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A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DE 1823:
UM ENSAIO PARA O CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO
Elaine Leonara de Vargas Sodré
UFVJM/Diamantina
elainevsodre@ufvjm.edu.br
Resumo: A Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa de 1823, foi a primeira
experiência parlamentar no Brasil, iniciou seus trabalhos em maio e foi abruptamente
fechada por D. Pedro, em novembro. Os deputados tinham duas tarefas, uma elaborar as
bases da futura legislação; outra, a mais importante, apresentar a primeira constituição
do país. Sobre esta segunda é que se trata este texto. Através de uma análise dos
debates, especialmente do projeto da constituição, objetiva-se compreender qual o
entendimento do constitucionalismo moderno que lá se apresentava. Para isso serão
analisados assuntos como escravidão, liberdade religiosa e separação de poderes
buscando entender como eles estavam sendo entendidos à luz dos conceitos chaves do
constitucionalismo.
Palavras-chave: Estado – Constituição – Direitos
Constitucional, representativo – Falando de forma de governo, confundem-se
entre nós, – mesmo porque não podem deixar de se confundir – os
qualitativos constitucional e representativo: o governo representativo não se
compreende sem constituição, nem o governo constitucional sendo ainda
compreendido sem essa coisa tosca, bruta, dura e informe a que se chama
com sobrada razão representação nacional, como quem diz comédia
nacional.
Brunswick, 1890, p. 311
D. Pedro, na abertura da Assembleia de 1823, assinava “Imperador
Constitucional, e Defensor Perpétuo do Brasil”. Essa confusão que o dicionário
oitocentista indica, marcou o Estado imperial brasileiro, ou pelo menos, marcou sua fase
inicial. Naquele princípio de século, as novidades apresentadas pela Revolução Francesa
ecoavam e eram reapropriadas em diferentes cantos do ocidente, inclusive no Brasil. O
processo de mudança dos antigos Estados Absolutistas para os modernos Liberais não
foi fácil nos velhos países europeus; certamente foi, porém, mais difícil nos novos.
2
Nesse grupo estava o Brasil, que apesar dos séculos de domínio e medidas absolutistas
perpetuadas pelo Estado português, estava diante de um conjunto de novidades. Essa
característica, somada à singularidade da continuidade da administração Bragança,
indicam que construção do Estado seria tarefa complexa. Nessa construção, várias
frentes foram importantes, aqui se pretende apresentar uma delas: A Assembleia
Constituinte de 1823.
Raymundo Faoro disse que “o Brasil entrou no processo constitucionalista pela
porta que a Revolução do Porto abriu” (1985, p. 7). Porta essa, que foi responsável pelo
surgimento de dois parlamentos que transformaram a história do Brasil: as Cortes
Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, de 1821-1822 e a
Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa do Império do Brasil de 1823.1 Neste
texto, o objetivo é analisar quais características gerais teve o constitucionalismo
brasileiro naquele contexto. Para isso, o foco central será análise dos debates em torno
do projeto de constituição que ocorreram na Assembleia Constituinte entre setembro e
novembro de 1823. Antes disso, rapidamente dirigimos o olhar para o outro lado do
Atlântico. A Revolução do Porto, de 1820 transformou a história de Portugal e do
Brasil, aqui apenas um legado dela será apontado, que é a reunião de Cortes para
elaborar uma Constituição e que foi uma de suas principais exigências. Para cumprir
aquela reivindicação, em outubro de 1820 publicou-se as Instruções que regulavam as
eleições dos deputados que formariam as Cortes, prevendo a participação apenas de
portugueses. A ausência de representantes do ultramar gerou alvoroço e as instruções
foram republicadas incluindo a representação de todos os indivíduos da nação
portuguesa. Por esse dispositivo, o Brasil estava legalmente inserido no processo
constitucionalista. Naquele momento, as relações entre Portugal e o Brasil eram
instáveis isso refletiu no processo eleitoral que ocorreu na Península até dezembro de
1820. Contudo, no Brasil apenas em março de 1821, D. João editou o decreto que
regulamentou o processo eleitoral, enquanto isso em Lisboa, a Assembleia estava
reunida desde 26 de janeiro.2
1 Neste texto, para evitar repetição de nomes tão extensos, a primeira poderá aparecer como: “Cortes de
Lisboa” ou “Cortes Portuguesas” e a segunda, como “Assembleia de 1823” ou “Assembleia
Constituinte”. 2 Mais informações sobre as Cortes de Lisboa ver: Berbel: 1999; Bercht: 2014; Carvalho: 2003; Ferreira:
2011; Tasca: 2016.
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A eleição para as Cortes Portuguesas foi a primeira experiência dos brasileiros
com uma eleição representativa. As eleições foram indiretas e em três níveis: freguesia,
comarca e província. Os primeiros deputados brasileiros chegaram a Portugal apenas
em agosto de 1821. Por isso, a participação brasileira foi breve. A atitude da maioria
dos brasileiros foi “apenas manter a coerência de uma posição, que pareceu vantajosa a
seu país, – ou, no começo, à província de cada um em particular” (Cunha, 2003: 198).
