a geometria dedutiva em livros didÁticos das … marisa... · pesquisei algumas coleções de...
Post on 07-Dec-2018
215 Views
Preview:
TRANSCRIPT
MARISA CARLOVICH
A GEOMETRIA DEDUTIVA EM LIVROS DIDÁTICOS DAS
ESCOLAS PÚBLICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO PARA
O 3º E 4º CICLOS DO ENSINO FUNDAMENTAL
MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
PUC/SP
São Paulo
2005
MARISA CARLOVICH
A GEOMETRIA DEDUTIVA EM LIVROS DIDÁTICOS DAS
ESCOLAS PÚBLICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO PARA
O 3º E 4º CICLOS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE
EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA , sob a orientação do
Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud.
PUC/SP
São Paulo
2005
Banca Examinadora
______________________________
______________________________
______________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
Dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura: _______________________________________ Local e Data: ______________
AGRADECIMENTOS
Foram várias as pessoas que colaboraram na realização deste trabalho,
seja direta ou indiretamente. A todas essas pessoas, meus sinceros
agradecimentos. Presto meus agradecimentos especiais:
Ao meu esposo Miguel, parceiro na realização dos mais importantes
sonhos de minha vida.
Ao meu filho Jonas, minha maior alegria e com quem mais aprendo.
Aos meus pais e irmãos, pelo exemplo de perseverança, fé e honestidade.
Ao meu orientador. Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud, pela confiança,
autonomia e, sobretudo por contribuir com minha formação de pesquisadora.
Aos professores doutores Maria Ângela Miorim e Wagner Rodrigues
Valente, pelas valiosas observações realizadas no Exame de qualificação.
Aos amigos Eliana, Leila, Gustavo e João, companheiros nas horas de
estudo.
Aos funcionários da biblioteca da PUC-SP – Matemática, que tiveram a
paciência em auxiliar na tarefa de levantamento dos livros didáticos analisados na
pesquisa.
Aos professores Ricardo e Alda, pelos trabalhos de traduções e de revisão
do texto.
À equipe da direção, coordenação e secretaria da Escola Estadual Barão
de Jundiaí, pelo incentivo e compreensão.
A Deus, presente em todos os momentos.
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS................................................................................................8
RESUMO.................................................................................................................9
ABSTRACT............................................................................................................10
INTRODUÇÃO.......................................................................................................11
CAPÍTULO 1
ESTUDOS PRELIMINARES..................................................................................13
1.1 Definição das formas de raciocínio, indução e demonstração e de sistema
lógico.............................................................................................................13
1.2 A história da demonstração e dos sistemas dedutivos geométricos.............14
1.2.1 A história da origem da demonstração...................................................14
1. 2.2 A história dos sistemas dedutivos geométricos......................................17
1. 3 Estudo histórico da Educação Matemática...................................................20
CAPÍTULO 2
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA...............................................26
2.1 Metodologia da pesquisa...............................................................................26
2.1.1 A pesquisa documental como metodologia para a coleta de dados........26
2.1.2.A pesquisa bibliográfica para estudar o ensino-aprendizagem da
Geometria dedutiva..................................................................................26
2.2 A história das disciplinas e a noção de “vulgata escolar”..............................27
2.3 A classificação das Geometrias proposta por Parsysz..................................29
2.4 A Organização Praxeológica..........................................................................31
CAPÍTULO 3
APRESENTAÇÃO DA PESQUISA........................................................................33
3.1 A relevância do tema.......................................................................................33
3.2 O problema da pesquisa..................................................................................35
CAPÍTULO 4
O ENSINO-APRENDIZAGEM DA GEOMETRIA DEDUTIVA - CATEGORIZAÇÃO
DE ANÁLISE..........................................................................................................37
4.1 Categoria 1: Articulação entre G1–Geometria Spatio-gráfica e G2–Geometria
Proto-axiomática em validações de propriedades geométricas....................37
4.2 Categoria 2: Análise dos exercícios para apreensão das propriedades
geométricas, seguindo uma Organização Praxeológica................................44
4.3 Categoria 3: Articulação dos registros de representação semiótica
mobilizados em uma demonstração geométrica............................................50
CAPÍTULO 5
ANÁLISE DAS COLEÇÕES DE LIVROS DIDÁTICOS DO INÍCIO DA DÉCADA
DE 1990.................................................................................................................53
5. 1 Análise da Coleção 1: A conquista da Matemática.......................................53
5. 2 Análise da Coleção 2: Matemática e Realidade...........................................60 5. 3 Análise da Coleção 3: Matemática na Medida Certa....................................67
CAPÍTULO 6
ANÁLISE DAS COLEÇÕES DE LIVROS DIDÁTICOS DO INÍCIO DA DÉCADA
DE 2000.................................................................................................................75
6. 1 Análise da Coleção 1: Novo Praticando Matemática......................................75
6. 2 Análise da Coleção 2: Idéias e Relações.......................................................85 6. 3 Análise da Coleção 3: Tudo é Matemática.....................................................96
CONCLUSÕES....................................................................................................109
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................122
APÊNDICE - RELAÇÃO DAS COLEÇÕES DE LIVROS DIDÁTICOS A SEREM
ANALISADOS......................................................................................................126
ANEXOS..............................................................................................................128
8
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 - Classificação de Geometrias proposta por Parsysz (2000)...............30
FIGURA 2 – Círculos de Euler para representar correlações entre conceitos......40
FIGURA 3 – Círculos de Euler para representar correlações entre conceitos......41
FIGURA 4 – Falsa evidência da figura apresentada por Fetissov (1997).............42
FIGURA 5 – Papel desempenhado por figura em demonstrações.......................43
9
RESUMO
Esta pesquisa tem o objetivo de analisar o ensino da Geometria dedutiva nos
livros didáticos do 3o. e 4o ciclos do Ensino Fundamental mais utilizados nas
escolas públicas do Estado de São Paulo, desde a década de 1990 até os dias
atuais.
Segundo Chervel (1990), uma tendência de abordagem apresentada nos manuais
pedagógicos se estabelece após mudanças importantes na história da educação.
Nesta última década, uma mudança significativa na história da Educação
Matemática brasileira foi a implantação do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD), em 1995. Assim, definimos para a nossa pesquisa dois períodos de
análise: o início dos anos 1990 e o início dos anos 2000, períodos anterior e
posterior, respectivamente, a essa implantação. Nossas questões de pesquisa
versam sobre como, em cada época, as coleções de livros didáticos
acompanharam as discussões da Didática da Matemática no que se refere ao
ensino-aprendizagem da Geometria dedutiva e sobre as diferenças dessas
apropriações nas duas épocas.
Os resultados de nossa pesquisa sobre as coleções analisadas dos anos 1990
fornecem indícios de uma abordagem para a Geometria dedutiva em que as
demonstrações são apresentadas aos alunos seguidas de exercícios apenas de
aplicação, revelando um ensino prático para a Matemática.
Os resultados da análise das coleções dos anos 2000 indicam otimismo em
relação ao ensino da Geometria dedutiva. Para estudar as propriedades
geométricas, além dos exercícios de aplicação, solicitam-se aos alunos
validações empíricas e dedutivas, o que caracteriza um enfoque heurístico,
conforme definição de Lakatos (1976). Entretanto, cumpre fornecer caminhos
para que os alunos se apropriem do raciocínio dedutivo em Geometria, segundo
recomendações baseadas em estudos de teóricos da Didática da Matemática,
atendidas apenas parcialmente nas coleções analisadas das duas épocas.
Palavras-chave: Geometria dedutiva, História da Educação Matemática, Ensino
Fundamental, Heurística.
10
ABSTRACT
This study aims at analysing the teaching process of Deductive Geometry in
school-books prepared to the 3rd and 4th cycles of Ensino Fundamental (from the
1st to the 8th degrees – students usually from 7 to 15 years) used in state-run
schools in Sao Paulo State from the 1990s to the present day.
According to Chervel (1990), after an important change in the history of Education
there follows a trend in the approach chosen for pedagogical handbooks. In the
past decade, a significant change in the history of Brazilian Education concerning
Mathematics was the implementation of Programa Nacional do Livro Didático –
National Programme for School Textbooks (PNLD), in 1995. That made us
separate two periods for the purpose of analysis in our study: the early 1990s and
the early 2000s – periods respectively before and after this implementation. Our
queries turned on how, in each period, school-books were close to the debates of
Mathematical Didactics about the teaching-learning process of Deductive
Geometry and on how the differences of views for each period took place.Results
for the selected book sets printed in 1990s show signs of the Deductive Geometry
approach in which demonstrations are presented to students and followed only by
application exercises, typifying a practical teaching of Mathematics.
Results for the selected book sets printed in the 2000s point to an optimistic view
regarding the teaching of Deductive Geometry. In order to study Geometry
properties, besides application exercises, students were asked to do the empirical
and deductive validations, which typifies heuristic approach, according to Lakato’s
definition (1976). However, it is fundamental to show students the ways to master
deductive reasoning in Geometry, as recommended by the theoretical studies of
Mathematical Didactics, only partially attended to in the book sets analysed for the
two given periods.
Key words: Deductive Geometry, History of Mathematical Education, Secondary
School, Heuristics.
11
INTRODUÇÃO
Ao ingressar no curso de Mestrado em Educação Matemática da PUC-SP,
em 2003, fui convidada a participar do Projeto “Problemas envolvendo uma
apreensão significativa da Geometria, via demonstração”. Esse projeto, por sua
vez, é parte de outro – “Criação de núcleo-embrião de ensino-aprendizagem e
pesquisa em Educação Matemática no Ensino Fundamental em escolas públicas
de São Paulo” –, ambos sob coordenação de meu orientador, o Prof. Dr. Saddo
Ag Almouloud. A partir daí, iniciei a pesquisa sobre o tema ensino da Geometria
dedutiva no Ensino Fundamental brasileiro para desenvolver minha dissertação.
Como professora de Matemática de uma escola da rede de ensino do
Estado de São Paulo, dois fatos chamaram a minha atenção quanto ao ensino da
Geometria dedutiva. O primeiro foi quando preparava o meu planejamento de
curso para a 8a. série do Ensino Fundamental, no início de 2004. Para isso,
pesquisei algumas coleções de livros didáticos e constatei uma considerável
variedade de enfoques para a Geometria dedutiva. Em reunião com os outros
professores da escola para definir o planejamento, minha proposta de intercalar
os conteúdos de Geometria ao longo do ano causou-lhes espanto e provocou
resistência. Com a minha insistência, relevando a importância do aspecto visual
da Geometria, ouvi o seguinte comentário de um dos presentes: “Um pouco de
Geometria, tudo bem, mas demonstração, não!”.
Outro fato que me chamou a atenção foi durante uma discussão entre
professores sobre o exame de Matemática do último concurso para provimento de
cargos de professores para o Ensino Fundamental e Médio do Estado de São
Paulo, realizado em novembro de 2003. Nessa prova, uma questão apresentava
uma demonstração geométrica e solicitava explicações das suas passagens. As
explicações eram simples, versavam sobre congruência de ângulos opostos pelo
vértice e de triângulos. Um dos professores declarou que, ao perceber que se
tratava de demonstração, tratou logo de pular a questão e usar o precioso tempo
para outra questão mais prática e fácil.
Esses episódios me fizeram refletir sobre a rejeição ao ensino da
Geometria dedutiva por parte dos professores e, então, meu orientador e eu
resolvemos realizar um estudo histórico sobre o tema. Assim, neste trabalho,
12
propomo-nos a estudar o ensino da Geometria dedutiva no 3º e 4º ciclos do
Ensino Fundamental, realizando uma análise didática de livros didáticos.
A pesquisa foi organizada do seguinte modo:
No primeiro capítulo, realizamos os Estudos Preliminares: a definição das
formas de raciocínio, indução e demonstração e de sistemas lógicos; a história da
demonstração e dos sistemas dedutivos geométricos e o estudo histórico da
Educação Matemática.
No segundo capítulo, apresentamos a fundamentação teórico-metodológica
utilizada.
No terceiro capítulo, apresentamos a pesquisa, destacando a relevância do
tema e o problema de pesquisa.
No quarto capítulo, apresentamos uma pesquisa bibliográfica sobre o
ensino-aprendizagem da Geometria dedutiva para o Ensino Fundamental, a partir
de teorias da Didática da Matemática, no intuito de estabelecer as categorias de
análise dos livros didáticos.
No quinto capítulo, apresentamos a análise dos livros didáticos referentes
ao início dos anos 1990, período influenciado pelo declínio do Movimento da
Matemática Moderna no Brasil e pelas teorias da Didática da Matemática.
No sexto capítulo, apresentamos a análise dos livros didáticos referentes
ao início dos anos 2000, período influenciado pelas teorias da Didática da
Matemática e, no Brasil, pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e pelo
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
Por fim, nas conclusões, procuramos identificar as diferenças de
abordagem da Geometria dedutiva encontradas nos livros didáticos das duas
épocas analisadas. Neste capítulo apresentamos nossas considerações e
recomendações.
13
CAPÍTULO 1
ESTUDOS PRELIMINARES
1. 1 Definição das formas de raciocínio, indução e demonstração e de
sistema lógico
Inicialmente, explicamos o sentido das formas de raciocínio, indução e
demonstração que utilizamos neste trabalho.
Fetissov (1997) chama de indução o método de obtenção de conclusões
gerais por meio do exame de numerosos casos particulares.
Recorremos a Balacheff (1987) para definir demonstração. O autor afirma
que muitas vezes as expressões explicação, prova e demonstração são tomadas
como sinônimos, embora ele as distinga, como descrito a seguir:
Chama-se explicação um discurso visando tornar inteligível o caráter de verdade, adquirido pelo locutor, de uma proposição ou de um resultado. Chama-se prova uma explicação aceita por uma comunidade dada em um momento dado. Esta decisão pode ser o resultado de um debate cuja significação é a exigência de determinar um sistema de validação comum aos interlocutores. Chama-se demonstração uma prova que só pode ser aceita no seio da comunidade matemática. Ela é uma seqüência de enunciados organizada segundo regras determinadas. Um enunciado é considerado como verdadeiro, ou é deduz ido daqueles que o precedem com a ajuda de uma regra de dedução tomada em um conjunto de regras bem definid o. (BALACHEFF, 1987, p. 147-149, tradução e grifos nossos).
Balacheff afirma ainda que a diferenciação desses conceitos coloca em
relevo as dimensões sociais da demonstração como resultado de um processo
particular de prova.
Segundo Polya (1977), num sistema lógico, os axiomas, as definições e as
proposições não estão relacionados em seqüência aleatória, mas dispostos em
perfeita ordem. Cada proposição está de tal maneira situada que ela pode basear-
se nos axiomas, definições e proposições que a precedem.
Fetissov e Polya ressaltam o caráter dedutivo dos sistemas geométricos:
14
Assim, um sistema geométrico compõe-se de um número relativamente pequeno de verdades fundamentais ou postulados, obtidos por indução e aceitos sem demonstração, decorrendo as demais verdades geométricas desses postulados através de deduções. É por isso que se considera a Geometria uma ciência fundamentalmente dedutiva. (FETISSOV, 1997, p 21). Ora, o sistema da Geometria está cimentado por demonstrações...Em suma, se a educação pretende incutir no estudante a noção de sistema lógico, deve reservar um lugar para as demonstrações geométricas. (POLYA, 1977, p. 116).
1. 2 A história da demonstração e dos sistemas dedu tivos geométricos
No intuito de esclarecer os termos sobre a Geometria dedutiva utilizados
neste trabalho e de torná-los significativos, neste item realizamos um estudo
histórico da demonstração e dos sistemas dedutivos geométricos.
1. 2. 1 A história da origem da demonstração
Neste item, apresentamos um estudo histórico da origem da
demonstração.
Utilizamos as considerações de Domingues (2002) sobre a demonstração
entre os povos antigos. Para o autor, por vários milênios, a Matemática se
desenvolveu sem se valer do método dedutivo. A Matemática babilônica e a
egípcia, por exemplo, não se basearam em nenhuma estrutura axiomática que
pudesse servir de garantia para a validade dos procedimentos práticos de que
essencialmente se compunham. O critério de confiabilidade das regras e
procedimentos usados era simplesmente a concordância com a realidade a que
se destinavam, o que também pode ser tomado como uma idéia de verdade de
Matemática.
Boyer (1974) indica que há várias hipóteses quanto às causas que levaram
à transformação das receitas matemáticas dos pré-helênicos para a estrutura
dedutiva que apareceu na Grécia. Em geral, considera-se que o elemento
dedutivo foi introduzido na Matemática por Tales de Mileto (c. 546 a.C.), que, em
suas viagens, notara discrepâncias na Matemática pré-helênica, como as regras
egípcia e babilônica para a área do círculo, e que, a partir daí, com seus
15
sucessores perceberam a necessidade de um método estritamente racional. Mas,
segundo o mesmo autor, recentemente se argüiu contra essa tese, afirmando que
a Matemática do século VI a.C. era muito primitiva para admitir tal contribuição.
Os que sustentam essa opinião às vezes se referem aos argumentos de Zenão
de Eléia (c. 450 a.C.) e Hipaso de Metaponto (c. 470 a.C.). Como possível
inspiração para o método dedutivo, os argumentos de Zenão parecem ter
influenciado profundamente o desenvolvimento da Matemática grega, influência
comparável à da descoberta dos incomensuráveis, com a qual talvez se relacione.
Certamente, as dúvidas e problemas levantados seriam um campo fértil para a
dedução e não seria absurdo considerar o fim do V século a.C. como o início da
forma racional dedutiva.
Segundo o mesmo autor, outras sugestões de historiadores indicam que as
causas da forma dedutiva da Matemática encontram-se fora dela. Uma, por
exemplo, vê no desenvolvimento sociopolítico das cidades-estado da Grécia o
surgimento da dialética e a conseqüente exigência de base racional para a
Matemática e outros estudos. Outra sugestão um tanto semelhante é que a
dedução pode ter provindo da lógica, nas tentativas de convencer um oponente
de uma conclusão, procurando premissas das quais a conclusão segue
necessariamente.
A esse respeito, afirma Struik (1985) que um dos modos de estudar a
história da Matemática e da ciência em geral é considerar o seu lado social, ou
seja, a relação do conhecimento com a sociedade e cita, como exemplo, que o
aparecimento da demonstração em Matemática foi contemporâneo ao
aparecimento da cidade-estado grega.
Arsac (1987) apresenta um estudo da gênese histórica da demonstração.
Alegando haver carência de fontes históricas, o autor utiliza conceitos
desenvolvidos da didática para ajudar a esclarecer essa gênese e, em seu
trabalho, focaliza a época da passagem da prova para a demonstração, adotando
a definição desses termos apresentada por Balacheff (1987), citadas no início
deste capítulo. Para isso, o autor considera dois pontos de vista: o externalista e o
internalista, explicados a seguir.
O ponto de vista externalista, apoiado na teoria de Szabo, atribui a
aparição da demonstração em Matemática essencialmente à influência externa da
sociedade grega do V século a.C: a transformação da Matemática em ciência
16
hipotético-dedutiva seria a aplicação das regras do debate argumentado que
governavam a vida política na cidade grega.
O ponto de vista internalista sugere que a demonstração surgiu da
necessidade de solução de um problema interno da Matemática: o problema da
irracionalidade, da incomensurabilidade, que, segundo os historiadores, é
contemporâneo à aparição da demonstração, também no V século a.C. Esse
ponto de vista é sustentado por Caveing.
Arsac (1987) faz uma análise das ligações entre a irracionalidade e a
demonstração e descreve o que acredita ser o prólogo da demonstração: o
Pitagorismo. O autor considera as características no campo matemático do
pensamento pitagórico e do método da antiferese, usado para determinar a
alíquota comum entre dois segmentos. Havia o obstáculo da incomensurabilidade
entre o lado e a diagonal do quadrado e do pentágono. No campo aritmético,
descreve-se a dificuldade de obter a raiz de alguns números e as ternas
pitagóricas, correspondentes aos lados de triângulos retângulos isósceles.
Segundo Eves (1995), a descoberta dos números irracionais foi
surpreendente e perturbadora para os pitagóricos. Em primeiro lugar, porque
parecia desferir um golpe mortal na filosofia pitagórica, segundo a qual tudo
dependia dos números inteiros e de razões entre eles. Além disso, parecia
contrária ao senso comum, pois, intuitivamente, havia o sentimento de que toda
grandeza poderia ser expressa por algum número racional. A contrapartida
geométrica era igualmente espantosa, pois ninguém poderia duvidar que, dados
dois segmentos de reta, sempre seria possível encontrar um terceiro segmento de
reta, talvez muito pequeno, que coubesse exatamente um número inteiro de
vezes em cada um dos dois segmentos dados.
Segundo Domingues (2002), no século V a.C., o pitagórico Hipaso de
Metaponto, para constrangimento de toda a confraria, demonstrou a falsidade
dessa crença. Como exatamente não se sabe. Segundo o mesmo autor, no
século IV a.C., Aristóteles (384-322 a.C.) apresenta uma demonstração da
irracionalidade entre a diagonal e o lado de um quadrado, baseada na distinção
entre pares e ímpares (conhecida dos pitagóricos), utilizando-se do método
indireto. Domingues afirma que essa pode ser a demonstração encontrada por
Hipaso. Porém Boyer afirma que, nessa prova, o grau de abstração é tão alto que
se questiona ter servido de base à descoberta original da incomensurabilidade.
17
Arsac (1987) conclui que, por volta do século V a.C., se caracterizou a
busca da superação desse obstáculo interno à Matemática – o problema da
irracionalidade e da incomensurabilidade – e que esses problemas só foram
superados com a ajuda de um aporte externo. Apoiando-se em Szabo, o autor
afirma que é inconcebível que a recusa do empirismo e o emprego da
demonstração pelo absurdo tenham aparecido espontaneamente entre os gregos.
Mas a esse argumento de razão se juntou o fato histórico de que tais atitudes
eram características da filosofia eleata, baseada no pensamento dos filósofos
Zenão e Parmênide de Eléia (c. 450 a.C.) e na lógica do terceiro excluído. O autor
explica também que existem boas razões para que o problema da irracionalidade
e o raciocínio por absurdo tenham aparecido no âmbito grego e não em outros
lugares, seguindo comparação das culturas grega, chinesa e indiana. O raciocínio
por absurdo não foi utilizado na Matemática chinesa e indiana até por volta do
século XIV.
Arsac (1987) conclui que a demonstração surgiu na Grécia, no V século a.
C., e que uma síntese entre o ponto de vista internalista e externalista é a mais
verossímil: a transformação da Matemática em ciência hipotético-dedutiva, que
envolve o emprego da demonstração e de axiomas, levou à superação da
contradição associada ao problema da irracionalidade, mas a solução escolhida
está ligada à influência da sociedade grega.
1. 2. 2 A história dos sistemas dedutivos geométri cos
Neste item, apresentamos um estudo histórico da evolução da
demonstração e dos sistemas dedutivos geométricos.
Domingues (2002) afirma que a crise da Matemática grega, devida à
demonstração da irracionalidade, deixa claro que a idéia de utilizar
encadeamentos articulados mediante raciocínios lógicos para o desenvolvimento
da Matemática já era realidade nessa época. Mas o mesmo autor pondera que,
para chegar ao método postulacional, com vistas à criação de sistemas
matemáticos os mais amplos e confiáveis possíveis, faltava uma estruturação
preliminar composta de noções básicas, postulados e definições.
Segundo Eves (1995), a esses primeiros passos da Geometria
demonstrativa trilhados pelos gregos, no século V a.C., seguiram tentativas de
18
organizar logicamente a Geometria num sistema dedutivo, a partir de umas
poucas noções básicas e definições iniciais. Essas tentativas culminaram no
século III a. C. com Os Elementos, de Euclides - uma compilação da Matemática
elementar da época.
Polya (1977) considera a disposição ordenada das proposições o maior
sucesso de Euclides e o seu sistema lógico o maior mérito dos Elementos.
Fetissov (1997) também considera a obra de Euclides o primeiro dos
sistemas dedutivos e, por mais de dois milênios, seu modelo por excelência.
Boyer (1974) descreve Os Elementos como uma obra dividida em treze
livros ou capítulos, dos quais versam os primeiros seis sobre Geometria plana
elementar, os três seguintes sobre teoria dos números, o livro X sobre
incomensuráveis e os últimos três principalmente sobre Geometria no espaço.
Não há introdução nem preâmbulo e o primeiro livro começa abruptamente com
uma lista de vinte e três definições. Em seguida às definições, Euclides dá uma
lista de cinco postulados e cinco axiomas (ou noções comuns).
Segundo Fetissov (1997), ainda hoje, o ensino de muitas partes da
Geometria na escola média reflete a influência do sistema geométrico de
Euclides.
De acordo com Domingues (2002), no modelo dedutivo utilizado por
Euclides, possivelmente inspirado em Aristóteles, não há conceitos primitivos.
Todos os objetos geométricos a estudar, mesmo os mais intuitivos, são
explicitamente definidos. Efetivamente, o objetivo de Euclides não era apenas
apresentar formalmente os objetos iniciais de seu discurso, mas também garantir
que eles correspondiam a uma realidade ligada à experiência e expectativa do
leitor. Os postulados que se seguiam, por sua vez, tinham caráter de auto-
evidência. Por essas razões, as axiomáticas como a usada por Euclides nos
Elementos, calcadas de alguma maneira na evidência e na experiência, vieram a
ser conhecida como axiomáticas materiais.
O autor afirma ser natural que uma obra em evidência por tantos séculos
não escapasse de inúmeras análises e críticas ao longo do tempo, que revelaram
uma série de falhas lógicas.
Eves (1995) afirma que a descoberta por Gauss (1777 – 1855), Bolyai
(1802 – 1860) e Lobatchevski (1792 – 1856) de uma Geometria consistente,
diferente da de Euclides, liberou a Geometria de seus moldes tradicionais.
19
Destituiu-se a convicção secular de que só era possível uma única Geometria e
abriu-se caminho para a criação de muitas outras. Com a possibilidade de criar
essas Geometrias puramente “artificiais”, tornou-se evidente que a Geometria não
está necessariamente ligada ao espaço físico. Os postulados da Geometria
tornaram-se, para o matemático, meras hipóteses, cuja verdade ou falsidade
físicas não lhe dizem respeito. Enquanto na axiomática material costumava-se
pensar nos objetos que representam os conceitos primitivos de um discurso
axiomático como conhecidos antes dos postulados, agora os postulados
passaram a ser considerados anteriores à especificação dos conceitos primitivos.
Esse novo ponto de vista do método axiomático tornou-se conhecido como
axiomática formal, em oposição à anterior axiomática material.
Segundo o mesmo autor, a axiomática formal foi desenvolvida
sistematicamente pela primeira vez por David Hilbert (1862-1943), no seu famoso
Fundamentos da Geometria, de 1899. Esse pequeno livro, que alcançou nove
edições, é hoje um clássico dessa área. Escorado pela grande autoridade desse
autor em Matemática, o trabalho implantou firmemente o método postulacional da
axiomática formal não só no campo da Geometria como também em quase todos
os ramos da Matemática do século XX.
Recorremos à citação de Struik para ressaltar o trabalho de Hilbert:
...há ocasiões em que alguma coisa realmente grande surge de estudos de registros de casos passados. O mais conhecido é o trabalho de Hilbert sobre os fundamentos axiomáticos da geometria, baseado na busca dos pontos fortes e fracos dos Elementos de Euclides e na investigação – quando necessária até mesmo assimilação – de outras contribuições através dos tempos, desde Arquimedes, Pappus até Pascal e Pasch. Nesse caso uma parte quase fossilizada da matemática foi recriada com uma nova e esplêndida vida.(Struik, 1985, p. 199).
Fetissov (1997) também salienta que Hilbert, com seu magistral
Fundamentos da Geometria, construiu formalmente, evitando as armadilhas da
intuição, um sistema geométrico euclidiano grandemente aprimorado. As falhas
lógicas de Euclides estavam por fim aceitavelmente preenchidas. A obra de
Hilbert serviu de inspiração, no século XX, a muitos autores de textos de
Geometria dirigidos para o ensino médio.
20
Segundo Eves (1995), no fim do século XIX, Hilbert e outros formularam o
conceito de axiomática formal e desenvolveram a idéia de um ramo da
Matemática como um corpo abstrato de teoremas deduzidos de um conjunto de
postulados. Cada Geometria tornou-se, sob esse ponto de vista, um ramo
particular da Matemática. Conjuntos de postulados para uma ampla variedade de
Geometrias foram estudados.
Fetissov (1997) afirma que, embora muito já tenha sido feito, o trabalho
dos geômetras em construir sistemas geométricos aprimorados continua nos dias
de hoje.
1. 3 Estudo histórico da Educação Matemática
Nesse item apresentamos uma síntese da história da Educação
Matemática desde o início do século XX.
