a procura da verdade
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A PROCURA DA
VERDADE
A EXPERIÊNCIA AGNÓSTICA
Dei por mim num monte no Algarve (Monte Mariposa) em
Outubro de 2010 para frequentar um retiro espiritual , que
supostamente consistia em aprender uma técnica ancestral de
meditação (vipassana) durante 10 dias num grande isolamento . E
porque não , até Jesus Cristo o fez no deserto ...
Há muito que perdi a ingénua aspiração de encontrar a verdade /
Deus e a minha procura nos últimos anos tem-se resumido à esfera
da meditação como uma técnica que nos pode proporcionar algum
conhecimento e paz interior . Mas para perceberem como vim aqui
parar tenho que explicar previamente o meu percurso espiritual .
Esta minha caminhada ao longo dos anos - já vem dos tempos de
infância, porque lembro-me que a uma determinada altura passou-
me pela cabeça ser padre e inclusive tive formação católica : andei
muitos anos nos escuteiros católicos (Corpo Nacional de Escutas)
e tive catecismo por iniciativa própria - levou-me ao contacto com
diversas religiões e seitas religiosas tão dispares como,
Testemunhas do Jeová, Igreja Maná, AMORC (antiga e mística
ordem Rosae Crucis) , Lectorium Rosicrucianum (escola
internacional da RosaCruz Aurea) , Igrejas espíritas, Maharaji
(Prem Rawat ) , Centros de Ioga e Meditação Transcendental e
finalmente a seita de meditação Vipassana. E invariavelmente após
um breve contacto ficava sempre decepcionado com o fanatismo e
mentiras que professavam. E quase todas elas transmitiam a mesma
ideia: são a único via e a restante humanidade está condenada a
viver na ignorância e perdição. Não havia pachorra para tanta
presunção!
Esta minha persistência provavelmente tem raízes genéticas porque
tive um avô paterno que foi padre (apesar de só ter dado uma missa
e o malandro acabou por casar com a minha avó já em terceiras
núpcias) e um convicto espírita que usava a sua esposa que era
médium nessas sessões: a minha avó . Contava o meu pai que ele
conseguia por vezes a materialização dos espíritos, que consiste na
emanação de um fluido branco através do corpo da médium ,
denominado ectoplasma , que toma diversas formas, inclusive a
humana. É neste fenómeno que se baseia a imagem dos fantasmas
como umas figuras etéreas brancas. O meu próprio pai tinha a
capacidade de descobrir se uma pessoa era médium e a colocar em
transe. Soube mais tarde que à boca pequena, chamavam-lhe bruxo
na empresa onde trabalhava .
Obviamente esta minha trilha espiritual levou-me a ler uma
infinidade de livros . E rapidamente passei da literatura meramente
lúdica para a literatura metafísica. Os livros de aventuras de Enid
Blyton , Júlio Verne e principalmente o extraordinário Emilio
Salgari que durante anos me levou a viajar pelas paragens mais
exóticas do planeta em fantásticas aventuras deram inicialmente
lugar ao Lobsang Rampa , Carlos Castaneda, Jacques Bergier e
outros autores esotéricos. Depois procurei nos grandes escritores
ajuda e romances como Fio da navalha, a Ilha e Sidharta ,
ajudaram-me na convicção que se queria a verdade teria que me
inclinar para o místico Oriente (como a maioria das pessoas que
fazem este percurso) , nomeadamente para religiões como o
Hinduísmo e principalmente o Budismo . E rapidamente cheguei
a conclusão que Deus não existe ! existe é no Universo um tipo
de energia muito especial que anima todos os seres vivos (ideia
panteísta) . Ao fim ao cabo é a vida ! Agora a questão que se punha
era se quando morremos essa energia se dissipa ou se mantém junta
(não perdendo uma certa identidade) porque ela não desaparece
(como lavoisier dizia "na natureza nada se perde tudo se
transforma") e se podemos ter um contacto mais estreito com ela
de forma a conhecer melhor o universo e nós próprios.
Portanto acabei inevitavelmente por chegar à conclusão que o
único caminho espiritual a percorrer resume-se a explorar um
processo de introspecção chamado de meditação que consegue
provocar estados de espírito que proporcionam bem estar físico/
emocional, lucidez, corrigir algumas deficiências de personalidade
(ocupando o papel da nossa imprevisível e cara psicoterapia) e
ganhar algumas habilidades circenses, como dominar a dor e até
privar o organismo de necessidades básicas como comer, dormir e
respirar (obviamente durante algum tempo). Tem-se feito
experiências nos últimos anos, nomeadamente estudado homens
debaixo de uma transe meditativa e recorrendo à imagiologia por
ressonância magnética conseguem verificar que o seu cérebro tem
padrões completamente anormais , para além dos seus sinais vitais
(pulsação e tensão arterial) serem dignos de fenómeno .
Mas mesmo assim ainda persistia uma dúvida pertinente: através
desse controlo da mente consegue-se atingir a tal iluminação que
tanto o oriente apregoa ? A tal iluminação que os budas (homens
santos) pretensiosamente atingiram. Para quem não está
familiarizado com o termo, iluminação é o equivalente de
santidade no contexto judaico-cristão. A realidade é que se
procurarmos por verdadeiros homens santos simplesmente não os
encontramos. Uma ida à Índia (a Meca espiritual) vai ser
completamente infrutífera como tem sido constatado por muitos ao
longo dos séculos apesar das centenas de pretensos iluminados com
que nos iremos cruzar . Até o imaculado Dalai Lama , talvez a
actual figura pública mais próximo da santidade, tem encoberto o
que se passava naqueles mosteiros budistas ao longo dos tempos :
pedofilia , escravatura infantil e todo o tipo de abusos. E se num
passado recente houve um homem que mais se aproximou dessa
imagem foi Mahatma Gandhi , um homem meditativo , que
professou o principio da não-agressão como um meio de revolução
como o fez Jesus Cristo . Mas curiosamente o inigualável Liev
Tolstói com que ele se correspondia e era um confesso admirador,
também atingiu esse pacifismo sem a bendita meditação ...
Com esta minha tendência espiritualista prejudiquei-me algumas
vezes , a principal quando tentei ingressar na policia judiciária.
Depois de passar as varias provas e de já estar num restrito numero
de candidatos (só faltavam as provas médicas) , se bem me lembro
éramos aproximadamente 70 de um universo inicial de mais de
3000 candidatos, chumbei numa entrevista . Numa prova de grupo
imediatamente anterior referi a fé como forma de ultrapassar o
medo : tinha sido sugerido que escolhêssemos 3 vocábulos
relacionados com o medo e que os debatêssemos . Na entrevista
subsequente o psicólogo perguntou-me o que eu queria dizer com
fé porque ele e a colega não tinham percebido . Expliquei-lhe que
não era a fé religiosa, mas o pensamento positivo que permite com
mais facilidade um homem atingir seus objectivos. O tal
pensamento positivo que os self-made-men possuam - todo o
homem de sucesso é optimista por natureza a par de uma grande
ambição - e que a Sofrologia estuda , mas o ignaro psicólogo
continuou a matraquear-me até ao fim com perguntas do tipo "mas
você acredita na evolução das espécies ?". Estava marcado e à
saída perguntei-lhe ingenuamente se tinha passado : o individuo
respondeu-me que não me podia dizer mas que havia pessoas com
mais perfil que outras ...
