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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO
UNISAL – CAMPUS MARIA AUXILIADORA
Elenir Santana Moreira
A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM
DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA
INCLUSIVO
Americana
2016
Elenir Santana Moreira
A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM
DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA
INCLUSIVO
Dissertação apresentada como exigência para obtenção
do grau de Mestre em Educação no Programa de
Mestrado em Educação, área de concentração:
Educação Sociocomunitária, sob orientação da Profa.
Dra. Valéria Oliveira de Vasconcelos.
Coorientação: Profa. Dra. Norma Silvia Trindade de
Lima.
Americana
2016
Moreira, Elenir Santana.
M837p A produção da identidade e diferença da criança com deficiência no
ambiente educacional que se denomina inclusivo / Elenir Santana Moreira. –
Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2016.
127 f.
Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – SP.
Orientadora: Valéria Oliveira de Vasconcelos.
Inclui bibliografia.
1. Educação infantil. 2. Identidade. 3. Educação inclusiva. 4. Narrativa.
5. Crianças deficientes – Brasil. I. Moreira, Elenir Santana. II. Centro
Universitário Salesiano de São Paulo. III. Título.
CDD 371.9
Catalogação elaborada por Lissandra Pinhatelli de Britto – CRB-8/7539
Bibliotecária UNISAL – Americana
ELENIR SANTANA MOREIRA
A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM
DEFICIÊNCIA NO AMBIENTE EDUCACIONAL QUE SE DENOMINA INCLUSIVO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu do Centro
Universitário Salesiano de São Paulo, como
parte dos requisitos para a obtenção do título
de Mestre em Educação – área de
concentração: Educação Sociocomunitária.
Linha de pesquisa:
A intervenção educativa sociocomunitária:
linguagem, intersubjetividade e práxis.
Orientadora: Profa. Dra. Valéria Oliveira de
Vasconcelos.
Coorientação: Profa. Dra. Norma Silvia
Trindade de Lima.
Dissertação defendida e aprovada em ____/____/______, pela comissão julgadora:
__________________________________________
Profa. Dra. Maria Teresa Eglér Mantoan – Membro Externo
Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
__________________________________________
Profa. Dra. Renata Sieiro Fernandes – Membro Interno
Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL
_________________________________________
Profa. Dra. Valéria Oliveira de Vasconcelos – Orientadora
Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL
Dedico este trabalho a todas as crianças que me
possibilitaram viver sentidos e significados do
mundo de maneira tão bela e própria da infância.
AGRADECIMENTOS
A Deus, a quem meus pais me ensinaram a amar, desde muito pequena, e em quem
aprendi que posso confiar em todos os momentos, principalmente quando me faltam palavras.
À minha avó, que me contou as primeiras histórias e me mostrou que sonhar era
preciso.
Aos meus amados pais, que sempre foram zelosos com minha educação e me
ensinaram uma multiplicidade de coisas, algumas das quais só fui entender que sabia quando
já não os tinha comigo.
Aos meus queridos cinco irmãos e quatro irmãs, que me carregaram no colo, tomaram-
me pelas mãos, permitindo-me ser criança por mais tempo.
Ao Lincoln, companheiro, amigo, pelo constante bom humor, que me ensina a levar a
vida com mais leveza, sendo capaz de ouvir, ponderar e, sobretudo, de me acalmar.
À Laura, que me ensinou a ver belezas desconhecidas e talvez nem ainda sonhadas,
mas que torna possível reviver a ternura do abraço constante.
Aos meus sobrinhos, de ontem e de hoje, especialmente aos dois primeiros (Silvane e
Sílvio), com quem aprendi a amar as crianças.
Às companheiras e professoras, coautoras da minha trajetória profissional. Entre
tantas, àquelas que na caminhada tornaram-se amigas e puderam compreender minha ausência
nesse momento da jornada, Miriam, Celinha, Vânia, Bete, Denise, Margareth, Milene,
Márcia, Déia, Nathália, Elizeteia.
Às amigas, Celly e Regina, juntas iniciamos este sonho de querer conhecer um pouco
mais, além de também dialogarmos sobre sentimentos ternos.
Aos novos amigos que se fizeram ao logo do mestrado, Paulo e Emílio.
À professora doutora Norma Trindade de Lima, quem me conduziu durante o processo
de pesquisa e estudo. Gratidão pelo encontro e reencontro, pela sabedoria nas ponderações e o
acolhimento de sempre. Obrigada pela compreensão diante daquilo que para mim parecia
incompreensível, o que me possibilitou ir além do imaginado.
À professora doutora Valéria Oliveira de Vasconcelos, que ao final do caminho
constitui-se minha orientadora e soube com conhecimento e delicadeza conduzir o processo.
Ao querido professor Severino Antônio, que com sua sabedoria imensurável me
ensinou a “rever” belezas guardadas em nossas crianças, que em suas aulas a todos sensibiliza
e encanta com grandioso respeito e acolhimento.
À professora Rubia, que com sua competência e docilidade nos toma pela mão e nos
faz querer ir adiante.
À professora doutora Renata Sieiro Fernandes, que tive o prazer de conhecer na
apresentação de meu trabalho para os Grupos de Pesquisas do Centro Universitário Salesiano
de São Paulo (UNISAL), quando me fez apontamentos pertinentes, de maneira encorajadora e
respeitosa, o que me instigou a querer saber mais.
À professora doutora Maria Teresa Eglér Mantoan, profissional que provocou em mim
deslocamentos, para que eu pudesse assim compreender, lutar e querer uma educação possível
para todas as pessoas.
A todas as crianças, em especial a Kamau, Amir e Abayomi, que me ensinaram a “ver
e ouvir” outras possibilidades de escuta, e para as quais tive um olhar mais atento no
momento de construção de dados durante a realização desta pesquisa. A Imagem 1 mostra
como as crianças brincam, com contentamento, sem se importar com as diferenças.
Imagem 1 – Entre sonhos e areia
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
RESUMO
Pelo olhar do outro, as narrativas e as identidades vão sendo construídas e marcadas pela
diferença nos espaços educacionais. A identidade é feita de representações criadas e
compartilhadas socialmente; as imagens de si e do outro e os sentidos atribuídos a ela não são
constantes nem estáticos. Nessa perspectiva, a presente pesquisa tem como objetivo investigar
a produção da identidade e a diferença da criança com deficiência dentro do Centro de
Educação Infantil (CEI) que se denomina inclusivo. A finalidade do referido estudo é saber
como as narrativas ou as práticas, tanto discursivas quanto não discursivas, de professoras e
crianças sem deficiências (de 3 a 6 anos) vão criando efeitos, sentidos e significados
compartilhados, tornando-se modos de dizer sobre o outro e colaborando, ou não, para a
produção da identidade e da diferença da criança com deficiência. Alinhando-se, assim, a uma
visão educacional sociocomunitária, que busca a emancipação dos sujeitos, respeitando e
significando sua história, bem como a práxis educativa. Buscou-se, ainda, refletir sobre
algumas questões, tais como: Quais são as vozes que atravessam as narrativas das crianças e
das professoras? A criança com deficiência “escapa” do sentido produzido e compartilhado de
identidade e diferença que lhe é atribuído? Se sim, como isso ocorre? Quais as possíveis
linhas de fuga? Trata-se de uma pesquisa qualitativa e participante em que as
narrativas/histórias apresentadas fundem-se com as vozes dos pesquisados e da pesquisadora,
a fim de que outras histórias possam ser contadas e recontadas. A seleção das narrativas é
feita com base em questionários, diário de campo, observação participante, desenhos e
fotografias. O trabalho realizou-se em dois CEIs de uma rede municipal de educação infantil,
no interior de São Paulo, tendo como participantes 4 professoras e 16 crianças de 3 a 6 anos,
entre as quais 2 com deficiências. A luz do referencial teórico, pautado em autores pós-
estruturalistas que conjecturam sobre a educação e a produção de subjetividade na
contemporaneidade, contribui para que as narrativas aqui apresentadas marquem o lugar
singular que cada sujeito ocupa dentro do CEI. Destacam-se, neste estudo, Tomaz Tadeu da
Silva, Stuart Hall e Kathryn Woodward, contribuindo com a reflexão sobre a produção da
identidade e da diferença. Conclui-se que o encontro com as crianças e suas criações tecem
em nós sutilezas capazes de possibilitar outro olhar, para e sobre as identidades e diferenças.
Palavras-chave: Educação infantil. Identidade. Diferença. Inclusão. Narrativa. Criança com
deficiência.
ABSTRACT
By the other’s perspective, the narratives and the identities are being constructed and marked
by the difference in the educational spaces. The identity is made of representations created
and socially shared; the images of yourself and the other and the senses conferred to them are
not constants or statics. In this perspective, the following research aims at investigating the
production of the identity and the difference of the children with disability inside the
children’s educational center (CEI), which is denominated inclusive. The purpose of said
study is to know how the narratives or the practices both discursive and not discursive of the
teachers and children without disability (from three to six years old) create effects, senses and
shared significances, becoming ways to talk about the other and collaborating, or not, to the
production of the identity and difference of the disable child. Aligning, this way, to a social
communitary educational vision, that seeks the emancipation of the subjects, respecting and
signifying their story, as well as the educative praxis. We sought, yet, to reflect about some
questions such as: which are the voices that cross the children and teacher’s narratives? Does
the disabled child “escape” the produced and shared sense of identity and difference that is
attributed to her? If so, how does it occur? What are the possible leakage lines? It is a
qualitative and participant research, in which the narratives/stories presented combine with
the researched and researcher voices, in order to make possible to other stories be told and
retold. The narratives selection is made based on surveys, field diary, participant observation,
drawings and photography. The work was conducted in two CEI of a municipal system of
Children’s Education, in the countryside of São Paulo, having as participants four teachers
and sixteen children from ages three to six, among whom two were disabled. The light of the
theoretical referential, lined in post-structuralist authors who conjecture about the education
and production of subjectivity in contemporaneity, contributes for the narratives here
presented to mark the singular place that each subject occupies inside the CEI. Stand out, in
this study, Tomaz Tadeu da Silva, Stuart Hall and Kathryn Woodward, contributing with the
reflection about the production of identity and difference. We conclude that the encounter
with the children and their creations spin on us subtleties capable of enable other perspective
for and about the identities and differences.
Keywords: Childeren’s Education. Identity. Difference. Inclusion. Narrative disabled child.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
• AG – Agrupamento
• AEE – Atendimento Educacional Especializado
• AVD – Atividades de Vida Diária
• AVP – Atividade de Vida Prática
• BDTD – Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
• CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
• CEMEI – Centro Municipal de Educação Infantil
• CEI – Centro de Educação Infantil
• CF – Constituição Federal
• DO – Diário Oficial
• ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
• EJA – Educação de Jovens e Adultos
• EMEF – Escola Municipal de Ensino Fundamental
• EMEI – Escola Municipal de Educação Infantil
• LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
• LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais
• NEE – Necessidades Educacionais Especiais
• ONG – Organização Não Governamental
• TEA – Transtorno do Espectro do Autismo
• UNIMEP – Universidade Metodista de Piracicaba
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 – Entre sonhos e areia..............................................................................................07
Imagem 2 – Bolha de sabão .....................................................................................................13
Imagem 3 – Lobo mau, que olhinho é esse? ...........................................................................18
Imagem 4 – Caminhando juntos 1 ...........................................................................................26
Imagem 5 – Caminhando juntos 2 ...........................................................................................27
Imagem 6 – Caminhando juntos 3 ...........................................................................................28
Imagem 7 – Relações mais que possíveis.................................................................................33
Imagem 8 – O que é a infância? ...............................................................................................41
Imagem 9 – Veja que eu também quero ver.............................................................................53
Imagem 10 – Infâncias .............................................................................................................55
Imagem 11 – Juntos aprendemos melhor..................................................................................56
Imagem 12 – Enchendo o pneu ................................................................................................59
Imagem 13 – Olhar atento 1......................................................................................................60
Imagem 14 – Olhar atento 2......................................................................................................60
Imagem 15 – Desvendando caminhos......................................................................................66
Imagem 16 – Gestos que nos tocam..........................................................................................73
Imagem 17 – Azul.....................................................................................................................76
Imagem 18 – Entre desenhos e traços.......................................................................................79
Imagem 19 – Azul para o olho dela..........................................................................................81
Imagem 20 – Orelhinha e batom ..............................................................................................81
Imagem 21 – Nala. Desenho 1..................................................................................................82
Imagem 22 – Nala. Desenho 1.2 ..............................................................................................82
Imagem 23 – Vermelho de terra...............................................................................................83
Imagem 24 – Cabelo azul e grande...........................................................................................83
Imagem 25 – Nala. Desenho 2 .................................................................................................84
Imagem 26 – Cadeira, nuvens e chuva.....................................................................................84
Imagem 27 – Flor, cachorro e casinha .....................................................................................85
Imagem 28 – Nala. Desenho 2.2 ..............................................................................................85
Imagem 29 – Quem quer brincar coloca a mão aqui................................................................86
Imagem 30 – Urbi. Desenho 1 .................................................................................................87
Imagem 31 – Urbi. Desenho 2 .................................................................................................88
Imagem 32 – Tomando pela mão 1...........................................................................................90
Imagem 33 – Tomando pela mão 2...........................................................................................90
Imagem 34 – Tomando pela mão 3...........................................................................................91
Imagem 35 – Tomando pela mão 4...........................................................................................91
Imagem 36 – Tomando pela mão 5...........................................................................................92
Imagem 37 – Tomando pela mão 6...........................................................................................93
Imagem 38 – Tomando pela mão 7.......................................................................................... 93
Imagem 39 – Tomando pela mão 8...........................................................................................94
Imagem 40 – Tomando pela mão 9...........................................................................................94
Imagem 41 – Ressignificando experiências 1...........................................................................96
Imagem 42 – Ressignificando experiências 2...........................................................................96
Imagem 43 – Ele é bonitinho, eu gosto dele e ele brinca comigo............................................ 99
Imagem 44 – Gosto dele e ele brinca comigo.........................................................................101
Imagem 45 – Eu gosto dele.....................................................................................................101
Imagem 46 – Ele e a casa dele................................................................................................102
Imagem 47 – Ele e a mamãe dele...........................................................................................102
Imagem 48 – Ele e eu..............................................................................................................103
Imagem 49 – Ele é meu amigo, ele brinca comigo e eu gostei do aniversário dele...............104
Imagem 50 – Eu gosto dele.....................................................................................................104
Imagem 51 – Eu fiz um arco-íris para ele...............................................................................105
Imagem 52 – Ele é meu amigo e adora brincar comigo..........................................................106
Imagem 53 – Feliz aniversário para ele .................................................................................106
Imagem 54 – Ele é meu amigo................................................................................................107
Imagem 55 – Ele é legal..........................................................................................................107
Imagem 56 – Um caminho e muitas mãos..............................................................................109
Imagem 2 – Bolha de sabão
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
À GUISA DE INTRODUÇÃO
MEMORIAL: ENCONTROS POSSÍVEIS, SONHADOS E IMAGINADOS
Eu me pego olhando para as diversas crianças brincando no pátio do Centro de
Educação Infantil (CEI), com bolhas de sabão soltas ao vento, cheias de ar, refletindo as cores
do ambiente.