Descrevemos um panorama mundial das mudanças significativas deste
período e de suas repercussões no Brasil, procurando enfocar como o ensino da
Geometria foi abordado. Para esse estudo, utilizamos trabalhos sobre Educação
Matemática de Miorim (1998), Vianna (1988), Pavanello (1993), Pires (1995) e
Pires(2004), que são referenciados no decorrer da descrição.
Miorim (1998) explica que o primeiro movimento de modernização
internacional da Matemática aconteceu no início do século XX, influenciado pelas
idéias de Félix Klein (1849-1925) e tinha por objetivo principal diminuir o
descompasso entre os estudos científico-tecnológicos e o ensino da Matemática
clássica, euclidiana, desenvolvido por escolas de nível secundário. Até então,
desde muitos séculos, apresentava-se aos alunos desse nível de ensino uma
Matemática “tradicional”, a antiga Matemática grega euclidiana. Segundo Vianna
(1988) os livros didáticos, em sua grande maioria, faziam todas as demonstrações
e ao final de cada capítulo, era comum encontrar uma lista para provar os
teoremas. Os alunos, muitas vezes, eram obrigados a memorizar as
demonstrações. Nessa época, os teoremas eram apresentados aos alunos em
ordem numérica dentro de uma cadeia lógica. Então, a Geometria era
apresentada como um sistema lógico-dedutivo.
De acordo com Miorim (1998), os elaboradores dessa reforma de
modernização, ilustres matemáticos, tinham consciência de que a Matemática da
21
época estava bem avançada, na fase de fundamentação do que já havia sido
verificado empiricamente e estruturada pela teoria dos conjuntos.
Segundo a autora, essa “moderna Matemática” apresentava alto nível de
generalidade, elevado grau de abstração e maior rigor lógico, podendo ser
identificada com as estruturas e a axiomatização. Foi influenciada pelo
desenvolvimento das Geometrias não-euclidianas de Gauss (1777-1855),
Lobatchevski (1792-1856) e Bolyai (1802 – 1860) e pelas axiomatizações da
Geometria de Euclides realizadas, sobretudo por Hilbert (1862-1943), com sua
obra Fundamentos da Geometria, publicada em 18991. Também influenciaram
essa “moderna Matemática” o desenvolvimento da lógica, as extensões da noção
de número e o aparecimento da álgebra “abstrata”. Os elaboradores dessa
primeira reforma, porém, optaram por uma proposta de modernização modesta,
não introduzindo os últimos avanços da Matemática na escola secundária, mas
alguns elementos mais atuais, considerando uma continuidade para o
desenvolvimento de outros estudos no curso superior. Os elaboradores dessa
reforma também alertaram para os perigos da formalização excessiva no ensino.
Por exemplo, Felix Klein fez restrições com relação à introdução dos conceitos da
teoria dos conjuntos e defendeu o estudo dos grupos apenas no ensino superior.
Então, esse movimento modernizador para o ensino de Matemática nas
escolas secundárias do início do século XX procurou, como elementos
fundamentais para a elaboração de sua proposta, a intuição (os estudos formais
deveriam acontecer apenas após um trabalho intuitivo dos conceitos), as
aplicações práticas da Matemática a outras áreas do conhecimento e a
articulação entre os vários ramos da Matemática, utilizando, como elemento
unificador, o conceito de função.
No Brasil, as idéias desse primeiro movimento foram trazidas por Euclides
Roxo, por volta de 1930, e a reforma Francisco Campos continha as propostas
modernizadoras de Roxo para o Ensino da Matemática2.
Segundo Miorim (1998), não se pode dizer que os objetivos desse primeiro
movimento modernizador da Matemática foram alcançados. O movimento foi alvo
de muitas críticas, principalmente pela forte tradição do estilo euclidiano. A autora
1 Uma breve descrição histórica deste período é apresentada no item 1. 2. 2 deste capítulo. 2 Sobre a contribuição de Euclides Roxo na modernização do ensino de Matemática no Brasil, recomendamos a leitura de Valente (2003).
22
relata que, de acordo com Felix Klein, havia um “culto a Euclides”, forte empecilho
à entrada das idéias modernas nas escolas. Pires (2004) constata que não houve
a apropriação esperada do estilo heurístico de apresentação da Matemática,
proposto pelo movimento, nos livros didáticos brasileiros da década de 1930.
Apesar da resistência ao movimento, as propostas do movimento
influenciaram significativamente futuras discussões sobre a Educação Matemática
em diferentes países.
Miorim (1998) relata que o desenvolvimento da “moderna Matemática”
culminou com os trabalhos de Nicolas Bourbaki, nome fictício escolhido por um
grupo de matemáticos, cujo objetivo era expor toda a Matemática na forma
axiomática e unificada, utilizando como elemento unificador, as estruturas. Em
1959, a Organização Européia de Cooperação Econômica (OECE) organizou uma
Conferência Internacional, em Royaumont, em que especialistas de vinte países
discutiram propostas de mudança para o ensino de Matemática da escola de nível
médio. Nessa conferência foram estabelecidas as bases do Movimento da
Matemática Moderna, idealizadas principalmente pelo matemático francês,
pertencente ao grupo Bourbaki, Jean Dieudonné (1906-1992). Os objetivos do
Movimento da Matemática Moderna eram similares ao movimento anterior, do
início do século XX, ou seja, diminuir o descompasso entre a Matemática
ensinada no secundário e seus avanços tecnológicos. Porém, diferentemente da
primeira proposta modernizadora, a proposta do Movimento da Matemática
Moderna baseou-se, exclusivamente, na moderna Matemática, em sua forma
axiomática desenvolvida pelo grupo Bourbaki, na qual os elementos essenciais
eram as estruturas como elemento unificador, a teoria dos conjuntos, com sua
linguagem simbólica e as relações.
Segundo Pavanello (1993), quanto à Geometria, optou-se, num primeiro
momento, por acentuar as noções de figura geométrica e de intersecção de
figuras como conjuntos de pontos do plano, adotando, para a sua representação,
a linguagem da teoria dos conjuntos. A coerência do Movimento exigia que a
Geometria fosse abordada pelo enfoque das transformações.
Pires (1995) relata o exemplo do programa moderno de Matemática
proposto em 1960, em Dubrovnik. Para a Geometria do primeiro ciclo – alunos de
11 a15 anos – a proposta do programa diferia radicalmente dos programas
tradicionais, propondo a introdução sistemática das transformações geométricas.
23
Miorim (1998) afirma que, ao contrário do primeiro Movimento, a adesão ao
Movimento da Matemática Moderna foi maciça, devido a razões externas ao
campo científico-tecnológico, mas a ele vinculadas. Um desses fatores foi a
preocupação dos Estados Unidos em modernizar o ensino da Matemática, que se
manifestou fortemente durante a segunda Guerra Mundial porque os soldados
americanos apresentavam alto grau de deficiência com relação à Matemática.
Outro fator importante foi o lançamento do primeiro foguete russo em 1957, o
Sputnik, evidenciando a defasagem tecnológica americana. As propostas do
movimento foram também reforçadas pelos estudos psicológicos de Jean Piaget
(1896-1980). A conseqüência de todos esses fatores foi a maciça repercussão do
Movimento da Matemática Moderna no mundo todo, com exceção da Itália e dos
países ligados à Rússia. No Brasil, o Movimento da Matemática Moderna foi
discutido e implementado especialmente por meio das atividades desenvolvidas
pelo Grupo de Estudos do Ensino da Matemática – GEEM, fundado em 1961, por
professores do Estado de São Paulo, tendo como principal representante Osvaldo
Sangiorgi.
Segundo Miorim (1998), durante o IV Congresso Nacional de Ensino da
Matemática, em 1962, o GEEM apresentou exemplos de trabalhos bem-
sucedidos com a Matemática Moderna e uma proposta de programa para a
escola secundária, orientado por essas idéias. O V Congresso Nacional de Ensino
da Matemática, coordenado pelo GEEM, em 1966, em São José dos Campos –
SP, foi dirigido especialmente à Matemática Moderna e seu ensino e teve a
participação de vários professores estrangeiros. Esse Congresso reforçou a
repercussão do movimento no Brasil, conforme citação a seguir:
O espírito da “Matemática moderna” presente no V Congresso veio apenas reforçar a difusão das idéias modernizadoras que, especialmente por meio dos cursos organizados pelo GEEM – com o apoio do MEC e da Secretaria de Estado – e da publicação dos primeiros livros didáticos de acordo com essa nova orientação, a partir da primeira metade da década de 60, desencadearam um processo de implantação da Matemática moderna nas escolas brasileiras. (MIORIM, 1998, p. 114).
Segundo Vianna (1988), no Brasil, como conseqüência do movimento, o
ensino da Geometria foi interpretado distintamente nos livros didáticos,
dependendo não só do envolvimento do autor com o Movimento, mas também, da
24
crença se seriam pedagogicamente aplicáveis e da coragem de romper com os
padrões tradicionalmente aceitos.
Segundo Pires (1995) no sistema de ensino público do Estado de São
Paulo, a presença da matemática Moderna ficou especialmente registrada na
elaboração dos chamados Guias Curriculares, organizados para orientar as
escolas de 1º grau, que se estruturavam em cursos de oito séries, por força da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (L. F. no. 5692/71). A autora afirma
que são marcas da implantação do Movimento da Matemática Moderna no Brasil
a predominância dos termos algébricos sobre os geométricos, o tratamento da
Geometria como um tema ilustrativo dos conjuntos ou da álgebra.
Pavanello (1993) afirma que, como conseqüência da mudança de
abordagem para a Geometria encontrada nos livros didáticos da época, os
professores ficaram perdidos por possuírem formação deficiente e então o ensino
da Geometria foi sendo abandonado nas escolas brasileiras até a década de
1980. A autora denunciou ainda a dualidade das escolas brasileiras da época,
como “escola que se ensina a Geometria” (escola da elite) X “escola onde não se
ensina a geometria” (escola do povo).
Segundo Vianna (1988), no declínio do Movimento da Matemática
Moderna, surgiram críticas ao dedutivo no ensino, por parte de psicólogos,
pedagogos e matemáticos. O dedutivo foi acusado de ser rigoroso e abstrato. E a
conseqüência disso foi que os livros brasileiros da década de 1980 conservaram
as demonstrações dos teoremas mais tradicionais, mas na parte de exercícios
diminuíram ou aboliram quaisquer exercícios de caráter lógico ou para
demonstrar. Foi defendido um ensino mais “prático”, de aplicação de
propriedades.
As críticas ao Movimento da Matemática Moderna fizeram surgir a Didática
da Matemática como um corpo importante de conceitos teóricos próprios
atualmente reconhecida como disciplina autônoma no campo científico.
Na década de 1990, identificamos na história da Educação Matemática
brasileira um fato importante, a implantação do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD) para todas as séries do Ensino Fundamental, em 1995.
Segundo informações obtidas junto ao Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), a política do Governo brasileiro sobre
distribuição de livros didáticos foi iniciada em 1929, quando foi criado um órgão
25
específico para legislar sobre a política do livro didático, o Instituto Nacional do
Livro (INL). A partir daí, a ação federal nessa área vem se aperfeiçoando com a
finalidade de prover as escolas das redes federal, estaduais, municipais e do
Distrito federal com obras didáticas e para-didáticas.
Em 1985 foi criado o programa Nacional do Livro Didático para distribuição
gratuita dos livros didáticos pelo governo com características diferenciadas dos
programas anteriores, como a indicação dos livros feita pelos professores, a
reutilização do livro, implicando a abolição do livro descartável e o
aperfeiçoamento das especificações técnicas para sua produção, visando maior
durabilidade e possibilitando a implantação de bancos de livros didáticos. Porém
até o início da década de 1990, a distribuição não alcançava a abrangência de
todo o Ensino Fundamental e a distribuição dos livros era comprometida pelas
limitações orçamentárias, restringindo-se o atendimento até a quarta série.
Apenas em 1995 é que, de forma gradativa, volta a universalização da
distribuição dos livros didáticos no Ensino Fundamental e neste mesmo ano é
implantado o programa para todas as séries do Ensino Fundamental,
contemplando as disciplinas de Matemática e de Língua Portuguesa.
26
CAPÍTULO 2
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA
2. 1 Metodologia da pesquisa
2. 1. 1 A pesquisa documental como metodologia par a a coleta de dados
No intuito de estudar a história do ensino da Geometria dedutiva no Brasil
desde o início da década de 1990, utilizamos, como recurso metodológico para a
coleta de dados, a pesquisa documental.
Segundo Pádua (2000), pesquisa documental é aquela realizada a partir de
documentos, contemporâneos ou retrospectivos, considerados cientificamente
autênticos (não-fraudados). A autora ressalta o uso da pesquisa documental em
pesquisas de investigação histórica:
[...] tem sido largamente utilizada nas ciências sociais, na investigação histórica, a fim de descrever/comparar fatos sociais, estabelecendo suas características ou tendências. (PÁDUA, 2000, p. 65).
Utilizamos como fontes dessa pesquisa documental coleções de livros
didáticos de cada época analisada.
2. 1. 2 A pesquisa bibliográfica para estudar o ens ino-aprendizagem da
Geometria dedutiva
Pádua (2000) afirma que o pesquisador pode utilizar um recurso
metodológico ou uma integração entre dois ou mais recursos, dependendo do seu
objeto de pesquisa. Assim, utilizamos também a pesquisa bibliográfica para
realizar um estudo sobre o ensino-aprendizagem da Geometria dedutiva no intuito
de estabelecer critérios para a análise dos documentos: os livros didáticos.
Segundo a autora, a pesquisa bibliográfica tem por finalidade colocar o
pesquisador em contato com o que já se produziu e registrou a respeito do tema
de pesquisa. Bibliografia é definida como o conjunto de obras derivadas sobre
27
determinado assunto, escritas por vários autores, em épocas diversas. Desse
modo, procuramos abranger vários autores, como Lakatos (1978), Balacheff
(1987), Arsac (1987) e Duval (1993). Tivemos o cuidado de analisar trabalhos que
pertenciam a uma mesma linha de estudo, observando que os de publicação mais
recente referenciavam os anteriores, já estudados. Essa pesquisa bibliográfica
está descrita no quarto capítulo.
2. 2 A história das disciplinas e a noção de “vulg ata escolar”
Considerando que nosso estudo sobre a abordagem da Geometria
dedutiva nos programas curriculares e nas coleções de livros didáticos contribui
para a história das disciplinas, utilizamos, como referência, o trabalho de Chervel
(1990) sobre a história das disciplinas escolares. O autor ressalta a importância
de estudar a história das disciplinas como contribuição para a história da
educação e para a história cultural:
Desde que se compreenda em toda a sua amplitude a noção de disciplina, desde que se reconheça que uma disciplina escolar comporta não apenas as práticas docentes da aula, mas também as grandes finalidades que presidiram sua constituição e o fenômeno de aculturação de massa que ela determina, então a história das disciplinas escolares pode desempenhar um papel importante não somente na história da educação, mas na história cultural. (CHERVEL, 1990, p. 184).
Chervel afirma que é tarefa do historiador das disciplinas escolares estudar
o núcleo da disciplina - formado pelos conteúdos explícitos e as baterias de
exercícios - e que esses estudos beneficiam-se de uma documentação abundante
à base de cursos manuscritos, manuais e periódicos pedagógicos.
Consideramos que uma coleção de livros didáticos seja um tipo de manual
pedagógico, o que fundamenta seu uso em nossa pesquisa para estudar a
história do ensino da Geometria dedutiva no Brasil.
O autor define o termo “vulgata escolar” associando-o ao fato de que, em
determinada época, o ensino dispensado pelos professores é o mesmo para a
mesma disciplina e para o mesmo nível e que quase todos os manuais dizem a
mesma coisa. E acrescenta:
28
Os conceitos ensinados, a terminologia adotada, a coleção de rubricas e capítulos, a organização do corpus de conhecimento, mesmo os exemplos utilizados ou os tipos de exercícios praticados são idênticos, com variações aproximadas. (CHERVEL, 1990, p. 203).
Em nossa pesquisa, tivemos a preocupação de estudar a história da
Educação Matemática brasileira de 1990 até hoje para escolher os períodos
significativos de análise e também para que a escolha de coleções de livros
didáticos relevantes de cada período não fosse aleatória ou errônea. Sobre o
perigo de escolher livros didáticos para análise aleatoriamente, Chervel alerta:
A descrição e análise dessa vulgata são a tarefa do historiador de uma disciplina escolar. Cabe-lhe, se não pode examinar minuciosamente o conjunto da produção editorial, determinar um corpus suficientemente representativo de seus diferentes aspectos. A prática, freqüente, de uma amostra totalmente aleatória não pode conduzir, e não conduz efetivamente, a não ser a resultados frágeis, até mesmo caducos. (CHERVEL, 1990, p. 203).
O autor afirma que uma vulgata se estabelece após mudanças importantes
na história da educação:
A experiência elementar de todo historiador das disciplinas lhe ensina que as vulgatas evoluem ou se transformam. As exigências intrínsecas de uma matéria ensinada nem sempre se acomodam numa evolução gradual e contínua. A história das disciplinas se dá freqüentemente por alternância de patamares e de mudanças importantes, até mesmo de profundas agitaç ões. (CHERVEL, 1990, p. 204, grifo nosso).
Para a nossa pesquisa, identificamos nos últimos dez anos uma mudança
significativa na história da Educação Matemática brasileira, conforme descrito nos
estudos preliminares - a implantação do Programa Nacional de Livros Didáticos
(PNLD), em 1995 - e vamos analisar coleções de livros didáticos num período
anterior e num posterior a essa mudança. O período anterior escolhido é o início
dos anos 1990, influenciado pelo declínio da influência do Movimento da
Matemática Moderna no Brasil e suas críticas e pela Didática da Matemática. O
período posterior escolhido é o início dos anos 2000, influenciado pelo PNLD,
29
pelos estudos em Educação Matemática e também pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCN (1998).
Por interessarmo-nos em um corpo editorial o mais próximo possível da
prática pedagógica para dar relevo à história, o critério de escolha das coleções
de livros didáticos foi eleger as de maior penetração mercadológica. Para o
período dos anos 1990, anterior à implantação do PNLD, foram escolhidas as
coleções com maior vendagem para as escolas públicas do Estado de São Paulo,
com informações obtidas diretamente de três expressivas editoras de São Paulo:
Saraiva/Atual, Scipione e FTD. No início de 2005, o departamento editorial de
Matemática de cada editora anunciou sua coleção mais vendida, totalizando,
portanto, três coleções para análise. Para o período dos anos 2000, influenciado
pela implantação do PNLD para todas as séries do Ensino Fundamental,
consultou-se a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo para identificar
as três coleções mais distribuídas para as escolas do Governo do Estado de São
Paulo, que foram escolhidas via PNLD de 2005. A relação das coleções de livros
didáticos obtida nessas consultas referentes a cada período está descrita no
apêndice.
Os livros didáticos foram considerados, em nossa pesquisa, manuais de
apoio ao professor. Desse modo, analisamos todas as recomendações ao
professor, considerando também os prefácios e manuais do professor.
2. 3 A classificação das Geometrias proposta por P arsysz
Parsysz (2000) propôs um modelo de classificação de Geometrias, que
considera, de um lado, os objetos em jogo — físicos ou teóricos — e, de outro, os
modos de validações — perceptivo ou dedutivo.
Como Geometrias não-axiomáticas, o autor apresenta G0-Geometria
Concreta e G1-Geometria Spatio-gráfica. Em G0 os estudos geométricos são
realizados a partir de atividades concretas como maquetes, plantas e dobraduras.
Na Geometria Spatio-Gráfica (G1) ainda se confunde Geometria e realidade; os
alunos podem conjecturar e fazer constatações de propriedades, empiricamente,
a partir de atividades de construção de figuras com o uso de instrumentos de
medida, como régua, compasso, esquadro e transferidor.
30
Do lado oposto, Parsysz classifica as Geometrias axiomáticas: Geometria
Proto-Axiomática (G2) e Geometria Axiomática (G3). Em G2, ocorre a concepção
de um esquema da realidade em que as definições fazem sentido e os resultados
passam a ser validados com técnicas dedutivas. Em G2-Geometria Proto-
axiomática, a figura construída em G1 tem status de figura genérica e a dedução
é reconhecida como ferramenta de validação no interior de um sistema
axiomático. Em G3, não se faz referência à realidade e a Geometria é totalmente
explicada. Trabalhando em G3, o aluno é capaz de situar-se nos diferentes
sistemas axiomáticos, bem como compará-los.
O quadro 1 sintetiza essa classificação:
Classificação de Geometrias Geometrias não axiomáticas Geometrias axiomáticas
Tipo de Geometria
Geometria concreta
(G0)
Geometria spatio-gráfica
(G1)
Geom. Proto-axiomática
(G2)
Geometria axiomática (G3)
Objetos Físicos Teóricos Validações Perceptivas Dedutivas
Figura 1
(Fonte: PARSYSZ, 2000, p. 64)
Parsysz considera que a articulação entre G0, G1 e G2 é o ponto central
da problemática do ensino obrigatório da Geometria e que a gestão do salto
conceitual entre G1 e G2 é um elemento essencial, devendo ser fixados os
conceitos em jogo de G1 e G2 e sua articulação, bem como o status da figura. Em
G1, os conceitos são representações físicas dos objetos concretos, enquanto em
G2 os conceitos em jogo são entidades abstratas, asseguradas por definições,
axiomas e propriedades e podem ser representadas por objetos físicos, sem,
entretanto, limitar-se a eles.
Acreditamos que convém explicar aos alunos iniciantes em demonstrações
as diferenças entre os dois tipos de validação associados a cada tipo de
Geometria e assim, despertá-los para a importância das demonstrações em
Matemática e das limitações das verificações empíricas.
31
Em nosso trabalho, estamos interessados em observar como a abordagem
das validações das propriedades geométricas em cada coleção de livros didáticos
do 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental se enquadra nas G1-Geometria Spatio-
gráfica e G2-Geometria Proto-axiomática. Em G1-Geometria Spatio-gráfica, as
validações das propriedades são verificadas empiricamente, enquanto em G2-
Geometria Proto-axiomática, a validação é dedutiva. Analisaremos em cada
coleção, no estudo das propriedades geométricas, quando e como ocorre a
entrada em G2-Geometria Proto-axiomática e como são articulados os dois tipos
de validação, ou seja, a articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-
Geometria Proto-axiomática.
2. 4 A Organização Praxeológica
Utilizamos em nossa análise a teoria de Chevallard (1999) sobre
Organização Praxeológica.
Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Houaiss, 2001)
praxe significa “aquilo que se pratica habitualmente, rotina, uso, prática,
pragmática”. Praxeologia, portanto, equivale ao estudo das praxes e se refere ao
estudo das práticas, das atividades rotineiras.
Segundo Chevallard (1999), a Organização Praxeológica está presente na
Teoria Antropológica do Didático, que situa a atividade matemática no conjunto de
atividades humanas e de instituições sociais.
O autor utiliza as noções de tarefa, técnica, tecnologia e teoria para
modelizar as práticas sociais e, em particular, a atividade matemática.
Na raiz da noção de praxeologia, encontra-se a noção de tarefa. Na
maioria dos casos, uma tarefa se expressa por um verbo e pressupõe um objeto
relativamente preciso. Exemplo de tarefa: calcular o valor de uma função em um
ponto. Tarefas são “artefatos”, “obras” construídas institucionalmente, nas quais a
reconstrução em tal instituição, por exemplo, em tal classe, é um problema que
constitui o próprio objeto da didática.
Uma praxeologia relativa a certa tarefa determina uma maneira de cumprir,
de realizar essa tarefa, a que Chevallard chama de técnica. Uma técnica não é
necessariamente de natureza algorítmica, senão em alguns casos muito raros.
32
A seguir, Chevallard (1999) define tecnologia o discurso racional sobre
uma técnica. A tecnologia tem por objetivo primeiro justificar racionalmente a
técnica, assegurando cumprir bem as tarefas, ou seja, realizar o que foi
pretendido. Uma segunda função da tecnologia é explicar, tornar inteligível,
esclarecer a técnica. Uma terceira função corresponde a um emprego mais atual
do termo tecnologia: a função de produção de técnicas. Isso permite constatar a
existência de tecnologias potenciais esperando técnicas ou porque não se
tornaram tecnologias de alguma técnica, ou porque são tecnologias de
pouquíssimas técnicas.
Segundo o mesmo autor, o discurso tecnológico contém asserções que
podem solicitar a razão. Passa-se, então, a um nível superior de justificação,
explicação e produção — o da teoria — que retoma, em relação à tecnologia, o
papel que esta tem em relação à técnica.
Chevallard (1999) conclui que, em torno de um tipo de tarefa, encontra-se
um trio formado por uma técnica, uma tecnologia e uma teoria. Esse bloco (tarefa,
técnica, tecnologia, teoria) constitui uma praxeologia, a qual, por sua vez, é
constituída por dois blocos: o tecnológico-teórico (tecnologia, teoria), indicado
como “saber”, e o prático-técnico (tarefa, técnica), que constitui o “saber-fazer”.
Outro elemento que pertence à Organização Praxeológica, que utilizamos
em nosso trabalho é o discurso teórico-tecnológico, ou seja, o uso simultâneo da
teoria e da tecnologia em relação a uma técnica.
Em nossa pesquisa, estudamos nos livros didáticos a Organização
Praxeológica associada aos exercícios propostos sobre propriedades
geométricas, parte da Geometria em que ocorrem as demonstrações. Os
discursos teórico-tecnológicos associados às técnicas e aos exercícios propostos
se baseiam em teorias da Didática da Matemática e toda essa Organização
Praxeológica está descrita no capítulo 4, na categoria 2 de análise.
33
CAPÍTULO 3
APRESENTAÇÃO DA PESQUISA
3. 1 A relevância do tema
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (1998), encontramos a
recomendação de atividades que favoreçam o raciocínio dedutivo como
desenvolvedor da argumentação lógica, necessário na validação de resultados
em resoluções de problemas. E os PCN relevam a importância da Geometria
dedutiva nesse processo:
Os problemas de geometria vão fazer com que o aluno tenha contato com a necessidade e as exigências estabelecidas por um raciocínio dedutivo. (BRASIL, 1998, p. 86).
No texto de Polya (1977), encontramos considerações sobre a importância
do ensino da Geometria dedutiva para desenvolver o raciocínio lógico:
Se o aluno não tiver aprendido este ou aquele fato geométrico específico, não terá perdido muito. Mas se ele não se houver familiarizado com as demonstrações geométricas, terá deixado escapar os melhores e mais simples exemplos das verdadeiras provas e perdido a melhor oportunidade de adquirir a idéia do raciocínio rigoroso. Sem esta idéia, faltar-lhe-á o verdadeiro critério para comparar argumentos de todos os tipos que lhes apresentem na moderna vida cotidiana. Em suma, se a educação pretender incutir no estudante as noções da prova intuitiva e do raciocínio lógico, ela deverá reservar um lugar para as demonstrações geométricas. (POLYA, 1977, p. 116).
Além de desenvolver o raciocínio rigoroso, as demonstrações geométricas
também auxiliam na apreensão dos conceitos geométricos, como salienta
Almouloud (2003):
A construção de situações para a sala de aula, nas quais a iniciação à demonstração tem um papel importante, pode levar os alunos de 5a. a 8a. séries a uma melhor compreensão dos conceitos geométricos e à aquisição de habilidades geométricas. (ALMOULOUD, 2003, p. 132).
34
Então, interessamo-nos por investigar o quadro do ensino da Geometria
dedutiva, no Brasil, desde 1990 até a época atual.
Os PCN (1998) nos motivaram a pesquisar a abordagem da Geometria
dedutiva nos livros didáticos:
[...] a formação de professores, tanto a inicial quanto a continuada, pouco tem contribuído para qualificá-los para o exercício da docência. Não tendo oportunidade e condições para aprimorar sua formação e não dispondo de outros recursos para desenvolver as práticas da sala de aula, os professores apóiam-se quase exclusivamente nos livros didáticos, que, muitas vezes, são de qualidade insatisfatória. (BRASIL, 1998, p. 21).
Constatamos que as pesquisas de Miorim (1998), Pavanello (1993), Vianna
(1988), Pires (1995) e de Pires (2004) citadas no primeiro capítulo, abordam o
ensino da Matemática no Brasil em períodos até o fim da década de 1980.
Então, para este trabalho, escolhemos investigar o ensino da Geometria
dedutiva por meio da análise de livros didáticos de época mais recente que a
daqueles pesquisadores: desde o início dos anos 1990 até os dias atuais.
Chervel (1990) define o termo ”vulgata escolar” associando-o ao fato de
que, em determinada época, o ensino dispensado pelos professores é o mesmo
para a mesma disciplina e para o mesmo nível e que quase todos os manuais
dizem a mesma coisa. Uma vulgata se estabelece após mudanças importantes na
história da educação.
Na década de 1990 identifica-se no Brasil uma mudança significativa na
história da Educação, a implantação do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) em 1995, em que os livros didáticos são avaliados e distribuídos pelo
governo para todas as séries do Ensino Fundamental. Então, delimitamos nossa
fase da educação matemática brasileira em dois períodos: anterior e posterior à
implantação do Programa Nacional do Livro Didático para todo o Ensino
Fundamental, em 1995, ao considerar sua relevante influência no mercado
editorial de livros didáticos brasileiros.