Conforme as notícias sobre a eminente separação chegavam a Lisboa, os deputados
aglutinavam-se pela causa nacional, alguns constituintes optaram pela ausência como
forma de evitar conflitos com os portugueses. A partir de agosto de 1822, aumentaram
os requerimentos dos deputados brasileiros pedindo licença para não comparecer às
sessões. Quando da finalização do texto, muitos não quiseram jurar, nem assinar a
Constituição; entre evasivas, somente 36 brasileiros assinaram. Assim foi a participação
do Brasil nas Cortes de Lisboa: rápida e discreta, mas que, apesar disso, serviu de
ensaio para a futura Assembleia Constituinte genuinamente brasileira.
Em 1822, as relações entre Portugual e Brasil eram cada vez piores. As Cortes
de Lisboa aumentaram a pressão pelo regresso de D. Pedro e, em 9 de janeiro, ele
respondeu com o “Fico”. A opção do Regente fortaleceu a causa da autonomia do
Brasil. Nesse contexto, surgiram pedidos para convocação de uma Assembléia
Constituinte. D. Pedro mostrava-se favorável à criação de Cortes Gerais brasileiras para
tratar dos assuntos do país. Num primeiro momento, a Assembléia teria como principal
função “verificar a viabilidade da aplicação ao Brasil da Constituição em elaboração
pelas Cortes, estabelecer as emendas, assim como deliberar sobre as justas condições
em que o Brasil deveria permanecer unido a Portugal” (Costa, 1999, p. 50). Em resposta
às reivindicaçãoes brasileiras, o decreto de 3 de junho mandava: “convocar uma
Assembleia Geral Constituinte e Legislativa composta de Deputados das Províncias do
Brasil, os quais serão eleitos pelas Instruções que forem expedidas” (Coleção de Leis,
1822, p. 19).3 Naquele momento, a Assembléia foi denominada de luso-brasiliense.
Nomenclatura que demonstra não se tratar de rompimento com Portugal. Contudo, as
decisões de Lisboa mudariam o rumo amistoso dessa proposta. A Assembleia quando
instalada, no ano seguinte, já não teria mais luso no nome.
3 Todas as referências à legislação que estiverem neste texto são do acervo digitalizado da “Coleção das
Leis do Império do Brasil”, disponível em http://www2.camara.gov.br/legislacao/publicacoes/doimperio.
No corpo do texto aparecerá indicação do ano e página onde se encontra a referência.
4
As instruções foram publicadas em 19 de junho de 1822 para a eleição dos
deputados. Os eleitores seriam escolhidos em eleições paroquiais e formariam os
colégios eleitorais nos distritos. Após o escrutínio nos distritos, o processo seria
remetido para a Câmara da capital da província que ficaria encarregada da apuração
final. A quantidade populacional definia a proporcionalidade dos candidatos, a cada 100
fogos se indicava um eleitor. Para os deputados, por falta de censo populacional preciso,
foi utilizado o último censo de 1819 e se fez uma divisão provisória partindo do total
considerado ideal (100 deputados) divididos pelas províncias conforme sua população
(Coleção de Decisões, 1822, n. 57, p. 46). O processo eleitoral foi lento e em algumas
províncias não ocorreu. Assim, as 100 cadeiras nunca foram ocupadas “foram eleitos
apenas 90, vários não tomaram assento, 15 foram substituídos, e 5 não tiveram
substitutos” (Rodrigues, 1974, p. 27). Apesar das referências indicarem esses números,
neste texto, serão considerados 88 deputados.4
Vejamos um rápido perfil dos deputados eleitos. Afim de identificar o lugar
social desse grupo, foram usados alguns critérios, um foi analisar quais receberam
títulos nobiliários e ordens honoríficas, chegando a soma desses no mínimo a 35%.
Assim, corrobora a afirmação de Rodrigues de que na Assembleia estava “a elite de
duas classes, isto é, a dos senhores rurais com os grandes latifundiários e fazendeiros, e
a média e superior urbana” (1974, p. 159). Ainda assim, em linhas gerais, pode-se dizer
que era um grupo heterogêneo. O mesmo autor segue seu raciocínio dizendo que “não
sei se terá sido por descrença nas possibilidades revolucionárias da Assembleia que terá
levado os dois maiores radicais da época, Cipriano Barata e Frei Caneca, a não tentarem
nela influir” (1974, p. 159). Realmente, os dois citados não participaram, mas não quer
dizer que fosse uma representação de homens pacíficos, pois havia no mínimo 13
deputados que, em algum momento, participaram de movimentos revolucionários. No
que se refere à profissão, há maior homogeneidade, a soma de magistrados e advogados
chega a um percentual de 44% dos deputados, que é o dobro da segunda maior
corporação que era a dos clérigos. A faixa etária reflete uma Assembleia de anciãos,
4 Este texto é parte da pesquisa de pós-doutorado, em andamento denominada: “Em tempos de
liberalismo, dias de Antigo Regime: Constitucionalismo e Justiça na formação do Estado brasileiro”. O
critério para essa pesquisa foi selecionar aqueles parlamentares que foram diplomados e tomaram assento,
fosse como deputado efetivo, ou como suplente. Essa subdivisão foi desconsiderada para a compilação
dos dados, pois o que interessa é identificar o perfil daqueles que atuaram efetivamente nas atividades
legislativas.
