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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CES - FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A concepção de administração educacional no pensamento
pedagógico de Fernando de Azevedo
Armando C. Arosa
Orientador: Prof. Dr. Waldeck Carneiro da Silva
Niterói – RJ
Março de 2007
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Universidade Federal Fluminense CES - Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Armando de Castro Cerqueira Arosa
A concepção de administração educacional no pensamento
pedagógico de Fernando de Azevedo
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Waldeck Carneiro de Silva
Niterói
Março de 2007
A769 Arosa, Armando de Castro Cerqueira.
A concepção de administração educacional no pensamento pedagógico de Fernando de Azevedo / Armando de Castro Cerqueira Arosa. – 2007.
134 f.
Orientador: Waldeck Carneiro da Silva.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação, 2007.
Bibliografia: f. 121-126.
1. Azevedo, Fernando de, 1894-1974. 2. Pedagogia. 3. Administração escolar. I. Silva, Waldeck Carneiro da. II.
Universidade Federal Fluminense
CES - Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação
Armando de Castro Cerqueira Arosa
A concepção de administração educacional no pensamento
pedagógico de Fernando de Azevedo
Aprovado pela Banca Examinadora
Niterói, ______/______/______
_____________________________________________________
Professor Doutor Waldeck Carneiro da Silva
Orientador – UFF
_____________________________________________________
Professora Doutora Claudia de Oliveira Fernandes – UNIRIO
_____________________________________________________
Professor Doutor João Batista Bastos – UFF
_____________________________________________________
Professora Doutora Iduína Mont`Alverne Chaves - UFF
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Dedico este trabalho a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para sua realização.
Dedico, em especial, à minha família, que acompanhou com paciência todos os passos.
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Agradeço a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a construção dos conhecimentos
aqui trazidos. Em especial, registro o agradecimento ao meu orientador Prof. Waldeck Carneiro da
Silva que, além de mostrar caminhos, soube cultivar o respeito que se espera dos grandes mestres.
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RESUMO
Neste trabalho, faz-se uma análise crítica da obra de Fernando de Azevedo, destacando
elementos que elucidam seu pensamento pedagógico, com foco preciso na sua concepção sobre
a Administração Educacional. Para tanto, foi analisada uma parte relevante da produção do autor
nos anos trinta do século XX, especialmente aquela em que Azevedo reflete sobre sua ação
administrativa como Diretor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal. O quadro teórico-
metodológico da pesquisa fundamenta-se na concepção de conhecimento praxiológico concebida
por Pierre Bourdieu e leva em conta a maneira pela qual se interioriza em Azevedo o conjunto de
concepções que estavam em disputa no momento de sua produção intelectual, adotando-se como
técnica de interpretação dos dados a análise de conteúdo das obras selecionadas. Azevedo não
formula propriamente uma teoria administrativa, mas oferece elementos que representam um
ponto de contato com alguns teóricos da administração, embora não se possa identificá-los com
total segurança. O autor incorpora conceitos da teoria clássica da administração, como a divisão
técnica do trabalho, a especialização, a preocupação com a eficiência, a disciplina, a unidade de
comando e de direção, a hierarquia e o controle, por exemplo, como características marcantes de
seu pensamento administrativo. Todavia, dialoga também com outras noções, como trabalho
cooperativo e harmonização dos interesses, além de preceitos da psicologia e da sociologia, que
se encontram na teoria das relações humanas. O que se pode afirmar, portanto, é que Azevedo
se identifica com as denominadas teorias transitivas da administração. No tocante à administração
educacional, pode-se concluir que, embora Azevedo defenda a cientificidade da ação
administrativa em educação, sua atuação revela uma adesão aos fundamentos da administração
burocrática, na medida em que dá ênfase à normatização das práticas administrativas, com base
na legislação. Sua filiação teórica é ampla, justificando o que se chamou no trabalho de “ecletismo
instrumental”, uma vez que aparecem, em Azevedo, características encontradas em outros
autores, que não pertencem necessariamente ao mesmo espectro filosófico-ideológico. Azevedo
tem traços liberais fortes, mas nele também se observa a presença de elementos ligados ao
pensamento autoritário; o autor se reconhece, em determinado momento, influenciado por Karl
Marx, mas também se filia deliberadamente aos preceitos de Emile Durkheim e John Dewey. Esse
“ecletismo instrumental” pode advir de sua tendência a promover a síntese dos ideais de sua
época, buscando nessas várias vertentes de pensamento algo que lhe pareça harmônico. Embora
o autor negue esse ecletismo, é evidente que tenta conciliar pensadores diversos, tomando as
idéias, como sugeria John Dewey, como instrumentos para resolver os problemas e enfrentar o
mundo ameaçador e a existência precária.
Palavras-chave – Fernando de Azevedo. Pedagogia. Administração Educacional
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RESUME
Dans ce travail, on fait une analyse critique de l’oeuvre de Fernando de Azevedo, tout en mettant
en relief des éléments qui puissent éclairer sa pensée pédagogique et, plus précisément, sa
conception de l’administration éducative. Pour ce faire, on examine une partie relevante de la
production de l’auteur dans les années trente du XXème siècle, en particulier les écrits où il met en
discussion son action administrative en tant que Directeur de l’Instruction Publique du District
Fédéral. Le cadre théorique-méthodologique de la recherche se fonde sur la conception de la
connaissance praxiologique proposée par Pierre Bourdieu et prend en compte la manière dont
Azevedo assimile l’ensemble de positions théoriques qui étaient en jeu lors de sa production
intellectuelle, tout en adoptant, comme technique d’interprétation des données, l’analyse de
contenu des oeuvres sélectionnées. Azevedo n’arrive pas à formuler une théorie de
l’administration, mais propose des éléments qui peuvent faire la liaison avec certains théoriciens
de l’administration, bien que l’on ne puisse pas les identifier avec clairté. L’auteur incorpore des
concepts de la théorie classique de l’administration, tels que la division technique du travail, la
spécialisation, le souci de l’efficacité, la discipline, l’unité de commande et de direction, la
hiérarchie et le controle, comme des caracthéristiques fortes de sa conception administrative.
Cependant, Azevedo dialogue égalément avec d’autres notions, comme le travail coopératif,
l’harmonisation des intérêts, ainsi que certains precepts de la psychologie et de la sociologie, qui
se trouvent dans la théorie des rapports humains. Donc, ce que l’on peut affirmer est que la
pensée de Azevedo trouve une identité avec les théories transictives de l’administration. En ce qui
concerne l’administration éducative, on peut conclure que, malgré la ferme position de Azevedo
pour la scientificité de l’action administrative en éducation, son travail de gestion révèle une
adhésion aux fondements de l’administration bureaucratique, dans la mesure où il met l’accent sur
la normatisation des pratiques administratives, basée sur le cadre légal. Sa filiation théorique est
large, ce qui explique l’expression “éclectisme instrumental” employée dans le travail pour qualifier
la pensée de Azevedo. En fin de compte, on peut trouver chez lui des notions égalément
trouvables chez d’autres auteurs, qui ne sont pas forcément du même champ philosophique ou
idéologique. Azevedo porte des traces libérales importantes, mais on remarque aussi, chez lui, la
présence d’éléments liés à la pensée autoritaire; l’auteur se reconnait, en certain moment,
influencé par Karl Marx, mais il se filie aussi, de façon explicite, à la pensée de Emile Durkheim et
de John Dewey. Cet “éclectisme instrumental” peut s’originer de la tendance chez l’auteur de faire
la synthèse des idéaux de son époque, tout en cherchant, dans ces plusieurs écoles de pensée,
ce qui lui paraît harmonique. Bien que l’auteur refuse cet éclectisme, il est évident qu’il cherche à
concilier des auteurs divers, tout en prennant ces idées, tel que le proposait John Dewey, comme
des instruments pour résoudre les problèmes et pour affronter le monde menaçant et la précarité
de l’existence.
Mots-clés: Fernando de Azevedo. Pedagogie. Administration éducative.
SUMÁRIO
Introdução.............................................................................................................. 3
1. Problema e objetivos da pesquisa ..........................................................5
2. Quadro teórico-metodológico.................................................................6
2.1 Positivismo....................................................................................... 7
2.2 Materialismo histórico-dialético ..................................................... 8
2..3 Conhecimento praxiológico............................................................11
2.3.1 Habitus....................................................................................13
2.3.2 Campo.....................................................................................15
2.4 Sobre o método...............................................................................18
Capítulo I: A Pedagogia e a Administração .......................................................22
1. A Pedagogia no Brasil ............................................................................22
2. Teorias da Administração....................................................................... 28
2.1 Consenso e conflito................................................................... 28
2.2 Administração e administração educacional............................. 29
2.3 Teoria geral da Administração.................................................. 32
2.3.1 Teoria Clássica........................................................... 32
2.3.2 Teoria Transitiva....................................................... 36
2.3.3 Teoria das Relações Humanas .................................. 37
2.3.4 Teoria Neo-clássica................................................... 39
2.3.5 Correntes seguintes.................................................... 39
2.4 Administração Pública ............................................................. 41
Capítulo II: Contexto da produção da obra azevediana ................................. 45
1. Contexto sócio-político, econômico e educacional .............................. 45
2. Contexto filosófico .............................................................................. 53
2.1 Liberalismo ............................................................................. 54
2.1.1 O pensamento liberal no Brasil ............................................ 60
2.1.2 A crise liberal: pensamento autoritário................................. 63
2.1.3 A reação liberal .................................................................... 65
2.1.4 Católicos e Liberais ............................................................. 68
Capítulo III: A Administração Educacional no pensamento pedagógico azevediano ..70
1. Apontamentos sobre a vida de Fernando de Azevedo............................... 70
2. Obras selecionadas: o corpus de análise....................................................71
2.1 “Novos caminhos e novos fins”...................................................72
2.2 “O Manifesto”............................................................................. 73
2.3 “Princípios de Sociologia”.......................................................... 79
2.4 “A Educação e seus problemas”................................................. 82
2.5 “Educação na encruzilhada”....................................................... 84
2.6 “Sociologia Educacional”........................................................... 87
3. O Pensamento pedagógico de Fernando de Azevedo: um diálogo com seus
comentaristas............................................................................................................ 89
3.1 A Concepção azevediana de administração educacional ........ 100
3.1.1 Pressupostos gerais.................................................... 104
3.1.2 Aspectos técnicos, materiais e econômicos............... 107
3.1.3 Principais atores e processos..................................... 110
3.1.4 Docência e Administração ....................................... 114
Conclusões........................................................................................................... 117
Referências bibliográficas ................................................................................. 121
INTRODUÇÃO
Na pesquisa realizada para a elaboração da Monografia Planejamento Educacional e
Pedagogia do mal-estar (AROSA, 2000), apresentada como requisito parcial para a conclusão do
Curso de Especialização em Planejamento e Administração da Educação, na Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, pude examinar os fundamentos filosóficos e ideológicos que sustentam a
concepção de Administração e de Planejamento Educacional traduzidas na legislação brasileira
contemporânea.
A linha ideológica desses documentos revela uma concepção liberal de homem, sociedade e
Estado, entendendo-se o liberalismo como uma vertente de pensamento que, na atualidade, reflete a
consolidação de um projeto racionalista de sociedade, de base individualista, e que se configura
como uma ideologia global.
No percurso da pesquisa, ficou visível o fato de que o escopo teórico da legislação que
examinava era semelhante ao corpo de idéias que se encontram num documento clássico da
educação brasileira: o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932). Um dos seus principais
signatários e, também, seu autor principal foi Fernando de Azevedo (1894-1974). É possível afirmar
que o Manifesto dos Pioneiros se sustenta, principalmente, em categorias e conceitos presentes no
pensamento pedagógico de Azevedo, "apesar da presença nele de temas e posições não expressas
por esse autor, nem antes nem depois" (CUNHA, 1987, p.132).
Fernando de Azevedo revela uma forma de pensar o Brasil e, em especial, a questão
educacional, que aponta para uma tentativa de síntese das preocupações que mobilizavam os
intelectuais de sua época, mas também contribui para sedimentar ideais que ecoam até os dias de
hoje, não só nas políticas implementadas, mas também na ideologia presente no senso comum da
educação nacional.
Minha atuação profissional tem se dado, principalmente, na área da gestão educacional,
embora a docência esteja sempre presente. Esse movimento é acompanhado por uma constante
preocupação com questões vinculadas às relações entre o processo de ensino e os processos que
envolvem aspectos mais gerais da educação. Minha atuação como gestor, tanto na área privada
quanto no setor público, seja como dirigente escolar, ou no órgão central da administração
educacional do município, ou mesmo na docência para cursos de formação de professores e
pedagogos na rede privada de ensino superior, fizeram-me rever algumas questões que têm ocupado
espaço na discussão sobre a constituição do eixo que sustenta a ação do pedagogo. Dentre essas
questões, surge a que dicotomiza a ação do pedagogo em ações de gestão e de docência. Embora
essa não seja a preocupação central deste trabalho, é importante mencioná-la para situar a
importância de se estudar Fernando de Azevedo, uma vez que muito do pensamento do autor se
encontra no cerne dos argumentos trazidos à tona para discutir a questão, como, por exemplo, a
necessidade de se ter uma fundamentação científica, tanto para a gestão educacional quanto para a
docência. Essa questão surge com a própria criação, no Brasil, do curso de Pedagogia, em 1939,
desdobrando-se até os nossos dias, sem uma conclusão, o que se reflete na Resolução que trata das
diretrizes curriculares do curso de Pedagogia, aprovada em 15 de maio de 2006, no âmbito do
Conselho Nacional de Educação, e homologada pelo Ministro de Estado da Educação (Resolução
CNE/CP 01/06).
Pensar a gestão educacional e a docência, no bojo dos temas que surgem ao se tratar da ação
do pedagogo, também me tem suscitado a curiosidade científica de verificar o que fundamenta o
pensamento pedagógico de Fernando de Azevedo e, em especial, a sua concepção sobre a
Administração Educacional, bem como sua relação com aquilo que denomina Ciência da Educação:
a Pedagogia. Considerando esses elementos, torna-se importante, pois, estudar sua obra, bem como
a dos comentaristas que têm se dedicado a analisar suas contribuições para a educação brasileira.
Para comunicar os resultados deste estudo, pretende-se dar alguns passos no sentido de
situar a obra de Fernando de Azevedo como um todo, trazer alguns elementos que contextualizem
as concepções de Administração Educacional no corpo da Teoria Geral da Administração, bem
como resgatar, de maneira sucinta, a constituição da Pedagogia no Brasil. O passo seguinte será
justamente a abordagem da questão central deste trabalho, qual seja, a concepção de administração
educacional no pensamento de Fernando de Azevedo, devidamente precedida de uma síntese do
contexto sócio-político-econômico e educacional em que se deu a produção do autor eleita para
análise, a saber, a década de 30 do século XX.
Ao determinar a natureza dos fatos sociais, Azevedo considera que para cada grupo deles
(econômico, religioso, moral, jurídico, entre outros) corresponde uma possibilidade de estudo por
uma determinada disciplina: a Economia, a Teologia, o Direito, etc. Para o autor, a educação como
fenômeno social, ao ser objeto de estudo pelas ciências deve ser tratada objetivamente como uma
realidade particular. Nesse caso, abrem-se algumas possibilidades. Tais fatos sociais, a saber,
aqueles que dizem respeito à educação, tomada em seu sentido amplo, podem ser estudados tanto
pela Sociologia da Educação, quanto pela Pedagogia, podendo-se ainda analisar os fenômeno
educativos sob o ponto de vista histórico. A Pedagogia, a Sociologia Educacional e a História da
Educação teriam os mesmos objetos de estudo, diferenciando-se, uma da outra, por seus métodos e
objetivos.
A investigação sobre os sistemas educativos com o objetivo de construir uma teoria prática
que reflita sobre eles no sentido de fornecer ao educador uma teoria que o dirija, constitui-se, como
quer Azevedo, no propósito da pedagogia. Sendo assim, constrói-se por dentro da pedagogia a
possibilidade de se ter um corpo de idéias que dimensionam o fenômeno educativo sob o ponto de
vista administrativo, constituindo-se como objeto da administração educacional. A questão principal
deste trabalho é levantar que pressupostos sustentam a concepção do autor acerca da administração
educacional, considerando os fundamentos políticos e epistemológicos que lhe servem de base para
conceber a Pedagogia como uma ciência da educação.
Torna-se importante trazer para o debate os principais elementos do processo educacional
que o autor privilegia para discutir questões no âmbito da administração do sistema educacional,
indicando os atores, os processos, as relações, os recursos e os pressupostos teóricos levados em
conta na formulação de sua análise. Em síntese pode-se dizer que o objetivo deste trabalho é
discutir que modelo de administração adota o autor como base para suas reflexões no âmbito do
pensamento pedagógico que formula.
2. Quadro teórico-metodológico
Michael Löwy (2000) introduz seu trabalho As aventuras de Karl Marx contra o Barão de
Münchhausen, que considera ser uma “introdução à sociologia do conhecimento”, com uma questão
para a qual não se dará uma resposta definitiva, mas na direção da qual serão coletados elementos
para dimensionar uma das possibilidades a ser seguida: “Quais são as condições para tornar possível
a objetividade nas ciências sociais?” (op.cit.. p9).
Nesse caminho, alguns poucos passos serão dados no sentido de enumerar, de maneira geral,
duas possibilidades de entrada no tema proposto pela questão inicial e uma perspectiva a partir da
qual se trabalhou aqui como opção teórico-metodológica trilhada na busca de respostas à pesquisa
empreendida.
Lembre-se aqui a necessidade de se fazer esse movimento, em função de que o autor
estudado se filia de maneira clara a uma corrente de pensamento científico que precisa ser
compreendida no contexto da sua vinculação política1. Azevedo, ao trazer para o Brasil a obra de
Durkheim, contribui sobremaneira para que se dissemine uma determinada visão positivista sobre o
conhecimento científico. Desta maneira, é necessário que se empreenda esse esforço na busca da
compreensão do seu pensamento. Da mesma forma, ainda que de maneira sumária, é conveniente
também que se analise a epistemologia marxista, no sentido de se ter o contraponto, a partir do qual
se baseará a tomada de posição que se teve neste trabalho.
2.1 Positivismo
No quadro geral do pensamento filosófico, o positivismo pode ser considerado como uma
tendência que se sustenta em bases racionalistas, assumindo a forma do cientificismo e do
naturalismo, com traços marcantes de subjetivismo. Seu aparecimento não é extemporâneo às
condições que se vinham construindo a partir de uma tradição político-filosófica empiricista, desde
a antigüidade, e que ainda encontra ecos nos dias de hoje. Lembre-se aqui que, nesse percurso, o
positivismo, que surge “como uma utopia crítico-revolucionária da burguesia antiabsolutista”
(LÖWY, 2000, p.18), assume um caráter ideológico conservador que se identifica com a ordem
burguesa industrial.
O positivismo reivindica o primado da ciência como forma de produção de conhecimento e
1 Azevedo apresenta traços bem definidos que o colocam no grupo de pensadores que vêem no positivismo a perspectiva adequada para fundamentar seu pensamento científico, embora em algum momento de sua trajetória se diga socialista. “Eu vinha lendo, desde que deixei a Ordem Religiosa, duas obras quase inteiramente desconhecidas entre nós - as de Karl Marx e de Engels, de um lado, e a de Émile Durkheim, de outro. Aquelas, sobre o Socialismo, e esta, sobre a Sociologia. Desde logo, percebi a natureza e a profunda diferença entre essas obras fundamentais: aquelas, as de Karl Marx, sobre o Socialismo, a luta de classes e a ditadura do proletariado, e esta, a de Durkheim, sobre uma ciência nova, a Sociologia, desenvolvida na França, na Alemanha e nos Estados Unidos. Não havia dificuldade nenhuma, ao menos para mim, em distingui-las: as de Karl Marx, levam a uma tomada de ‘posição política’, em face de suas análises, da estrutura social e econômica, e a de E. Durkheim, estabelece a natureza e os fundamentos de uma nova ciência, __ a Sociologia, que, sendo uma ciência, não implicava nem podia implicar qualquer idéia ou atitude política. (...) E tornei-me então um socialista tão fiel às idéias políticas, quanto fiel aos princípios, objetivos e métodos de uma ciência, como a Sociologia, cujo ensino tanto contribuí para introduzir nas Escolas Normais, nas Faculdades de Filosofia e Ciências e nas Universidades do país” (grifo meu) (AZEVEDO, 1976. p. 210-211).
atribui às ciências naturais o caráter central nesse processo. O método destas ciências passa, então, a
reger os modelos epistemológicos que irão estudar a sociedade. Mais: o positivismo, além de
afirmar a unidade do método científico e a primazia deste como instrumento de formulação de
conhecimento, igualmente atribui à ciência o caráter messiânico de resolver todo e qualquer
problema humano, o que acaba por produzir o costume social de se depositar uma confiança acrítica
no conhecimento produzido por essa ciência (REALE e ANTISERE, 1991; MONDIN, 1980, 1981).
Na visão positivista, a sociedade é regida por leis naturais e invariáveis, que se constituem
independentemente da vontade e da ação humanas. Assim, na vida social, reinaria uma harmonia
natural. A sociedade deverá, portanto, ser compreendida de forma que, epistemologicamente, fosse
assimilada pela natureza, e ser estudada a partir dos mesmos métodos e processos empregados pelas
ciências da natureza.
As ciências da sociedade, bem como as ciências da natureza, devem limitar-se à observação
e à explicação causal dos fenômenos, de maneira objetiva e neutra, livre da valoração ou ideologias
e abandonando todas as noções anteriormente postas, tanto quanto os preconceitos.
Essa neutralidade axiológica, e epistemológica, das ciências sociais faz negar o
condicionamento histórico-social do conhecimento. Desse modo, a relação que se estabelece entre
classe social e conhecimento fica apagada, o que faz, também, solidificar a idéia de uma ordem
natural no campo do conhecimento. Desaparece a possibilidade de um conhecimento produzido a
partir dos interesses das classes trabalhadoras.(LÖWY, 2000)
Pensar a produção de conhecimento na área social, mais especificamente no campo da
educação, sob o prisma positivista, é entender que os processos sociais são entes imóveis, sobre os
quais se pode produzir um olhar neutro e instantâneo, fechado e, portanto, sem considerar o todo em
que se desenvolvem cada um de seus elementos. Ampliar o horizonte de observação da realidade a
ser conhecida, considerando que os elementos constitutivos dos cenários onde ocorrem as tensões
sociais podem ser compreendidos fora das circunstâncias conflituosas em que se desenvolvem, é
igualmente limitar sua análise apenas ao foco a ser observado sem, contudo, compreender o todo em
que o fenômeno se manifesta. É, portanto, uma opção cujos problemas seriam de difícil solução. De
outro modo, passa-se a examinar uma outra possibilidade, a partir da qual se podem ver os
fenômenos sociais de uma forma historicamente situada.
2.2 Materialismo histórico-dialético
Resultado do trabalho intelectual realizado a partir de Karl Marx e Friedrich Engels, o que se
convencionou chamar de Marxismo é o conjunto das idéias filosóficas, econômicas, políticas e
sociais que esses pensadores elaboraram e que mais tarde foram difundidas. Sua característica mais
geral é a que se volta para a interpretação da vida social como reflexo da dinâmica da luta de classes
e para a transformação das sociedades, em conformidade com leis que se desenham a partir de seu
sistema produtivo. Pensando sob este prisma então, para Marx, a história de todas as sociedades é a
história de luta de classes (MARX, 2000).
Partindo da dialética hegeliana, do materialismo de Ludwig Feuerbach e dos enciclopedistas
franceses, bem como das teorias econômicas de Adam Smith e David Ricardo, o Marxismo
representa mais do que uma filosofia: é a própria crítica da filosofia. Se, para o idealismo, a
filosofia se justifica pela compreensão da realidade, para Marx a filosofia precisa intervir nessa
realidade, tanto quanto sofre dela influência direta. “Os filósofos se limitaram a interpretar o
mundo; diferentemente, cabe transformá-lo” (MARX, 1978, p.47).
Esse movimento está de acordo com a concepção marxiana de uma história que se constrói a
partir do próprio homem que, na busca da satisfação de suas necessidades, luta contra a natureza.
No momento em que luta, o homem se revela um ser produtivo, o que o leva a ter consciência de si
mesmo e do mundo. Decorre daí que toda estrutura social resulta do processo de vida dos
indivíduos, mas não como eles poderão parecer na sua própria representação ou na dos outros, mas
como eles são realmente, ou seja, como agem, como produzem materialmente, como trabalham,
portanto, sob determinados limites, premissas e condições materiais que não dependem apenas da
sua vontade (MARX, 1984.).
Pode-se, então, dizer que uma epistemologia marxiana converge para sua reflexão sobre a
própria condição humana. No processo de reconhecimento e intervenção na realidade, o homem se
constitui a partir do trabalho, que, para o pensador, numa perspectiva ontológica, é uma atividade
deliberada para a adaptação das substâncias naturais aos seus próprios desejos.
Na visão marxiana, o homem se torna homem quando, como extensão de suas mãos,
apodera-se da natureza, criando ferramentas e, no processo de trabalho, faz inverter as relações
naturais de causa e efeito. Agora, o efeito é antecipado e transforma-se em propósito.
No processo de instituição de sua humanidade, o homem descobre que alguns instrumentos
podem ser substituídos uns pelos outros. Assim, descobre, também, que instrumentos imperfeitos
podem se tornar perfeitos, se modificados. Esse movimento igualmente demonstra um apuro na
observação da natureza, possibilitando-lhe o prever, o antecipar ocorrências e o agir no propósito de
produzi-las. Ou seja, produz-se conhecimento.
Assim, o trabalho e a materialidade se constituem como eixo sobre o qual gira toda a
concepção de mundo em Marx. Seguindo, então, esse caminho, toda produção humana, em
qualquer que seja a área, encerra essa materialidade, que é histórica e se manifesta no e pelo
trabalho.Tal materialidade produz a consciência humana, que tem como propriedade a reflexão
sobre a realidade, entendendo que não é a consciência que determina a vida, mas é a vida que
determina a consciência. Desse modo, produções do espírito que não se fundam nessa materialidade
acabam por refletir uma idealização sobre a realidade.
Falando sobre a materialidade da história, Marx e Engels consideram que é necessário
pensar o processo histórico não como fatos mortos, mas como uma representação da atividade
prática, do processo do desenvolvimento prático dos homens. Existe, portanto, uma relação de
determinação, ou pelo menos de condicionamento, pela estrutura econômica sobre a superestrutura,
constituída pelas produções mentais dos homens, isto é, sobre a consciência, mais claramente, sobre
a consciência social do homem (REALE e ANTISIERI, 1991).
Nesse ponto, então, coloca-se uma dicotomia para a produção do conhecimento científico: a
distinção aparente entre teoria e prática. Esse problema o materialismo dialético pretende superar.
Sob o ponto de vista do materialismo dialético, o ser humano passa a acumular
conhecimento sobre o mundo depois de um longo percurso de intervenções objetivas na realidade
material que o circunda. Sua própria existência diária o obriga a refletir sobre sua prática, na medida
em que necessita produzir, nessa realidade material que o condiciona, alterações no sentido de seu
controle e domínio. O conhecimento teórico advindo dessas intervenções só se consolida como
expressão sobre a realidade muito mais tarde e com a conseqüente reentrada na materialidade
cotidiana.
A teoria e a prática irão se configurar, pois, como categorias que trazem os aspectos
espiritual e material da atividade objetiva da humanidade, portanto, localizada no momento
histórico e nas condições sociais em que se constroem. Isso, entretanto, não significa dar ênfase às
práticas sensoriais subjetivas como experimentação científica, mas compreender a construção do
conhecimento como processo material de transformação da realidade objetiva. Não se trata,
portanto, de empirismo, mas de uma concepção de conhecimento que se volta para premissas e
resultados políticos, manifestos nas condições reais de produção desse conhecimento. Concebendo
o conhecimento desta forma, a especulação isolada da realidade é idealização e não corresponde às
necessidades revolucionárias a que está atrelado o saber científico.
Para Löwy, o Marxismo foi a primeira corrente de pensamento a se questionar sobre esse
condicionamento histórico e social das representações sobre a realidade, bem como a propor o
desvelamento das ideologias de classe, que por sob o discurso pretensamente neutro e objetivo do
positivismo sustentam práticas que perpetuam as desigualdades produzidas pela luta de classes. Na
tentativa de superar esse quadro, enquanto visão do mundo, o Marxismo é uma utopia
revolucionária, que aspira a um estado de coisas ainda inexistente.
Pensar um posicionamento sobre as condições de objetividade que se podem criar na
construção das ciências sociais e, aqui, no caso específico da educação, é entender o fato social e a
educação como um processo que se desenvolve em meio a condições históricas determinadas pelo
modo em que se verificam as relações objetivas de produção. Nesse sentido, a objetividade de uma
ciência que tente dar conta dos fenômenos educativos tem que ser construída a partir da constante
reflexão sobre as condições reais em que tais fenômenos se verificam. E, nesse momento, é preciso
reconhecer, inclusive, sob que prisma se olha a realidade em que se dá a própria construção desse
conhecimento, bem como dimensionar em que medida se produzirão ações efetivas de intervenção
nessa realidade sobre a qual se está conhecendo.
Todavia, é preciso avançar nas posições acerca da compreensão sobre essa realidade e
constituir um caminho para fugir do reducionismo que algumas posições podem fazer resultar. Há
um outro caminho que se pode vislumbrar para realizar a análise desse percurso aqui descrito sobre
o conhecimento científico, notadamente sobre aquele que tem as ciências sociais como foco.
2.3 Conhecimento Praxiológico
Para Pierre Bourdieu (apud NOGUEIRA, 2005; ORTIZ, 1994), é possível conhecer o
mundo social de três formas: através do conhecimento fenomenológico, do conhecimento
objetivista, ou do conhecimento praxiológico. Nos três modos de conhecimento tem-se um conjunto
de teses, que, segundo o autor, apresentam características antropológicas.
O conhecimento fenomenológico capta a experiência primeira do mundo social,
compreendendo-o como natural e evidente e excluindo da investigação sobre ele a questão das
condições de possibilidade da experiência subjetiva. Representado contemporaneamente na
Sociologia pela Etnometodologia e pelo Interacionismo Simbólico, segundo a concepção
bourdieusiana, no conhecimento fenomenológico “descrever-se-iam as ações e interações sociais,
mas não questionar-se-ia a respeito das condições objetivas que poderiam explicar o curso dessas
interações” (NOGUEIRA, 2005, p.74).
As limitações que traria esse tipo de conhecimento residem na incapacidade de se alcançar
as bases sociais que, possivelmente, condicionariam as experiências práticas, mas sua principal
crítica refere-se a seu caráter legitimador da idéia de que os sujeitos carregam uma autonomia
absoluta e uma perfeita consciência, capazes de garantir a segura condução de suas ações e
interações.
Na segunda forma de conhecer o mundo, o conhecimento objetivista, contrapondo-se ao
subjetivismo
“constrói relações objetivas (isto é, econômicas ou lingüísticas), que
estruturam as práticas e as representações das práticas (ou seja, em
particular, o conhecimento primeiro, prático e tácito, do mundo familiar),
ao preço de uma ruptura com esse conhecimento primeiro, portanto com os
pressupostos tacitamente assumidos que conferem ao mundo social seu
caráter de evidência e de natural(...)” ( BOURDIEU. In: ORTIZ,1994,
p.39). Há, pois, uma ruptura com o modo imediato e subjetivo de perceber o mundo. Nessa
perspectiva, vigora a compreensão de que as relações seriam estruturadas a partir de condições
objetivas, que superariam a dimensão da consciência e da intencionalidade de que se constituiriam
os sujeitos. Compreender a realidade a partir de suas condições objetivas parece condição
necessária para se promover uma primeira aproximação no sentido de sua compreensão. Todavia,
para Bourdieu, essa forma de conhecimento ainda possui limitações a serem consideradas.