Escolhemos analisar as coleções de livros didáticos de maior penetração
mercadológica nas escolas da rede estadual de São Paulo por estarmos inseridos
no projeto visando melhorias das escolas públicas paulistas, conforme citado na
introdução deste trabalho e por estarmos interessados em continuar investigando
35
a abordagem da Geometria nas chamadas por Pavanello (1993) de “escolas do
povo”.
3. 2 O problema da pesquisa
Por considerar o ensino da Geometria dedutiva um meio poderoso para
adquirir rigor de raciocínio (Polya, 1977) e um auxílio importante na apreensão
dos conceitos geométricos (Almouloud, 2003), propusemo-nos neste trabalho a
investigar o ensino da Geometria dedutiva no 3º e 4º ciclos do Ensino
Fundamental, de 1990 até hoje, mediante a análise dos livros didáticos do Estado
de São Paulo.
Para realizar essa análise, valemo-nos de categorias que se assentam
sobre estudos da Didática da Matemática, surgida no declínio da influência do
Movimento da Matemática Moderna. Os períodos da Educação Matemática
brasileira analisados são recentes: anterior e posterior à implantação do
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), em 1995.
Nossa pesquisa busca responder às seguintes questões:
- Em que medida os livros didáticos paulistas de 3º e 4º ciclos do Ensino
Fundamental acompanharam discussões da Didática da Matemática
sobre o ensino da Geometria dedutiva nos períodos anterior e posterior
à implantação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para
este nível de ensino, em 1995?
- O que distingue os livros didáticos paulistas de 3º e 4º ciclos do Ensino
Fundamental do período anterior daqueles do período posterior à
implantação do PNLD (1995) quanto à incorporação dos resultados de
pesquisas sobre o ensino-aprendizagem da Matemática, mais
especificamente sobre o ensino da Geometria dedutiva?
Essa investigação insere-se num projeto mais amplo de pesquisa,
desenvolvido no âmbito do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação
Matemática da PUC-SP, denominado “Problemas envolvendo uma apreensão
significativa da Geometria, via demonstração”, que é parte do projeto maior,
36
“Criação de núcleo-embrião de ensino-aprendizagem e pesquisa em Educação
Matemática no Ensino Fundamental em escolas públicas de São Paulo”, ambos
sob coordenação do Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud.
Os resultados de nossas pesquisas visam provocar nos professores
reflexões sobre a importância do ensino da Geometria dedutiva no 3º e 4º ciclos
do Ensino Fundamental brasileiro.
37
CAPÍTULO 4
O ENSINO-APRENDIZAGEM DA GEOMETRIA DEDUTIVA - CATEG ORIZAÇÃO
DE ANÁLISE
Em nosso trabalho, realizamos uma pesquisa bibliográfica sobre o ensino-
aprendizagem da Geometria dedutiva para o 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental
no intuito de estabelecer categorias utilizadas na análise dos livros didáticos. As
teorias pesquisadas para estabelecer essas categorias são estudos da Didática
da Matemática. As nossas categorias, como resultado dessa pesquisa
bibliográfica, estão descritas a seguir.
4.1 Categoria 1: Articulação entre G1–Geometria Spa tio-gráfica e G2–
Geometria Proto-axiomática em validações de proprie dades geométricas
Utilizando o estudo da classificação das Geometrias proposta por Parsysz
(2000), descrita em nossa fundamentação teórica, interessa-nos verificar nas
coleções de livros didáticos como é feita a articulação entre G1-Geometria Spatio-
gráfica e G2-Geometria Proto-axiomática em validações das propriedades
geométricas. Em G1, as propriedades são validadas empiricamente. Identificamos
quando e de que maneira ocorre a entrada em G2, quando aparecem as
primeiras validações dedutivas de propriedades geométricas.
Para identificar elementos que influenciam a maneira pela qual ocorre essa
entrada em G2, recorremos a teorias da Didática da Matemática, descritas a
seguir.
Primeiramente relevamos a importância de considerar no ensino a
explicação sobre os termos utilizados em Geometria Dedutiva, como postulado,
teorema, demonstração, teorema-recíproco. Sobre a importância dessas
explicações, recorremos a Chevallard (1991), que define noções paramatemáticas
como idéias que se caracterizam como “ferramentas” auxiliares à atividade
matemática, mas que normalmente não se constituem em objeto de um estudo
específico. Ao contrário dos conceitos matemáticos, tais noções normalmente não
são ensinadas de forma explícita e são ainda excluídas de uma avaliação direta.
38
Elas são concebidas como idéias possíveis de aprender no transcorrer da própria
aprendizagem. Entretanto, são sempre necessárias tanto ao ensino como à
aprendizagem da Matemática. O autor aponta como exemplo de noções
paramatemáticas a noção de demonstração. Na prática da Matemática, é sempre
necessário realizar uma demonstração. Normalmente, apresenta-se ou pede-se
ao aluno a demonstração de um teorema, sem discutir o que é. A conseqüência
disso é que os alunos não entendem o que estão fazendo, nem para quê.
Almouloud (2003) inclui em seu esquema para favorecer a construção de
conceitos geométricos junto aos alunos a recomendação de que conheçam os
estatutos das definições, dos postulados e dos teoremas, ferramentas utilizadas
em uma demonstração.
É importante também considerar no ensino as explicações sobre os
métodos indutivos e suas diferenças com a dedução, sobre sistemas lógicos ou
dedutivos, sobre a forma axiomática da Geometria e suas evoluções, podendo,
para isso, relacioná-los com o contexto histórico, descrito nos estudos
preliminares deste trabalho.
Consideramos também, na entrada em G2-Geometria Proto-axiomática, a
importância da apresentação para os alunos de esquemas de demonstração e de
explicações sobre a lógica empregada em uma demonstração geométrica.
Fetissov (1997) sugere ações para demonstrar corretamente uma
proposição geométrica. Antes de tudo, convém destacar no enunciado a
afirmação que se vai demonstrar e recordar as definições relacionadas. Em
seguida, destacar as condições indispensáveis à demonstração. A terminologia
geralmente empregada no ensino da Geometria utiliza as denominações hipótese
e tese para indicar, respectivamente, os dados e aquilo que se deve demonstrar.
Após essa formulação, tem início a demonstração do teorema geométrico, para o
que se utilizam os axiomas e os teoremas já provados e, paralelamente, as
correlações essenciais fornecidas pelas condições do teorema. Com essa
finalidade, Fetissov (1997) recomenda partir da proposição que se pretende
demonstrar e indagar: de que resultado pode-se obter, como conseqüência, a
proposição a ser demonstrada? Se for possível localizar esse resultado, sendo ele
conseqüência de condições e teoremas anteriores, o problema está resolvido.
Não sendo conseqüência direta, repete-se a pergunta, dessa vez com relação ao
39
novo resultado, e assim por diante. Esse método de raciocínio científico chama-se
análise.
Fetissov (1997) ressalta a dificuldade de encontrar a seqüência correta de
conclusões que demonstre um teorema e a importância da necessidade de
treinamento para isso:
É claro que quando se busca a demonstração de um teorema nem sempre é fácil encontrar a seqüência de conclusões. Nem sempre se consegue acertar de imediato o caminho correto, havendo necessidade, às vezes, de abandonar uma estratégia escolhida e tentar outra... A habilidade na aplicação do método analítico, facilitando a descoberta, por meios próprios, dos caminhos de uma demonstração, exige bastante treinamento; assim, para desenvolvê-la, é preciso fazer muitos exercícios envolvendo demonstrações. (FETISSOV, 1997, p. 51-52) .
Fetissov (1997) também chama a atenção para o fato de que todo teorema
pode ser demonstrado por dois métodos – o direto e o indireto – e explica:
Quando se estabelece a veracidade da proposição a ser demonstrada mediante uma ligação direta entre ela e as que foram demonstradas anteriormente, então se trata de uma demonstração direta. Quando se põe em dúvida a veracidade da proposição a ser demonstrada, supondo-a falsa, e se chega a alguma contradição com as condições constantes no enunciado ou alguma proposição já demonstrada anteriormente, então se trata de uma demonstração indireta, que são chamadas também de demonstrações por redução ao absurdo. Costuma-se recorrer a esse tipo de demonstração quando, ao procurar argumentos, se verifica que a demonstração direta é difícil ou, às vezes, impossível. (FETISSOV, 1997, p. 52).
O autor esclarece, também, que a necessidade das demonstrações é
conseqüência de uma das leis fundamentais da lógica: o princípio da razão
suficiente. Esse princípio exige que toda afirmação feita tenha fundamento, isto é,
que venha acompanhada de argumentos suficientemente sólidos para confirmar
sua veracidade. A demonstração de uma proposição geométrica objetiva
estabelecer sua validade mediante dedução lógica, partindo de verdades já
demonstradas ou conhecidas. O raciocínio dedutivo consiste na aplicação de
certa lei geral a um caso particular determinado.
40
Para não cometer erros nas deduções, Fetissov recomenda conhecer
alguns esquemas mediante os quais se representam as correlações entre
conceitos quaisquer, inclusive os geométricos. O esquema de representar
correlações entre conceitos, proposto pelo matemático Euler (1707 –1783), é
exemplificado pela seguinte dedução:
1 – Em todo retângulo as diagonais são congruentes entre si;
2 – Todo quadrado é um retângulo;
3 – Dedução: em todo quadrado as diagonais são congruentes entre si.
Segue a esquematização do autor para esse exemplo.
Chamemos de P o maior dos conjuntos considerados, no caso o dos
quadriláteros cujas diagonais são congruentes entre si. Chamemos de M o
conjunto intermediário, no caso o conjunto dos retângulos. Chamemos de S o
menor dos conjuntos, no caso o conjunto dos quadrados. Isso posto, pode-se
esquematizar o raciocínio da seguinte maneira:
1 – M está contido em P;
2 – S está contido em M;
3 – Conclusão S está contido em P.
Representando graficamente essas relações entre conjuntos, temos:
Figura 2
(Fonte: FETISSOV, 1997, p.31)
É óbvio que, nessas condições, o círculo S se acha totalmente contido no
círculo P.
P
M
S
41
Outra forma de raciocínio apresentada por Fetissov é a que leva a uma
conclusão negativa, como a dedução seguinte:
1 – Todo quadrilátero cuja soma dos ângulos opostos não seja 180° não é
inscritível numa circunferência;
2 – A soma dos ângulos opostos de um paralelogramo obliquângulo não é
igual a 180°;
3 – Conclusão: Um paralelogramo obliquângulo não é inscritível numa
circunferência.
Representando o conjunto dos quadriláteros inscritíveis uma circunferência
por P, o conjunto dos quadriláteros cuja soma dos ângulos opostos é diferente de
180° por M e a classe dos paralelogramos obliquângu los por S, o raciocínio
enquadra-se no seguinte esquema:
1 – Nenhum elemento de M pertence a P;
2 – S está contido em M;
3 – Conclusão: Nenhum elemento de S pertence a P.
Essa correlação também pode ser representada graficamente por meio dos
círculos de Euler:
Figura 3
(Fonte: FETISSOV, 1997, p. 32)
Fetissov (1997) afirma que a grande maioria dos raciocínios dedutivos da
Geometria se desenvolve segundo um dos esquemas aqui ilustrados e tal
representação das correlações entre os conceitos geométricos favorece a
possibilidade de bem entender a estrutura de qualquer raciocínio lógico e de
descobrir erros em conclusões incorretas.
P M
S
42
Outro elemento considerado na entrada em G2-Geometria Proto-
axiomática é o questionamento da evidência da figura como meio de provar uma
proposição geométrica.
Fetissov (1997) ressalta a importância de questionar a evidência da figura,
sugerindo a apresentação de atividades para que os alunos percebam o engano
em confiar nela. O autor cita como exemplo o trabalho de um aluno de sexta série
que tinha como tarefa estudar o teorema do ângulo externo de um triângulo (um
ângulo externo de um triângulo é maior que qualquer dos dois internos não
adjacentes a ele), fato que o professor já havia ensinado em classe. E o aluno
questionava, ao mostrar o desenho em seu livro de Geometria (fig 4): “ Para que
uma demonstração tão longa e difícil, se, pelo desenho, se vê que o ângulo
externo é obtuso e que os internos não adjacentes a eles são agudos? Sendo um
ângulo obtuso sempre maior que um ângulo agudo, não há motivo para uma
demonstração!”.
Figura 4
(Fonte: FETISSOV, 1997, p. 16)
O erro desse aluno foi basear-se em casos particulares, não atentando
para possíveis propriedades diferentes da figura usada. O aluno pretendia
demonstrar o teorema do ângulo externo de um triângulo considerando apenas
triângulos acutângulos, nos quais, efetivamente, todos os ângulos externos são
obtusos e, portanto, maiores que os internos. O teorema não se refere apenas ao
triângulo desenhado no livro, mas a todo e qualquer triângulo. Supondo que o
Ponto A se afaste do ponto C em linha reta, obteremos um triângulo ABC (fig. 5)
em que o ângulo do vértice B também é obtuso. Se o ponto A se afastar muito do
ponto C, então o triângulo resultante será tão comprido que não haverá como
B
A C D
E
F
43
perceber nenhuma diferença entre o ângulo interno B e o ângulo externo por meio
de um transferidor.
Figura 5
(Fonte: FETISSOV, 1997, p.27)
A propósito desse exemplo, Fetissov ressalta o papel desempenhado pelo
desenho na demonstração de um teorema geométrico:
Deve-se ter em mente que o desenho é apenas um meio auxiliar para a demonstração do teorema, que é apenas um exemplo, um caso particular de toda a classe das figuras geométricas, objeto da demonstração considerada. Por isso, é muito importante separar no desenho dado as propriedades gerais e permanentes daquelas particulares e casuais. (FETISSOV, 1997. p. 28).
Arsac (1987) também afirma que é necessário, como primeira etapa em
direção à demonstração em Geometria, chegar a uma dúvida do apelo à figura
como meio de prova, para depois buscar por meio da demonstração um caráter
geral, não se limitando à incerteza trazida por algumas figuras particulares. E
acrescenta:
O problema da evolução do rigor, sobretudo no domínio da Geometria, consiste em compreender como se pode ser levado a passar de provas baseadas na evidência da figura a demonstrações em que a figura é apenas o suporte, o que é, aliás, o problema proposto no ensino da geometria. (ARSAC, 1987. p. 27, tradução nossa).
Analisamos também como ocorre a articulação entre G1-Geometria Spatio-
gráfica e G2-Geometria Proto-axiomática. Se a coleção deixa claro que estudar
uma propriedade geométrica em G1-Geometria Spatio-gráfica, ou seja, validá-la
empiricamente, é importante para levantar uma conjectura, mas que é sempre
A
B
C
D
44
necessário, em Matemática, uma demonstração para que aquela propriedade
possa ser aceita como verdadeira e valha para qualquer caso em que sejam
satisfeitas as sua hipóteses.
Essas reflexões forneceram elementos para elaborarmos a questão
referente a nossa primeira categoria de análise:
- Nas validações geométricas das coleções dos livros analisados, como
ocorre a articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria Proto-
axiomática?
4.2 Categoria 2: Análise dos exercícios para a apre ensão das propriedades
geométricas, seguindo uma Organização Praxeológica
Nossa primeira categoria - que analisa a articulação entre validações
empíricas e dedutivas das propriedades geométricas estudadas nos livros - não
considera as tarefas solicitadas aos alunos que levaram à apreensão das
propriedades.
Porém, consideramos importante o envolvimento do aluno, porque é
executando as tarefas que ele se torna um ser ativo em sua aprendizagem,
tornando-a mais significativa. Então, pela categoria dois, analisamos cada tipo de
exercícios propostos para a apreensão das propriedades geométricas e
identificamos a Organização Praxeológica que explica a técnica e o discurso
teórico-tecnológico associados.
A seguir, descrevemos os tipos de exercícios possíveis de aplicar no
estudo das propriedades geométricas dos livros, as técnicas e os discursos
teórico-tecnológicos que os explicam, formando assim uma Organização
Praxeológica que será utilizada na análise dos livros didáticos.
Tipo de exercício 1:
- Medir com transferidor e observar o que ocorre...
- Construir, medir e verificar o que ocorre...
- Recortar a figura e montar convenientemente... o que você observou?
- Fazer dobras convenientes... você chegou a que conclusão?
45
Técnica: Observação experimental, empírica, de casos particulares das
propriedades, às vezes requerendo instrumentos de medida, como transferidor,
esquadros e régua e outras demandando recortes e dobraduras.
Discurso teórico-tecnológico: enfoque empírico, explicado a seguir.
Apesar de a demonstração formal ser a única forma de validação de um
resultado matemático, na criação do conhecimento matemático propriedades e
regularidades são observadas no estudo de casos particulares. Com base nesses
casos, são formuladas conjecturas a respeito da validade do que foi observado.
Sobre isso, Polya (1977) afirma que muitos fatos matemáticos foram primeiro
encontrados por indução e demonstrados depois. E acrescenta:
A Matemática, apresentada com rigor, é uma ciência dedutiva sistemática, mas a Matemática em desenvolvimento é uma ciência indutiva experimental. (POLYA, 1977, p. 93).
Polya (1977) também aponta as limitações do enfoque empírico, alertando
que apenas observar empiricamente não é suficiente. O autor ressalta o valor do
rigor, com demonstrações, afirmando que, depois de trabalhar experimentalmente
por algum tempo, é necessário mudar de ponto de vista, ser rigoroso. Ao
descobrir um resultado plausível, experimental, provisório, é necessário tentar
estabelecê-lo definitivamente por meio de uma demonstração rigorosa.
Tipo de exercício 2: Para a apreensão da propriedade geométrica só
aparecem exercícios do tipo:
- Calcular os comprimentos ....
- Determinar a medida do ângulo...
- Qual é a largura...?
- Qual é a altura...?
- Quais triângulos são semelhantes?
Técnica: Aplicação das propriedades geométricas, cujos enunciados e
demonstrações são apresentados ao aluno.
Salientamos que também há, nos outros enfoques, exercícios deste tipo
para apreensão das propriedades, porém não se restringem a eles. Neste
enfoque, há apenas esses exercícios de aplicação, após o enunciado ou a
apresentação da demonstração da propriedade. A Matemática, neste enfoque, é
apresentada como ciência acabada, com verdades imutáveis.
46
Discurso teórico-tecnológico: enfoque dedutivista, explicado a seguir.
Lakatos (1976) faz considerações importantes sobre as apresentações da
Matemática. Inicialmente, ele apresenta a metodologia euclidiana, designada
estilo dedutivista, que desenvolveu certo estilo obrigatório de apresentação,
descrita a seguir:
Este estilo começa com uma lista laboriosamente feita de axiomas, lemas e/ou definições. Os axiomas e definições freqüentemente parecem artificiais e mistificadoramente complicados. Nunca se fica sabendo como essas complicações surgiram. A lista de axiomas e definições é seguida de teoremas cuidadosamente redigidos. Estes, por sua vez, estão carregados de pesadas condições; parece impossível que alguém jamais os tivesse suposto. O teorema é seguido da prova. [...] O estudante de matemática é obrigado, de acordo com o ritual euclidiano, a assistir a esse ato conjuratório sem fazer perguntas sobre o assunto ou sobre como o ato mágico é praticado... (LAKATOS, 1976, p. 185).
Segundo o mesmo autor, no estilo dedutivista, todas as proposições são
verdadeiras e válidas todas as inferências. A Matemática é apresentada como
uma série sempre crescente de verdades imutáveis e eternas. Possivelmente,
não têm lugar contra-exemplos, refutações e críticas.
Tipo de exercício 3:
- Mostre que...
- Demonstre a propriedade...
- Deduzir....
- Complete a demonstração...
- Redija a demonstração....
Técnica: Descoberta da demonstração das propriedades geométricas,
apresentando a Matemática como uma ciência em construção.
Discurso teórico-tecnológico: enfoque heurístico3, explicado a seguir.
Em oposição ao estilo dedutivista, Lakatos (1976) apresenta o enfoque
heurístico como a outra forma de apresentação da Matemática. Enquanto, o estilo
dedutivista rompe as definições geradas pela prova dos antepassados, apresenta-
as no vazio, de modo artificial e autoritário, ocultando os contra-exemplos que
3 Embora o termo heurístico, explicado por Polya (1977), inclua verificação empírica por fazer parte do processo de descoberta, assumimos neste trabalho o termo como referente apenas à descoberta da demonstração.
47
levaram ao seu descobrimento, o estilo heurístico, ao contrário, acentua esses
fatores e dá ênfase à situação problemática: acentua a “lógica” que deu
nascimento ao novo conceito.
O autor critica a apresentação da Matemática no enfoque dedutivista,
euclidiano, considerando-o autoritário. Ao contrário, o enfoque heurístico revela o
aspecto falível da Matemática, de como os teoremas surgiram, dos conceitos
gerados por provas, etc.
Na análise dos exercícios do enfoque heurístico, em que se solicitam
demonstrações aos alunos, pode-se encontrar a recomendação de trabalho em
grupos, de discussão com colegas e professor. Consideramos essa dimensão
social motora nos processos de prova e, como justificação, baseamo-nos em
Lakatos (1976) e Balacheff (1987).
Lakatos (1976) relata o trabalho de alunos de uma sala de aula, mediados
por um professor, tentando provar a conjectura de Descartes-Euler4, cuja
conjectura inicial é: V – A + F = 2, onde V é o número de vértices, A é o número
de arestas e F, o número de faces de um poliedro.
Nos rodapés das páginas do livro, Lakatos faz analogia do trabalho dos
estudantes com a verdadeira evolução histórica da conjectura de Descartes-Euler,
descrevendo o esforço de ilustres matemáticos para prová-la. Citando alguns:
Augustin Louis Cauchy (1789 - 1857), Joseph Diaz Gergonne (1771 - 1859),
Pierre Legendre (1752 - 1833) e Jules Henri Poincaré (1854 - 1912).
O autor afirma que, diante da contradição a uma conjectura, surge um
conjunto de comportamentos possíveis, apresentados e analisados na obra. Em
particular, a produção de um contra-exemplo não implica sempre a refutação de
uma afirmação, mas pode aperfeiçoar a conjectura, rejeitar o contra-exemplo,
reconhecer exceções, formular condições, retomar uma definição. O objetivo do
estudo do autor é desafiar o formalismo matemático, é formular a questão de que
a Matemática progride mediante incessante aperfeiçoamento de opiniões, por
especulação e crítica, pela lógica das provas e refutações.
A obra de Lakatos (1978) nos faz refletir sobre como a interação social,
disputas científicas entre matemáticos na busca de provas, possibilitam o
desenvolvimento da Matemática.
4 René Descartes (1596 – 1650), Leonhard Euler (1707 – 1783).
48
Balacheff (1987) aponta também a interação social como motora nos
processos de prova. A colocação em debate das decisões, a injunção de garantir
sua validade ou de denunciar, permite transformar situações de decisão em uma
situação de validação. Uma das características que parece, assim, determinante
para a produção de uma prova é a dimensão social da situação.
O autor baseia-se em Lakatos ao afirmar que a abordagem da
demonstração sob o ângulo da interação social leva a enfocar a dialética das
provas e refutações, ou, mais geralmente, o problema do tratamento das
contradições. O engajamento social da demonstração é condição necessária para
a sua existência como ferramenta de prova para estabelecer a verdade de uma
proposição. Este é o mesmo sentido da demonstração para a comunidade
matemática.
Tais considerações revelam como a interação social entre alunos,
mediados pelo professor, até uma disputa “saudável” entre eles, ao tentar
conjecturar e validar uma conjectura, pode ser motora nos processos de prova.
Consideramos também, em nossa análise, exercícios que revelam
enfoques compostos por dois outros até aqui explicados, sendo um deles
empírico.
Assim, existe o enfoque empírico-dedutivista: primeiramente abordar uma
propriedade empiricamente e posteriormente, abordá-la dedutivamente.
E existe o enfoque empírico-heurístico: primeiramente abordar uma
propriedade empiricamente e posteriormente, abordá-la heuristicamente.
Nesses últimos dois enfoques descritos, a retomada de abordagem da
propriedade geométrica pode ser realizada em uma série posterior. Ou seja, a
propriedade é abordada empiricamente em uma série e dedutivamente ou
heuristicamente em outra. Esse tipo de abordagem respeita o nível de
racionalidade do aluno, conclusão que está apoiada em teorias descritas a seguir.
Arsac (1987) afirma que as provas pré-demonstrativas, fundamentalmente
empíricas, podem aparecer antes da classe de quarto ano da França (sétima
série brasileira).
Segundo Balacheff (1987), a prática da demonstração exige ao mesmo
tempo racionalidade e uma situação específica dos conhecimentos. Isso equivale
à adesão a uma problemática que não é mais aquela da eficácia (exigência da
prática), mas a do rigor (exigência teórica). Essa análise esclarece uma origem
49
provável do fracasso do ensino da demonstração nas classes francesas do quarto
ano (sétima série brasileira). O autor afirma que é freqüente na França a denúncia
da ruptura do contrato didático5 por ocasião da passagem da classe de quinto ano
(sexta série brasileira) para o quarto ano (sétima série brasileira) e que uma boa
negociação desse contrato não é suficiente para resolver o problema. A natureza
e o status dos conhecimentos engajados desempenham aí um papel essencial.
Qualquer que seja a qualidade da negociação de um novo contrato didático, ele
não poderá consistir numa simples passagem das provas empíricas, válidas até
então, para a demonstração. Tal passagem surge de uma construção simultânea
no terreno dos conhecimentos e da racionalidade. Como toda construção
cognitiva, ela requer uma duração pouco compatível com as ambições dos
programas curriculares vigentes.
Balacheff (1987) reconhece que muito cedo, digamos desde o sexto ano
francês (quinta série brasileira), deve ser proposto o problema da evolução dos
fundamentos racionais da atividade matemática dos alunos ao mesmo tempo, e
com o mesmo status, que aquele da construção dos saberes. E acrescenta:
A exigência de provas precisa, portanto, poder encontrar seu lugar desde as práticas matemáticas das primeiras classes, aceitando que sejam reconhecidas como provas outras coisas que não as demonstrações no sentido estrito. Será preciso levar em consideração a natureza da racionalidade dos alunos e as condições de sua evolução, mas também encarregar-se da análise didática dos critérios aceitos de prova que podem evoluir no decorrer da escolaridade. (BALACHEFF, 1987, p. 170, tradução nossa).
Salientamos que essas provas empíricas, chamadas por Arsac (1987) de
pré-demonstrativas, podem ser aceitas na 5ª e 6ª séries. Porém, em séries
posteriores, quando o aluno já se encontra em outro nível de racionalidade, as
propriedades assim provadas empiricamente devem ser demonstradas.
Consideramos, ainda, que pode haver combinações de enfoques baseados
nos exercícios sobre propriedades geométricas diferentes dos descritos acima
que serão tratados como exceções no momento da análise.
5 Segundo Brousseau (1988), o contrato didático é constituído pelo conjunto de cláusulas, regras que estabelecem a base das relações que professores e alunos têm entre si quando o objetivo é o ensino-aprendizagem de um saber.
50
Assim, pela análise dos exercícios referentes ao estudo de cada
propriedade geométrica dos livros didáticos, via Organização Praxeológica,
identificamos seus enfoques de abordagem. A análise de todas as propriedades
geométricas da coleção será apresentada em um quadro-resumo, com os totais
de propriedades por enfoque. E reunimos elementos para chegar à questão
referente à nossa segunda categoria de análise:
- Analisando os exercícios propostos, que enfoque para a apreensão das
propriedades geométricas predomina na coleção de livros didáticos analisada?
4.3 Categoria 3: Articulação dos registros de repre sentação semiótica
mobilizados em uma demonstração geométrica
Consideramos, nessa categoria de análise, a importância da mobilização
de diferentes registros de representação semiótica nas demonstrações de uma
propriedade geométrica no ensino do 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental.
Recorremos à teoria de Duval (1993), que afirma que uma das
características importantes da atividade matemática é a diversidade dos registros
de representação semiótica que ela mobiliza obrigatoriamente. Há uma
pluralidade de registros de representação de um mesmo objeto e a articulação
desses diferentes registros é condição para a compreensão em Matemática.
Apoiado nessa teoria, Almouloud (2003) faz uma reflexão didática sobre os
problemas de ensino-aprendizagem de conceitos geométricos no 3º e 4º ciclos do
Ensino Fundamental, do ponto de vista dos registros de representação semiótica.
O autor afirma que a atividade exigida em Geometria, no Ensino Fundamental, faz
apelo a três registros de representação semiótica e de sua coordenação: o
registro discursivo (linguagem natural), o registro das figuras e o registro
matemático (incluindo as escritas algébricas). Almouloud (2003) recomenda, em
seu esquema para proporcionar subsídios para o ensino e aprendizagem de
Geometria nesse nível de escolaridade, atividades que favoreçam o domínio das
mudanças de linguagem da natural para a linguagem matemática e para a figural.