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pois, em 1823, apenas 22% tinham menos de 40 anos, desses aproximadamente 7%
eram mancebos com menos de 30, enquanto cerca de 35% tinham mais de 50.5 Esses
homens entre maio a novembro de 1823 encontravam-se diariamente para exercitar a
função de representantes do povo.
A Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa do Império do Brasil iniciou
seus trabalhos em 17 de abril de 1823 “às 9 horas da manhã, reuniram-se em sessão
preparatória, na Cadeia Velha, os 52 deputados presentes na Corte” (BRASIL, 2015, p.
41). Assim como aquela primeira, mais quatro também foram sessões preparatórias.
Nelas tratou-se de regras e formalidades para o funcionamento da Casa. Na segunda, foi
decidido elaborar um regimento provisório para dar início aos trabalhos. Na sessão
seguinte, 30 de abril a Comissão, entregou o documento com as regras de
funcionamento, e delimitação dos poderes constituintes também se confirmou que em 3
de maio seria a abertura oficial. A quarta sessão foi dedicada ao cerimonial religioso,
comprovando a proximidade do legislativo com a igreja católica. Os deputados foram a
capela para assistir à missa e para prestar juramento. O presidente foi o primeiro e
“igualmente juraram perante o Sr. Bispo, presidente da assembleia, o Sr. Secretário e
mais deputados” (Annaes, t. 1, p. 31).6 Na última das sessões preparatórias definiu-se o
ritual da inauguração com a presença do imperador.
O dia 3 de maio foi “um dia de fausto e gala, e o Paço, a Capela Imperial, e
todos os edifícios das ruas por onde deviam passar D. Pedro e seus acompanhantes
apareceram adornados de brilhantes cortinas de seda de variadas cores” (Rodrigues,
1974, p. 31). Na Assembleia, os deputados se reuniram às 9 horas para esperar “sua
majestade o imperador, para abrir a sessão” (Annaes, t. 1, p. 39) que chegou às
12h35min e foi recebido por uma deputação de 12 membros. D. Pedro imediatamente
proferiu o seu longo e conhecido discurso, que é: uma espécie de memorial dos
acontecimentos que culminaram na separação de Portugal, é uma promessa de
melhorias para o Brasil e é também uma ameaça velada: lembrava que quando foi
5 Do total de 88 deputados foi possível confirmar a idade exata de 66 deles, ou seja, 75%. Outros 9 apesar
de não termos precisão na data de nascimento, sabemos qual período estudaram na Universidade de
Coimbra, assim numa média aproximada foi possível alocá-los nas faixas de idade proposta. Assim,
juntando estes últimos é possível identificar a idade de 85% do grupo. 6 ANNAES do Parlamento brasileiro: Assembleia Constituinte, 1823. Os exemplares aqui utilizados são
do arquivo digital do Senado Federal. Como todos os documentos referem-se ao ano de 1823, no corpo do
texto estará descrito apenas o tomo e a página em que se pode encontrar a referência. Disponível em:
http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/asp/IP_AnaisImperio.asp
6
coroado prometeu “que com a minha espada, defenderia a pátria, a nação e a
constituição, se fosse digna do Brasil e de mim”. Naquele momento, estava ratificando a
promessa e dizendo aos deputados que deles esperava que “me ajudeis a desempenhá-la,
fazendo uma constituição sábia, justa, adequada, e executável, ditada pela razão, e não
pelo capricho” (Annaes, t. 1, p. 41). Após sua conclusão, o presidente da Assembleia
respondeu e finalizou a sessão com vivas, demonstrando um clima amistoso entre
executivo e legislativo.