Elas correm alegremente atrás das bolhas, enquanto busco ponderar como são
produzidas ou narradas a identidade e a diferença da criança com deficiência dentro desse
CEI, espaço que se denomina inclusivo, querendo compreender quais sentidos e significados
são atribuídos à identidade e à diferença dessa criança. Constato que diversas são as marcas
constituídas pela linguagem, as quais, ao longo do tempo, me instigam, pois se referem às
terminologias utilizadas para nomear as crianças com deficiência dentro da referida escola.
Como professora de Educação Especial da rede municipal de Campinas há mais de
vinte anos, na prática diária de trabalho verifico os diferentes lugares ocupados pela criança
com deficiência e a professora1 de Educação Especial no interior desse CEI que se denomina
inclusivo. Lugar este que hoje ouso chamar de NÃO lugar por não ser considerado legítimo
dentro do referido CEI e por sempre necessitar da autorização do outro (da professora da
classe) para ser realizado. Esse NÃO lugar me levou, e ainda me leva, a re(pensar) como me
constituí professora, e então me lanço às lembranças de quando eu ainda era criança, bem
como de minhas experiências no universo escolar, que foram iniciadas em uma cidade do
interior do Paraná, a pequena Maria Helena.
Dona Maria José, minha avó, não possuía livros de histórias nem brinquedos
coloridos para mostrar a mim e a meus cinco irmãos e quatro irmãs, mas era possuidora de
uma imaginação apreciável e contadora de suas próprias histórias, pelas quais nos fazia
transitar com toda paixão e encantamento.
Em noites com ou sem luar, e até mesmo em dias frios, ela punha-nos deitados em
lençóis, debaixo da imensidão do céu, e então tudo passava diante de nossa imaginação. Sua
voz, às vezes doce, outras misteriosa, levava-nos a mundos inimagináveis. Monstros ferozes,
guerreiros valentes, ursinhos meigos, estrelas voadoras e de cores diversas e vibrantes
tomavam conta do nosso imaginário.
1 Será usada a terminologia “professora”, por ser do gênero feminino a maioria dos profissionais que exercem
essa função dentro das escolas municipais de Campinas.
Às vezes, um começava a contar uma história e o outro terminava; assim, noites que
poderiam ter sido apenas a hora de ir dormir, passavam a ser momentos de histórias, que até
hoje não sabemos se eram reais ou inventadas, mas que trazemos na memória e no coração. O
gesto era simples, mas as marcas impressas em minha lembrança são majestosas. O que
poderia parecer triste, se contado hoje para algumas crianças da cidade grande, para mim e
meus nove irmãos era pura fantasia. Minha avó forrava no chão de terra batido um lençol, e
sobre ele nós nos deitávamos apertadinhos, afinal eram muitas crianças querendo desvendar
aquele vasto céu. Isso foi e é tão significante para mim que sempre revivo essa memória
convidando amigos queridos a apreciarem o céu com os olhos da infância, deitados sobre um
lençol no quintal da minha casa.
Recordo-me de uma brincadeira da roça, que naquela época fazíamos sem nos sentir
culpados, afinal, na região em que morávamos, as árvores só eram cortadas para a construção
de casas, como aquelas em que nós e os vizinhos vivíamos. Casas grandes de varanda, com
quartos imensos, onde era possível ir de uma cama para a outra sem bater a “canela”. Em
nossa sala havia um piano que para ser acionado precisava de uma pedaleira, e minha mãe o
tocava, principalmente em noites de chuva.
As lembranças são tantas que me vão levando a encontros possíveis, sonhados e
imaginados, mas, voltando à brincadeira que quero contar, ela se chamava “pica, pica,
machadinha”. Funcionava da seguinte maneira: uma criança ficava na frente da turma, o líder,
e estabelecia uma regra para começar a chamar os amigos. Quem era escolhido ia para a
frente da turma, o líder da brincadeira segurava o braço da criança com uma das mãos e batia
com a outra, como se ela fosse um machado, desde o pulso até chegar ao ombro, e
perguntava: “Pica, pica, machadinha, que pau é esse?” Assim, cada um falava todas as
espécies de árvore que conhecia. Se falasse o nome certo, ou seja, aquele estabelecido pelo
líder, passaria então a ser o próximo líder, mas, se a machadinha chegasse até o ombro e ele
não acertasse o nome da árvore, perderia a brincadeira, pois no faz de conta ficaria sem o
braço e não poderia mais brincar.
Trata-se de fantasias de outrora, mas que hoje são relevantes para me dar a leveza
necessária diante da rigidez imposta pelo cotidiano, principalmente o escolar. Como tudo
aquilo era encantador, não havia a vaidade do certo ou do errado, a imaginação navegava por
rios desconhecidos, a imensidão do céu era sentida simplesmente pela possibilidade do deitar-
se sobre um lençol e de uma mente disposta a partilhar histórias e saberes. Sei que muito do
meu desejo se ser professora sobreveio das histórias contadas por Dona Maria José.
Quando criança, o trajeto que eu e meus irmãos fazíamos diariamente para chegar até a
escola, a pé, era de aproximadamente quatro quilômetros, e, apesar disso, nós não faltávamos
às aulas, mesmo morando muito longe. Filha de professora e de pai agricultor, aprendi que a
instituição escolar era um lugar de desejos e saberes. Meus pais me passavam o conceito de
que a escola era um espaço onde eu poderia aprender muitas coisas, o meio que me
propiciaria um futuro diferente daquele que eles tinham tido. Mas eu nem sempre encontrava
na escola o desejo de resposta que tinha dentro de mim, assim como não me sentia satisfeita
com os saberes que eram destinados aos alunos.
Não me recordo de ter estudado com alguém com deficiência. Aparentemente todas as
crianças eram iguais. No entanto, havia uma divisão na sala entre aquelas crianças que
aprendiam rapidamente e as que eram lentas. Sim, eram chamadas de lentas as crianças que
não aprendiam no tempo determinado pela professora ou pela escola.
Havia situações em que as tarefas a serem realizadas pelos alunos eram diferenciadas,
além disso a exposição de minhas dificuldades para as professoras não era algo natural para
mim. Eu ficava inquieta diante de algum problema, mas também não me sentia encorajada a
dialogar sobre ele. Lembro-me de que, quando eu tinha 7 anos, conheci uma garotinha da
mesma idade que eu. Ela morava em uma rua pela qual eu passava diariamente para ir à
escola. Meus pais conheciam os pais dela, mas não me lembro de ela frequentar a mesma
escola que eu, apesar de aquela ser a única instituição de ensino na cidade em que
morávamos. A menina era linda, usava sempre vestidinhos coloridos, sapatos pretos de verniz
e meia branca. Era magrinha, tinha os olhos bem azuis, cabelos loiros encaracolados e possuía
uma forma muito peculiar de se comunicar.
Na comunidade, falavam que Martinha, esse era o nome dela, era surda e muda, por
isso não adiantava falar com ela, pois a menina não entenderia.
Sem compreender direito a conversa dos adultos, sempre que meus pais paravam para
falar com os pais de Martinha em sua casa, eu fugia para o fundo do quintal para encontrá-la.
De fato, ela não falava como eu, mas emitia alguns sons com sentidos bem significantes para
mim, e nós nos compreendíamos e fazíamos todas as brincadeiras que queríamos, e assim nos
divertíamos.
Hoje sei que ela era surda e não falava, mas não sei se era muda ou se não havia
aprendido a falar. Naquela época, ninguém me explicou que Martinha poderia falar de outra
forma, então fui construindo a minha fantasia em relação a sua maneira de comunicar-se.
A partir do quarto ano do ensino fundamental, passei a estudar no município de
Campinas, pois meus pais, cansados da agricultura, vieram para a cidade grande. Continuei
morando longe da escola, embora não tanto quanto antes, e mesmo assim não faltava às aulas,
pois a escola trazia possibilidades que não existiam em minha casa.
Nesse novo espaço, não encontrei nenhuma criança com deficiência em minha sala de
aula. Fui gradativamente me acostumando com a escola da cidade grande, que era bem
diferente da outra. Nela eu não conhecia todas as crianças, a maioria só via no ambiente
escolar e nem imaginava onde poderiam morar.
O tempo foi passando e, a partir do sexto ano, fui estudar em uma escola que acabara
de ser construída, em um bairro mais perto do meu: lá eu tinha mais proximidade com os
colegas.
No sétimo ano, li Dibs, em busca de si mesmo, de Virginia M. Axline. Dibs era um
menino de 5 anos que, na escola, era confundido com uma criança com deficiência intelectual.
Ele vai a consultas com uma psicóloga e começa a manifestar conhecimentos escondidos,
despontando assim para uma inteligência que antes não era conhecida, e, a partir disso, sua
identidade passa a ser produzida de outro modo. Quando terminei a leitura do livro, fiquei
inquieta, refletindo: Onde tem uma criança como essa? Como será estar com uma criança
assim? Busquei novamente em minha memória e não consegui recordar de nenhuma criança
com deficiência que tivesse estudado comigo.
Hoje sei que todos esses eventos constituíram um espaço dentro de mim que me
direcionou ao lugar que eu iria ocupar profissionalmente. Optei por não fazer magistério,
segui fazendo o ensino médio comum e também não encontrei na sala de aula ou na escola
nenhum aluno com deficiência. Essa ausência me inquietava e me levava a outros
questionamentos. Eu queria reflexões referentes às crianças que não aprendiam. Comecei,
então, a pesquisar sobre possíveis cursos que pudesse fazer na faculdade.
Compreender os sujeitos, buscando abranger seu contexto histórico, relacionando
fatores sociais, econômicos, culturais e políticos sempre foi algo que me fascinou. Assim, em
um primeiro momento, pensei em ser psicóloga, mas, com a história da menina Martinha e do
menino Dibs persistindo em minha mente, elegi o curso de pedagogia com habilitação em
deficiência mental.
Nesse contexto, decidi que queria trabalhar com aqueles alunos que não havia
encontrado no meu trajeto escolar, mas que sabia que existiam. Iniciei o curso de pedagogia
com habilitação em deficiência mental na Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP)
em 1987, com muitos sonhos e expectativas.
Imagem 3 – Lobo mau, que olhinho é esse?
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
AS CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA: ANTES INVISÍVEIS, AGORA SE TORNAM
VISÍVEIS
O meu período de estágio estava se aproximando, finalmente eu iria encontrar as
crianças que estavam distantes das escolas e que pareciam ser invisíveis. Às vezes, as
histórias contadas sobre elas referiam-se a crianças inaptas, como se fossem incapazes de
fantasiar e de divertir-se, mesmo com brincadeiras de máscaras de lobo mau de que todas as
crianças tanto gostam.
Manifestei para minha orientadora o desejo de fazer o estágio em uma classe especial
que ficava dentro de uma escola estadual. Isso não foi possível e, embora desapontada, iniciei
como estagiária, em 1988, em uma organização não governamental (ONG) que atendia, em
um mesmo espaço físico, diversas crianças, adolescentes e adultos com deficiência
intelectual. Naquela época, era concebido como natural que essas crianças não frequentassem
uma escola de educação regular, principalmente pela argumentação muito utilizada a respeito
da a não formação específica das professoras. Foi assim que tive meu primeiro contato com
um grupo de crianças com deficiência.
Os alunos com deficiência geralmente eram agrupados por idade cronológica ou por
marcas físicas. Os objetivos dos trabalhos realizados com eles pautavam-se em Atividades de
Vida Diária (AVD), Atividade de Vida Prática (AVP) ou em conceitos, tais como: grande,
pequeno, dentro, fora, em cima, em baixo, entre outros. Nessa época, raramente se falava em
alfabetização para esses sujeitos, pois aprender a ler e a escrever eram sonhos considerados
distantes para eles.
Assim que me formei em pedagogia, aventurei-me a abrir uma escola de educação
infantil em parceria com uma amiga da universidade. Sonhava em poder concretizar projetos
guardados ao longo dos anos e incluir nessa escola alguns alunos com deficiência.