Em uma demonstração, a figura é útil como visualização para o raciocínio
dedutivo. Almouloud (2003) releva a importância do papel heurístico da figura na
51
apreensão do raciocínio dedutivo, recomendando, inicialmente, compreender, por
meio da visualização e do raciocínio, o seu estatuto.
Almouloud (2003) propõe que, no 3º ciclo do Ensino Fundamental - quinta e
sexta séries do Ensino Fundamental - a redação das justificativas de resultados
geométricos seja realizada em linguagem natural.
Como mencionado nas explicações da categoria anterior, Lakatos (1978) e
Balacheff (1987) relevam a dimensão social da demonstração, os benefícios dos
debates e discussões em grupo para desenvolver o raciocínio dedutivo. Esses
debates e discussões com colegas e professor são realizados em linguagem
natural, referindo-se à utilização do registro discursivo.
Desse modo, consideramos importante a utilização da linguagem natural,
principalmente quando o aluno inicia-se com as primeiras demonstrações. Apenas
depois, e de forma gradual, é que se recomenda a formalização, com a escrita
matemática da demonstração.
Em nossa análise das demonstrações das propriedades geométricas de
cada coleção, verificamos o grau de utilização do registro matemático e se há um
aumento em sua utilização no decorrer das séries do Ensino Fundamental.
Duval (1993) afirma que há dois tipos de transformações dos registros de
representação semiótica, os tratamento e as conversões. Os tratamentos são
transformações de representações dentro de um mesmo registro. Por exemplo,
efetuar um cálculo ficando estritamente no mesmo registro matemático de
representação dos números. As conversões são transformações de
representações que consistem em mudar de registro conservando os mesmos
objetos denotados. Por exemplo, passar o enunciado de uma demonstração
geométrica para sua representação no registro das figuras.
De acordo com Duval (2003) as conversões de registros que ocorrem em
uma demonstração não se operam naturalmente entre os alunos. Então, são
recomendadas atividades que envolvam conversões de registros. Encontramos
no trabalho de Mello (1999), que apresenta uma seqüência didática sobre o
ensino-aprendizagem da demonstração em Geometria, um exemplo dessas
atividades em que é solicitado ao aluno escrever as premissas, as passagens das
demonstrações e a conclusão de teoremas nas linguagens natural, figural e
algébrica. Então, observamos também se há esse tipo de atividade, na análise
dos livros didáticos.
52
Dessas considerações, chegamos à questão referente a nossa terceira
categoria de análise:
- Nas coleções de livros analisadas, como é considerada a articulação dos
diferentes registros de representação semiótica mobilizados em uma
demonstração geométrica: o registro discursivo, o das figuras e o matemático?
53
CAPÍTULO 5
ANÁLISE DAS COLEÇÕES DE LIVROS DIDÁTICOS DO INÍCIO DA DÉCADA
DE 1990
O ensino de Matemática no início da década de 1990 foi influenciado pelo
declínio do Movimento da Matemática Moderna, pela Didática da Matemática e,
no Brasil, pelas propostas curriculares estaduais.
Coleções de livros didáticos analisados deste período:
1. GIOVANNI, José Ruy; CASTRUCCI, Benedito, GIOVANNI JR, José
Ruy. A conquista da matemática – 5a. a 8a. séries. São Paulo: FTD,
1992;
2. IEZZI, Gelson; DOLCE, Oswaldo; MACHADO, Antonio. Matemática
e realidade – 5a. a 8a. séries, 2 ed. São Paulo: Atual, 1991;
3. JAKUBOVIC, José; LELLIS, Marcelo. Matemática na medida certa –
5a. a 8a. séries, 3 ed. São Paulo: Scipione, 1991.
5. 1 Análise da Coleção 1:
A Conquista da Matemática – 5 ª a 8ª séries
Autores: GIOVANNI, J. R.; CASTRUCCI, B.; GIOVANNI J R, J. R.
Editora FTD
1992
Análise das categorias:
Categoria 1 : Nas validações geométricas das coleções dos livros analisados,
como ocorre a articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria
Proto-axiomática?
Nos quatro volumes desta coleção, a Geometria é estudada nos capítulos
finais e não é intercalada com outras partes da Matemática.
No início do capítulo de Geometria da quinta série, há um texto histórico
sobre a Geometria ao longo da história. Primeiro são explicados os métodos
empíricos, experimentais, dos povos da Antigüidade e depois a sistematização
54
dos conhecimentos geométricos pelos gregos, citando Euclides e sua obra. Nesta
série não são estudadas propriedades das figuras geométricas.
O estudo das propriedades geométricas é iniciado na sexta série. Na
unidade dez, intitulada Estudando ângulos, é apresentada a demonstração da
propriedade sobre ângulos opostos pelo vértice, sem qualquer explicação sobre o
método dedutivo. Em seguida, é estudada a propriedade sobre a soma dos
ângulos internos de um triângulo. Primeiramente, é apresentada uma verificação
empírica da propriedade por meio de recorte, em que são utilizados os termos
determinar experimentalmente, que consideramos adequados para este tipo de
validação. No final da verificação, uma observação para concluir:
Se você repetir essa experiência outras vezes, verá que o resultado
sempre será o mesmo. Podemos então estabelecer a relação: [...]
(GIOVANNI, CASTRUCCI, GIOVANNI JR, 1992, 6ª série, p. 225).
Dessa forma, afirmou-se que verificar experimentalmente para vários casos
leva a concluir uma propriedade. Não foi relevada a limitação das verificações
empíricas nem a necessidade da demonstração para essa conclusão.
Na sétima série, na unidade Introdução à Geometria, a propriedade sobre
ângulos opostos pelo vértice é retomada. Dessa vez, primeiro empiricamente, por
medições, e depois dedutivamente.
Na unidade sete, Ângulos formados por duas retas paralelas com uma
transversal, são estudadas empiricamente as propriedades de ângulos
correspondentes e de ângulos alternos e usados os termos verificar
experimentalmente e observar. Em seguida, são estudados, dedutivamente,
ângulos colaterais e na apresentação dessas demonstrações também é utilizado
o termo observar:
Pelo observado, podemos concluir a propriedade: [...] (GIOVANNI,
CASTRUCCI, GIOVANNI JR, 1992, 7ª série, p. 154).
Constata-se que não há um cuidado de usar termos adequados para
concluir a propriedade dedutivamente. O termo observar é adequado para as
validações empíricas, mas não para as dedutivas.
55
Com essas primeiras validações dedutivas, ocorre a entrada em G2-
Geometria Proto-axiomática na coleção.
Nas próximas quatro unidades da sétima série, são estudas propriedades
geométricas de polígonos, triângulos, quadriláteros e circunferência. Esses
estudos são, em sua grande maioria, dedutivos e as demonstrações são
apresentadas aos alunos.
A propriedade sobre a soma dos ângulos internos de um triângulo é
retomada nessa série. Primeiramente a propriedade é estudada empiricamente,
por medição com transferidor. Então, é afirmado que, para verificar que a relação
vale para qualquer triângulo, serão usadas duas maneiras: experimentalmente,
por meio de atividade de recorte e, utilizando as retas paralelas cortadas por
transversal. Dessa forma, afirma-se que uma experiência empírica é uma das
maneiras de concluir para todos os casos.
Os casos de congruência de triângulos são utilizados para demonstrar
várias propriedades geométricas de triângulos e quadriláteros. A maioria dessas
demonstrações são apresentadas, seguidas de exercícios de aplicação. Porém,
nessas unidades, em meio aos muitos exercícios de aplicação, constam alguns
exercícios para demonstrar. Há poucas verificações empíricas das propriedades e
nelas observamos que também não são relevadas suas limitações para concluir
casos gerais e suas diferenças com demonstrações. Como exemplo, citamos o
estudo da soma dos ângulos internos de um quadrilátero que, depois de atividade
empírica por recorte, é apresentada uma dedução, usando a fórmula geral para
todos os polígonos convexos. Mas, antes de apresentar essa dedução:
De uma maneira mais prática, podemos determinar a soma das
medidas dos ângulos usando a fórmula geral validada para todos
os polígonos convexos... (GIOVANNI, CASTRUCCI, GIOVANNI JR,
1992, 7ª série, p. 199).
Dessa forma, afirmou-se que deduzir é algo mais prático que verificar
experimentalmente, levando a crer que deduzir é uma maneira a mais de concluir
uma propriedade. Isso revela que não é dada importância para a demonstração
como único meio de obter um caráter geral para uma propriedade em Matemática.
56
Constatamos então, que, na sétima série, há um predomínio de validação
dedutiva para as propriedades geométricas, trabalhando, portanto, em G2-
Geometria Proto-axiomática.
Na oitava série, as propriedades geométricas são estudadas no final do
livro, nas unidades sobre segmentos proporcionais, semelhança, relações
métricas nos triângulos, relações trigonométricas nos triângulos retângulos e
relações métricas nas circunferências.
Como na sétima série, nesses estudos validaram-se as propriedades
geométricas principalmente em G2-Geometria Proto-axiomática, dedutivamente.
Apenas para o teorema sobre feixe de retas paralelas e o de Pitágoras há
verificação empírica anterior à demonstração. Nessas verificações também não
se diferencia observação empírica de demonstração:
Podemos repetir este procedimento traçando outras transversais ao
feixe de paralelas e verificaremos que os segmentos determinados
em cada transversal serão congruentes entre si [...]. Dizemos
então:
Se um feixe de paralelas determina segmentos congruentes sobre
uma transversal, também determina segmentos congruentes sobre
qualquer outra transversal. (GIOVANNI, CASTRUCCI, GIOVANNI
JR, 1992, 8ª série, p. 143).
Para o estudo do teorema de Pitágoras, é apresentado um texto histórico
sobre os estiradores de corda do Antigo Egito e realizada uma verificação
empírica por áreas. Seguem explicações históricas sobre Pitágoras, como quem
conseguiu provar o teorema. Depois de afirmar que existem inúmeras
demonstrações do teorema, são apresentadas duas, uma geométrica e outra
algébrica. Esses relatos históricos sobre as diferentes validações do teorema de
Pitágoras foram apresentados aos alunos como curiosidades, uma vez que não
foram relacionados com explicações sobre as limitações do empirismo e com a
importância da demonstração em Matemática. Assim como o texto histórico
apresentado no início da quinta série sobre a evolução dos métodos de validação
em Geometria. Este texto foi apresentado muito cedo, quando ainda não
validavam-se propriedades geométricas na coleção. Então, também não auxiliou
57
no entendimento das diferenciações entre as verificações empíricas e as
demonstrações.
Considerando a análise da coleção inteira, constata-se que a entrada em
G2-Geometria Proto-axiomática ocorre na sexta série com as primeiras
validações dedutivas. Nesta série também se validam as propriedades
geométricas empiricamente, havendo, então articulação com G1-Geometria
Spatio-gráfica.
Na sétima e oitava séries, quando se estuda a grande maioria das
propriedades geométricas, as validações são dedutivas, em G2-Geometria Proto-
axiomática.
Como foi citado ao longo da análise da coleção, não são diferenciadas as
validações empíricas das demonstrações, nem ressaltadas as limitações da
verificação empírica. Ao contrário, muitas vezes, é afirmado que se podem
concluir fatos gerais a partir delas. Também não é explicado o que é
demonstração, nem sua importância em Matemática. Como a grande maioria das
demonstrações são apresentadas ao aluno, não se preocupa em explicar técnicas
ou lógica utilizadas em uma demonstração geométrica.
Categoria 2 : Analisando os exercícios propostos, que enfoque para a apreensão
das propriedades geométricas predomina na coleção de livros didáticos
analisada?
Apresentamos o resultado da análise inicial dos exercícios referentes ao
estudo das propriedades geométricas da coleção e à distribuição nos enfoques,
seguindo o estudo da Organização Praxeológica:
Total de propriedades geométricas estudadas na coleção: 73.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque empírico: 5.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque dedutivista: 44.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque heurístico: 17.
Propriedades tratadas sob enfoques empírico e dedutivista (denotamos por
enfoque empírico-dedutivista) : 4.
Propriedades tratadas sob enfoques empírico e heurístico (denotamos por
enfoque empírico-heurístico) : 0.
58
Há três propriedades geométricas que não se enquadram nesta
classificação e foram tratadas como exceções. A propriedade sobre os ângulos
opostos pelo vértice é abordada na sexta série dedutivamente e na sétima série é
retomada, primeiro empiricamente e depois dedutivamente. E duas propriedades
foram apenas enunciadas, sem serem estudadas empiricamente ou
demonstradas.
Observamos que o estudo da grande maioria das propriedades
geométricas da coleção é dedutivo e segue um esquema, descrito a seguir.
Primeiramente, há uma apresentação de demonstração da propriedade.
Notamos que inicia-se a demonstração usando termos que caracterizam o estilo
dedutivista da coleção, em que os alunos, passivamente, vêem, observam as
demonstrações. Citando como exemplos da utilização desses termos, temos as
apresentações das demonstrações do teorema de Pitágoras.
Existem inúmeras maneiras de demonstrar esse teorema; veremos
uma delas, baseada no cálculo de áreas de figuras geométricas,
planas. (GIOVANNI, CASTRUCCI, GIOVANNI JR, 1992, 8ª série, p.
179, grifo nosso).
Vamos dar agora, a demonstração algébrica do teorema de
Pitágoras. (GIOVANNI, CASTRUCCI, GIOVANNI JR, 1992, 8ª série,
p. 190, grifo nosso).
Para apresentar o teorema dos senos, inicia-se com a frase “Observe a
demonstração” (GIOVANNI, CASTRUCCI, GIOVANNI JR, 8ª série, p. 208, grifo
nosso). E, em muitos casos, no início da apresentação das demonstrações, não é
explicado que se trata de uma demonstração, como no caso da demonstração do
teorema de Tales.
Após o término da demonstração, aparece a sentença “De um modo geral,
podemos anunciar”. Então, a propriedade é enunciada e seguem muitos
exercícios de aplicação. Em muitos casos, antes de solicitá-los, são apresentados
exemplos de solução.
Um exemplo desse esquema pode ser constatado no estudo do teorema
da bissetriz interna de um triângulo. No anexo 1, a apresentação da
59
demonstração, seguida pelo seu enunciado. Notamos que nesta apresentação,
não é explicado que se trata de uma demonstração. No anexo 2, os exemplos de
aplicação. E no anexo 3, os vários exercícios de aplicação do teorema.
Os exercícios para demonstrar as propriedades geométricas são raros na
coleção. Na sétima série, eles constam apenas nas unidades sobre triângulos e
quadriláteros que são demonstradas usando os casos de congruência de
triângulos. Mas são em número muito menor que os exercícios de aplicação. Na
oitava série, apenas no final do livro, ao estudar algumas propriedades de
polígonos regulares inscritos em circunferência, é aconselhado demonstrar
algumas delas:
Assim, podemos demonstrar (e você pode fazer isso junto com seu
professor) as seguintes propriedades: [...] (GIOVANNI,
CASTRUCCI, GIOVANNI JR, 1992, 8ª série, p. 222).
Observamos que é solicitado que aluno peça auxílio do professor para
realizar essas tarefas, revelando que, no final do Ensino Fundamental,
provavelmente, o aluno não se apresenta autônomo para isso.
Assim, nossa análise dessa coleção não permitiu identificar uma
preocupação com um trabalho envolvendo o ensino significativo da
demonstração.
Concluímos, pela análise dos exercícios referentes ao estudo das
propriedades geométricas, que a coleção enquadra-se no enfoque dedutivista.
Categoria 3 : Nas coleções de livros analisadas, como é considerada a articulação
dos diferentes registros de representação semiótica mobilizados em uma
demonstração geométrica: o registro discursivo, o das figuras e o matemático?
Das 60 demonstrações de propriedades geométricas estudadas,
apresentadas ou solicitadas em exercícios com encaminhamentos para
resolverem, constatamos que na grande maioria (52) foram utilizados os três
registros de representação semiótica que, segundo Duval (1993), se pode
mobilizar em uma demonstração geométrica, o registro discursivo, figural e o
algébrico. Um exemplo é a apresentação da demonstração do anexo 1.
60
A utilização do registro discursivo é enfatizado na coleção, estando
presente nas várias explicações em linguagem natural sobre passagens das
demonstrações. E constatamos que este registro é mobilizado em 53
demonstrações geométricas estudadas na coleção.
O registro figural está presente em praticamente todas as demonstrações e
é suporte para os raciocínios dedutivos.
O registro algébrico apesar de estar presente na maioria das
demonstrações geométricas, restringe-se ao uso de alguns símbolos para
escrever as sentenças e nos cálculos algébricos. E não observa-se maior ênfase
na mobilização desse registro no decorrer das séries.
Como explica Duval (1993), os cálculos algébricos são tratamentos
realizados no registro matemático e estes são os únicos tratamentos identificados
no estudo das demonstrações geométricas da coleção.
Como foi concluído na análise da categoria dois, a maioria das
demonstrações da coleção são apresentadas aos alunos e há poucos exercícios
para demonstrar. Seguindo essa característica da coleção, também não são
solicitadas atividades que favoreçam as conversões de registros, como
recomenda Duval (1993).
5. 2 Análise da Coleção 2:
Matemática e Realidade – 5 ª a 8ª séries
Autores: IEZZI, G.; DOLCE, O.; MACHADO, A.
Editora ATUAL
1991
Análise das categorias:
Categoria 1 : Nas validações geométricas das coleções dos livros analisados,
como ocorre a articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria
Proto-axiomática?
Em todas as séries da coleção, a Geometria é estudada nos capítulos
finais dos livros, sem intercalação com outras partes da Matemática.
61
No Manual do Professor das séries, os autores explicam suas propostas de
ensino da Geometria:
A Geometria é tratada do mesmo modo e da mesma forma que as
outras partes da Matemática. É dado a ela o mesmo tratamento
formal. Ela não é estigmatizada e nem diferenciada das demais
partes.
Nos quatro volumes a Geometria é um todo seqüencial, racional,
lógico e não repetitivo. [...] Em cada série ela guarda a sua lógica
local. A graduação das informações e dos conteúdos de formação é
feita com cuidado para não repelir e, sim, atrair a atenção do
estudante. (IEZZI, DOLCE, MACHADO, 1991, Manual do Professor
das séries, p. 4).
Esses comentários revelam a intenção de tornar atraente o ensino da
Geometria e, para isso, será dado o mesmo tratamento que às outras partes da
Matemática. A proposta de cada série guardar sua lógica local revela que não se
trabalhará a Geometria como um sistema lógico único ao longo da coleção.
No capítulo sobre Geometria da sétima série iniciam-se os estudos sobre
as propriedades geométricas. E citamos o programa da obra do Manual do
Professor desta série, em que os autores se posicionam sobre o formalismo da
Geometria:
Sem especificar os demais assuntos que aparecem no índice de
conteúdos e objetivos instrucionais, queremos nos posicionar com
relação ao formalismo da Geometria.
Conforme já foi dito, a idéia principal que nos norteou na
apresentação desta Geometria foi a de que seu tratamento não
seria diferenciado, em termos de método de apresentação, das
outras partes da obra.
Formalizar a Geometria, colocando suas propriedades em termos
de enunciado, hipótese, tese e demonstração nos traria duas
dificuldades: uma intrínseca ao assunto e outra advinda da lógica.
É certo que a Geometria é a parte da Matemática que mais se
presta como modelo de uma estrutura lógica e formal. Parece
também que para o estudante é o modelo que primeiro surge.
62
Porém somos de opinião que num primeiro estágio, em nível do
primeiro grau, se aprenda um pouco de Geometria e depois, num
segundo estágio, se procure formalizá-la.
Para isso, achamos que os conceitos devem surgir gradativamente
e as propriedades devem ser deduzidas e não mostradas por
antecipação.
Destacamos que, em geral, as propriedades estão demonstradas.
Ocorre que procuramos colocar tais demonstrações como dedução.
O enunciado da propriedade fecha o assunto.
Um professor de uma classe mais adiantada pode explorar o
enunciado e a demonstração que aparecem no livro, ampliando
com a colocação de hipótese e tese. (IEZZI, DOLCE, MACHADO,
1991, Manual do Professor da sétima série, p. 6 e 7).
Reafirmando que utilizam o mesmo tratamento dado a outras partes da
Matemática, os autores se propõem a não formalizar as propriedades em termos
de hipótese, tese e demonstração. Há demonstrações, mas tratadas como
deduções em uma lógica local, na qual os conhecimentos adquiridos não são
inseridos em um sistema lógico, dedutivo. Defende-se ainda a idéia de que a
formalização da Geometria deve ser realizada em nível de ensino posterior ao
primeiro grau. O que é contrário aos resultados de pesquisas sobre o processo de
demonstrações como, por exemplo citado no trabalho de Mello (1999) sobre um
aumento gradual de formalização das demonstrações no decorrer das séries do
Ensino Fundamental.
Assim, na sétima série, inicia-se o estudo das propriedades geométricas,
dedutivamente, o que caracteriza a entrada em G2-Geometria Proto-axiomática
da coleção. E as demonstrações da grande maioria das propriedades são
apresentadas ao aluno.
Primeiramente a demonstração é iniciada como uma dedução e não são
utilizadas as palavras demonstração ou prova. Nesse momento são usados
termos observemos, vamos notar que, adequados para verificações empíricas. E,
para concluir as demonstrações, termos como isso é sintetizado na propriedade
abaixo (IEZZI, DOLCE, MACHADO, 1991, 7a. série, p. 142) ou esse resultado é
sintetizado no enunciado (IEZZI, DOLCE, MACHADO, 1991, 7a. série, p. 156). Na
oitava série, antes de apresentar as demonstrações das relações métricas num
63
triângulo qualquer, utiliza-se o termo generalização. Notamos, assim, que não é
explicado ao aluno que é uma demonstração que está sendo apresentada a ele.
Isso concorda com o propósito do autor citado no manual sobre enunciar as
propriedades de maneira não formal.
São raras as verificações empíricas das propriedades geométricas na
coleção. Não são explicadas as diferenças entre validar empiricamente e
dedutivamente, nem a importância da demonstração em Matemática.
Após o estudo da propriedade sobre ângulos da base de triângulo
isósceles, é enunciada sua propriedade recíproca:
Propriedade recíproca
Usando o caso LAA0, podemos provar a propriedade:
Se um triângulo possui dois ângulos congruentes, então esse
triângulo é isósceles.
Conseqüência: [...] (IEZZI, DOLCE, MACHADO, 1991, 7ª série, p.
174).
Observamos que não é explicado o que é uma propriedade recíproca.
Do manual da oitava série, citamos o programa sobre Geometria:
Nesta série a Geometria assume aspectos métricos bastante
práticos.
[...]
De uma maneira geral, o procedimento segue o mesmo paradigma
apresentado na 7ª série. Porém, tanto lá quanto aqui surgiram
alguns nomes tais como noções, propriedades, definições,
postulados e teoremas.
Caso seja necessário ou os alunos com que o professor trabalha
suportem, seria útil destacar o esquema lógico da Matemática. É o
que segue.
O desenvolvimento de uma teoria lógica é feito estabelecendo-se
noções e aceitando-se proposições.
As noções, em geral, são estabelecidas mediante uma definição.
As primeiras noções ou noções primitivas são estabelecidas sem
definição.
64
As proposições ou propriedades, em geral, são aceitas mediante
demonstrações. As primeiras proposições ou proposições primitivas
são aceitas sem demonstração. Estas propriedades primitivas são
os chamados postulados ou axiomas. Em contraposição, as
propriedades que têm demonstração baseada em outras
propriedades, primitivas ou não, são os teoremas. (IEZZI, DOLCE,
MACHADO, 1991, Manual do Professor, 8ª série, p. 6).
A declaração sobre os aspectos práticos da Geometria concorda com a
abordagem que constatamos na sétima e oitava séries. As propriedades
geométricas são apresentadas e aos alunos são solicitados apenas exercícios de
aplicação, muito práticos. Observamos que as explicações sobre os “nomes” que
aparecem na Geometria dedutiva citados nesse programa não aparecem no livro
do aluno e os autores deixam claro que apenas seriam acessíveis aos alunos
mais adiantados, que as suportem...
Assim como na sétima série, até o final da oitava série as propriedades
geométricas são validadas dedutivamente, em G2-Geometria Proto-axiomática.
As validações empíricas são raras, portanto, sem retorno à G1-Geometria Spatio-
gráfica. Não são explicados os termos da Geometria dedutiva e nem a limitação
das verificações empíricas, concordando com a proposta do manual de tratar as
demonstrações de maneira não formal, como deduções.
Categoria 2 : Analisando os exercícios propostos, que enfoque para a apreensão
das propriedades geométricas que predomina na coleção de livros didáticos
analisada?
Apresentamos o resultado da análise inicial dos exercícios referentes ao
estudo das propriedades geométricas da coleção e à distribuição nos enfoques,
seguindo o estudo da Organização Praxeológica:
Total de propriedades geométricas estudadas na coleção: 107.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque empírico: 9.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque dedutivista: 63.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque heurístico: 3.
65
Propriedades tratadas sob enfoques empírico e dedutivista (denotamos por
enfoque empírico-dedutivista) : 3.
Propriedades tratadas sob enfoques empírico e heurístico (denotamos por
enfoque empírico-heurístico) : 0.
Como exceções de nossa categoria descrita no capítulo quatro, há 29
propriedades que são apenas enunciadas, sem serem validadas e seguidas
apenas de exercícios de aplicação.
Desde o estudo da primeira propriedade geométrica, na sétima série, até o
fim da oitava série, observamos a utilização de um esquema, descrito a seguir.
As verificações empíricas são raras e as propriedades são estudadas a
partir de apresentações de suas demonstrações, tratadas como deduções. Na
conclusão da dedução, a propriedade é enunciada e seguem muitos exercícios de
aplicação. Em muitos desses exercícios, há conexão com álgebra.
Um exemplo do esquema é o estudo da soma das medidas dos ângulos
internos e da medida do ângulo externo de um triângulo, conforme anexos 4, 5 e
6.
Esse esquema concorda com a proposta dos autores citada na descrição
da obra do Manual do Professor:
Em cada unidade existe uma parte teórica constituída por uma
dose mínima de teoria , que deve ser exposta pelo professor ou
lida pelo aluno em classe. Essa teoria é aplicada imediatamente
em atividades denominadas exercícios . (GELSON, 1991, Manual
do Professor das séries, p. 2, grifos nossos ).
Observamos que, ao longo da coleção, várias propriedades são apenas
enunciadas, sem serem estudadas empiricamente ou dedutivamente. É o caso de
muitas propriedades recíprocas, exemplificadas no anexo 7. A esses enunciados,
seguem apenas exercícios de aplicação. Isso revela o empenho de levar o aluno
a conhecer maior número de propriedades para poder aplicá-las, não importando
como foram descobertas.
Constatamos que os exercícios no fim dos subcapítulos são todos de
aplicação, e, na série final do capítulo de Geometria, há pouquíssimos exercícios
66
para demonstrar: na sétima série do total de 121, apenas dois e, na oitava série,
do total de 69, apenas um.
Pela abordagem do estudo das propriedades geométricas, tanto a proposta
pelos autores como a constatada em nossa análise dos exercícios, esta coleção
enquadra-se perfeitamente no enfoque dedutivista.
Categoria 3 : Nas coleções de livros analisadas, como é considerada a articulação
dos diferentes registros de representação semiótica mobilizados em uma
demonstração geométrica: o registro discursivo, o das figuras e o matemático?
Das 69 demonstrações de propriedades geométricas estudadas,
apresentadas ou solicitadas em exercícios com encaminhamentos para
resolverem, constatamos que a grande maioria (50) mobiliza os três registros de
representação semiótica: o registro discursivo, o figural e o matemático. Como
exemplos, citamos as apresentações das demonstrações da soma das medidas
dos ângulos internos de um triângulo e da propriedade do ângulo externo de um
triângulo, conforme anexos 4 e 5.
A utilização do registro discursivo é significativa, sendo utilizado em 43
demonstrações geométricas da coleção no sentido de fornecer explicações em
linguagem natural das passagens das demonstrações.
O uso do registro figural nas demonstrações geométricas da coleção é
enfatizado, estando presente em praticamente todas as demonstrações e é
suporte para os raciocínios dedutivos. Observamos pelo exemplo da
demonstração da soma dos ângulos de um triângulo, anexo 4, que a figura do
triângulo é mostrada várias vezes, com o intuito de esclarecer as passagens da
demonstração. Essa ênfase na utilização do registro figural como auxílio para o
raciocínio dedutivo é uma característica da coleção.
A utilização do registro matemático é leve, restringindo-se ao uso de alguns
símbolos para escrever as sentenças e nas operações algébricas envolvidas nas
demonstrações. Essas operações são consideradas tratamentos dentro do
registro matemático, conforme teoria de Duval (1993). Não observamos aumento
da utilização do registro matemático nas demonstrações da coleção no decorrer
das séries, como recomenda Almouloud (2003).