No discurso de D. Pedro, a função constitucional da Assembleia é enfatizada,
ele dizia que sua convocação foi “para que os brasileiros melhor conhecessem a minha
constitucionalidade” (Annaes, t. 1, p. 41) e que seu desejo era que “esta leal, grata,
briosa, e heroica nação fosse representada numa assembleia geral constituinte e
legislativa” (Annaes, t. 1, p. 42). De fato, o texto constitucional era o produto mais
esperado da Assembleia, mas ela era também legislativa, por isso o projeto da
Constituição ficou sob a responsabilidade de uma Comissão composta por sete
deputados.7 Enquanto a Comissão de Constituição redigia o projeto, a Assembleia
seguia exercendo funções legislativas, essas contabilizaram: o regimento interno, 38
projetos de Lei, 147 propostas e 238 pareceres dos deputados e das comissões
(Rodrigues, 1974, p. 49). Em 1º de setembro o projeto foi apresentado, continha 272
artigos, que apenas os 24 primeiros foram debatidos até o truculento fechamento da
Assembleia.8 Nessa ocasião, o deputado Andrada Machado lembrou a necessidade de
regulamentar os debates “porque a ordem de discussão estabelecida no regimento, não
lhe pode ser aplicável” (Annaes, t. 5, p. 69). Na sessão seguinte, discutiu-se qual a
forma apropriada para enviar uma cópia do projeto ao imperador, não foi uma decisão
consensual, a fala de Henriques de Rezende sintetiza a contrariedade:
Oponho-me que vá por uma deputação, visto que está vencido que se mande
um exemplar, e já não posso opor a isso. Oponho-me à deputação por duas
razões: uma para se não dar esse ar de importância a uma coisa que pode
ainda passar por muitas alterações, e até mesmo ser rejeitada: 2ª, para que se
não entenda que é um ajuste entre a assembleia, e o imperante: porque o
pacto social é entre os habitantes, ou ao menos entre as províncias do Brasil,
7 A Comissão era composta por Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, Antônio Luís
Pereira da Cunha, Francisco Muniz Tavares, José Bonifácio Andrada e Silva, José Ricardo da Costa
Aguiar, Manoel Ferreira Câmara e Pedro de Araújo Lima. 8 O projeto de Constituição estava dividido em 15 títulos, sendo que apenas o Título I: ‘Do território do
Brasil’, com seus 4 artigos foi discutido integralmente. O Título II: ‘Do Império do Brasil’ tinha quatro
capítulos que compreendiam os artigos 5 ao 35. Como a Assembleia foi fechada quando estava discutindo
o artigo 24, apenas o capítulo I - ‘Dos membros da sociedade do Império do Brasil’ foi totalmente
debatido a interrupção ocorreu no capítulo II: ‘Dos Direitos individuais dos brasileiros’.
7
que a isto se havia proposto antes mesmo da aclamação. (Annaes, t. 5, p. 71,
Grifo meu)
Percebe-se que aqueles que eram contrários a enviar uma deputação até o
imperador para lhe entregar a cópia do projeto tinham dois argumentos: o mais
recorrente era a incompletude, pois defendiam que o texto sofreria alterações na própria
Assembleia, por isso não fazia sentido enviá-lo antes de concluído. O segundo ponto, na
verdade, o mais relevante é o da autonomia do legislativo, para Henriques de Rezende o
pacto social era firmado entre a sociedade e a Assembleia, com isso adentramos ao
primeiro tema relacionado aos princípios constitucionalistas, que foi constante nos
debates: o pacto social. A ideia de pacto surgiu com os contratualistas quando
apresentaram “a concepção de que a própria sociedade se funda num pacto, num acordo,
ainda que tácito entre os homens” (Ferreira Filho, 2006, p. 6), ideia essa defendida por
Hobbes e depois, em contraposição a ele, por Locke e Rousseau. O pacto social foi
constante nos debates, pois várias vezes os deputados recorriam a ele para analisar
outros assuntos.
Quando foi discutida a epígrafe do capítulo I: “Dos membros da sociedade do
Império do Brasil. Título II: Do Império do Brasil” vários deputados divagaram sobre
quem eram os brasileiros. Nessa discussão, repetidas vezes foi analisada a composição
da sociedade e por seu turno quem havia acordado o pacto social. A fala do deputado
Montezuma é bastante explicativa:
Eu cuido que não tratamos aqui senão dos que fazem parte da sociedade
brasileira, falamos aqui dos súditos do império do Brasil, únicos que gozam
dos cômodos de nossa sociedade e sofrem seus incômodos, que têm direitos
e obrigações no pacto social, na constituição do estado.
Os índios porém estão fora do grêmio da nossa sociedade, não são súditos
do império, não o reconhecem, nem por consequência suas autoridades desde
a primeira até a última vivem em guerra aberta conosco, não podem de forma
alguma ter direitos, porque não tem, nem reconhecem deveres ainda os mais
simples (falo dos não domesticados)...
Enquanto aos crioulos cativos, Deus queira que quanto antes purifiquemos
de uma tão negra mancha as nossas instituições políticas... mas enquanto o
não fazemos de força havemos confessar que não entram na classe dos
cidadãos, que não são membros de nossa política comunhão e portanto que
não são brasileiros no sentido próprio, técnico das disposições políticas...
Senhores, os escravos não passam de habitantes do Brasil; e nós não
tratamos neste capítulo dos simples habitantes do Brasil; porque então
devemos enunciar aqui os estrangeiros, etc... (Annaes, t. 5, pp. 211-212,
Grifos meus)
Os índios, os negros e os estrangeiros, literalmente citados pelo deputado, não
faziam parte da sociedade brasileira, por consequencia não haveria porque se preocupar
8
com que lugar eles ocupariam no pacto social, eles estavam fora dele. Considerando que
isso estava posto, outra precupação era com a manutenção do pacto social como
apareceu na discussão do artigo 12: “Todo o brasileiro pode ficar ou sair do império
quando lhe convenha, levando consigo seus bens, contanto que satisfaça aos
regulamentos policiais, os quais nunca se estenderão a denegar-se lhe a saída”. O
deputado Silva Lisboa não concordava com o que ele denominou de “indefinida
liberdade pessoal”, pois com isso qualquer cidadão sairia do império e isso poderia
“converter-se o contrato bilateral em unilateral, de sorte que o governo não pode nunca
deixar de dar proteção aos súditos, mas este pode, quando quiser, subtrair-se a devida
obediência, e talvez na ocasião que mais sejam necessários os seus serviços” (Annaes, t.