Depois de um ano e sete meses, o sonho de ser proprietária de escola passou. Fui
lecionar história para alunos do quinto ao oitavo ano de uma escola estadual na zona rural de
Campinas. Nesse período, revisitei muitas memórias e reconstruí imagens históricas por vezes
esquecidas. Aprendi como ser professora sendo professora, sem alguém que pudesse discutir
isso comigo, pois, na referida instituição escolar, cada um de nós tinha de estar com os alunos,
sem tempo para falar dos próprios medos ou anseios. Em minha sala de aula havia, no
máximo, alunos com dificuldade de aprendizagem, mas que, quando eu mudava a estratégia
de ensino, aprendiam, mesmo que pouco. Além das aulas de história, fui professora de
filosofia e supervisora de estágio de alunas do extinto magistério, por um período de quatro
meses. Não tinha muita prática para fazer as orientações, mas me pautava nas teorias, nas
visitas às escolas e nos relatos das estudantes para orientá-las.
Em 1994, ocorreu o grande marco: iniciei meu trabalho como professora de Educação
Especial em duas ONGs. Em uma delas eu trabalhava com autistas; na outra trabalhava com
crianças e adolescentes com síndrome de Down.
Nesse momento, tive a grande chance de concretizar o sonho tão sonhado e guardado.
Em períodos alternados, eu transitava por trabalhos diferenciados e ia me constituindo
professora na relação com os alunos.
No período da manhã, eu trabalhava com crianças e adolescentes com síndrome de
Down, que foram ensinando-me que eram capazes de fazer muito mais do que eu solicitava,
mostrando que se empenhavam ao extremo para dar conta de alguma tarefa.
No período da tarde o trabalho com crianças e adolescentes autistas era bem diferente.
As respostas não eram imediatas, e precisei aprender a aprender o que não era dito com
palavra.
IMERSA NO TRABALHO DA INVISIBILIDADE
Permaneci trabalhando nas ONGs até 1996, quando decidi lecionar na Educação
Especial de escolas públicas municipais de Campinas. Passei, então, a atuar como professora
itinerante, trabalhando, em média, em quatro escolas. O nome “professora de educação
especial itinerante” deve-se ao fato de esse profissional precisar deslocar-se de um espaço
para outro, atendendo às demandas relacionadas às crianças com deficiências existentes em
cada um deles.
A partir de 1998, inicia-se dentro da rede municipal de Campinas, por determinação
das políticas públicas de Educação Inclusiva, uma movimentação a favor da inclusão. Tal
movimento concebia que a Educação Inclusiva se diferenciava, terminantemente, da
integração, pois no processo inclusivo eram as escolas que deviam adequar-se às necessidades
dos “alunos portadores de deficiências”, enquanto na integração era o estudante quem devia
adequar-se aos padrões estabelecidos pela escola.
Ainda que, semanticamente, os verbos incluir e integrar tenham significados muito
parecidos, a palavra integração passa a ser “proibida” no contexto escolar. Ocorre então, por
parte dos coordenadores de Educação Especial, uma catequização sobre a distinção desses
verbos e um forte movimento para que se comece a utilizar a terminologia “pessoas com
necessidades educacionais especiais” (NEE).
Essa nova terminologia remete ao nome da própria função de professora de Educação
Especial e ao que implica ser ou ter NEE dentro da escola.
Saio, então, do conforto da suposta igualdade, criada pelas ONGs, e passo, de 1997 a
2000, a trabalhar em escolas marcadas pela diferença e pela invisibilidade, mas que, apesar
disso, buscavam incansavelmente a igualdade. Nessa época, eu ainda era professora substituta
e todo mês de dezembro tinha meu contrato de trabalho encerrado e renovado no mês de
janeiro do ano seguinte. E assim, de 2000 a 2002, trabalhei somente em uma classe especial
do estado.
Ainda no que diz respeito à linguagem, a nomenclatura mais usada até então para
referir-se às crianças com deficiências era “pessoas portadoras de deficiências”. O substantivo
“portador” me incomodava, principalmente quando pensava que quem portava alguma coisa
poderia deixar de portar.
Não aceitando, na época, a nomenclatura imposta, passo então a utilizar, em meus
relatórios, a terminologia “pessoas com deficiências” ao me referir àquela criança que tinha a
sua permanência garantida na escola, exclusivamente pela marca que carregava da diferença.
Em agosto de 2002, retorno como professora concursada para uma escola de Educação
de Jovens e Adultos (EJA), do quarto ao oitavo ano. Deparo-me, então, com uma instituição
escolar noturna que atende prioritariamente a trabalhadores.
Já havia trabalhado com adultos, mas nunca com surdos. Inicialmente, tinha diante de
mim seis alunos. No ano seguinte, eles seriam doze, distribuídos nas seis salas de aula que
existiam na escola; no entanto, nenhum outro professor sabia a Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS). Achei que fosse enlouquecer, pois os alunos surdos saíam da sala a todo o
momento para me chamar, dizendo: “Não entendo nada, professor só fala”.
Fizemos um trabalho belíssimo nessa escola, no qual organizei um curso de LIBRAS
para os professores e a comunidade, e os próprios alunos surdos me ajudavam. Conseguimos
envolver diversos professores, mas o fato de eles terem aprendido alguns sinais da LIBRAS
não iria garantir que os alunos passassem a entender a aula.
Depois de quase dois anos trabalhando com adultos, solicitei remoção para uma
Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) e um Centro Municipal de Educação Infantil
(CEMEI), acreditando que tudo seria diferente.
Porém, quando iniciei meu trabalho, foi grande o movimento de indignação, medo,
revolta, esperança e tantos outros sentimentos que as crianças deficientes causavam à escola,
tanto que o desejo emergente dessas instituições era retirá-las de lá.
Presenciei ainda, entre os muros escolares, que a matrícula das crianças com
deficiências não garantia a legitimação da legislação vigente e nem da reflexão sobre o que
seria incluir. Havia um discurso muito recorrente na época – e que ainda hoje permanece –,
que se refere à questão da formação, quando os professores diziam: “Não somos preparados
para isso”.
O movimento referente à inclusão acaba por se expandir, campanhas publicitárias
foram lançadas, visando fortalecê-lo em nível nacional. O slogan fortemente utilizado foi:
“Inclusão para Todos”.
Vestígios desse movimento aparecem nos dizeres das professoras, que, quando se
referem às crianças com deficiência, repetem: “Temos que incluir todos os alunos”; porém,
quando manifestam opinião pessoal, dizem: “Para incluir esse aluno eu tenho que deixar os
outros, porque eu tenho vinte e dois [ou outra quantidade] e mais esse aluno deficiente”.
Assim, o tempo foi passando e o aluno com deficiência continuava sendo aquele que
tinha de adaptar-se à escola. Não existia uma movimentação de mão dupla, e essas crianças,
muitas vezes, permaneciam isoladas em ambientes cheios de pessoas e marcadas pela
diferença da inferioridade.
Ao presenciar e participar de um diálogo entre duas crianças de uma EMEI, fui levada
a repensar questões como: Que marcas descrevem uma criança como deficiente? Os dizeres
das professoras possibilitam um olhar de como a escola trata os “deficientes” e os tidos como
“normais”?
O referido diálogo aconteceu durante a realização da atividade do calendário, Chinu2,
uma garotinha3
de 5 anos, estava sentada ao lado de outros colegas. Entre eles estavam dois
garotos também de 5 anos: Akil4, “deficiente físico”, e Adofo
5, que tem síndrome de Down,
ambos negros. Todos tinham em mãos uma atividade com que a professora da classe
diariamente trabalhava, desde o início do ano, referente ao preenchimento do dia atual em um
calendário correspondente ao mês.
Chinu logo realiza a atividade e espera sua vez para entregar a folha à professora.
Enquanto isso, uma fila vai formando-se no centro da sala, para que a docente recolha e
corrija, uma a uma, as atividades entregues. A professora espera cada aluno com uma
borracha na mão e vai apagando o que não está de acordo com o solicitado. As crianças que
“não acertam” voltam para as mesinhas, para refazerem a escrita “correta” do numeral. Para
falar desse momento, busco em minhas lembranças e em registros o acontecido, o tempo
presente, detalhando a cena:
Chinu olha para mim e diz afirmando:
– O Adofo não vai para a escola de cima.
Eu então lhe pergunto:
– Por quê?
Ela me responde:
– Porque ele é criança. Mas eu e o Akil vamos!
Eu faço outra pergunta:
– Você e o Akil também não são crianças?
Ela responde:
– Não, eu e o Akil somos pessoas, e o Adofo, criança!
A narrativa que a criança que não é marcada pela deficiência utiliza para se referir à
identidade e também à diferença do colega com síndrome de Down leva-nos a pensar a
respeito de como se tece o imaginário acerca do sujeito que não é “pessoa”, por essa OUTRA
criança que não é deficiente.
2 Significa: A própria bênção de Deus.
3 Todos os nomes das crianças aqui são fictícios, de origem africana, como forma de homenagear esse povo que,
assim como as pessoas com deficiência, foi marcado pela diferença negativa que inferioriza, e também por
esses nomes trazerem à tona uma significação e produção de sentidos outros, por estarem sempre arrolados
com algum acontecimento cultural. 4 Significa: Inteligente, usa a razão.
5 Significa: Que ama.
Em outra situação, quando Akil estava no banheiro para que suas fraldas6 fossem
trocadas, aproxima-se uma garotinha de 4 anos. Ela para, observa e pergunta para a professora
que está realizando a troca:
– Ele é neném?
Akil procura o olhar da professora e responde baixinho:
– Eu neném não!
A garotinha, que não havia ouvido a resposta, logo se distrai e vai para outra direção.
Podemos constatar que as narrativas dessas OUTRAS crianças que não são deficientes
estão permeadas de vozes diversas, que necessariamente não foram dirigidas exclusivamente
a elas, mas na quais elas certamente perceberam algo que lhes era transmitido; e isso está
participando de sua constituição de sujeito, de sua identidade. Podemos, então, atentar para o
fato de que: “como ato linguístico, a identidade e a diferença estão sujeitas a certas
propriedades que caracterizam a linguagem em geral” (SILVA, T. T., 2009, p. 77), já que não
há o idêntico, mas o mesmo e o diferente, concomitantemente.
Nesse contexto de reflexões e conflitos internos e externos, decidi que era tempo de
voltar a estudar, direcionando uma pesquisa para analisar como são produzidas a identidade e
a diferença da criança com deficiência, pela professora e pela outra criança que não é
deficiente.
Como bem coloca Foucault (1984, p. 13): “de que valeria a obstinação do saber se ele
assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto
possível, o descaminho daquele que conhece?” Ou seja, o conhecimento nos desencaminha e
nos move para outro lugar, no qual somos capazes de construir novas práticas e reinventar as
já construídas.
Então, aventuro-me a dizer que busco ressignificar minha prática pedagógica na
relação com a criança, que a cada olhar me alcança, e pelo qual me permito ser alcançada, no
intuito de dar outro significado ao lugar que ela ocupa dentro da escola e na sala de aula.
Lugar este que possibilita, ou deveria possibilitar, diferentes formas de aprendizagem, dando à
criança diversas maneiras de ler e escrever o mundo.
6 Por causa da espinha bífida/mielomeningocele, Akil usa fraldas. “Espinha bífida é uma má-formação congênita
do Sistema Nervoso Central que se desenvolve no primeiro mês de gestação. Na espinha bífida existe um
defeito de fechamento das estruturas que formarão o dorso do embrião e que poderá afetar não somente as
vértebras, mas também a medula espinhal, meninges e até mesmo o encéfalo”. Disponível em:
<http://www.saudeemmovimento.com.br/conteudos/conteudo_frame.asp?cod_noticia=717>. Acesso em: mar.
2015.
Avançar nas reflexões sobre os mecanismos de controle e poder que o CEI exerce
sobre as crianças com deficiências e encontrar caminhos que possibilitem em nós novos
efeitos, que nos impulsionem a novas e outras diferentes maneiras de conceber o já dito,
também é necessário e justifica esta proposta de estudo no Programa de Mestrado em
Educação do UNISAL, uma vez que a perspectiva de Educação Inclusiva alinha-se à visão
educacional sociocomunitária, pois ambas buscam a emancipação dos sujeitos, respeitando e
significando a sua história e a práxis educativa.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 26
CAPÍTULO I ......................................................................................................................... 33
1. Identidade e diferença .......................................................................................................... 33
1.2. Sociedade de controle: implicações na produção da identidade e da diferença da criança
com deficiência ........................................................................................................................ 40
CAPÍTULO II ........................................................................................................................ 49
2. Indo além das técnicas de pesquisa: a criança como sujeito ............................................... 49
2.1 De quais CEIs estamos falando? ....................................................................................... 52
2.2. Conhecendo os sujeitos da pesquisa ................................................................................. 52
2.3. Escolhendo caminhos ....................................................................................................... 56
2.4. Construção de dados no CEI 1 e CEI 2 ............................................................................. 62
2.5. Procedimentos de discussão de dados .............................................................................. 63
CAPÍTULO III ...................................................................................................................... 66
3. Caminhos percorridos por histórias tão sonhadas ............................................................... 66
3.1. Caminho 1: o dia tão esperado ......................................................................................... 67
3.2. O que as crianças nos dizem é o que imaginamos e queremos ouvir?...............................70
3.3. Caminho 2: ainda com Abayomi ..................................................................................... 73
3.4. Caminho 3: cotidiano educacional, entre relatos e fatos .................................................. 76
3.5. O desenho: caminhos percorridos entre traçados vividos e imaginados .......................... 79
3.6. Caminho 4: o desenho de Nala ......................................................................................... 80
3.7. Caminho 5: o desenho de Urbi ........................................................................................ 87
3.8. Fotografia como forma de ver o não dito ......................................................................... 89
3.9. Caminho 6: tomando pela mão .......................................................................................... 90
3.10. Caminho 7: ressignificando experiências ....................................................................... 95
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 98
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 110
LEGISLAÇÃO CONSULTADA ....................................................................................... 115
SITES CONSULTADOS .................................................................................................... 117
ANEXO 1 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................................. 118
ANEXO 2 – Carta de Apresentação .................................................................................. 119
APÊNDICE – A ................................................................................................................... 121
APÊNDICE – B .................................................................................................................... 122
26
INTRODUÇÃO
As fotografias são minhas aliadas neste trabalho, pois elas me ajudam a dizer aquilo
que porventura não consigo explanar de forma tão hábil, ou mesmo quando a explanação é
desnecessária e a imagem é capaz de capturar o que as palavras não conseguem transmitir.