67
As recíprocas de propriedades de paralelogramos que são enunciadas,
apresentadas no anexo 7, permitem definir de três maneiras diferentes da usual o
mesmo ente geométrico. Isso caracteriza um tratamento num registro de
representação semiótica, mas esse fato não é explorado no livro. Porém, não
releva-se para o aluno a possibilidade de construir um sistema axiomático
diferente a partir de cada definição .
5. 3 Análise da Coleção 3:
Matemática na Medida Certa – 5 ª a 8ª séries
Autores: JAKUBOVIC, J.; LELLIS, M.
Editora SCIPIONE
1991
Análise das categorias:
Categoria 1 : Nas validações geométricas das coleções dos livros analisados,
como ocorre a articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria
Proto-axiomática?
Nessa coleção, o estudo da Geometria nas séries está concentrado num
único capítulo, não havendo intercalação com outras partes da Matemática.
Na sétima série, iniciam-se os estudos das propriedades geométricas na
coleção. No subcapítulo intitulado Soma de ângulos, a soma dos ângulos
externos com os internos de um polígono é validada empiricamente. Em seguida,
a propriedade sobre os ângulos opostos pelo vértice é estudada primeiramente
por meio de medição com transferidor, empiricamente. Para concluir essa
verificação, um comentário:
Medindo â e î com um transferidor, você verá que eles são
congruentes. No entanto, sem medi-los, pode-se demonstrar que:
Dois ângulos opostos pelo vértice são congruentes .
Agora, faremos essa demonstração:
[...] (JAKUBOVIC, LELLIS, 1991, 7ª série, p. 72 e 73, grifos dos
autores).
68
Então, é apresentada a demonstração da propriedade, seguida de uma
explicação:
Demonstramos assim, que dois ângulos opostos pelo vértice
sempre são congruentes. Na demonstração, usamos nosso
raciocínio e o conhecimento de que um ângulo raso tem 180°.
(JAKUBOVIC, LELLIS, 1991, 7ª série, p. 73).
Essa primeira validação dedutiva caracteriza a entrada em G2-Geometria
Proto-axiomática da coleção. E, por essas citações, observamos que neste
momento as explicações sobre as diferenças entre as verificações empíricas e as
demonstrações não são precisas, nem é relevada a importância da demonstração
em Matemática.
Após essa primeira apresentação de demonstração, são solicitados
exercícios de aplicação e, em meio a eles, um para demonstrar outra propriedade.
A propriedade sobre ângulos correspondentes é enunciada.
Então, seguem os estudos das propriedades geométricas na coleção, ao
longo da sétima e oitava séries. Para a maioria delas, apresenta-se a
demonstração, seguida de exercícios de aplicação. Para outras, é solicitada sua
validação dedutiva em exercício e algumas são apenas enunciadas. Nas
apresentações das demonstrações observamos que segue-se um esquema,
exemplificado nas demonstrações de propriedades de paralelogramo, conforme
anexo 8. Observamos que, primeiramente, a propriedade é enunciada e depois
aparecendo a palavra “Demonstração” como um título, ela é demonstrada.
Verificamos que, após essa entrada em G2-Geometria Proto-axiomática, as
validações empíricas são raras. Portanto, não há articulação com G1-Geometria
Spatio-gráfica.
Notamos que as explicações sobre a importância da demonstração são
imprecisas. Como na primeira demonstração da coleção, também no estudo da
soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo releva-se que
demonstrar é uma maneira de chegar a um resultado sem realizar medições, não
que é o meio de se validar em Matemática:
69
Veremos agora que essa propriedade pode ser demonstrada sem
se fazer uma só medida. A demonstração que apresentaremos a
seguir foi feita por Tales, um matemático grego do séc. V a.C.
(JAKUBOVIC, LELLIS, 1991, 7ª série, p. 84).
Dessa vez explica-se que foram utilizados conhecimentos anteriores na
demonstração, que é a regra de elaboração de uma demonstração matemática:
Nessa demonstração, Tales usou propriedades geométricas muito
simples, que já estudamos: os ângulos alternos e internos de retas
paralelas são congruentes e um ângulo raso tem 180°.
(JAKUBOVIC, LELLIS, 1991, 7ª série, p. 85).
Então, nesse momento, são explicados termos da Geometria dedutiva:
O que é um teorema?
Quando uma propriedade é demonstrada, com uso de propriedades
já conhecidas, ela é chamada de teorema .
Assim, podemos dizer que acabamos de ver um teorema: Em
qualquer triângulo, a soma das medidas dos ângulos internos é
180°.
Depois que um teorema é demonstrado, ele costuma ser usado na
demonstração de novos teoremas. Como por exemplo, vamos
demonstrar o seguinte teorema:
Em qualquer triângulo, cada ângulo externo é a soma dos ângulos
internos não-adjacentes. (JAKUBOVIC, LELLIS, 1991, 7ª série, p.
85, grifos do autor).
Após a apresentação da demonstração da propriedade, segue a definição
de postulado:
O que é um postulado?
Se os teoremas são demonstrados com base em teoremas já
conhecidos, é claro que as primeiras propriedades não podem ser
teoremas. Essas propriedades iniciais, que aceitamos sem
70
demonstrar, são os postulados . Os postulados servem então de
base para a demonstração dos primeiros teoremas.
Por exemplo, lembre-se do que fizemos no estudo dos ângulos
correspondentes. (JAKUBOVIC, LELLIS, 1991, 7ª série, p. 85, grifos
do autor).
Apresenta-se ainda um esquema de encadeamento lógico das
propriedades estudadas no livro, conforme anexo 9.
Dessa forma é explicado o encadeamento lógico de um sistema lógico
dedutivo. É explicado que para chegar aos teoremas, é preciso haver uma
demonstração. Porém, não se ressalta a importância da demonstração como
meio de validar em Matemática contrastando com a limitação do empirismo.
Nesse trecho do livro também se explica que foi Tales quem demonstrou
esse teorema. Na oitava série, novamente é atribuída a Tales a demonstração do
teorema que leva o seu nome. Essa apresentação de contexto histórico é repetida
no estudo do teorema de Pitágoras, na oitava série. Primeiramente é citado que:
Pitágoras foi um matemático grego do séc. VI a.C. Ele descobriu
uma relação métrica que, até hoje, é um dos mais famosos e
importantes teoremas da Matemática (JAKUBOVIC, LELLIS, 1991,
8ª série, p. 93).
E, depois de sua demonstração algébrica a partir das relações métricas
num triângulo retângulo, em meio aos exercícios de aplicação:
Para construir ângulos retos, os egípcios da Antigüidade usavam
uma corda de 12 nós, igualmente espaçados, esticada de modo a
formar um triângulo.
Explique por que, desse jeito, o ângulo  é reto. (JAKUBOVIC,
LELLIS, 1991, 8ª série, p. 98).
Essas apresentações de contexto histórico não são integradas às
explicações sobre os sistemas lógico-dedutivos e sobre a limitação da verificação
empírica. Parece-nos que o objetivo é apresentar curiosidades aos alunos.
71
No estudo das propriedades dos quadriláteros, há explicações de teoremas
recíprocos:
Teoremas recíprocos
Uma frase pode ser verdadeira, e sua recíproca, não. Por exemplo:
“Se dois ângulos são retos, então eles são ângulos congruentes”.
A recíproca dessa sentença é:
“Se dois ângulos são congruentes, então eles são ângulos retos”.
Nesse exemplo, a primeira frase é verdadeira, mas a sua recíproca
é falsa.
Com os teoremas, isso também acontece: a recíproca de um
teorema pode ser válida ou não.
Já demonstramos esse teorema:
Se um triângulo é isósceles, os ângulos da base são congruentes.
Agora, vamos demonstrar o teorema recíproco:
Todo triângulo que tem dois ângulos congruentes é isósceles.
(JAKUBOVIC, LELLIS, 1991, 7ª série, p. 116).
Para mostrar que o recíproco do teorema sobre as diagonais serem
perpendiculares em um losango não é valido é apresentada uma figura que
satisfaz as hipóteses, mas não a tese. Dessa forma, é mostrada ao aluno a lógica
de exibir um contra-exemplo para concluir que certa propriedade é falsa.
Concluímos que desde o início do estudo das propriedades geométricas,
da sétima à oitava série, as suas validações são dedutivas, portanto em G2-
Geometria Proto-axiomática. As verificações empíricas são raras, sem
articulação, portanto, com G1-Geometria Spatio-gráfica.
Na coleção, são explicados termos da Geometria dedutiva como postulado,
teorema e teorema recíproco, são apresentados o caráter de sistema lógico-
dedutivo da Geometria, a lógica dos teoremas recíprocos e de como concluir que
uma propriedade é falsa. Técnicas e lógica para demonstrar a veracidade de uma
afirmação não são explicadas. Então, os alunos são levados a demonstrar em
exercícios a partir dos exemplos apresentados. Não é apresentada a limitação da
verificação empírica,nem relevada a importância da demonstração em
Matemática.
72
Categoria 2 : Analisando os exercícios propostos, que enfoque para a apreensão
das propriedades geométricas predomina na coleção de livros didáticos
analisada?
Apresentamos o resultado da análise inicial dos exercícios referentes ao
estudo das propriedades geométricas da coleção e à distribuição nos enfoques,
seguindo o estudo da Organização Praxeológica:
Total de propriedades geométricas estudadas na coleção: 97.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque empírico: 3.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque dedutivista: 45.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque heurístico: 36.
Propriedades tratadas sob enfoques empírico e dedutivista (denotamos por
enfoque empírico-dedutivista) : 4.
Propriedades tratadas sob enfoques empírico e heurístico (denotamos por
enfoque empírico-heurístico) : 2.
Como exceções de nossa categoria descrita no capítulo quatro, seis
propriedades são apenas enunciadas, sem serem validadas. Há, nesses casos,
apenas exercícios de aplicação. Outra exceção é o estudo da relação seno num
triângulo retângulo, que é primeiramente demonstrada por semelhança de
triângulos, seguida de verificação empírica.
Como foi explicado na categoria anterior, para o estudo das 97
propriedades geométricas, na coleção há um predomínio de validação dedutiva
sobre a empírica. Para um número significativo (45) de propriedades são
apresentadas as demonstrações, seguidas de exercícios de aplicação. Para 36
propriedades é solicitada a demonstração em exercícios.
Constatamos que, na sétima série, há vários exercícios para demonstrar
propriedades utilizando os casos de congruência de triângulos. Na oitava, os
exercícios para demonstrar envolvem semelhança de triângulos.
Exemplos de exercícios para demonstrar são apresentados no anexo 10,
referentes ao capítulo sobre quadriláteros. Entre os exercícios dessa série, há
solicitações para validar dedutivamente teoremas e seus recíprocos (exercícios
82, 83 e C82 e C83), sendo que nem todos são verdadeiros, e para esses casos é
esperado que utilize-se a lógica de apresentar um contra-exemplo. Esse é um
73
exemplo de atividade para levar o aluno a utilizar técnicas e lógica empregada em
uma demonstração geométrica, conforme recomenda Fetissov (1997).
Pela análise dos exercícios sobre propriedades geométricas observamos
que o enfoque heurístico na coleção é significante, mas o predomínio para a
coleção é o dedutivista, porque há mais apresentações de demonstrações que
exercícios para demonstrar. O enfoque empírico na coleção é insignificante.
Categoria 3 : Nas coleções de livros analisadas, como é considerada a articulação
dos diferentes registros de representação semiótica mobilizados em uma
demonstração geométrica: o registro discursivo, o das figuras e o matemático?
Observamos que, na maioria das 88 demonstrações estudadas na coleção,
apresentadas ou solicitadas em exercícios com encaminhamentos para os alunos
resolverem, são mobilizados os três registros de representação semiótica: o
registro discursivo, o figural e o matemático.
Constatamos que, na apresentação das demonstrações, há a ênfase na
utilização do registro figural, como suporte ao raciocínio dedutivo. Além de
apresentar uma figura no início da demonstração, mostram-se ainda
representações da figura nas passagens da demonstração, com o objetivo de
tornar claro o raciocínio usado. Essa ênfase pode ser constatada na apresentação
da demonstração sobre os ângulos da base de um triângulo isósceles, conforme
anexo 11, e, em alguns exercícios para demonstrar propriedades usando os
casos de congruência de triângulos, solicita-se para primeiramente desenhar a
situação.
O registro discursivo é enfatizado nas apresentações das demonstrações
para fornecer explicações sobre o raciocínio adotado. Há raciocínios que são
realizados inteiramente em registro discursivo. Um exemplo é a demonstração de
propriedade de reta tangente, conforme anexo 12.
Nas apresentações das demonstrações, observamos a utilização do
registro matemático, seguindo um esquema, exemplificado nas demonstrações de
propriedades de paralelogramo, conforme anexo 8. As passagens da
demonstração são apresentadas em linguagem matemática, simbolicamente,
seguidas de explicações discursivas. O registro matemático também é utilizado
74
nos cálculos algébricos de muitas demonstrações, que é um tipo de tratamento
dentro do registro.
Não encontramos na coleção atividades que favorecessem a conversão de
registros mobilizados em uma demonstração, como recomenda Duval (1993).
As demonstrações que utilizam o registro discursivo concentram-se na
sétima série e as que utilizam o registro matemático concentram-se na oitava
série. Isso mostra que há uma diferença de uso dos registros no decorrer das
séries, passando do discursivo para o matemático. Isso sinaliza para uma
preocupação dos autores em aumentar a formalização ao longo das séries do
Ensino Fundamental, que é uma das recomendações de Almouloud (2000).
Na série de exercícios solicitando para validar teoremas sobre
quadriláteros e seus recíprocos, conforme anexo 10, são envolvidas
interpretações de definições. Por exemplo os exercícios 83 e C82 versam sobre
definições de paralelogramo. Por meio desses exercícios para validar
dedutivamente, chega-se a três diferentes definições:
a) Paralelogramo é um quadrilátero que tem os lados opostos paralelos;
b) Paralelogramo é um quadrilátero que tem ângulos opostos congruentes;
c) Paralelogramo é um quadrilátero que possui diagonais que cortam-se
ao meio.
Essa apresentação de diferentes definições de um mesmo ente geométrico
é um exemplo de tratamento num registro de representação semiótica. Mas, esse
tratamento não é explorado para que o aluno perceba que pode-se construir
sistemas axiomáticos diferentes a partir de cada definição.
75
CAPÍTULO 6
ANÁLISE DAS COLEÇÕES DE LIVROS DIDÁTICOS DO INÍCIO DA DÉCADA
DE 2000
O ensino da Matemática na década de 2000 foi influenciado pela Didática
da Matemática e, no Brasil, pela adoção dos Parâmetros Curriculares Nacionais -
PCN (1998) e pela implantação do Programa Nacional do Livro Didático - PNLD
para todo o Ensino Fundamental, em 1995.
Coleções de livros didáticos analisados desse período:
1. ANDRINI, Álvaro; VASCONCELLOS, Maria José. Novo Praticando
Matemática – 5a. a 8a. séries. São Paulo: Editora do Brasil, 2002;
2. TOSATTO, Cláudia Miriam; PERACCHI, Edilaine Pilar F;
ESTEPHAN, Violeta M. Idéias e Relações - 5a. a 8a. séries. Curitiba:
Nova Didática, 2002;
3. DANTE, Luiz Roberto. Tudo é Matemática.- 5a. a 8a. séries. São
Paulo: Ática, 2002.
6. 1 Análise da coleção:
Novo Praticando Matemática – 5 ª a 8ª séries
Autores: ANDRINI, A; VASCONCELLOS, M. J.
Editora do Brasil
2002
Análise das categorias:
Categoria 1 : Nas validações geométricas das coleções dos livros analisados,
como ocorre a articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria
Proto-axiomática?
Nessa coleção a Geometria é abordada nos livros intercalada com outros
ramos da Matemática, porém não constatamos integração entre eles.
A primeira propriedade geométrica estudada na coleção é a congruência
de ângulos opostos pelo vértice, na sexta série. Para estudar essa propriedade é
76
solicitado ao aluno para verificá-la empiricamente, por meio de medição com
transferidor. Então, questiona-se se a propriedade vale para todos os ângulos
opostos pelo vértice. Parte da resposta apresentada é:
É fácil mostrar que sim. Traçamos duas retas que se interceptam no ponto
O . Como queremos mostrar uma propriedade de forma geral, usaremos
letras para representar as medidas dos ângulos [...] (ANDRINI,
VASCONCELLOS, 2002, 6a. série, p. 215).
E a propriedades é demonstrada.
Em seguida, a propriedade sobre a soma das medidas dos ângulos
internos do triângulo é verificada empiricamente, por medição com transferidor e
por atividade com recorte. Para essa observação experimental utiliza-se o termo
“observe” que é adequado para esse tipo de atividade. Essa propriedade não é
demonstrada nesta série.
Em seguida, na conclusão da demonstração apresentada sobre a soma
das medidas dos ângulos internos de um quadrilátero, um comentário:
Como ABCD é um quadrilátero qualquer, mostramos que...
(ANDRINI, VASCONCELLOS, 2002, 6a. série, p. 224)
Analisando a abordagem dessas primeiras três propriedades geométricas
estudadas na coleção, constatamos a entrada em G2-Geometria Proto-axiomática
com a demonstração da primeira. Porém, a segunda propriedade é abordada
empiricamente, retornando a G1-Geometria Spatio-gráfica e a terceira é
demonstrada novamente. As explicações que acompanharam essas primeiras
deduções versam sobre generalização com uso de letras. Nesse momento não é
explicada a necessidade da demonstração para validar uma propriedade
geométrica, nem são diferenciadas validações empíricas de dedutivas.
Na sétima série, as propriedades geométricas são abordadas em duas
unidades: unidade oito – Ângulos e polígonos e unidade nove - Circunferência e
círculo.
77
Na unidade oito, as propriedades de ângulos formados por duas retas
paralelas e por transversal são observadas empiricamente, para o que se usam
termos adequados: observemos, vamos investigar, descobrimos que.
Na mesma unidade, há a apresentação de demonstração de uma
propriedade de paralelogramo, utilizando a propriedade de ângulos alternos e
internos e ângulos correspondentes. Depois há um exercício interessante para os
alunos descubrirem a relação entre os ângulos consecutivos de um trapézio,
usando dedução.
A propriedade da soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo
é retomada. Primeiramente, utiliza-se uma observação empírica por recorte.
Então, há uma explicação:
Acompanhe outra forma de mostrar essa propriedade. (ANDRINI,
VASCONCELLOS, 2002, 7ª série, p. 167).
Essa explicação pode induzir o aluno a pensar que a atividade com recorte,
experimental, é uma das maneiras de mostrar, porém trata-se de uma verificação
empírica, de uma constatação. A propriedade é demonstrada e segue um
questionamento:
Você percebeu? Para mostrar uma nova propriedade usamos
propriedades descobertas anteriormente [...] Agora que essa
propriedade é conhecida, pode ser aplicada para descobrir outras
assim por diante! (ANDRINI, VASCONCELLOS, 2002, 7ª série, p.
167).
Neste momento é explicado em que consiste uma demonstração. Porém,
não se ressalta a sua importância como a validação aceita em Matemática nem
se diferencia observação experimental de demonstração.
Nas páginas seguintes, a propriedade de ângulos dos triângulos isósceles
e equilátero são deduzidas por simetria, uma dedução não algébrica, de fácil
entendimento.
78
Ao estudar as propriedades de um polígono regular, a soma das medidas
dos ângulos internos e a medida do ângulo interno são generalizadas a partir de
observações de vários casos, empiricamente.
Nos exercícios finais da unidade oito, um deles leva o aluno a apresentar
um contra-exemplo para mostrar que uma propriedade é falsa. Porém, essa lógica
não é explicada, o que pode induzir o aluno a pensar, erroneamente, que esse
raciocínio pode ser usado para provar que uma propriedade é verdadeira, ou seja,
que bastaria apresentar um exemplo para concluir que uma proposição vale
sempre.
Na unidade nove - Circunferência e Círculo - são apresentados e definidos
os vários elementos referentes a estes entes geométricos. Aborda-se a
construção de triângulos a partir de circunferências e aí estuda-se a condição de
existência do triângulo. O fato de o ponto de encontro das mediatrizes das cordas
coincidir com o centro da circunferência é estudado por meio de atividade com
dobradura. Nesses dois casos, a validação das propriedades é empírica, o que
caracteriza trabalhar em G1, Geometria Spatio-gráfica.
A relação entre o ângulo inscrito e o ângulo central correspondente a ele,
numa mesma circunferência, é abordada primeiramente por medição com
transferidor, a partir de uma situação real, desenhada e com o seguinte texto
inicial:
Paula e Cláudio estão em pontos distintos dessa praça circular,
observando o mesmo jardim [...] (ANDRINI, VASCONCELLOS,
2002, 7ª série, p. 199).
Apresenta-se, então, o modelo matemático e solicita-se, conforme anexo
13, que o aluno observe a relação com utilização de medição com transferidor
para os três casos possíveis de posicionamento dos ângulos central e inscrito e
compare seus resultados com os colegas.
Aí vêm explicações importantes e adequadas sobre demonstração:
Exercite sua capacidade dedutiva!
Muitas vezes você afirma algo e ouve a resposta: Prove!
79
Em Matemática, provamos afirmações usando fatos pro vados
anteriormente, numa cadeia lógica.
A propriedade que acabamos de ver pode ser provada. Você e
seus colegas farão essa prova para o caso mais simples, em que
um dos lados do ângulo inscrito passa pelo centro da
circunferência.
Observem a figura. Medindo os ângulos, percebemos que x=2y. No
entanto, vocês podem provar isso! As questões a seguir podem
ajudá-lo nesta tarefa.
[...]
4. Trabalhem em grupo e provem que x=2y. (ANDRINI,
VASCONCELLOS, 2002, 7ª série, p. 200, grifo nosso).
O estudo dessa propriedade parte do empírico, com medições e
comparação com colegas. Depois, explica-se o que é provar em Matemática e
solicita-se aos alunos que provem o caso mais simples em grupo. Observamos
que as demonstrações dos outros dois casos de posicionamento dos ângulos
inscrito e central, testados empiricamente, não são estudadas. As explicações
sobre a utilização de fatos provados anteriormente numa prova matemática
deveriam ter sido fornecidas anteriormente, na sexta série, quando ocorre a
entrada de G2-Geometria Proto-axiomática na coleção. De lá até aqui, fim da
sétima série, não havia sido explicada a importância de demonstrar em
Matemática.
Então, ora uma propriedade era validada empiricamente, trabalhando em
G1-Geometria Spatio-gráfica, ora outra propriedade era validada dedutivamente,
trabalhando em G2-Geometria Proto-axiomática, sem a consciência dos alunos
da diferença entre elas e da importância das demonstrações em Matemática.
No manual do professor da sétima, em comentários da unidade oito,
releva-se a importância das verificações empíricas:
É interessante que no estudo desta Unidade o aluno use
freqüentemente régua e transferidor. Por meio de situações que
envolvam construção, desenho, medição, comparação, pretende-se
facilitar intuições, permitir a descoberta de relaç ões , melhorar o
uso de instrumentos de medição e de desenho. (ANDRINI,
80
VASCONCELLOS, 2002, 7ª série, Manual do professor, p. 32, grifo
nosso).
Na oitava série, as propriedades geométricas são estudadas nas unidades
cinco, seis e oito.
Na unidade 5, Congruência e semelhança de triângulos, os quatro casos
de congruência de triângulos são apresentados por verificação empírica, por
construções e comparação com os colegas. Como aplicação dos casos de
congruência de triângulos apresenta-se apenas uma demonstração de
propriedade de retângulo. E os exercícios são apenas de aplicação.
No manual do professor referente aos comentários sobre essa unidade, há
uma explicação sobre o por que de não apresentar mais aplicações dos casos de
congruência de triângulos para demonstrar propriedades geométricas:
O professor pode, ainda, utilizar congruência de triângulos para
demonstrar propriedades geométricas. No entanto, lembramos que
muitas delas podem ser descobertas de modo mais fácil e intuitivo
por outros métodos: a simetria, por exemplo. No losango, como as
diagonais são eixos de simetria, fica fácil constatar que elas são
perpendiculares e se cortam no ponto médio. Observando o eixo de
simetria do triângulo isósceles, podemos descobrir que a altura e a
mediana, relativas à base, e a bissetriz do ângulo do vértice
coincidem. (ANDRINI, VASCONCELLOS, 2002, 8ª série, Manual do
Professor, p. 29).
Observamos que foi usado o termo descobrir propriedades e não
demonstrar ou mostrar e que essas descobertas mais fáceis sugeridas no manual
do professor não são incorporadas no livro do aluno. Os alunos estudam poucas
propriedades de triângulos e quadriláteros.
Dois casos de semelhança de triângulos são estudados empiricamente, por
construções.
As demonstrações do teorema fundamental de semelhança de triângulos e
do teorema de Tales, veja anexo 14, são apresentadas aos alunos utilizando
lógica simples e clara, aplicando os casos de semelhança de triângulos. Mas não
81
há envolvimento dos alunos nessas demonstrações; os exercícios são apenas de
aplicação.
A unidade seis, Relações métricas no triângulo retângulo, inicia-se com o
estudo do Teorema de Pitágoras. Relata-se a história dos povos antigos que já
utilizavam o teorema e é solicitado aos alunos realizarem verificação empírica, por
medições e por equivalência de áreas. Solicita-se ainda que verifiquem que a
relação não vale em triângulos acutângulos e obtusângulos. Então, um diálogo
questiona a verificação empírica e a importância da necessidade de provar:
Examinamos somente três triângulos. Essa relação vale para todo
triângulo retângulo?
Há muitas formas de provar que sim. Você vai acompanhar uma
delas! (ANDRINI, VASCONCELLOS, 2002, 8ª série, p. 165).
Essa explicação da limitação da verificação empírica e da importância de
demonstrar para que a propriedade seja verdadeira para todos os casos também
é tardia: deveria ser fornecida quando foram estudadas as primeiras validações
dedutivas.
Apresenta-se uma demonstração geométrica do teorema, de fácil
entendimento, e uma explicação histórica sobre Pitágoras e seus seguidores,
como os primeiros a provarem o teorema.
Aplicando o teorema de Pitágoras, são apresentadas duas demonstrações
de propriedades, uma referente à diagonal do quadrado e outra à altura do
triângulo equilátero.
Apresentam-se as demonstrações das relações métricas num triângulo
retângulo. E novamente se demonstra o teorema de Pitágoras como aplicação
dessas relações.
Na unidade oito, trigonometria no triângulo retângulo, as relações seno,
cosseno e tangente são verificadas empiricamente.
Constatamos que, na coleção como um todo algumas propriedades
geométricas são validadas empiricamente e outras dedutivamente, havendo
assim articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria Proto-
axiomática. As explicações sobre demonstração, sobre sua importância em
Matemática e diferenciação entre observação empírica e dedução são tardias, ou
82
seja, não ocorrem na entrada em G2-Geometria Proto-axiomática. Observamos
ainda que algumas dessas explicações são inadequadas. E a coleção não
apresenta técnicas ou lógicas empregadas em uma demonstração.
A lógica apresentada nas demonstrações é simples e de fácil
entendimento para o aluno. Porém, as demonstrações, em sua grande maioria
são apresentadas sem envolvimento dos alunos. Observamos também que as
propriedades de quadriláteros e as relações na circunferência estudadas são
poucas em relação ao que é ensinado normalmente numa coleção desse nível de
ensino.
Todas essa observações concordam com a proposta dos autores, citada no
Manual do Professor da sétima série, de “abordagem leve” do raciocínio dedutivo.
Categoria 2: Analisando os exercícios propostos, que enfoque para a apreensão
das propriedades geométricas predomina na coleção de livros didáticos
analisada?
Apresentamos o resultado da análise inicial dos exercícios referentes ao
estudo das propriedades geométricas da coleção e à distribuição nos enfoques,
seguindo o estudo da Organização Praxeológica:
Total de propriedades geométricas estudadas na coleção: 35.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque empírico: 16.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque dedutivista: 13.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque heurístico: 0.
Propriedades tratadas sob enfoques empírico e dedutivista (denotamos por
enfoque empírico-dedutivista) : 3.
Propriedades tratadas sob enfoques empírico e heurístico (denotamos por
enfoque empírico-heurístico) : 3.
Ao observar os exercícios solicitados para os alunos para apreensão das
propriedades geométricas, constatamos que, na sétima série, o predomínio é de
verificações empíricas. No item “Posições relativas de uma reta e uma
circunferência”, um exemplo:
Uma propriedade:
Traçamos uma circunferência e uma reta t tangente a ela.
83
O raio cuja extremidade é o ponto de tangência P, é perpendicular
à reta t.
Verifique usando esquadro e transferidor! (ANDRINI,
VASCONCELLOS, 2002, 7a. série, p. 186).