Apesar de reconhecer o salto que dá esse modo de conhecer o mundo, dando razão à
necessidade de se vislumbrar o que não está explícito na apreensão primeira desse mundo, trazendo
representações sociais. A esse respeito, Bourdieu afirma: “O conhecimento praxiológico não anula
as aquisições do conhecimento objetivista, mas conserva-as e as ultrapassa, integrando o que esse
conhecimento teve que excluir para obtê-las” (BOURDIEU. In: ORTIZ,1994, p.40).
A opção feita aqui então é por compreender que a realidade educacional, e em particular a
que se construiu na década de trinta do século passado, palco em que atuou Azevedo, não pode ser
entendida senão sob esse ponto vista: praxiológico.
Procurou-se compreender, no presente trabalho, de que maneira se interioriza em Fernando
de Azevedo o conjunto de concepções que circulavam e que estavam em disputa no momento de
sua produção intelectual, entendendo esse período escolhido como representante do esforço do
autor em proceder a uma avaliação crítica sobre sua própria prática político-administrativa.
Nesse ponto, é necessário compreender duas categorias a partir das quais se trabalhou para
traçar os caminhos seguidos neste trabalho: habitus e campo.
2.3.1 Habitus
Bourdieu lança mão de um conceito que, na história da filosofia, aparece em diversos
pensadores, desde Aristóteles e os Tomistas até o século XX na fenomenologia. Sua elaboração se
dá no movimento de superação do paradigma objetivista adotado pelo estruturalismo sem, contudo,
pender para a concepção individualista presente na filosofia da consciência ou do sujeito
(BOURDIEU, 1989).
O conceito de habitus, para o pensador francês, remete a um sistema de disposições, modos
de perceber o mundo, de sentir, de fazer e de pensar, que leva os agentes sociais a agir de uma
determinada forma relacionada a uma determinada circunstância. É um “conjunto de disposições
(ethos) estruturadas no agente, segundo a maneira pela qual ele interiorizou as estruturas objetivas
em que viveu um processo de socialização determinado” (SILVA, 1999. p 192). É um sistema de
esquemas individuais, socialmente constituído dessas disposições estruturadas (no social) e
estruturantes (nas mentes), adquirido nas e pelas experiências práticas, orientado para as funções e
ações cotidianas (SETTON, 2002).
Tal conjunto de disposições, todavia, não são meramente mecânicas, nem apresentam um
caráter determinista. Apresentam-se de forma dinâmica e flexível e “estruturam as categorias de
percepção e de apreciação, que, por sua vez, orientam a ação do agente no campo” (SILVA,
1999.p.192). Podem ter maior ou menor intensidade, sendo que sua capacidade de determinação
sobre o agente se amplia na medida em que este se vê inserido em estruturas objetivas compatíveis
com aquelas que geraram o habitus interiorizado.
Esses dispositivos refletem o exercício da capacidade de se produzirem condições para que
se operem as ações humanas, ou seja, são estruturas estruturantes que funcionam como princípio
gerador e estruturador das práticas e representações (NOGUEIRA, 2004). Apresentam
características de disposições não naturais, portanto, constituem-se de traços marcadamente
arbitrários. São adquiridas pela interiorização das estruturas sociais e se perenizam na história
individual e coletiva dos agentes sociais, passando a fazer parte dos modos de agir, pensar e
representar desses agentes.
“O habitus gera uma lógica, uma racionalidade prática, irredutível à razão teórica. É adquirido mediante a interação social e, ao mesmo tempo, é o classificador e o organizador desta interação. É condicionante e é condicionador das nossas ações. O habitus constitui a nossa maneira de perceber, julgar e valorizar o mundo e conforma a nossa forma de agir, corporal e materialmente“ (THIRY-CHERQUES, 2006. p 5).
O habitus tem características que se apresentam nas dimensões de ethos, eidos e hexis. “O
ethos é a dimensão ética que designa um conjunto sistemático de princípios práticos, não
necessariamente conscientes, podendo ser considerado como uma ética prática”
(ALBUQUERQUE, 2006, p.3). É representado pelos valores em estado prático, que regem a moral
cotidiana; é, portanto, um conjunto sistemático de disposições morais e de princípios práticos.
No héxis, aparecem os princípios interiorizados pelo corpo, a saber, as posturas, as
expressões corporais; é a dimensão “que possibilita a internalização das conseqüências das práticas
sociais e, também, a sua exteriorização corporal, através do modo de falar, gesticular, olhar e andar
dos agentes sociais” (ALBUQUERQUE, 2006.p 4).
O eidos corresponde a uma dimensão que encerra um sistema de esquemas lógicos e
cognitivos de classificação dos objetos do mundo social. Regula o modo de pensar e de apreender a
realidade, baseado numa crença pré-reflexiva.
Esses elementos, todavia, não podem ser compreendidos como um processo rígido de
condicionamento, mas devem ser entendidos como um movimento que aponta para o princípio da
ação. Apresentam-se como estrutura, porque aparecem como disposições interiorizadas, mas
igualmente são estruturantes, porque imprimem modos e modelos de práticas e representações.
“Os habitus não designam simplesmente um condicionamento, designam,
simultaneamente, um princípio de ação. Eles são estruturas (disposições
interiorizadas duráveis) e são estruturantes (geradores de práticas e
representações). Possuem dinâmica autônoma, isto é, não supõem uma
direção consciente nas duas transformações (Bourdieu, 1980:88-89).
Engendram e são engendrados pela lógica do campo social, de modo que
somos os vetores de uma estrutura estruturada que se transforma em uma
estrutura estruturante”. (THIRY-CHERQUES, 2006. p.6)
É, portanto, uma estrutura dinâmica e relativamente autônoma que elege, organiza e dispõe
modelos e padrões sobre os quais se constituirão novas estruturas. Desse modo, os esquemas de
percepção da realidade e de ação sobre ela se constroem com base em determinações que já se
encontram estruturadas, não significando, todavia, que novas possibilidades de arranjo desses
esquemas sejam possíveis. Como resultado da experiência vivida, da experiência histórica
coletivamente construída e da interação entre elas, o habitus funciona como uma espécie de roteiro
teatral, que induz o comportamento do personagem, mas que pode sofrer inflexões diferentes,
dependendo do ator a encarná-lo. Sobre esse aspecto, Loïc Wacquant (2006, p.3) assinala:
“o habitus não é um mecanismo auto-suficiente para a geração da ação: opera como uma mola que necessita de um gatilho externo e não pode portanto ser considerado isoladamente dos mundos sociais particulares, ou “campos”, no interior dos quais evolui. Uma análise completa da prática requer uma tripla elucidação da génese e estrutura sociais do habitus e do campo e das dinâmicas da sua confrontação dialética.”
Sendo assim, é necessário que se compreenda o conceito de habitus em diálogo com o
conceito de campo, que é, para Bourdieu, o espaço onde se movimentam os agentes que participam
da dinâmica que regem as práticas sociais, ou ainda, um espaço no interior do qual ocorre uma luta
pela imposição da definição do jogo e das regras que comandam esse jogo (BOURDIEU, 1990).
2.3.2 Campo
No mesmo movimento de superação do antagonismo entre subjetivismo de objetivismo,
Bourdieu entende que há uma relação dialética entre o sistema de posições objetivas e disposições
subjetivas de indivíduos e coletividades. O habitus está sempre em referência a um determinado
campo, e se acha entre o complexo imperceptível das relações que funcionam como estruturas, que,
portanto, condicionam as práticas e instituições, e as ações concretas visíveis dos agentes que
participam desse jogo, que por sua vez irão estruturar as relações.
Desse modo, o social será constituído por campos: espaços em que se desenvolvem relações
objetivas, dotados de uma lógica própria, que não pode ser reproduzida e nem reduzida à lógica que
regerá outros campos. O campo pode ser tanto um espaço em que se confrontam diversas forças
(“um campo de forças”), onde as estruturas coíbem os agentes nele imersos, quanto pode se
constituir como um espaço de lutas (“campo de batalha”) (WACQUANT, 2005), onde os agentes
atuam em função das posições que ocupam no seu interior, num permanente movimento de
conservação ou transformação das estruturas que os impulsionam.
Compreendido assim, o campo não é uma estrutura fixa, mas o reflexo da história vivida
pelos agentes que ocupam suas posições e das disposições que o constituem. É, pois, um “espaço
social relativamente autônomo que obedece a regras e a princípios de regulação que lhe são
próprios e que podem variar de acordo com a natureza do campo” (SILVA, 1999, p. 186). Ainda
sobre a compreensão do conceito de campo, Thiry-Cherques afirma:
“Os campos resultam de processos de diferenciação social, da forma de ser e do conhecimento do mundo. Como tal, cada campo cria o seu próprio objeto
mundial (TRIVINOS, 1987).
Passa a ser compreendida como uma técnica de investigação que pretende a descrição
objetiva do conteúdo manifesto da comunicação, a partir das contribuições de Berelson e
Lazarsfeld, nas décadas de quarenta e cinqüenta, sendo posteriormente aperfeiçoada por Bardin,
que, em 1977, publica a obra que serve de referência até os dias de hoje: “Análise de Conteúdo”
(BARDIN, 1994).
Entende-se aqui a análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análise de
comunicações, que se utilizam de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
das mensagens, bem como de indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção/recepção dessas mensagens (BARDIN, 1994).
Em Bardin (1994), a análise de conteúdo possui duas funções, que podem, ou não, se
dissociar quando implementadas. Na primeira delas, a função heurística, a análise de conteúdo
enriquece a tentativa exploratória de conhecimento da mensagem a ser compreendida e aumenta a
propensão à descoberta de elementos que a elucida. Na segunda, que se refere à administração da
prova, as hipóteses, construídas sob a forma de questões provisórias, servem de diretrizes, apelando
para o método de análise de uma confirmação ou de uma negação acerca do conteúdo a ser
desvelado. De um ponto de vista mais geral, qualquer comunicação que articule um conjunto de
significações pode ser elucidada a partir da conjunção desses dois movimentos, que nos faz ter
como premissa a idéia de que subjaz ao discurso aparente um outro sentido que convém emergir.
Compreende-se aqui, portanto, que a análise de conteúdo aparece como uma ferramenta para
a compreensão da construção de significado que os atores sociais exteriorizam em suas falas,
entendendo que a experiência da vida cotidiana envolve processos simbólicos que se inserem num
contexto de significação, relativos a diferentes modos de compreensão da realidade que estão em
disputa pelos agentes sociais.
As diversas etapas que constituem a técnica aqui utilizada não foram consideradas, neste
trabalho, como uma seqüência rígida a ser seguida, mas como um processo de permanente
reconstrução das leituras possíveis a serem constituídas. Sendo assim, a análise não resultou da
acumulação automática das leituras de cada documento analisado, mas sim do registro momentâneo
das possíveis leituras e re-leituras de todo corpus de análise.
A definição das categorias analíticas resultou não apenas da seleção de elementos de
conteúdo agrupados por parentesco de sentido, que se organizam a priori, mas também de uma
seleção realizada a partir da pré-análise, da decomposição, da comparação e da confrontação entre
si e entre outras categorias de outros autores, bem como da sua reconceituação produzida a partir do
próprio processo analítico. A categorização final das unidades de análise, portanto, resulta da
reconsideração produzida por uma análise mais profunda dos recortes realizados, com base em
novos critérios incorporados, tendo sempre como referência os objetivos da pesquisa e a natureza
dos dados empíricos produzidos.
Para alcançar os objetivos propostos para este trabalho, partiu-se da idéia de que a
construção de conceitos e categorias, no caso específico do autor estudado, e a apropriação de seus
textos, por parte de seus leitores, refletem embates ideológicos no processo histórico em que são
produzidos. Sendo assim, todo corpo de concepções teóricas insere-se nesse embate e tenta dele
afastar-se, ou nele posicionar-se. Isso significa que a análise de conteúdo da obra azevediana
requereu considerar o texto em sua historicidade, procurando desvelá-la, compreendê-la mais que
interpretá-la.
A análise partiu, pois, do pressuposto de que compreender é considerar-se em relação com o
sujeito analisado, que se manifesta através da tradição e com uma tradição de onde ele mesmo possa
se expressar. Assim, aquele que produz a análise deve se dar conta de que a relação do pesquisador
com o objeto não ocorre harmoniosamente, sem problemas, ruídos ou distorções.
Assim, ao considerar a materialidade lingüística e histórica da produção aqui estudada, a
análise intentou construir uma visão particular sobre a esfera do político, onde o documento
analisado materializa a interseção entre o ideológico e o lingüístico. Considerando tais elementos e
seus desdobramentos, foi preciso empreender esforços no sentido de fazer com que esse processo de
compreensão da obra azevediana fosse acompanhado pela consciência da necessidade de se
extrapolar o texto, assim como as condições de produção do autor e o tempo que o circunda, para
projetar seu significado numa perspectiva de intervenção na realidade, considerando também que
estamos imersos num universo em que já existe instalado um modelo de interpretação que, ou se
insere ou conflita com o momento histórico que o envolve. Assim, o analista encontra-se suspenso
entre o seu pertencimento a uma tradição e a sua distância com relação aos objetos que constituem o
tema de sua pesquisa.
O que se dispôs neste trabalho, então, foi realizar a análise crítica de parte da obra
azevediana, tomando-se como critério de escolha desse corpus a idéia de que sua produção reflete
as bases em que se construirão as categorias e conceitos que sustentam a produção posterior do
autor, tomando como referencial histórico a década de trinta do século XX, como sendo o cenário
no qual se dará o diálogo entre autor e mundo.
Assim, foram escolhidas para análise as seguintes obras: A educação na encruzilhada; A
reconstrução educacional do Brasil - Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova; Princípios de
Sociologia, Sociologia educacional, introdução ao estudo dos fenômenos educacionais e de suas
relações com outros fenômenos sociais; A educação e seus problemas e Novos Caminhos novos
fins, centrando nesta última um foco especial, em função das características que apresenta e das
quais se falará mais adiante.
Para compreender o aspecto da obra azevediana eleito como foco deste trabalho, sob o
prisma aqui escolhido, buscou-se proceder a aproximações sucessivas da obra, partindo de aspectos
mais gerais, para só então focar no objetivo central que é o de compreender o conceito de
administração educacional no pensamento pedagógico do autor. Por compreender que Azevedo
utiliza o termo administração escolar, mas não restringe a sua análise à administração da escola
stricto sensu, será utilizada a expressão administração educacional no seu sentido mais amplo,
abrangendo a gestão de todo sistema educacional.
Um grupo de elementos analisados, aqui, é o da obra dos seus comentaristas, bem como as
correspondências publicadas do autor trocadas com seus pares, complemento importante na medida
em que pode esclarecer as posições e atitudes de Fernando de Azevedo na conjuntura em que se deu
a produção de sua obra.
Na tentativa de elucidar as posições assumidas pelo autor, foi realizada também, ainda que
timidamente, a pesquisa sobre a conjuntura de produção e divulgação de sua obra, bem como a
busca pela compreensão, quando necessário, da obra de autores com que dialoga Azevedo.
Por fim, a análise resultou do diálogo com as obras do autor pesquisado e de seus
intérpretes, bem como da visita aos autores por ele citados, quando necessário. O confronto entre as
categorias e conceitos utilizados e formulados pelo autor estudado foi feito com base nos
pressupostos teóricos nos quais se fundamenta e também a partir de outros autores que auxiliam na
elucidação do pensamento pedagógico expresso na obra de Fernando de Azevedo. Não é demais
acrescentar que as análises empreendidas tiveram sempre o propósito de responder, o mais
precisamente possível, às questões formuladas nesta pesquisa, buscando, portanto, atingir os
objetivos formulados.
Capítulo I
A PEDAGOGIA E A ADMINISTRAÇÃO
1. A Pedagogia no Brasil
Para Azevedo, a pedagogia consiste na reflexão prescritiva sobre a prática educativa. Isso
significa ter como objeto de estudo as práticas pedagógicas2, as instituições de educação e as
semelhanças e diferenças entre os sistemas educativos de cada povo, ou seja, a pedagogia é uma
teoria prática que reflete, com maior ou menor intensidade, os sistemas de ensino, fornecendo ao
educador uma teoria que o dirija.
Essa concepção coloca a questão da administração educacional, foco principal deste
trabalho, no interior de um pensamento mais geral sobre os processos em que se inscreve a
educação e que pertencem, para Fernando de Azevedo, ao campo da pedagogia. A administração
2 Azevedo faz a distinção entre fatos educativos e fatos pedagógicos. Os primeiros dizem respeito às práticas sociais mais gerais, que têm caráter educativo, mas não se desenvolvem necessariamente nos sistemas de ensino. Já os fatos pedagógicos dizem respeito às práticas desenvolvidas nos sistemas educativos (AZEVEDO, 1958).
educacional pertence ao campo das discussões em que igualmente se inscrevem as questões
relativas à docência, ou seja, ao campo da pedagogia.
Nesse sentido, e considerando a importância de Azevedo na formulação do projeto que cria
a Universidade de São Paulo, importante centro de formação de profissionais da educação e um dos
embriões do pensamento pedagógico no Brasil, torna-se necessário que se faça um breve relato
acerca da constituição do curso de pedagogia no país. Nesse percurso, serão destacadas algumas
questões que surgem no confronto das concepções em disputa no transcorrer da institucionalização
do curso de pedagogia e que aparecem também na obra azevediana.
A formatação do curso superior de Pedagogia vem, desde a sua criação, refletindo o embate
que se trava entre aqueles que a consideram como um campo de conhecimento que se sustenta na
prática docente e aqueles que a dimensionam como uma ciência autônoma. O que se verá, em uma
breve síntese, para que se compreenda em que campo está situado o pensamento pedagógico de
Azevedo, é um panorama da conformação do curso de Pedagogia ao longo desse período e algumas
possibilidades de entendimento acerca da sua constituição como ciência.
Antes, porém, torna-se necessária uma volta às décadas anteriores para compreender o
processo em que se dá a conformação do curso de Pedagogia no Brasil. Anteriormente à década de
trinta do século XX, algumas iniciativas de criação de cursos de formação de profissionais da
educação em nível superior ocorreram sem sucesso. Um dos primeiros representantes desses
movimentos é o Instituto Superior de Educação que funcionava anexo à Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras, criada pela Ordem dos Beneditinos de São Paulo, em 1901. Essa Faculdade teve
sua fundação ligada aos debates e indicações dos I e II Congressos Católicos realizados na Bahia,
em 1900, e no Rio de Janeiro, em 1901.
Em atendimento às deliberações desse Congresso realizado no Rio de Janeiro, cria-se a
Universidade Católica, denominada Pontifícia Faculdade de Filosofia e Letras, que funciona
durante seis anos, a partir de 1908, no Seminário Arquidiocesano de São Paulo. Essa experiência se
sustenta em preceitos da livre iniciativa de cunho liberal e trouxe ao Brasil um grupo de professores
estrangeiros, que logo se dispersa em função da Primeira Grande Guerra (BRZEZINSKY, 2004).
Desde a colônia até a fundação da Universidade do Rio de Janeiro em 1920, houve trinta tentativas
de criação de universidades no país.
A formação de professores dava-se principalmente em instituições isoladas e nas Escolas
Normais, que na maioria eram mantidas pela iniciativa privada, apesar de haver um grande
crescimento de escolas públicas de formação de professores a partir dos anos 80 do século XIX.
Para BRZEZINSKY (1996), essas instituições representam o início da formação de professores no
país, vindo a se tornar uma referência para as Escolas Normais Superiores e para os cursos
universitários de Pedagogia que surgem mais tarde.
A primeira Escola Normal Superior pública foi instituída em São Paulo, tendo o curso a
duração de dois anos. Isso a diferenciava das demais áreas, de forma desprestigiosa, pois a duração
dos outros cursos superiores era de quatro anos. No entanto, esta iniciativa de construção do curso
de formação de professores no ensino superior não se concretizou, a ponto de não aparecerem nas
regulamentações da educação no Estado de São Paulo, naquele período.
Nesse momento, como nos diz BRZEZINSKY (1996, p.23) “a utopia brasileira de elevar os
estudos de formação de professores ao nível superior não se tornou realidade nas primeiras décadas
republicanas. A utopia ainda permaneceu como projeto simbólico do vir-a-ser”, lembrando
inclusive que, à época (1892), era considerado superior o nível imediatamente seguinte ao
secundário, portanto, não universitário.
A reforma do ensino brasileiro, a partir da Lei nº 2.924 e do Decreto nº 11.530 de 1915,
promoveu a reorganização do ensino secundário e superior, criando prerrogativas para o
funcionamento dos cursos já existentes, mas sem produzir indicações quanto ao investimento na
área de formação de professores em nível superior ou mesmo para a pesquisa na área pedagógica.
A sociedade brasileira, no período seguinte à primeira Guerra Mundial, passa por
transformações de ordem econômica, política e social que trazem novas necessidades e
perspectivas, principalmente no que se refere ao sistema produtivo. A instabilidade social, associada
ao novo modelo produtivo que se instaura e aos conflitos de classe que se agravam na medida do
aprofundamento das desigualdades, faz-se marcante, ao mesmo tempo em que o país caminha para
um reordenamento político, jurídico e cultural.
Após esse período, que, segundo Nagle (2001), caracterizou-se pelo “entusiasmo pela
educação” e pelo “otimismo pedagógico”, e de uma série de outros acontecimentos expostos em
outro momento deste trabalho, a discussão acerca do estatuto científico da Pedagogia passa a se
desenvolver. Isso se dá no final da década de trinta do século passado, principalmente a partir da
constituição do curso de formação dos profissionais que atuam nesse campo de conhecimento.
Entre nós, a Pedagogia passa a ser formalmente concebida a partir da criação, em 1939, do
curso superior instituído como uma “seção” da Faculdade Nacional de Filosofia, a partir do
Decreto-Lei nº 1.190/1939, considerando-o como locus de formação inicial daqueles que seriam os
técnicos em educação (SILVA, 2003). Estes técnicos eram professores que, após concluírem o
curso, passariam a exercer funções administrativas, de planejamento e inspeção escolar,
principalmente em órgãos oficiais dos Governos Municipais, Estaduais e Federal.
A concepção do curso revela o pensamento da época acerca da formação dos docentes, de
caráter bacharelesco. Tanto o curso de Pedagogia, quanto os outros em que se formariam
professores, seriam estruturados em três anos, em que se diplomariam os Bacharéis. Com mais um
ano, então, formar-se-iam os Licenciados, estes, aptos ao magistério. Assim, nesse esquema
denominado de “3+1”, formavam-se os Bacharéis em Ciências Humanas, Sociais, Naturais, Letras,
Artes, Matemática, Física, Química, que, após um ano de estudos de Didática e de Prática de
Ensino, obteriam o título de Licenciado em tais disciplinas.
O mesmo esquema serve para a Pedagogia, que passa, após os quatro anos de curso, a
formar o Bacharel e o Licenciado em Pedagogia, sendo este último apto a ministrar aulas às alunas
do Curso Normal, bem como as disciplinas de Matemática, História, Geografia e Estudos Sociais,
no primeiro ciclo do ensino secundário.
Como se pode ver, há uma dicotomia entre ensino e pesquisa expressa, por exemplo, no fato
de ao Bacharel não ser concedida licença para lecionar. Dicotomia que se expressa também, na
medida em que as atividades profissionais daquele que hoje se conhece como campo da Gestão
Educacional, a saber, a Supervisão, a Orientação e o Planejamento seriam, então, exercidas pelo
técnico em educação.
Mais ainda se acentua essa dicotomia na concepção que rege a relação teoria e prática, uma
vez que, em primeiro plano, vem a formação teórica, proporcionada ao bacharel, para, só depois,
com menor tempo dedicado aos estudos, se desenvolver a formação do professor, pois a este faltaria
apenas a formação pedagógica e a prática de ensino, tendo adquirido os conhecimentos da ciência
que se dedicou a estudar.
Este cenário permanece, inclusive, com a promulgação da Lei n° 4.024/1961 e com a
regulamentação contida no Parecer CFE nº 251/1962, que mantêm o esquema “3+1” para o curso de
Pedagogia. Ainda em 1961, institui-se o currículo mínimo do bacharelado em Pedagogia, com sete
disciplinas, indicadas pelo Conselho Federal de Educação, e mais duas outras, escolhidas pela
instituição de ensino. A iniciativa tinha, como pano de fundo, a intenção de estabelecer uma
unidade de conteúdo para todo o território nacional.
Ainda que nos termos do Parecer CFE nº 292/1962, instrumento regulador da licenciatura,
se previsse a indissociabilidade entre conteúdo e método, fica mantida a estrutura dos três anos para
o bacharelado, com o ano adicional para a licenciatura, perpetuando a fórmula fragmentária que
reforça a dicotomia presente nesta concepção epistemológica sobre o estatuto da pedagogia.
Um movimento, que não altera muito esse quadro, mas que é importante para compreender
todo o processo, foi feito a partir da Lei nº 5.540, de 1968, da Reforma Universitária. Esse
dispositivo permitiu à graduação em Pedagogia a possibilidade de habilitar para o exercício da
Supervisão, Orientação, Administração e Inspeção Educacional.
Ainda na esteira da reforma, o Parecer CFE n° 252 e a Resolução CFE nº 02, de 1969,
dispunham sobre a organização e o funcionamento do curso de Pedagogia. Propunham como
finalidade a formação profissional para a educação, garantindo a possibilidade de se conferir o título
de especialista, a partir da complementação de estudos, como explicitado neste fragmento:
“A Resolução CFE nº 2/1969 determinava que a formação de
professores para o ensino normal e de especialistas para as atividades de
orientação, administração, supervisão e inspeção, fosse feita no curso de
graduação em Pedagogia, de que resultava o grau de licenciado. Como licenciatura, permitia o registro para o exercício do magistério nos cursos normais, posteriormente denominados magistério de 2º grau e, sob o argumento de que “quem pode o mais pode o menos” ou de que “quem prepara o professor primário tem condições de ser também professor primário”, permitia o magistério nos anos iniciais de escolarização” (PARECER CNE/CP Nº 5/2005).
O quadro de indefinição acerca do caráter científico e da base docente da Pedagogia ainda
permanece. São discussões que não se encerraram ainda. Ainda transcorre o debate acerca da
definição do que será o curso de Pedagogia no Brasil, a partir da aprovação recente, pelo Conselho
Nacional de Educação, das suas Diretrizes Curriculares Nacionais. Com a homologação da
Resolução pelo Ministério da Educação, encerra-se, com efeito, uma etapa, mas as discussões e os
debates permanecem sem desfecho. Afinal, a implementação das novas diretrizes certamente já
suscita novas demandas ao Conselho, por partes das instituições formadoras, visto que alguns de
seus dispositivos ainda causam polêmica.
A complexificação das práticas sociais, em especial, das práticas educativas, no âmbito da
escola e da sociedade civil organizada como um todo, fez com que também se ampliasse a ação
profissional do pedagogo. Esse processo traz também a necessidade de se recolocar no debate, que
não parou de ser travado, a questão do estatuto epistemológico da pedagogia. Desde a criação do
curso de pedagogia até hoje, a oposição que se faz entre docência e ação gestora do pedagogo
reflete a falta de segurança, ou de consenso, na determinação mais clara dos objetivos dessa área
que, para alguns, seria, por excelência, a ciência da educação.
A base dessa controvérsia ainda parece estar na concepção de ciência, de forte influência
positivista, que sustenta a estrutura dos cursos de pedagogia no país. Sua tendência tem sido a de
considerar o conhecimento teórico a priori, apartado das condições materiais em que se dão as
práticas educativas. Todavia, há também a concepção, que se contrapõe a esta, que traça como
objetivo da ciência da educação o estudo da rática educativa, pregando que se devem pautar as
ações investigativas a partir da práxis, entendida como a relação dialética entre teoria e pratica,
numa perspectiva transformadora.
Debates recentes sobre o tema trazem alguns autores aos quais se pode recorrer para
confrontar a presente questão.
Tarso Bonilha Mazzotti (1998) assinala que, no debate sobre a possibilidade de se
considerar a Pedagogia como uma ciência autônoma, tem-se pensado nela como um conjunto de
enunciados baseado em outras ciências, ou mesmo na filosofia, para dar conta dos processos
educativos. Sua posição, entretanto, é a de que a Pedagogia pode ser considerada como Ciência da
Educação, ou seja, como uma ciência do fazer educativo, que não se efetiva como uma tecnologia,
mas como uma reflexão sistemática sobre a técnica particular que é a educação (MAZZOTTI,
1998).
O autor utiliza o vocábulo Pedagogia para distinguir o conjunto de estudos sobre a educação,
mantendo a diferença entre a reflexão sistemática e a atividade compreendida pelo termo educação
(MAZZOTTI, 1998.), dimensionado-a, pois, como uma ciência da prática educativa.
José Carlos Libâneo vê a Pedagogia como o campo do conhecimento que se ocupa do estudo
sistemático da educação, isto é, do ato educativo, da prática educativa concreta que se realiza na
sociedade como um dos ingredientes básicos da configuração da atividade humana (LIBÂNEO,
2000). Para o autor, o "objetivo do pedagógico se configura na relação entre os elementos da prática
educativa: o sujeito que se educa, o educador, o saber e os contextos em que ocorre” (idem, p. 30).
A pedagogia, então, para Libâneo, é uma ciência inserida no conjunto das ciências da educação,
diferenciando-se das demais para garantir uma unidade e construir um sentido às contribuições
trazidas pelas outras ciências.
É um processo difuso, repleto de descontinuidade, mas que também reflete o estado da luta
dos educadores para firmar, no Brasil, a Pedagogia como um campo específico de reflexão teórico-
prática acerca do fazer educativo intencional. É certo que a Pedagogia não se constitui ainda como
tal e é possível perceber, em alguns traços, o ideário do movimento escolanovista, principalmente
das concepções cientificistas, e, até certo ponto, de caráter positivista, expressas no Manifesto dos
Pioneiros. A racionalidade técnica, a concepção fragmentária da divisão do trabalho e a busca por
uma unidade curricular são traços presentes nesse percurso e estão presentes também na obra
azevediana. É preciso, pois, aprofundar a investigação com este foco, de modo que se tenham mais
elementos para compreender, a fundo, a histórias das concepções sobre a Pedagogia no Brasil.
No caso do presente trabalho, essa discussão serve para iluminar as questões trazidas por
Fernando de Azevedo ao produzir a reflexão sobre a reforma por ele empreendida e que fonte
principal para aqui se levantar suas concepções a respeito da administração educacional.
Pode-se dizer que Azevedo também se inscreve no contexto que suscitou parte desses
conflitos aqui apontados. O autor não chega a construir uma teoria para a administração
educacional, nem a formular com precisão o estatuto epistemológico da pedagogia, mas, ao refletir
sobre suas ações administrativas, deixa pistas que permitem construir uma leitura do que seriam os
princípios e pressupostos que orientam sua atuação como administrador e a sua reflexão sobre essa
prática.
2. Teorias da Administração
Para compreender a obra azevediana, no que diz respeito às suas concepções acerca da
administração educacional e suas interfaces com o pensamento educacional do autor, é preciso
compreender como se dá o desenvolvimento das teorias administrativas até o período escolhido
neste trabalho para análise. Assim, far-se-á uma breve síntese, de caráter mais descritivo do que
analítico, das teorias administrativas, partindo da concepção em que se baseia a sistematização
realizada por Chiavenato (2001).