6, p. 144, grifos no original). No entendimento do deputado, provavelmente, não cabia a
concepção de direito de ir e vir, mas se percebe o entendimento original sobre o pacto:
fidelidade dos indivíduos em troca de proteção do soberano.
O pacto social recebeu essa denominação, exatamente, porque pressupunha
reciprocidade. Locke concebia a possibilidade de pacto duplo: entre os indivíduos
(pacto de associação) e entre a comunidade e o poder político (pacto de sujeição). Mas
em qualquer dos pactos os indivíduos não transferiam seus direitos integralmente.
Hobbes ao contrário entendia que os indivíduos ao ingressarem no pacto abdicavam
todos os seus direitos em favor da coletividade. Desde então, o pacto social estava
associado à segurança: pessoal e da propriedade. Esse entendimento também observa-se
na Assembleia. Quando se tratou do segundo artigo, nele estavam listadas as províncias
do Brasil e finalizando o texto se lê: “e por federação o Estado Cisplatino”, esse ponto
gerou longa discussão, 10 deputados falaram em 17 intervenções, sendo que o pomo da
discórida era a palavra “federação”. A maioria dos argumentos era da incompatibilidade
entre monarquia e sistema federativo, muitos recorreram a uma possível quebra do
pacto social, pois nele a sociedade brasileira teria acordado que a forma de governo
seria monarquia constitucional. Nesse sentido, falou José de Alencar “suponhamos por
um momento, que estas duas províncias, que não entram no nosso pacto social, formam
sua união à parte, e nos dizem – nós queremos federação convosco para nossa maior
segurança, porque temos direito para isso” (Annaes, t. 5, p. 153). As províncias
mencionadas eram Maranhão e Pará, naquele momento, em situação conflituosa com o
governo central e por isso sem representação na Assembleia. O deputado estava
9
considerando que aquela condição poderia mudar e ambas as províncias talvez
quisessem juntar-se ao pacto, pois seria garantia de segurança para elas.
Nada esteve mais presente nos debates do que o conceito de liberdade, não
havia como ser de outra forma, pois dos poucos artigos discutidos a maioria tratava da
formação da sociedade e dos direitos básicos. A primeira liberdade que surge é referente
à organização territorial, também no artigo segundo, no polêmico item “federação”. O
deputado Montezuma não vê problema em denominar algumas províncias confederadas
ao Império, pois segundo ele, assim “mostramos à nação, que serão respeitados os
inalienávies direitos de cada uma das províncias”, pois sem tais direitos as províncias
“jamais poderão conseguir verdadeira prosperidade que está implícita no gozo de uma
salutar, e bem entendida liberdade” (Annaes, t. 5, p. 155). A liberdade almejada pelo
deputado, na verdade, trata-se de autonomia provincial.9 Ainda na discussão do mesmo
artigo Carvalho e Mello defende posição contrária, no seu entendimento a monarquia
era sinônimo de Estado único e indivisível, enquanto na federação cada uma das partes
teria sua forma de governo. Ele explica:
Quando falo, Sr. Presidente, de liberdade, suponho que é a justa e a que pode
subsistir unida com a segurança do cidadão; falo daquela que faz a
particular felicidade e firma a dos estados; daquela que é marcada pelas
leis e regulamento; que produz cômodos e fruições sem ofender a ordem e a
segurança pública. Faz tudo o legislador que une na lei fundamental a
máxima liberdade com a máxima segurança. Sacrifica a falsa deusa, quem
adora a ilimitada liberdade mãe das desordens e anarquias.
Sr. Presidente, só a ordem e a segurança pública faz a prosperidade individual
e segura a estabilidade dos impérios. Rejeite-se pois a palavra – federalmente
com a natureza do governo adotado; é contrária ao bem que ansiosamente
procuramos estabelecer...10 (Annaes, t. 5, p. 165, grifos meus)
Na segunda parte da fala do deputado observa-se um outro entendimento, que
associa diretamente liberdade à ordem, como argumento para a assertiva inversa, ou
seja, o excesso de liberdade provoca anarquia. Esse poderia ser o epitáfio do Brasil, pois
é um discurso que atravessa toda nossa história, até os dias atuais, as ações políticas
estão sempre com os olhos na manutenção da ordem, em nome dela, tudo vale. Na
9 Provavelmente, falar em “autonomia” em 1823, é correr o risco de anacronismo, pois naquele momento
se entendia a liberdade das províncias como oposição ao governo imperial. Contudo, as dificuldades de
governabilidade colocaram esse assunto na agenda política posterior, especialmente, na Regência. Essa
falta de liberdade era tão problemática para as províncias que as negociações de mudanças culminaram no
Ato Adicional de 1834 que reformou a Constituição exatamente para ampliar a autonomia das províncias. 10 Atualmente não cabem dúvidas de que os conceitos de federação e confederação são diferentes,
contudo, no pensamento dos deputados da Assembleia de 1823 não havia um entendimento claro sobre a
diferenciação entre ambas. Essa é uma constatação superficial, que carece de pesquisa mais atenta nos
discursos que tratam especificamente desse tema.