Na oitava série, um predomínio de exercícios de aplicação das
propriedades geométricas, cujas demonstrações foram apresentadas ao aluno.
Esse tipo de exercícios caracteriza o enfoque dedutivista, explicado no estudo da
Organização Praxeológica, no capítulo quatro. Notamos que na maioria desses
exercícios de aplicação há conexão com a álgebra. No item “Relações métricas
nos triângulos retângulos”, exemplos dos exercícios de aplicação, conforme
anexo 15.
Observamos que os exercícios solicitados de demonstração –
característica do enfoque heurístico – são solicitados raramente. Porém, um
aspecto positivo da coleção nos exercícios para demonstrar, como em várias
verificações empíricas, estimulam-se os alunos a trabalhar e discutir em grupo. A
seguir alguns exemplos:
Leia as questões, troque idéias e depois responda oralmente...
3. Forme dupla com um colega , pois agora é com vocês. O
quadrilátero ao lado é um trapézio. Possui dois lados paralelos.
Descubram a relação [...] (ANDRINI, VASCONCELLOS, 2002, 7ª
série, p. 165, grifos nossos).
Observem a figura. Medindo os ângulos, percebemos que x=2y. No
entanto, vocês podem provar isso! As questões a seguir podem
ajudá-lo nesta tarefa
[...]
4. Trabalhem em grupo e provem que x=2y. (ANDRINI,
VASCONCELLOS, 2002, 7ª série, pg. 200, grifo nosso).
Como na sétima série são estudadas mais propriedades geométricas do
que na oitava série, constatamos o predomínio de exercícios de verificação
empírica para a coleção como um todo.
84
Categoria 3: Nas coleções de livros analisadas, como é considerada a
articulação dos diferentes registros de representação semiótica mobilizados em
uma demonstração geométrica: o registro discursivo, o das figuras e o
matemático?
Das vinte demonstrações de propriedades geométricas estudadas,
apresentadas ou solicitadas em exercícios com encaminhamentos de solução,
constatamos que em dez demonstrações foram mobilizados os três registros de
representação semiótica, o discursivo, o figural e o algébrico. E, em dez
demonstrações, foram utilizados os registros figural e algébrico.
Observamos que é significativo o número de demonstrações que mobilizam
os três registros. Como exemplo, a demonstração da relação entre ângulo central
e inscrito, conforme anexo 13 e do teorema de Tales, anexo 14.
Observamos também que, em várias demonstrações de propriedades
geométricas da coleção, são mobilizados os registros algébrico e figural. Como
exemplo, a demonstração da soma dos ângulos internos de um triângulo,
conforme anexo 16.
Como foi citado na análise da categoria anterior, nas poucas solicitações
para demonstrar, estimula-se o aluno a trabalhar e discutir em grupo, antes de
registrar a demonstração. Nesses casos, o registro envolvido é o discursivo, com
uso de linguagem natural. Exemplo:
Leia as questões, troque idéias e depois responda oralmente [...]
3. Forme dupla com um colega, pois agora é com vocês. O
quadrilátero ao lado é um trapézio. Possui dois lados paralelos.
Descubram a relação [...] (ANDRINI, VASCONCELLOS, 2002, 7ª
série, p. 165, grifo nosso)
[...]
4. Trabalhem em grupo e provem que x=2y. (ANDRINI,
VASCONCELLOS, 2002, 7ª. série, pg. 200, grifo nosso).
Então, nessa coleção, a utilização do registro discursivo nas
demonstrações geométricas se faz presente nas solicitações para demonstrar em
85
grupo e nas apresentações de algumas demonstrações com o objetivo de torná-
las simples, com lógica clara.
Percebemos a utilização do registro figural em todas as demonstrações
geométricas, como suporte e visualização do raciocínio.
A utilização do registro matemático, no caso dessa coleção, da linguagem
algébrica, está presente em todas as demonstrações estudadas. Porém, de
maneira leve, com apresentação de apenas alguns símbolos para escrever
sentenças matemáticas e nas operações algébricas nas passagens das
demonstrações, conforme se constata nos exemplos citados. Essas operações
algébricas caracterizam um tratamento dentro do registro matemático, como
explica Duval (1993). Não percebemos aumento na utilização do registro
matemático ao longo da coleção, rumo à formalização. Nem encontramos
atividades que favorecessem a conversão de registros mobilizados em uma
demonstração geométrica, como também recomenda Duval (1993).
6.2 Análise da coleção 2:
Idéias e Relações
Autores: TOSATTO, C. M.; PERACCHI, E. P. F. ; ESTEP HAN, V. M.
Editora Nova Didática
2002
Análise das categorias:
Categoria 1 : Nas validações geométricas das coleções dos livros analisados,
como ocorre a articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria
Proto-axiomática?
Nessa coleção o estudo da Geometria é intercalado com as outras partes
da Matemática e constata-se uma integração entre os conteúdos. Por exemplo,
no estudo de razão e proporção, é solicitado tarefas de ampliação e redução de
figuras com o objetivo de relacionar as razões entre as medidas dos desenhos.
A primeira propriedade geométrica estudada na coleção trata-se da soma
das medidas dos ângulos internos dos triângulos, na sexta série. Primeiramente,
86
solicitam-se dos alunos verificações por meio de medições com transferidor.
Então, questiona-se:
d) Será que a soma é sempre a mesma? Vamos investigar, fazendo
desenhos e recortes. (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002,
6ª série, p. 142).
Daí solicita-se ao aluno verificar empiricamente a propriedade por meio de
atividade de recorte. Há também, nesse momento, uma recomendação aos
professores:
É importante verificar esta propriedade com os alunos, usando
diferentes tipos de triângulos, acutângulos, retângulos e
obtusângulos. (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2003, 6ª série,
p. 142).
Nessa série, essa propriedade não é demonstrada.
Por essas duas citações, os alunos são levados a pensar que verificar
empiricamente para vários casos é uma forma de mostrar que a propriedade vale
para todos os casos. Não se explica que essa conclusão demanda uma
demonstração.
Na sexta série são verificadas empiricamente mais algumas propriedades
sobre ângulos e triângulos, permanecendo, portanto em G1-Geometria Spatio-
gráfica.
Na sétima série, no capítulo ângulos, polígonos e espelhos, ocorrem as
primeiras demonstrações de propriedades geométricas, o que caracteriza a
entrada em G2-Geometria Proto-axiomática. São deduções simples, em que é
solicitado o envolvimento do aluno. Nesse momento, não há explicações sobre
Geometria dedutiva.
A condição de existência de um triângulo, o estudo do ortocentro como o
encontro das alturas de um triângulo e a propriedade de as alturas de um
triângulo equilátero serem congruentes são verificados empiricamente, por
construções e medições.
No capítulo “Congruência de triângulos”, os casos de congruência são
verificados por meio de construções, com as seguintes explicações:
87
Você sabe o que é demonstração, em matemática? (TOSATTO,
PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 7ª série, p. 126).
A resposta não aparece no livro do aluno, mas é respondida para o
professor:
Demonstração é o ato de demonstrar, e demonstrar é provar
utilizando conhecimentos matemáticos, uma proposição.
(TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 7ª série, p. 126).
Com essa resposta não se afirma que a demonstração demanda
conhecimentos anteriores, postulados ou teoremas já demonstrados, numa
seqüência lógica. Nem tampouco se explica a importância de demonstrar em
Matemática ou a diferença entre validação empírica e dedutiva.
Em seguida, explica-se que os casos de congruência de triângulos são
muito usados para demonstrar algumas propriedades de polígonos e pede-se que
o aluno observe a apresentação da demonstração da propriedade das diagonais
do retângulo possuírem a mesma medida. Observamos que, além de não ter sido
explicada nenhuma lógica para demonstrar, a que foi utilizada nesta apresentação
é um tanto confusa, partindo da tese, depois retornando às hipóteses, sem
fornecer explicações do raciocínio desenvolvido.
Em seguida, pede-se aos alunos a demonstração de outras três
propriedades de quadriláteros, usando os casos de congruência de triângulos. Na
apresentação da demonstração da segunda propriedade, há um erro de
encadeamento lógico. Utiliza-se uma propriedade do triângulo isósceles ainda não
estudada.
No capítulo ângulos e retas, os alunos são levados a verificar a
propriedade dos ângulos opostos pelo vértice, empiricamente, por meio de
medições com transferidor. Em seguida, é questionada a validade da propriedade
para todos os casos:
e) Podemos dizer que os ângulos OPV são congruentes?
88
f) Essa conclusão pode ser generalizada algebricamente, ou
seja, podemos provar que os ângulos OPV são sempre
congruentes. (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 7ª série,
p. 128, grifo nosso).
A resposta faz crer que provar algebricamente é sinônimo de mostrar que
uma propriedade vale sempre. Mas há outras formas de mostrar
matematicamente uma propriedade além da prova algébrica, como a
demonstração geométrica, por exemplo.
Começa-se, então, a apresentar a demonstração da propriedade e solicita-
se aos alunos que a completem, fornecendo encaminhamentos.
As propriedades sobre ângulos formados por duas retas paralelas e por
transversal são abordadas empiricamente por meio de medições. Merece
destaque a ausência de definição de “ângulos alternos e internos” e de “ângulos
correspondentes”. As propriedades verificadas são as seguintes: “todos os
ângulos agudos da figura são congruentes”, “todos os ângulos obtusos da figura
são congruentes” e “a soma de um ângulo agudo com um ângulo obtuso da figura
é 180 graus”.
Em meio a essas verificações, um comentário para o aluno:
Use o transferidor para conferir! Mas lembre-se, os instrumentos de
medida podem não ser muito precisos. (TOSATTO, PERACCHI,
ESTEPHAN, 2002, 7ª série, p. 128).
Nesse comentário, ressalta-se a uma limitação das medições. Porém, não
se explica a limitação maior: as medições são verificação de casos particulares,
que requerem demonstração para validar uma propriedade para todos os casos.
Uma propriedade dos ângulos de um paralelogramo é verificada
empiricamente. Em seguida, há solicitação aos alunos para demonstrar duas
propriedades aplicando as relações entre os ângulos formados por duas paralelas
e por transversal. Observamos que, nessas solicitações, são utilizados os termos
demonstrar algebricamente. Uma das propriedades é a soma das medidas dos
ângulos internos de um triângulo. Observamos nas respostas fornecidas ao
professor que nessas demonstrações é utilizada a propriedade sobre “ângulos
89
alternos e internos”. Mas, como foi mencionado, não houve definição desse tipo
de ângulo na coleção. Os ângulos formados por duas retas paralelas e por
transversal a elas foram definidos de forma não usual, e na apresentação dessa
demonstração ao professor, faz-se uma referência equivocada.
No último exercício, algumas recomendações ao aluno:
[...] Reúna-se com um colega e registre a demonstração no
caderno.
[...]
Agora, compare a demonstração que vocês fizeram com as de
outras duplas. Registre no caderno uma demonstração diferente da
sua. (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 7ª série, p. 133).
Essa atividade de comparar demonstrações realizadas pelos alunos leva
ao entendimento da possibilidade da existência de vários encadeamentos lógicos
possíveis para demonstrar o mesmo teorema.
Concluímos que a entrada em G2-Geometria Proto-axiomática nesta
coleção ocorre na sétima série. Nesse momento, as explicações sobre
verificações empíricas e demonstração são equivocadas e constatamos falhas de
encadeamento lógico. A maioria das propriedades estudadas nesta série são
trabalhadas dedutivamente, em G2-Geometria Proto-axiomática e os alunos
sempre são envolvidos nelas, porém os encaminhamentos dos exercícios
também não são muito claros.
Na 8ª série, o teorema de Tales, conforme anexo 17, é estudado
empiricamente, por meio de medições com régua. Em seguida, um
questionamento ao aluno:
c) Essas razões de proporção entre os segmentos valem sempre?
Valem para quaisquer números? Valem se um dos segmentos
medir raiz de 2? Analise a figura a seguir e converse sobre essas
questões com seu professor e colegas. (TOSATTO, PERACCHI,
ESTEPHAN, 2002, 8ª série, p. 40).
A resposta fornecida ao professor é:
90
Sugira aos alunos que encontrem, na calculadora, o valor
aproximado da raiz quadrada de 2 e verifiquem se há
proporcionalidade entre os segmentos cujas medidas foram
indicadas. (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 8ª série, p.
40).
Assim, o aluno é levado a testar vários casos para concluir que uma
propriedade é geral. E o teorema de Tales nem é demonstrado nesta coleção.
Dois casos de semelhança de triângulos também são verificados
empiricamente.
Utilizando os casos de semelhança de triângulos, ao aluno é solicitada a
participação nas demonstrações do teorema fundamental de semelhança e nas
relações métricas no triângulo retângulo.
Depois, volta-se às verificações empíricas para estudar seis propriedades
dos pontos notáveis do triângulo.
O teorema de Pitágoras é verificado empiricamente, comparando áreas por
meio de atividades de recorte de quebra-cabeça. Então se questiona:
e) Podemos afirmar que a² = b² + c² em todo triângulo retângulo?
Justifique. (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 8ª série, p.
67).
A resposta fornecida ao professor é:
Sim, pois podemos desenhar os quebra-cabeças em diferentes
escalas, obtendo triângulos retângulos de diferentes medidas.
(TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 8ª série, p. 67).
Essa resposta mais uma vez evidencia que a coleção utiliza verificações
empíricas para validar uma propriedade de forma geral. E seguem os
comentários:
Nos quebra-cabeças montados anteriormente, é possível que você
tenha concluído, de forma intuitiva , que, em triângulo retângulo, o
quadrado construído a partir da medida da hipotenusa possui área
91
igual à soma das áreas dos quadrados construídos a partir das
medidas dos catetos.
Você já sabe também que Pitágoras foi um matemático e filósofo
grego que estudou os triângulos retângulos. A ele é atribuído o
enunciado de um teorema que afirma exatamente o que você
comprovou de forma intuitiva . (TOSATTO, PERACCHI,
ESTEPHAN, 2002, 8ª série, p. 68, grifo nosso).
Observamos que os termos concluir e comprovar são usados para
conjecturar propriedades de forma intuitiva. E há mais explicações:
Porém, em matemática, para uma afirmação ser chamada de
teorema, é preciso demonstrá-la, ou seja, mostrar que ela é
verdadeira. Para isso, são utilizadas propriedades matemáticas já
comprovadas anteriormente por outros matemáticos. Você verá
algumas demonstrações do Teorema de Pitágoras nas atividades a
seguir. [...] (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 8ª série, p.
68).
Essa explicação sobre a importância de demonstrar para mostrar que uma
afirmação é verdadeira é tardia e contraditória com o que foi explicado
anteriormente. Pois, até este momento da coleção, várias vezes foi afirmado que
para que uma propriedade valha para todos os casos, basta testá-la
empiricamente em muitos casos. Também foi explicado que se pode concluir,
comprovar uma propriedade intuitivamente. Portanto, a diferença entre
observação empírica e demonstração não é mostrada de uma maneira clara e
contundente aos alunos nesta coleção.
Em seguida, estudam-se as demonstrações do teorema de Pitágoras, duas
geométricas e uma baseada nas relações métricas num triângulo retângulo. Nas
três demonstrações é solicitado ao aluno descrevê-las, usando a linguagem
algébrica.
A partir do teorema de Pitágoras, pede-se ao aluno a dedução da medida
da diagonal do quadrado.
92
No capítulo “poliedros”, estuda-se empiricamente a relação de Euler e
então solicita-se para mostrar algebricamente que ela vale para todos os prismas
e todas as pirâmides.
No capítulo Trigonometria, as relações seno, cosseno e tangente são
verificadas por medições e, em seguida, os alunos são encaminhados a mostrar
que as relações valem para todos os casos, por simetria de triângulos. Ainda
nesse capítulo, solicita-se ao aluno deduzir a relação da área do hexágono em
função de seu lado e a relação entre o apótema e o lado do hexágono, utilizando-
se das relações trigonométricas.
Na oitava série observamos que as propriedades geométricas foram
validadas ora em G1-Geometria Spatio-gráfica, empiricamente, ora em G2-
Geometria Proto-axiomática, dedutivamente. Como na sétima série, na entrada de
G2-Geometria Proto-axiomática não há explicações sobre como demonstrar e não
foi explicada a diferença da validação empírica e demonstração. Como foi
mencionado, o aluno foi confundido ao ser relevado que as verificações empíricas
comprovam, concluem uma propriedade.
Na coleção como um todo, observamos que não há preocupação em
formalizar definições nem em demonstrar todas as propriedades estudadas,
muitas das quais são verificadas apenas empiricamente. Constatamos também
falhas no encadeamento lógico, como mencionamos.
Constatamos que sempre há o envolvimento do aluno, tanto nas
verificações empíricas como nas demonstrações. Mas, pelas explicações
equivocadas, pelos problemas de encadeamento lógico, acreditamos que o aluno
sinta dificuldades em realizar uma demonstração.
Categoria 2 : Analisando os exercícios propostos, que enfoque para a apreensão
das propriedades geométricas predomina na coleção de livros didáticos
analisada?
Apresentamos o resultado da análise inicial dos exercícios referentes ao
estudo das propriedades geométricas da coleção e à distribuição nos enfoques,
seguindo o estudo da Organização Praxeológica:
Total de propriedades geométricas estudadas na coleção: 48.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque empírico: 22.
93
Propriedades tratadas apenas sob enfoque dedutivista: 1.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque heurístico: 18.
Propriedades tratadas sob enfoques empírico e dedutivista (denotamos por
enfoque empírico-dedutivista) : 0.
Propriedades tratadas sob enfoques empírico e heurístico (denotamos por
enfoque empírico-heurístico) : 7.
É característica da coleção tentar envolver os alunos no estudo das
propriedades geométricas por meio de solicitação de exercícios.
Conforme foi mencionado na análise da primeira categoria, na coleção
como um todo, os estudos empíricos são intercalados com demonstrações das
propriedades geométricas. E, nos dois tipos de validação, os alunos são
envolvidos por meio de exercícios e encaminhamentos para concluir as
propriedades.
Citamos como exemplo de exercícios para estudo empírico de propriedade
geométrica o estudo do Teorema de Tales, conforme anexo 17.
Como exemplos de exercícios para estudo dedutivo de propriedades
geométricas, citamos o estudo da soma dos ângulos internos de um triângulo e da
soma dos ângulos internos de um paralelogramo, conforme anexo 18, exercícios
11 e 14.
Observamos que nesses e em outros exercícios para demonstrar
propriedades pede-se o trabalho em grupo, em que é incentivada a discussão
com colegas e professor:
11. Como podemos demonstrar algebricamente que a soma dos
ângulos internos de um triângulo é 180°? Converse com seu
professor e colegas sobre isso . Depois, registre a demonstração
em seu caderno.
[...]
14. Como podemos demonstrar algebricamente que a soma dos
ângulos internos de um paralelogramo é 360°? Reúna-se com um
colega e registre a demonstração no caderno.
[...]
Agora, compare a demonstração que vocês fizeram com a de
outras duplas . Registre no caderno uma demonstração diferente
94
da sua (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 7ª série, p. 133,
grifos nossos)
Concluímos que há um equilíbrio entre os enfoques empírico e heurístico
para os estudo das propriedades geométricas da coleção. Ressaltamos que isso
não significa que a mesma propriedade foi primeiro verificada empiricamente e
depois heuristicamente, isso a enquadraria no enfoque empírico-heurístico, que
tem presença insignificante na coleção. A maioria das propriedades geométricas
dessa coleção são apenas verificadas empiricamente ou apenas heuristicamente.
Categoria 3 : Nas coleções de livros analisadas, como é considerada a articulação
dos diferentes registros de representação semiótica mobilizados em uma
demonstração geométrica: o registro discursivo, o das figuras e o matemático?
Das vinte e oito demonstrações de propriedades geométricas estudadas,
apresentadas ou solicitadas em exercícios com encaminhamentos de solução,
constatamos que em onze foram mobilizados os registros figural e algébrico. Em
dez demonstrações foram utilizados os registros figural e discursivo.
Constatamos a preocupação dos autores em recomendar aos professores
o uso do registro discursivo nas demonstrações geométricas em uma solicitação
para que os alunos completassem a demonstração da propriedade sobre ângulos
opostos pelo vértice:
Os alunos podem subtrair as igualdades, igualar os primeiros
membros ou justificar oralmente . (TOSATTO, PERACCHI,
ESTEPHAN, 2002, 7ª série, p. 126, grifo nosso).
Observamos que, na sétima série, os autores relevam a importância da
utilização tanto do registro discursivo como do figural. Um exemplo é outra
recomendação ao professor, ao apresentar uma demonstração baseada nos
casos de congruência de triângulos:
É fundamental que os alunos falem, exponham suas
idéias antes de formalizar o raciocínio por meio da linguagem
95
matemática . Ao falar sobre um assunto, os alunos utilizam o
conhecimento matemático de forma espontânea. Inicialmente, essa
exposição pode parecer truncada, com falhas; porém, a oralidade
permite que se percebam falhas e inadequações no raciocínio e
que se façam revisões praticamente instantâneas. No caso da
demonstração proposta, é importante visualizar com os alunos
quantos e quais são os triângulos congruentes da figura e utilizá-los
para a demonstração. (TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002,
7ª série, p. 126, grifos nossos).
Assim, enfatiza-se o uso do registro discursivo antes da formalização em
linguagem matemática, como recomenda Almouloud (2003).
Como foi citado na categoria anterior, há vários exercícios para
demonstrar em grupo por meio de discussões com colegas e professor, e também
aí é utilizado o registro discursivo, a linguagem natural. Nos exercícios para
demonstrar, também são realizadas perguntas aos alunos no sentido de fornecer
encaminhamentos do raciocínio que, para serem respondidas, utiliza-se a
linguagem natural.
A utilização do registro figural está presente na grande maioria das
demonstrações como suporte ao raciocínio dedutivo.
Observamos que, em vários exercícios para demonstrar, como nos citados
no anexo 18, são utilizados os termos demonstrar algebricamente, que revela a
recomendação da utilização do registro matemático nas demonstrações.
No estudo do teorema de Pitágoras, também é dada ênfase à utilização do
registro matemático, utilizando a linguagem algébrica. Após as apresentações de
duas demonstrações geométricas do teorema pede-se aos alunos:
Descreva essa demonstração do Teorema de Pitágoras, usando a
linguagem algébrica .
[...]
Descreva algebricamente essa demonstração do Teorema de
Pitágoras e escreva o conhecimento matemático utilizado.
(TOSATTO, PERACCHI, ESTEPHAN, 2002, 8ª série, p. 70 e 71,
grifos nossos).
96
Esse tipo de atividade caracteriza uma conversão de registros do figural
para o matemático, que, conforme Duval (1993) contribui no ensino-aprendizagem
das demonstrações geométricas.
Encontramos ainda na coleção um exemplo de tratamento, os cálculos
algébricos dentro do registro matemático.
Na oitava série, são estudadas duas demonstrações algébricas sobre a
validade da relação de Euler para prismas e pirâmides, o que revela também a
utilização do registro matemático na coleção.
Considerando que na sétima série constata-se uma utilização maior dos
registros figural e discursivo e que na oitava série o predomínio é a mobilização
dos registros figural e matemático, podemos afirmar que há um aumento na
utilização do registro matemático nas demonstrações geométricas no decorrer
das séries do Ensino Fundamental, conforme a proposta dos autores.
6. 3 Análise da coleção 3:
Tudo é Matemática – 5 ª a 8ª séries
Autores: DANTE, L. R.
Editora Ática
2002
Análise das categorias:
Categoria 1 : Nas validações geométricas das coleções dos livros analisados,
como ocorre a articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria
Proto-axiomática?
A distribuição do ensino da Geometria nessa coleção é integrada com as
outras partes da Matemática. Por exemplo, na sexta série, no capítulo intitulado
Ângulos, polígonos e circunferências, são também estudados gráficos de setores,
integrando a Geometria com a Estatística.
Na sexta série, são abordadas onze propriedades geométricas. A maioria
delas é estudada empiricamente, com exceção das propriedades sobre ângulos
opostos pelo vértice e sobre a soma dos ângulos internos de um quadrilátero, que
são deduzidas.
97
Nessa série a tendência é levar o aluno a conjecturar, descobrir
propriedades, como no exercício do capítulo sobre formas geométricas:
11 – Investigação
Será que em qualquer pirâmide o número de faces é igual ao
número de vértices? Investigue. (DANTE, 2002, 6ª série, p. 46).
No capítulo intitulado ângulos, polígonos e circunferências, destaca-se o
estudo da propriedade sobre a soma das medidas dos ângulos internos do
triângulo, conforme anexo 19, realizado empiricamente por medição e por
atividade com recorte. Em seguida, os comentários:
É possível constatar concretamente que isso ocorre em qualquer
triângulo que considerarmos: a soma das medidas dos três ângulos
internos é igual a 180°.
Na 7ª série, vamos demonstrar logicamente esses fatos. (DANTE,
2002, 6ª série, p. 180).
E, para o professor, é recomendado:
Explique aos alunos a diferença entre constatar concretamente e
demonstrar que a soma dos três ângulos de qualquer triângulo é
igual a 180°. (DANTE, 2002, 6 ª série, p. 180).
Por essas colocações, nota-se a preocupação em diferenciar observação
empírica de demonstração e o cuidado de utilizar os termos adequados em cada
tipo de validação. Para as validações empíricas, enfatiza-se a utilização dos
termos investigar e constatar concretamente e para as dedutivas, o termo
demonstrar logicamente.
Concluímos que na sexta série, apesar da entrada em G2-Geometria
Proto-axiomática, as validações das propriedades geométricas são,
principalmente, realizadas em G1-Geometria Spatio-gráfica, empiricamente,
sendo recomendado ao professor deixar claro ao aluno que os estudos dedutivos
ocorrerão na série posterior. Isso é ressaltado também no Manual Pedagógico do
Professor, na parte específica do capítulo seis:
98
Constata-se concretamente (não se prova!) uma importante
propriedade dos triângulos: a soma das medidas dos ângulos
internos de qualquer triângulo é 180°. Estimule, no desenvolvimento
da “Oficina de Matemática”, da página 180, cada aluno a recortar os
ângulos de um triângulo e a descobrir essa propriedade. Deixe
claro para o aluno que ele está apenas constatando esse fato e
não o provando. A prova, a demonstração lógica dess a
propriedade, será feita na 7 ª série. (DANTE, 2002, 6ª série,
Manual Pedagógico do Professor, p. 92, grifos nossos).
No início da sétima série, algumas propriedades são verificadas
empiricamente, como a validade da relação de Euler para polígonos convexos e a
medida do ângulo interno de um polígono regular.
Depois, as aplicações dos casos de congruência de triângulos são as
ferramentas para o estudo dedutivo de várias propriedades sobre triângulos e
quadriláteros. Então, observamos que, nesse momento, retomam-se as
validações em G2-Geometria Proto-axiomática na coleção, acompanhada das
explicações:
Você já deve ter percebido que podemos chegar às propriedades
geométricas sem a necessidade de usar medições.
Chamamos a esse método de raciocínio de demonstração.
(DANTE, 2002. 7a. série, p. 144).
Essa explicação leva a pensar que demonstrar é outro meio de chegar às
propriedades geométricas, além das medições. Porém, demonstrar é mais que
isso. A explicação sobre demonstração da sexta série, citada anteriormente, é
mais adequada, em que se releva a importância de demonstrar para garantir que
uma propriedade valha sempre. Ou, como é explicado no Manual Pedagógico do
Professor, sobre o ensino da Geometria na sétima série:
Nos dois primeiros volumes desta coleção trabalhamos a
Geometria Experimental ou Manipulativa, [...] Neste volume, dando
continuidade a esse trabalho, exploramos a representação plana
99
das figuras espaciais com o objetivo de desenvolver no aluno a
habilidade de percepção espacial e de codificação e decodificação
de desenhos. É nesse momento que iniciamos os alunos nas
primeiras e mais simples demonstrações de propriedades
geométricas. Com base em experiências concretas, eles são
levados a compreender a importância e a necessidade de
provar e de demonstrar, para legitimar as hipóteses
levantadas . (DANTE, 2002. 7a. série, Manual Pedagógico do
Professor, p. 68, grifo nosso).
Antes de apresentar a primeira demonstração aplicando os casos de
congruência de triângulos, um comentário:
Para demonstrarmos uma propriedade geométrica, devemos seguir
alguns passos.
Vamos, por exemplo, demonstrar que:
Em todo triângulo isósceles, os ângulos opostos aos lados
congruentes são também congruentes. (DANTE, 2002. 7a. série, p.
144).
Então, no início da demonstração salienta-se o que se sabe, as premissas,
e o que se quer provar, a conclusão. Esse encaminhamento mostra uma
preocupação em ensinar como demonstrar. Porém, nesse momento, apresenta-
se ao aluno apenas um exemplo e não técnicas ou lógicas utilizadas em uma
demonstração. No Manual Pedagógico do Professor, referente ao conteúdo
específico deste capítulo, aparecem explanações mais específicas sobre lógica
empregada em uma demonstração:
Um dos mais importantes objetivos do ensino da matemática é
desenvolver o raciocínio dedutivo do aluno, ou seja, a partir de fatos
já conhecidos e por meio de raciocínio lógico, obter novas
conclusões. Talvez um dos primeiros exemplos de dedução lógica
seja o famoso silogismo de Sócrates:
Todos os homens são mortais. premissas ou hipóteses
Sócrates é homem.