A MEDITAÇÃO VIPASSANA
Após este preambulo que julgo necessário voltemos então a seita
denominada de meditação vipassana . O fundador , um tal Sr.
Goenka, criou um estilo de meditação supostamente seguindo os
métodos tradicionais que o próprio Siddhartha Gautama criou e
usou (o fundador do Budismo) e que tinham ficado perdidos no
tempo . Que ingénuo que fui : só este pretensiosismo é bem
revelador que é mais do que provável estarmos na presença de uma
trapaça . Durante a minha curta estadia - ao fim de 4 dias saí
completamente frustrado e revoltado - descobri que isso era um
engodo porque o que ele criou efectivamente foi uma seita religiosa
com métodos brutais para obter um proselitismo fanático. Eu tive
conhecimento da existência desta seita através dum documentário
que passou na televisão que mostrava o sucesso da sua aplicação
numa prisão americana e na posterior pesquisa na internet dei por
mim a fazer uma inscrição num curso de 10 dias, gratuito, em que
promovia o ensino da técnica (http://www.pt.dhamma.org/). Nesse
site explicava um código de conduta durante esse retiro , que
inadvertidamente não reparei na altura, tal a confiança que já sentia
nessa técnica meditativa e que na realidade consistia na colocação
de um aluno num isolamento quase total e sobre um jugo ditatorial
daqueles monitores. Mas ia muito para além disso como vim
infelizmente a constatar...
Quando chegamos (fui de boleia com mais 3 participantes porque
eles disponibilizavam os contactos de alguns participantes a quem
precisasse de transporte) foi-nos exigido os telemóveis e as chaves
dos carros. Posteriormente pediram-nos também livros, material
para escrever ou qualquer equipamento que possuíssemos. Até o
tabaco era interdito . Ao fim ao cabo ficávamos apenas com a roupa
que levávamos , saco cama e os artigos de higiene pessoal.
Preenchemos um formulário onde descrevíamos dados pessoais
como doenças , formação académica e profissional, experiencias,
uso de drogas, etc. e indicávamos se existia mais alguém no curso
que conhecêssemos (depois percebi a razão desta informação) .
Nesse documento comprometíamo-nos com a nossa assinatura a
permanecer lá durante todo o curso .
O monte Mariposa (http://www.montemariposa.co.uk/) é uma
herdade isolada (para lá chegarmos temos que ir por uma estrada
de terra batida) a poucos quilómetros de Tavira e constituída por
um edifício principal e várias cabanas dispersas pelo campo
adjacente . É um local bonito, sem luxos mas que está bem
conservado e do conhecimento de quem anda neste mundo da
ciências alternativas porque promove lá todo o tipo de cursos,
retiros e actividades deste âmbito. Durante o retiro Vipassana eles
entregam literalmente a quinta à seita : não existe mais ninguém
neste espaço para além dos alunos e dos membros da organização
vipassana .
Serviram-nos uma refeição ligeira ao entardecer e após um breve
discurso proveniente duma cassete áudio colocada numa mísera
aparelhagem Hi-Fi portátil que indicava as regras de conduta ,
levaram-nos até à porta de uma sala , a sala de meditação de grupo
onde iria decorrer o curso .
Esta sala acolhedora penso que teria aproximadamente 100 m2 e
estava integrada no edifício principal . Era quadrangular e com
soalho em madeira e duas das paredes eram constituídas por
vidraças que possuíam portas de correr . A parede de fundo estava
forrada a xisto e tinha uma pequena abertura que servia tipo
clarabóia . As vidraças estavam hermeticamente tapadas por
papeis de modo a que fosse impossível observar do exterior. Nas
duas portas de acesso havia cortinas : as mulheres entravam a partir
do interior do edifício e os homens a partir do exterior. Mas havia
ainda uma terceira porta por onde os Professores acediam a esta
sala. Defronte desta entrada colocaram vários panos para
encobrirem esta passagem. Hoje ainda não percebo a razão ...
Fomos chamados um a um pelo nome para entrar e nos sentarmos
num local especifico : havia uma almofada azul onde nos
deveríamos sentar de pernas cruzadas. Deveria ser de pernas
cruzadas com a coluna erecta porque em frente estava um palco
com duas pessoas hirtas (um homem e uma mulher que vim a saber
mais tarde ser marido e mulher, ela Portuguesa e ele estrangeiro)
semi iluminadas na penumbra da sala e na postura habitual de
meditação , com os olhos fechados e supostamente num profundo
transe meditativo . Eram os nossos mestres, os nossos salvadores,
os iluminados ... A atribuição de um lugar especifico na sala era de
grande importância como mais tarde vim a constatar porque
serviria para quando houvesse uma ausência, saberem
imediatamente quem seria a pessoa em falta e actuarem. Também
obviamente sabiam assim os nomes das pessoas e quem eram elas
pelas informações que ingenuamente disponibilizássemos no tal
formulário de várias páginas (eu por acaso escrevi o mínimo não
por desconfiança mas por achar irrelevante) . E a ordem também
tinha sido escrupulosamente definida : os alunos antigos, os que já
tinham feito este curso anteriormente (havia quem já fosse na 8 vez
!) ficavam nas primeiras filas o que percebi mais tarde que este
critério era de extrema importância porque assim eles serviriam de
exemplo para os novos na sua constante postura rígida e submissa
. Depois de todos termos entrado foi ouvido um discurso ,
novamente em cassete , o tal Goenka num inglês macarrónico do
pior que já ouvi até hoje e posteriormente uma tradução em
Brasileiro . Os tais professores pouco falaram durante a minha
permanência . Ela nunca falou e ele limitava-se a colocar as
cassetes áudio por ordem e fingiam estar a meditar , digo fingir
porque abriam os olhos constantemente, para observar os alunos
e censurar alguém com o seu olhar . O olhar dele era
particularmente severo quando detectava alguém com os olhos
abertos , distraído ou numa postura incorrecta. Em último caso
chamavam o servidor responsável pelos homens ou das mulheres
e sussurrado ao ouvido a ordem que seria transmitida por este ao
aluno em questão e curiosamente como se fosse da iniciativa do
servidor : o professor já não olhava para o aluno censurado , como
constatava porque estava constantemente a abrir os olhos para
tentar perceber o que se estava a passar à minha volta. Portanto os
servidores eram os seus ajudantes (cerca de 10/12 pessoas) que os
iriam ajudar na doutrinação e na confecção da comida para um
grupo de aproximadamente 60/70 pessoas de todas as idades,
nacionalidades , extractos sociais e estilos de vida. De facto o
ambiente era de tal maneira heterogéneo que não havia nenhum
"grupo" que tivesse grande predominância . Penso que havia um
maior número de mulheres (ocupavam uma metade da sala devido
à segregação sexual) e que os Portugueses seriam à volta de 60 %
. Predominava a faixa etária entre os 25 e os 40 anos apesar de se
encontrar algumas pessoas na faixa acima dos 60 anos.
