelo incêndio é uma subespecificação de natureza contratual, da obrigação de zelar pelo prédio, que por sua vez decorre da obrigação de restituir. O locatário só se libera provando qualquer espécie de caso fortuito, força maior, vício de construção ou propagação de fogo originário de outro prédio (art. 1.208 do Código Civil). Se os requeridos não contestaram o feito, tem-se por não comprovada a existência de causa exonerativa - Procedência que se impunha. Locação - Incêndio no prédio. Os alugueres são devidos até a data da efetiva desocupação do imóvel, na forma contratada, não cessando com a ocorrência do incêndio que atingiu parte do imóvel, tornando-o impróprio para os fins a que foi locado" (TAPR, Ap. nº 118392000, 4ª Câmara Cível, Rel. Juiz Sérgio Rodrigues, j. de 03/06). 108 "DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSPORTE RODOVIÁRIO. ROUBO OCORRIDO DENTRO DO ÔNIBUS. INEVITABILIDADE. FORÇA MAIOR. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO. I - A presunção de culpa da transportadora comporta desconstituição mediante prova da ocorrência de força maior, decorrente de roubo, indemonstrada a desatenção da ré quanto às cautelas e precauções normais ao cumprimento do contrato de transporte. II - Na lição de Clóvis, caso fortuito é "o acidente produzido por força física ininteligente, em condições que não podiam ser previstas pelas partes", enquanto a força maior é "o fato de terceiro, que criou, para a inexecução da obrigação, um obstáculo, que a boa vontade do devedor não pode vencer", com a observação de que o traço que os caracteriza não é a imprevisibilidade, mas a inevitabilidade" (STJ, REsp nº 264.589/RJ, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. de 14.11.2000). 109 "Cabe ao banco estar aparelhado para detectar falsificações de assinaturas, arcando com os riscos a que está sujeito no desempenho de sua atividade" (TJSP, JTJ-LEX 188/112).
33
Com relação à Súmula 145 do STJ, que diz que "no transporte
desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente
responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em
dolo ou culpa grave", fica então a pergunta no caso de A ser condenado
na esfera penal por lesão corporal ocasionada em B, em face de uma
"carona" dada a este. E no juízo cível, como é que ficaria se fosse
comprovada culpa leve de A? Será então que B, mesmo em posse de um
título executivo poderia ser privado de justa indenização? Em nossa
modesta opinião, entendemos que não, pois estas graduações leve,
grave etc. estão, aos poucos, caindo em desuso e, além disso,
processualmente falando, não seria cabível nos embargos de devedor
discutir esta matéria.
ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS acrescenta que "impede os
efeitos específicos da sentença criminal condenatória, pois a obrigação
de indenizar, dela decorrente, resulta do reconhecimento da existência
de crime, como tal definido em lei, e não dos critérios de apuração de
responsabilidade que advêm da decisão civil".110
5. CONCLUSÕES
Em regra, a responsabilidade civil é independente da
responsabilidade criminal. Entretanto, a materialidade do delito e a
autoria deste, além da ilicitude do ato, uma vez comprovados no Juízo
criminal, fazem coisa julgada também no cível. Regras estas contidas
nos arts. 935 do Código Civil/2002 e 63 a 67 do Código de Processo
Penal.
A vítima pode tanto esperar que a decisão na ação penal transite
em julgado para propor uma execução do título, como ajuizar, desde já,
uma demanda reparatória.
São legitimados ordinariamente, tanto para a liquidação como para
a execução em comento, o ofendido, seu representante legal ou os seus
110 Manual de direito processual civil. v. I. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, n. 804, p. 571.
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herdeiros. A legitimação extraordinária (ou substituição processual) é
atribuída ao Ministério Público, desde que para tanto o órgão seja
provocado pelo prejudicado pobre e o fato seja oriundo de fato delituoso.
No que diz respeito à constitucionalidade do art. 68 do CPP,
entendemos que foi recepcionado em parte pela CF/88.
O simples fato de a sentença penal ser absolutória não fecha as
portas da ação reparatória, conforme foi visto no item 3. A absolvição na
seara criminal não desconstitui, de per si, a responsabilidade civil,
quando, v. g., o fundamento da decisão do juízo penal for a insuficiência
de provas. Por outro lado, se o juiz penal absolve o réu, reconhecendo a
inexistência do fato, evidentemente que as portas da jurisdição civil para
o ressarcimento do dano ficarão fechadas, pois seria estranho que o
juízo criminal negasse e o do cível afirmasse, terminantemente, a sua
existência. As conseqüências dessa divergência seriam desastrosas
para o próprio prestígio da Justiça, gerando enorme insegurança
jurídica.
Quando a ação penal está correndo é mera faculdade do juízo
cível suspender a ação reparatória. Deverá ser suspensa apenas quando
o magistrado sentir que o desfecho daquela irá influir categoricamente
nesta.
As actio civilis ex delicto mais comuns são decorrentes de
homicídio, lesões corporais, calúnia, difamação, injúria, usucapião ou
esbulho e, atualmente, em face dos médicos e dentistas por erros da
profissão.
6. BIBLIOGRAFIA
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