100
Portanto, Sócrates é mortal. conclusão
A partir de duas premissas (ou hipóteses), chegamos à conclusão,
raciocinando logicamente. (DANTE, 2002. 7a. série, Manual
Pedagógico do Professor, p. 82).
As demonstrações de outras propriedades de quadriláteros utilizando os
casos de congruência de triângulos foram solicitadas ao aluno em exercícios. No
primeiro desses exercícios, uma recomendação ao professor:
Nas demonstrações iniciais, é importante a intervenção do
professor até o aluno desenvolver certa prática. (DANTE, 2002. 7a.
série, p. 145).
Essa recomendação também se refere, como Fetissov (1997) afirma, aos
métodos e técnicas sobre demonstração, relevando a importância de praticar as
demonstrações para desenvolver o raciocínio lógico.
Em meio a esses exercícios para demonstrar, apresenta-se ao aluno um
diálogo em uma história em quadrinhos, relevando a limitação do processo
indutivo:
Cena 1: Como alguém pode provar que “não existem dois flocos de
neve iguais”?; Olhe, ... Eu examinei mais de oitocentos mil espécies
e não havia uma única repetição! Cena2: ... Se isso não foi uma
prova, o que é? Cena 3: ... Poderia ser grande coincidência...
(DANTE, 2002. 7a. série, p. 149) .
No final do capítulo, há um texto intitulado “Geometria demonstrativa” para
leitura, conforme anexo 20. O texto aborda o contexto histórico da Geometria
experimental, baseada na tentativa e erro e sobre sua limitação de confiar nas
aparências e nas medidas e da Geometria dedutiva estudada pelos gregos, em
que os fatos geométricos são estabelecidos por raciocínio lógico.
No capítulo intitulado Proporcionalidade em Geometria, são estudados
empiricamente a relação de Tales, a relação seno de um ângulo e o número PI
101
como a relação entre o comprimento e o diâmetro de uma circunferência e o
número de ouro.
No capítulo sobre perímetros, áreas e volumes, o teorema de Pitágoras é
estudado empiricamente, como uma grande descoberta envolvendo áreas.
Primeiramente, os alunos são levados a conjecturar o teorema por cálculo de
áreas, depois por meio de atividade de recorte e comparação de áreas. Então, é
questionado se a relação vale para todos os triângulos retângulos e para outros
tipos de triângulos. Pede-se aos alunos que preencham uma tabela com essas
verificações e daí vem a questão:
60 - O que você pode conjecturar da atividade anterior? (DANTE, 2002. 7a.
série, p. 249).
A resposta fornecida ao professor é:
Parece que a relação de Pitágoras só vale para triângulos
retângulos, ou seja, para aqueles que têm ângulo reto. Comente
com os alunos que na 8ª série eles verão a demonstração da
relação de Pitágoras provando que ela vale para todos os triângulos
retângulos e só para eles. (DANTE, 2002. 7a. série, p. 249).
Essa resposta revela, mais uma vez, a preocupação em explicar a
limitação da verificação empírica e ressaltar a importância da demonstração para
mostrar que uma propriedade vale para todos os casos que satisfaçam as
premissas.
No capítulo intitulado construções geométricas, em meio a algumas
verificações empíricas de propriedades geométricas, encontramos a solicitação
para que os alunos demonstrem uma propriedade de mediatriz, como um desafio,
utilizando mais uma vez os casos de congruência de triângulos.
Concluímos que na sétima série se validam as propriedades geométricas
tanto empiricamente, em G1-Geometria Spatio-gráfica, como dedutivamente, em
G2-Geometria Proto-axiomática. Notamos, como foi citado, que há uma
preocupação constante em deixar claro que as verificações empíricas não valem
102
para generalizar as propriedades para todos os casos e relevar a importância das
demonstrações.
No início da oitava série, há um estudo sobre as transformações
geométricas. É retomado e aprofundado o estudo de translação, rotação e
reflexão e explicado homotetia. Então, o conceito de semelhança de triângulos é
estudado via homotetia.
Os casos de semelhança de triângulos são utilizados nas demonstrações
do teorema de Tales, nas relações métricas no triângulo retângulo, incluindo o
teorema de Pitágoras, e na introdução à trigonometria, ao estudar tangente, seno
e cosseno. A grande maioria dessas demonstrações é solicitada em exercícios
com grande envolvimento dos alunos.
Na retomada do teorema de Pitágoras, que foi abordado empiricamente na
sétima série, é apresentado inicialmente um texto histórico sobre a utilização da
relação pelos estiradores de corda do Antigo Egito. Depois, como exemplo, há
uma verificação de um caso particular por áreas e é explicado que nessa série
será realizada sua demonstração:
Neste capítulo você vai recordar e demonstrar essas e outras
relações métricas válidas para os triângulos retângulos, [...]
(DANTE, 2002, 8a. série, p. 104).
Esse comentário revela que, ainda na oitava série, há cuidado em
diferenciar os tipos de validação.
No estudo das propriedades de circunferências e círculos, o aluno continua
a ser envolvido tanto em verificações empíricas como em suas demonstrações.
Em meio ao estudo dessas propriedades, é solicitado ao aluno provar a recíproca
de um teorema e discutir com colegas o significado do termo:
Discuta com seus colegas sobre o significado da palavra recíproca.
Procurem em um dicionário e escrevam outras propriedades da
Geometria nas quais a recíproca seja verdadeira. (DANTE, 2002,
8a. série, p. 180).
103
Com esse exercício, o aluno é levado a conhecer mais um termo e uma
lógica dos sistemas dedutivos.
Por meio de um exercício empírico, o aluno é levado a descobrir a relação
entre ângulo de segmento e ângulo inscrito do arco interceptado. A relação não é
demonstrada, mas, por meio da apresentação de um diálogo, mais uma vez, é
ressaltado que é necessário provar matematicamente para validar uma
propriedade:
Resolvendo o item b, eu cheguei à seguinte suposição: um ângulo
de segmento e um ângulo inscrito têm medidas iguais quando o
arco correspondente é o mesmo.
Os matemáticos já provaram que isso sempre é verdad e.
(DANTE, 2002, 8a. série, p. 191, grifo nosso).
As relações métricas na circunferência são estudadas dedutivamente. Ao
solicitar ao aluno que demonstre uma delas, um comentário revela a preocupação
e cuidado em ensinar as demonstrações ao longo da coleção:
Agora que você está craque em demonstrações, prove esta relação
entre secantes. [...] (DANTE, 2002, 8a. série, p. 194).
Dessa análise do livro de oitava série, constatamos que as validações das
propriedades geométricas ora são estudadas empiricamente, em G1-Geometria
Spatio-gráfica, ora dedutivamente, em G2-Geometria Proto-axiomática. Como
desde a sexta série, quando a verificação é empírica, é relevada sua limitação,
deixando claro que seria necessária uma demonstração para concluir que a
propriedade é verdadeira em todos os casos.
Retomando a análise da coleção inteira, concluímos que, na sexta série,
ocorre a entrada em G2-Geometria Proto-axiomática, com a apresentação da
primeira demonstração de propriedade geométrica. Mas as validações são
principalmente empíricas, trabalhadas, portanto, em G1-Geometria Spatio-gráfica.
A partir dessa entrada até a oitava série, há explicações sobre demonstração e
diferenças entre observações empíricas e validações dedutivas. É ressaltada a
limitação das observações empíricas como verificação de um caso particular e
104
também são apresentados na sétima série dois casos de falsa evidência da
figura, como recomendam Fetissov (1997) e Arsac (1987), citados no capítulo
quatro. A primeira figura enganosa é apresentada no texto sobre Geometria
demonstrativa no fim do capítulo sobre propriedades geométricas, conforme
anexo 20, alertando para o perigo de confiar nas aparências em casos
particulares. A segunda figura é apresentada na sétima série, após o estudo
empírico do Teorema de Tales, conforme anexo 21.
Observa-se ainda a apresentação de textos históricos sobre a Geometria
dedutiva auxiliando no esclarecimento das diferenças entre validações empíricas
e dedutivas.
Constatamos ao longo da coleção a preocupação em desenvolver nos
alunos lógica, necessária também para realizar uma demonstração. Como foi
citado, é apresentado o silogismo de Sócrates, no Manual Pedagógico do
Professor da sétima série e é solicitado aos alunos um exercício de lógica,
conforme anexo 20, seção Pensar, exercício 2. Na oitava série são apresentados
textos curiosos que envolvem lógica, porém constatamos que essa abordagem
sobre lógica na coleção é leve. O autor não dá ênfase à lógica ou técnicas para
demonstrar uma propriedade geométrica. Então, o aluno é levado a demonstrar,
principalmente, a partir de apresentações de algumas demonstrações, tomadas
como exemplos.
O estudo de algumas propriedades é retomado em séries posteriores, o
que, no Manual Pedagógico do Professor, o autor nomeia de trabalho em espiral,
explicando que retoma alguns conceitos já trabalhados nas séries anteriores,
ampliando-os e aprofundando-os. Dessa forma, algumas propriedades
geométricas são estudadas empiricamente em uma série, e na posterior, são
estudadas dedutivamente. Citando exemplos, temos as propriedades dos ângulos
internos de paralelogramos, da soma dos ângulos internos de um triângulo, o
teorema de Tales e o de Pitágoras.
De maneira geral, a partir da entrada em G2-Geometria Proto-axiomática,
as validações dedutivas são intercaladas por observações empíricas.
Salientamos que, enquanto trabalha em G1-Geometria Spatio-gráfica para validar
propriedades geométricas, desde a sexta série, o aluno é sempre alertado sobre
as limitações do processo indutivo.
105
Concluímos que, da entrada em G2-Geometria Proto-axiomática, na sexta
série até o final do Ensino Fundamental, há um equilíbrio na utilização dos dois
tipos de validação, com muito envolvimento dos alunos por meio de exercícios
para demonstrar e da tomada de consciência das diferenças entre os dois tipos
de validações e da importância da demonstração.
Categoria 2 : Analisando os exercícios propostos, qual o enfoque para apreensão
das propriedades geométricas que predomina na coleção de livros didáticos
analisada?
Apresentamos o resultado da análise inicial dos exercícios referentes ao
estudo das propriedades geométricas da coleção e à distribuição nos enfoques,
seguindo o estudo da Organização Praxeológica:
Total de propriedades geométricas estudadas na coleção: 81.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque empírico: 28.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque dedutivista: 11.
Propriedades tratadas apenas sob enfoque heurístico: 28.
Propriedades tratadas sob enfoques empírico e dedutivista (denotamos por
enfoque empírico-dedutivista) : 6.
Propriedades tratadas sob enfoques empírico e heurístico (denotamos por
enfoque empírico-heurístico) : 5.
Há três propriedades geométricas que não se enquadram nessa
classificação e foram tratadas como exceções. A propriedade sobre os ângulos
opostos pelo vértice é abordada na sexta série dedutivamente e na sétima série é
retomada, primeiro empiricamente e depois dedutivamente. E duas propriedades
foram apenas enunciadas, sem serem estudadas empiricamente ou
demonstradas.
Na coleção inteira, constatamos pelos exercícios referentes ao estudo das
propriedades geométricas que há um grande envolvimento dos alunos tanto nas
verificações empíricas como nas demonstrações, por meio da solicitação de
exercícios.
Desde a sexta série há exercícios de investigação empírica dos entes
geométricos com o objetivo de conjecturar propriedades. Como exemplo, citamos
106
o estudo empírico da propriedade da soma dos ângulos internos na sexta série,
conforme anexo 19.
Para o estudo investigativo empírico das propriedades geométricas, no
Manual Pedagógico do Professor da sétima e da oitava séries, é recomendada a
utilização de software de geometria dinâmica. Na sétima série, há a apresentação
de uma atividade para verificação dos pontos notáveis de um triângulo e, na
oitava série, para verificação do teorema de Tales, seguida de sugestão para que
os alunos construam uma atividade de verificação do Teorema de Pitágoras.
Nos capítulos intitulados Construções geométricas, que constam da quinta,
sexta e sétima séries, os alunos são estimulados a descobrir propriedades por
meio de construções das figuras geométricas com instrumentos de medidas. No
final do capítulo da sétima série, um texto histórico relata a descoberta das
propriedades e das relações entre as figuras geométricas, por meio das
construções geométricas ao longo dos tempos.
A partir da sétima série, quando se inicia o estudo dedutivo das
propriedades geométricas, constatamos vários exercícios solicitando
demonstrações. Como exemplo, citamos exercícios para demonstrar
propriedades de circunferências, conforme anexo 22.
Observamos que algumas deduções foram solicitadas para reflexão em
grupo, numa seção da coleção intitulada Trocando idéias:
Converse com um colega sobre qual das afirmações abaixo é
verdadeira. Copie-a em seu caderno.
• Dois triângulos semelhantes são congruentes.
• Dois triângulos congruentes são semelhantes. (DANTE,
2002. 8ª série, p. 95, grifo nosso).
Converse com um colega sobre esta afirmação: a
proporcionalidade nas medidas do afastamento e da altura é
decorrente da semelhança dos triângulos retângulos. (DANTE,
2002. 8ª série, p. 118, grifo nosso).
107
Essas solicitações para trabalhar em grupo são enquadradas no enfoque
heurístico, revelando a dimensão social que, segundo Balacheff (1987) é fator
motor na descoberta de um raciocínio dedutivo.
Assim, pela análise dos exercícios referentes ao estudo das propriedades
geométricas, concluímos que há um equilíbrio entre o enfoque empírico e o
enfoque heurístico para a coleção. Ressaltamos que esse resultado revela que
algumas propriedades são validadas empiricamente e outras heuristicamente. O
número de propriedades estudadas sob enfoque empírico-heurístico, que seria a
mesma propriedade ser validada tanto empiricamente como heuristicamente, é
insignificante (5).
Categoria 3 : Nas coleções de livros analisadas, como é considerada a articulação
dos diferentes registros de representação semiótica mobilizados em uma
demonstração geométrica: o registro discursivo, o das figuras e o matemático?
Das 51 demonstrações de propriedades geométricas estudadas,
apresentadas ou solicitadas em exercícios com encaminhamentos de solução,
constatamos que, na grande maioria (43), foram mobilizados os três registros de
representação semiótica, o discursivo, o figural e o matemático.
No Manual Pedagógico do Professor da sétima série, parte específica do
capítulo sobre propriedades geométricas, quando ocorrem validações em G2-
Geometria Proto-axiomática é ressaltada a importância de utilizar linguagem
natural nas primeiras demonstrações:
Neste capítulo, iniciamos o aluno no raciocínio dedutivo,
apresentando a ele e estimulando-o a fazer pequenas e simples
demonstrações ou demonstrações lógicas. Isso é feito em uma
linguagem natural, pouco formal. Não se trata de apresentar a
Geometria axiomaticamente com uma série de teoremas
encadeados, como era feito no passado, a partir de Euclides. Já se
constatou que, em geral, alunos de 7a. e 8a. séries não têm
maturidade cognitiva para compreender esse enfoque. O que
fazemos neste capítulo são deduções ou demonstrações locais: a
partir de alguns fatos considerados já conhecidos, obtemos outros,
por meio de raciocínio (ou dedução) lógico. Mesmo com esse
108
enfoque mais solto, menos rígido e menos rigoroso , muitos
alunos ainda terão dificuldades em fazer as deduções
corretamente. Não se preocupe; estimule-os a justificar e a
argumentar logicamente mesmo com imperfeições, pois
estamos iniciando este processo . O raciocínio dedutivo será
retomado e aperfeiçoado na série seguinte. (DANTE, 2002. 7ª série,
Manual Pedagógico do Professor, p. 83, grifos nossos).
Também foi estimulada a utilização do registro discursivo nos exercícios
para deduzir em grupos, com discussão entre os colegas.
O registro figural é utilizado na grande maioria das demonstrações
geométricas da coleção como suporte ao raciocínio dedutivo.
Concluímos que, até a oitava série, a linguagem natural, referente ao
registro discursivo, é ainda utilizada nas demonstrações geométricas, juntamente
com a figural e a algébrica.
Destacamos que a linguagem matemática é utilizada na maioria das
demonstrações, porém minimamente, restringindo-se a apenas alguns símbolos
que são apresentados em sentenças matemáticas explicadas em linguagem
natural. Citamos como exemplos as respostas fornecidas ao professor sobre os
exercícios para demonstrar contidos no anexo 22. Os cálculos algébricos
envolvidos nas demonstrações revelam o único tratamento identificado na
coleção, e refere-se ao registro matemático.
Não observamos um aumento na utilização da linguagem matemática nas
demonstrações no decorrer das séries do Ensino Fundamental.
Assim, com a ênfase nos registros discursivo, conforme a intenção do autor
citada acima, a Geometria dedutiva apresenta um enfoque menos rígido e menos
rigoroso.
109
CONCLUSÕES
O objetivo do nosso trabalho é estudar o ensino da Geometria dedutiva em
livros didáticos referentes ao 3o. e 4o.ciclos do Ensino Fundamental mais
utilizados em escolas públicas do Estado de São Paulo. O período de análise
escolhido foi desde a década de 1990 até os dias atuais, dando continuidade a
trabalhos que realizaram esse tipo de pesquisa em épocas anteriores da
Educação Matemática brasileira.
Chervel (1990) define o termo ”vulgata escolar” associando-o ao fato de
que, em determinada época, o ensino dispensado pelos professores é o mesmo
para a mesma disciplina e para o mesmo nível e quase todos os manuais dizem a
mesma coisa. E que uma vulgata se estabelece após mudanças importantes na
história da educação. Na década de 1990 identifica-se no Brasil uma mudança
significativa, a implantação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em
1995, em que os livros didáticos começam a ser avaliados e distribuídos pelo
governo para todas as séries do Ensino Fundamental. Então, em nosso trabalho
analisamos as coleções de livros didáticas do início dos anos 1990 e do início dos
anos 2000, períodos, respectivamente, anterior e posterior a essa implantação, no
intuito de investigar como a Geometria dedutiva se apresenta, procurando uma
tendência de abordagem.
Para responder às questões de pesquisa sobre como, em cada época, as
coleções de livros didáticos acompanharam as discussões da Didática da
Matemática sobre o ensino-aprendizagem da Geometria dedutiva e, ainda,
comparar essa apropriação nas duas épocas, apresentamos os resultados de
nossa análise das coleções por categoria. Para obter maior fluidez das
informações, as coleções de livros foram referenciadas pelo nome do primeiro
autor e os períodos foram chamados de anos 1990 (primeiro período) e anos
2000 (segundo período).
A categoria um de análise dos livros baseia-se na classificação das
Geometrias proposta por Parsysz (2000), que considera os objetos em jogo,
físicos ou teóricos e os modos de validações, perceptivo ou dedutivo.
Observamos como, em cada coleção de livros didáticos, são validadas as
propriedades geométricas: em G1-Geometria Spatio-gráfica, empiricamente, e em
G2-Geometria Proto-axiomática, dedutivamente, e como ocorre essa articulação.
110
Nas coleções de 1990 observamos que o estudo da Geometria é
concentrado num único capítulo, não havendo integração com as outras partes da
Matemática. Nas coleções de Giovanni e de Iezzi esse estudo é realizado no final
do livro.
Nas três coleções dos anos 1990, observamos que houve um predomínio
de validações dedutivas, portanto, em G2-Geometria Proto-axiomática.
Constatamos, para as três coleções que as verificações empíricas são
raras, não havendo articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-
Geometria Proto-axiomática.
É característica das coleções analisadas seguir um esquema dedutivo para
estudar as propriedades geométricas. As coleções de Giovanni e de Iezzi
apresentam as demonstrações como deduções e, utilizando lógica local, chega-se
aos enunciados das propriedades. Seguem muitos exercícios de aplicação e as
solicitações para os alunos demonstrarem são raras. Os autores se propõem a
não apresentar os teoremas em termos de hipótese e tese, nem explicar o caráter
de sistema lógico-dedutivo da Geometria. Nessas duas coleções não são
explicados os termos da Geometria dedutiva, como recomenda Fetissov (1997) e
Almouloud (2003). Não é alertado sobre as limitações das verificações empíricas
e nem são diferenciadas estas de demonstrações. Aliás, até evita-se a palavra
demonstração em suas apresentações. Giovanni chega a afirmar que a partir de
uma observação empírica, experimental, pode-se concluir que uma propriedade é
verdadeira.
Na coleção de Jakubovic, observamos um cuidado maior com o dedutivo.
Os termos da Geometria dedutiva e seu caráter de sistema lógico são explicados.
Demonstração é definida como uma maneira de chegar a um teorema. As
demonstrações são primeiramente apresentadas, e em suas conclusões são
enunciadas as propriedades.
Nas três coleções não é explicada a importância da demonstração como
único meio de validação em Matemática. O aluno é levado a pensar que
demonstrar é um dos meios de chegar-se a um resultado. A lógica e métodos
empregados em uma demonstração não são abordados por nenhumas das três
coleções. Na coleção de Jakubovic, a única em que são solicitados exercícios
para demonstrar propriedades geométricas, os alunos são levados a demonstrar
111
a partir de exemplos tanto da lógica direta como da do contra-exemplo (para
mostrar que uma afirmação é falsa).
Assim concluímos, pela maioria das coleções analisadas de 1990, de
Giovanni e de Iezzi, que há uma tendência para o ensino da Geometria nesta
época. Percebe-se a intenção em romper com a apresentação no estilo
euclidiano, usado em tempos anteriores, passando para uma menos formal,
voltada para aplicações práticas. Essa proposta é explicada por Iezzi: “... somos
de opinião que num primeiro estágio, em nível de primeiro grau, se aprenda um
pouco de Geometria e depois, num segundo estágio, se procure formalizá-la”
(IEZZI, 1991, Manual do professor da 7ª série, p. 7).
Nas coleções de 2000 observamos que o estudo da Geometria é
intercalado com as outras partes da Matemática. Nas coleções de Tosatto e
Dante constata-se ainda a integração da Geometria com as outras áreas de
conhecimento matemático.
Pela análise do estudo das propriedades geométricas nas coleções dos
anos 2000, constatamos que suas validações ocorrem tanto em G1-Geometria
Spatio-gráfica, empiricamente, como em G2-Geometria Proto-axiomática,
dedutivamente.
A partir da entrada em G2-Geometria Proto-axiomática, as propriedades
são ainda verificadas empiricamente. Isso acontece nas coleções de Tosatto e de
Dante até o fim da oitava série. Na coleção de Andrini, o empírico está presente
até o fim da sétima série e na oitava série predominam as validações dedutivas.
Parsysz (2000) considera que nessa articulação entre G1-Geometria
Spatio-gráfica e G2-Geometria Proto-axiomática a gestão do salto conceitual
entre elas é um elemento essencial na problemática do ensino obrigatório da
Geometria, devendo ser fixados os conceitos em jogo e sua articulação. Essa
articulação entre G1-Geometria Spatio-gráfica e G2-Geometria Proto-axiomática
no estudo das validações de propriedades geométricas requer conscientizar os
alunos de suas diferenças, da limitação do empirismo e da importância das
demonstrações em Matemática. Porém, nas coleções de Andrini e de Tosatto não
constatamos essa preocupação. Na coleção de Andrini afirma-se que para
mostrar que uma propriedade é válida em casos gerais é necessário o uso de
letras e que demonstrar é outra forma de mostrar uma propriedade além da
verificação empírica. Explica-se também que numa demonstração usam-se
112
conhecimentos anteriores, mas, não se ressalta que a demonstração é o único
meio de validação científica aceito em Matemática. A limitação das verificações
empíricas é explicada tardiamente, apenas na oitava série. Na coleção de Tosatto
desde a sexta até a oitava séries, as explicações levam o aluno a pensar que se
pode concluir resultados gerais a partir de verificações empíricas. Nessa coleção,
constatamos ainda problemas nos encadeamentos lógicos nas demonstrações
das propriedades geométricas: por exemplo, os autores utilizam numa
demonstração conhecimentos que não foram estudados anteriormente na
coleção.
Na coleção de Dante, observamos a presença dessa conscientização
necessária. Desde a sexta até a oitava séries são ressaltadas a limitação das
verificações empíricas e suas diferenças com as demonstrações. Por exemplo, ao
conjecturar empiricamente duas propriedades, o aluno é alertado que, para
generalizá-las, seria preciso demonstrar e que isso seria realizado em série
posterior. Dante também utiliza falsas evidências de figuras para alertar os alunos
sobre o risco de confiar na intuição, seguindo a recomendação de Arsac (1987).
De maneira geral, os termos da Geometria dedutiva postulado e teorema
não são explicados nas três coleções dos anos 2000. Tosatto explica que
demonstrar é provar, utilizando conhecimentos matemáticos. Mas, não é
mencionado que seria necessário que esses conhecimentos fossem postulados
ou anteriormente demonstrados. Apenas Dante esclarece que a demonstração é
o único meio de validar em Matemática e também discute o termo recíproco.
Nas coleções analisadas de 2000 também não estudam-se métodos e
lógicas empregados em uma demonstração geométrica. Dante explica o silogismo
de Sócrates no manual do professor e propõe alguns exercícios de lógica ao
longo da coleção. Porém, em sua coleção, aos alunos não são explicadas lógicas
para demonstrar uma propriedade geométrica. E os alunos são levados a
demonstrar nos exercícios, partindo de apresentações de algumas
demonstrações tomadas como exemplos, sendo recomendado que se pratique
bastante. Essa é a única recomendação de técnicas para demonstrar, citadas por
Fetissov (1997) que encontramos nas coleções de 2000. Na coleção de Tosatto
observamos que também o aluno é levado a demonstrar, amparado por exemplos
de demonstrações. Mas nessas apresentações de demonstrações, são utilizadas
lógicas que provavelmente não fazem o aluno compreender o encadeamento do
113
raciocínio. Por exemplo, em uma demonstração parte-se da tese para iniciar uma
lógica direta de raciocínio. Na coleção de Andrini, o sistema lógico apresentado
para a Geometria é simples e bem encadeado, mas, como não são solicitados
exercícios para demonstrar, o aluno não terá condições de resolver problemas
envolvendo demonstrações.
Nas coleções analisadas dos anos 1990, as propriedades geométricas
eram validadas dedutivamente, em G2-Geometria Proto-axiomática. As coleções
dos anos 2000 revelaram que há um equilíbrio entre as validações empíricas, em
G1-Geometria Spatio-gráfica e as dedutivas, em G2-Geometria Proto-axiomática.
Constatamos assim que houve um aumento nos estudos empíricos de 1990 para
2000. Isso pode parecer que é negativo para o ensino da Geometria dedutiva.
Porém, como Arsac (1987) afirma, é necessário como primeira etapa em direção
demonstração em Geometria, chegar a uma dúvida pelo apelo a casos
particulares como meio de prova. Ou seja, por meio da limitação da incerteza
trazida pelos casos particulares em validações empíricas, justifica-se buscar uma
demonstração para chegar a um caráter geral. Apenas na coleção de Dante
constatamos o cuidado em explicar essas limitações. Mas as duas outras
coleções analisadas de 2000, de Andrini e de Tosatto, não ressaltam a limitação
do empirismo. E assim, nessas duas coleções os alunos podem ser induzidos a
entender as demonstrações como uma maneira a mais de chegar-se aos casos
gerais, além das verificações empíricas.
Além disso, seria necessário explicar os termos da Geometria dedutiva
como demonstração, postulado, teorema, teorema recíproco e demonstração
inserindo-os em um sistema dedutivo e estudar as técnicas e lógicas empregadas
em uma demonstração. Observamos que essas recomendações não são
cumpridas nas coleções analisadas dos dois períodos, excetuando as coleções
de Jakubovic e de Dante, uma de cada período, que as cumprem parcialmente.
Consideramos essenciais as tarefas solicitadas aos alunos para tornar
significativa sua aprendizagem. Então, pela categoria dois, analisamos os
exercícios propostos a respeito do estudo das propriedades geométricas nos
livros didáticos. Para isso, realizamos um estudo da Organização Praxeológica,
teoria de Chevallard (1999), que explica a técnica e o discurso teórico-tecnológico
associados a cada tipo de tarefa e, desta forma, pudemos enquadrar a
abordagem do ensino-aprendizagem das propriedades geométricas em enfoques.
114
Primeiramente identificamos o enfoque empírico, em que as propriedades
são observadas no estudo de casos particulares e, com base nesses casos, são
formuladas conjecturas a respeito da validade do que foi observado.
O enfoque dedutivista caracteriza-se pelo estudo das propriedades
geométricas por meio da apresentação de sua demonstração seguida apenas de
exercícios de aplicação. No enfoque dedutivista, segundo Lakatos (1976), a
Matemática é apresentada como uma série sempre crescente de verdades
imutáveis e eternas, não há lugar para contra-exemplos, refutações nem críticas.