Nesse sentido, evidencio a foto de uma criança que, no horário de saída, logo no início do ano
letivo, ao me ver posicionando para colocar Amir7 em sua cadeira de rodas, olha para mim e
diz:
– Deixa que a bolsa dele eu levo!
Imagem 4 – Caminhando juntos 1
Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Como professora de Educação Especial há mais de vinte anos, ponho-me a re(pensar)
a respeito do lugar ou NÃO lugar das crianças com deficiências no Centro de Educação
7 Significa: Príncipe.
27
Infantil CEI8 que se denomina inclusivo, então a imagem dos passos direcionados à porta das
crianças com e sem deficiência me vêm à memória.
Imagem 5 – Caminhando juntos 2
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
“Ouvir” a minha própria narrativa e a narrativa do outro fez-se necessário para que eu
retomasse os conceitos de identidade e diferença dos quais me apropriei ao longo da vida, o
que me fez constatar a necessidade de um aprofundamento teórico maior a esse respeito. Nesse
momento, não só meu trabalho, mas fatos e situações que vivenciei e vivencio se entrelaçam
com as leituras, fluindo em ideias e trazendo a necessidade de tomar como ponto de partida,
na presente pesquisa, o sujeito que não é uno, não é homogêneo, mas é incompleto, múltiplo,
heterogêneo e que compartilha os mesmos espaço e caminhos que outros sujeitos.
8 Denominação conforme decreto n. 18.664, de 3 de março de 2015. Dispõe sobre a denominação das escolas
municipais de educação infantil. Em seu artigo 1°: “Ficam alteradas as denominações dos Centros Municipais
de Educação Infantil (CEMEIs) e das Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs) para Centros de
Educação Infantil (CEIs)” (PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS, 2015).
28
Imagem 6 – Caminhando juntos 3
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Quando se trabalha na Educação Infantil, muitas são as narrativas ouvidas
relacionadas à identidade e à diferença das crianças com deficiência enunciadas pelos adultos
e pelas próprias crianças.
Justifica-se, portanto, investigar a produção da identidade e da diferença da criança
com deficiência, no contexto do CEI que se denomina inclusivo, a fim de se saber como as
narrativas ou as práticas discursivas e não discursivas de professoras e crianças sem
deficiência vão criando efeitos, sentidos e significados compartilhados, tornando-se modos de
dizer sobre o outro e colaborando, ou não, para a produção da identidade e da diferença da
criança com deficiência.
Além disso, interessa saber que vozes atravessam as narrativas das crianças e das
professoras, bem como se a criança com deficiência “escapa” ou não do sentido produzido e
compartilhado de identidade e de diferença que lhe é atribuído. Se sim, verificar como isso
ocorre e as possíveis linhas de fuga.
Assim, o objetivo desta pesquisa é investigar a produção da identidade e da diferença
da criança com deficiência pelas práticas discursivas e não discursivas de professoras e de
outras crianças que não são deficientes.
29
Os efeitos das narrativas nesse ambiente, que é de formação, são relevantes, uma vez
que há um discurso politicamente correto que defende a “escola para todos, a escola inclusiva
etc.”. No entanto percebe-se que as narrativas das crianças sem deficiência e das professoras
sobre as crianças com deficiência podem ser contrárias ao que se propõe oficialmente.
Pelo olhar do outro, as narrativas e as identidades vão sendo construídas e marcadas
pela diferença. Nesse contexto, a identidade é feita de representações e de imagens de si e do
outro.
Os sentidos atribuídos à identidade não são constantes nem estáticos; por isso, analisar
a cadeia de significantes que são atribuídos à linguagem no processo narrativo, dentro da
prática do espaço de educação infantil, valendo-se das narrativas das crianças e das
professoras, parece algo extremamente relevante e que possibilita fazerem-se articulações
com as teorias estudadas, a fim de criar outras possibilidades, outros modos de dizer sobre a
criança com deficiência que não seja a inferioridade em razão de sua condição. Para tanto, foi
feita uma revisão bibliográfica para se saber como a produção acadêmica vem tratando desse
assunto.
Inicialmente, tal revisão foi realizada no banco de teses da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A pesquisa aconteceu no mês de
abril de 2015, e na ocasião as teses e dissertações disponíveis eram somente do período
compreendido entre os anos de 2011 e 2012, houve então a necessidade pesquisar também em
outro órgão, com a finalidade de se obter uma revisão mais completa.
Desse modo, também foi consultada a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD), seguindo os mesmos critérios da pesquisa realizada no banco de teses
da CAPES.
Tanto no banco de teses da CAPES quanto no BDTD, a investigação deu-se pelo
cruzamento das palavras-chave: educação infantil, identidade, diferença, inclusão, narrativa,
deficiência, que conferem escopo ao presente estudo. A repetição dos vocábulos educação
infantil e deficiência em todas as buscas de combinações das palavras-chave foi proposital,
como meio de procurar pesquisas que pudessem vir ao encontro do propósito deste trabalho.
A seguir, apresento quadros com detalhamentos de como a pesquisa foi realizada no banco de
teses da CAPES.
30
Quadro 1 – Pesquisa realizada no banco de teses da CAPES
Palavras-chave Ano
Número de
registros
encontrados
Número de
trabalhos
relacionados
com o assunto
desta pesquisa
Educação infantil, deficiência
2011-2012 Total – 59
13 teses
46 dissertações
0
Educação infantil, identidade,
deficiência
2012 Total – 1
0 tese
1 dissertação
0
Educação infantil, diferença,
deficiência
2011-2012 Total – 11
2 teses
9 dissertações
0
Educação infantil, inclusão,
deficiência
2011-2012 Total – 39
5 teses
34 dissertações
0
Educação infantil, narrativa,
deficiência
2011-2012 Total – 1
0 tese
1 dissertação
0
Educação infantil, identidade,
deficiência, inclusão, narrativa,
deficiência
Total – 0 0
Fonte: Banco de teses da CAPES.
Elaboração da autora.
Dos 111 trabalhos encontrados no banco de teses da CAPES, pelo cruzamento das
palavras-chave escolhidas, leitura dos resumos, área de conhecimento, áreas afins, linha de
pesquisa e descrição da linha de pesquisa, 20 eram teses e 91, dissertações; entretanto nenhum
trabalho abordava a problemática da presente pesquisa, que é a de investigar como são
produzidas a identidade e a diferença da criança com deficiência. Desse modo, por fugirem do
escopo pretendido, esses trabalhos não serão aqui discutidos.
A pesquisa na BDTD foi realizada no mês de maio de 2015, e na ocasião as teses e
dissertações disponíveis eram do período compreendido entre os anos de 1998 e 2014. A
busca foi com as referidas palavras-chave, leitura dos resumos e referências bibliografias.
31
Quadro 2 – Pesquisa realizada na BDTD
Palavras-chave Ano Número de
registros
encontrados
Número de
trabalhos
relacionados com
o assunto desta
pesquisa
Educação infantil, deficiência 1998-2014 Total – 114
22 teses
92 dissertações
0
Educação infantil, identidade,
deficiência
2006 Total – 1
1 tese
0 dissertação
0
Educação infantil, diferença, deficiência 2003-2014 Total – 27
3 teses
24 dissertações
0
Educação infantil, inclusão,
deficiência
2002-2014 Total – 52
8 teses
44 dissertações
0
Educação infantil, narrativa,
deficiência
2006-2014 Total – 6
2 tese
4 dissertação
0
Educação infantil, identidade,
deficiência, inclusão, narrativa,
deficiência
2007 Total – 1
1 tese
0 dissertação
0
Fonte: Banco de teses da BDTD.
Elaboração da autora.
No banco de dados da BDTD, dos 201 trabalhos encontrados pelo cruzamento das
palavras-chave e leitura dos resumos, 37 eram teses e 164, dissertações. No entanto, assim
como na verificação da CAPES, nenhum estudo discutia a problemática levantada nesta
pesquisa, que também não serão utilizados na discussão aqui tratada. Dessa forma, tendo em
vista a revisão bibliográfica realizada, a temática da presente pesquisa ganha relevância por
mostrarem-se ainda incipientes, no universo de produções acadêmicas da educação infantil,
estudos sobre a produção da identidade e da diferença.
Todavia, para estudar identidade e diferença, é necessária uma proposta que não
engesse o meu entendimento e nem o do leitor, por meio da qual busco “possibilidades de
escapar da lógica positivista, procurando imprimir sentidos ao cotidiano escolar: cotidiano
único, singular, não pasteurizado” (MENEGAÇO, 2004, p. 7). O presente estudo é de cunho
32
qualitativo e participante, em que as narrativas/histórias apresentadas fundem-se com a voz
dos pesquisados e da pesquisadora, a fim de que outras histórias possam ser contadas e
recontadas.
O aporte teórico conta com autores que conjecturam sobre a educação e a produção de
subjetividade na contemporaneidade. Do ponto de vista conceitual, as noções de identidade e
diferença são abordadas e pautadas em: Tomaz Tadeu da Silva (2009, 2002), Stuart Hall
(2009, 2014) e Kathryn Woodward (2009). A Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008b) e a autora Maria Teresa Eglér Mantoan
(2011, 2006) colaboram no sentido de propiciarem uma reflexão sobre as políticas públicas
inclusivas. Ana Lúcia Goulart de Faria (2005) e Sonia Kramer (2001) contribuem para um
repensar as infâncias nos contextos de diversidade cultural.
A fundamentação dos procedimentos metodológicos de coleta de dados conta com:
Cecília Galvão (2005), Rúbia Cristina Cruz Menegaço (2004) e Walter Benjamin (1987), no
sentido de compreender a narrativa como método de investigação em educação; Márcia Gobbi
(2005, 2008), cujo trabalho possibilita olhar para o desenho da criança conjugado com a
oralidade, não de forma que se analise tal produção, mas para conhecer mais e melhor a
infância; Sonia Kramer (2002) mostra a fotografia como um convite à releitura e com
possibilidades de ser olhada por e em diferentes ordens e momentos.
A pesquisa de campo foi realizada em dois CEIs de uma Rede Municipal de Educação
Infantil, no interior de São Paulo.
Os sujeitos da pesquisa foram quatro professoras e dezesseis crianças de 3 a 6 anos,
entre as quais, duas com deficiências. O estudo foi desenvolvido respeitando o aceite dos
sujeitos participantes, assim como descrevendo de maneira fidedigna as suas narrativas.
As estratégias de construção de dados foram: questionário, diário de campo,
observação participante, desenhos, fotografias e narrativas.
A pesquisa é composta de três capítulos que são assim desenvolvidos: o primeiro
capítulo contextualiza o problema de pesquisa, articulando-o com o objetivo do trabalho e
conceitua o que é identidade e diferença mediante os estudos culturais, abordando conceitos
de produção de subjetividade, narrativa e cultura das infâncias. O segundo descreve o trabalho
de campo, apresenta os espaços e sujeitos da pesquisa. O terceiro é composto de
narrativas/histórias que denomino “caminhos”, por serem momentos trilhados por sujeitos que
diferem e também se assemelham, como os caminhos que encontramos, fazendo uma juntura
crítica com os objetivos aqui propostos, dialogando com o referencial teórico e articulando os
conceitos de identidade e de diferença. Por fim, são apresentadas as considerações finais.
33
CAPÍTULO I
1. IDENTIDADE E DIFERENÇA
A identidade e a diferença não são, nunca, inocentes.
T.T. SILVA, 2009, p. 81
Crianças normais ou crianças com deficiências? Espere um pouco... De quem estamos
falando, afinal? Buscando conjecturar sobre as perguntas apresentadas, é pertinente que seja
mostrada a criança a que estamos nos referindo e qual lugar acreditamos que ela ocupa, ou
deveria ocupar, na sociedade contemporânea, especialmente nos espaços escolares. Portanto,
iremos falar aqui de todas as crianças, pois, como apresento na Imagem 7, elas convivem no
mesmo espaço. Apesar disso, como professora de Educação Especial, terei como recorte um
olhar voltado para aquelas com deficiência9.
Imagem 7 – Relações mais que possíveis
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
9 O uso da primeira pessoa do singular se faz necessário na construção das narrativas e de minhas reflexões
particulares, que são marcadas por um posicionamento individualizado no decorrer do processo da pesquisa.
No entanto, também farei uso da primeira pessoa do plural, intencionalmente, uma vez que busco trazer as
várias vozes que se entrelaçam e controem o presente texto, em uma tentativa de me posicionar com o aporte
teórico.
34
Falar de crianças pressupõe falar de infâncias, e falar de infâncias nos remete a falar de
direitos, e falar de direitos implica falar de políticas públicas.