Bem mas o suplicio começaria no dia seguinte e consistia numa
meticulosa lavagem ao cérebro que consistia num isolamento total
, fome, cansaço extremo e tortura física de modo a obter o tal
proselitismo fanático de modo a que no final do curso os
convertidos efectuassem uma oferenda choruda (soube
posteriormente que no último dia eles iriam solicitar donativos),
publicitassem aquela técnica e porque não , voltarem para um novo
curso como muitos faziam . Agora é vital para perceberem esta
atrocidade o que é uma lavagem ao cérebro
LAVAGEM AO CÉREBRO
Ivan Pavlov entre muitas experiências , nomeadamente o reflexo -
condicionado , observou que quando sujeitados a uma tensão
física ou psíquica prolongada, os cães exibiam todos os sintomas
de uma profunda depressão nervosa. E no seu caminho para o
colapso final, os cães tornam-se anormalmente sugestionáveis.
Quando o paciente se encontra perto do limite da sua resistência
cerebral, é fácil fazerem-lhe adoptar novos comportamentos que
ficam radicados para sempre. O animal em que tais formas de
comportamento foram implantados não pode voltar a ser
descondicionado. O que o animal aprendeu sob o seu estado de
tensão, permanecerá como parte integrante do seu ser. Além disso
, constatou-se que , provocando deliberadamente o medo, a cólera
ou a ansiedade, se aumentava sensivelmente a sugestibilidade do
cão. Se estas emoções forem levadas a um alto ponto de
intensidade, durante um tempo suficiente longo, o cérebro põe-se
em "greve". Quando isto acontece , podem instalar-se, com o
maior sucesso, novos padrões de comportamento . Para o
aspirante a ditador estas descobertas contêm importantes
consequências práticas e já foram usadas em campos de
concentração, por regimes ditatoriais e seitas religiosas !
Aparecem muitas definições de lavagem ao cérebro nas mais
diversas publicações mas invariavelmente referem que é uma
acção psicológica sobre uma pessoa para eliminar os seus
pensamentos e reacções pessoais, através da utilização da coerção
física ou psicológica. Ás vezes são mais detalhadas e explicam
este processo como uma doutrinação cujo objectivo fundamental é
a alteração de atitudes e crenças de uma pessoa, de forma que aceite
como inquestionável um determinado ponto de vista político ou
religioso e que técnicas como o isolamento, a privação de alimentos
ou de sono, a hipnose, a repetição constante e até mesmo a tortura
física podem ser usadas para quebrar a resistência e aumentar a
dependência do sujeito à lavagem cerebral.
Como Fernando Semedo conta no seu prefácio do livro
"Parasitas de Deus" : "um jovem de 17 anos, filho de uma pessoa
amiga, distanciou-se completamente da sociedade para se envolver numa
seita de origem oriental. Mais tarde veio a ter aproximações a outro tipo
de seitas, não apenas alimentado pelo exotismo oriental mas também por
organizações esotéricas e pela Dianética. Isto sensibilizou-me de um modo
particular para a percepção dos diversos graus e fases da metamorfose
que nele se verificou, com a transformação de inteligente e sensível numa
apatia que lhe suscita um estado de dependência e ilusão de tranquilidade
que ele próprio deixou de racionalizar"
Faz-me lembrar um grande amigo meu de adolescência (durante 3
anos andamos sempre juntos) que se deixou envolver nas drogas
duras e acabou numa comunidade para cura de toxicodependentes
que pertencia a uma igreja/seita religiosa qualquer que já não me
lembro o nome . Tempos mais tarde encontrei-o e estava curado
mas a um preço muito alto : qualquer motivo de conversa servia
de pretexto para citações bíblicas e ainda me lembro que dizia
coisas espantosas tais como a existência de mensagens de Satanás
ocultas em trechos de música Rock . E indicava que facilmente
poderíamos identificá-las : para tal bastava escutar o disco de vinil
a determinadas rotações (para além das 33 rotações por minuto).
Impressionante ! o meu amigo Rui que eu conheci tinha
desaparecido para sempre !
Mas voltando a Fernando Semedo, este jornalista investigou
várias seitas como os Meninos de Deus, Testemunhas de Jeová,
Mormons, Nova Acrópole, Moonismo, Hare Krishna, Dianética e
Cientologia e invariavelmente chegou à conclusão que estes
grupos religiosos usam a lavagem ao cérebro , destroem pessoas,
instrumentalizam as mentalidades e as aspirações. E afirma :
"Executam de preferência em silêncio, planos meticulosos arquitectados e
dirigidos a atingir objectivos que sonegam. É que nas seitas , a condição
humana não tem espaço, apesar de ser esse um dos temas predilectos que
usam na selecção de adeptos"
Regressando à seita de meditação Vipassana, eles atraem os
incautos através do fascínio do exótico e das filosofias orientais
associado à crença que vamos APENAS aprender uma técnica de
meditação (supostamente praticada por Buda e perdida no tempo
...) durante 10 dias e totalmente gratuito. Imbuídos nesse espírito,
progressivamente somos levados numa espiral de fanatismo e
lavagem ao cérebro em que a maioria deixa-se levar placidamente
. Tenho que reconhecer que de facto eles são exímios : em apenas
10 dias vão tentar fazer o que outras seitas levam semanas ou meses
a faze-lo ! Eu consegui safar-me porque já me tinha sido feita uma
lavagem ao cérebro nos Comandos e posteriormente li muito
material que versava esse tema. Mas mesmo assim ainda lá
permaneci 4 dias ...
Vamos explicar as técnicas por eles utilizada dividida pelos vários
itens de uma lavagem ao cérebro clássica :
ISOLAMENTO
Ficávamos isolados do mundo! não podíamos comunicar com
ninguém no interior e exterior e inclusive tínhamos cordas em todo
o perímetro do edifício (a poucos metros de distancia deste) para
não nos afastarmos . O espaço exterior que nos era permitido usar
era tão diminuto , apesar do tamanho da quinta, que poderíamos o
percorrer em poucos minutos . Tinham-nos sido retirado as chaves
do carro e o telemóvel. Isolamento total porque tal como estava no
seu folhetos e na sua pagina na internet
(http://www.pt.dhamma.org/) os alunos não poderiam comunicar
com ninguém excepto em casos muito pontuais , era como se
estivéssemos sós no mundo, reparem que nem poderíamos
comunicar por olhares ou gestos :
"Todos os praticantes devem respeitar o "Nobre silêncio" desde o início do
curso até à manhã do último dia completo. Nobre silêncio significa silêncio
de corpo, palavra e mente. Não é permitido qualquer tipo de comunicação
entre os praticantes, incluindo gestos, palavras, notas escritas, etc..."