2.1 Consenso e Conflito
Antes, porém, é bom que se traga aqui a análise realizada por Benno Sander (apud
PADILHA, 2001), que concebe a existência de duas tradições filosóficas que se opõem, no esforço
da construção de uma teoria da administração e da administração educacional. Uma, a tradição
funcionalista do consenso, tem suas raízes nas perspectivas positivistas e evolucionistas, que têm
influenciado de maneira decisiva o pensamento científico ocidental. A outra, a tradição
interacionista do conflito, tem sua base nas teorias críticas e libertárias associadas ao marxismo, ao
existencialismo, ao anarquismo, à fenomenologia e à teoria crítica. Essas tradições se manifestam
em enfoques que o autor chama de jurídico, tecnocrático, comportamental, desenvolvimentista e
sociológico.
O enfoque jurídico está ligado a manifestações de práticas normativas e legalistas,
enfatizando a ordem e um sistema fechado de administração. No enfoque tecnocrático, a
característica mais marcante é do predomínio dos quadros técnicos que se preocupam com a adoção
de soluções racionais para as questões organizacionais e administrativas. O enfoque
comportamental traz como foco central o resgate da dimensão humana da organização e dos
processos administrativos, tendo como base a eclosão do movimento psicossociológico deflagrado a
partir da década de 1920, nos Estados Unidos. No enfoque desenvolvimentista, há uma preocupação
voltada para a implementação de políticas e planos econômicos e sociais que passariam a
dimensionar as ações administrativas. E, por fim, como decorrência do fracasso das concepções
desenvolvimentistas, tem-se o enfoque sociológico, que centra seus esforços no sentido de produzir
uma adequação política e cultural dos saberes científicos e tecnológicos na administração e na
educação.
Ainda como forma de aprofundar sua análise, Sander considera que a tradição funcionalista
da administração da educação está associada à Administração Burocrática, à Administração
Idiossincrática e à Administração Integradora. A primeira, Administração Burocrática, ligada ao
enfoque jurídico, preocupa-se com o cumprimento das leis e das normas que regem o
funcionamento, centrando a noção de eficácia ao desempenho administrativo, deixando para plano
secundário a questão das relações humanas que se desenvolvem no processo. A Administração
Idiossincrática, mais ligada ao enfoque comportamental, traz a idéia de que a administração deve
favorecer a eficiência de todos os envolvidos no processo, centrando-se, pois, numa preocupação
com o caráter psicológico do comportamento de toda organização. Na última, a Administração
Integradora, entende-se que a instituição educacional é um sistema aberto, situando-se entre os dois
tipos de administração citados.
Na tradição denominada de Interacionista vê-se uma outra divisão, que Sander chama de
Administração Estruturalista, Administração Interpretativa e Administração Dialógica. Na
Administração Estruturalista, a organização e a gestão da instituição educacional dependem de
forma decisiva das condições estruturais de natureza econômica. Já na Administração Interpretativa,
considera-se o sistema educacional como uma criação humana em que se privilegia a subjetividade
em relação à objetividade institucional, fazendo com que a gestão educacional procure mediar as
dicotomias entre intenção e ação, entre teoria e experiência, portanto, entre indivíduo e meio. Por
fim, a Administração Dialógica, que traz uma perspectiva analítica e praxiológica, enfatizando os
princípios de totalidade, contradição e transformação dos sistemas educacionais.
Para Sander (1984, p. 108), “os objetivos da administração do consenso são a manutenção
da ordem social vigente, a obtenção da integração e da coesão social, a satisfação das necessidades
sociais e a reprodução cultural e estrutural da sociedade”. Já as vertentes que consideram a
perspectiva do conflito apresentam propostas que se preocupam com a conscientização e a
interpretação crítica da realidade, bem como com o alcance da emancipação humana e a
transformação estrutural e cultural da sociedade.
2.2 Administração e Administração Educacional
Há, no pensamento pedagógico, entre os que abordam o problema da administração da
educação, uma divergência quanto à natureza epistemológica que fundamenta suas análises. Para
alguns, que se dedicam ao estudo da Administração Educacional, esta não se apresenta como uma
forma derivada da Administração Geral, não tendo, portanto, nem objetivos ou estratégias, nem
princípios ou métodos comuns.
O argumento em que se baseiam os defensores dessa tese é o de que a Administração Geral
produz teorias sobre a organização do trabalho nas empresas, estando, pois, a serviço do capital.
Nesse caso, em seus preceitos não se encontrariam elementos que visam à transformação social,
com vistas à superação do sistema produtivo capitalista. (FRANCISCO FILHO, 2006).
Há também a idéia de que existe uma nítida distinção entre o foco de análise da teoria geral
da administração e as preocupações que movem a administração escolar. Sua posição deriva da
avaliação de que a escola não coloca nenhum produto no mercado, nem possui, por exemplo,
setores de compra, venda ou distribuição. Por esse motivo, não sendo organizada como uma
empresa, seu funcionamento não pode ser gerido pelos princípios que regem a administração geral.
Ao contrário, há um outro grupo de pesquisadores (RIBEIRO, 1978) (ALONSO, 1976), que
sustenta a idéia de que há, na Administração Educacional, elementos que se encontram ancorados
nos princípios e preceitos da Administração Geral. A base que sustenta esse posicionamento reside
na idéia de que, mesmo que os objetivos da Administração Educacional sejam particulares e
específicos, há uma vinculação inevitável à questão maior, que remete aos fundamentos da
Administração Geral.
No que diz respeito à discussão produzida no Brasil sobre educação nos seus aspectos
político-administrativos, vêm-se abordagens que refletem um determinado modo de conceber o
problema. Questões como gestão democrática, planejamento participativo, financiamento, educação
como política pública, autonomia, descentralização, avaliação institucional, entre outras, ocupam
espaço no debate sobre o tema.
Lucia Bruno (1997) discute a relação entre as teorias administrativas e os modos de
produção capitalista, levando em conta a concentração e distribuição de poder, a limitação dos
Estados Nacionais e a estratégia de investimentos na área educacional. Produz uma crítica aos
modelos de administração educacional que fazem reproduzir na escola as formas de operação
política de dominação e considera que para se melhorar a qualidade de ensino tem-se que ir para
além das reformas curriculares. Em sua opinião, há que se criar
“novas formas de organização do trabalho na escola, que não apenas se contraponham às formas contemporâneas de organização e exercício de poder, mas que se constituam alternativas práticas possíveis de se desenvolverem e de se generalizarem, pautada não pelas hierarquias de comando, mas por laços de solidariedade, que consubstanciam formas coletivas de trabalho, instituindo uma lógica inovadora no âmbito das relações sociais”(BRUNO, 1997.p.44).
Para Dalila Andrade Oliveira, a partir da Constituição de 1988, instala-se de maneira mais
intensa a discussão dos modelos de gestão educacional que tentam consolidar a participação
democrática como base da prática administrativa. A Constituição determina a gestão democrática
para a escola pública, cabendo aos sistemas a sua regulamentação. Esse movimento, que traz para o
centro da questão administrativa da educação a escola, em sua opinião, reflete uma tendência à
descentralização administrativa que vinha sendo desenhada desde final da década de 60, a partir do
Decreto-lei nº 200 de 1967, que dispõe sobre a organização federal e as diretrizes para sua reforma.
(OLIVEIRA, 1997). A escola como núcleo da gestão e a ênfase no Planejamento, seus modelos e
seus pressupostos, também trazidos pela autora, passam a ocupar boa parte do debate realizado na
tentativa de consolidar um olhar mais profundo acerca da administração educacional.
Percebe-se que o eixo da discussão se desloca dos aspectos técnicos a serem empregados na
potencialização do sistema produtivo para a tentativa de inversão da lógica administrativa na
direção de uma nova organização social. É uma questão que aparece, de modo geral, nas reflexões
que pretendem dar conta da organização, planejamento e administração do sistema educacional
brasileiro.
Para Maria de Fátima Costa Félix (1989), no bojo dessas duas posições mais gerais que
abordam a questão da Administração Geral e da Administração Educacional, aparece ao empenho
dos teóricos da Administração Geral (de Empresa) em construir uma teoria que se aplique à
situação de todas as organizações, para garantir assim sua generalização (como princípio científico).
No entendimento da autora, é igualmente possível perceber o desenvolvimento dos estudos
dos teóricos da Administração Escolar, a partir das teorias da Administração de Empresa. Esse
avanço se produz na tentativa de validação de suas proposições teóricas em ‘bases científicas’.
Movimento que se faz com o objetivo de nortear a prática administrativa na organização escolar de
tal forma que possa, a escola, alcançar padrões de eficiência e racionalização, já alcançados por
outras organizações, e especialmente, pelas empresas (FELIX, 1989).
É uma evidente disputa pela consolidação do paradigma da racionalidade técnica, que se
colocaria à disposição de uma certa racionalidade econômica, que por sua vez se põe a serviço da
expansão do capitalismo. Esse esforço está associado ao fato de se atribuir à racionalidade técnica
aquele grau de neutralidade inerente às concepções positivistas de ciência. Para a autora, portanto, é
nessa perspectiva que devem ser avaliadas as posições teóricas da Administração Geral e o
aperfeiçoamento da prática da administração nas organizações da sociedade capitalista, incluindo-
se, portanto a prática da administração escolar (idem).
Essa discussão sobre natureza epistemológica entre a teorias da Administração Geral e da
Administração educacional não é foco neste trabalho, mas a posição assumida por Azevedo, embora
não tome esta questão como problema, nem assuma de forma clara esta adesão, é a de adotar
preceitos da Administração Geral, como ponto de partida para sua reflexão e como fonte para sua
ação como administrador público.
Este é um dos pontos partida para realizar a análise da obra azevediana, e para o passo que
se dará a seguir, que se constitui na restituição sintética da Teoria Geral da Administração, uma vez
que nesse quadro teórico Azevedo vai buscar os fundamentos para sua análise. Assim, far-se-á um
rápido histórico das idéias que se consolidaram na teoria geral da Administração, com a finalidade
de iluminar a questão que é central neste trabalho, qual seja, as matrizes que sustentam as
concepções de Fernando de Azevedo acerca da Pedagogia e, em especial, da Administração
Educacional.
2.3 Teoria Geral da Administração
O termo administração, que tem inicialmente o seu significado relacionado à idéia da
realização de um empreendimento sob as ordens de alguém ou, ainda, simplesmente como a
prestação de um serviço a outrem, sofreu intenso aprofundamento e ampliação em seu escopo. O
administrador é hoje encontrado em todos os níveis e em todas as áreas da empresa moderna e em
todos os tipos de organizações humanas, bem como nos governos e instituições ligadas à
organização estatal.
2.3.1 Teoria Clássica
A teoria da administração surge com ênfase nas tarefas, a partir da Escola da Administração
Científica de Taylor, dentro de uma abordagem que se organiza em torno da idéia de um sistema
fechado, preocupada com o nível operacional da empresa.
Como primeira teoria administrativa, que teve início a partir das obras de Frederick W.
Taylor, a Administração Científica se desenvolve a partir das experiências concretas e imediatas
realizadas com os trabalhadores, dando ênfase às tarefas por eles desenvolvidas. Suas primeiras
formulações fundamentavam-se na análise do trabalho de cada operário, no estudo dos tempos e
movimentos realizados por eles, na fragmentação das tarefas e na especialização de cada
trabalhador. Seu objetivo era eliminar o desperdício, controlar a produção para evitar a ociosidade e
reduzir os custos. Assim, o modelo de organização dos cargos e tarefas tinha o foco principal no
trabalho simples e repetitivo das linhas de produção e montagem, bem como na padronização e nas
condições de trabalho que assegurassem a máxima eficiência (CHIAVENATO, 2001).
Taylor considera que o objetivo da administração é organizar a produção de tal forma que
seja possível pagar salários altos e ter baixos custos unitários de produção. Sendo assim, deve
introduzir métodos científicos de pesquisa e experimentação no processo produtivo com a
finalidade de criar princípios e estabelecer rotinas padronizadas, que permitam o controle das
operações desenvolvidas no interior da fábrica.Os empregados devem ser cientificamente colocados
em serviços ou postos em que os materiais e as condições de trabalho sejam cientificamente
selecionados, para que as normas possam ser cumpridas.
Os empregados devem ser cientificamente treinados para aperfeiçoar suas aptidões e em
conseqüência disso executar um serviço ou tarefa, de modo que as metas da produção sejam
cumpridas. Outro elemento a ser considerado é a criação de uma atmosfera de cooperação entre a
Administração e os trabalhadores, e que se garanta também a continuidade desse ambiente que
possibilita a aplicação dos princípios mencionados.
Posteriormente, em uma fase que se costuma denominar como 2º período de Taylor, o
formulador dessa teoria da administração chegou à conclusão de que não basta a racionalização do
trabalho operário, mas é necessário também que essa
princípios da produção em massa. Ford estabelece alguns princípios básicos sobre os quais se funda
a administração eficiente, para uma produção que tenha a eficiência e a produtividade como
resultado. O princípio da Intensificação, que objetiva diminuir o tempo da fabricação e da
comercialização do produto. O princípio da Economicidade, que propõe manter estoques reduzidos
de matérias primas. E o princípio da Produtividade, que requer o aumento da capacidade de
produção dos trabalhadores, através da especialização e do trabalho conjugado.
Quase simultaneamente, essa concepção sofre acréscimos com a ênfase voltada para a
questão da estrutura, decorrente da abordagem orgânica de Henri Fayol (Teoria Clássica da
Administração), com a abordagem burocrática de Max Weber (Teoria da Burocracia) e, mais
recentemente, com a abordagem estruturalista de Amitai Etzioni (Teoria Estruturalista).
Henri Fayol, como um dos pioneiros da Teoria Clássica, contribuiu também para a definição
das funções básicas da empresa, do conceito de Administração e de seus princípios gerais. A ênfase
era, nesse momento, a estrutura que procura visualizar a organização como uma disposição de
partes que a constituem, sua forma e o inter-relacionamento entre essas partes. Assim, a
Administração deveria ser encarada como uma função distinta dentro da empresa, como o seria
igualmente a que cuida da produção, das finanças, da distribuição, etc.
Sua teoria, que ele mesmo acreditava ser complementar à de Taylor, considera que a
Administração tem cinco funções principais: planejar, organizar, comandar, coordenar e controlar.
Pregava igualmente a especialização do trabalho como forma de garantir a eficiência no processo
produtivo, defendendo, inclusive, que as empresas devessem ser divididas de acordo com as
atividades, relacionando-se com as finalidades estipuladas e as funções administrativas
mencionadas acima.
Esse preceito propõe que toda empresa fosse dividida em seis grupos de funções: 1) Funções
técnicas, relacionadas com a produção de bens e serviços da empresa; 2) Funções comerciais,
envolvidas com a compra e venda; 3) Funções financeiras, voltadas para a gerência de capitais; 4)
Funções de segurança, preocupadas com a proteção e preservação dos bens e das pessoas; 5)
Funções contábeis, focadas nos inventários, registros, balanços e estatísticas; 6) Funções
administrativas, direcionadas para a integração da cúpula da empresa com as outras cinco funções.
As funções administrativas, pois, são as que coordenam e sincronizam as demais funções da
empresa, situando-se sempre acima delas.
Nenhuma das cinco funções essenciais tem o encargo de formular o programa geral da
empresa. Essa atribuição compete especificamente à função administrativa que constitui,
propriamente, a Administração. Para deixar clara essa função coordenadora e diretiva, Fayol define
o ato de administrar como composto pelos seguintes elementos: 1) Prever: visualizar o futuro e
traçar o programa de ação; 2) Organizar: constituir o duplo organismo da empresa, material e social;
3) Comandar: dirigir e orientar o pessoal 4) Coordenar: ligar, unir, harmonizar todos os atos e todos
os esforços coletivos; 5) Controlar: verificar que tudo ocorra de acordo com as regras estabelecidas
e as ordens dadas.
Segundo Fayol, a Administração não se refere apenas ao topo da organização: existe uma
proporcionalidade da função administrativa, que não é privativa da alta cúpula, mas, ao contrário,
distribui-se por todos os níveis hierárquicos. Segundo sua visão, tudo em Administração é questão
de medida, de ponderação e de bom senso. Os princípios que regulam a empresa devem ser
flexíveis e maleáveis, e não rígidos.
São princípios fundamentais de Fayol: 1) divisão de trabalho; 2) autoridade e
responsabilidade; 3) disciplina; 4) unidade de comando; 5) unidade de direção; 6) subordinação dos
interesses individuais ao interesse geral; 7) remuneração justa ao pessoal; 8) centralização; 9) linha
de autoridade; 10) ordem; 11) equidade; 12) estabilidade do pessoal; 13) iniciativa e; 14) espírito de
equipe.
A Teoria Clássica de Fayol, portanto, concebe a organização em termos estruturais e
formais, tomando a disposição das partes que a constituem, sem considerar os elementos externos
que interagem nos processos. Assim, a estrutura e a forma de organização marcam a essência da
Teoria Clássica, elementos estes que ocupam o centro da crítica sofrida por esta corrente.
O tratamento simplificado no entendimento sobre a organização formal, sem se levar em
conta a organização informal, e uma visão da organização como sistema fechado constituem-se
como as principais críticas atribuídas a esta teoria, além do fato de estar a serviço de um modelo de
produção que tem como centro a acumulação e não a distribuição das riquezas produzidas pelo
trabalho.
Outra crítica também feita a esta corrente do pensamento econômico-administrativo é a que
ressalta a especialização do trabalho e, conseqüentemente, a desvalorização do trabalhador. Como
desdobramento dessa idéia vê-se a nítida separação entre o trabalho intelectual e o trabalho manual,
produzindo condições para o rígido controle do sistema produtivo. Sendo assim, a alguns é dado
planejar e a outros, executar as tarefas pensadas por outrem. É um processo de desqualificação e
desumanização do trabalho (PARO, 1993), uma vez que há uma separação artificial entre a ação de
planejar e a de fazer, entre o trabalho manual e o intelectual, que na natureza humana encontra-se
num mesmo ato.
As concepções fundantes da administração clássica parecem não estar, de todo, superadas.
Na concepção de Paro, o pensamento de Taylor, que é seu principal representante, não ficou restrito
ao seu tempo e à esfera da sua administração científica.
“Mesmo com matizes variados, que servem para encobrir suas reais dimensões e visam a atender às necessidades de justificação ideológica do momento, a gerência enquanto controle do trabalho alheio, através da
apropriação do saber e do cerceamento da vontade do trabalhador encontra-se permanentemente presente na teoria e na prática da administração em
2.3.3 Teoria das Relações Humanas
Como conseqüência das experiências desenvolvidas por George Mayo e seus colaboradores,
a abordagem humanística (Teoria das Relações Humanas), que teve início em meados da década de
vinte do século passado, surge num contexto marcado por uma intensa recessão econômica
combinada com inflação, elevado nível de desemprego e forte atuação dos sindicatos. A teoria das
Relações Humanas, caracterizada pelo pragmatismo americano, principalmente baseada na filosofia
pragmática de John Dewey e na Psicologia Dinâmica de Kurt Lewin (PADILHA, 2001), desloca o
foco colocado na tarefa e na estrutura, como faz a escola clássica, para a preocupação com as
pessoas. A integração e o comportamento social dos empregados, as necessidades individuais e
sociais, o estudo de grupos informais, o interesse pelas relações humanas dentro das organizações, a
ênfase nos aspectos emocionais (psicológicos) e a importância do conteúdo do cargo para as
pessoas que os ocupam passam a ser objetos de estudo. O objetivo principal refletia uma tentativa
de conciliar e harmonizar, segundo seus idealizadores, duas funções básicas da organização
industrial: a função econômica de produzir bens e serviços para garantir o equilíbrio externo e a
função social de distribuir satisfações entre os participantes para garantir o equilíbrio interno.
A Teoria das Relações Humanas reformula, sem abandoná-la por completo, a premissa da
Teoria Clássica, que havia centrado a interpretação sobre a natureza humana na atividade
econômica e passa a considerar o homem como um ser social. Concomitantemente, depois de
estudos na área da psicologia, verificou-se que a formação de grupos e os processos que se
desenvolvem no seu interior são passíveis de manipulação por intermédio da ação de lideranças e da
utilização de instrumentos de comunicação.
Baseia-se no conceito de delegação de autoridade, na autonomia do empregado, com
confiança e abertura, dando ênfase às relações humanas; na dinâmica interpessoal e grupal,
acentuando a importância de elementos como liderança, participação e comunicação. Considera o
trabalho, portanto, como uma atividade realizada em grupo.
“O trabalho, nessa teoria, é, portanto, uma atividade grupal, e a participação dos escalões mais inferiores na solução dos problemas da organização é incentivada a partir da introdução das ciências do comportamento nas práticas administrativas e na prática do planejamento em particular” (PADILHA, 2001. p 48).
Há, todavia, sob essa ótica, uma redução do caráter político das tomadas de decisão, e na
própria organização do trabalho, aos aspectos psicológicos, criando um espaço de cooptação e
fortalecendo a perspectiva de dádiva e de dependência. Há, também, a manipulação da força de
trabalho, uma vez que a participação dos trabalhadores nas decisões que afetam seu trabalho estará
condicionada a um universo limitado de temas, aspectos e áreas definidos pelo gestor principal,
tanto na formulação do plano geral, quanto na sua operacionalização.
Essa concepção acerca do trabalho e a ênfase nos grupos informais passaram a ser alvo das
críticas de uma nova acepção que emerge. Surge a teoria Neoclássica, como forma de promover
uma adequação dos conceitos da Teoria Clássica, expurgando-lhes os traços mais radicais e as
impropriedades, mesclando-os com outros conceitos aceitos naquele momento por outras teorias
administrativas mais recentes.
2.3.4 Teoria Neo-Clássica
Dar ênfase à prática administrativa, reafirmando, ainda que de forma relativa, os postulados
clássicos; centrar o foco nos princípios gerais da administração; priorizar os resultados e os
objetivos e, sobretudo, permitir a incorporação de novas idéias, em busca de melhores resultados,
passam a ser as características mais relevantes dessa nova corrente de pensamento administrativo: a
Teoria Neo-Clássica.
Nessa perspectiva, o planejamento é um processo permanente e contínuo, sempre voltado
para o futuro com vistas à racionalidade da tomada de decisões: é, portanto, uma previsão calcada
na razão, tendo como pano de fundo a idéia de sistema, ou seja, considera toda a unidade que está
sendo planejada e também traz a idéia de flexibilidade, permitindo ajustes e correções durante sua
execução. É, igualmente, uma técnica de alocação de recursos e passa a ser considerado como uma
função administrativa, interagindo com as outras funções (PADILHA, 2001).
Há uma possibilidade de se pensar a Teoria Neo-clássica, não como uma escola
independente de administração, mas como um desdobramento de outras concepções que vão se
amalgamando. É uma corrente marcadamente eclética que tem em sua galeria autores como Peter
Drucker, seu principal representante, Ernest Dale, Harold Koontz, Michael Jucius, dentre outros que
não são alinhados dentro de um pensamento comum. Diga-se também que “é necessário perceber
que durante as duas grandes guerras, a idéia de administração científica imperou, especialmente
pela necessidade de aumentar a produção diante dos acontecimentos e do progresso na
industrialização dos EUA” (FRANCISCO FILHO, 2006. p.37), lembrando que as concepções de
Taylor foram re-apropriadas e adaptadas a uma nova realidade produtiva.
2.3.5 Correntes seguintes
A denominada Administração por Objetivos (APO) é constituída por elementos
identificados com a razão pragmática da Teoria Neoclássica. Surge a partir de década de 50 do
século XX e tem como foco a razão e a finalidade de se administrar. Nessa corrente de pensamento
administrativo, o trabalho ganha nova dimensão no sentido de que passa a se constituir como um
meio de obter resultados. Fundamentada no estabelecimento dos objetivos a serem alcançados
pelas organizações, dando ênfase à construção de planos táticos e operacionais, à mensuração e ao
controle dos critérios para fixação dos objetivos, a administração por objetivos passa a vigorar
como técnica administrativa por um determinado período em algumas empresas.
A partir da década de 1940, as críticas tanto à Teoria Clássica, pelo seu mecanicismo, quanto
à Teoria das Relações Humanas, por sua frágil sustentação naquele momento, acabam por revelar a
ausência de uma teorização sólida e abrangente, de tal forma que servisse de orientação para a
administração das organizações que se tornaram maiores e que se complexificavam. Nesse
momento, a obra de Max Weber irá servir de apoio para o surgimento da Teoria da Burocracia na
Administração.
Como forma organizativa, a burocracia se baseia na racionalidade, ou seja, organiza-se com
vistas à adequação dos meios aos objetivos, com a finalidade de garantir a máxima eficiência no
alcance desses objetivos traçados. Tem como traços principais o caráter legal, formal e racional; a
impessoalidade, a hierarquia, as rotinas e os procedimentos racionalizados; a competência técnica e
meritocrática, a especialização, a profissionalização e a previsibilidade do funcionamento. Com
isso, ao mesmo tempo em que introduz novos elementos à construção de uma teoria administrativa,
acaba por apresentar resultados práticos que igualmente a coloca como alvo de crítica. As chamadas
disfunções, como internalização de regras e apego aos regulamentos, despersonalização do
relacionamento, excesso de formalismo, resistência às mudanças, categorização nos processos de
tomada de decisão, conformismo, dificuldade no atendimento ao cliente e conflitos com o público,
passam a ser os traços que merecem as críticas de outras correntes que surgem.
Com o final da década de 1950, a Teoria das Relações Humanas entra em declínio. Sua
concepção humanista acerca da participação do homem na organização gerou uma desestabilização
da Teoria Clássica, mas não constituiu as bases adequadas para uma nova teoria que a pudesse
substituir. A oposição entre as concepções da Teoria Clássica e da Teoria das Relações Humanas
criou um espaço de conflito que não fora ocupado pela Teoria Burocrática. Sendo assim, a partir da
revisão crítica sobre a organização formal, como um desdobramento da Teoria da Burocracia, bem
como tendo uma aproximação com a Teoria das Relações Humanas, surge a Teoria Estruturalista.
A partir daí várias correntes vão aparecendo como resultado da busca por formas de
organizar o trabalho produtivo, de maneira que o capitalismo não só sobrevivesse como também
pudesse levar a termo seus princípios.
Tem-se correntes diversas, como Teoria Comportamental, Teoria da Contingência, Teoria
funcionamento de forma que seja uma extensão do poder do soberano e de seus auxiliares e
servidores, que adquirem status de nobreza real. Os cargos são considerados privilégios e não há
diferença entre a res publica e a res principis. De forma associada, a corrupção e o nepotismo
aparecem como inerentes a esse tipo de administração. No momento em que o modelo liberal de
democracia se torna dominante, o mercado e a sociedade civil passam a se distinguir do Estado.
Desse modo, como diz Bresser Pereira:
“as reformas do serviço público, que mudaram a administração do estado de uma administração pública patrimonial para uma administração pública burocrática no século XIX constituíram acontecimentos políticos (e técnicos) importantes, que redundaram na substituição das monarquias absolutas pelo estado liberal (e constitucional)” (BRESSER-PEREIRA, 2001).
Nessa perspectiva, na medida em que se firma o Estado de direito e que ocorre a separação
entre o patrimônio público e o privado, torna-se necessário um corpo profissional de burocratas que
pudesse dar conseqüência às ações administrativas de Estado. Surge a Administração Pública
Burocrática, na segunda metade do século XIX, como forma também de combater a corrupção e o
nepotismo. A profissionalização, a idéia de carreira, a impessoalidade, o formalismo e a hierarquia
funcional passam a se constituir como princípios orientadores do desenvolvimento dessa concepção
de administração pública. Os controles administrativos, que objetivam evitar a corrupção e o
nepotismo, são sempre a priori, pois parte-se de uma desconfiança antecipada nos administradores
públicos e nos cidadãos que a eles se dirigem em busca do atendimento de demandas.
Por outro lado, o controle, que se configura como garantia de manutenção do poder do
Estado, transforma-se na razão principal de existência desses funcionários. Conseqüentemente, o
Estado volta-se para si mesmo e perde a perspectiva de sua principal missão: servir à sociedade.
Como traço principal que caracteriza a administração pública burocrática, tem-se a efetividade no
controle dos abusos; todavia, pode-se apontar a ineficiência, a auto-referência e a incapacidade de
voltar-se para o serviço aos cidadãos como uma grande questão não resolvida, embora não se
revelasse determinante na época do surgimento da administração pública burocrática, uma vez que
os serviços do Estado eram reduzidos. O Estado estava limitado, naquele momento, à manutenção
da ordem, à administração da justiça e à garantia dos contratos e da propriedade.
A Administração Pública Gerencial surge na secunda metade do século XX atrelada, de um
lado, à expansão das funções econômicas e sociais do Estado e, de outro, ao desenvolvimento
tecnológico e à globalização econômica, uma vez que esses elementos acabam por fragilizar o
modelo anterior. Torna-se necessário, então, garantir a eficiência da Administração Pública; surge a
necessidade de se reduzir custos e melhorar a qualidade dos serviços, tendo o cidadão como
beneficiário.
A Administração Pública Gerencial apóia-se no modelo burocrático, do qual conserva
alguns princípios fundamentais, mesmo que com certas adaptações. As admissões realizadas a partir
de rígidos critérios meritocráticos, a existência de um sistema estruturado e universal de
desempenho, bem como o treinamento sistemático desses servidores, configuram-se como traços
importantes desse modelo. A diferença fundamental residirá, então, na forma de controle, que deixa
de se basear nos processos para ter foco nos resultados.
Como estratégias utilizadas nesses modelos tem-se a definição precisa de objetivos a serem
atingidos e a garantia de autonomia na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros que lhe
forem colocados à disposição. No plano da estrutura organizacional, a descentralização e a redução
dos níveis hierárquicos passam a ser necessárias.
Nessa concepção, o cidadão é visto como contribuinte e como cliente dos seus serviços. Os
resultados da ação do Estado passam a ser avaliados pelo critério do atendimento das necessidades
dos cidadãos-cliente e não pelo controle dos processos administrativos, como na Administração
Burocrática.
Como já dito aqui, o objetivo desta síntese é trazer elementos para iluminar a análise da obra
azevediana. Nesse sentido, é preciso compreender que a década de 1930 traz uma série de
mudanças, e uma série de concepções acerca da sociedade, da economia e da política, que passam a
influenciar as ações administrativas, seja no âmbito da iniciativa privada, seja na administração
pública. É possível identificar movimentos que apontam para um processo de democratização da
gestão, mas também observa-se que concepções autoritárias florescem e ocupam espaços
importantes. O Manifesto dos Pioneiros, a Constituição de 1934, o refluxo que representou o Estado
Novo, bem como diversos outros movimentos, como o Integralismo, o Tenentismo, por exemplo,
fizeram com que a situação sócio-política e, paralelamente, a administração pública no Brasil
sofressem revezes difíceis de serem compreendidos.
Outro elemento importante a se trazer aqui é o fato de que não se pode distanciar, a não ser
esquematicamente, a administração das empresas e a administração pública. Embora tenham
objetivos formais distintos, os modelos interpretativos da economia, da sociedade e da política em
muitos momentos partem de uma mesma premissa. Assim, pode-se dizer que identifica-se na
denominada administração pública burocrática elementos comuns à teoria clássica da administração
geral, por exemplo. Em ambas, a organização é considerada sob o ponto vista técnico, numa
tentativa de neutralizar o caráter político dos interesses em jogo; a divisão do trabalho tem raízes no
pensamento liberal clássico e na crença na racionalidade técnica e instrumental, que via a
disciplinarização do trabalho como forma determinante para o alcance da eficácia, tanto na
produção de bens quanto na prestação dos serviços públicos.