Então, cito agora a Constituição Federal (CF) de 1988, que é a nossa lei maior,
conhecida também como Carta Magna, e, segundo a qual, nenhuma lei pode ser contrária às
determinações nela contidas. Em seu artigo 205, é previsto que: “A educação, direito de todos
e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”. Já o artigo 206, inciso I, estabelece a “igualdade de condições
de acesso e permanência na escola”.
A partir de então, as políticas públicas vêm reafirmando o direito das pessoas com
deficiências de aprenderem e participarem da mesma escola como qualquer outro indivíduo,
pois “não somos iguais em tudo, mas conquistamos o direito à igualdade e devemos reclamá-
lo toda vez que as nossas diferenças forem motivo de exclusão, discriminação, limitação de
possibilidades na escola, na sociedade em geral” (MANTOAN, 2006a, p. 5).
A lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), define como crianças aqueles que têm até 12 anos incompletos. Tal
documento é um grande avanço e vem promulgar e garantir os direitos de uma população
específica, que são as crianças e os adolescentes.
Não podemos ser ingênuos e achar que com isso os direitos desse grupo passaram a
ser executados, pois sabemos que há uma necessidade constante de luta para que de fato o
ECA seja cumprido. Exemplo disso são as criações dos conselhos dos direitos, compostos por
membros representantes da sociedade civil e instituições governamentais de forma paritária.
O ECA, em seu capítulo IV, artigo 53, que é referente ao direito à educação, à cultura,
ao esporte e ao lazer, afirma:
A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento
de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho,
assegurando-se- lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - direito de ser respeitado por seus educadores;
III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias
escolares superiores;
IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;
V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Parágrafo único - É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo
pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.
35
A presente pesquisa busca focalizar crianças de 3 a 6 anos, de modo que possa analisar
como ocorre a produção da identidade e da diferença da criança com deficiência, matriculada
na educação infantil, primeira etapa da educação básica.
É importante frisar que em nenhum momento faço a defesa de uma Educação Especial
que deva ser realizada separadamente, uma vez que “a Educação Especial, em sua nova
concepção, apenas perpassa e complementa as etapas da Educação Básica e Superior, pois,
tratando-se de uma modalidade, não constitui um nível de ensino” (MANTOAN, 2004, p. 5).
Defendo que os alunos com deficiências devem ser matriculados em classes de escolas
do ensino regular comum, e que tenham a garantia do atendimento educacional especializado
(AEE), pois:
[...] a Educação Especial, na ótica inclusiva e na Constituição Federal de 1988, deve
ser entendida como atendimento educacional especializado e estar disponível em
todos os níveis de ensino. Esse atendimento é complementar e necessariamente
diferente do ensino escolar. Destina-se a atender às especificidades dos alunos com
deficiência, abrangendo principalmente instrumentos necessários à eliminação das
barreiras que as pessoas com deficiência apresentam, naturalmente, para relacionar-
se com o ambiente externo, como por exemplo: ensino da Língua Brasileira de
Sinais – LIBRAS; ensino de Língua Portuguesa para surdos; Sistema Braile;
orientação e mobilidade para pessoas cegas; soroban; ajudas técnicas, incluindo
informática; mobilidade e comunicação alternativa/aumentativa; tecnologia
assistida; educação física especializada; enriquecimento e aprofundamento
curricular; atividades da vida autônoma e social. O atendimento educacional
especializado funciona em moldes similares a outros cursos que suplementam
conhecimentos adquiridos nos níveis de ensino Básico e Superior, como é o caso dos
cursos de línguas, artes, informática e outros. (MANTOAN, 2004, p. 4)
O AEE deve ser assegurado como direito complementar/suplementar, e não como
modalidade substitutiva de educação para a pessoa com deficiência, uma vez que “a
Constituição admite ainda que o atendimento educacional especializado seja oferecido fora da
rede regular de ensino, em outros estabelecimentos públicos e particulares, dedicados
unicamente a esse fim” (MANTOAN, 2004, p. 5).
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(BRASIL, 2008b, p. 15) também é um marco da luta das pessoas com deficiências.
Reafirmando o que já vem registrado na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, esse documento declara alunos com deficiência: “Àqueles que têm impedimentos
de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com
diversas barreiras podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na
sociedade”.
36
É urgente e necessário que o comportamento no que diz respeito à deficiência seja
revisto, uma vez que crianças são ainda classificadas como deficientes com atribuições de
uma marca que inferioriza, além do não respeito às diferenças individuais, como já prevê o
decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulga a Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2007, reafirmando a necessidade do “respeito pela
diferença e pela aceitação destas como parte da diversidade humana e da humanidade”. E, em
seu artigo 7º, que é especificamente direcionado às crianças com deficiência, declara:
1. Os Estados Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar às
crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais crianças;
2. Em todas as ações relativas às crianças com deficiência, o superior interesse da
criança receberá consideração primordial;
3. Os Estados Partes assegurarão que as crianças com deficiência tenham o direito
de expressar livremente sua opinião sobre todos os assuntos que lhes disserem
respeito, tenham a sua opinião devidamente valorizada de acordo com sua idade e
maturidade, em igualdade de oportunidades com as demais crianças, e recebam
atendimento adequado à sua deficiência e idade, para que possam exercer tal direito.
Essa mesma Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em sua página
26, artigo 1º, menciona: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdades de condições com as demais pessoas” (grifos meus).
Podemos constatar que a principal diferença entre as definições apresentadas é que a
da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência vem acrescida das palavras: “em
igualdades de condições com as demais pessoas”. O que representa um grande avanço, por
reconhecer que as condições colocadas para os sujeitos com deficiências não estão nas
mesmas condições de igualdades daquelas colocadas para as demais pessoas.
Mediante as legislações estudadas em meu percurso como professora, e agora como
pesquisadora, é possível constatar que as possibilidades vividas hoje por crianças, professoras
e profissionais que fazem parte da educação infantil, de terem o encontro com aquele que é
diferente, especificamente marcado pela deficiência, não é decorrente de espontaneidade, mas
sim resultado de práticas sociais que buscam legitimar e consolidar as legislações como forma
de garantia dos direitos das pessoas com deficiências.
Segundo Finco e Faria (2013, p. 112), “esse espaço da educação infantil é tido como
um espaço coletivo de educação tanto de crianças quanto de adultos”, assim não falaremos de
37
um espaço neutro, sem intencionalidade, uma vez que nele “vivemos as mais distintas
relações de poder, entre elas as de gênero, classe, idade, étnicas”.
É evidente que o conceito utilizado, para conferir a concepção de igualdade e
diferença das crianças com deficiências, necessita ser pensado, principalmente sobre os
aspectos que lhe confere uma diferença que inferioriza. É fundamental também que reflitamos
sobre o processo de produção dos sujeitos com deficiência no decorrer da história e, para isso,
também é essencial conjecturar sobre a conceituação de identidade e diferença, pois:
“Entendemos cada fase da vida como provisória, singular e um vir a ser permanente. Assim, a
idade do sujeito não tem nos aprisionado, mas tem nos desafiado a encontrar procedimentos
investigativos adequados para a especialidade de cada uma destas fases” (FARIA, 2005, p.
xi).
Isso pressupõe a necessidade do profissional da educação de observar a produção dos
procedimentos subjetivos, identitários e ideológicos envolvidos nos processos pedagógicos,
para que haja um senso crítico problematizador que leve em conta com o que e com quem se
está trabalhando, de modo que a linguagem não esteja naturalizada nem separada dos
processos históricos, narrativos e, portanto, culturais.
Diariamente, todos nós estamos envolvidos em diferentes contextos e neles temos uma
representação social diversificada. Assim, faz-se necessário analisar as narrativas das
professoras e das crianças para que consideremos como estas vão, ou não, criando efeitos,
sentidos e significados compartilhados, que se tornam modos de dizer sobre o outro. No caso,
é preciso que estejamos atentos a quais são as vozes que atravessam essas narrativas e como
seus efeitos vão produzindo a identidade e a diferença da criança com deficiência.
É primordial considerar que “essas identidades adquirem sentido por meio da
linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais são representadas” (WOODWARD, 2009, p.
8). Ou seja, a linguagem que utilizamos para atribuir sentidos não é inocente.
Pautada no movimento da política de inclusão, busco destacar a voz da criança com
deficiência que não é ouvida, na tentativa de romper com o processo de exclusão que essas
pessoas sofreram e ainda sofrem. Muito embora “isso não signifique negar que a identidade
tenha um passado, mas reconhecer que, ao reivindicá-la, nós a reconstruímos e que, além
disso, o passado sofre uma constante transformação” (WOODWARD, 2009, p. 28).
Hall (2009, p. 109), de forma oportuna, explica como as identidades não são idênticas
e de que maneira são reinventadas, permitindo-nos fazer articulações com as narrativas
produzidas dentro do ambiente do CEI:
38
É precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora do discurso
que nós precisamos compreendê-las como produzidas em locais históricos e
institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas específicas,
por estratégias e iniciativas específicas. Além disso, elas emergem no interior do
jogo de modalidades específica de poder e são, assim, mais o produto da marcação
da diferença e da exclusão do que o signo de uma unidade idêntica, naturalmente
tradicional – isto é, uma mesmidade que tudo inclui, uma identidade sem costuras,
inteiriça, sem diferenciação interna.
Estudar acerca da identidade e da diferença também pede que reflitamos sobre quais
são as semelhanças entre as crianças sem e com deficiência, sendo que, na maioria das vezes,
as diferenças se destacam, o que faz parecer que não existem semelhanças entre elas. Surgem,
então, questões como: Quais seriam essas semelhanças? Como são produzidas as identidades
das crianças com e sem deficiência?
Com aporte em Woorward (2009, p. 40), podemos afirmar que a identidade é marcada
pela diferença – mas não por qualquer diferença –, uma vez que esta não tem sempre o
mesmo valor, e “a identidade, [por sua vez], não é o oposto da diferença: a identidade
depende da diferença”. Assim, a diferença precisa ser compreendida como um processo de
diferimento de todos.
Silva (2009, T. T., p. 74) coloca que inicialmente a conceituação de identidade, em
determinada perspectiva, parece fácil, independente e esgota-se em si mesma. Pode ainda ser
definida como aquilo que se é – por exemplo: “sou brasileiro” – e como aquilo que o outro é –
exemplo: “ela é italiana”. Nessa perspectiva, a “diferença, tal como a identidade,
simplesmente existe”. O autor assegura que a linguagem como forma de expressão possibilita
que, ao afirmar “sou brasileiro”, subtende-se que “não sou argentino”, e, ao dizer “ela é
chinesa”, subtende-se que “ela não é argentina”. Por meio da linguagem pode-se marcar no
outro a diferença, construindo uma identidade, mas também se pode escondê-la. Tudo isso faz
parte de uma cadeia de “negações”, pois as “afirmações sobre diferença também dependem de
uma certa cadeia, em geral oculta, de declarações negativas sobre (outras) identidades”
(SILVA, T. T., 2009, p. 75). Podemos, então, dizer que a identidade e a diferença são
interdependentes e inseparáveis, pois uma não existe sem a outra.
Silva (2009,T. T., p. 75) aponta para a perspectiva que coloca a identidade como
definição da diferença, na qual o que eu sou determina o que o outro não é, e geralmente
“consideramos a diferença como um produto da identidade”, tomando o que somos como
norma e, a partir disso, avaliando aquilo que não somos.
39
Nessa perspectiva, a Educação Inclusiva alinha-se à visão educacional
sociocomunitária, uma vez que ambas buscam a emancipação dos sujeitos, respeitando e
significando a sua história e práxis educativa.
Cabe ressaltar também o que o autor enfatiza ao desnaturalizar o caráter natural que às
vezes é atribuído à identidade e à diferença. Para o referido estudioso, identidade e diferença
são sim uma produção cultural e social, que pode e deve ser questionada, uma vez que remete
sempre a uma questão de poder e força em um campo disputado hierarquicamente. “A
identidade e a diferença estão, pois, em estreita conexão com relações de poder. O poder de
definir a identidade e de marcar a diferença não pode ser separado das relações mais amplas
de poder. A identidade e a diferença não são, nunca, inocentes” (SILVA, T. T., 2009, p. 81).
Em tal contexto, coloca-se em xeque a igualdade tão desejada; e as semelhanças, que
são particularidades da infância, acabam esquecidas. Além disso, a ênfase tendenciosamente
continua sendo dada para o diferente, ou para uma diferença negativada, fixada. Nesse
sentido, o que se destaca é a diferença que faz o outro parecer inferior e não a diferença que é
inerente a cada indivíduo, pois muitas vezes a criança deixa de ser conhecida por quem ela é e
passa a ser identificada pela deficiência que possui. A diferença é, assim, pensada valendo-se
da identidade, e esse é o problema. Entretanto, Woodward (2009, p. 28), citando Hall, afirma
que:
Hall argumenta em favor do reconhecimento da identidade, mas não de uma
identidade que esteja fixada na rigidez da oposição binária, tal como as dicotomias
“nós/eles” [...]. Ele sugere que, embora seja construído por meio da diferença, o
significado não é fixo, e utiliza, para explicar isso, o conceito de différance de
Jacques Derrida. Segundo esse autor, o significado é sempre diferido ou adiado; ele
não é completamente fixo ou completo, de forma que sempre existe algum
deslizamento. A posição de Hall enfatiza a fluidez da identidade. Ao ver a
identidade como uma questão de “tornar-se”, aqueles que reivindicam a identidade
não se limitariam a serem posicionados pela identidade: eles seriam capazes de
posicionar a si próprios e de reconstruir e transformar as identidades históricas,
herdadas de um suposto passado comum.