10
primeira concepção de liberdade que lemos na citação, se identifica claramente o
entedimento de que a lei é o indíce da liberdade, inspiração em Montesquieu, conforme
o próprio deputado mencionou. Contudo, esse entendimento inicou com Rosseau,
segundo ele os indivíduos renunciavam à liberdade natural, mas em contrapartida
ganhavam liberdade civil e a manutenção da propriedade, conforme sua explicação:
“liberdade natural, que só tem termo nas forças do indivíduo, da liberdade civil, que é
limitada pela vontade geral; e a possessão, que é só efeito da força, ou do direito do
primeiro ocupante, da propriedade, que não pode ser fundada a não ser num título
positivo” (Rosseau, 2000, p. 33). Ainda que de forma diferente tanto para Rosseau,
quanto para Montesquieu é necessário tratar das formas de organizar o poder.
A partir da publicação “Do Espírito das Leis” pode-se falar em distintos
poderes. Na obra se lê: “há em cada Estado três espécies de poder: o poder legislativo, o
poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o poder executivo
daqueles que dependem do direito civil” (Montesquieu, 2007, p. 165). Esses poderes,
não poderiam estar unidos, pois “não haverá liberdade se o poder de julgar não estiver
separado do poder legislativo e do executivo” (Montesquieu, 2007, p. 166). Os poderes
também não deveriam estar centralizados em uma pessoa, pois essa é a essência do
despotismo. Parece que essa independência dos poderes era um entendimento
consensual na Assembleia, uma vez que em vários debates e diferentes personagens
demonstra-se isso. Em teoria, todos sabiam e defendiam isso, como na fala do próprio
D. Pedro, na abertura da Assembleia, quando pedia que na constituição “os três poderes
sejam bem divididos em forma, que não possam arrogar direitos, que lhe não
competem, mas que sejam de tal modo organizados e harmonizados, que se lhes torne
impossível, ainda pelo decurso do tempo fazerem-se inimigos” (Annaes, t. 1, p. 42).
Quanto se discutiu o artigo 13, prevendo a inserção de sistema de Júri para
“matérias crimes; as cíveis continuarão a ser decididas por juízes, e tribunais”, alguns
deputados lembraram da separação dos poderes. O primeiro foi Carneiro de Campos,
que apesar de considerar que o Júri não poderia ser implementado no Brasil, antes da
aprovação de novos códigos, defendeu o Sistema. Segundo ele, não era suficiente
“separar os dois poderes legislativo e executivo, é ademais disso indispensável, que o
poder judiciário seja constituído tão livre de toda a dependência e influência de qualquer
autoridade”. O sistema de jurados seria o único “capaz de infundir no coração do povo o
11
sentimento inabalável de segurança dos seus direitos” e os jurados escolhidos entre os
seus pares os únicos “juízes verdadeiramente independentes” (Annaes, t. 6, p. 174). Na
mesma sessão, José de Alencar, defendendo o sistema e a sua implementação, seguiu a
linha de raciocínio do colega:
Senhores, nós vemos que não só a soberania da nação está dividida nos três
poderes soberanos, legislativo, executivo e judiciário, mas que cada um
destes poderes já assim divididos, não está a cargo de um só indivíduo, ainda
mesmo que este seja um indivíduo moral e coletivo.
Nós vemos o poder legislativo entregue aos representantes da nação (falo nas
legislaturas ordinárias e não nesta que é uma convenção extraordinária), mas
sempre tendo o executivo alguma ingerência nele; vemos o poder executivo,
que já é indivisível, não entregue também a um só indivíduo, porque sabemos
que no monarca se presume sempre um poder, e nos ministros outro, e ainda
neste há divisão pois não se entrega a um só todo o executivo, e sim a muitos,
cada um por sua competente repartição; é isto não só para o bom expediente
dos negócios, como para evitar o que o movimento de toda a máquina dos
negócios esteja pendente de uma só mão. (Annaes, t. 6, p. 177)
O deputado Alencar pretendia convencer a audiência de que os jurados seriam
uma opção para descentralizar o poder judiciário. Contudo, aqui nos interessa enfatizar
que na sua fala ele entende que o poder executivo é indivisívelaqqqqqs, não é exclusivo
do monarca. Ponto de vista esse, diferente do que apresentou Maciel da Costa:
“Sabemos todos que num governo constitucional, o supremo chefe, além do poder
executivo para a simples execução das leis tem o supremo poder moderador”. O
deputado não está dizendo que seria um poder dividido, como se aventaria mais tarde,
com um Conselho de Estado, mas sim advoga que o imperador, permanentemente vigia
o império “é o argos político que com cem olhos tudo vigia, tudo observa, e não só vigia
e observa, mas tudo toca, tudo move, tudo dirige, tudo conserta, tudo compõe, fazendo
aquilo que a nação faria se pudesse”. Na impossibilidade da própria nação desempenhar
o papel de sentinela então concede a outrem e “tem mostrado a razão, e a experiência,
que vale mais cometê-lo a uma pessoa física, que a uma pessoa moral, isto é, uma
corporação” (Annaes, t. 5, p. 208).11 Todo esse discurso foi para defender que as
autoridades provinciais deveriam ser “os olhos” do imperador, mas aqui podemos
aproveitar a discussão para analisar uma outra temática fundamental para o ideário
constitucionalista: a Soberania.