"Os meditantes devem manter-se dentro do local onde se dá o curso
durante os dez dias. Poderão sair apenas com o consentimento do
professor. A comunicação com o exterior, incluindo cartas, telefonemas e
visitas, não é autorizada antes do fim do curso. Telemóveis, bips e outros
aparelhos electrónicos devem ser entregues aos organizadores. Em caso de
emergência, um amigo ou parente poderá contactar a organização."
"Mantem-se uma completa segregação dos sexos durante o curso. Os
parceiros, casados ou não, não devem ter qualquer contacto durante todo
o curso. O mesmo aplica-se aos amigos ou membros da mesma família."
Quem nos observasse de longe com uns binóculos ficaria
estupefacto porque não perceberia o nosso comportamento :
homens (as mulheres tinham outro espaço para frequentar) que nos
breves intervalos das ininterruptas e massacrantes sessões de
meditação deambulavam no exterior num total silêncio e
abstracção - o nobre silêncio . Ninguém interagia, inclusive os
servidores estavam sempre atentos se havia algum descuido, mas
também não era preciso porque todos nós entravamos naquele jogo
pensando que o isolamento era necessário para se conseguir a
plenitude da técnica administrada. Posso-vos dizer que quando saí
e quis desmascarar aquela prática miserável às pessoas da minha
camarata (eram 2 quartos com 12 alunos) não me ligaram e nem
tão pouco se dignaram olhar-me, talvez pensando que saía por falta
de identificação com aquela prática ou mesmo fraqueza por não
aguentar aquele duro regime . O único que comunicou comigo foi
Hermínio , das poucas pessoas com quem tinha comunicado no dia
da chegada e que me tinha confessado que no passado tinha estado
envolvido com os Hare Krishna em Lisboa... E só comunicou
comigo porque fui me despedir dele e alertá-lo para o que se estava
a passar . Acabou por me responder laconicamente "que aquilo até
lhe estava a fazer bem" . Ele nessa manhã, uns momentos antes ,
tinha desmaiado na sala de meditação : caiu da cadeira batendo com
a rosto no chão o que lhe provocou dois grandes hematomas na
testa ... Era o único homem que estava numa cadeira, um luxo
extraordinário naquele ambiente . Havia duas a três mulheres em
cadeiras na sala . No entanto havia mais três que estavam
encostados à parede . Um deles um tipo baixo, típico portuense, até
tinha um fato de treino que dizia "invicta", sempre de chinelos de
quarto , cabelo muito bem penteado e um ar radiante a partir do
momento que o deixaram encostar-se à parede . Havia no grupo
uma mulher em avançado estado de gravidez.
Lembro-me que havia um estrangeiro que parecia um autentico
robot. Deveria já ter feito aquele curso várias vezes porque estava
na fila da frente e a sua postura muita erecta e a sua abstracção total
do ambiente era impressionante. Tinha constantemente o seu olhar
ou no chão ou no vazio e era como se estivesse efectivamente só !
Eu sempre olhei para as pessoas a tentar identificar reacções, apesar
de não comunicar minimamente - após o contacto visual virava o
meu olhar - mas havia também outros alunos que o faziam (raros)
.
PRIVAÇÃO DE ALIMENTOS
O alimento era constituído por um pequeno almoço às 4h30 da
manhã . O almoço servido às 11h00 e só voltaríamos a comer mais
qualquer coisa por volta das 17h00 : apenas um chá acompanhado
por 1 ou 2 peças de fruta . A comida que era rigorosamente
vegetariana, apanágio destas seitas de índole oriental , estava
colocada numa mesa, onde nós em silencio total nos servíamos em
self service. Portanto não jantávamos, e essa informação não estava
indicada no site , informando erroneamente que esta limitação era
só para os mais antigos :
"Existem três preceitos adicionais que os praticantes mais antigos (aqueles
que já tenham participado num curso de nove ou dez dias de S.N. Goenka
ou um dos seus professores-assistentes) devem cumprir:
Abster-se de entretimentos sensoriais e uso de adornos.
Abster-se de usar camas altas ou luxuosas.
Abster-se de comer depois do meio-dia.
Estávamos sem comer desde as 11h até as 4h30 da manhã do outro
dia , excluindo o frugal lanche : mais de 17 horas de jejum !
SONO
Como podem constatar na pagina na internet
(http://www.pt.dhamma.org/) o dia começava às 4h00 e terminava
às 22h00 . Seriam 6 horas diárias de sono na melhor das hipóteses
mas a realidade era outra . Seriam 6 horas se a a meditação final
acaba-se às 21h30, o que tenho as minhas mais sérias duvidas , mas
não tinha relógio para o confirmar ... Mas ainda havia outra
situação : eu, como muitos outros aproveitava o período depois das
22h00 para tomar banho e ainda bastaria alguma insónia para este
período de descanso ser dramaticamente curto.
A noite anterior à minha saída passei-a em claro , sem dormir um
único segundo. Não sei se foi pelos nervos de ter descoberto o que
se passava ali e na conjectura do que haveria de fazer para
incriminar estes fanáticos (não seria fácil porque não existiriam
vitimas confessas) se haveria outra razão : o meu colega da cama
ao lado (o tal portuense) passou a noite a acender a lanterna para
ver as horas no seu relógio (cheguei a perguntar-lhe a horas sem
sucesso) e o Hermínio que estava um pouco mais longe ouvi-o por
várias vezes suspirar e mexer-se na cama numa óbvia insónia . Será
que colocaram alguma coisa na comida ? é só uma suposição mas
não me admiro ...
DESGASTE FISICO
Só por si o pouco alimento vegetariano e as poucas horas de
descanso levariam a um desgaste físico iminente. Se a isto
associarmos uma carga horária diária simplesmente esmagadora o
cansaço extremo irá instalar-se em poucos dias . Verifiquem com
os vossos próprios olhos em http://www.pt.dhamma.org/ :
4:00 Despertar
4:30-
6:30
Meditar na Sala de Meditação ou
no seu quarto
6:30-
8:00 Pequeno-almoço
8:00-
9:00
MEDITAÇÃO DE GRUPO NA SALA
DE MEDITAÇÃO
9:00-
11:00
Meditar na Sala de Meditação ou
no seu quarto, segundo conselho
do professor
11:00-
12:00 Almoço
12:00-
13:00
Descanso, e entrevistas com o
professor
13:00-
14:30
Meditar na Sala de Meditação ou
no seu quarto
14:30-
15:30
MEDITAÇÃO DE GRUPO NA SALA
DE MEDITAÇÃO
15:30-
17:00
Meditar na Sala de Meditação ou
no seu quarto, segundo conselho
do professor
17:00-
18:00 Lanche e descanso
18:00-
19:00
MEDITAÇÃO DE GRUPO NA SALA
DE MEDITAÇÃO
19:00-
20:15
Palestra do professor na sala de
Meditação
20:15-
21:00
MEDITAÇÃO DE GRUPO NA SALA
DE MEDITAÇÃO
21:00-
21:30 Período de perguntas na sala
21:30 Recolher e apagar luzes
Desde as 4h00 da manhã até às 22h00 não parávamos tirando a 1,5
hora do pequeno almoço , mais as 2 horas para o almoço e 1 hora
para o lanche . Perfaz 4,5 horas mas se subtrairmos pelo menos 1,5
horas que levávamos no refeitório durante essas refeições
(estávamos numa fila até chegar a nossa vez de servirmo-nos e
ainda tínhamos que lavar a nossa louça) , sobram-nos 3 horas de
descanso. Somando os curtos intervalos de 5/10 minutos entre
actividades (actividades é um eufemismo porque era
exclusivamente uma actividade : mantermos sentados no chão em
posição de meditação com os olhos fechados concentrando-nos
num objectivo, como por exemplo sentir a respiração a passar nas
nossas narinas) estes não perfaziam de certeza 2 horas diárias .