A administração burocrática é implementada na Europa, em fins do século XIX; nos Estados
Unidos, no começo do século XX e no Brasil, em 1936, com a reforma administrativa promovida
por Maurício Nabuco e Luís Simões Lopes (BRESSER-PEREIRA, 1996). É adotada como
superação da administração patrimonialista, que se revela incompatível com o capitalismo industrial
e com as democracias parlamentares, que emergem no século XIX.
É necessário para o capitalismo que haja a separação entre o Estado e o mercado. Concebida
com base nesse princípio, a democracia liberal só se sustentaria se houvesse uma sociedade civil,
formada por cidadãos, distinta do Estado, que, ao mesmo tempo, a controlasse. Torna-se imperioso
desenvolver, portanto, um tipo de administração que partia, não apenas da distinção entre público e
privado, mas também da separação entre o político e o administrativo: surge a administração
burocrática moderna, racional-legal.
Não é conveniente, portanto, pensar estas duas instâncias da administração (pública e
privada) sem que se estabeleça a relação entre o modelo de produção, a concepção de Estado e a de
sociedade, bem como as formas organizativas do trabalho que as sustentam, sob pena de se
fragmentar a análise e de se ter sobre elas uma visão parcial, incapaz de dimensioná-las, de forma
adequada, dentro do cenário aqui estudado.
CAPÍTULO III
CONTEXTO DA PRODUÇÃO DA OBRA AZEVEDIANA
1. Contexto sócio-político, econômico e educacional
O primeiro passo que se dará na tentativa de compreender a obra azevediana consistirá em
percorrer, ainda que de maneira sucinta, o cenário sócio-econômico, político e educacional da
década de trinta, com o intuito de mapear as condições em que se processou a reflexão que resultou
na obra aqui analisada.
A década de trinta começa com as conseqüências herdadas dos anos anteriores. Durante os
anos vinte, eram evidentes a crise das oligarquias, a crescente mobilização das classes operárias e a
atuação de diversas correntes políticas que ameaçavam a estabilidade da conhecida política do
“café-com-leite”, aliança entre os estados de São Paulo e Minas Gerais, que se revezavam no
comando da política nacional. Essa crise se manifesta tanto na área econômica, com a crise do café,
quanto na área política, com, por exemplo, a criação do Partido Democrata (PD), formado por
dissidentes do Partido Republicano Paulista (PRP).
É um período tomado por intensas disputas no campo político-ideológico, com o
aparecimento de diversas correntes de pensamento que tentavam dar conta da definição de
conceitos vitais para a construção da sociedade brasileira. Os conceitos de homem, Estado e
sociedade, bem como as relações entre eles, eram alvo de reflexão e motivo de debates intensos na
luta política travada por representantes de diversos matizes ideológicos.
Com o argumento de defender os interesses da oligarquia cafeeira, o então Presidente
Washington Luís lança o Governador de São Paulo, Júlio Prestes, como candidato a sua sucessão,
pelo PRP. Por conta desta indicação de outro paulista para a sucessão presidencial, há um
rompimento do acordo básico que sustenta a hegemonia política de São Paulo e Minas Gerais na
indicação de nomes para a Presidência da República. Como forma de reação, após ver preterido o
nome de Antonio Carlos para a disputa, o Partido Republicano Mineiro (PRM) coloca-se na
oposição e constrói a denominada Aliança Liberal, com a adesão das forças políticas de outros
estados da federação, lançando Getulio Vargas na cabeça de chapa e João Pessoa como Vice-
Presidente.
O pleito eleitoral, cercado de fraudes, dá a vitória ao paulista Júlio Prestres. Todavia, o
assassinato de João Pessoa, vice de Getúlio, foi entendido como uma represália do governo do
Presidente Washington Luís. O Rio Grande do Sul subleva-se e a oligarquia mineira apóia os
gaúchos, que, depois da renúncia do Presidente Washington Luís, conduzem Getúlio Vargas à
presidência, a título provisório.
A revolução foi vitoriosa, mas as lutas ideológicas não terminam. A ordem internacional
mostrara-se frágil, após a I Guerra, e a revolução bolchevique de 1917 cria um novo ordenamento
político que se contrapunha às idéias liberais em crise. Como reação ao liberalismo e também contra
o socialismo crescem, nesse período, as concepções totalitárias de direita.
Há em comum entre essas vertentes que se contrapunham, esquerda e direita, a concepção de
que dois elementos são fundamentais na consolidação da coesão social e da unidade nacional: o
Estado forte e o culto à personalidade (D’ARAUJO, 2000). Mesmo o liberalismo aponta para o
modelo intervencionista, baseado na doutrina de Keynes, que depois da crise de 29, ou mesmo
antes, considerava necessário que o Estado interviesse na economia de mercado. O que difere, nesse
caso, é que no liberalismo há o princípio das liberdades individuais e da livre iniciativa, “enquanto
para a esquerda e para a direita prevaleciam os ideais do intervencionismo estatal, em termos
econômicos e sociais” (idem, p 8).
Getúlio assinou um decreto, ao tomar posse como chefe do Governo Provisório, dissolvendo
as Assembléias Legislativas Estaduais e as Câmaras Municipais de todo o país. Além disso,
substituiu governadores estaduais e prefeitos municipais por interventores, recrutados entre os
tenentes. Criou o Ministério da Educação e Saúde Pública, nomeando como Ministro o mineiro
Francisco Campos; e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, dando seu comando ao
gaúcho Lindolfo Collor. Cria também, com o objetivo de solucionar as questões relativas à crise
cafeeira, o Conselho Nacional do Café e compra o excedente do produto, retirando-o do mercado
para equilibrar oferta e demanda. Com o preço do café estabilizado, ocorre um novo surto
industrial.
Todavia, não era fácil manter o equilíbrio político no governo. Os militares pressionavam
para adiar as eleições que escolheriam a Assembléia Constituinte, pois temiam que, se fossem
realizadas imediatamente, as antigas oligarquias voltassem ao poder. Em contrapartida, os
constitucionalistas liberais passam a pressionar para que as eleições fossem marcadas de maneira
imediata. Getúlio realiza manobras políticas e as eleições não acontecem. Os tenentes foram
nomeados interventores estaduais. Para contornar as pressões do grupo constitucionalista, Vargas
publica um Código Eleitoral, em fevereiro de 1932, e assina decreto marcando para o mês seguinte
as eleições, que não ocorrem.
Fora do jogo político oficial, marginalizadas, tendo o tenente pernambucano João Alberto
como Interventor do Estado, as oligarquias paulistas pegam em armas e, após a morte de quatro
estudantes em conflitos de rua, decidem enfrentar o governo central. Mas a tentativa de gerar um
movimento contra-revolucionário não logra êxito. O Estado de São Paulo fica isolado, Vargas
convoca suas forças e sufoca os paulistas que, depois de três meses de movimento, se rendem.
Mesmo tendo saído vitorioso na disputa armada, Vargas convoca uma Constituinte, para
sedimentar as conquistas da revolução: a legislação social e a ampliação dos direitos de voto. Em
1933, foram promovidas eleições para a Assembléia Constituinte e, em 1934, o país passou a contar
com nova Constituição.
3) à União compete, ainda:
a) organizar e manter, nos Territórios, sistemas educativos;
b) Manter no Distrito Federal ensino secundário, complementar e superior
universitário;
c) Determinar as condições de reconhecimento oficial dos estabelecimentos de
ensino secundário, complementar, e superior (Art. 150 letras b, c e d).
Estariam, também, assegurados a liberdade de cátedra (Art. 155), o provimento dos cargos
do magistério oficial por concurso de títulos e provas, a vitaliciedade e a inamovibilidade dos
nomeados, bem como a sua contratação por tempo indeterminado (Art. 158).
Quanto à questão dos recursos financeiros, a União e os Municípios aplicariam, pelo menos,
10%, e os Estados, pelo menos 20%, da renda resultante dos impostos na manutenção e
desenvolvimento dos sistemas de Educação (Artigo 156), com tratamento preferencial para a zona
rural (Art. 157). Seriam constituídos fundos de educação com parte dos patrimônios territoriais da
União, dos Estados e do Distrito Federal e com sobras das dotações orçamentárias e taxas (Art.
157). O auxílio a alunos necessitados seria efetivado com o fornecimento gratuito de material
escolar, bolsas de estudo, assistência alimentar, dentária e médica (Art. 157, § 2º).
Seria garantido o estímulo ao desenvolvimento das ciências, artes, letras e cultura em geral
(Art. 148), ficando sob a proteção oficial os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do
país (Art. 148); o trabalhador intelectual gozaria de assistência (Art. 148).
A Carta Constitucional de 1934, que contém muitos ideais presentes no Manifesto dos
Pioneiros, redigido por Azevedo e assinado por diversos intelectuais, trouxe alguns preceitos que
iriam ficar sedimentados não só nos textos constitucionais seguintes como também nas Leis de
Diretrizes e Bases posteriores. A Lei Maior buscou fixar princípios gerais, delinear direitos e
distribuir competências; determinar a consolidação de fundos financeiros; exigir a aplicação de
percentuais mínimos dos recursos da União, dos Estados e dos Municípios nos encargos
educacionais e delimitar deveres aos Poderes Públicos, nem sempre, diga-se, plenamente
cumpridos.
Instituiu a variedade de sistemas dentro dos princípios de flexibilização das diretrizes e
bases, imprimiu um cunho nacional por meio das diretrizes e semeou a idéia de educação planejada,
embora centralizasse as decisões desse planejamento. Essa noção de planejamento como forma de
controle parece ter firmado suas raízes até os dias de hoje.
Sem reservar ao Poder Público o monopólio do ensino, uma vez que abriu a possibilidade ao
ensino privado, a Constituição teve a intenção de criar mecanismos de atribuição dos mais amplos
deveres para que a tarefa educacional viesse a ser enfrentada no país inteiro, em busca de uma
educação que viesse ao encontro dos interesses do país. Entretanto, o caráter centralizador, no que
diz respeito à fixação de objetivos e metas, fez com que a descentralização não se efetivasse, bem
como fez fortalecer a educação oferecida pela iniciativa privada, desobrigando, na prática, o Estado
da tarefa de garantir educação para todos.
Muitas das características dessa Carta têm como base as concepções liberais advogadas por
diversos educadores, que inclusive se manifestaram no lançamento, em 1932, do conhecido
Manifesto dos Pioneiros, já mencionado. Muito da concepção administrativa que fundamenta o
Manifesto também encontra eco na obra de Fernando de Azevedo e reflete a luta que se travou
naquele período. Com efeito, se, por um lado, trouxe a educação para o centro da discussão sobre a
construção de um projeto de Nação, por outro, cria um movimento de refluxo em função das
vitórias de forças conservadoras que acabaram por se firmar.
Voltando ao campo político, importa lembrar que a nova Constituição trazia uma disposição
transitória que previa que o primeiro presidente deveria ser eleito de maneira indireta pela mesma
Constituinte que a escrevera, passando este a governar até 3 de maio de 1938. Encerrados os
trabalhos regimentais, a Assembléia elege Getúlio Vargas como Presidente.
Esse primeiro período de governo Vargas também é marcado pelos confrontos entre a Ação
Integralista Brasileira (AIB) e a Aliança Nacional Libertadora (ANL). A primeira, liderada por
Plínio Salgado, de ideologia fascista, isto é, de extrema direita, tem como principal objetivo o
combate ao comunismo. A AIB defendia a implantação de um governo ditatorial, com partido
único, e congregava em seus quadros elementos conservadores do clero, da cúpula militar, da alta
burguesia e dos latifundiários.
Já sob a liderança maior de Luiz Carlos Prestes, a Aliança Nacional Libertadora, de
ideologia comunista, reunia elementos de vários grupos sociais, como operários, estudantes,
militares de baixa patente e a classe média, fazendo oposição ao fascismo e a Vargas, que era
considerado, pelo grupo, um político de tendências centralizadoras.
O governo Vargas passa a reprimir de forma intensa a ANL e, em 1935, após declarar a
ilegalidade da organização, invade sua sede, confiscando todos seus documentos. Em resposta a
esse ato autoritário do governo e a todo um conjunto de outras divergências, os comunistas
realizaram a Intentona Comunista, movimento que tem braços em Recife, Natal e Rio de Janeiro.
Tal movimento é sufocado, em mais uma demonstração de força do governo de Getulio Vargas.
O próximo passo de Getúlio é fechar o Congresso e suspender as eleições, outorgando ao
país uma nova Constituição. Essa, agora, baseia-se na Constituição polonesa, que prevê um
mandato de seis anos, mantendo a extinção do cargo de vice-presidente. O presidente também passa
a ter a prerrogativa de fechar o Congresso, controlar as Forças Armadas e decretar estado de sítio.
Como conseqüência, o país transformou-se em um Estado autoritário. A situação do Brasil
apresenta novos rumos políticos: com menosprezo pela democracia, com a tendência de
centralização do poder e do fortalecimento da União, com o conseqüente enfraquecimento das
unidades da Federação. A promissora experiência de 34 sucumbiria pouco depois de nascer, com o
advento do Estado Novo.
A Constituição de 1937 irá refletir a nova situação política do país. Apesar de reservar à
educação e à cultura capítulo especial, não confirmaria compromissos da Constituição anterior. Não
encara a educação como direito de todos e abre à iniciativa privada, em matéria de ensino,
perspectivas mais ampliadas e também obrigações maiores.
O dever da Nação, dos Estados e dos Municípios limitar-se-ia à infância e à juventude,
quando faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, hipótese em que o
Poder Público asseguraria a fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus
(Art. 129). Irá enfatizar o ensino pré-vocacional e profissional, primeiro dever do Estado em
matéria de ensino; a escola de aprendizes, a cargo dos sindicatos (Art. 129); a educação física, o
ensino cívico e os trabalhos manuais, obrigatórios em todas as escolas primárias, normais e
secundárias (Art. 131). Vai igualmente privilegiar as instituições, estatais ou privadas, destinadas a
proporcionar aos jovens períodos de trabalho manual, nos campos e oficinas, assim como
promover-lhes a disciplina moral e o adestramento físico, de maneira a prepará-los ao cumprimento
dos seus deveres para com a economia e a defesa da Nação (Art. 132).
O Artigo 134 pretende garantir a integridade do patrimônio histórico, artístico e natural,
equiparando os atentados contra eles àqueles cometidos contra o patrimônio nacional. Percebe-se de
pronto o caráter patrimonialista que perpassa o conceito de cultura no qual se fundamenta o texto
constitucional.
A União continua sendo detentora do poder de legislar sobre as diretrizes da educação
nacional (Art. 16, XXIV), de fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando
as diretrizes que devem orientar a formação física, intelectual e moral da infância e da juventude
(Art. 15, IX).
A concepção que norteia a Carta de 37 salienta que é dever do Estado socorrer as famílias,
quando houver precariedade de recursos, cabendo às instituições públicas atender aos necessitados.
Em contrapartida, os sindicatos arcariam com as escolas de aprendizes. É uma concepção
predominantemente voltada à educação para o trabalho, com o ornamento da educação física e da
educação cívica e o fortalecimento dos deveres de todos para com a economia e a defesa da Nação,
recheada com uma espécie de saudosismo das Corporações de Ofício.
Desaparece, pois, o direito à educação e o Estado passa a sustentar o direito de educar,
mediante leis orgânicas sobre os diversos graus de ensino, que tendem a uma crescente
uniformidade. Fica clara, ainda, a centralização, que se manifesta no fato de que emanam das
repartições federais as instruções a respeito de todos os assuntos. A fiscalização federal é
fortalecida, embora já se conhecesse sua duvidosa eficácia e seus excessos burocráticos.
Durante o Estado Novo, o Ministro Gustavo Capanema promove reformas, regulamentadas
através de decretos-lei editados entre 1942 e 1946. Essa legislação ficou conhecida como Leis
Orgânicas do Ensino. Em 1942, entra em vigor a Lei Orgânica do Ensino Industrial, o Serviço
Nacional da Aprendizagem Industrial (SENAI) e a Lei do Ensino Secundário. Em 1943, passa a
vigorar a Lei Orgânica do Ensino Comercial e, em 1946, após a queda de Getúlio, a Lei Orgânica
do Ensino Primário, a Lei Orgânica do Ensino Normal, a Lei Orgânica do Ensino Agrícola, além da
criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).
O Artigo 1º da Lei Orgânica do Ensino Secundário determina que essa modalidade de ensino
tem por objetivo formar a personalidade integral dos adolescentes, acentuar e elevar a consciência
patriótica e humanística, bem como dar preparação intelectual geral que possa servir de base a
estudos mais elevados de formação especial. Preceitua ainda, agora no Artigo 25, a necessidade de
formar "individualidades condutoras".
Como é fácil de perceber, nessa pequena amostra, trata-se de uma legislação que reflete uma
concepção individualista e elitista da educação, já colocando para a União a responsabilidade de
centralização dos encaminhamentos das questões relativas à administração e ao planejamento da
educação.
Os preceitos da Carta de 37 se consolidam durante o Estado Novo, sofrendo
aprofundamentos e desdobramentos, mas o Ministério da Educação produziu poucas soluções para
os problemas educacionais brasileiros. Sua área de atuação foi, entretanto, ampliada, obtendo algum
avanço na implantação de serviços culturais (firmou os primeiros passos em matéria de rádio e
cinema educativo; de teatro; de edições e bibliotecas; de museus; de literatura infantil).
A administração Vargas é marcada por instantes diversos de autoritarismo e as origens dos
fundamentos político-filosóficos do Estado Novo podem ser identificadas em figuras como Mustafá
Kemal Atatürk, líder de um grupo de jovens militares que assumem o poder na Turquia, em 1922,
produzindo uma rápida modernização de viés autoritário (D’ARAUJO, 2000).
Outra possível fonte inspiradora vem do pensador romeno Mihail Manoilescu, que formula a
doutrina corporativa a partir da qual pensadores brasileiros irão construir suas reflexões, do qual se
falará em outro momento deste trabalho. O corporativismo apresenta como proposta que as
atividades políticas fossem substituídas por ações desenvolvidas por trabalhadores técnicos em
comissões e conselhos de grupos profissionais ou econômicos. Os partidos e a liberdade de
organização política deveriam ser substituídos por câmara ou setores da produção, organizados e
liderados por um Estado fortalecido (idem, p.11).
O Estado Novo, então, é anunciado como uma novidade em termos de administração
pública, uma vez que corresponde a alguns anseios de modernização que circulavam à época. Essa
modernização traz como um de seus pontos altos a política de pessoal, estabelecendo para os
funcionários públicos a previsão de concurso para ingresso na carreira, a estabilidade no emprego e
um sistema meritocrático de cargos; criando, ainda, o Estatuto do Funcionário Público depois da
criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP).
Essa perspectiva de implantar uma racionalidade técnica na administração pública soava
como uma tentativa de neutralizar as oligarquias, que, desde a década anterior, dominavam o
Estado, distribuindo os cargos a partir de critérios eminentemente políticos, de natureza clientelista.
O conhecimento técnico-administrativo seria, nessa visão, uma maneira de elevar a patamares
superiores uma nova forma de gerir os negócios do Estado. Esse discurso, entretanto, não impediu
que vários cargos se tornassem instrumentos para o clientelismo, que continuou versando nesse
período. Mesmo assim, vários Institutos, Conselhos, Comissões, Coordenações foram criados no
sentido de dar corpo a um Estado que fosse forte e correspondesse aos anseios de modernização do
país. Muitas dessas organizações institucionais convertem-se em canais de participação dos setores
produtivos que passavam a ser controlados pelo Estado centralizador. Desse modo, o Estado vai
consolidando sua autonomia em relação à sociedade e, mais e mais, revestindo-se do caráter
autoritário.
Embora certas características que estavam presentes ainda nessa fase do governo Vargas,
como a racionalidade, o individualismo, ou o personalismo, por exemplo, fizessem parte do ideário
liberal, afeito a muitos educadores que participaram do Manifesto de 32, a política educacional do
Estado Novo provocou cisões entre aqueles escolanovistas, fazendo com que parte dos liberais
elitistas, como Fernando de Azevedo, se mantivessem a uma certa distância do governo, ressaltando
que o Estado Novo era um regime que “arrefecia as paixões”; e outros, como Lourenço Filho,
aceitassem o novo regime e dele até participassem, ao contrário de Anísio Teixeira, que se afastou
totalmente do Estado Novo.
2. Contexto filosófico
No processo de aproximação com a obra azevediana, eleita como foco de análise para o
presente trabalho, torna-se necessário compreender todo um conjunto de concepções que
circulavam à época de sua produção, a saber, a década de trinta do século passado. Isso significa
realizar esforços para entender o movimento que se construía no Brasil em torno da luta pela
demarcação de políticas gerais que organizassem o país e pela atribuição de um caráter nacional a
essas políticas.
É preciso, também, compreender o percurso de algumas idéias que se configuraram como
hegemônicas, não sem lutas intensas e nem sem se caracterizar pela dicotomia e, por vezes, pela
incoerência. Considerando esses aspectos, far-se-á, nesse momento, um rápido percurso sobre a
evolução do pensamento liberal, sobre sua apropriação no Brasil, bem como em determinado
momento, pelas correntes que lhe fazem a crítica. Nesse caso, constituindo-se como cenário para a
produção da obra azevediana, já aludida.
2.1 Liberalismo
Não é possível compreender o liberalismo, mesmo em sua origem, como uma doutrina
monolítica, composta de traços perenes e imutáveis, todavia, se procurarmos entender o momento
histórico e político em que se deu o processo de construção da obra azevediana encontram-se alguns
elementos que pertencem a um corpo de idéias caras a essa corrente de pensamento, algumas delas
aparecendo em momentos distintos do seu percurso no Brasil.
A defesa do modelo republicano, marcado por um forte sentimento nacionalista, a defesa do
federalismo, ainda que combinado com a busca de uma unidade nacional; o aperfeiçoamento do
sistema representativo, a separação entre Igreja e Estado, a Democracia como culminância do
processo de ampliação do sufrágio, a educação básica como fator de reforma social, a crença no
progresso com uma visão reformista e não-revolucionária, são elementos que aparecem, ora com
maior, ora com menor relevo e intensidade, no conjunto das concepções liberais, estando presentes
também em momentos importantes do pensamento azevediano.
No sentido de procurar compreender o escopo teórico em que se deu a produção azevediana
em foco neste trabalho é que se faz aqui uma breve reflexão sobre a questão das raízes do
pensamento liberal, sua recepção e desenvolvimento no Brasil, até a década de 1930, buscando
elementos que iluminem o contexto em que se deu a construção desse momento importante do
pensamento do educador brasileiro5.
Parece haver um consenso, no entendimento daqueles que estudam o assunto, pelo menos
sob um determinado ponto de vista: não há uma definição geral de Liberalismo que consiga
abranger todos os aspectos que circundam sua fundamentação filosófica e seus desdobramentos
políticos, econômicos e ideológicos.
Todavia, há, na tentativa de uma definição que lhe caiba, a concepção de que o Liberalismo
encerra uma doutrina (ou um conjunto delas) constituída sob bases racionalistas e individualistas,
5 Nesse sentido procurou-se partir de pensadores que comungam dos ideais liberais para que se pudesse refletir sobre suas concepções mais gerais com o intuito de situar as bases que possam ter influenciado o pensamento azevediano.
que pretende dar conta das relações sociais, políticas e econômicas que se estabelecem nas
sociedades.
Para Ubiratam Macedo (1995) “não há definições perfeitas do liberalismo, pois ele é, antes
uma práxis histórica continuada ao alongo dos anos, do que uma doutrina individual” (p. 24). Na
mesma direção parece caminhar José Guilherme Merquior (1991), quando fala de um liberalismo
como “fenômeno histórico”, motivo pelo qual alega também ser difícil a sua definição (p15).
O Liberalismo é entendido, porém, de modo geral, como uma doutrina que, na sua origem,
retrata um ponto de vista político pelo qual se manifesta a preocupação primeira de garantir algum
grau de liberdade dentro do controle exercido pelo Estado. Isto significa que o liberalismo
representa um movimento surgido no curso da história da humanidade, que procura criar
instrumentos para assegurar que o povo, como um todo, não fique subjugado a um governo
arbitrário e que possa garantir, através de mecanismos legais, que a vida do indivíduo seja
protegida.
Para que isso seja possível, no plano político, deve haver um controle das atividades do
Poder Executivo através da operação de mecanismos reguladores e coibidores, que se manifestam
na constituição dos Poderes Legislativo e Judiciário.
No entendimento de Merquior,
“O liberalismo clássico, ou liberalismo em sua forma histórica original, pode ser toscamente caracterizado como um corpo de formulações teóricas que defendem um Estado constitucional (ou seja, uma autoridade nacional central com poderes bem definidos e limitados e um bom grau de controle pelos governados) e uma ampla margem de liberdade civil (...)” (MERQUIOR, 1991. p.35).
Pode-se conceber, pois, a doutrina liberal, como uma forma racional de organização social
em que se prega assegurar a liberdade individual e a igualdade de direitos, bem como a prevalência
da vontade da maioria. Ressaltando que o conceito de liberdade, entendido nesse escopo teórico,
tem ressonância na acepção a que se refere Bobbio (1995), quando fala da contradição existente
naquilo que chama de liberdade positiva. Para o autor, esta seria, ao contrário da liberdade negativa
que se manifesta pela ausência de constrangimento em fazer, como em Hobbes (BERNARDES,
2002), ou de impedimento de fazer, uma possibilidade de se produzirem ações que resultem do
próprio querer do sujeito que as pratica. Aqui, a liberdade de fazer, dada pela presença de opções, se
opõe à liberdade determinada pela ausência de proibições. É uma clara contradição de princípios
que está presente no percurso do liberalismo, nas suas mais diversas manifestações, até os nossos
dias.
Macedo (1995) considera que existem diversos tipos de liberalismos, mas igualmente
entende que há algumas idéias centrais que lhes são comuns e que podem ser agrupadas em teses
filosóficas, políticas, sociais e econômicas. Macedo considera que as principais teses filosóficas
são:
"A - Na concepção de liberdade aceita-se a famosa distinção entre liberdade antiga e liberdade moderna devida a Benjamin Constant (1767-1830) e tematizada em nossos dias por Popper e sobretudo por Isaiah Berlin, sob a forma um pouco diversa de liberdade negativa e liberdade positiva. Em grandes linhas, a função do governo deve ser para todos os liberais desta linha garantirem as liberdades negativas; alguns excluem da competência do poder público as liberdades positivas, outros não. - B- Defesa de um humanismo antropocêntrico. - C - Individualismo metodológico e doutrinário, implicando num repúdio a todo holismo e à idéia de leis históricas gerais de evolução da sociedade e da história (Vide A Miséria do Historicismo , de Karl Popper).- D - Fé no Progresso , ainda que hoje muito matizada e fraca neste pessimista século XX. - E - Distinção entre público e privado - outra tese comum a todos os liberais, fundamento que é das liberdades públicas .- F - Distinção entre fatos e valores, natureza e cultura" (MACEDO,1995. p.29).
Em seu entendimento, as teses políticas estão baseadas na "confiança no mercado político,
ou seja, a livre escolha pelo povo, em eleições periódicas e abertas do governo, é o melhor modo de
designar governantes, promover mudanças e eliminar a violência política" (idem). Isso pode ser
expresso considerando os seguintes elementos: "1 - Legalidade e direitos humanos. 2 -
Consentimento como base do governo. 3 - Governo representativo, assegurada a presença das
minorias. 4- Constitucionalismo que institua um governo limitado de direito. 5 - Soberania popular
apurada em sufrágio universal. 6 - Partidos políticos como meio de institucionalizar e canalizar a
vontade política do povo" (idem).
As teses sociais podem ser resumidas na distinção entre o sentido de público e privado,
incluindo-se "o pluralismo, a tolerância civil, separação entre Igreja e Estado com colaboração nas
matérias comuns, secularização e abertura dos serviços sociais: registros públicos, cemitérios, e
condições gerais de preenchimento de cargos e casamento" (idem). Macedo (op.cit) ainda inclui
como tese a emancipação da mulher e a liberdade de expressão social na sua forma mais ampla.
Por fim, as teses econômicas:
"Crença no mercado, revalorização do trabalho como fonte de dignidade e dever para todos e do interesse humano; Defesa da propriedade privada como estrutura do sistema econômico e base da liberdade, defesa da livre empresa e iniciativa humana em economia, do lucro como estímulo e medida da economia; Primazia do contrato sobre o estatuto: Admissão da intervenção estatal só em casos definidos e autorizados pela representação popular, sem substituir o mercado, ou ainda, para desempenhar funções de suplência (princípio da subsidiaridade) justificada por urgentes razões e limitada no tempo, como adverte o Papa João Paulo II na encíclica Centesimus Annus." (ib, idem).
O trato liberal sobre a liberdade política remonta à época da oposição que exerciam os
barões ingleses ao rei, principalmente expressa na assinatura da Carta Magna de 1215. Ao se
pela função de seus atributos sociais, de natureza e finalidade. Sob essa ótica, a liberdade se
restringe às condições estabelecidas em Lei e a propriedade (pública, privada, de produção) situa-se
nessa dialética entre o individual e o coletivo.
O Liberalismo, força motora do pensamento rousseauniamo e kantiano no terreno ético-
político, e também pedagógico, anuncia um determinado modelo democrático ao trazer à tona a
necessidade de se pensar a idéia de igualdade. Entretanto, há um problema claro: a difícil
concretização de ideais que se contrapõem, no embate social dos interesses, ou melhor, a
dificuldade de conciliação entre liberdade e igualdade a partir de relações econômicas, políticas e
culturais que se estabelecem num campo social conflitante.
Empreender esforços para garantir a igualdade jurídica, econômica e política dos cidadãos
através do corpo da legislação não basta para produzir efeitos concretos no sentido do
estabelecimento dessa igualdade, bem como da consolidação das liberdades individuais. Os
indivíduos, na concepção liberal, são diferentes e essa desigualdade, por si só, é suficiente para
destruir a teórica igualdade diante da lei. É necessário, então, para levar à prática a teoria,
dimensionar o que seja essa desigualdade, apontando caminhos para sua superação, onde for
motivadora de injustiça, e propor um equilíbrio, se é que é possível, nas relações entre os desiguais.
Não se trata de estabelecer quais desigualdades são relevantes, mas de eleger que modelo de justiça
se irá estabelecer, para que se garantam a liberdade e a igualdade requeridas e quais os seus níveis
de realização.
Esse modelo de justiça deve tentar equacionar o conjunto das relações sociais, políticas,
culturais, e, também, educacionais. Isso significa dizer que, postos em iguais condições, passariam
os homens a serem iguais em face da lei, que não seria, pois, impotente diante das extremas
desigualdades.
O pensamento liberal considera que a socialização dos meios de produção nunca se
concretizou, na medida em que o que ocorreu foi a transferência dos títulos de propriedade das
mãos de particulares para o Estado, conseqüentemente, dos detentores do poder econômico para os
detentores do poder político. Sem considerar a validade, ou não, da interpretação do fato histórico,
considerando, entretanto, ainda, que tal fato não se tivesse verificado, outro problema
imediatamente se colocaria. Se a intenção era de obter uma síntese entre os ideais da liberdade e da
igualdade, a solução aventada (anular as desigualdades através do controle dos meios de produção)
estaria, na iniciativa socialista, também longe de representar sucesso absoluto. Persiste, pois, a
dificuldade em promover a conciliação entre liberdade e igualdade.