Mesmo assim, as semelhanças entre as crianças com e sem deficiência no universo
escolar infantil que se denomina inclusivo tendem a continuar sendo recusadas, como se não
existissem.
Tomemos como exemplo a semelhança que a maioria das crianças tem com o jogo
simbólico, também chamado de faz de conta, em que elas são capazes de recriar a realidade
por meio de brincadeiras. A criança com deficiência geralmente é avaliada como não tendo
condições de simbolizar com a mesma “grandeza” que aquela sem deficiência, e, nesse
sentido, a différance toma outro rumo e é colocada como sendo algo fixo, imutável e
40
negativo. Prontamente é definido que, se for deficiente, não pode ser aluno “regular”, precisa
ser aluno “especial”. Assim, a diferença é reafirmada de forma rígida e negativa e as
semelhanças são negadas, pois, se a criança é deficiente, ela não pode ser “normal”. Mais uma
vez a similaridade inegável entre as crianças, já que todas elas o são, tende a ser
invisibilizada: “ocorre que nem todas as diferenças, necessariamente, inferiorizam as pessoas.
Há diferenças e há igualdades, e nem tudo deve ser igual e nem tudo deve ser diferente”
(MANTOAN, 2004, p. 16).
A seguir, discutiremos sobre os diferentes tempos e espaços das infâncias e sobre
quanto a criança com deficiência contribui para desestabilizar o caráter da identidade fixada,
padronizada e tida como “normal”.
1.2. SOCIEDADE DE CONTROLE: IMPLICAÇÕES NA PRODUÇÃO DA IDENTIDADE
E DIFERENÇA DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA
O que é a infância? A pergunta ressoa sem parar. Será que
conseguimos levar a interrogação até onde ela consiga, de
verdade, fazer-mo-nos interrogar?
KOHAN, 2004, s.p.
A referida epígrafe nos interroga acerca do que é a infância. E será que conseguimos
perguntar por que alguns pensam em uma infância marcada pela diferença para a criança com
deficiência? Nesse sentido, a Imagem 8 contribui com o (re)pensar sobre as infâncias e o
lugar que a criança com deficiência ocupa dentro do CEI que se denomina inclusivo.
Na imagem, vemos as crianças brincando livremente. No entanto, esse registro nos
leva a fomentar olhares outros sobre os mecanismos de controles usados na
contemporaneidade para que a produção da identidade e da diferença da criança com
deficiência continue sendo marcada pelas diferenças que a inferioriza e a negativiza.
É tarefa constante e permanente considerar:
O que todo mundo vê nem sempre se viu assim. O que é evidente, além disso, não é
senão o resultado de uma certa disposição do espaço, de uma particular exposição
das coisas e de uma determinada constituição do lugar do olhar. Por isso, nosso
olhar, inclusive naquilo que é evidente, é muito menos livre do que pensamos. E isso
porque não vemos tudo o que o constrange no próprio movimento que o torna
possível. Nosso olhar está constituído por todos esses aparatos que nos fazem ver e
ver de uma determinada maneira. (LARROSA, 1994, p. 43)
41
Imagem 8 – O que é a infância?
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Ver de outra maneira é um desafio, pois possibilita olharmos para as crianças como
atores sociais e produtoras de cultura, embora convivamos em uma contemporaneidade
marcada pela sociedade de controle, que apresenta características acentuadas da sociedade
disciplinar bem presente na escola. Um exemplo disso é quando vemos que ainda há uma
busca, um desejo, por crianças dóceis, obedientes, que não subvertam a ordem colocada pela
instituição escolar.
O sujeito disciplinado, desejado pela escola, é decorrente de uma concepção
educacional pensada para a elite em um dado contexto histórico, no qual se idealizou um
indivíduo previsível e normalizado. A partir da democratização da escola, quando esta começa
a receber alunos que se distanciam dessa noção abstrata, universal e elitista, faz-se necessário
conjecturar por que ainda se insiste na busca por um sujeito que não existe.
Nesse sentido, Costa (2004), tomando como base as reflexões do filósofo Gilles
Deleuze sobre o trabalho de Michel Foucault, possibilita-nos compreender o que diferencia a
sociedade disciplinar daquela de controle.
As sociedades disciplinares podem ser situadas num período que vai do século
XVIII até a Segunda Grande Guerra, sendo que os anos da segunda metade do
42
século XX estariam marcados por seu declínio e pela respectiva ascensão da
sociedade de controle. Seguindo as análises de Michel Foucault, Deleuze percebe no
enclausuramento a operação fundamental da sociedade disciplinar, com sua
repartição do espaço em meios fechados (escolas, hospitais, indústrias, prisão...) e
sua ordenação do tempo de trabalho. Ele chamou esses processos de moldagem, pois
um mesmo molde fixo e definido poderia ser aplicado às mais diversas formas
sociais. Já a sociedade de controle seria marcada pela interpenetração dos espaços,
por sua suposta ausência de limites definidos (a rede) e pela instauração de um
tempo contínuo no qual os indivíduos nunca conseguiriam terminar coisa nenhuma,
pois estariam sempre enredados numa espécie de formação permanente, de dívida
impagável, prisioneiros em campo aberto. O que haveria aqui, segundo Deleuze,
seria uma espécie de modulação constante e universal que atravessaria e regularia as
malhas do tecido social. (COSTA, 2004, p. 161).
Assim, “o poder disciplinar se caracteriza pela descentralização, invisibilidade,
onipresença, e implica um controle total do tempo, do corpo e da vida das pessoas” (NEVES,
1997, p. 85), que se manifesta de maneira pulverizada e está presente em todas as relações
sociais.
Já as sociedades de controle regulam os elementos sociais imateriais, agindo
diretamente nas informações, conhecimentos e comunicação, tendo a mídia como sua
principal aliada, perpetrando uma contemporaneidade na qual o poder está em toda parte,
disseminado de maneira horizontal, mas que vincula as diferenças. As sociedades de controle
“transformam-se contínua e rapidamente em outros moldes, impedindo a identificação dos
modelos de moldagem” (NEVES, 1997, p. 86).
Nesse aspecto, as informações, comunicações e conhecimentos, elementos imateriais
da vida social, são usados como forma de poder regulador, como mecanismos de controle,
produzindo representações das diferenças que inferiorizam não só a criança com deficiência.
E de que maneira isso ocorre?
Silva (T. T., 2002, 2009) aponta caminhos possíveis para problematizarmos a
identidade e a diferença de forma que compreendamos como se constituem as dessemelhanças
que inferiorizam a criança com deficiência. Segundo o autor, é necessário não concebermos
simplesmente a identidade pelo normal e anormal, pois “não é verdade que só pode diferir
aquilo que é semelhante. É justamente o contrário: só é semelhante aquilo que difere”
(SILVA, 2002, p. 66).
A identidade, quando é fixada de maneira normatizada, busca um ideal construído de
modo abstrato, que produz um sujeito universal e normal. Este, então, funciona como norma e
com uma identidade normatizada, e quem se distancia dessas produções ganha valores
negativos, inferiores.
43
Precisamos pensar, porém, que “a diferença é mais da ordem da anomalia que da
anormalidade: mais do que um desvio da norma, a diferença é um movimento sem lei”
(SILVA, 2002, p. 66), que solicita um (re)pensar os aprendizados que nos foram ditados como
exclusivos e verdadeiros.
Tais valores negativos, inferiores, produzem uma diferença que é pensada valendo-se
da identidade normatizada, fixada conforme a noção do sujeito abstrato, universal e normal,
pautada em uma concepção de normalidade e anormalidade naturalizada. Desse modo, é
produzida uma diferença naturalizada, que se afasta do que é colocado como normal, que
inferioriza as pessoas que se distanciam da norma que é tida como natural.
Esse valor atribuído de inferioridade, de diferença, necessita ser discutido com base na
construção social e cultural da identidade fixada, pois tudo que se afasta do padrão idealizado
tende a ser desqualificado. A criança com deficiência se distancia, desloca-se desse padrão
imposto, já que ela tem seu modo peculiar de responder e de ser, porque “a diferença não pede
tolerância, respeito ou boa vontade. A diferença, desrespeitosamente, simplesmente difere”
(SILVA, 2002, p. 66).
Então, se a diferença for pensada pela noção da identidade estabelecida pela sociedade
disciplinar, ela será vista de forma negativa, mas “a diferença não tem nada a ver com o
diferente. A redução da diferença ao diferente equivale a uma redução da diferença à
identidade” (SILVA, 2002, p. 66). A intenção não é buscar respostas dicotômicas, fechadas,
ou dizer que devemos tratar todas as pessoas igualmente, pois “conceber e tratar as pessoas
dessa maneira esconde suas especificidades. Porém, enfatizar suas diferenças pode excluí-las
do mesmo modo!” (MANTOAN, 2011, p. 103).
Por isso, identidade e diferença, no contexto de uma sociedade marcada pelo controle
e com características disciplinares, fazem com que pensemos a diferença tendo como base a
identidade normatizada, assim a diferença tende a ser negativada.
Sabemos que não é tarefa fácil visualizar as diferenças que inferiorizam as crianças
com deficiência, considerando que o poder de agora, capilarizado, está em todo lugar,
dissolvido entre os diversos atores sociais; entretanto é pertinente salientar que, mesmo a
contemporaneidade buscando insanamente o controle social, ela não é marcada somente pelo
controle, principalmente quando constatamos que:
A inclusão coloca em xeque a estabilidade da identidade, usualmente compreendida
como algo fixado, imutável; denuncia o caráter artificialmente construído das
identidades existentes, revelando o lado impensado, inexplorado destas e vai de
encontro a todo modelo e padrão identitário tão celebrado pelas escolas.
(MANTOAN, 2011, p. 103)
44
A forma de abordagem do controle muda de acordo com o processo histórico, assim as
identidades e diferenças são produzidas conforme o interesse de cada época. Há uma
necessidade emergente não só de que interpretemos quais são esses interesses, mas,
sobretudo, de que possamos ponderar qual é o nosso próprio interesse, como professoras, em
perpetuar ou não esse modelo de identidade e diferença que inferioriza a criança com
deficiência que nos é apresentado, para não dizer imposto.
Lembrando que, antes de tudo, falamos de crianças e, mais importante,
Cada criança é feita de matéria do mundo, da circulação da vida, das circunstâncias
históricas e sociais, mas, ao mesmo tempo, feita de sonhos, movida por desejos e
sentidos que descobre ou atribui à vida.
A criança não é uma folha em branco a ser escrita, um vaso a ser preenchido, um
autômato a ser programado. Também não é um filhote a ser adestrado (ANTÔNIO,
2013, p. 16)
Os sujeitos dos quais estamos falando precisam do cuidado do adulto, na atenção e
busca de estratégias que possibilitem reconhecer qual é o sentido atribuído às diferenças
produzidas no decorrer dessa sociedade de controle, pois crianças, com deficiência ou não,
necessitam de que suas possibilidades sejam evidenciadas e que suas diferenças sejam
respeitadas “[...] para tornar-se o que é, o que pode vir a ser” (ANTÔNIO, 2013, p. 16).
Concordo com a definição apresentada por Kohan (2004, s.p.), segundo a qual o autor
enfatiza que a intenção não é dizer o que está certo ou errado nas concepções de infância e de
como as crianças devem ou não ser educadas. Isso porque “o que está em jogo não é o que
deve ser (o tempo, a infância, a educação, a política), mas o que pode ser (poder ser como
potência, possibilidade real) o que é”. Para isso, é importante retomarmos a epígrafe
apresentada no início deste capítulo, na qual Kohan (2004) traz um questionamento
preponderante, fazendo-nos refletir acerca da infância e perceber até a que ponto a busca pela
resposta do que é a infância realmente nos interroga e nos faz olhar, ou não, para a identidade
e a diferença.
Para pensar a infância, vou tomar os dois sentidos apresentados pelo referido autor. O
primeiro é o que mais comumente aparece como definição dentro das escolas de educação
infantil, como também no campo de pesquisa investigado:
Uma é a infância majoritária, a da continuidade cronológica, da história, das etapas
do desenvolvimento, das maiorias e dos efeitos: é a infância que, pelo menos desde
Platão, se educa conforme um modelo. Essa infância segue o tempo da progressão
sequencial: seremos primeiro bebês, depois, crianças, adolescentes, jovens, adultos,
45
velhos. Ela ocupa uma série de espaços molares: as políticas públicas, os estatutos,
os parâmetros da educação infantil, as escolas, os conselhos tutelares. (KOHAN,
2004, s.p.)
Nesse sentido, a infância é marcada temporalmente seguindo uma etapa
desenvolvimentista, padronizada e hierarquizada, em que a criança com deficiência foge dos
padrões estabelecidos, não dando conta de neles se inserir.
Todavia, para que outras estratégias sejam evidenciadas e colocadas em prática, a fim
de que pensemos a infância de outro modo, é pertinente que reconheçamos que as crianças
com deficiência são olhadas pela deficiência e pela diferença negativa, exemplo disso, como
já mencionado anteriormente, são as escolas que ainda se pautam na disciplina, em uma
tentativa de controle e nas quais as diferenças são pensadas valendo-se de uma identidade
definida, assim, como bem coloca Silva (T. T., 2009), a “diferença e a identidade tendem a ser
naturalizadas”.
A pretensão deste estudo é possibilitar outras reflexões, com o intuito de ampliar a
compreensão subjetiva referente às implicações na produção da identidade e da diferença da
criança com deficiência. Silva (T. T., 2009, p. 75) colabora nesse sentido, ao dizer que “[...] as
afirmações sobre diferença só fazem sentido se forem compreendidas em sua relação com as
afirmações sobre a identidade”, sendo essas afirmações fruto das criações sociais e culturais.