Ficamos das 18 horas diárias com um descanso de 5 horas o que dá
quase 14 horas de actividade diária contrário ao que eles
informavam :
"O dia começa às 4 horas da manhã com um gongo para despertar e
continua até às 21 horas. São cerca de 10 horas de meditação ao longo do
dia, com intervalos e períodos de descanso regulares"
E que actividade era essa ?
O primeiro dia foi exclusivamente concentrarmo-nos na respiração
na zona do nariz . O segundo dia para detectarmos um ponto na
zona do nariz onde a respiração tocava . O terceiro dia tínhamos
que tentar sentir uma sensação qualquer nesse ponto que seria entre
o lábio superior e as narinas. Existem outros tipos de meditação ,
como deixar circular os pensamentos livremente, concentrarmo-
nos num tema , tentarmos construir na mente uma imagem
pormenorizada de uma divindade, mas ali o tipo de concentração
era só um : concentramo-nos em supostas sensações corporais que
tentávamos esforçadamente descobrir .
No terceiro dia comecei a desconfiar daquelas meditações porque
não sentia rigorosamente nada , apesar de andar a meditar de manhã
à noite , e verifiquei que com os outros não era muito diferente : a
uma determinada altura o Professor chamou-nos lá a frente (em
grupos de 4 pessoas) e perguntava um a um , sussurrando, se
tínhamos tido alguma sensação . As sensações sentidas pelos meus
colegas , ao contrário de mim que informei que não sentia
rigorosamente nada , eram as mais banais possíveis : sentiram
calor, ou uma comichão ou coisa que valha . Como devem calcular
tudo isto se passava num ambiente de grande silencio e solenidade.
O quarto dia falavam em sentir sensações pelo corpo todo , isto é,
concentrávamo-nos em diversas zonas do corpo e tentaríamos
sentir sensações nesses locais. Finalmente já diziam que a dor
servia como sensação ou mesmo o roçar da roupa no corpo !
Elucidativo ...
Há que também que perceber que a actividade "Meditação no seu
quarto" não era praticado por quase ninguém ! eu era dos muito
poucos que depois do despertar e antes do almoço aproveitava esse
período para ir para o quarto meditar numa posição mais
confortável : com as costas encostadas à cabeceira da cama . No
entanto os servidores passavam nos quartos para verificar se os
alunos estavam a meditar ou se estavam a descansar ou dormir.
A pouco a pouco eles foram aumentando o grau de dificuldade
relativamente ao tempo de imobilização no chão e acabou por ser
mera tortura ! no dia em que saí tinham colocado uma nota no nosso
refeitório que informava que para além do programa normal cada
aluno tinha que permanecer 3 horas por dia em total imobilidade
no chão e com as costas direitas. Também tinham afixado uma
folha a tranquilizar os alunos explicando que o que faziam não era
tortura mas algo necessário à evolução . Curioso terem colocado na
manhã posterior à noite em que confrontei o Professor
relativamente a essa questão ...
Ao fim de poucas horas no primeiro dia apercebi-me que estar
sentado no chão com as pernas cruzadas era um verdadeiro suplicio
e julguei que isso se devia a minha falta de prática de meditação
nessa posição (com as técnicas de Maharaji a posição do corpo é
irrelevante) e que isso me iria distrair do objectivo que era a
concentração em algo proposto.
Fiquei preocupado e fui falar com o Professor no tal período
permitido (das 12h às 13h) e para tal tive que escrever o meu nome
numa lista que estava afixada no refeitório masculino que continha
os nomes de quem tinha duvidas a esclarecer.
Nesse dia depois de chamaram-me (chamavam à ordem) o Mário
indicou-me uma almofada azul no chão para me sentar que presumi
de pernas cruzadas em frente aos Professores que estavam no tal
palanque , também eles sentados em posição de meditação. Mário
era o servidor responsável pelos homens e parecia-se muito com o
nosso Jorge Palma , tinha os pés à Charles Chaplin e era de um
servilismo abjecto. Lembro-me de quando o vi a primeira vez ,
quando cheguei ao Monte Mariposa, de comentar que ele tinha um
ar de lunático. Parecia sempre que não tinha dormido e era ele que
o Professor usava para transmitir as suas ordens e se tivéssemos
algum problema seria a ele que comunicaríamos.
Olhando de baixo para cima , numa óbvia posição de submissão,
expliquei a minha preocupação : não tinha tido grandes progressos,
aliás eram quase nulos, e imaginava que a razão estava na
dificuldade em concentrar-me porque ficava absorto no mau estar
provocado pela posição de sentado em que passava o dia. Ele
tranquilizou-me dizendo que isso era normal e com o tempo as
dores passavam.
Voltei no segundo dia , poucos tiravam duvidas, porque a lista
continha poucos nomes, um dois ou três no máximo. Preocupado
porque não tinha sentido grande coisa novamente - a respiração a
passar tinha que tocar num ponto determinado - e ele uma vez mais
tranquilizou-me : se eu sentia pelo menos o ar que corre nas narinas
? se o sentia bastava ! mas quem não sente ?! dois dias para sentir
apenas o ar a passar pelas narinas ...
Neste segundo dia comecei a verificar que o mal estar era
generalizado pois muitas pessoas mexiam-se constantemente e nos
rostos estava estampado o sofrimento. Continuava paulatinamente
a abrir os olhos para analisar o ambiente em meu redor . Na altura
fiquei tranquilizado e até contente : afinal não era o único .
A uma determinada altura senti-me vitorioso : os Professores
saíram (saiam todos os dias aquela hora , na surra ,
presumivelmente para descansarem do massacre daquelas 3 horas
seguidas) e deixavam todo o grupo em meditação até à hora do
lanche. Havia a possibilidade de levantar e sair (nesse dia
comprovei-o na sequencia deste exercício) mas quase todos
queriam mostrar que conseguiam permanecer naquela posição o
máximo de tempo possível e seguir o exemplo dos servidores que
ocupavam o espaço contíguo ao palanque. E contendo o mal estar
que se apoderava do corpo, que abrangia os rins, as costas e as
nádegas , deixei-me estar até que um a um começaram a ceder e a
sair.
Alguns voltavam depois, mas era um erro : facilmente claudicavam
novamente. Acabei por ficar com meia dúzia de homens na sala -
os outros tinham desistido . E curiosamente até os mais antigos
tinham cedido . Até o fanático robot . Tínhamos estado 4 horas
nisto e ainda faltava todo o período após o lanche .