Se os homens são diferentes, apesar de requerem igualdade, e se sua liberdade está sujeita à
liberdade do outro, no convívio social, e à própria impossibilidade de sua realização, é necessário
delimitar essa liberdade. Se os homens continuam sendo desiguais, apesar da semelhança de suas
condições, essas condições acabarão por voltar a ser dessemelhantes, em função das próprias
atividades que desenvolvem. Não será possível, portanto, permitir o desenvolvimento espontâneo e
criador dessa atividade: será preciso submetê-la a um controle rígido por parte de uma autoridade
incontestável. E, para fazer com que todos os homens tornem-se seres iguais, não lhes seria
permitida nenhuma margem de livre ação, posto que essa ação deve representar uma conformidade
com as ações dos demais homens.
Para essa forma de pensamento, liberdade e igualdade são duas idéias reguladoras, dois
princípios orientadores da crítica das situações existentes e das propostas, sempre graduais, de
reforma social. E, o que é posto como discurso para o chamado liberalismo democrático, é que os
dois ideais hão de ser sempre considerados conjuntamente na busca de um equilíbrio dinâmico,
obviamente precário e imperfeito, entre o máximo de liberdade concreta e o máximo de igualdade
possível.
Locke traz uma questão: “Se o homem no estado da natureza é tão livre (...), porque abrirá
mão dessa liberdade, por que abandonará o seu império e sujeitar-se-á ao domínio e controle de
qualquer outro (LOCKE, 1991. p.264)? Sua resposta a
como despotismo esclarecido, reflexo, no plano político, da herança iluminista ao mesmo tempo em
que se mescla, no plano da cultura e da religião, com o espírito da Contra-reforma. Nesse momento,
o liberalismo não tem espaço entre as formulações teórico-políticas no país.
Com a intervenção de Marques de Pombal, abre-se a possibilidade de se instalar,
principalmente através da reforma da instrução pública e da Universidade, algumas concepções
pertencentes ao ideário liberal. Esse conjunto de concepções, porém, limitava-se às questões
relativas às ciências e à tecnologia, dele se excluindo as discussões acerca da política, da filosofia e
da religião.
Mesmo que de forma incipiente, algumas dessas concepções passam a circular de forma que
acabam influenciando movimentos que irão suceder nos anos seguintes, constituindo-se como um
ideal pré-revolucionário. Percebe-se esse reflexo, principalmente nos movimentos revolucionários
de Minas Gerias, em 1789, da Bahia, em 1798, de Pernambuco, em 1817, culminando no
movimento nacional de 1822 e com a maioridade de D. Pedro II declarada em 1841. Considerando
esse contexto, na interpretação de Ubiratan Macedo(1995), “a nova fé secular entra no país de modo
revolucionário”(...)(p118).
“Já no curso da revolução liberal delineia-se a primeira direção do liberalismo no país, a do liberalismo radical, surgido no processo revolucionário e já superado depois de sua última manifestação, em 1848, embora permanecendo no pano de fundo da consciência nacional com periódicas revivescências” (p118).
O traço primeiro desse momento é o da demarcação de uma oposição ao despotismo e da
defesa da liberdade individual contra o poder com o qual se confronta. Esse movimento é realizado
principalmente por representantes da burguesia urbana, que se percebem identificados com o
liberalismo internacional, mas que na prática política daquele momento não encarnam condições
efetivas de enfrentamento às camadas agrárias e escravocratas que dominam o cenário político e
econômico do país. Nesse período aparecem como representantes personagens como Frei Caneca
(1774-1825), Cipriano Barata (1762-1838), Diogo Feijó (1784-1843), Teófilo Ottoni (1806-1869),
entre outros (MACEDO, 1995).
As bases filosóficas se encontram em Rousseau e na Revolução Francesa, tendo um forte
caráter universalista e racionalista dos direitos humanos, onde qualquer cerceamento de liberdade é
considerado despotismo. É uma concepção abstrata de liberdade que se funde a outros traços,
caracterizando um movimento de caráter marcadamente oposicionista e com pouca, ou nenhuma,
capacidade de exercício do poder.
Nesse quadro, aparecem outros traços importantes que servem de luz para entender alguns
aspectos que vão reaparecer em outros momentos: o Republicanismo, o Nacionalismo (dirigido
principalmente contra os portugueses) e o Federalismo (com alguns traços separatistas).
de seus ideais a crítica à monarquia constitucional, aderindo, conseqüentemente, ao modelo
republicano, todavia concebendo-o como conseqüência de um processo gradual de mudanças. No
campo do Direito, esse movimento produz a Constituição de 1891 e o de Código Civil, que
passariam a regular as práticas sociais no país de forma sistemática.
Outras concepções vão se amalgamando a esse corpo de idéias e passam a se constituir
como importantes traços da cultura no país. A defesa do Federalismo e do Abolicionismo, a crença
no progresso, com uma visão reformista e não-revolucionária; a separação entre Igreja e Estado e a
defesa da democracia como culminância do processo de ampliação do sufrágio, vão configurando
junto com a defesa do liberalismo econômico, do comércio livre e com a crença na educação básica
como fator de reforma social, num escopo teórico-político que irá influenciar sobremaneira a vida
nacional. Representam esse período, pensadores como Gaspar Silveira Martins (1835-1901), A. C.
Tavares Bastos (1839-1875), Tobias Barreto (1839-1914) e Clovis Beviláqua (1859-1944)
(MACEDO, 1995).
A esse momento, segue-se um outro em que a derrota desse pensamento se verifica: a
Constituição de 1891, que tem características liberais, passa a ser implementada por uma elite
autoritária. Esse período coincidindo com o descrédito por que passa o liberalismo mundial e com
os movimentos operários que despontam no início do século XX. Macedo (1995) denomina esse
momento como Eclipse do Liberalismo, que em sua visão irá renascer a partir da Constituição de
1946.
O autoritarismo que caracterizou a chamada República Velha não deixa de ter o contraponto
liberal daquele momento, todavia são iniciativas esparsas sem a organicidade dos outros momentos.
Temos Rui Barbosa (1849-1923), Assis Brasil (1858-1953) e João Arruda (1861-1943) como
figuras que representam essa fase. A crítica, à época, é a de que o liberalismo não seria capaz de dar
respostas às questões sociais, que naquele momento já são graves, e de que o equilíbrio requerido
entre igualdade e liberdade não seria alcançado a partir do modelo político e econômico proposto
por essa corrente.
2.1.2 A crise liberal: pensamento autoritário
No período entre guerras, o liberalismo de modo geral, e em especial no Brasil, passa por
um processo de intensa crítica promovido por diversos matizes do pensamento político. Socialistas,
comunistas, nazistas, fascistas e católicos promoviam todo tipo de ataque às idéias centrais de sua
doutrina. A racionalidade preconizada no final de século XIX não atende mais às demandas que a
crise em que se inscreve o período traz e a dúvida acerca da possibilidade de se conhecer o real de
forma objetiva aparece como fundamento.
Nesse período, então, a crise liberal se vê associada a um crescimento na expressão do
pensamento autoritário, que se instala através da argumentação teórica da direita conservadora
representada, de um lado, pela Igreja Católica que reassumiu seu papel político doutrinário e, de
outro, pelo movimento integralista (CARNEIRO, 2006), além de por outros pensadores como
Oliveira Viana e Azevedo Amaral. Esses dois últimos pensam o Brasil de forma pessimista e fazem
uma crítica severa ao que o liberalismo traz como proposta para a construção da nação brasileira
(FAUSTO, 2001).
Embora divergentes, pode-se dizer que há alguns traços que estão na base tanto dessa
corrente mais conservadora, dita nacionalista, quanto daquela com quem esta se confronta, o
liberalismo. Há em ambas a idéia de que a nação precisa ter um projeto único que a impulsione em
direção ao progresso, bem como a de que deve haver uma elite dirigente a conduzir os destino do
país. Azevedo Amaral chega a propor a uma revolução a ser deflagrada por uma minoria superior
que desperte a força das massas de sua inércia, exercendo sobre elas a ação deflagradora da
inteligência e da vontade de domínio só encontráveis como elementos do psiquismo das
minorias.(PÉCAUT, 1990. p 29)
Nesse cenário também Azevedo concebe, em conjunto com os signatários do Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova, que
De fato, a Universidade, que se encontra no ápice de todas as instituições educativas, está destinada, nas sociedades modernas a desenvolver um papel cada vez mais importante na formação das elites de pensadores, sábios, cientistas, técnicos, e educadores, de que elas precisam para o estudo e solução de suas questões científicas, morais, intelectuais, políticas e econômicas. Se o problema fundamental das democracias é a educação das massas populares, os melhores e os mais capazes, por seleção, devem formar o vértice de uma pirâmide de base imensa.(Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. In: GHIRALDELLI JR.,1990. p.72)
Este momento de refluxo democrático que tem como marco o golpe de Estado de 1937, que
instaura o denominado Estado Novo, encontra raízes em movimentos anteriores, quando então,
idéias anti-liberais e conservadoras passaram por uma fase de germinação.
Fazendo um rápido retrospecto até os anos 30, verifica-se que a jovem intelectualidade
brasileira, envolta em um clima que se poderia chamar de euforia cultural e política, buscava
alternativas para a reconstrução de uma nação que se achava em crise, tomada pelas fortes
mudanças com as quais ainda não se acostumara: o crescimento industrial, a crescente urbanização
e a emergência de um operariado que passa a se organizar, principalmente entre 1930 e 1935, e que
vê sua base ser disputada por anarquistas, anarco-sindicalistas, socialistas reformistas e comunistas
(AREAS, 2000).
Verifica-se nesse período também o ressurgimento de concepções corporativistas, que
sofrem da doutrina social Católica grande influência, cujos pontos fundamentais encontram-se nas
encíclicas Rerum Novarum (1891) de Leão XIII e Quadragésimo Anno (1931) de Pio XI. Essa
corrente de pensamento tem como referência a figura do romeno Mihail Manoilesco, “cujo livro O
século do corporativismo, publicado em 1934, influenciou profundamente nossos pensadores”
(AREAS, 2000 p.14).
Para esse pensador, o corporativismo possuía uma elasticidade que o tornava adaptável à
realidade de qualquer país e que em sua base a coletividade nacional representaria uma entidade
superior e uma personalidade distinta do conjunto de indivíduos que o compreende, fazendo com
que o Estado fosse a expressão maior desta coletividade, além de ser um instrumento a serviço do
objetivo nacional. Ao indivíduo, caberia o papel de instrumento do Estado e o indivíduo seria
englobado, simultaneamente, pela família, pela corporação e pelo Estado (AREAS, 2000).
2.1.3 A reação liberal
No fluxo desse movimento e na tentativa de responder ao processo de revisão por que passa,
o liberalismo assume algumas características, que repercutem de maneira importante no pensamento
brasileiro. Num primeiro momento há uma redução do liberalismo a uma concepção geral de vida e
de mundo (como a doxa bordieusiana), dando relevo aos possíveis bons serviços que prestou à
civilização ocidental.
Há também uma tentativa de desvincular essa corrente de pensamento da concepção
econômica que sustenta o capitalismo. Para Macedo (1995) “tal atitude consiste, em alguns casos,
numa honesta rememoração do passado da ideologia liberal onde as teses políticas e éticas se
constituíram antes e com independência das econômicas“ (p.31), embora não se possa negar o
caráter central das questões econômicas naquele momento do liberalismo, nem se discuta aqui de
que concepção se parta para conceber o termo “econômico”.
Há um outro traço, importante para que se compreender o contexto mais global e os seus
desdobramentos, que é o fato de haver uma compreensão, a partir da quebra da Bolsa de Nova
York, mas já antes (em 1926) com a publicação de The End of Laissez-Faire, de que o capitalismo
se mostra obsoleto. Nesse ensaio, em que organiza teses defendidas em conferências nos anteriores,
Keynes (2006) realiza uma análise acerca dos sentidos e aplicações da doutrina do Laissez-Faire
como base do capitalismo e conclui que é preciso evoluir na compreensão de que
“ ...sabiamente administrado, o capitalismo provavelmente pode se tornar mais eficiente para atingir objetivos econômicos do que qualquer sistema alternativo conhecido, mas que, em si, ele é de muitas maneiras sujeito a inúmeras objeções. Nosso problema é o de criar uma organização social tão eficiente quanto possível, sem ofender nossas noções de um modo satisfatório de vida” (KEYNES,2006. p9).
Vê-se aqui que, para além de apontar a necessidade de se fortalecer o capitalismo,
reconhecendo seus problemas e a necessidade de se promover uma intervenção no sentido de
indicar novos caminhos para sua condução, configura-se uma idéia que lhe fica como pano de fundo
que é a de que é preciso construir uma base sobre a qual se possa consolidar uma racionalidade
capaz de garantir as condições mínimas de equilíbrio social.
Um outro elemento emerge nesse debate: a adesão a uma determinada forma de socialismo,
que não se sustenta em bases marxistas, mas que considera importante a manutenção da propriedade
privada e faz adesão pela igualdade e pela orientação social da produção, realizada com algum
controle estatal.
A base da crítica que se construiu contra o liberalismo se sustenta exatamente na que Keynes
se concentra para produzir, por um lado, uma mudança de rumos ideológica e, por outro, uma nova
concepção acerca das funções econômicas do Estado. A idéia do laissez-faire sobre a qual se
fundam as críticas ao liberalismo repousam mais no campo da ética do que propriamente na área do
pensamento econômico. Para Macedo (1995), “é o caso da distinção clássica entre o liberalismo
(ético e político) e liberismo (capitalismo ou liberalismo econômico)” (p. 31).
Ortega y Gasset, pensador com o qual Azevedo dialoga a partir de algumas de suas
concepções, além de partilhar desse conjunto de idéias, sustenta também a tese de que a sociedade é
constituída por impulsos sociais e anti-sociais não regulados de maneira espontânea, como concebia
o liberalismo do séc. XVIII a partir do laissez-faire. Desse modo, então, sua regulação se dará pelo
mando e pelo Estado.
As principais concepções de Ortega y Gasset acerca da sociedade e das relações políticas
que por dentro dela são construídas aparecem no contexto de uma série de questões que emergem
de um exagero do individualismo, apontado pelo pensador, que se verificou na Europa no início do
século passado. Igualmente, as grandes aglomerações e a padronização de comportamentos são para
Ortega y Gasset os agentes causadores da sociedade de massa.
“O homem massa, como ele o trata, é o indivíduo que não atribui a si um valor e, certamente, não se angustia com isso, sente-se bem ao ser idêntico aos demais indivíduos” (DORNAS, 2006. p5).
O que vai configurar-se, pois, como problema social a ser enfrentado é um grande
contingente humano, desorganizado socialmente, disperso em sua individualidade e,
conseqüentemente, sem a preocupação de discutir os rumos políticos que devem seguir. Na acepção
do filósofo espanhol, para o enfrentamento destes problemas a razão é o único instrumento.
Sua geração se encontra imersa numa Espanha repleta de problemas sociais. Tais problemas
surgiram, segundo sua visão, do mau uso da razão como instrumento para o exame da vida social e
política do país, o que vai também se expressar na participação política inadequada e na
incompetência dos governantes. A saída, então, é a participação política consciente exercida a partir
da liberdade de cada ser humano. Todavia, a concepção que tem o autor sobre o que seja a liberdade
de cada indivíduo está centrada numa organização política forte que eduque o povo. Isso significa,
então, que as mudanças sociais devem vir fundamentalmente produzidas em concomitância com a
instituição de uma pedagogia social, que tem por base a formação moral dos indivíduos que
compõem a sociedade. É, portanto, uma concepção reformista e contrária à idéia revolucionária,
muito semelhante à que se vê em Azevedo.
“Nesse sentido, o pensador espanhol se mostra contrário às revoluções como estratégia para introduzir mudanças políticas, entendendo que elas são constituídas por uma sucessão de crimes. Assim, impedem o exercício da paz entre os homens e não podem conduzir uma nação à liberdade por não respeitarem a individualidade de cada um.”(DORNAS, 2006.p. 2)
Na busca para a fundamentação que pudesse sustentar essa reação, no Brasil, outros
pensadores passaram a fazer parte desse contexto, e também aparecem como importante influência
no pensamento azevediano. John Dewey e Emile Durkhein passam a figurar entre as principais
fontes inspiradoras das discussões que irá empreender o pensador mineiro. A influência desses
pensadores não é o foco do presente trabalho, todavia vale lembrar que é necessário perceber que,
naquele momento de produção da obra azevediana, a chegada ao país dessa matriz de pensamento
provoca uma inflexão no modo de pensar a educação.
Se o centro do empreendimento educacional tinha o caráter segregador e de forte conteúdo
clássico, com base na escolástica de inspiração inaciana, o que ocorre com a introdução no debate
desses pensadores é que a educação passa a ser compreendida e concebida como uma prática social,
que necessita ser estudada sob a ótica científica, portanto, com base na ciência que se solidifica
como ciência dos fenômenos sociais. Desse ponto de vista, então, a obra de Fernando de Azevedo
contribui de maneira decisiva para essa nova compreensão que começa a se plasmar. Essa visão,
pois, passa a entrar em confronto com a que estava estabelecida, mas que já dava sinais de
enfraquecimento.
2.1.4 Católicos e Liberais
Na década de 1930, como parte da reação liberal, o processo de apropriação desse corpo de
pensamento no campo educacional se dá no debate entre duas correntes que se enfrentam na disputa
pela elaboração de um projeto nacional: Católicos e Liberais buscam a hegemonia das concepções
que devessem orientar as políticas educacionais no país.
Como já dito, desde a primeira Grande Guerra, importantes acontecimentos apontam para a
necessidade de um novo ordenamento na organização sócio-cultural brasileira. O enfraquecimento
da sociedade agro-patriarcal, baseada na cultura cafeeira, as turbulências sociais de âmbito regional,
a fundação do Partido Comunista, a Semana da Arte Moderna, a reorganização da Igreja Católica e
a criação da Associação Brasileira de Educação refletem o sentimento de insatisfação e de
necessidade de construir soluções para o país.
A Igreja Católica no Brasil, até a proclamação da República, era reconhecida como aparelho
de estado e mesmo com a separação oficial do estado, não se abalou esta aliança, que continuou a
tal ponto de ser o Brasil considerado uma nação católica. Já em atividade o Centro D. Vital (que
conta com a liderança de Amoroso Lima), cria-se também em 1933, a LEC (Liga Eleitoral
Católica), como forma de estabelecer pressão política sobre o Congresso, que na Constituição de
1934, quase reconhece como oficial novamente a religião católica.
Nesse contexto, e depois de momentos conhecidos como “entusiasmo pela educação” e
“otimismo pedagógico (GHIRALDELLI JR, 1990 e NAGLE, 2001), intelectuais de diversos
matizes e doutrinas inscrevem-se num mesmo campo de disputa ideológica, no sentido de dar a
direção ao debate sobre um projeto educacional para o país.
Os dois grupos, Católicos e Liberais, trazem como proposta uma reforma educacional que,
sob o pano de fundo da construção da nacionalidade, pretende como ideal a consolidação de um
projeto que colocasse o país na direção do desenvolvimento. Todavia, o grupo católico concebia
que esse projeto só seria viável se constituído sob as bases da doutrina da igreja, o que significava
fazer a defesa de uma pedagogia tradicional, numa concepção contrária à educação pública e laica e
em busca da formação de um homem ideal, obediente aos preceitos do evangelho. As relações
sociais se dariam a partir das garantias oferecidas pela autoridade da tradição escolástica,
constituindo-se como fundamento para o humanismo cristão.
Com a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, no ano seguinte
à IV Conferência Nacional de Educação, acirrou-se o confronto entre educadores católicos e
liberais. Diga-se, entretanto, que não havia homogeneidade de idéias entre os educadores que
ocupavam o grupo liberal. Tanto é verdade que, ao se examinar a lista de signatários do Manifesto,
é possível ver que há educadores como Paschoal Lemme e Roldão de Barros que eram simpáticos
ao socialismo (GHIRALDELLI JR, 1990), ou figuras como Anísio Teixeira (que queria uma escola
única e democrática) e Fernando de Azevedo (defensor da escola como formadora das elites) que
tinham traços liberais, mas que vislumbravam projetos de educação com certas distinções.
A defesa empreendida pelo grupo liberal, presente no Manifesto, de uma escola pública laica
regida pelos princípios da obrigatoriedade, da co-educação e da gratuidade, de fundamentação
filosófico-antropológica, aprofundou o confronto teórico-político e trouxe à discussão o argumento
sai para realizar seus estudos preparatórios para o curso ginasial, passando a residir com seus tios
em sua terra natal.
Em 1903, muda-se para Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, para ingressar no Colégio
Anchieta, internato masculino dirigido por padres jesuítas, onde realiza o curso ginasial.
Sentindo-se inicialmente atraído pela vocação sacerdotal, sai do Colégio Anchieta, entrando
para a Companhia de Jesus, onde dá início ao noviciado, na cidade de Campanha, de volta a Minas
Gerais. Tempos depois, abandona a vida religiosa e, em 1914, muda-se para o Rio de Janeiro e
ingressa na Faculdade de Direito. Permanece por pouco tempo na cidade, mudando-se novamente,
agora, para Belo Horizonte, onde foi nomeado para as cadeiras de Latim e de Psicologia no Ginásio
do Estado.
Tendo se mudado para a cidade de São Paulo, Azevedo, em 1918, conclui o curso de Direito
na Faculdade do Largo de São Francisco. Atua, a partir daí, no magistério e no jornalismo,
escrevendo no Correio Paulistano, até 1922 e, entre 1924 e 1926, no Estado de São Paulo, onde
exerceu a crítica literária na coluna “Ensaios” e presidiu, em 1926, a pedido de Julio de Mesquita,
os inquéritos sobre a Arquitetura Colonial Brasileira e a Instrução Pública em São Paulo. O
primeiro foi publicado em nove edições, de 13 a 30 de abril de 1926. Já o segundo, sobre a
educação paulista, publicada na 2ª edição, em 1937, com o título A educação na encruzilhada,
resultou na obra A Educação Pública em São Paulo, problemas e discussões: Inquérito para o
Estado de São Paulo.
A partir de 1926, Azevedo vai ocupar vários espaços na administração educacional
brasileira. De 1926 a 1930, foi Diretor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal; em 1933,
Diretor Geral da Instrução Pública do Estado de São Paulo; no biênio 1941-42, assume a direção da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo. Torna-se Membro do Conselho
Universitário por mais de doze anos, desde a fundação da Universidade de São Paulo, e em 1947
aceita o cargo de Secretário da Educação e Saúde do Estado de São Paulo.
Ainda durante a década de 30, funda, em 1931, na Companhia Editora Nacional, a
Biblioteca Pedagógica Brasileira (B.P.B.), que dirigiu por mais de 15 anos, de que faziam parte a
série Iniciação Científica e a Coleção Brasiliana. Em 1932, redige, e toma lugar como o seu
primeiro signatário, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (A reconstrução educacional no
Brasil), em que se lançam as bases e diretrizes de uma nova política de educação.
Entre os anos de 1956 e 1961, atua como Diretor do Centro Regional de Pesquisas
Educacionais, que instalou e organizou; e ainda em 1961 assume a Secretaria de Educação e Cultura
no governo do prefeito Prestes Maia, em São Paulo. Foi presidente da Associação Brasileira de
Educação, em 1938, e eleito presidente da VIII Conferência Mundial de Educação que deveria
realizar-se no Rio de Janeiro, em 1939, mas que acaba não acontecendo em função da II Guerra
Mundial.
No ano de 1950 é eleito, no Congresso Mundial de Zurique, vice-presidente da International
Sociological Association, assumindo com os outros dois vice-presidentes a direção dessa
instituição, quando da morte de seu presidente, Louis Wirth, da Universidade de Chicago. Foi
membro correspondente da Comissão Internacional para uma História do Desenvolvimento
Científico e Cultural da Humanidade (publicação da Unesco) e um dos fundadores da Sociedade
Brasileira de Sociologia, sendo seu presidente desde a fundação em 1935 até 1960. Preside também
a Associação Brasileira de Escritores de São Paulo.
2. Obras selecionadas: o corpus de análise
As obras de Fernando de Azevedo analisadas neste trabalho representam parte da produção
do autor nos anos 30 do século passado. São considerados aqui os livros publicados naquele período
e o Manifesto dos Pioneiros, não fazendo parte deste corpus os inúmeros outros escritos (ensaios,
artigos, memórias e cartas) que compõem o conjunto de sua obra. O que se tem a seguir é uma
apresentação sumária dessa seleta que foi analisada em ordem cronológica da primeira edição.
Vale lembrar que a obra escolhida para a análise central da temática deste trabalho é a que se
segue, sendo a leitura das demais considerada como complementar, na medida em que são
utilizadas como elementos para cotejamento das idéias expostas em “Novos caminhos e novos
fins”. Ressalte-se igualmente que a decisão de dar precedência à análise deste livro se deve ao fato
de que nela é possível encontrar os principais elementos do que se quer aqui demonstrar acerca da
concepção de administração educacional no pensamento azevediano.
2.1 “Novos caminhos e novos fins”
Novos caminhos e novos fins: a nova política de educação no Brasil (AZEVEDO, 1958b)
representa o esforço do autor em refletir sobre a reforma que empreendera quando Diretor Geral da
Instrução Pública do Distrito Federal, no final da década de 1920. A obra, editada em 1931, tece
considerações gerais acerca da educação, trazendo uma série de argumentos que justificam a sua
prática administrativa.
O livro encaminha uma reflexão acerca de políticas para a educação no país, dimensionando,
por exemplo, o papel da sociologia na conformação de uma nova concepção sobre os processos
educacionais. Azevedo realiza esse movimento, versando sobre os aspectos gerais da reforma,
refletindo sobre suas bases filosóficas e suas diretrizes, mas, igualmente, enumerando aspectos mais
específicos como educação profissional, a formação de professores, a política de edificações, a arte
como instrumento educativo; e relacionando seus princípios aos ideais da Escola Nova.
Azevedo, ao tratar de suas realizações como Diretor Geral da Instrução Pública do Distrito
Federal, acaba por deixar um vasto material que possibilita a análise de sua visão acerca do sistema
educacional brasileiro e de suas concepções sobre a administração educacional.
Suas críticas ao sistema escolar partem não apenas de análises pontuais da situação
administrativa ou pedagógica, dos resultados ou do desempenho de qualquer de seus agentes
sociais; em que pese seu reconhecimento a respeito da precariedade material, da desorganização
financeira ou mesmo pedagógica, sua primeira iniciativa já demonstra o espírito científico que
pretendeu conferir à reforma que promovera e que depois viraria objeto de análise.
O recenseamento que faz realizar para que possa ter mais elementos concretos sobre a
realidade que pretende modificar revela a necessidade que o educador identifica de se apropriar dos
dados estruturais do sistema escolar. Todavia, essa necessidade de conhecer os elementos mais
específicos da realidade, das condições de distribuição de vagas, do estado físico das escolas, e de
outros dados que coleta, não lhe tira a visão de que o problema central do sistema educacional se
encontra numa falta de determinação de aspectos mais gerais e que dizem respeito, não à
operacionalização de uma política, mas à própria falta de uma política clara para o setor
educacional.
Em vários momentos da obra, esse traço aparece como importante: a falta de uma cultura de
organicidade e de continuidade das ações administrativas revela a ausência de planejamento que
acomete a administração educacional brasileira, elemento presente como ponto de partida para as
críticas que faz e como obstáculo a ser superado a partir de uma cultura a ser implantada.
2.2 “O Manifesto”
A reconstrução educacional do Brasil: ao povo e ao governo. Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, de 1932, representa um marco importante da educação brasileira. Inicialmente
publicado na revista Educação (jan./fev./mar. 1932), o Manifesto circula por todo país com o
objetivo de estabelecer diretrizes para uma política de educação. Foi redigido por Fernando de
Azevedo6 e sua origem se deve ao fato de, na abertura da IV Conferência Nacional de Educação,
6 “(...)É preciso que o nosso manifesto tenha a maior repercursão possível. Isto se conseguirá se, ao menos, os
principaes jornais do Rio ( Jornal do Comércio, O Jornal, Jornal do Brasil e Diário de Noticias) e os de S. Paulo, o dérem, na integra, no mesmo dia. Não é pouco. Mas não é cousa difficil de obter. Se conseguirmos, além disso, que, no mesmo dia 19 (sábado) outros jornais o publiquem no Rio Grande, Paraná, Minas, Bahia e Pernambuco, teremos dado o primeiro grande passo para a sua repercursão. As copias entregues à imprensa deverão ser cuidadosamente revistas. Quando falo nesse manifesto, já me esqueço de que fui eu quem o escreveu. Elle é obra impessoal. Havia de ter, como teve, um redactor. Mas nelle se inscreveram, em corpo de doutrina, "idéas e aspirações communs", que nos
Os elementos de fundo político e filosófico encerram o documento, aparecendo como
sustentação para todas as concepções nele presentes, ressaltando o papel da escola na vida e sua
função social, dando relevo à democracia como um programa de longos deveres.
O primeiro ponto a se destacar no documento é a tentativa de conferir um caráter prioritário
à educação no delineamento de um plano de reconstrução nacional, indicando os princípios que
devessem guiá-la. Esse movimento se dá a partir da crítica feita às iniciativas realizadas nas décadas
anteriores, no sentido de se equacionar os problemas educacionais. A crítica tem seu fundamento na
avaliação de que não havia um sistema educacional organizado e coeso, mas sim o resultado de uma
sucessão de reformas fragmentadas e desorganizadas que não levavam em conta as necessárias
reformas econômicas a serem empreendidas no país.
Há uma “inorganização” do aparelho escolar, causado pela falta de determinação dos fins da
educação, inclusive em seus aspectos técnicos.
“Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do que de desorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins da educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação. Ou, em poucas palavras, na falta de espírito filosófico e científico na resolução dos problemas da administração escolar. Esse empirismo grosseiro, que tem presidido ao estudo dos problemas pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de horizontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma cultura universitária e na formação meramente literária de nossa cultura” (grifo meu) (Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. In: GHIRALDELLI JR.,1990. p.55).
Um outro elemento importante a ser ressaltado aqui aparece como norteador de toda a
argumentação presente no documento: a “falta de espírito filosófico e científico na resolução dos
problemas da administração escolar”. Essa concepção aparece em diversos momentos da obra
azevediana e revela-se como traço de seu pensamento, analisado neste trabalho em outra seção, e
vem associada à crítica ao empirismo que, em sua opinião, domina o campo educacional.
Essa falta de um embasamento filosófico e científico cria, em sua opinião, situações que
impossibilitam a unidade e a continuidade de idéias nos planos e reformas educacionais
empreendidos até então. Unidade e continuidade compreendidas como base para uma administração
eficaz e capaz de refletir uma nova perspectiva de organização do Estado, que naquele momento
começa a se delinear, para responder aos anseios da sociedade.
É uma idéia associada à concepção de que “o tratamento científico dos problemas da
administração escolar nos ajuda a descobrir, à luz dos fins estabelecidos, os processos mais eficazes
para a realização da obra educacional” (Ibidem). Assim, a crítica à falta de base científica, portanto,
também a crítica ao empirismo; a crença na ciência como base para a ação administrativa e a
necessidade de se determinar com precisão os fins para educação constituem, nesse documento, as
bases para a construção de uma concepção acerca da administração educacional centrada nos
processos a serem desenvolvidos e na eficácia como paradigma administrativo.
A ênfase dada às bases científicas da administração escolar, vistas como fundamentais para a
elaboração de processos mais adequados à execução de ações eficazes no trato das questões
educacionais, aparece em outros momentos e se configura também como um dos fundamentos da
obra azevediana. No Manifesto, como também em outros momentos, essa visão cientificista aparece
associada a uma determinação política que deve reger as práticas educativas. É necessário, pois,
pensar na ação educativa como uma prática social a ser empreendida com o objetivo de alcançar um
determinado fim. Esse fim deve ser estabelecido a partir de uma intencionalidade político-filosófica,
que por sua vez deve ser oriunda de uma interpretação científica da sociedade. Assim, o educador
“deve ter o conhecimento dos homens e da sociedade em cada uma de suas fases, para perceber, além do aparente e do efêmero, "o jogo poderoso das grandes leis que dominam a evolução social", e a posição que tem a escola, e a função que representa, na diversidade e pluralidade das forças sociais que cooperam na obra da civilização”(Ibidem).