Koahn (2004) apresenta-nos um segundo modelo para pensar a infância, não no
sentido dicotômico, ou seja, de escolhermos entre um e outro, dizendo “este é certo e aquele o
errado”, mas sim para que pensemos a infância como uma ação que vai além de uma
padronização ou de como queremos que ela seja.
É imprescindível que discorramos sobre uma infância não normalizada ou com uma
identidade não fixada, para que a diferença seja o ponto de partida e favoreça o encontro entre
a criança e o adulto. Dessa forma, tal encontro poderá indicar outras possibilidades de ver e
saber, pois, retomando Larrosa (1994), nosso olhar não é livre, ele vê tomando como base
aquilo que já foi constituído, por isso é fundamental que tenhamos possibilidades de criação e
transformação do que está colocado, padronizado, permitindo-nos fazer outras interrogações
que vão além do tempo cronológico, propiciando-nos ver:
[...] uma outra infância, que habita outra temporalidade, outras linhas, a infância
minoritária. Essa é a infância como experiência, como acontecimento, como ruptura
da história, como revolução, como resistência e como criação. É a infância que
interrompe a história, que se encontra num devir minoritário, numa linha de fuga,
num detalhe; a infância que resiste aos movimentos concêntricos, arborizados,
totalizantes: “a criança autista”, “o aluno nota dez”, “o menino violento”. É a
infância como intensidade, um situar-se intensivo no mundo; um sair sempre do
46
“seu” lugar e se situar em outros lugares, desconhecidos, inusitados, inesperados.
(KOHAN, 2004, s.p.)
Em tal concepção é possível pensarmos nas crianças com deficiência como atores
sociais e produtoras de cultura, mesmo que elas ainda sejam e estejam nos espaços
institucionalizados em menor número, pois o que conta é que elas também têm experiências,
conhecimentos, saberes outros que podem ser compartilhados na riqueza dos encontros com a
sua singularidade.
Assim, fomentar olhares outros, que nos possibilitem provocar um (re)pensar as
diferenças, também requer que compreendamos como temos definido as identidades das
crianças com as quais trabalhamos, pois, com base ainda em Silva (T. T., 2009), ao dizermos
que uma criança é diferente, afirmamos que ela não é igual à outra. Contudo, surgem algumas
questões: Que conceito de igualdade e de diferença é por nós defendido? O conceito da
diferença de que nos apropriamos é o que está conferido aos desviantes, já que, para os
semelhantes, ninguém aponta as diferenças, mas a identidade?
Vale reafirmar que, corriqueiramente, a diferença é muito expressa como desvio e
traduzida como desigualdade, ou, como dito anteriormente, é naturalizada.
Na sociedade de controle, “manipulam-se o gosto e as opiniões através da construção e
veiculação instantânea de sistemas de signos e imagens” (NEVES, 1997, p. 87). Pode-se
concluir que, para reconhecer as crianças como atores sociais e produtoras de cultura, faz-se
necessário, segundo Delgado e Miller (2006), compreendermos que, mesmo com as diferentes
formas de regulação e controle da infância, as crianças têm outras experiências educadoras
que transcendem os espaços escolares. Confrontar as práticas legitimadas nesses setores, nos
diferentes tempos e espaços vividos pelas crianças, é essencial, pois possibilita que sua voz
seja ouvida e suas outras experiências consideradas. Assim, a criança com deficiência também
deve ser vista como sujeito, e não como indivíduo sem história ou marcado pela diferença que
inferioriza.
Elias (apud DELGADO; MILLER, 2006, p. 7) contribui com a discussão ao esclarecer
que o tempo da infância é constituído como produto à mercê do conhecimento, buscando
atender às demandas sociais:
[...] o tempo não é natural, mas uma instituição social fruto de um longo processo de
aprendizagem. Esse aprendizado é histórico, uma vez que o indivíduo só pode
construí-lo a partir de um conjunto de saberes adquiridos. Por outro lado, essa
aprendizagem também é individual, uma vez que desenvolvemos um sistema de
autodisciplinamento a partir dessa instituição social que é o tempo.
47
Assim, conjecturar sobre os diferentes tempos e espaços das infâncias, principalmente
os preestabelecidos por alguns adultos, é algo imprescindível, e, como afirmam Delgado e
Miller (2006, p. 8), possibilita
Descentrar nossos olhares das dimensões físicas e ambientais que instituímos como
as mais adequadas para as crianças, esquecendo-nos muitas vezes de que em outros
espaços também acontecem encontros, desencontros, descobertas e trocas.
Se tomarmos a diferença como o ponto de partida, e não como o ponto de chegada,
constataremos que cada um de nós difere.
Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o
direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a
necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que
não produza, alimente ou reproduza as desigualdades. (SANTOS, 2003, p. 56)
As crianças com deficiência, nos diferentes espaços e tempos das infâncias, têm muito
a contribuir no e com o ambiente educacional, trazendo outras e diferentes experiências, antes
impensadas dentro de uma prática pedagógica marcada pela disciplina e pelo controle, mas
que hoje já se tornam prováveis, ainda que não sejam idealizadas, mas possíveis de serem
pensadas. Conforme coloca Larrosa (1994, p. 11):
As crianças aprendem a realizar certo tipo de jogo de acordo com certas regras.
Aprendem o que significa o jogo e como jogar legitimamente. E aprendem quem são
elas mesmas e os demais nesse jogo social enormemente complexo e submetido a
formas muito estritas de regulação, no qual a pessoa se descreve a si mesma em
contraste com as demais, no qual a pessoa define e elabora sua própria identidade.
Que possamos mudar o olhar que fomos construindo historicamente sobre as crianças,
para que tenhamos coragem de aprender a jogar com elas um jogo que legitime o direito às
especificidades individuais, em que cada uma e todas tenham o direito de ser e mostrar suas
diferenças e identidades, pois:
Aprender a olhar é racionalizar e estabilizar tanto o olhar quanto o espaço. É
acostumar o olho a deslocar-se ordenadamente, a focalizar de forma conveniente, a
capturar os detalhes significativos. E também converter o espaço, uma simples
cintilação, em uma série de contornos, de formas reconhecíveis, de fundos e figuras,
de continuidades e transformações. Um olhar educado é um olhar que sabe onde e o
que deve olhar. E que sabe, em todo momento, que é que vê. Um olhar que já não se
deixa enganar nem seduzir. Aprender a olhar é, portanto, reduzir a indeterminação e
a fluidez das formas: uma arte da espacialização ordenada, da constituição de
singularidades especializadas, a criação de “quadros”. (LARROSA, 1994, p. 41)
48
É preciso (re)lançar o olhar sobre e para as crianças, com ou sem deficiência, de
maneira que nos permita vê-las como são, oportunizando a elas um outro modo de estar no
mundo, no qual sejam respeitadas como crianças produtoras de cultura. Para isso é necessário,
conforme aponta Barbalho (2007), que resistamos às formas da sociedade de controle,
abandonando falas apodrecidas para poder criar linhas de fuga com falas criativas e vivas.
49
CAPÍTULO II
2. INDO ALÉM DAS TÉCNICAS DE PESQUISA: A CRIANÇA COMO SUJEITO
Uma pesquisa que se propõe a estudar a produção da identidade e da diferença da
criança marcada pela deficiência requer um contato direto com o ambiente e a inserção dos
sujeitos pesquisados. Neste capítulo vou então descrever o trabalho de campo e apresentar os
espaços e sujeitos da pesquisa, tomando como objetivo trazer o vivido pelas crianças com
deficiência em dois CEIs que se denominam inclusivos. Vale enfatizar que, como mencionado
no final do capítulo anterior, essas crianças precisam ter outras oportunidades de ser e estar no
mundo, e pesquisas que se debruçam a estudar esses ambientes e sujeitos podem trazer novos
olhares e atitudes para elas. Como aponta Mantoan (2006a, p. 3), é necessário “rever o que
está por detrás de nossas escolhas e de tudo o que estamos desenvolvendo” em nossas ações
cotidianas e dentro do ambiente educacional que se denomina inclusivo.
A autora ainda salienta:
Cada aluno é um ser, cuja complexidade não se mede de fora e que precisa de
situações estimuladoras para que cresça e avance em todos os aspectos de sua
personalidade, a partir de uma construção pessoal, que vai se definindo e
transmutando a sua identidade, sem um contorno ao qual deverá se conter e tendo
sempre ocasiões de desenvolver-se, criando e atualizando suas possibilidades.
(MANTOAN, 2006a, p. 7)
Nesse sentido, a pesquisa qualitativa e participante propicia maior liberdade para
trabalhar com o fenômeno local, discursivo, que não busca generalizações:
Ela se ocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ou não
deveria ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos
motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de
fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser
humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar
suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes.
(MINAYO, 2012, p. 21)
Tal natureza de pesquisa demanda uma imersão no campo a ser pesquisado, de modo
que o pesquisador possa relacionar-se com os sujeitos da pesquisa. Assim, para que este
estudo abarque seus objetivos, é fundamental inserir-se no local onde os sujeitos pesquisados
estão, de maneira participativa, uma vez que por meio dele:
[...] é possível documentar o não documentado, isto é, desvelar os encontros e
desencontros que permeiam o dia a dia da prática escolar, descrever as ações e
50
representações dos seus atores sociais, reconstruir sua linguagem, suas formas de
comunicação e os significados que são criados e recriados no cotidiano do seu fazer
pedagógico. (ANDRÉ, 1995, p. 41)
Desse modo, o espaço em que atuo como professora de Educação Especial configura-
se em um campo de pesquisa. Apesar disso, não era minha intenção que esse fosse o único
local a ser pesquisado, uma vez que considero oportuna a constituição de meu olhar como
pesquisadora por meio de diferentes deslocamentos, compostos por outros campos e sujeitos
de pesquisa com os quais ainda não tenha familiaridade.
No tocante à pesquisa, optei por dois CEIs, sendo um na região Leste, perto do núcleo
comercial, que descreverei como CEI 1, no qual não sou professora, e outro um pouco mais
afastado da região central, mas também na região Leste, o qual denominarei CEI 2, instituição
na qual atuo.
Os critérios iniciais para a escolha dos referidos CEIs foram:
1. Possuir agrupamento III (AG III);
2. Ter criança com deficiência matriculada e frequentando a sala do AG III;
3. A diretoria da escola, assim como professoras e crianças concordarem com a
realização da pesquisa.
Cabe explicar que no município em que se deu o estudo, os agrupamentos dos CEIs
são organizados de acordo com a faixa etária das crianças, conforme consta no decreto n.
17.657, de 26 de julho de 2012, que “institui o programa de atendimento da central de vagas
escolares no município [...] e dá outras providências”, publicado no Diário Oficial do
Município (DO) do dia 27 de junho de 2012 (PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS,
2012):
I agrupamento I: crianças de 03 (três) meses a 01 (um) ano e 05 (cinco) meses de
idade;
II agrupamento II: crianças de 01 (um) ano e 06 (seis) meses a 02 (dois) anos e 11
(onze) meses de idade;
III agrupamento III: crianças de 03 (três) anos a 05 (cinco) anos e 11 (onze) meses
de idade.
Assim, para dar andamento nos processos da pesquisa, vou aos CEIs e apresento a
proposta para as diretoras, que concordam com a realização do estudo, porém solicitam que o
nome da escola e dos sujeitos participantes não seja revelado, o que se alinha aos princípios
éticos desta pesquisa.
51
Após a autorização recebida, agendo um dia para apresentar a pesquisa às professoras
e às crianças das duas escolas, para que sejam consultadas sobre a aceitação ou não de minha
presença, e se concordam em participar do trabalho.
No momento de minha apresentação, explico para as crianças que sou professora de
Educação Especial e trabalho com crianças com deficiências. Propositalmente, não defino o
que são pessoas com deficiências, pois não quero encharcá-las com os significados que
defendo.
No CEI 1, as crianças não me conhecem, então foi uma surpresa no primeiro dia em
que estive com elas; explico-lhes que vou participar de certos momentos no CEI e que vou
anotar algumas coisas que elas falarão. Assim como as convidarei para fazerem determinados
desenhos. Comento que só participará quem quiser e que elas podem escolher fazer ou não os
desenhos. Com olhar atento e curioso, as crianças me examinam, querem saber diversas
coisas, de modo que são elas quem mais perguntam:
– Quem é você?
– O que você faz aqui?
– Você não é professora! Nós nunca te vimos!
– O que você quer?
–Você vai ao parque com a gente?
– Você vai vir todo dia?
– Você tem filho?
–Você gosta de brincar?
No CEI 2, como as crianças já me conhecem, não estranham minha presença, de modo
que as perguntas feitas no CEI 1 não se repetem, porém ficam curiosas quando começo a
explicar o que desejo e me fazem outros questionamentos. Dando prosseguimento às
apresentações e combinando os dias que irei até os CEIs, fico imaginando com quais nomes
as crianças aparecerão na pesquisa.
Kramer (2002) faz apontamentos relevantes sobre como abordar os nomes de crianças
em pesquisas sem que elas percam sua identidade, e também para que não sejam expostas.
Tais apontamentos nos permitem refletir sobre qual o lugar da criança nesse universo, para
que elas realmente sejam sujeitos de suas histórias e não somente objeto de estudos.
Buscando atender aos princípios éticos da pesquisa, às orientações das diretoras dos
CEIs e também às recomendações do ECA, lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, como forma
de respeitar a integridade das crianças, optei por utilizar nomes fictícios de origem africana,
para homenagear um povo que, assim como as pessoas com deficiência, foi marcado pela
52
diferença negativa que inferioriza, além de esses nomes trazerem à tona uma significação e
produção de sentidos outros, estando sempre arrolados a algum acontecimento cultural.