Comecei entretanto, como muitos outros, a descobrir manhas : era
preferível manter uma posição estoicamente e só mudar ao fim de
uma hora para outra posição. Através da observação percebi que
havia mais duas posições que podia alternar : com as pernas
encolhidas e encostadas ao peito e uma outra com as pernas
dobradas para trás.
Descobri igualmente que se colocasse varias almofadas de modo a
ficar mais alto isso diminuiria consideravelmente o desconforto. Os
alunos antigos , os que estavam nas linhas da frente, usavam
estoicamente apenas uma almofada e só isso conferia-lhes um
respeito adicional.
Entretanto começaram a aparecer pessoas sentadas em cadeiras e
outras com as costas encostadas à parede do fundo e mais tarde
soube que só em ultimo caso (depois de muitos queixumes ) é que
eles cediam e permitiam isso. E de facto era uma pequena minoria.
Do grupo de 60 , 70 pessoas havia no quarto dia umas 8 nestas
condições.
E aí despertei e comecei a perceber da incoerência : se a dor que
nos consumia durante todo o dia naquelas posições era necessário
à aprendizagem daquela técnica (julgava eu para tentar perceber
aquilo) e se havia pessoas sentadas confortavelmente esse
propósito estava completamente ausente para elas !
E elas invariavelmente mostravam um ar patético de felicidade por
aquela graça e não estavam minimamente preocupadas pelo facto
de o mau estar ter sido amenizado o que revelava irrefutavelmente
que não lhes tinham transmitido que a dor era necessária aquele
propósito.
Era uma contradição que pelos vistos passava despercebida aquele
pessoal . E no quarto dia revelou-se em toda a dimensão o que eles
efectivamente pretendiam : infligir o máximo de sofrimento para
conjuntamente com o cansaço provocar o colapso anímico
necessário à lavagem cerebral !
Depois de esgotados por um dia todo nestas posições excruciantes
, já à noite e no pretexto da introdução de uma nova técnica de
meditação pediam a imobilidade total , com olhos fechados e
coluna erecta durante 2 horas ! no final a cassete áudio explicava
que a posição erecta (o que dificultava exponencialmente o
exercício) era necessário e que mais para a frente explicariam a
razão. Havia gemidos surdos na sala e a minha rebeldia fez me abrir
os olhos varias vezes e verifiquei que obviamente alguns já tinham
mudado de posição para amenizar aquele sofrimento, como os 2
alunos que estavam a minha frente.
Após aquele suplicio deram-nos um intervalo curto (uns 5 minutos
) e chamaram-nos novamente para a sala. Agora a menina brasileira
da cassete pedia para ficarmos em total imobilidade uma vez mais
durante 1 hora , mas a posição era facultativa . Fez-se me luz : afinal
a coluna erecta era só para aumentar o sofrimento , porque agora ,
inexplicavelmente não era necessário . Lembrei-me
automaticamente de uma prova duríssima de "prisioneiros de
guerra" que é feita nos Comandos : colocam uma pessoa em
posições desconfortáveis e com a cabeça tapada somos obrigados
a permanecer nessa posições durante horas . Esta era uma das
provas mais duras dos Comandos e era rigorosamente o que eles
estavam a fazer .
Obviamente neste momento marimbei-me para a meditação e
mudei de posição varias vezes. Mas mesmo assim foi muito
doloroso. Estivemos sentados no chão praticamente o dia todo em
posições totalmente desconfortáveis. Quando terminou a sessão de
tortura as pessoas levantavam-se com muita dificuldade e com um
ar de grande sofrimento . Deram-nos mais um curto intervalo e
regressaríamos para o discurso da praxe : a cassete durante mais de
uma hora (não sei o tempo porque como já disse não tinha relógio)
a falar mal de outras religiões e a explicar que a doutrina que
professavam era o único caminho.
A dissertação era muito básica e saltavam de um assunto para outro
sem aparente nexo, os estrangeiros passavam para outra sala onde
ouviriam em inglês pela boca do próprio Goenka e os outros
ouviriam a respectiva tradução em brasileiro. Escusado será dizer
que era horrível ficar sentado no chão , apesar de já não ser imóvel,
aquela hora da noite : estávamos todos estoirados e aquilo era um
suplicio ! E uma vez mais fez-me lembrar o que os Comandos
faziam : quando já estávamos extremamente cansados levavam nos
ao cinema de Santa Margarida para vermos filmes de guerra.
Lembro me do suplicio : não tínhamos posição nas cadeiras
desconfortáveis de madeira se alguém conseguia adormecer (um
verdadeiro milagre naquelas condições ) logo apareci alguém para
dar um valente carolo na cabeça da vitima .
Cá fora no exterior, depois da sessão do discurso, um aluno (nessa
noite descobri que se chamava Rogério) passou-se e quebrando o
"nobre silêncio" foi ter com o Mário e na presença de outros alunos
exclamava : "vocês estão a abusar ! eu tenho uma hérnia discal e
já não me aguento ". Tinha reparado que durante o tal discurso
habitual ele não aguentava mais o mal estar e estendeu as pernas ,
sendo logo corrigido pelo Mário a pedido do Professor. Ele estava
duas filas à minha frente e já tinha reparado nestes dias que ele era
um dos poucos que ainda olhava para os colegas e principalmente
sorria - portanto ainda não estava formatado . O meu lado
subversivo aproveitou logo a oportunidade para me aproximar e
tentar de alguma forma criar mais confusão de forma a
desestabilizar aquela treta. Mas o esperto Mário com o dedo na
boca mandava-lo falar baixo para os outros não o ouvirem e quando
me aproximei fui logo escorraçado mas ainda tive tempo de mandar
uma piada ao Rogério (mais um a quebrar o "nobre silencio") :
"parecia que estavas na praia !" Foi instantâneo , desatamos às
gargalhadas e eu tive que fugir até onde podia, isto é, até onde as
cordas nos deixavam , e no limite daquela prisão, naquela noite,
irrompi às gargalhadas como à muito não dava. Que prazer ! Foi
muito difícil parar. Aquela solenidade toda associada à treta que
eles nos queriam impingir também tinha um lado muito cómico e
lembro-me que já tinha regressado à sala de meditação e foi uma
dificuldade tremenda não irromper novamente às gargalhadas.
Penso que foi um momento muito critico para aquela organização
quando demos aquelas risadas estridentes mesmo em cima e em
frente da porta (ainda aberta) para a sala de meditação onde ainda
estava muita gente e os ilustres Professores e servidores : não há
nada mais perturbador e subversivo que o riso !