A base, portanto, dessa concepção educacional deve se localizar na sociologia8 e na
filosofia. A questão pedagógica, que a elas estaria subordinada, deve ser resolvida a partir da
conjugação de nítidas posições assumidas após o exame científico da realidade e da posição política
assumida. A partir desse momento, a prática educativa ganha caráter intencional e científico sob a
orientação de uma determinação político-filosófica. O educador, portanto, deve estar
instrumentalizado de tal forma que possa conjugar esses elementos. Para os signatários do
documento, então,
“Se [o educador] tem essa cultura geral, que lhe permite organizar uma doutrina de vida e amplia o seu horizonte mental, poderá ver o problema educacional em conjunto, de um ponto de vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico ou dos métodos ao problema filosófico ou dos fins da educação; se tem um espírito científico, empregará os métodos comuns a todo gênero de investigação científica, podendo recorrer a técnicas mais ou menos elaboradas e dominar a situação, realizando experiências e medindo os resultados de toda e qualquer modificação nos processos e nas técnicas, que se desenvolveram sob o impulso dos trabalhos científicos na administração dos serviços escolares”(Ibidem).
Considerando o foco deste trabalho, é preciso que se trate ainda da questão da relação
educação-Estado. Para Azevedo, a educação é essencialmente uma função pública, devendo,
portanto, para constituir-se como um programa a serviço da consolidação de um Estado republicano 8A base sociológica do projeto educacional azevediano é clara e sua preocupação com o estatuto de cientificidade da sociologia se manifesta em outros trabalhos que serão aqui vistos: Princípios de Sociologia e Sociologia Educacional: introdução ao estudo dos fenômenos educacionais e de suas relações com outros fenômenos sociais.
com traços liberais, ter como elementos fundamentai
grande importância, pois, para Azevedo, garante os meios materiais para a realização do projeto
educacional. A preocupação com o financiamento da educação é questão presente em outros
momentos da obra do educador mineiro. É preciso, para o autor, que se garantam recursos a serem
destinados à função educacional do Estado:
“A autonomia econômica não se poderá realizar, a não ser pela instituição de um "fundo especial ou escolar", que, constituído de patrimônios, impostos e rendas próprias, seja administrado e aplicado exclusivamente no desenvolvimento da obra educacional, pelos próprios órgãos do ensino, incumbidos de sua direção” (Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. In: GHIRALDELLI JR.,1990. p. 64).
Associado à questão da autonomia está o problema da descentralização. A autonomia, que
deve ser garantida, não pode significar, para Azevedo, a quebra da unidade. Há que se ter um
projeto nacional de educação a ser empreendido por todos os níveis de poder da Federação. Há,
portanto, a supremacia dos interesses nacionais em relação às necessidades locais ou regionais. A
tensão entre esses dois elementos aparece e a solução para amainar os conflitos de interesse é
atribuir-se à União, simultaneamente, a função formuladora e constrangedora em relação aos
Estados e Municípios. O caráter federativo fica ofuscado, na medida em que à União cabe
estabelecer os fundamentos da educação nacional, bem como garantir o seu cumprimento.
“Ao governo central, pelo Ministério da Educação, caberá vigiar sobre a obediência a esses princípios, fazendo executar as orientações e os rumos gerais da função educacional, estabelecidos na carta constitucional e em leis ordinárias, socorrendo onde haja deficiência de meios, facilitando o intercâmbio pedagógico e cultural dos Estados e intensificando por todas as formas as suas relações espirituais” (Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. In: GHIRALDELLI JR.,1990. p.65).
O argumento evocado pelo autor do Manifesto é o da unidade na multiplicidade e da opção
pela descentralização, todavia, um certo traço autoritário aparece, quando, em nome da eficácia, um
plano comum a toda a República se sobrepõe à real autonomia dos entes federados.
Por outro lado, na concepção azevediana, desejar uma organização da educação brasileira
unitária ”não implica um centralismo estéril e odioso”, pois em sua visão “unidade não significa
uniformidade”, mas “pressupõe multiplicidade” (Ibidem).
O Manifesto traz a síntese de idéias que estão em disputa, tanto no campo educacional,
quanto no campo da política. Sua divulgação é, sem dúvida, de extrema importância para a
educação brasileira e revela o fecundo debate que se travou. Seu objetivo era determinar as
diretrizes da política educacional do país, ou pelo menos influenciar na sua elaboração e execução.
As posições de Fernando de Azevedo encontram eco, sintetizam ou refletem, em grande
medida, essas idéias que estão em circulação. Suas contradições, sua ideologia, seu caráter
renovador, seu traço tradicionalista perpassam a obra azevediana e constituem um marco importante
na formulação de concepções acerca da pedagogia e em especial da administração educacional.
Talvez sua maior contribuição seja um aspecto que permeia toda a sua obra, inclusive o
Manifesto: a necessidade de se consolidar uma cultura de planejamento para as ações educativas.
Sua crítica ao empirismo da atividade educacional, sua crítica a “inorganização” do sistema
educacional e sua insistência acerca da necessidade de uma unidade de propósitos apontam para a
urgência em se ter instrumentos que possibilitem um grau mínimo de previsibilidade e organização
das práticas educativas, seja no âmbito do ensino, seja no âmbito da administração dos processos
diversos que compõem o sistema administrativo da educação.
2.3 “Princípios de Sociologia”
Fernando de Azevedo, em Princípios de Sociologia (AZEVEDO, 1973), aparecido em 1935,
realiza a primeira sistematização crítica das idéias que compõem a recente ciência da sociedade, a
sociologia, que tem como esteio o pensador Emile Durkheim. Nesse livro, Azevedo discute, entre
outros, temas como a natureza objetiva dos fatos sociais e suas complexidades; as sociedades, sua
conformação e composição; a evolução social e a luta pela constituição e autonomia de uma ciência
particular do social, bem como a categorização das grandes correntes do pensamento sociológico.
Primeiro manual brasileiro de sociologia, originalmente elaborado para os cursos de
sociologia da Universidade de São Paulo, “Princípios de Sociologia” foi também largamente
adotado, em nível secundário, nos cursos de magistério em todo o Brasil. É uma das principais
obras do gênero e se consagrou como um dos livros mais publicados no país, sendo reeditado onze
vezes entre os anos de 1935 e 1973. Seu principal intento era consolidar a visão de que é
imprescindível que os conhecimentos sobre a sociedade resultassem de análises promovidas sob
bases científicas. Azevedo assume o caráter de compêndio de que se reveste a obra e trata de
empreender esforço no sentido de contribuir para abrir um novo caminho para a ciência social no
Brasil.
Azevedo procura demarcar as bases que sustentam a sociologia, inspirado, sobretudo, nas
lições do sociólogo Émile Durkheim, realizando esforço para defini-la como uma ciência que possui
objeto e método próprios. Ao realizar esse movimento, cabe aqui ressaltar, o autor mantém
coerência com outras obras que produz nesse período, no que diz respeito à centralidade que
confere à ciência como forma de materialização da razão na construção do conhecimento.
Esse traço, presente em suas obras que tratam especificamente da educação, revela-se aqui,
inclusive ao produzir uma espécie de síntese dos princípios que regem o método científico
propagado por Durkheim. Sua crença na razão científica é elemento fundamental em seu
pensamento pedagógico. Desvelar de que ciência fala Azevedo é importante para compreender sua
visão acerca do que seja dar tratamento científico aos problemas da administração escolar, bem
como compreender a educação como fenômeno social.
Na sua concepção, a ciência é universal e se constitui como um sistema de proposições
demonstradas, constantes e gerais, ligadas entre si por “relações de subordinação”. Desse modo, a
sociologia
“deve tender, pelo estudo da estrutura e do comportamento dos grupos humanos, no tempo e no espaço, a desprender e isolar o fato social da complexidade dos fatores que o condicionam, e a estabelecer as generalizações fundadas sobre fatos e, portanto, as leis gerais que regulam o ritmo da vida social na sua gênese, organização e evolução” (AZEVEDO, 1973. p.26).
E, mais adiante, o autor assinala:
“A sociologia, ciência da realidade e das realidades sociais, tem por fim antes de tudo, como qualquer outra ciência, descobrir a verdade, por meio da observação das relações de causa e efeito no mundo objetivo. Ela não pode deixar de revestir uma feição marcadamente teórica, o sentido de investigação pura e desinteressada dos fenômenos sociais, isto é, na observação objetiva dos fenômenos e na explicação das relações que os ligam”(AZEVEDO, 1973. p. 120).
Aliada a essas características estará igualmente a previsibilidade, que deve caracterizar a
ciência da sociedade de que trata Azevedo. Para o autor, apoiado em Gustave le Bom, a
objetividade da ciência ressalta a possibilidade de que ela possa prever os fenômenos (AZEVEDO,
1973, p. 132), ressaltando, todavia, que é preciso estabelecer a distinção entre o fato histórico e o
fato social, para que deste último se possa falar em previsão. Além disso, salienta a variação do grau
de previsibilidade de algumas ciências, que apresentam certa complexidade, dados os fenômenos
que estudam. É o caso da sociologia, cuja dificuldade em estabelecer leis gerais se deve ao fato de
haver igualmente a dificuldade de se isolar ou definir o fato social, ou ainda de separar o que
condiciona e produz o fenômeno social (idem. p.133).
Para se constituir como um campo do conhecimento bem delimitado, a sociologia deve tratar
de uma realidade sui generis que é, pois, muito diferente da realidade de que tratam a psicologia e a
história, por exemplo. Nem todo fato ocorrido na sociedade, portanto, é, para Azevedo, objeto de
estudo da sociologia, mas apenas aqueles que apresentam características que determinam seu
caráter específico, ou seja, aqueles que constituem maneiras de agir, de pensar e de sentir, que se
mostram como exteriores ao indivíduo e que são dotados de um forte poder de coerção sobre as
racionalidades subjetivas..
Além dessa marca, o fato social é geral em relação a uma determinada sociedade,
apresentando existência própria, independentemente de manifestações individuais que possam se
apresentar. Azevedo afirma, apoiado no sociólogo francês, que os fatos sociais são realidade de
gênero novo e original, sendo, portanto, matéria de uma ciência nova, positiva, objetiva.
Sendo a sociologia uma ciência particular, o sociólogo passa igualmente a ser reconhecido
como um cientista portador de um conhecimento especializado, cuja formação exige treinamento
científico devido à complexidade da matéria de que trata. Cabe aqui ressaltar que a especialização
de tarefas intelectuais é um dos mais importantes traços que revelam a visão azevediana acerca da
organização do trabalho na sociedade e, conseqüentemente, na administração educacional.
Tal concepção de ciência em que se funda o pensamento azevediano enquadra-se naquele
que Bourdieu denomina de conhecimento fenomenológico. Nesta perspectiva, capta-se a
experiência primeira do mundo social, compreendendo-o como natural e evidente e excluindo da
investigação sobre ele a questão das condições de possibilidade da experiência subjetiva. As ações e
interações são descritas, mas não se questionam as condições objetivas que poderiam explicar o
curso dessas interações. É uma concepção de ciência de base claramente positivista, que trata o
conhecimento científico como redentor e capaz de dar respostas a qualquer problema social.
No tocante à questão da divisão do trabalho, é importante registrar que Azevedo a considera
como fato social importante, com conseqüências tanto na vida social, quanto na vida econômica.
Para o autor, Durkheim busca-lhe as causas, não, como em Adam Smith, em tendência inata e
universal, mas “na luta pela vida e por conseqüência, nas invenções e no aperfeiçoamento técnico, e
nas formas sociais, nas variações de seu volume (acrescimento de população) e de sua densidade”
(AZEVEDO, 1973. p.71). Para Azevedo, é causa motriz da especialização, que é o melhor critério
geral do progresso.
“Mas, a divisão do trabalho que é também união do trabalho, é um princípio não de dispersão, mas de coesão da sociedade, pela mútua dependência dos seres, que se dividem as funções no conjunto social” (AZEVEDO, 1973. p72).
O educador mineiro afirma que este é um de seus maiores efeitos morais apontados por
Durkheim, quando faz a distinção entre solidariedade mecânica e solidariedade orgânica. Para o
pensador, segundo Azevedo, na solidariedade orgânica
(...) “os indivíduos de um grupo são tão mais solidários quanto mais diferem e é em função da especialização crescente de cada personalidade que é assegurada a harmonia do conjunto. A divisão do trabalho é, pois, tanto um princípio de emancipação do indivíduo, como da coesão social, comportando os progressos do indivíduo para a liberdade e igualdade a um tempo” (Ibidem).
É, sem dúvida, uma concepção que deriva de uma postura consensualista, que vê as relações
sociais sem considerar os intensos conflitos que as permeiam e as estruturam. A divisão do trabalho
e sua especialização são dimensionadas de tal maneira que a vida social é tida como harmônica,
refletindo um conjunto de regras naturais que podem ser determinadas de forma linear e rígida.
Por fim, pode-se afirmar que, para Azevedo, a produção de conhecimento científico no
campo da sociologia resulta da observação das relações de causa e efeito no mundo objetivo, do
desprendimento e do isolamento do fato social da complexidade dos fatores que o condicionam, da
formulação de generalizações e previsões fundadas sobre os fatos, com base no máximo de rigor
metodológico.
Esses elementos aqui trazidos (ainda que sumariamente, uma vez que não atingem o foco
deste trabalho) acerca do que seria uma epistemologia azevediana, tema para aprofundamento em
outra pesquisa, podem servir de ponto de partida para se compreender o que significa, para o autor,
dar tratamento científico às questões da administração educacional.
2.4 “A educação e seus problemas”
Em A educação e seus problemas (AZEVEDO, 1937), o educador mineiro traça um
panorama sobre as grandes questões que cercam a educação de seu tempo. Categoriza estas
questões em problemas gerais e problemas especiais. Nos problemas gerais, vê-se a missão da
Universidade, a relação entre educação e Estado, apontando suas principais questões,
dimensionando a interferência da política na educação e abordando a economia dos interesses entre
as questões políticas e educacionais. Nos problemas que chama de especiais, apresenta temas
ligados à função do livro escolar, o ensino das línguas clássicas, bibliotecas e laboratórios, bem
como da mulher e a escolha profissional.
Aqui também observa-se o exercício de reflexão sobre a temática educacional, em especial
na administração dos processos mais gerais e específicos da questão. Quando aborda o que
denomina problemas gerais, percebe-se que suas análises tendem a produzir um olhar que levaria a
pensar num necessário afastamento da política das ações administrativas. Todavia, o sentido que
tem a política nas suas reflexões diz respeito a uma prática contaminada por vícios e distorções. A
política para Azevedo deve estar a serviço de ideais sólidos e bem definidos, diferentemente do que
considera ocorrer nas condições em que se dão as práticas políticas brasileiras.
Sua visão filosófica a respeito do mundo e das transformações por que passa, em função do
progresso material que vem experimentando a humanidade, também surge como um dado
importante a ser considerado na compreensão de seu pensamento educacional.
O modelo de sociedade de que compartilha Azevedo reflete também sua visão acerca da
construção do conhecimento e da razão como sua fonte. Sua concepção cientificista, que percebe o
desenvolvimento material, reproduz-se na direção de sua concepção de homem e na sua dimensão
ética:
“A obra da civilização atual – e por isto é que pode receber o nome de
civilização – ultrapassa largamente o vasto quadro de realizações e vitórias materiais; não é somente a industria que se desenvolveu, organizando-se o mundo das máquinas para um acréscimo de riqueza social que resulta da utilização cada vez mais extensa das forças naturais; é a humanidade também que evoluiu, libertando-se da servidão de preconceitos, adquirindo uma consciência mais profunda da solidariedade necessária dos interesses e dos sentimentos dos homens e ampliando para círculos sociais, cada vez mais vasto, os benefícios e as utilidades que acumulou” (AZEVEDO, 1937. p.14)
Azevedo considera que o espírito científico, representado pelo progresso material,
proporcionado pelo avanço tecnológico, pode determinar os demais aspectos da vida humana, mas
identifica também uma crise por que passa a humanidade. Essa crise se manifesta numa
“indisciplina” moral, intelectual e social, que, para o autor, é causa de “um mal-estar singular e de
uma inquietação dolorosa” (Ibidem).
A superação dessa crise, na concepção do autor, de caráter ético, político e social, virá da
superação do estado de desorganização provocada pela falta de determinação objetiva de ideais e
sentimentos comuns, capazes de concentrar e fixar os indivíduos e de formar e organizar grupos, o
que acarreta uma “anarquia mental”, causando danos à “estrutura social” e à “vida interior do
homem moderno”. Para Azevedo, pois,
“estará aí a salvação do homem, na adaptação de sua vida às descobertas (...), ‘que governam as forças naturais e determinam a marcha dos acontecimentos’(J. Dewey), e ao ritmo da verdade progressiva que o fará passar do místico ao positivo, pela educação científica do espírito. A própria filosofia que nos inspirar deve ser científica, isto é, uma filosofia que buscar as verdades, com espírito e os métodos da ciência” (AZEVEDO, 1937. p.16).
Sendo assim, para Azevedo, à semelhança do que pensa Ortega Y Gasset, o que se configura
como um problema social a ser enfrentado é a ocorrência de um grande contingente humano
desorganizado socialmente, disperso em sua individualidade e desprovido de objetivos políticos a
serem seguidos. Problema que deve ser equacionado, tomando a razão científica como ponto de
partida e a educação como instrumento.
2.5 “Educação na encruzilhada”
Educação na encruzilhada (AZEVEDO, 1960) é uma re-edição dos resultados do Inquérito
que Azevedo presidiu em 1926, a pedido de Julio de Mesquita, sobre a Instrução Pública em São
Paulo. A Educação Pública em São Paulo, problemas e discussões: Inquérito para o Estado de São
Paulo é trazida, em 2ª edição, em 1937, e faz uma análise dos elementos levantados acerca da
educação no Estado de São Paulo. Sua preocupação com a falta de organicidade do sistema
educacional e a necessidade de ampliação do aparelho escolar, para atender as crianças que estavam
fora dela, aparecem de forma clara.
Fernando de Azevedo planejou e organizou o Inquérito, que está estruturado a partir de
questionários que trazem à tona problemas que foram abordados por diversas personalidades que
expressam suas idéias sobre a situação educacional do Estado de São Paulo. O trabalho está
dividido em três grandes capítulos, que versam sobre o Ensino Primário e Normal, sobre o Ensino
Profissional e Técnico e sobre o Ensino Secundário e Superior. Para cada capítulo, Azevedo faz
uma introdução ao tema e uma apresentação de seus expositores, além de uma conclusão, tratando
das questões discutidas.
Azevedo revela, na condução desse Inquérito, sua concepção acerca da divisão do trabalho e
a idéia de que o planejamento é tarefa a ser realizada por especialistas. As escolhas que faz dos
interlocutores, com os quais manterá diálogo, revela o grau de formação e o perfil profissional que
constitui o campo educacional em sua época, bem como o caráter técnico que quer imprimir ao
processo de diagnóstico da realidade, e conseqüentemente de planejamento e intervenção sobre ela.
Para responder às questões sobre o ensino primário e normal, convida Francisco Azzi,
advogado e catedrático da Escola Normal de Casa Branca; A. Almeida Junior, médico e professor
da Escola Normal do Brás, na capital; Renato Jardim, ex-catedrático e ex-diretor do Ginásio de
Ribeirão Preto e da Escola Normal da capital; José Escobar, Diretor da Escola Normal da Praça da
República; Sud Menucci, ex-delegado regional de ensino; Lourenço Filho, professor da Escola
Normal da Praça da República.
Responderam às questões acerca do Ensino Técnico e Profissional os seguintes
profissionais: Paulo Pestana, da Secretaria da Agricultura; Navarro de Andrade, chefe do Serviço
Florestal da Companhia Paulista; J. Melo Morais, da Escola Agrícola Luis Queirós, de Piracicaba;
Roberto Mange, professor da Escola Politécnica de São Paulo; Teodoro Braga, professor de
desenho e pintor; e Paim Vieira, pintor e decorador.
Sobre as questões relativas ao Ensino Secundário e Superior, falaram: Rui Paula Souza,
professor da Escola Normal da Capital; Mario de Souza Lima, professor do Ginásio da Capital;
Amadeu Amaral, jornalista, Ovídio Pires de Campos, professor da Faculdade de Medicina; Raul
Briquet, professor da faculdade de Medicina de São Paulo; Teodoro Ramos, engenheiro,
matemático e professor da Faculdade de Engenharia de São Paulo; Reinaldo Porchat, professor da
Faculdade de Direito e Artur Neiva, cientista e escritor (PILETTI, 1985).
As críticas que faz ao estado em que se encontra a educação no país, e, no caso, em São
Paulo, já aparecem no início da obra e confirmam suas preocupações acerca da falta de princípios e
finalidades que orientem o sistema educacional brasileiro. Para Azevedo, as leis de organização e de
reforma de aparelhos pedagógicos pecam na sua quase totalidade por dois vícios de origem.
O primeiro diz respeito ao “sigilo impenetrável” de que padecem os projetos de lei, até que
são enviados ao Congresso para aprovação, o que representa a falta de discussão com a sociedade
acerca de seu conteúdo e de sua forma. O segundo vício apontado é o que denuncia a falta de uma
“Política de Educação”, que a seu ver devesse ser “norteada não pó homens, mas por princípios”
(AZEVEDO, 1957. p.32).
Essa análise traz uma crítica que Azevedo faz em muitos momentos de sua obra. A falta de
planejamento com que se desenvolvem as ações administrativas no país aparece como uma
constante na produção azevediana. O autor considera que “como não sabemos nem procuramos
saber para onde vamos, o alvo que precisamos atingir e qual o caminho para chegar às finalidades
determinadas, cada governo (...) faz o que quer e o que pode” (idem).
Para Azevedo, essa falta de planejamento traz conseqüências que acabam por desorganizar o
sistema, que cresce não em função de uma “evolução orgânica”, mas por meio de “enxertos,
retoques e achegas, variáveis segundo a fantasia e os caprichos individuais(...)”. A falta de
planejamento também está associada às condições políticas em que se dão as ações administrativas,
que se fazem variar por diferentes orientações econômico-financeiras, ideológicas e até partidárias.
Azevedo elaborou um questionário, contendo 16 questões acerca do ensino primário e
normal, 17 sobre o ensino profissional e técnico e 12 a respeito do ensino secundário e superior.
Destinou cada bloco de perguntas a um grupo de diferentes técnicos que emitiriam suas opiniões
sobre as questões apresentadas. As questões elaboradas por Azevedo demonstram não só a sua
preocupação com as temáticas mais gerais sobre a educação de São Paulo, como refletem uma
forma de pensar que o autor vem sistematizando a partir desse momento de sua carreira. O Inquérito
representa um marco importante, não só na conformação de uma linha de pensamento, de que é
partidário Azevedo, como também faz refletir a necessidade uma avaliação mais pormenorizada da
educação e o conseqüente amadurecimento de posições que vai assumir deste momento em diante.
É um processo que se desenvolve desde 1926, quando de sua realização, até o momento dessa
segunda edição que o autor faz publicar em 1937.
Percebem-se, em algumas questões mais gerais a respeito da educação em São Paulo,
presentes nesse Inquérito, as preocupações centrais que regem o esforço teórico da produção
azevediana. Aparecem nesse trabalho a preocupação com o número de escolas de ensino primário e
técnico, sua adequação às necessidades locais e de mercado de trabalho; a alocação de recursos
financeiros e sua administração, e também a preocupação com questões curriculares, com a garantia
de escolas para alunos deficientes e com a formação de professores.
Essas preocupações aparecem tanto nas questões que formula para seus interlocutores,
quanto no balaço que faz acerca das situações apontadas. A falta de organicidade e coerência
interna do sistema educacional, seu isolamento em relação ao sistema geral, a falta de um plano de
organização (expressa no emaranhado de leis que o regem), a falta de princípios e fins, a
desatualização técnica e a descontinuidade estrutural aparecem como problemas a serem resolvidos
e refletem o que, para Azevedo, deve ser o alvo de uma administração científica da educação.
Por fim, em sua visão, portanto, para que se dê conta da tarefa de promover uma reforma
educacional que corresponda aos anseios da sociedade é necessário que se ponham em prática os
ideais das novas concepções educacionais (os ideais da Escola Nova); que se trace um plano global,
com base no conhecimento sobre a realidade educacional, mas que aponte para sua transformação;
que se substitua a “anarquia pedagógica” por um sistema orgânico de idéias orientadas para uma
única direção”; que seja produzido o aperfeiçoamento das classes dirigentes e que se consolide uma
cultura nacional de base tradicionalista.
2.6 “Sociologia Educacional”
Em 1940, Azevedo faz aparecer sua obra intitulada Sociologia educacional, introdução ao
estudo dos fenômenos educacionais e de suas relações com outros fenômenos sociais (AZEVEDO,
1940). É um grande passo dado pelo autor no sentido de sistematizar o pensamento sociológico,
demarcando um campo de conhecimento no Brasil até então disperso e sem referência.
Desdobramento de sua obra Princípios de Sociologia, o livro em epígrafe se desenvolve a
partir da concepção da educação como fato social, abordando aspectos que revelam, em seu
entendimento, a natureza sociológica do fenômeno educativo e situando a educação no conjunto de
processos que se desenvolvem no corpo da sociedade como um todo.
Traz um exame da origem e da evolução da escola como instituição, fazendo a análise de
sua relação com a família, situando o grupo profissional que atua na área educacional e versando
sobre os sistemas sociais gerais e os sistemas educativos.
No que diz respeito ao lugar do fenômeno educativo no seio da sociedade, Azevedo assim
se coloca:
“A educação é (...) um fenômeno eminentemente social, tanto por suas origens como por suas funções, e apresenta os dois caracteres dos fatos sociais: a objetividade e o poder coercitivo. É uma realidade social suscetível de observação, e, portanto, de tratamento científico” (AZEVEDO, 1958. p. 73).
Mas o autor faz o alerta de que há uma tendência a se identificar “educação” e “escola” e
que esse é um movimento equivocado, uma vez que a educação não é feita somente através dos
processos de transmissão de saberes que se dão nesse espaço, a escola. A educação se processa de
maneira mais abrangente, não somente no seio familiar, mas em diversos outros espaços e
situações. A educação, para Azevedo, concordando com Dewey, é “a soma total de processos por
meio dos quais uma comunidade(...) transmite seu poder adquirido e seus propósitos, com o
objetivo de assegurar sua própria existência contínua e seu desenvolvimento” (AZEVEDO, 1958.
p. 84).
Nesse ponto, Azevedo faz a observação de que, ao falarmos de “fatos educacionais”, não se
pode concluir que se está tratando de instituições ou sistemas de educação, pois há inúmeras
manifestações educativas que se desenvolvem para além deles. “É preciso distinguir ‘fatos
pedagógicos’ e sistemas propriamente ditos que são institucionalizados”, assinala Fernando de
Azevedo (1958, p.).
Prossegue o autor, concluindo que a educação é um processo social do qual não se pode ter
clara compreensão se não o considerarmos na multiplicidade e diversidade das forças e instituições
que concorrem para o desenvolvimento das sociedades:
“Só por abstração é que podemos isolá-lo do sistema de relações e instituições sociais e ainda quando a educação adquire uma forma mais definida ou uma estrutura (escola, sistemas escolares), não é possível compreender o sistema pedagógico, senão colocando-o em seu lugar, no conjunto do sistema social em que se organizou e a que serve, como uma das instituições destinadas a assegurar a sua unidade, o seu equilíbrio e o seu desenvolvimento” (AZEVEDO, 1958. p. 84).
Para Azevedo, todo povo tem seu sistema de cultura, que, por pertencer a uma unidade, deve
ser estudada no seu todo. Sendo assim, a educação, como parte integrante desse todo, e
manifestação dessa cultura, não pode ser compreendida fora dessa totalidade.
Outro elemento importante para a compreensão de suas concepções a respeito da
administração da educação, que se encontra nessa obra do pensamento azevediano, é a noção que
produz sobre o Estado e sua relação com a educação. O Estado é, para Azevedo, a organização do
poder político, ou do poder de dominação, “cuja função essencial é de fazer reinar, num território
determinado, a ordem no interior e manter a segurança exterior e que, sustentando-se sobre a força
(...) é um criador de direitos” (AZEVEDO, 1958. p. 253). Essas funções, porém, ampliam-se com o
advento do Estado moderno, para o qual se transferem, além das funções econômicas, muitos outros
serviços antes assegurados pela iniciativa privada, tais como transporte, defesa sanitária, etc,
tornando a máquina governamental muito mais complexa.
Surge, pois, para o autor, uma questão relevante, qual seja, definir quais atividades devem
ser desenvolvidas pelo Estado. Nesse sentido, é preciso produzir uma distinção entre “público” e
“privado”:
“É privada a ação cujas conseqüências se limitam ou se crêem limitadas principalmente às pessoas compreendidas na transação, e o ato adquire capacidade pública quando as suas conseqüências se estendem além das pessoas diretamente atingidas” (AZEVEDO, 1958. p. 253)
Esse é o principal elemento de que parte o autor para dimensionar a educação como função
pública do Estado, traço desenvolvido em outro momento deste trabalho. Mas nesse caso, qual
seria, então, o objeto do ensino público?
Para Azevedo, apoiado em Poviña, a educação como função de Estado está condicionada
por um ideal relativo, de acordo com o meio e o tempo em que está inserida, tanto do ponto de vista
físico, quanto da ótica moral e intelectual, fazendo convergir os fins da comunidade em detrimento
das posições individuais.
Nesse ponto, Azevedo considera que o Estado pode se propor:
a) a conduzir o indivíduo à humanidade, por uma cultura geral que, para certos, é o próprio objeto da civilização, ou b) a adaptar o educando “a sua futura função social:ofício, profissão, cargo público ou privado; ou ainda c) quando preocupado sobretudo com os seus próprios fins políticos, a fazer do indivíduo um cidadão ou mesmo um partidário(...)” (AZEVEDO, 1958. p. 258)
Além disso, com base em G. Monod, Azevedo considera que, se isoladas cada uma dessas
tendências, poder-se-ia dizer que no primeiro caso tem-se um Estado democrático, no segundo, um
Estado socialista e no terceiro, um Estado fascista ou totalitário. Azevedo, assim como o autor
citado, vê a possibilidade de que essas três tendências possam agir simultaneamente e de forma
contraditória, nas diversas organizações públicas de educação.
Todavia, o que acaba por se consolidar no pensamento azevediano é a idéia de que a escola,
tida como uma coisa pública, a ser organizada e mantida pelo Estado (democrático), implica
necessariamente, tanto em sua estrutura organizativa, quanto nos seus fins políticos, uma
determinada visão de mundo que reflita o modelo de sociedade e homem a ser perpetuado.
Conseqüentemente, a democracia liberal como modelo político a ser aperfeiçoado, e tomado
também como princípio, acaba por se tornar um paradigma a ser adotado na administração dos
sistemas educacionais.
3. O pensamento pedagógico de Fernando de Azevedo: um diálogo com seus comentaristas
Apesar de inúmeras críticas que se pode fazer acerca de sua filiação político-ideológica, não
se pode negar que o autor constrói um pensamento de largo espectro, tanto pela temática, quanto
pela alta densidade das abordagens que faz, em sucessivas conjunturas históricas de que sofreu
influência e sobre as quais pôde influir9.