11 O deputado João Severiano Maciel da Costa foi eleito por Minas Gerais, naquela ocasião era um
experiente magistrado de 64 anos, havia sido Conselheiro de D. João VI, governador da Guiana Francesa,
tendo, em 1808, alcançado o posto mais alto da magistratura: desembargador do Paço. Essa breve
biografia é para dizer, que certamente, não foi por casualidade, que Maciel da Costa integrou o Conselho
de dez membros nomeado por D. Pedro, quando do fechamento da Assembleia, para redigir o “novo
projeto” de Constituição, que de projeto nada tinha, visto que a Carta foi outorgada.
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Embora fosse um conceito chave para a formação das nações, mas na
Assembleia pouco se falou nela. É o assunto que menos aparece nos debates do projeto
de constituição. Os deputados quando mencionavam a soberania não faziam uma
associação de a quem ela pertencia, como foi muito debatido pelos ilustrados desde a
Revolução Francesa, quando ficou claro que a soberania no povo era inviável. Depois
partindo das ideias de Rousseau a “vontade geral” do povo deveria definir os rumos da
sociedade, e os representantes dessa vontade estavam no Parlamento, logo, detinham a
soberania. Contudo, num passo atrás Montesquieu e Benjamin Constant colocariam em
dúvida a supremacia do parlamento, chamando ao centro dos debates o rei como
representante da nação, assim a soberania que deveria ser do povo, ora era creditada ao
parlamento, ora ao governante. Lúcia Neves analisando o grupo de ilustrados
contemporâneos à Assembleia de 1823 diz que havia um grupo mais liberal que
defendia a “ideia da soberania popular, aceitando o conceito democrático de liberdade”
(2001, p. 82). Enquanto, um segundo grupo, mais conservador “simpatizavam com o
ideário de um liberalismo clássico, que conservava a figura do rei como representante
da nação, mas que negava que a soberania pudesse residir no povo” (2001, p. 81).
Provavelmente esses dois grupos também estavam representados na Assembleia, mas
não chegaram a confrontar suas ideias, no que se refere, especificamente ao conceito de
soberania.
Voltando ao conceito de liberdade como fio condutor dos debates na
Assembleia, vemos outros dois temas: a escravidão e liberdade religiosa. Esta foi tratada
nos artigos 14, 15 e 16. Contudo, já na discussão do artigo 7º: “A constitução garante a
todos os brasileiros direitos individuais... § 3º: A liberdade religiosa” (Annaes, t. 5, p.
12) o debate foi longo. Nos dois momentos, os argumentos foram semelhantes, embora
com vários posicionamentos diferentes. De um lado, aqueles radicalmente contrários,
como Rodrigues da Costa que dizia que “estabelecer-se entre nós como artigo
constitucional, uma tal liberdade muito me tem escandalizado”. O escândalo era porque
já havia uma religião do Estado “Se não tivéssemos uma religião revelada pela qual
Deus nos fez conhecer como devemos adorar, tanto interior como exteriormente,
poderia admitir-se esta liberdade religiosa” (Annaes, t. 6, p. 56). Havia outros
totalmente favoráveis, o padre Muniz Tavares dizia “eu reputo, e reputarei sempre, a
liberdade religiosa um dos direitos mais sagrados, que pode ter o homem na sociedade”
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(Annaes, t. 6, p. 57). Contudo, a maioria criticava algum ponto, um grupo defendia que
se a própria constituição instituía a religião católica como a religião oficial, aceitar
outras era inconcebível. Alguns ainda reforçavam esse aspecto dizendo que, eles
deputados, tinham jurado fidelidade à religião católica, logo votando por liberdade
religiosa estariam quebrando o juramento. Uma preocupação de vários deputados era
como equacionar a falta ou a limitada liberdade religiosa para os estrangeiros. Exemplo
disse se ouve do deputado Brant Pontes que menciona a necessidade e considerar a
“utilidade que nos resulta da tolerância de quaisquer seitas religiosa; e, com efeito,
parece evidente que muito nos convém atrair a maior porção possível de estrangeiros”
(Annaes, t. 6, p. 248). Outros não viam problema em haver liberdade religiosa “se ela se
considera limitada à consciência e culto interno, e ainda mesmo ao externo, mas privado
e dentro dos limites da própria casa, que lhe é intimamente conexo” (Carneiro, Annaes,
t. 6, p. 249). Liberdade limitada, eis ai outro conceito que poderia ser slogan do Brasil,
limitação que vemos no próximo tema: escravidão.