No final do dia existe sempre a possibilidade de interpelar os
professores (como está no horário) e eu estava com a esperança que
o Rogério o fizesse para me meter no barulho e desmascara-los à
frente de todos . Que vontade que eu tinha ! Mas ele não o fez
porque hesitou o que foi suficiente para a oportunidade ter-se
gorado : uma vez mais as pessoas após a pergunta do Professor "se
havia questões..." começaram imediatamente a levantarem-se sem
tão pouco deixar o Professor terminar a frase para irem finalmente
dormir. A razão das perguntas serem no final era obviamente para
elas nunca serem colocadas em grupo . Era preferível serem feitas
sem ser na presença dos outros durante o dia às 13h00. Mas
curiosamente reparei que enquanto as pessoas saiam da sala, desta
vez aproximaram-se pessoas dos professores e o Rogério também
o fez. Aquilo tudo estava a ferver dentro de mim e também dirigi-
me para lhe colocar as questões que fervilhavam na mente nas
ultimas horas . Depois de atender o Rogério e mais um individuo
sentei me na tal posição subserviente (lembro me que estava
nervoso) e disse-lhe que estava confuso porque não percebia para
que servia a dor no meio daquilo tudo . Eu já começava a desconfiar
do verdadeiro propósito mas no fundo ainda havia uma réstia de
esperança que ele me desse uma resposta satisfatória. Mas o
individuo deve ter sido apanhado de surpresa porque deu-me uma
resposta estúpida : "dor era uma sensação como outra qualquer" .
E eu respondi : " uma sensação qualquer !? passamos o dia todo
em sofrimento ... não estou a perceber ... e mais : se existe algum
fundamento para isso não percebo como estão pessoas sentadas
em cadeiras ou encostadas à parede quando neste caso o
sofrimento é quase ausente". Quem me conhece sabe que sou
agressivo e falo muito alto e ainda havia pessoas atrás de mim para
colocarem questões . Tinha havido momentos antes as inesperadas
gargalhadas e agora estava alguém a confrontá-los publicamente .
O tipo contrapôs e disse que quem estava nessa situação (cadeiras
e encostados à parede) também sofria o mesmo. Azar o dele porque
eu estou habituado a passar o dia todo sentado com as pernas
cruzadas e com as costas encostadas ao sofá com o meu portátil ao
colo e portanto retorqui que isso não correspondia a verdade. Por
fim o Professor já muito incomodado e ela (uma figurinha pequena
muito morena , inicialmente até pensei que fosse indiana) a mexer-
se nervosamente , atendendo à minha obstinação (continuava a
dizer que não percebia !) acabou por me despachar dizendo para
amanha ao meio dia vir ter com ele .
SUGESTÃO
A cassete que eles estavam sistematicamente a meter desde a
madrugada até ao deitar tinha o corolário e a sua materialização às
19h00.
"Todas as noites, às 19 horas, há uma palestra em vídeo do professor, S.N.
Goenka, que fornece um contexto para os meditadores compreenderem as
suas experiências do dia"
Esta palestra não era dada pelo Professor em sala mas mais uma
vez por uma cassete áudio. Só neste momento era efectuada a
separação entre os Portugueses e os estrangeiros que passavam para
outra sala onde ouviam o interminável discurso doutrinário na
língua original . Era um suplicio ! esperávamos que aquela
lengalenga terminasse rapidamente e mexíamo-nos e remexíamo-
nos no chão já sem posição de estar .
Até ao quarto dia qualquer pessoa ministraria aquele curso porque
bastaria estar sentado em posição de meditação e ir passando as
cassetes áudio em momentos apropriados . E como já referi , apesar
de nos panfletos eles não discriminarem outras religiões,
"Os benefícios produzidos pela meditação Vipassana têm sido
experimentados por pessoas das mais diversas crenças religiosas, sem
terem tido qualquer conflito com a fé que professam"
"O caminho todo (Dhamma) é um remédio universal para problemas
universais e não tem nada que ver com qualquer religião organizada ou
sectarismo. Por isso, pode ser praticado livremente por todos em qualquer
lugar ou em qualquer momento, sem criar conflitos entre raças, castas ou
religiões, provando ser igualmente benéfico para todos e cada um"
a palestra consistia em enaltecer aquela doutrina oriental em
detrimento de outras religiões que desprezavam descaradamente
chegando mesmo a chamar idiotas às pessoas que as seguiam .
Sugeriam uma filosofia de vida e explicavam detalhadamente o que
deveríamos fazer e ser na vida de uma forma quase infantil . Aqui,
logo no segundo dia comecei a desconfiar que afinal não vínhamos
para aprender um método de meditação, mas sim tínhamos caído
no seio de uma seita religiosa. O timing desta palestra , ao final do
dia , não era ao acaso : já com sono e extremamente cansados é um
momento propicio para sugestionar um cérebro.
SAÍDA
Na última noite não dormi nada a pensar no que se tinha passado .
Já imaginava aqueles tipos a darem drogas nos dias seguintes
porque seria a única forma plausível para as pessoas saírem dali
satisfeitas porque ao fim de 4 dias não se tinha passado nada, bem
pelo contrário, e a Guida (que tinha ido de boleia comigo) tinha
dito que aquilo ao fim de uns dias era espectacular ... a verdade é
que bastaria uma quantidade mínima de um alucinógeneo qualquer
para aquele pessoal que estava a ficar altamente sugestionável
começar a sentir todo a panóplia de sensações e endeusarem
aqueles Professores semi-iluminados que tanto os queriam levar à
iluminação ...
Após o despertar das 4h00 foram todos meditar para a sala de
meditação apesar de haver a possibilidade de o fazerem no quarto
numa posição muito mais confortável e eu uma vez mais fiquei no
quarto e aproveitei para procurar pelo Rogério . Encontrei-o ainda
deitado e estava muito chateado : dizia que tinha uma hérnia e que
não se conseguia levantar . Expliquei lhe que eles estavam a fazer
meticulosamente uma lavagem ao cérebro e tudo não passava de
uma estratégia para nos meterem uma cassete no cérebro. Apesar
de muito revoltado via-se que não acreditava na minha teoria .
Depois de termos falado durante mais de meia hora à beira da sua
cama e sempre com a preocupação que aparece-se alguém
(estávamos às escuras e tínhamos apenas a luz da minha lanterna
acesa) decidimos o seguinte : ele , se não lhe dessem uma cadeira
nessa manhã ia-se embora ou fugia se não o deixassem. O
Professor na noite anterior no tal episodio que referi tinha-lhe
negado diplomaticamente uma cadeira e ele sabia que já tinha sido
recusado a outros (não me lembro de como ele o soube ) . Eu disse-
lhe que estava a pensar ir embora no entanto uma decisão já tinha
tomada : como não tinha dormido nada , iria tomar o pequeno
almoço e depois dormir e logo decidiria se me iria embora ou não.
Teria que pedir essa autorização também. Foi o que fizemos os 2
quando encontramos o Mário na sua vistoria matinal às camaratas
para ver se estávamos a dormir ou a meditar ! explicamos as nossas
exigências (eu exagerei dizendo que estava com enxaquecas e com
uma infecção urinaria, isso era verdade porque passei a noite toda
a deslocar-me à casa de banho) e ele pedindo constantemente para
falarmos baixo disse que ia falar com o Professor.