9 Obras Publicadas de Fernando de Azevedo: Da educação física, seguido de Antinous Estudo de cultura
atlética e a evolução do esporte no Brasil (1920); No tempo de Petrônio (1923); Ensaios (1924); Jardins de Salústio À margem da vida e dos livros, ensaios (1924); Páginas latinas, ensaios (1927); Máscaras e retratos Estudos críticos e literários sobre escritores e poetas do Brasil (1929); A reconstrução educacional no Brasil (1932); A educação na encruzilhada Problemas e discussões. Inquérito para O Estado de S. Paulo (1926); Novos caminhos e novos fins A nova política da educação no Brasil (1935); A educação e seus problemas, 2 vols. (1937); Princípios de sociologia, 8a ed.
A obra azevediana não apresenta aquela unidade de concepção, própria das categorizações
sistemáticas, de fácil percepção. É uma obra complexa, não linear, "espelho que se partiu, mostra,
reconstituído nos seus inumeráveis pedaços de formas, de cores variadas, as idéias, vontades e
aspirações do momento em que viveu seu autor e sua tomada de posição" (PENNA, 1987.p.76).
Diferentes aspectos da obra azevediana têm sido visitado e se constituído em objeto de
estudo de trabalhos diversos. Nesse primeiro movimento de entrada na obra azevediana,
privilegiou-se o encontro com autores que lhe fizessem uma leitura aberta, a partir de uma ótica
multidimensional, não submetendo-os, portanto, a nenhuma hierarquia, mas procurando
compreender o que pensava o educador mineiro sobre a educação e a pedagogia. Muitas pistas
foram seguidas e muitas possibilidades de estudos se abriram, todavia a cada momento que
percorria os caminhos traçados pelos leitores de Azevedo, algumas questões foram surgindo.
Algumas dessas questões foram se aproximando até que convergiram para a questão central deste
trabalho. O que se trará aqui é uma síntese desse movimento, como forma de mapear algumas idéias
gerais do pensamento do autor.
Venâncio Filho faz uma análise histórica e situa a obra de Fernando de Azevedo no conjunto
das transformações ocorridas a partir da década de 20 do século XX, ressaltando o aspecto
humanista, não só de seu pensamento, como também de sua trajetória como administrador. Traça
um perfil do autor, analisando elementos de algumas de suas obras sobre educação e sociologia e
identificando alguns pontos centrais em seu pensamento e em sua atuação como homem de
governo. Nesse trabalho, porém, é clara a intenção de trazer à tona aquilo que seu autor considera
serem traços importantes do educador estudado sem, no entanto, fazer a crítica sobre o que circunda
e o que decorre das concepções por ele formuladas no que diz respeito à educação (VENÂNCIO
FILHO, 1995).
Esforço semelhante, porém ampliado e com mais detalhes, fez outro autor. Nelson Piletti,
em sua premiada monografia, apresentada ao Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, em 1985,
realiza uma análise crítica de algumas obras importantes de Fernando de Azevedo, ressaltando-lhe
os aspectos prescritivos de seu projeto pedagógico (PILLETI, 1986). Sua crítica às reformas
promovidas pelo educador mineiro no comando da educação no Distrito Federal é realizada em
artigo, na Revista da Universidade do Estado de São Paulo, onde, depois de explicitar alguns
elementos daquela reforma, tece comentários sobre a coerência e a eficácia das propostas nela
(1958); Sociologia educacional, 5a ed. (1958); Canaviais e engenhos na vida política do Brasil Ensaio sociológico sobre o elemento político na civilização do açúcar (1948); Um trem corre para o oeste Estudo sobre a Noroeste do Brasil e seu papel no sistema de viação nacional, 2a ed. (1958); A cultura brasileira, 3 vols. (1943); Na batalha do humanismo Aspirações, problemas e perspectivas, 2a ed. (1958); A educação entre dois mundos Problemas, perspectivas e orientações (1958); Figuras do meu convívio, ensaios (1961); A cidade e o campo na civilização industrial e Outros ensaios (1962); História da minha vida, memórias (1971). (VIDAL, 2000b; PILETTI, 1986).
contidas.
Faz uma análise política e administrativa do empreendimento azevediano, destacando os
princípios básicos (acesso, articulação e adaptação ao meio), considerando o processo educacional
sob o ponto de vista do aparelho do Estado e como processo social e apontando que "das
elaborações teóricas às medidas práticas, a distância parecia intransponível" (PILETTI, 1986, p.).
Apesar de mostrar algumas incoerências entre formulação e implantação no projeto de
Azevedo, não busca analisar os elementos que podem ter contribuído (ou não) para a construção de
uma visão pedagógica da administração da educação. Isto é, não levanta elementos que poderiam
ajudar a compreender que concepção pedagógica fundamenta o pensamento e a ação de Fernando
de Azevedo.
Maria Luiza Penna (1987), em sua análise, mostra que o autor é um pensador de uma época
bastante complexa e que procura levantar as bandeiras históricas da burguesia liberal brasileira,
tentando dimensionar a educação como fator de transformação, o que significou colocar como
questão a educação das massas e a formação da elite, o papel da educação e seus vínculos com a
sociedade, com destaque para a ação recíproca de uma sobre a outra, bem como para a relação entre
a pedagogia clássica e o humanismo tradicional. Aprofundando sua análise sobre o pensamento
azevediano, a autora acrescenta:
“Duas linhas parecem confluir para a formação de sua personalidade e não pouco contribuíram para isso sua experiência pessoal de vida e obstinada reflexão: a via ética e a via da razão. Ambas não absolutas, situadas na concretude de uma existência histórica contraditória, ambígua, mas nem por isso formas menos acertadas de um agir responsável. No cenário brasileiro, aliás, excluindo os menos burocratas, que grande educador não é figura controvertida?” (PENNA, 1987, p.79)
Essa dupla possibilidade de análise também se reflete naquilo que chama oscilação "entre a
idéia da necessidade de uma prática de liberdade e um autoritarismo que qualificaríamos de
progressista"(Ibidem).
É uma análise que situa o educador como representante de um grupo de intelectuais que
pensa o Brasil do ponto de vista das classes dominantes, mas não abre a discussão de quais seriam
os elementos característicos de sua pedagogia. Dimensiona a educação como processo social e a
ação educacional pelo olhar histórico-sociológico.
Ao analisar o Inquérito sobre a Instrução Pública em São Paulo, realizado por Fernando de
Azevedo, por encomenda do jornal O Estado de São Paulo, em 1926, Carmem Sylvia Vidigal de
Moraes situa o autor como pertencente a uma tradição intelectual, filiada a um elitismo político e
social baseado em pressupostos teóricos positivistas, sobretudo na teoria sociológica de Durkheim.
A educação, também analisada sob a ótica de um processo social, deve servir à formação de uma
elite que conduzirá os destinos do país:
dos problemas brasileiros. A Sociologia propiciaria a superação dos limites para se pensar o país,
apontando soluções para tratar as mazelas sociais e contribuindo para a produção de um discurso
científico capaz de sustentar a reformulação necessária da educação e a criação de uma nova
pedagogia voltada, agora, para questões sociais.
“Em sua obra Sociologia Educacional, Fernando de Azevedo chamava a atenção para o caráter dessa nova sociologia da educação, que tinha como objetivo, de um lado, o estudo dos processos sociais, das instituições e dos sistemas escolares, da interdependência existente entre estrutura e organização social. De outro, visava estudar teorias e doutrinas pedagógicas. O estudo dos fatos e das instituições de educação constituía, pois, o objeto da sociologia educacional e se estruturava como um ramo da sociologia”(PINTO et al., 2000.p.59).
Na visão das autoras, a sociologia, para Azevedo, poderia ser entendida como uma relação
que unia as doutrinas da educação aos fatos pedagógicos, entendidos como processos e instituições.
Isso significa dizer que o pensamento sociológico azevediano não conceberia a educação de forma
restrita a uma atividade fragmentada ou isolada do mundo, mas como "uma atividade histórica de
produção do conhecimento sobre a realidade social" (Idem, p.).
Embora não encontrasse nele os elementos que demonstrem que sentidos constrói Azevedo
acerca dos elementos que constitui o corpo de fatos educacionais a serem estudados pela pedagogia,
esse trabalho é importante para que se compreenda parte do contexto em que se deu a construção do
pensamento azevediano e, principalmente, alguns de seus desdobramentos em relação a outros
autores e movimentos educacionais expressivos no cenário brasileiro.
Helena Bomeny (2001), percorrendo a história do pensamento pedagógico brasileiro e
situando alguns de seus representantes, ressalta a importância de Fernando de Azevedo para o
movimento escolanovista e dá a dimensão de seu pensamento na formulação do Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova.
Observa também que naquele movimento há dois modelos inspiradores da reforma
educativa. Seguindo a tradição do pragmatismo norte-americano, há a defesa de uma reforma que
democratizasse a educação segundo o princípio de reconhecimento da inteligência do senso comum,
defendida por Anísio Teixeira. Por outro lado, Fernando de Azevedo, mantendo-se na tradição
francesa, distinguiria em papéis muito distintos a massa e a elite, confiando à última o papel
civilizador (BOMENY, 2001).
A autora também ressalta a importância de Azevedo no final da década de 50, quando os
pioneiros novamente se manifestam.
“Outro manifesto assinado em 1959, por 189 pessoas - Manifesto dos
Educadores. Mais uma vez convocados -, redigido por Fernando de Azevedo, vinha a público para tratar do aspecto social da educação, dos deveres do Estado democrático e das necessidades impositivas de o Estado cuidar prioritariamente da sobrevivência da escola pública e de assegurá-la a
todos” (BOMENY, 2001. p.55).
Embora não seja um estudo sobre a obra azevediana, trata-se de um registro importante
porque reflete o consenso sobre a participação e a influência, em alguns aspectos, de Fernando de
Azevedo na história das políticas educacionais brasileiras, que é marcante e de bastante relevo, não
só por sua produção intelectual, mas também por sua participação direta nas ações políticas que
promoviam os intelectuais de sua época na defesa daquilo que consideravam pertinente para o país.
É importante ressaltar aqui que Azevedo representa uma síntese dos ideais liberais que se
vão implantando a partir da década de trinta e para a qual contribui de maneira marcante. Suas
concepções de homem e sociedade se expressam de maneira inegável no seu ideário acerca do
sistema educacional e na relação que estabelece entre educação e desenvolvimento, ou educação e
cultura, por exemplo.
Libânia Nacif Xavier (1998, p.) analisa a obra A Cultura Brasileira com o propósito de
"captar o processo por meio do qual um agente histórico e uma obra específica construíram certas
concepções acerca do papel dos intelectuais e da Educação na constituição do espaço público
brasileiro". Para tal, faz uma introdução, trazendo informações acerca das circunstâncias em que foi
escrita a obra e de sua estrutura.
A autora considera que do referido livro, escrito por Azevedo por solicitação de Getúlio
Vargas, para o Recenseamento de 1940, emergem alguns argumentos que se articulam em torno de
uma idéia central: a idéia de que a evolução de nossa história e de nosso sistema educacional parte
da dispersão e do fragmentário e vão evoluindo rumo à unidade e à racionalidade.
Seguindo essa linha, Azevedo reitera que a verdadeira essência do ensino deve ser sua
vinculação às finalidades práticas e utilitárias. Tal concepção redunda numa visão de que a política
educacional deve se construir a partir de um plano orgânico e articulado, elaborado com base
científica. Ainda nesse caminho, aponta a necessidade de que se deve conhecer e divulgar esse
conhecimento da realidade nacional para em seguida interpretá-la. Somente depois disso é que se
pode conceber um plano de intervenção.
“Sempre que possível, Azevedo ressalta a importância do estudo científico da Educação Brasileira como metodologia para se desvendar a realidade e como estratégia de intervenção social - seja por meio da descrição dos processos educativos, seja pela análise da legislação escolar ou dos planos e programas de ensino” (XAVIER, 1998, p.).
Pedro Pagni (2000) também traz esse aspecto, quando analisa os questionamentos feitos a
Fernando de Azevedo por Anísio Teixeira em carta deste ao autor de Sociologia Educacional. Em
sua visão, Anísio Teixeira considera arriscado tratar a educação ou o fenômeno educacional como
um objeto da ciência e, particularmente, da "Ciência da Educação", como faz Fernando de Azevedo.
“Isso implicaria, segundo ele, em conhecer a prática educativa pela ciência e depois aplicar esse conhecimento à prática pedagógica, reiterando a dissociação entre teoria e prática, e não compreendendo-as como um processo contínuo, característico da arte de educar. Essa arte "consiste em modos de fazer" que implicariam em conhecimentos da matéria com a qual se está lidando, métodos de operação e de um estilo” (PAGNI, 2000, p.).
Para Teixeira, segundo o autor, não se trata de criar uma ciência da educação, mas de
construir condições científicas à atividade educacional, nos seus três aspectos fundamentais - de
seleção de material para o currículo, de métodos de ensino e disciplina e de organização e
administração das escolas. Trata-se, pois, de levar a educação para o campo das grandes artes
científicas e de dar aos seus métodos, processos e materiais a segurança inteligente, a eficácia
controlada e a capacidade de progresso, já asseguradas às suas predecessoras relativamente menos
complexas (Idem).
Já Amaro Ferreira de Oliveira (1995) apresenta uma análise da obra azevediana, levantando
traços que aproximam o autor brasileiro do pensador John Dewey. Oliveira mostra a filiação de
Azevedo ao pragmatismo norte-americano, não só através de seu principal formulador como
também de seus seguidores, trazendo vários momentos em que o educador mineiro recorre a Dewey
para sustentar suas argumentações. Nesse estudo, Oliveira também situa Azevedo numa tradição
culturalista do pensamento filosófico brasileiro.
“Estudioso de Filosofia, da Cultura e da Educação, Azevedo, a exemplo de Dewey, analisa as interrelações destas três disciplinas para apoiar o seu pensamento, no tocante à perspectiva em relação à cultura como suporte à educação estabelecendo as linhas fundamentais do Culturalismo Educacional” (OLIVEIRA, 1995, p. 92).
Diana Vidal e Luciano Mendes (2002, p.31), ao analisarem o lugar ocupado pelos festejos
comemorativos do centenário de promulgação da Lei de 15 de outubro de 1827, no interior dos
processos de discussão das reformas da instrução mineira e carioca, em 1927/1928, consideram que
“a reforma Fernando de Azevedo constituía um discurso que ao mesmo tempo projetava um novo
futuro para a educação pública e pretendia romper com as iniciativas anteriores”.
Na visão dos autores, Azevedo trazia como proposta a concepção de uma escola que não
servisse apenas como aparelho de adaptação da criança à sociedade, mas que funcionasse como
instrumento de reação, “capacitando-a a contribuir para a transformação social”. Para que esse
projeto se configurasse, era preciso que a educação se organizasse em torno dos princípios de
comunidade, trabalho e escola única. Inspirado na Escola Nova, Azevedo propõe que o indivíduo
seja formado pela e para a vida social, em um ambiente em que a experiência pessoal e ativa fosse
valorizada e em que todo estudo se convertesse objeto de aquisição e trabalho em comum,
constituído com a finalidade de formar o cidadão produtivo.
Todos esses aspectos, trazidos por seus leitores/c
basear na psicologia e na sociologia em que se inspira e a que vai buscar os elementos para as suas regras e construções teóricas para a prática da educação. O estudo objetivo e desinteressado dos fatos, das práticas e das instituições de educação; das semelhanças e diferenças entre os sistemas educativos de cada povo; dos tipos genéricos de educação correspondentes às diversas espécies de sociedade; da maneira por que se formam ou se constituíram as instituições pedagógicas; de como, uma vez formadas, funcionam; quais as relações entre os sistemas pedagógicos e o sistema social geral e quais as leis que dominam os sistemas educativos, etc., constitui o objeto da ciência da educação ou da sociologia educacional. Todos esses fatos possíveis de observação e outros que seria fácil desde já indicar, relativos à gênese, à estrutura, ao funcionamento e à evolução dos sistemas de educação, abrem à especulação científica ou sociológica um vasto campo de estudos, quase todo por explorar” (Idem, p. 29).
Continuando no texto, Azevedo responde à questão sobre qual seria o objetivo da
pedagogia:
“Ora, enquanto a sociologia educacional como ciência pura e especulativa que é, descreve o que é e o que tem sido, o objetivo da pedagogia ou das teorias pedagógicas, é de determinar o que deve ser. A pedagogia é, pois, uma teoria prática que não estuda cientificamente os sistemas de educação, mas diz Durkheim, reflete mais ou menos profundamente sobre tais sistemas, no sentido de fornecer ao educador uma teoria que os dirija” (Idem, p. 30).
Ao que parece, tanto a Pedagogia, quanto a Sociologia Educacional, teriam os mesmos
objetos de estudo, diferenciando-se uma da outra por seus métodos e objetivos.
Qual seria, então, o projeto pedagógico de Fernando de Azevedo? Ou, como o autor constrói
seu pensamento pedagógico?
Afora a impossibilidade de se desenhar apenas uma como a principal vertente de sua obra,
não se pode deixar de dizer que uma característica marcante de seu pensamento é exatamente a
busca por uma unidade, senão de fundamento, pelo menos de coerência com aquilo que julgava ser
a função da filosofia, principalmente em relação à educação: a de conferir-lhe um caráter prescritivo
sobre as ações pedagógicas. Tal dimensão dada à filosofia reflete, em si mesma, uma determinada
tendência à busca por uma unidade. Nesse sentido, inclusive, irá submeter a técnica e a ciência ao
jugo de um valor e de uma finalidade, pautada na racionalidade da tradição humanista ocidental. No
seu entender, portanto, é necessário buscar uma organicidade axiológica e teleológica:
“Nunca chegamos a possuir uma 'cultura própria', nem mesmo uma 'cultura geral' que nos convencesse da 'existência de um problema sobre objetivos e fins da educação'. Não se podia encontrar, por isso, unidade e continuidade de pensamento em planos e reformas, nos quais as instituições escolares, esparsas, não traziam para atraí-las e orientá-las para uma direção, o polo magnético de uma concepção da vida, nem se submetiam na sua organização e no seu funcionamento, a medidas objetivas com que o tratamento científico dos problemas da administração escolar nos ajuda a descobrir, à luz dos fins estabelecidos, os processos mais eficazes para a realização da obra
que o pedagógico e o administrativo ficam submetidos ao político, como forma de torná-los ao
mesmo tempo instrumentos de transformação social e elementos catalisadores e aglutinadores do
controle ideológico, moral e estético.
Apoiado em Ortega y Gasset, considera que "uma nação é grande, é também boa a sua
escola, como sua política, a sua economia, a sua religião. A fortaleza de uma nação se produz
integralmente. Se um povo é politicamente vil, é vão esperar alguma coisa da escola mais perfeita"
(AZEVEDO, 1947, p.142). Para Azevedo, pois, a ação política é fruto de uma reflexão moral.
Pode-se dizer que o autor constrói um pensamento pedagógico de caráter prescritivo,
fundado na concepção liberal de democracia, que confere à elite o papel civilizador e à massa o de
ser conduzida. Constrói um nacionalismo com ênfase na tradição e no culto ao passado como
valores que sustentariam a existência de um Estado forte, contraditoriamente, com o intuito de
consolidar a unidade nacional e tendo a Sociologia como instrumento capaz de apontar soluções e
de sustentar cientificamente as reformas necessárias, bem como de produzir um discurso capaz de
criar uma pedagogia voltada para as questões sociais.
3.1 A concepção azevediana de administração educacional
O percurso do pensamento azevediano revela um olhar aberto sobre a educação, abrangendo
vários objetos: a função social da educação, a formação do professor, o currículo, a arquitetura
escolar, a relação com a comunidade, o papel da sociologia como fundamento científico para a
sustentação das teorias pedagógicas, o papel da universidade. Todos esses e tantos outros elementos
acabam por produzir uma série entrelaçada de idéias a serem desveladas.
A busca de como esses elementos se organizam na obra de Azevedo instiga a curiosidade e
traz algumas questões que aparecem como forma de dar organicidade ao movimento de
compreensão sobre seu pensamento e sua ação.
Que fatos, processos e atores são privilegiados como alvo de decisão no campo da
administração educacional como um todo, a tal ponto de se constituírem como objeto de reflexão
para o autor? Que modelo de administração adota como base para suas reflexões?
A produção intelectual de Fernando de Azevedo é plural e alcança várias áreas do
conhecimento, abordando desde a Literatura Latina à Educação Física, da Sociologia à Arquitetura
e à História. O corpus eleito para a análise neste trabalho é o que teve sua publicação localizada na
década de 1930. A escolha desse grupo de obras se dá pelo convencimento de que, apesar de haver
fecunda produção antes e depois deste período, há um nítido amadurecimento do autor10, visível nas
10 O próprio Azevedo reconhece seu amadurecimento ao re-editar suas análises realizadas acerca do Inquérito sobre a Educação do Estado de São Paulo, trazidas em segunda edição, em 1937. Diz o autor: “Se tornaram com o tempo forma
categorias e conceitos que constrói nesse momento e que se pode perceber em uma série de sinais
que aparecerão em sua lavra posterior.
Dentro desse corpus há, todavia, a necessidade de que se estude com mais detalhamento a
publicação Novos Caminhos e Novos fins, A nova política de educação no Brasil, surgida em 1931.
Esse movimento se dá em função de identificarmos nela a primeira sistematização crítica que o
autor realiza acerca de sua ação como gestor, dando, portanto, maiores condições de perceber quais
as suas principais idéias acerca da administração educacional. Isso não significa um estreitamento
da análise, mas a tentativa de se realizar um corte preciso na produção do autor, que pudesse
iluminar o tema aqui estudado, bem como também não quer dizer que às outras publicações daquele
período e às suas correspondências não se possa recorrer para cotejar as concepções expostas na
obra principal a ser aqui relida.
Azevedo vinha de uma experiência administrativa à frente do cargo de Diretor Geral da
Instrução Pública do Distrito Federal, por indicação de Washington Luís e sugestão de Renato
Jardim, de 1927 até 1930. No exercício dessa função pública promove a conhecida Reforma da
Instrução Pública do Distrito Federal que, depois de muita polêmica, tem, em 1928, seu projeto
sancionado pelo prefeito tal como havia sido escrito por Azevedo, sem, portanto, as modificações
produzidas a partir dos debates acerca de seu conteúdo (VIDAL, 2000b).
Os objetivos da reforma eram a descentralização dos serviços, a implantação de regime de
concurso para todos os cargos e a construção de escolas primárias e profissionais, tanto quanto a
reorganização da Escola Normal. Esta deveria promover a remodelação do quadro de professores; a
reorganização dos cursos, com ênfase nas matérias básicas e na utilização de novas técnicas de
ensino; bem como a construção e o aparelhamento de novos edifícios.
Dentre esses elementos que apontam para uma preocupação com a estrutura de
funcionamento do sistema educacional, percebe-se que as condições de trabalho e de formação dos
profissionais aparecem como elementos basilares. Para Azevedo, um dos pontos de partida para sua
ação administrativa é a necessidade de se criar uma atmosfera de cooperação entre os trabalhadores.
Para que isso se realizasse, era necessário que os meios fossem oferecidos de maneira adequada e os
profissionais fossem capacitados para o exercício de suas tarefas. Essa capacitação devia seguir
parâmetros científicos, sendo, portanto, centrada no aperfeiçoamento técnico. Embora essa
formação técnica viesse acompanhada, em seu entendimento, de outros elementos de caráter
abrangente, é o aspecto técnico-científico, traço marcante da concepção clássica de administração,
que ganha relevo. Essa formação científica, que deveria ser garantida aos professores, e expressão mais claras algumas idéias que então, em 1926, apenas se esboçaram pressentidas pela intuição; se as reflexões e a experiência me confirmam a posição tomada em face de problemas que enfrentava pela primeira vez ou me levaram, em outras questões, a retificar pontos de vistas; nesse inquérito já se encontram, nitidamente definidas, as grandes diretrizes que orientaram daí por diante meu espírito, que no exame dos problemas e de soluções, quer nas reformas escolares de que tive a iniciativa e a responsabilidade, no Rio e em São Paulo” (AZEVEDO,1957, pp. 26-27).
proporcionaria a esses profissionais o preparo necessário ao exercício de seu ofício, que não estaria
mais baseado no empirismo, mas no espírito científico, a ser garantido também através da ação
pesquisadora desse docente. Ao analisar essa dimensão do pensamento azevediano, Vidal (2000b)
destaca:
“a formação para o magistério exigia três condições básicas: ambiente educativo - e por isso a construção do novo prédio, que trazia anexo ao corpo principal, um conjunto de edifícios onde seria possível o aprimoramento da prática docente -; ensino pautado em princípios científicos - a escola passava a ser concebida como laboratório; pesquisa e espírito de descoberta eram as pré-condições de uma educadora capaz de acompanhar o progresso social; e cultura geral sólida - a professora necessitava, para o exercício de suas funções, de uma capacitação não apenas técnica, mas de caráter abrangente” (VIDAL, 2000b, p.).
O projeto de reforma também visava o aproveitamento, a renovação e o melhoramento do
que já havia no sistema de ensino do Distrito Federal. Desse modo, com vistas a identificar a
situação em que se encontrava a realidade educacional da capital do país, Azevedo organizou um
recenseamento, classificando o público escolar por idade, sexo e distritos escolares. Para a tarefa,
Azevedo chama de São Paulo o professor Sud Mennucci, o que provocou críticas por parte da
opinião pública carioca, insatisfeita com a “importação de especialistas”.
Para dar conseqüência a seu projeto de reforma, Fernando de Azevedo elege alguns
elementos que passam a ser centrais e tidos como prioridades a serem atacadas. Que questões,
então, no âmbito dos processos educacionais, são privilegiadas por Azevedo como alvo de decisão
no campo da administração educacional?
Ao construir seu projeto de reforma e produzir sobre ela uma reflexão, Azevedo elege uma
série de preocupações que traz para o centro das atenções e que devem merecer o foco da
administração educacional. Seu movimento aponta para a idéia de que os processos educativos
escolares devam ser patrocinados pelo Estado. O ideário azevediano é claramente voltado para a
construção de uma escola única, laica e gratuita, entendendo que a educação é eminentemente uma
função pública. Em sua concepção, a função educacional deve ser exercida por profissionais
especializados no seu próprio campo de atuação e por meio de agentes e instituições adequadas e de
acordo com os interesses da sociedade, portanto regida pelo Estado. Há, portanto, uma separação
entre a educação que se processa nas relações sociais, familiares, e aquela que se ministra de forma
sistemática através da rede escolar. Essa é uma compreensão que coloca de pronto uma separação
entre o público e o privado, dimensionando a educação pública como uma instituição social e
colocando sob o Estado a responsabilidade de ofertá-la e administrá-la. Público aqui se identifica,
pois, com estatal.
O conceito de público a que se filia Azevedo é o desenvolvido a partir de John Dewey, que
fixa sua concepção, tomando como ponto de partida o fato objetivo de que as conseqüências das
ações humanas limitam-se, ou se crêem limitadas, principalmente às pessoas compreendidas nas
relações que se estabelecem no espaço social. Todavia, se as suas conseqüências se estendem para
além das pessoas diretamente atingidas, o ato adquire uma capacidade pública.
Para Azevedo, portanto, baseando-se no pensador americano, a linha divisória entre o
público e o privado deve se traçada em função da extensão e do alcance das conseqüências. Sendo
assim, quando adquirem dimensão pública, dada a sua importância, as ações devem ser governadas.
A ação educativa é, pois, uma ação de caráter público, portanto deve ser tratada pelo Estado
(AZEVEDO, 1937). Em outro momento de suas reflexões a respeito da questão, o autor avalia:
“O que se trava (...) na solidariedade de alguns ou na resistência de outros à doutrina que transfere para o Estado a direção da educação, é a luta violenta para a conquista da escola, como um terreno disputado tanto pelos que querem fazer dela um instrumento de poder político, a serviço dos interesses de facções, como pelos que não se resignam a perder, com a transferência dos órgãos do ensino para o Estado, o seu campo de ação e de influência sobre grupos determinados” (AZEVEDO, 1937. p. 103).
Reconhece que o domínio (controle) sobre a educação é estratégico na consolidação de um
projeto de sociedade e entende que a escola pública é o locus privilegiado de produção das
condições para a transformação social.
“Pondo na base as idéias igualitárias de uma sociedade, de forma industrial, em marcha para a democracia e na cúspide da pirâmide revolucionária da reforma, os ideais de pesquisa, de experiência e de ação, quis o Estado preparar as gerações não para a vida, segundo uma representação abstrata, mas para a vida social do seu tempo, sob o regime igualitário e democrático em evolução, transmudando a escola popular não apenas num instrumento de adaptação (socialização), mas num aparelho dinâmico de transformação social” (AZEVEDO, 1931, p. 57).
Esse projeto de transformação social, lento e de caráter reformista, visa à construção de uma
sociedade baseada nos preceitos da democracia liberal, fundados em ideais como a racionalidade, a
solidariedade social e a cooperação, segundo sua concepção. É sob essa ótica que centra o foco nas
ações administrativas, nas suas reflexões sobre elas, nos processos e relações que se desenvolvem
no âmbito dos sistemas públicos de ensino.
A escola, então, é o elemento central do sistema educacional, sendo concebida pelo autor em
articulação com toda a sociedade e como elemento aglutinador dos processos sociais voltados para a
educação. Se, por um lado, Azevedo compreende que o ato educativo se dá nas diversas relações
que são estabelecidas na sociedade, reconhece, por outro, a escola como o locus privilegiado do
ensino, contribuindo para a consolidação da idéia segundo a qual a escola deve manter-se em
permanente articulação com a sociedade como um todo:
“A reorganização estrutural da escola, a instituição do exercício do trabalho em comum e a utilização, na escola, das formas de atividade social (caixas econômicas, bancos, cooperativas escolares, etc) são meios para a escola
socializada adaptar-se cada vez mais ao fim social que a reforma atribuiu aos seus esforços” (Idem, p.).
Como se pode ver, a articulação da escola com as organizações da sociedade tem o objetivo
claro de promover a adaptação do aparelho escolar às finalidades sociais que lhe foram imputadas
pela reforma azevediana, no intuito de promover as transformações sociais necessárias à
consolidação do projeto político do qual está a serviço.
3.1.1 Pressupostos gerais
Para que se entenda com mais amplitude a concepção de administração educacional no
pensamento de Fernando de Azevedo, cabe examinar alguns pressupostos mais gerais que
sustentam a sua reflexão.
O autor faz uma crítica às reformas educacionais realizadas em época anterior à que presidiu
no Distrito Federal. A base de sua argumentação encontra-se na concepção de que é imprescindível
que haja uma unidade de concepção que norteie as ações administrativas a serem empreendidas.
Isso significa que deve haver uma planificação que esteja submetida a um conjunto de concepções
filosóficas:
“Essas reformas de superfície não procediam geralmente se não por inserções arbitrárias de novos processos ou padrões de técnica no sistema tradicional de ensino, isto é, por meio de inovações, acréscimos e substituições que se distribuíam, sem elementos de coesão, sobrepondo-se na legislação escolar, em camadas correspondentes a períodos e a orientações diferentes” (AZEVEDO, 1958b, p.16).
Azevedo entende que aqueles reformadores não concebiam os problemas educacionais como
pertencentes a um grupo de questões que devessem ser observadas sob o ponto de vista filosófico.
Assim, não pensava numa unidade de direção e numa identidade de interesses para a consecução de
um plano de reformas. O autor reconhece a pluralidade presente na organização escolar, considera
que a escola varia em função das formas sociais, das necessidades e exigências de cada sociedade,
entretanto, avalia que é impossível fixar um ideal comum, “segundo o qual se devem modelar os
indivíduos, sem compreendermos o espírito da civilização, nas suas grandes diretrizes e nas suas
tendências profundas” (Idem, p.17).