E o aluno torna-se um ente passivo no processo de ensino-aprendizagem.
O estudo das propriedades sob o enfoque heurístico consiste no
envolvimento dos alunos em suas demonstrações, por meio da solicitação de
exercícios. Lakatos (1976) explica que o estilo heurístico de apresentação revela
o aspecto falível da Matemática, de como os conceitos e teoremas surgem, dando
ênfase à situação problemática. Solicitações para que os alunos demonstrem em
grupo, também se enquadram no enfoque heurístico e segundo Balacheff (1987)
que, baseando-se no trabalho de Lakatos (1976), considera essa dimensão social
motora nos processos de prova.
Identificamos ainda o enfoque empírico-dedutivista, em que a propriedade
é inicialmente estudada empiricamente e depois dedutivamente e o enfoque
empírico-heurístico, em que a propriedade inicialmente é estudada empiricamente
e depois heuristicamente. Essa retomada dedutiva no estudo das propriedades
geométricas pode ocorrer em série posterior à apresentação empírica das
propriedades geométricas. Sobre isso, Arsac (1987) afirma que as provas
empíricas podem aparecer antes da sétima série e Balacheff (1987) reconhece
que desde o início do Ensino Fundamental deve ser proposto o problema da
evolução dos fundamentos racionais da atividade matemática. Ou seja, é
recomendável iniciar com justificações empíricas e evoluir para validações
dedutivas no decorrer das séries, respeitando o nível de racionalidade dos alunos.
Como ressaltado nos resultados da categoria anterior, as coleções dos
anos 1990 seguiram um esquema para estudar as propriedades geométricas. Nas
coleções Giovanni e de Iezzi esse esquema inclui, após as apresentações das
demonstrações, muitos exercícios de aplicação e raros para demonstrar. Antes de
vários desses exercícios, ainda são apresentados exemplos com o objetivo de
deixar tudo muito claro para o aluno. Na coleção de Iezzi, observamos que muitas
115
propriedades são apenas enunciadas, como o caso de várias recíprocas. Nessa
coleção fica evidente que a abordagem da Geometria seria bem prática, com
dose mínima de teoria. Assim, nessas duas coleções, os alunos vêem as
demonstrações passarem diante de seus olhos, passivamente. Essa abordagem
revela um enfoque dedutivista para essas coleções.
No esquema de estudo das propriedades geométricas da coleção de
Jakubovic há diferenças. Além das propriedades geométricas serem primeiro
enunciadas para só depois ser apresentada a demonstração, os exercícios não
são só de aplicação. Há também solicitações para que os alunos demonstrem,
mas são em número menor que as apresentações das demonstrações. Então, o
predomínio para a coleção é também o enfoque dedutivista.
Em 1990, observamos ainda que os exercícios para conjecturar
propriedades geométricas experimentalmente, relativos ao enfoque empírico, são
raros.
Nas coleções dos anos 2000 não se segue um esquema de estudo das
propriedades geométricas como nas de 1990. Como foi concluído na categoria
anterior, as propriedades ora são estudadas empiricamente, ora dedutivamente.
Na coleção de Andrini observa-se que muitas propriedades são validadas
apenas empiricamente em exercícios solicitados aos alunos. E a maioria das
demonstrações das propriedades geométricas na coleção são apresentadas aos
alunos, seguidas de exercícios de aplicação, características do enfoque
dedutivista. Como na coleção há mais validações empíricas do que
apresentações dedutivistas, o enfoque que predomina é o empírico.
Nas coleções de Tosatto e de Dante constatamos que se validam as
propriedades ora empiricamente, ora dedutivamente, com envolvimento dos
alunos, por meio de solicitações de exercícios. Como há um equilíbrio entre os
dois tipos de validações, contatamos que os enfoques predominantes para essas
coleções são o empírico e o heurístico.
Nas três coleções analisadas de 2000 encontramos, nas solicitações para
demonstrar, recomendações para que os alunos trabalhem e discutam em
grupos, com colegas e com o professor, característica do enfoque heurístico.
Outro aspecto constatado nas coleções de 2000 foi a retomada de
conceitos já trabalhados em séries anteriores, com ampliação e aprofundamento.
Dante explica que este é o chamado trabalho em espiral e, no caso do ensino da
116
Geometria, as propriedades são estudadas primeiramente por verificações
empíricas e depois dedutivamente, por meio de solicitações de exercícios. Esse
tipo de abordagem caracteriza o enfoque empírico-heurístico. Porém, a utilização
dessas retomadas nas coleções de 2000 é pequena, prevalecendo validar as
propriedades somente empiricamente ou apenas heuristicamente.
Comparando as análises dos exercícios sobre propriedades geométricas
referentes aos dois períodos, constata-se que nas coleções analisadas dos anos
1990, as verificações empíricas são insignificantes e segue-se um esquema de
apresentação das demonstrações que revela o enfoque dedutivista para elas. Nas
coleções dos anos 2000 tenta-se envolver mais os alunos tanto em validações
empíricas como nas dedutivas, enquadrando-as nos enfoques empírico e
heurístico.
Pelos totais de propriedades geométricas estudadas nas coleções da
década de 1990: coleção de Giovanni: 73, coleção de Iezzi: 107, coleção de
Jakubovic: 97, e nas coleções da década de 2000: coleção de Andrini: 35,
coleção de Tosatto: 48 e coleção de Dante: 81, observamos que, de forma geral,
nas coleções de 2000 são estudadas menos propriedades geométricas que nas
de 1990. Isso pode ser conseqüência do envolvimento dos alunos em exercícios,
pois assim leva-se mais tempo na aprendizagem.
É preciso alertar, conforme afirmação de Polya (1977), que depois de se
verificar experimentalmente um fato, em Matemática, é preciso formalizá-lo por
meio de uma demonstração. Nas coleções analisadas de 2000, em muitos casos,
não se observa isso, ou seja, há muitas propriedades geométricas que são
apenas verificadas empiricamente.
Pela nossa categoria três de análise e apoiados na teoria de Duval (1993),
observamos os registros de representação semiótica envolvidos nas
demonstrações geométricas dos livros didáticos. Segundo o autor, os registros
mobilizados em uma demonstração geométrica são o discursivo, o figural e o
matemático.
Pela análise das coleções de livros didáticos, constatamos tanto em 1990
como em 2000, o registro figural foi utilizado na grande maioria das
demonstrações como suporte ao raciocínio dedutivo. Isso é facilitado pelo fato do
programa de Geometria abordar o estudo de propriedades geométricas cujas
demonstrações são aplicações de conceitos que envolvem figuras. Na sexta
117
série, utilizam-se as propriedades de ângulos formados por duas paralelas
interceptadas por transversal. Na sétima série, utilizam-se os casos de
congruência de triângulos para demonstrar propriedades de triângulos e de
quadriláteros entre outras. E, na oitava série, utiliza-se o conceito de semelhança
de triângulos para demonstrar relações métricas no triângulo retângulo, num
triângulo qualquer, na circunferência e também para as relações trigonométricas
num triângulo retângulo.
Notamos a ênfase na utilização do registro figural nas coleções de Iezzi e
de Jakubovic, ambas de 1990. Nelas, além de apresentar-se uma figura no início
da demonstração, também são desenhadas figuras para explicar as passagens, o
raciocínio.
A utilização do registro discursivo é também significativa nas coleções
analisadas das duas épocas. Almouloud (2003) propõe que no início da
aprendizagem da demonstração, no 3º ciclo do Ensino Fundamental, a redação
das justificativas de resultados seja realizada em linguagem natural, referente ao
registro discursivo. Nas demonstrações tratadas por Iezzi como deduções locais
são utilizadas linguagem natural para tornar a Matemática “menos formal”. Dante
também recomenda ao professor utilizar a linguagem natural, que chama de
“pouco formal”, ao iniciar o estudo das demonstrações. E constatamos nas
coleções das duas épocas muitas explicações em linguagem natural sobre o
raciocínio empregado nas demonstrações.
Em 2000, observamos ainda uma ênfase na utilização do registro
discursivo pelas recomendações de debates e discussões em grupo para
demonstrar uma propriedade geométrica. Esses debates de validações são
realizados em linguagem natural e propiciam um auxílio no raciocínio dedutivo,
antes de formalizá-lo numa linguagem matemática.
Tanto em 1990 como em 2000, observamos que o registro matemático se
apresenta nestas coleções apenas por meio do uso algébrico de alguns símbolos
para escrever as sentenças matemáticas e dos cálculos algébricos que ocorrem
em muitas demonstrações. Almouloud (2000) recomenda um aumento gradual na
utilização do registro matemático no decorrer das séries do Ensino Fundamental,
rumo à formalização. Porém, na maioria das coleções das duas épocas não
observamos essas preocupação. Ou seja, utilizam-se nas demonstrações
geométricas predominantemente os registros discursivo e figural ao longo de
118
todas as séries da coleção, não sendo enfatizado o registro matemático nas
séries finais. Como exceção, as coleções de Jakubovic dos anos 1990 e a
coleção de Tosatto, dos anos 2000, apresentam um aumento na utilização do
registro matemático na oitava série. Tosatto, inclusive, solicita exercícios para
demonstrar algumas propriedades utilizando os termos “demonstrar
algebricamente”.
Duval (1993) afirma que há dois tipos de transformações dos registros de
representação semiótica, os tratamento e as conversões. Os tratamentos são
transformações de representações dentro de um mesmo registro. Por exemplo,
efetuar um cálculo ficando estritamente no mesmo registro matemático de
representação dos números. As conversões são transformações de
representações que consistem em mudar de registro conservando os mesmos
objetos denotados. Por exemplo, passar o enunciado de uma demonstração
geométrica para sua representação no registro das figuras.
De acordo com Duval (2003) as conversões de registros que ocorrem em
uma demonstração não se operam naturalmente entre os alunos. Então, são
recomendadas atividades que envolvam conversões de registros. Encontramos
no trabalho de Mello (1999), um exemplo desse tipo de atividade em que é
solicitado ao aluno escrever as premissas, as passagens das demonstrações e a
conclusão de teoremas nas linguagens natural, figural e algébricas.
Os únicos tratamentos entre registros constatados nas demonstrações das
coleções das duas épocas foram os cálculos referentes ao registro matemático.
Nos anos 1990, nas coleções de Iezzi e de Jakubovic constatamos, por
meio da demonstração de recíprocas de propriedades de paralelogramo, que são
apresentadas aos alunos várias definições da figura em questão. Porém, não é
explorado que poder-se-iam construir sistemas axiomáticos diferentes a partir de
diferentes definições. Essa abordagem seria um exemplo de tratamento no
registro discursivo. Então, perde-se uma oportunidade de, por meio do estudo
desse tratamento, iniciar os alunos no entendimento dos sistemas lógico-
dedutivos.
Não encontramos também atividades que favoreçam a conversão de
registros mobilizados em uma demonstração geométrica nas coleções. Com
exceção de Tosatto, que solicita para descrever duas demonstrações geométricas
de Pitágoras algebricamente. Consideramos que não explorar as conversões de
119
registros pode levar o aluno a não entender o papel fundamental dos registros de
representação semiótica na compreensão das diferentes propriedades/definições
e na redação de uma demonstração.
A seguir, apresentamos o inter-relacionamento das três categorias de
análise, procurando inserir nossos resultados no contexto histórico da Educação
Matemática brasileira.
Segundo Miorim (1998), o primeiro movimento internacional de
modernização para o ensino da Matemática no nível secundário ocorreu no início
do século XX, baseado em idéias de Félix Klein (1849-1925) e apresentou a
intuição como um dos elementos fundamentais para a elaboração de sua
proposta. Até então, desde muitos séculos, apresentava-se aos alunos uma
Matemática “tradicional”, a antiga Matemática grega euclidiana e a Geometria
ensinada era toda dedutiva. Assim, na proposta de Klein, os estudos geométricos
sob enfoque empírico foram valorizados e os estudos formais deveriam acontecer
somente posteriormente. Pires (2004) afirma que as idéias sobre esse estilo de
apresentação, relacionado com um ensino a partir da descoberta do
conhecimento, foram trazidas pela primeira vez ao Brasil por Euclides Roxo, na
década de 1930. Porém, segundo a autora constata, naquele momento não houve
a apropriação esperada deste estilo de apresentação pelos livros didáticos.
Vianna (1988) relata que na época do ginásio o que prevaleceu nos livros
didáticos para o estudo da Geometria foi o estilo euclidiano, dedutivista. Miorim
(1998) relata que, na década de 1960, surge um segundo grande movimento de
modernização para o ensino da Matemática nas escolas secundárias, o
Movimento da Matemática Moderna, idealizado principalmente por Jean
Dieudonné (1906-1992), que propunha que o ensino da escola secundária se
baseasse exclusivamente na moderna Matemática, em sua forma axiomática
desenvolvida pelo grupo Bourbaki. Segundo Pavanello (1993), a coerência do
movimento exigia que a Geometria fosse abordada pelo enfoque das
transformações. Vianna (1988) afirma que durante a influência do Movimento da
Matemática Moderna no Brasil houve uma diversificação de enfoques para a
Geometria nos livros didáticos, conforme seus autores se identificavam com as
novas recomendações. Segundo Pavanello (1993), os professores não estavam
preparados para tais mudanças e a Geometria começou a ser abandonada no
cotidiano escolar e, em seu lugar, foi enfatizada a álgebra. No declínio da
120
Matemática Moderna, a formalização e o dedutivo foram criticados e o ensino da
Geometria passou a ter finalidades práticas. As principais demonstrações ainda
eram apresentadas nos livros, mas os exercícios eram essencialmente de
aplicações. E a Geometria era apresentada no final dos livros sem ser integrada
com os outros ramos da Matemática. Em geral, as últimas páginas dos livros
didáticos acabam por não ser exploradas. Dessa forma, a configuração para o
estudo da Geometria propiciava aos professores relegá-lo a segundo plano.
Acentuava-se, assim, nessa época o abandono do ensino da Geometria.
Interpretando as considerações de Vianna (1988) e Pavanello (1993), esse estilo
de apresentação, chamado em nosso trabalho de enfoque dedutivista, perdurou
até a década de 1980.
Em meio às criticas ao Movimento da Matemática Moderna surgiu a
Didática da Matemática e, em suas discussões, o enfoque heurístico no ensino foi
valorizado, como nos trabalhos de Lakatos (1976) e Balacheff (1987), citados
nesta pesquisa. Os alunos deveriam ser envolvidos na descoberta das
demonstrações. Porém, constatamos por nossa análise das coleções do início
dos anos 1990 que, nesta época, a apresentação da Geometria continuava com
as mesmas características da década anterior, ou seja, a Geometria era
apresentada no final dos livros e sob enfoque dedutivista, ou seja, a grande
maioria das demonstrações geométricas eram apenas apresentadas aos alunos,
seguidas de exercícios de aplicação das propriedades.
Nossa análise das coleções de livros didáticos dos anos 2000 aponta para
algum otimismo em relação ao ensino da Geometria no Brasil. Em primeiro lugar,
a Geometria apresenta-se nos livros em capítulos intercalados e mais integrada
com as outras partes da Matemática. Isso acena para uma mudança em relação
ao seu abandono. Quanto ao ensino da Geometria dedutiva, a análise das
coleções de 2000 apresenta indícios para a apropriação dos enfoques empírico e
heurístico nos livros didáticos brasileiros. Os alunos são envolvidos, por meio de
exercícios, a conjecturar e a descobrir heuristicamente as demonstrações das
propriedades geométricas. Esse fato pode estar relacionado com a importante
mudança na Educação Matemática brasileira, a implantação do Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD) para todo o Ensino Fundamental, em 1995, em
que os livros passaram a ser avaliados pelo governo.
121
Consideramos o enfoque empírico-heurístico o mais significativo para o
estudo das propriedades geométricas, ou seja, partir das verificações empíricas
para depois levar os alunos tentar demonstrar a propriedade. Porém, o que
predomina nos livros analisados das coleções de 2000 é estudar algumas
propriedades apenas empiricamente e outras apenas heuristicamente.
Baseados em teorias da Didática da Matemática, discutimos nas análises
das categorias um e três, que para tornar significativo o ensino-aprendizagem da
Geometria dedutiva é necessário relevar a limitação dessas validações empíricas,
destacando suas diferenças com as demonstrações, fornecer explicações sobre
seus termos, estudar técnicas e lógica empregados em uma demonstração e
propor atividades que possibilitem conversões entre os registros discursivo, figural
e matemático. Porém, os resultados da análise indicam que os livros didáticos das
duas épocas atenderam apenas parcialmente a essas recomendações.
Esperamos que esse trabalho possa contribuir para outras pesquisas sobre
a história da Educação Matemática brasileira. Acreditamos, ainda, que outros
trabalhos possam agregar novos elementos à pesquisa aqui realizada, como, por
exemplo, uma investigação sobre a prática pedagógica dos professores no que se
refere ao ensino da demonstração geométrica no terceiro e quarto ciclos do
Ensino Fundamental. Outro exemplo seria um trabalho de conscientização de
professores a integrar provas e demonstrações ao processo e formação de seus
alunos, ajudando a restituir a historicidade do conceito de prova, de demonstração
e de rigor matemático. Nesse sentido está sendo desenvolvido um projeto de
pesquisa, sob a responsabilidade do Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud, cujo objetivo
é propor uma reflexão didática junto aos professores do Ensino Fundamental,
principalmente os que lecionam a partir da quinta série, sobre o ensino-
aprendizagem da Matemática com raciocínio dedutivo.
122
BIBLIOGRAFIA
ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023:
informação e documentação, referências, elaboração. Rio de Janeiro, 2002.
__________. NBR 10520: informação e documentação, citações em documentos,
apresentação. Rio de Janeiro, 2002.
__________. NBR 14724: informação e documentação, trabalhos acadêmicos,
apresentação. Rio de Janeiro, 2002.
ALMOULOUD, S. A. Registros de representação semiótica e compreensão de
conceitos geométricos. In: Aprendizagem em Matemática, org. Silvia Dias
Alcântara Machado. São Paulo: Papirus, p. 125-147, 2003.
ANDRINI, A; VASCONCELLOS, M. J. Novo Praticando Matemática – 5a. a 8a.
séries. São Paulo: Editora do Brasil, 2002.
ARSAC, G. L'origine de la dèmonstration: essai d'Épistémologi e didactique .
Recherches en Didactique des Mathémtiques, V. 8, n. 3, p. 267-312, 1987.
BALACHEFF, N. Processus de preuve et situations de validation . Educational
Studies in Mathematics, Vol. 18, n. 2, p. 147-176, 1987.
BOOTH, W.C. et tal. Arte da pesquisa. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BOYER, C. B. História da Matemática . Tradução: Elza F. Gomide. São Paulo:
Edgard Blucher, USP, 1974.
BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto, Parâmetros Curriculares
Nacionais: 3º e 4º Ciclos do Ensino Fundamental - M atemática. Brasília:
MEC/SEF,1998.
123
BROUSSEAU, G. Fondements et méthodes de la didactique des
Mathématiques. Recherches en Didactiques des Mathématiques.. v. 7, n. 2, p.
33-116, 1986.
__________ Le contrat didactique: le milieu . Recherches en Didactiques des
Mathématiques. v. 9, n. 3, p. 309-336, 1988.
CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo
de pesquisa . In: Teoria & Educação. Porto Alegre: Pannonica, N. 2, p. 117-229,
1990.
CHEVALLARD , Y. La transposition didactique: du savoir savant au sa voir
enseigné. Grenoble: La Pensée Sauvage, 1991.
__________. L’analyse des pratiques enseignantes em théorie
anthropologique du didactique. Recherches en Didactiques des
Mathématiques, v. 19, p. 221-265, 1999.
DANTE, L. R. Tudo é Matemática .- 5a. a 8a. séries. São Paulo: Ática, 2002.
DOMINGUES, H. H. A demonstração ao longo dos séculos. Boletim de
Educação Matemática (BOLEMA), UNESP, Rio Claro, Ano 15, n. 18, p. 55 - 67,
2002.
DUVAL, R. Régistres de répresentation sémiotique et fonctionn ement
cognitif de la pensée. Annales de Didactique et des Sciences Cognitives, vol. V,
p. 37-65, IREM de Strasbourg, 1993.
EVES, H. Introdução à História da Matemática . Tradução: Hygino H.
Domingues. São Paulo: Editora da Unicamp, 1995.
FETISSOV, A. I. A demonstração em Geometria . Tradução: Hygino H.
Domingues, Matemática: aprendendo e ensinando. São Paulo: Atual ,1997.
124
GIOVANNI, J. R.; CASTRUCCI, B., GIOVANNI JR, J. R. A Conquista da
Matemática – 5a. a 8a. séries. São Paulo: FTD, 1992.
GOUVÊA, F. T. Aprendendo e ensinando Geometria com a demonstração :
uma contribuição para a prática do professor de mat emática do ensino
fundamental. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 1998.
HOUAISS, A; VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa . Rio de
Janeiro: Objetivo, 2001.
IEZZI, G.; DOLCE, O; MACHADO, A;. Matemática e realidade – 5a. a 8a. séries,
2 ed. São Paulo: Atual, 1991.
JAKUBOVIC, J.; LELLIS, M. Matemática na medida certa – 5a. a 8a. séries, 3
ed. São Paulo: Scipione, 1991.
LAKATOS, I. A lógica do descobrimento matemático – provas e ref utações ,
Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
MELLO, E.G. S. de. Demonstração – uma seqüência didática para a
introdução de seu aprendizado no ensino da Geometri a. Dissertação de
Mestrado. PUC-SP, 1999.
MIORIM, M. A. Introdução à História da Educação Matemática . São Paulo:
Atual, 1998.
PÁDUA, E. M. M. Metodologia da pesquisa: abordagem teórico-prática.
Campinas, Papirus, 2000.
PARSYSZ. Bernard. Un cadre théorique pour la géometrie enseignée . Equipe
DIDIREM, Université Paris. 2000.
125
PAVANELLO, R. M. O abandono do ensino da geometria no Brasil, causas e
conseqüências. Revista Zetetiké, UNICAMP, Campinas, ano I – n. 1, p. 7-17,
1993.
PIRES, C. M. C. Currículos de Matemática: da organização linear à i déia de
rede . Tese de doutorado. USP-SP, 1995.
PIRES, I. M. P. Livros didáticos e a Matemática do ginásio: um estu do da
vulgata para a reforma Francisco Campos. . Dissertação de Mestrado. PUC-SP,
2004.
POLYA, G. A arte de resolver problemas . Tradução de Heitor Lisboa de Araújo.
Rio de Janeiro: Interciência, 1977.
STRUIK, D. J. Por que estudar história da matemática? Historia da Técnica e
da Tecnologia (textos básicos). Organização Ruy Gama. São Paulo: T. A.
Queiroz, Editor. Universidade de São Paulo, 1985.
TOSATTO, C. M.; PERACCHI, E. P. F.; ESTEPHAN, V. M. Idéias e Relações -
5a. a 8a. séries. Curitiba: Nova Didática, 2002.
VALENTE, W. R. Euclides Roxo e o movimento de modernização
internacional da matemática escolar . In VALENTE, W. (org). Euclides Roxo e a
modernização do ensino da matemática no Brasil. São Paulo. SBEM, p. 46-85,
2003.
VIANNA, C. C. de S. O papel do raciocínio dedutivo no ensino da Matemát ica .
Dissertação de Mestrado. UNESP – Rio Claro-SP, 1988.
126
APÊNDICE
RELAÇÃO DAS COLEÇÕES DE LIVROS DIDÁTICOS A ANALISAR
A relação das coleções de livros didáticos a analisar, referente ao período
anterior à implantação do PNLD, início dos anos 1990, foi obtida em consultas ao
Depto. Editorial de três editoras do Estado de São Paulo. Perguntou-se que
coleção de Ensino Fundamental – 5ª a 8ª séries apresentou maior vendagem para
o governo do Estado de São Paulo no início dos anos 1990 e se obtiveram as
respostas seguintes:
Editora FTD:
GIOVANNI, José Ruy; CASTRUCCI, Benedito, GIOVANNI JR, José Ruy. A
Conquista da Matemática – 5a. a 8a. séries.
Editora Atual:
IEZZI, Gelson; DOLCE, Oswaldo; MACHADO, Antonio. Matemática e
Realidade – 5a. a 8a. séries.
Editora Scipione:
JAKUBOVIC, José; LELLIS, Marcelo. Matemática na Medida Certa – 5a. a
8a. séries.
Para o período posterior à implantação do PNLD, decidimos analisar as
coleções de escolha mais recente entre os professores da rede estadual de São
Paulo, via PNLD, que foi em 2004. Para tanto, consultamos a Secretaria da
Educação do Estado de São Paulo, setor PNLD, e perguntamos sobre as três
coleções mais distribuídas para as escolas estaduais de São Paulo em 2005, via
PNLD-2004. As respostas seguem abaixo:
Coleção 1:
ANDRINI, Álvaro; VASCONCELLOS, Maria José. Novo Praticando Matemática –
5a. a 8a. séries. São Paulo: Editora do Brasil.
127
Coleção 2:
TOSATTO, Cláudia Miriam; PERACCHI, Edilaine Pilar F; ESTEPHAN, Violeta M.
Idéias e Relações - 5a. a 8a. séries. Curitiba: Nova Didática.
Coleção 3:
DANTE, Luiz Roberto. Tudo é Matemática.- 5a. a 8a. séries. São Paulo: Ática.
128
ANEXOS
ANEXO 1..............................................................................................................129
ANEXO 2..............................................................................................................130
ANEXO 3..............................................................................................................131
ANEXO 4..............................................................................................................132
ANEXO 5..............................................................................................................133
ANEXO 6..............................................................................................................134
ANEXO 7..............................................................................................................135
ANEXO 8..............................................................................................................136
ANEXO 9..............................................................................................................137
ANEXO 10............................................................................................................138
ANEXO 11............................................................................................................139
ANEXO 12............................................................................................................140
ANEXO 13............................................................................................................141
ANEXO 14............................................................................................................142
ANEXO 15............................................................................................................143
ANEXO 16............................................................................................................144
ANEXO 17............................................................................................................145
ANEXO 18............................................................................................................146
ANEXO 19............................................................................................................147
ANEXO 20............................................................................................................148
ANEXO 21............................................................................................................149
ANEXO 22............................................................................................................150
129
ANEXO 1
GIOVANNI, J. R.; CASTRUCCI, B.; GIOVANNI JR, J. R. A Conquista da Matemática. 8ª série, p.151. São Paulo; FDT; 1992
130
ANEXO 2
GIOVANNI, J. R.; CASTRUCCI, B.; GIOVANNI JR, J. R. A Conquista da Matemática. 8ª série, p.152. São Paulo; FDT; 1992
131
ANEXO 3
GIOVANNI, J. R.; CASTRUCCI, B.; GIOVANNI JR, J. R. A Conquista da Matemática. 8ª série, p.154. São Paulo; FDT; 1992
132
ANEXO 4
IEZZI, G.; DOLCE, O.; MACHADO, A. Matemática e Realidade. 7ª série, p.155. São Paulo; Ática; 1991
133
ANEXO 5
IEZZI, G.; DOLCE, O.; MACHADO, A. Matemática e Realidade. 7ª série, p.156. São Paulo; Ática; 1991
134
ANEXO 6
IEZZI, G.; DOLCE, O.; MACHADO, A. Matemática e Realidade. 7ª série, p.157. São Paulo; Ática; 1991
135
ANEXO 7
Propriedades recíprocas Valem as recíprocas das três propriedades anteriores, a saber:
a) Ângulos opostos
Todo quadrilátero convexo que tem ângulos opostos congruentes é um paralelogramo.
b) Lados opostos
Todo quadrilátero convexo que tem lados opostos congruentes é um paralelogramo.
c) Diagonais
Todo quadrilátero convexo no qual as diagonais cortam-se ao meio é um paralelogramo.
IEZZI, G.; DOLCE, O.; MACHADO, A. Matemática e Realidade. 7ª série, p.190. São Paulo; Ática; 1991.
136
ANEXO 8
JAKUBOVIC, J.; LELLIS, M. Matemática na medida certa. 7ª série, p. 110. São Paulo: Scipione, 1991.
137
ANEXO 9
JAKUBOVIC, J.; LELLIS, M. Matemática na medida certa. 7ª série, p. 86. São Paulo: Scipione, 1991.
138
ANEXO 10
JAKUBOVIC, J.; LELLIS, M. Matemática na medida certa. 7ª série, p. 119. São Paulo: Scipione, 1991.
139
ANEXO 11
JAKUBOVIC, J.; LELLIS, M. Matemática na medida certa. 7ª série, p. 98. São Paulo: Scipione, 1991.
140
ANEXO 12
JAKUBOVIC, J.; LELLIS, M. Matemática na medida certa. 7ª série, p.135. São Paulo: Scipione, 1991.
top related