Quando estava na fila silenciosa para o pequeno almoço apareceu
novamente o Mario pedindo para o acompanhar : depois de
afastarmo-nos do refeitório disse-me delicadamente que o
Professor deixava descansar-me mas tinha que ir às sessões de
meditação de grupo . O quê ? então não podia ir-me deitar ? disse-
lhe que não aceitava essa imposição e que já decidia o que fazer.
Fui tomar o pequeno almoço e depois regressei ao quarto e
impulsivamente arrumei as minhas coisas . Fui ter com o Rogério
ao outro quarto (estavam todos deitados a descansar) e comuniquei-
lhe alto e a bom som de modo a que os outros ouvissem a minha
decisão , acrescentando que estávamos a ser vitimas de uma
lavagem ao cérebro . Ele informou que ficava porque em principio
lhe davam uma cadeira ... despedimo-nos e escusado será dizer que
os outros não me ligaram peva.
Estava preparado a se não me deixassem sair (tinham o meu
smartphone) partir para a violência e começar ao pontapé àquela
porcaria toda ! O meu desvario estava ampliado pelo facto de não
ter dormido . Apesar de serem muitos aparentemente não me
pareciam tipos violentos . Fui ter com o Mário já com o saco feito
e expliquei lhe que me ia embora. Ele não se mostrou surpreso e
disse que estava bem , mas que primeiro tinha que ir falar com o
Professor . Veio dez minutos depois e acompanhou-me até à sala
de meditação onde o Professor estava sozinho à minha espera e
quando me aproximei apontou-me a almofada no chão para me
sentar . Disse-lhe bruscamente e agressivamente que não me
sentava mais aos pés dele ! o Mário fez menção de se aproximar de
mim, mas ele exclamou : "tudo bem Mário ! saí e deixa-nos a sós
" . Depois do Mário ter saído da sala disse : "Então se quer assim
eu falo de baixo para cima. O que se passa ? ". Ele continuou
sentado e eu fiquei de pé - a posição de submissão tinha-se
invertido - e expliquei-lhe irritadamente que sabia o que eles
estavam a fazer ali , lavagem ao cérebro, e que a mim não a fariam
de certeza ! Desmascarei detalhadamente todos aqueles métodos.
Eu estava nervoso e furioso , agravado por não ter dormido nada
nessa noite e o meu blusão de cabedal e as minhas botarras
Salomon devem ter transmitido uma sensação de ameaça porque o
tipo ficou nervoso apesar da sua expressão facial não transparecer
nervosismo mas as palavras traiam-no porque já saiam
entarameladas. Não me tentou demover a sair, percebeu que se não
saísse iria arranjar problemas no grupo como já o tinha feito na
noite anterior com as gargalhadas e quando o questionei ao final do
dia, e apenas disse que eu estava enganado mas como estava
resoluto na decisão que me deixava sair ... Fui tão estúpido, não lhe
dei resposta aquela de me deixar sair ... no fim pediu-me para não
ficar perto da sala de meditação para os outros não me verem. E
respondi-lhe para ficar descansado que ninguém me viria porque
ia-me embora .
Um servidor muito simpático , o Pedro, que ia até Tavira às
compras deu-me boleia de modo a apanhar o autocarro para Lisboa
e na conversa que tivemos durante o caminho e já na estação na
cidade , explicou-me que a Vipassana (eles pronunciavam vipá
xana) tinha-o livrado das drogas . Então percebi que estes métodos
brutais poderiam até ser úteis à sociedade para casos drásticos
como toxicodependentes e criminosos (daí o tal documentário que
vi numa prisão americana) porque conseguem alterar os
comportamentos destrutivos destes indivíduos transformando-os
em pessoas amorfas.
CONCLUSÃO
Toda a minha experiencia religiosa infelizmente leva-me a concluir
que a falsidade e hipocrisia que existe nas religiões ocidentais
repete-se inexoravelmente nas orientais. É tudo a mesma porcaria
como o célebre documentário "zeitgeist" que circula na Internet
tenta demonstrar (apesar de provavelmente possuir alguma falta de
verdade , exagero e até sensacionalismo). A religião
inequivocamente funciona como o ópio do povo porque vai
transforma-lo para uma maior docilidade e apatia .
Existem casos paradigmáticos , como o mundialmente famoso
escritor Paulo Coelho que tanta gente aprecia e tantos livros vende
. Na realidade ele usa o mundo esotérico apenas para vender . Ele
não acredita em nada daquilo e é tão fácil percebe-lo . Por exemplo
no celebérrimo romance "O Alquimista" , que já vendeu milhões
de cópias em todo o mundo , o protagonista decide partir em uma
busca do "auto-conhecimento" e no final a conclusão a que chega
é tão estúpida que fiquei incrédulo como aquele livro teve tanto
sucesso. De facto o livro prendeu-me até ao fim (ele mistura o
mundo esotérico numa fluidez de escrita que nos envolve
magistralmente) mas não passa de um grande impostor.
Lembro-me também de outro campeão de vendas o controverso
Osho, talvez dos poucos homens que descreveram o fenómeno
"iluminação", e vemos que não passa de um homem de grande
lucidez , que admiro muito , mas que está a milhas de distancia da
santidade.
Também pratiquei yoga numa colectividade (casa do povo de
Corroios) durante aproximadamente seis meses e com um total
insucesso. Lembro-me que às vezes alguns dos alunos mais antigos
incrivelmente adormeciam (ouvíamos ressonar ruidosamente)
durante a chamada meditação transcendental . Meditação
transcendental é quando o instrutor nos guia e sugestiona durante
esse processo introspectivo através de um discurso premeditado
sempre acompanhado de musica angelical . Do tipo : " agora
imagine-se que está em paz e num jardim cheio de pássaros a
chilrear e lindas flores ... "
Uns anos mais tarde , numa sessão igualmente de meditação
transcendental , que pagávamos , o instrutor no final perguntava a
cada um o que tínhamos vivenciado e havia descrições
mirabolantes dignas das fabulas de La Fontaine . Eu , minha
namorada e filha não tínhamos sentido rigorosamente nada ! Eu
penso que a explicação para esta dicotomia é que a imaginação de
algumas pessoas é tão pródiga que cria sonhos e sensações que são
interditas às pessoas mais terra à terra. E é devido a este factor que
estas práticas ainda atraem pessoas porque ao fim ao cabo a
utilidade prática é equivalente a uma oração na sua sugestão do
nosso subconsciente. Não existe mais nada para além disto .
Mais tarde obtive uma gravação áudio de meditação
transcendental que dispensava a presença do instrutor e
frequentemente praticava. E acabei de descobrir se adormece-se
levemente durante a sessão e acorda-se antes do fim da gravação
ficava bem disposto fruto da sugestão positiva .
Tenho contactado ao longo do tempo com pessoas ligadas ao
mundo religioso/esotérico e todas são normalíssimas e que não se
distinguem das demais apesar das suas praticas e rituais religiosos
. Paradoxalmente muitas vezes são pessoas extremamente
egocêntricas e infelizes . Parece que procuram na religião o consolo
que a vida e o seu carácter não lhes dá. Será que eu também o fiz ?
THE END
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