Na verdade, a escravidão não aparece nos debates, a condição de escravo será
tratada em alguns momentos, mas o Sistema em si não. Naquela época, não havia
contradição entre liberdade e escravidão, ao contrário, vemos respeitados intelectuais
legitimando a escravidão como Montesquieu que defendia o direito de escravizar os
negros: “Os povos da Europa, tendo exterminado os da América, tiveram de escravizar
os da África, para que estes fossem utilizados na lavoura das tantas terras”
(Montesquieu, 2007, p. 252). Um açúcar mais barato justificava a utilização de escravos
na lavoura. Na Assembleia, os escravos apareceram inicialmente nos debates do
parágrafo 6º do art. 5: “são brasileiros” (art. 5) “os escravos que obtiverem carta de
alforria” (§ 6º). Alguns deputados aprovaram e defenderam o parágrafo, outros
defenderam parcialmente, como o deputado França que dizia que o problema era a
quantidade de escravos africanos porque a esses não se poderia conceder o título de
brasileiro, mas concordava com a concessão aos crioulos. Outros quiseram inserir
condicionantes, como Costa Barros que desejava que além da alforria, para ser
considerado brasileiro, o ex-escravo deveria comprovar que tinha um emprego ou um
ofício. Contudo, uma vez mais, é o deputado Alencar que toca no ponto crucial da
questão:
Ainda que pareça que deveríamos fazer cidadãos brasileiros a todos os
habitantes do território do Brasil, todavia não podemos seguir rigorosamente
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este princípio, porque temos entre nós muitos que não podemos incluir nessa
regra, sem ofender a suprema lei da salvação do Estado. É esta lei que nos
inibe de fazer cidadãos aos escravos, porque além de serem propriedade de
outros, e de se ofender por isso este direito se os tirássemos do patrimônio
dos indivíduos a que pertencem, amorteceríamos a agricultura, um dos
primeiros mananciais da riqueza da nação, e abríamos um foco de desordens
na sociedade introduzindo nela de repente um bando de homens, que saídos
do cativeiro, mal poderão guiar-se por princípios de bem entendida
liberdade. (Annaes, t. 5, p. 258, grifos meus)
Em síntese, os pontos problemáticos da inserção dos escravos como
“brasileiros” na sociedade: ser propriedade de outrem, causar desordem social e não
saber viver em liberdade. Essa não era uma visão isolada, o deputado Almeida e
Albuquerque faz um comparativo: “Se os europeus, nascidos em países civilizados,
tendo costumes, boa educação e virtudes, não podem, sem obter carta de naturalização,
entrar no gozo dos direitos de cidadão brasileiro”, perguntava ele “como o escravo
africano destituído de todas as qualidades pode ser de melhor condição?” (Annaes, t. 5,
p. 259). A resposta obviamente é no sentido de negar aos forros a inserção na sociedade
brasileira “civilizada”. Com esse tema, propositalmente, encaminhamos o fechamento
do texto. O conceito de liberdade que circulava pela esfera dos poderes era sempre
acompanhado de “mas” ou de “se”. No discurso de abertura, D. Pedro dizia esperar
“uma constituição, que pondo barreiras inacessíveis ao despotismo, quer real, quer
aristocrático, quer democrático, afugente a anarquia, e plante a árvore daquela
liberdade, a cuja sombra deva crescer a união, tranquilidade, e independência deste
império” (Annaes, t. 1, p. 42). Passados seis meses, ele fecha a Assembleia sob o
argumento de ter ela “perjurado ao tão solene juramento, que prestou à Nação, de
defender a integridade do Império, sua independência e a minha dinastia” (Dec. de 12
de novembro de 1823). Explicação pouco elucidativa.
A falta de clareza é o que se via por todas as partes, além das falas aqui citadas
houve várias outras que deixam claro que os deputados conheciam os debates que
estavam na agenda do constitucionalismo. Além disso, em várias ocasiões
demonstravam que tinham familiaridades com as constituições, ditas mais liberais,
especialmente, as francesas e a espanhola de 1812. Contudo, é difícil afirmar que
constitucionalismo se via na Assembleia de 1823, pois se poderia dizer algo mais
concreto caso o produto final tivesse sido concluído, contudo o fechamento sumário
interrompeu essa possibilidade e, pelos debates, o máximo que se pode afirmar é que o
assunto era conhecido da maioria, especialmente, daqueles formados em Direito. Por
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isso, parece mais correto afirmar que a primeira Assembleia Constituinte foi apenas um
ensaio para o constitucionalismo brasileiro. Embora, não esqueçamos que é consenso
afirmar que a Constituição outorgada em 1824 é muito semelhante ao projeto, sendo
então, um ensaio produtivo, mas definir o quanto produtivo depende de uma análise
comparativa com a própria Constituição e esse é assunto para um outro momento.
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