O mote de suas críticas às reformas anteriores, em seu entender produzidas sem objetivos
claramente definidos, está na falta de um fio condutor “que assinale, na evolução do ensino,
qualquer espírito de organização e continuidade, e constitua, nas mãos do administrador um meio de
embrenhar, sem se perder, na multiplicidade caótica de instituições superpostas e disparatadas”
(AZEVEDO, 1931. p. 44).
Pode-se ver mais um traço de semelhança entre a concepção azevediana e a chamada teoria
clássica da administração: um desejável equilíbrio produzido por uma identidade de propósitos
entre os atores que participam dos processos. Isso requer um apagamento dos conflitos de interesses
que se manifestam entre os objetivos pessoais e organizacionais. Como traço complementar,
aparece a idéia de que haveria uma única forma correta de se realizar qualquer atividade. No caso
de Azevedo, em sua reforma, isso se manifesta na recusa às inserções feitas ao seu projeto,
produzidas no debate com os membros do Conselho11 Municipal, em que pese a difícil tramitação
que teve e os interesses escusos também postos no jogo (contratação de professores, destinação de
emendas financeiras, etc), como analisa VIDAL (2000).
De modo geral, essa é uma característica presente naquelas chamadas teorias da
administração ligadas à tradição funcionalista do consenso, de que fala Sander, uma vez que os
conflitos presentes na estrutura social se encontram apagados ou, pelo menos, não aparecem como
elementos importantes a serem considerados. É como se não houvesse no campo educacional a
disputa permanente pela ocupação de posições e pela acumulação dos capitais em circulação.
Outro traço importante a ser considerado no estudo das características do pensamento
administrativo de Fernando de Azevedo é a crítica que faz o autor ao “empirismo profissional”:
“A tendência cada vez maior à aplicação dos métodos científicos aos problemas de educação, fez-nos sentir a necessidade de uma reação contra o grosseiro empirismo administrativo, até então predominante, apesar de se poder hoje ser tão científico na solução dos problemas educativos, como na medicina, da engenharia e das finanças. Os problemas da administração escolar foram, por isto, transferidos, na reforma, para os “domínios técnicos”, em que se deviam colocar e resolver, não segundo a experiência adquirida na rotina da profissão (empirismo profissional), mas conforme a experiência constantemente revista e renovada, segundo o processo e os conhecimentos científicos” (AZEVEDO, 1931, p.18).
Esse trecho revela, de forma muito significativa, o ideário no qual se pautava Azevedo para
construir suas ações e reflexões. A já aludida crítica ao empirismo, mas, principalmente, a adesão a
um certo cientificismo que devesse nortear, não só as ações administrativas, mas também as
pedagógicas stricto senso, estão presentes aqui de forma cabal. Não só uma administração
científica, mas uma pedagogia científica deveria ser implantada para a solução dos problemas
educacionais do país. Uma pedagogia que tivesse base científica, no caso, mais fortemente centrada
na sociologia e na psicologia, mas que correspondesse aos princípios filosóficos necessários para
11 “Em 22 de outubro, atendendo a convite das comissões reunidas de Orçamento, Justiça e Instrução, que analisariam o projeto, Fernando de Azevedo esteve no Conselho Municipal. Durante cinco horas, respondeu a todas as questões, justificando e explicando pormenorizadamente a proposta da reforma, procurando vencer as resistências. Estas, paradoxalmente, partiam de intendentes da situação, que se viram atingidos em seus privilégios. O principal ponto de discórdia parecia ser a questão da nomeação dos professores: os intendentes pretendiam continuar interferindo com indicações pessoais, mas o Diretor Geral mantinha-se irredutível na defesa da seleção de professores” (PILETTI, 1985, p.113)
alcançar os objetivos sociais determinados. Avançando nessa reflexão, Azevedo acrescenta:
“Ainda não nos habituamos a colocar as questões de educação acima dos interesses de classes e de pessoas e a tratá-las com esse respeito, que exige a delicadeza de um aparelho pedagógico, em que basta o erro técnico de uma disposição essencial, para ameaçar a sua eficiência e a sua integridade” (AZEVEDO, 1931, p.58).
A concepção de ciência aqui é tomada, como na ótica positivista, acima dos interesses de
classe. Num cenário social em que não há conflito de interesses. Numa sociedade em que se viveria
em plena harmonia. A harmonia de uma sociedade compreendida de forma que,
epistemologicamente, fosse assimilada pela natureza e estudada a partir dos mesmos métodos e
processos empregados pelas ciências da natureza.
A crítica ao empirismo produzida por Azevedo tem base, tanto no tocante às observações
que faz a respeito do trabalho docente, quanto no que tange às restrições que aponta sobre as
reformas educacionais, portanto, sobre os pressupostos que sustentam as práticas administrativas
praticadas no país até então. Trata-se de uma visão representativa do esforço do autor em difundir o
paradigma da racionalidade técnica como sustentáculo de seu pensamento.
Pode-se dizer que esse modelo da racionalidade técnica reflete a concepção de um
determinado tipo de organização social que se presta à manutenção e à expansão do capitalismo
(FELIX,1989) e que se expressa politicamente por meio do modelo liberal de democracia, abraçado
por Azevedo.
3.1.2 Aspectos técnicos, materiais e econômicos
Na visão de Azevedo, para que a escola, núcleo da atividade educacional, pudesse
corresponder às finalidades sociais a ela atribuídas, era preciso promover sua profunda
reorganização. E reorganizar estruturalmente a escola significa, para o autor, dar ênfase aos
elementos que são aqui analisados.
O primeiro é aquele que denomina de aspecto técnico da questão. Como um dos pontos
deste aspecto, aponta para a desorganização do sistema. Para o autor, não se pode ainda considerar,
do ponto de vista técnico, que o que se tinha, à época de sua passagem pela direção da Instrução
Pública do Distrito Federal, seja considerado uma organização ou um sistema:
“Não há sistema de organização escolar, sem harmonia de todas as suas instituições, ligadas por coordenação ou subordinação, conforme a sua natureza, num conjunto maleável e vivo, capaz de concorrer eficazmente par uma finalidade pedagógica e social, com que se relacionem os meios e os processos, dentro da concepção moderna de educação” (AZEVEDO, 1931, p.59).
Essa desorganização do sistema se materializa e resulta, segundo sua visão, em um
emaranhado causado por inúmeras leis que se sucedem, causando a dissolução dos vínculos
institucionais escolares e, com isso, não só produzindo a desarticulação entre as unidades escolares,
mas, sobretudo, destruindo sua economia interna. Essa desorganização legal está também associada
à desarticulação entre as demais instituições que integram o sistema educativo e à “criação de
instituições parasitárias que constituem clamorosos atentados ao erário municipal” (Idem, p.58).
Partindo desse princípio, é determinante o papel do planejamento, que em seu entendimento
deve ter o conhecimento de toda a situação a ser modificada pela ação intencional, baseada na razão
científica do administrador, como ponto de partida. Azevedo promove, então, como primeira
iniciativa de sua reforma, a realização de um recenseamento escolar12, para identificar a população
por idade, sexo e principalmente por distrito escolar, com vistas à definição dos objetivos a serem
alcançados.
É possível identificar alguns princípios que Azevedo toma como importantes para as ações
do administrador: a harmonia entre os elementos que compõem o sistema, a hierarquia entre eles,
vertical ou horizontalmente disposta; e a eficácia que deve resultar dos processos a serem por ele
empreendidos. Outro princípio importante é o que aponta para o controle burocrático da
organização estatal, revelado aqui na necessidade de se promover um ordenamento jurídico que
organizasse o sistema. Nesse ponto, Azevedo parece mesclar princípios da administração clássica,
vinculados a uma visão privatista da administração, com traços da administração pública de modelo
burocrático.
O segundo elemento trazido por Azevedo é o que chama de aspecto material. Há uma
evidente preocupação com as condições materiais das escolas do Distrito Federal. Condições tais
que também refletem a mesma desorganização expressa na desordem legislativa. Essa preocupação
também se revela na análise pormenorizada que faz das condições do mobiliário e dos
equipamentos dessas escolas, que em sua maioria funcionam em prédios residenciais adaptados
para fins educativos. Ao fazer a crítica ao estado em que se encontram os prédios escolares,
sentencia Azevedo:
“Daí se conclui que até hoje, em quase quarenta anos de regime republicano, não foram construídos na metrópole brasileira senão pouco mais de 20 prédios escolares, ou seja em média, um prédio de dois em dois anos.
12 “A localização das escolas, por sua vez, tem dependido, ou da conveniência da professora, ou do interesse
do chefe político local, ou da coragem do proprietário em ter para inquilina a Prefeitura. Dai não ser novidade alguma termos locais onde existem duas ou mais escolas sem freqüência e outros onde a maioria da população em idade escolar fica em casa sem aprender, porque a escola não comporta mais alunos. O recenseamento escolar sanará esses e outros inconvenientes, servindo além do mais para determinar a espécie, o número e o local exato das escolas atuais e das que vierem a se tornar necessárias. “Ai estão envolvidos vários problemas, cada qual mais importante, e que só poderão ser matematicamente resolvidos diante dos números apurados no recenseamento escolar.”(...). (“Far-se-á mais uma vez a
reforma da Instrução Pública.” A Patria, Rio de Janeiro, 16 fev. 1927 apud VIDAL, 2000b).
Alguns dos edifícios especialmente construídos para fins pedagógicos, ainda são os que, na monarquia, foram oferecidos ao povo pelo governo” (AZEVEDO, 1931, p. 57)
Azevedo fala também do aspecto sombrio e insalubre das salas de aula e das condições
precárias de recursos pedagógicos, o que redunda num aspecto mencionado em outros momentos de
sua reflexão: a falta de condições ideais para o trabalho dos profissionais da educação, tendo o
professor como elemento principal13. Esse ponto é importante para a reforma, que prevê em sua
estrutura elementos que dispõem sobre seus direitos e deveres, sobre a regulamentação de seu
exercício, de suas competências e também de seu código disciplinar, com previsão de faltas
disciplinares e de sua repressão (PILLETI, 1986).
É possível identificar nesse aspecto a conjugação de traços que novamente se amalgamam
no pensamento azevediano. A tentativa de produzir o controle das atividades docentes a partir da
regulamentação legal, inerente à visão burocrática de administração do Estado, aliada à
padronização das práticas docentes, expressa não só na determinação de competências profissionais,
ou no código disciplinar da categoria, mas também numa política de formação profissional, de que
já se falou, baseada na racionalidade técnica e científica.
O terceiro elemento trazido por Azevedo é o aspecto econômico do problema. O fundamento
de sua preocupação tem foco em dois eixos principais: o volume dos recursos destinados ao trato
com a educação e a gestão desses recursos. Considera que os poucos recursos destinados no
orçamento para a educação são distribuídos de maneira desordenada e sem critérios técnicos,
obedecendo a uma lógica irracional.
Sua preocupação com a desproporção, em relação aos vários níveis de ensino e tipos de
escola, com o custo-aluno e com o desperdício é evidente e a causa apontada tem o mesmo
fundamento que vê em todo estado de coisas que encontra na educação do Distrito Federal: a
desorganização que reflete a falta de racionalidade administrativa. Azevedo insiste na necessidade
de se equacionar também este problema, a partir de uma visão administrativa que tomasse a
racionalidade técnica como paradigma, desconsiderando nesse momento os critérios de caráter
social ou de política de distribuição de recursos pautados numa lógica supletiva ou distributiva.
3.1.3 Principais atores e processos
13 “Ao professorado primário eliminaram-se todos os meios de estímulo, dificultando-se-lhe a promoção às classes superiores, por disposições disparatadas e iníquas, com que a administração, para cumprir a lei, tendo sido tantas vezes obrigadas a incorrer em atos clamorosamente injustos(...) Ao professorado primário,enfim, negou-se quase sistematicamente o acesso à inspeção escolar provida por estranhos à classe, segundo as indicações políticas; negou-se uma situação econômica de acordo com a dignidade do magistério, colocando ombro a ombro, no mesmo nível, com os serventes das escolas; negou-se o conforto nos ambientes escolares, sem condições higiênicas favoráveis ao trabalho; negou-se até o material didático apropriado ao desempenho de sua missão (...) (AZEVEDO, 1931. p61)
Uma outra questão que vem à tona, quando se pretende levantar os elementos principais que
norteiam o pensamento azevediano acerca da administração é a definição dos atores tidos como
centrais nos processos de gestão da educação.
É muito claro para Azevedo que é necessário, ao se pensar administrativamente num sistema
educacional, que se tenha um conjunto de atores que, agindo de forma coordenada e cooperativa,
mesmo que distribuídos de forma hierárquica, possam dar conseqüência a um projeto educacional
filosoficamente bem definido. Esse conjunto de atores deve ser considerado em suas dimensões
individuais e institucionais. A escola é o foco principal a ser considerado nesse campo. Mas a escola
não deve estar isolada, ao contrário, deve ser um agente social capaz de se articular com outros na
conformação de ações capazes de materializar sua missão principal.
Na construção desse processo, os professores são elementos centrais. A atenção que se vê
demonstrada no discurso azevediano à questão da melhoria das condições de trabalho, da
remuneração, da dignidade profissional e da formação do professor, aponta para uma característica
da teoria administrativa que coloca Azevedo um passo à frente na direção do que ficaria conhecido
como Teoria das Relações Humanas. Embora este traço venha fortemente carregado de
pressupostos que o identificariam como adepto da escola clássica da administração, Azevedo já
anuncia o reconhecimento de que os processos produtivos, na escola, não seriam diferentes, ou seja,
precisavam ser considerados sem desprezar os aspectos psico-sociais neles implicados. A
valorização do profissional da educação é uma preocupação evidente em Azevedo, porém se
vincula a um modelo de formação profissional que remete a uma instrumentalização cientificista e a
uma visão ainda paternalista sobre a profissão docente. Essa característica talvez venha atrelada a
uma série de concepções que o educador compartilha com John Dewey.
Da mesma forma, pode-se dizer das posições assumidas por Azevedo com relação ao papel
da escola na sociedade e a sua conformação como um microcosmo da sociedade, idéia muito
identificada com o sociólogo Emile Durkhein, de quem o educador brasileiro é seguidor no campo
da sociologia.
É igualmente importante identificar, dentro das reflexões produzidas por Azevedo, que
processos e relações são eleitos como constitutivos da educação como um todo. Nesse campo,
aqueles processos considerados estritamente administrativos ganham relevo por intermédio de suas
preocupações com a organização do sistema, com a construção e reformas de prédios escolares,
com a organização orçamentária e a gestão equilibrada desses recursos, apontando, inclusive, a
dicotomia do sistema educacional brasileiro, que tem no Governo Federal o principal agente
financiador da educação das elites e a inexistência de um projeto nacional de educação básica.
Nesse ponto, é importante ressaltar que a noção de Planejamento adotada por Azevedo é
peça fundamental para se compreender sua obra. Sua concepção de Planejamento dimensiona essa
prática administrativa como um princípio para as intervenções a serem realizadas pelos atores
diversos que compõem o sistema educacional. Para o autor, é preciso que se determinem as
finalidades das ações educativas para que depois possam ser empreendidas. Trata-se de uma forma
de promover o controle sobre as práticas empiristas, que tanto combate, desenvolvidas pelos
professores, ou seja, é um elemento ordenador do trabalho e uma forma de determinação das
atribuições e responsabilidades, como instrumento, como forma de controle e também de
otimização dos processos que possam propiciar a uniformidade dessas ações que compõem o corpo
de práticas a serem organizadas no sistema, revelando o caráter racional e cientificista bastante
presente em sua obra. Essa visão irá, portanto, se desdobrar em vários momentos e em diversos
processos que elege como principais na construção de seu pensamento sobre a administração
educacional.
Os processos que dizem respeito à regulamentação do sistema também aparecem como
importante traço da ação administrativa em Fernando de Azevedo. É importante que se destaque sua
preocupação em fazer aprovar no Conselho Municipal o Decreto que estabeleceria a síntese de seu
projeto, tornando-o oficial e ganhando força de Lei. É um traço de uma administração pública
burocrática que se justifica, em suas palavras, no sentido de construir um corpo organizado para
uma legislação dispersa e desorganizada.
Todavia, os processos pedagógicos são igualmente uma preocupação para o autor. Os
recursos e os processos administrativos, de modo amplo e também em sentido específico de sua
abrangência, devem ser articulados com a dimensão pedagógica da escola. Por isso, para Azevedo,
a reforma lança mão da ciência, como fonte inspiradora não só nos avanços em termos de princípios
e fundamentos, mas também dos recursos, como instrumento no aperfeiçoamento dos métodos e
técnicas de ensino.
Sua preocupação com os processos de ensino, pedagógicos stricto sensu, aparece por toda
sua obra, articulados com as questões administrativas, stricto sensu, em especial naquela aqui
tomada como base para a análise. Sua intenção administrativa de intervir, de encaminhar ou
produzir orientação quanto às questões curriculares são igualmente importantes para a compreensão
do seu pensamento administrativo. Azevedo estabelece normas e princípios sobre a higiene, a
educação física, a educação musical e artística de modo geral, a assistência alimentar, o escotismo,
o intercâmbio escolar e até para escolas que atendem crianças deficientes, colocando esses
elementos no rol das ações administrativas e dando-lhes caráter legislativo. O autor os situa não só
sob o ponto de vista da especulação filosófica, ou pedagógica, mas considera-os como matéria de
regulamentação, conferindo-lhes, inclusive, o caráter de obrigatoriedade ao definir disciplinas e
programas a serem seguidos nas escolas.
O educador também articula os processos pedagógicos com os processos sociais, que
também lhe são caros, de tal forma que pensa um sistema escolar “adaptado à nova concepção
social baseada no desenvolvimento crescente da ciência e da indústria e na expansão correlata das
classes operárias”(AZEVEDO, 1931, p. 46).
Para que isso se realize, o educador apresenta três princípios com que tendem a conformar-
se os grandes sistemas de organização escolar, na sua opinião: o princípio da comunidade, da escola
única e da escola do trabalho.
O princípio da escola única é uma das principais bandeiras do discurso liberal, que deseja
que a escola seja constituída por todos os membros da sociedade e que nela se construam as bases
para a democracia. Azevedo justifica o princípio da escola do trabalho a partir da concepção da
organização do trabalho como base da sociedade. “A sociedade atual apóia-se na organização do
trabalho; daí o princípio econômico da escola do trabalho”, salienta o educador (AZEVEDO, 1931,
p. 73).
A escola como sociedade em miniatura, não poderia deixar de constituir-se sobre as
mesmas bases. O princípio da escola como comunidade, ou escola do trabalho em cooperação, que
acaba por congregar os outros dois, é a expressão da idéia de que a escola deveria ensinar a viver
em sociedade e trabalhar em cooperação:
“Não se trata, apenas de preparar o indivíduo, em si mesmo, torná-lo apto para o trabalho (idéia individual), mas de preparar o indivíduo para a comunidade (idéia social), habituá-lo a desenvolver e disciplinar a sua atividade, pondo-a em função da atividade de outrem, para um objetivo determinado. Trabalhar com os outros, para que a colaboração seja interpretada e realizada como meio de maior rendimento do trabalho, é o fim a que se propõe a escola nova, instituída para a sociedade baseada na organização do trabalho”(AZEVEDO, 1941. p. 74).
Assim, entra em cena outro traço importante para compreender o pensamento azevediano.
Nesse princípio, vê-se marcada a idéia de imprimir desde a infância a noção de trabalho
disciplinado, daquele trabalho requerido nas organizações administradas sob a ótica da
administração clássica, onde o trabalho é especializado e o trabalhador não tem espaço para a
criação.
Desse modo, volta a aparecer um elemento que pode ser considerado central nessa dimensão
do pensamento azevediano: a formação dos profissionais da educação. Para que se possibilite a
construção de uma nova escola, baseada em novos princípios educativos, era preciso que os
professores tivessem acesso a um novo tipo de fazer. Os professores precisavam ser treinados para
realizar as novas tarefas que a eles seriam atribuídas, dentro de um novo projeto de escola que fora
concebido sem a sua participação, por um grupo de especialistas que se debruçou sobre a tarefa de
planejar. Mais uma vez, fica demarcada sua concepção acerca da divisão social do trabalho, baseada
na especialização e na racionalidade técnica, embora esta seja ponderada pela intervenção social,
ainda que dirigida.
O aprofundamento do aspecto social, no sentido de que agora o papel da escola extrapola
seus muros e deve alcançar à sociedade como um todo, faz com que o professor tenha uma tarefa
sócio-política de extrema importância. Segundo o autor, a reforma de ensino inspirou-se nos
propósitos de aparelhar a escola com meios que propiciassem a consecução dessa tarefa. Mas esse
empreendimento, para o autor, só logrará êxito na medida em que, para além da renovação no
interior da escola, na sua organização e nos seus métodos, outros elementos se unam. Todo o
sistema escolar deve ser reorganizado, o que significa dizer que é preciso tornar mais eficazes os
serviços técnicos e administrativos, como também proporcionar às escolas os meios para expandir
seu raio de ação. A escola se propõe agora a ensinar a viver em sociedade e a trabalhar em
cooperação.
Para que o professor, a cuja função agora acresce esse caráter, trazendo para o pedagógico
um traço político, possa corresponder aos anseios da reforma era preciso proporcionar-lhe um novo
modelo de formação.
“Não bastará, de certo, para elevar o professor à altura de sua nova missão, intensificar a sua cultura geral e desenvolver-lhe o aperfeiçoamento profissional, para o exercício eficaz da ação educativa e social do meio em que deve atuar. É preciso também despertar e desenvolver a consciência de que a solução do problema educativo, posto nesses termos, largos e generosos, depende menos da obra solitária do indivíduo, seja qual for a sua categoria, do que a convergência, para um objetivo comum, de todos os esforços individuais” (AZEVEDO, 1931. p. 59).
Mais uma vez, percebe-se a presença de traços da administração clássica, onde a uns é
atribuída a tarefa de planejar e a outros a de cumprir o que ficou determinado por aqueles técnicos
detentores dos saberes mais valorizados. Azevedo considera importante a formação do professor
para além do aspecto de sua cultura geral e de seu aperfeiçoamento; traz também a questão política
como importante elemento em sua formação. Todavia, é uma formação política voltada para a
transmissão dos ideais liberais, mais baseada numa visão da elite do que numa visão crítica acerca
da realidade brasileira produzida a partir do ponto de vista dos trabalhadores, que são esses
professores. Em outras palavras, torna-se necessário formar os profissionais da educação para serem
agentes transmissores de uma nova cultura a ser consolidada.
É mais um sinal da controversa figura, que encadeia elementos que o colocam na vanguarda
do pensamento pedagógico e, ao mesmo tempo, situam-no no campo do pensamento conservador
de sua época. Quer, ao mesmo tempo, unir os aspectos pedagógicos e administrativos e controlar os
quantitativo dos sistemas de educação. O Instituto deve e pretende ainda ser uma alta escola de administração escolar - a primeira que se organiza no país, e colaborar ativamente com a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, na formação do professor secundário, dando-lhe a preparação técnica com que se habilitará ao exercício do magistério das disciplinas cujos conhecimentos foram aprofundados naquele instituto universitário. Até hoje a administração escolar, entre nós, nunca teve outra base senão a experiência pessoal conduzida pela rotina e bom senso, quando a verdade que salta aos olhos é que o bem senso sem a ciência nada esclarece e que o governo da instrução das escolas, como o dos povos, “é questão não somente de bom senso, mas de método e de ciências” (AZEVEDO, 1937, p. 95).
Nesse trecho de sua obra, encontra-se a base de questões que até hoje não foram resolvidas
no campo da pedagogia no Brasil, como aludido em outro momento deste trabalho. Azevedo e seus
parceiros de trabalho na Universidade sintetizam, e acabam por sistematizar, a base do que seria a
dicotomia central do curso de pedagogia. Essa dicotomia entre docência e gestão, que, mais do que
um problema epistemológico, ou mesmo funcional, reflete sua adesão à divisão do trabalho baseada
na racionalidade técnica, aqui já mencionada.
Mais ainda é um posicionamento político que institui a diferença qualitativa entre aqueles
que regem a sala de aula e aqueles que regem o sistema educacional, acrescendo ao fato a idéia de
que a presença e a atuação do administrador escolar depender de uma “necessidade”, reconhecida,
ou não, desse técnico. É uma visão redutora sobre o papel do Pedagogo, mas que reflete o senso
comum da época e que acaba por se transformar em política de formação desse profissional até os
dias de hoje, mesmo que algumas mudanças sejam possíveis a partir das novas diretrizes
curriculares para o curso de Pedagogia.
CONCLUSÕES
Já é lugar comum identificar em Emile Durkheim e em John Dewey as fontes principais de
inspiração de Fernando de Azevedo, embora a outros autores o educador mineiro recorra para
fundamentar suas análises. Do primeiro, é evidente em muitos momentos, Azevedo incorpora a
concepção de educação como transmissora de cultura. Do americano, Azevedo apreende a idéia de
que a educação é um processo contínuo de re-elaboração da experiência social. Nesse sentido, o
educador mineiro incorpora elementos que aparentemente se mostram antagônicos: requerer da
educação o papel de transmitir elementos da tradição e colocar a educação na gênese da
transformação social, da mudança.
O primeiro elemento, que consiste na educação como agente transmissor da cultura, aponta
para a manutenção de modos de perceber o mundo, de sentir, de fazer e de pensar, que leva os
membros da sociedade a agirem de acordo com um determinado padrão. Ao se tomar o conceito de
habitus como ponto de partida para uma aproximação com sua obra, pode-se dizer que a educação,
nessa perspectiva de análise que faz Azevedo, é um importante elemento na consolidação das
disposições que funcionam como princípio gerador e estruturador das práticas e representações que
o constituem. Nesse sentido, sob esse aspecto, o projeto de Fernando de Azevedo é conservador,
por desejar que o arcabouço que sustenta a produção de interpretações do mundo se mantenha em
permanente manutenção.
Seguindo essa linha, se considerarmos que essas disposições não são mecânicas, nem
carregam traços deterministas, apresentando-se de forma dinâmica e flexível e estruturando as
categorias de percepção e de apreciação do mundo, bem como orientando a ação dos membros da
sociedade, pode-se dizer, igualmente, que a outra convicção azevediana, de que a educação é esse
processo contínuo de re-elaboração da experiência social, acaba fazendo parte desse mesmo
elemento estruturante. Como as duas faces de uma mesma moeda. A manutenção da cultura,
portanto, dos modos de regulação das relações e representações, está igualmente pautada na sua
capacidade de fazer mudar aquilo que não deve ser incorporado a essa estrutura que gera novas
estruturas. Renovar para Azevedo é manter os elementos que, no seu entender, constituem o espírito
central do projeto de sociedade que quer consolidar e retirar de cena aqueles que dificultam seu
empreendimento. Por isso, essa aparente dicotomia entre promover reformas e desejar construir os
valores da nacionalidade ligados ao passado pertence ao mesmo mecanismo.
Azevedo tem sua atenção para aquelas três dimensões do habitus de que fala Bourdieu,
ethos, hexis e eidos. Sua intenção administrativa de organizar as práticas educativas através de
alguns mecanismos como a organização curricular rígida, por exemplo, está associada à idéia de
imprimir e consolidar valores, modos de comportamento corporal e esquemas lógicos e cognitivos
de classificação dos objetos do mundo social. Entretanto, lembre-se que também Azevedo vê esses
elementos não como componentes de um processo rígido de condicionamento, e sim como
integrantes de um movimento que aponta para os princípios da ação que se desenvolvem no campo
social, tomando aqui o conceito de campo construído por Bourdieu.
Azevedo traz contribuições importantes para a administração educacional no Brasil: coloca
no centro das discussões a urgência de se criar uma cultura de planejamento, insiste sobre a
necessidade de se organizar o sistema educacional, manifesta-se claramente a respeito da
necessidade de se distribuírem de forma equilibrada os recursos destinados à educação e manifesta
acerca da sólida formação que devem ter os profissionais da educação. Todavia, tais posições são
assumidas de maneira tal que se pode colocá-lo no campo daqueles que pertencem à tradição
funcionalista (SANDER, 1984) que defendem o consenso como base das relações sociais,
desconsiderando, ou mesmo negando, o conflito que move as relações que se travam na sociedade.
No que diz respeito às teorias da administração, Azevedo apresenta elementos muito
semelhantes aos que aparecem na denominada Administração Clássica, de base científica, mas
apontando para alguns traços da Teoria das Relações Humanas. No campo da administração
educacional, essas características se materializam em concepções semelhantes às da Administração
Pública Burocrática, mas também apontam para elementos que o aproximam da Administração
de ecletismo instrumentalista, uma vez que aparecem no autor características que podem ser
encontradas em outros autores de sua época, ou anterior, que não necessariamente pertençam ao
mesmo espectro filosófico-ideológico. Azevedo tem traços liberais fortes, mas observa-se também a
presença de elementos ligados ao pensamento autoritário; o autor se diz, em determinado momento,
influenciado por Karl Marx e se filia deliberadamente aos preceitos de Durkheim e Dewey. Esse
ecletismo instrumentalista pode advir de sua tendência de promover a síntese dos ideais de sua
época, encontrando nessas várias vertentes de pensamento algo que lhe parecesse harmônico. Pode-
se perceber esse traço em alguns momentos, como o que se segue:
“A reforma, de fato, não se enclausurou dentro de ‘escolas’, nem se submeteu a orientações individuais. Não copiou as idéias de Dewey; não adotou Decroly; não perfilhou Kerschensteiner; não se vasou no molde de Lunatscharsky. Cito apenas algumas figuras dominantes de reformadores. Em qualquer deles, por maior que seja, não podia a lei procurar a sua fonte única de inspiração. Todos esses inovadores, criadores ou sistematizadores de idéias, têm nas suas obras orientadas no mesmo sentido, um ‘fundo comum’, coerente e sólido, que procuramos destacar, de nosso ponto de vista, da parte em que se contradizem ou se extremam, pondo princípios em conflito ou lecando-os às últimas conseqüências” (AZEVEDO, 1931, p. 71)
O próprio autor não considera que sua obra seja eclética, “elaborada com espírito superficial
e flutuante à procura do equilíbrio entre doutrinas para dar satisfação provisória, por transigências e
acomodações, a pontos de vistas diferentes”, sem, portanto, os “preconceitos socialistas”, por
considerar que a solução dos problemas educacionais só poderá advir da síntese resultante, não da
superposição das idéias, mas da fusão e da organização desse corpo de doutrinas de que lança mão
(AZEVEDO, 1931, p. 22).
Embora o autor negue o ecletismo, no aspecto pejorativo do termo, é evidente que lança
mão de autores diversos que tenta conciliar, tomando as idéias como instrumentos, como desejava
Dewey. Para Azevedo, a reforma e, portanto, sua posição como intelectual, separa “o grão dos fatos
e das realidades sociais, da palha dos preconceitos partidários e das construções puramente
teóricas”(Ibidem). Assim, Azevedo parece concordar com o pensador americano, quando percebe
que as idéias devem estar sempre em função de problemas reais, “como instrumentos para resolver
os problemas e enfrentar o mundo ameaçador e uma existência precária” (REALE e ANTISERE,
1991, p. 510)
No campo da Pedagogia e em especial da Administração Educacional, muito ainda se tem
que pesquisar sobre a obra azevediana. Sua produção cria possibilidades diversas de análise e
suscita olhares que, ao mesmo tempo, se abrem para uma série de conexões entre as diversas
possibilidades de interpretação e para o exame profundo de uma determinada questão, pois sua
lavra é larga e ao mesmo tempo densa.
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