Para que as narrativas/histórias aqui relatadas tenham mais sentido para quem as ler,
considero pertinente detalhar o campos e os sujeitos da pesquisa, pois assim será possível
saber quem são e de quem de fato estou falando, o que pressuponho poderá contribuir na
composição do imaginário do leitor para criar outras histórias e interrogações.
2.1. DE QUAIS CEIS ESTAMOS FALANDO?
Quadro 3 – Caracterização dos CEIs pesquisados
CARACTERIZAÇÃO DOS
CAMPOS DE PESQUISA
CEI 1
CEI 2
Número de salas e
crianças atendidas
Composto por duas turmas AG
II, em período integral, e quatro
turmas AG III, sendo duas delas
no período da manhã e duas no
período da tarde.
No total, o CEI atende a 171
crianças.
A composição dos agrupamentos
desse CEI é semelhante a do CEI
1, diferenciando-se apenas pelo
número total de crianças
matriculadas, que é de 149.
AG pesquisado AG III, período da manhã, 30
crianças matriculadas.
AG III, período da manhã, 17
crianças matriculadas.
Perfil da família das
crianças
Atende, principalmente, a
famílias da região mais afastada
geograficamente da cidade,
cujas mães trabalham nas
imediações. São famílias que,
pelo fato de estarem
trabalhando, não estão
totalmente dependentes do
aporte dos programas sociais do
governo e demonstram
independência econômica para
sua sobrevivência.
Embora geograficamente não
esteja tão distante da região
central, localiza-se em um local
onde há predominância do tráfico
de drogas, com uma urbanização
não planejada, decorrente de
ocupações desorganizadas, o que
propicia a vulnerabilidade social e
a ausência dos serviços públicos
do Estado e de lideranças
comunitárias, fazendo com que a
maioria das famílias atendidas
precise, ainda, dos programas
sociais do governo.
Fonte: Banco de dados da pesquisa.
Elaboração da autora.
2.2. CONHECENDO OS SUJEITOS DA PESQUISA
Os sujeitos da pesquisa são quatro professoras e dezesseis crianças de 3 a 6 anos, entre
os quais duas crianças têm deficiências, como essas na Imagem 9, na qual vemos um
momento que pode ser traduzido como crianças com deficiência que se movimentam em
busca do desconhecido e com suas mãozinhas buscam o que parecia inalcançável.
53
Imagem 9 – Veja que eu também quero ver
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Do CEI 1, participa da pesquisa uma professora que está na função há vinte e dois
anos. É mestranda em educação, tem especialização em educação, é graduada em pedagogia
com habilitação em administração e supervisão escolar. As crianças são sete, entre as quais
uma tem transtorno do espectro do autismo (TEA) 10
.
Do CEI 2, são nove crianças, das quais uma tem síndrome de Down11
e síndrome de
West12
. As oito crianças restantes têm entre 3 e 4 anos e são do mesmo agrupamento da que
tem deficiência. Uma criança tem 5 anos e é de outro AG III. Nesse CEI, três professoras
aceitaram ser participantes da pesquisa. Elas estão na função há mais de vinte anos. Todas são
formadas em pedagogia. Duas delas têm especialização e uma também é educadora física e
está concluindo mestrado em educação.
10
Segundo Mello (2007), é um distúrbio do desenvolvimento humano presente antes dos 3 anos, que afeta áreas
de comunicação, interação social, aprendizado e capacidade de adaptação. 11
Segundo Schwartzman et al. (2003), a síndrome de Down é definida por uma alteração genética, caracterizada
pela presença de um terceiro cromossomo no par 21, o que acarreta a deficiência intelectual. Disponível em:
<http://www.fsdown.org.br/sobreasindromededown/oqueesindromededown/>. Acesso em: 1º mar. 2015. 12
A síndrome de West, como aponta Matta (2007), é um tipo raro de epilepsia. Disponível em:
<http://www.deficienteciente.com.br/2010/07/oqueesindromedewest.html>. Acesso em: 1º mar. 2015.
54
A escolha pelo AG III para realizar a pesquisa, ainda com crianças pequeninas, deu-se
em virtude do desejo de ouvi-las, com foco na sociologia da infância, uma vez que:
Esta noção de socialização na sociologia da infância estimula a compreensão das
crianças como atores capazes de criar e modificar culturas, embora inseridas no
mundo adulto. Se as crianças interagem no mundo adulto porque negociam,
compartilham e criam culturas, necessitamos pensar em metodologias que realmente
tenham como foco suas vozes, olhares, experiências e pontos de vista. (DELGADO;
MILLER, 2005, p. 353)
A pesquisa de campo foi realizada no CEI 1 durante os meses de novembro e
dezembro de 2014, período em que as crianças tinham entre 5 e 6 anos. Nesse CEI, as
crianças apresentam uma relação de afeto com sua professora e também de autonomia, com
liberdade de questionar e propor. Elas não se contentam com qualquer resposta, são
participativas, curiosas, questionadoras, alegres e entendem o lugar da sala como um espaço
de brincadeiras, de troca, parceria e descobertas. A criança com deficiência dessa turma é uma
criança alegre, gosta de ir e estar no CEI. Ela tem TEA, ainda não faz uso da fala para se
comunicar, tem independência para andar. Quando sai da sala, em momentos que não é para
sair, dirige-se especificamente ao parque e vai para um espaço que tem areia. Algum
coleguinha ou a professora sempre vão chamá-lo de volta, que então retorna para a sala. Ele
tem o controle do esfíncter, mas necessita ser lembrado sobre o uso do banheiro.
Em relação às atividades pedagógicas, sua professora diz:
Ele não reconhece e não tem interesse pelas atividades de papel, não reconhecendo
os efeitos que o lápis de cor, canetinha, tinta, giz de cera produzem, mesmo que eu
pegue em sua mão. O que ele mais gosta de fazer, ou que ele dá conta de fazer, é
pegar alguns brinquedos ou peças de jogos e sentar-se no chão e ficar girando de
forma frenética e repetitiva. Comportamento que avalio, que foi intensificado depois
que ele começou a ser atendido em uma o organização não governamental (ONG)
que só atende a pessoas com TEA. (DIÁRIO DE CAMPO, 3/11/2014)
Observando a professora, consigo perceber que ela tem uma relação de autonomia,
confiança e respeito com as crianças. Não há imposição, pois sempre existe negociação e
diálogo. Quando seu aluno com TEA fica alterado, querendo sair ou até mesmo conseguindo
sair da sala, ela se mantém calma.
No CEI 2, a pesquisa foi realizada nos meses de fevereiro a junho de 2015, período em
que as crianças tinham entre 3 e 4 anos. Elas são bem dependentes da professora, acatam as
ordens geralmente sem questionar. Uma criança de 5 anos, do outro AG III, acaba tornando-se
55
sujeito da pesquisa em virtude de minha condição de observadora participante, ao perceber
sua aproximação comigo e com a criança com deficiência.
A criança com deficiência, embora não faça uso da fala para se comunicar e ainda não
tenha formas de expressões, como sorrisos, choros, birras, entre outras, é possível “afirmar”
que ela gosta de estar no ambiente educacional. Durante o período em que fica no CEI, seu
semblante se mantém sereno e não reclama do contato das outras crianças, dos adultos, com
os brinquedos e das diferentes movimentações pelos espaços físicos, como podemos apreciar
na Imagem 10.
Imagem 10 – Infâncias
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Ele tem síndrome de Down e síndrome de West, faz uso de cadeira de rodas, pois, em
razão da síndrome de West, tem constantes crises convulsivas que prejudicam o seu
desenvolvimento motor. Precisa do adulto para suprir suas necessidades básicas, como no
horário das refeições, pois não consegue se alimentar sozinho, não consegue segurar talher ou
copo. Para se locomover ou conseguir brincar, precisa de ajuda, pois ainda não consegue
segurar objetos ou brinquedos. Faz uso de fraldas (não tem controle do esfíncter). Com
relação às professoras, elas têm uma excelente percepção da necessidade corporal e cognitiva
das crianças, permitindo que se expressem de diferentes maneiras e que, juntas, participem de
tudo que é proposto, como vemos na Imagem 11.
56
Imagem 11 – Juntos aprendemos melhor
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
2.3. ESCOLHENDO CAMINHOS
Sendo esta uma pesquisa em que as crianças são os principais atores sociais, Kramer
(2002) faz-nos refletir acerca da maneira como concebemos as infâncias e de que forma
oportunizamos que as crianças sejam protagonistas de seus próprios saberes. Para isso, é
fundamental que não nos descuidemos das questões éticas que envolvem as pesquisas com
crianças, mas que muitas vezes não são consideradas:
Quando trabalhamos com um referencial teórico que concebe a infância como
categoria social e entende as crianças como cidadãos, sujeitos da história, pessoas
que produzem cultura, a ideia central é a de que as crianças são autoras, mas
sabemos que precisam de cuidado e atenção (KRAMER, 2002, p. 42)
Com esse enfoque, a seleção dos procedimentos de construção de dados passa a ser
cuidadosamente analisada, de modo que possa mostrar caminhos que evidenciem ou que
levem às reflexões sobre os problemas alçados nesta pesquisa. Assim, as estratégias
escolhidas foram: questionários, diário de campo, observação participante, desenhos,
fotografias e narrativas.
O questionário foi organizado de forma que influenciasse o mínimo possível as
respostas, para que as professoras pudessem contribuir com seus conhecimentos e
57
posicionamentos relacionados à inclusão das pessoas com deficiências, além de que os
conceitos por elas defendidos não fossem omitidos. Entretanto, ao fazer a solicitação para que
respondessem ao questionário, as professoras fazem alguns questionamentos:
– Quanto tempo demora para responder?
– É sobre o quê?
– Tenho de dizer de verdade o que eu penso da inclusão?
– Quem vai ler as minhas respostas?
– Quantas perguntas são?
Retomo o diálogo que tivemos quando a pesquisa foi apresentada e coloco-me a
explicar a diferença entre um questionário e uma entrevista semiestruturada. Todas as
professoras fazem a opção de responder ao questionário m que as perguntas já estejam
determinadas, porém as professoras do CEI 2 solicitam que as perguntas sejam reduzidas de
dezesseis para cinco, e no CEI 1 permanecem as dezesseis questões. A justificativa
apresentada por elas é a da praticidade, aliada à questão da falta de tempo. Argumentam ainda
que perguntas fechadas, no formato de questionário, podem ser respondidas de maneira mais
objetiva.
Mediante a tais solicitações, é possível perceber que o questionário com perguntas
fechadas permite maior estabilidade e comodidade nas respostas, pois não há possibilidades
de discordância entre entrevistado e entrevistador. Já a solicitação na redução de dezesseis
para cinco perguntas pode indicar, talvez, o receio de contradição das respostas. Atendo ao
pedido porque essas perguntas só têm sentido se forem respondidas pelas professoras do
espaço onde a pesquisa esta sendo realizada. São essas respostas que me interessam. Então,
entre as dezesseis perguntas, são selecionadas cinco que, a meu ver, não podem ficar sem
respostas, considerando o objetivo da pesquisa em andamento.
O diário de campo é uma ferramenta fundamental, pois me traz à memória lembranças
que não podem ser esquecidas, e que solicitam uma investigação mais detalhada. O diário de
campo me ajuda a compor os diversos caminhos percorridos. Nesse instrumental, a minha
subjetividade está intensamente presente, de forma que registro sutilezas que possam estar
ligadas ao tema pesquisado, que podem ser desde o olhar de uma criança a de um adulto.
Já a observação participante ocorre sempre com o cuidado de um reaprender a ouvir as
professoras e, principalmente, as crianças. O ouvir como forma de entender “que entrar na
vida das outras pessoas é tornar-se um intruso, faz-se necessário obter permissão, que vai
além da que é dada sob formas de consentimento, e isso raramente é feito com as crianças”
(DELGADO; MILLER, 2005, p. 355).
58
Os desenhos são utilizados pela perspectiva que Gobbi (2005, 2008) coloca, a qual
considero oportuna para esta pesquisa, uma vez que:
É um fragmento que permite, aos olhos sensíveis, refletirem e aprenderem mais
sobre os meninos e meninas, ou mesmo sobre seu processo de criação, considerando
que são criações e recriações de diferentes realidades. Concebendo a criança como
construtora de culturas, seus desenhos podem ser vistos como suportes que revelam
aspectos diversos das próprias culturas nas quais está inserida. (GOBBI, 2008, p.
136)
As crianças, por meio de desenhos, podem expressar suas ideias sobre a identidade e a
diferença do colega com deficiência, e nós a ouvimos não pela perspectiva de análise
psicológica, mas sim na busca de uma reflexão sobre que narrativas elas trazem ao desenhar o
seu colega com deficiência, pois:
[...] o desenho infantil surge como centro de discussão; conjugado “a oralidade”. Ele
é apresentado aqui como instrumento que pode ser utilizado quando queremos
conhecer mais e melhor a infância das crianças pequenas e bem pequenas, o que
ainda nos é bastante desconhecido sobre vários aspectos. (GOBBI, 2005, p. 70)
A apresentação dos desenhos das crianças não ocorre no intuito de avaliá-los ou de
inferir uma interpretação pautada no olhar do adulto. Com as crianças pequeninas, de 3 e 4
anos, não utilizo o desenho, mas sim fotografias. É pertinente dizer que o que me conquista
com o uso das fotografias é a possibilidade de (re)olhar para algo que poderia passar
despercebido. É ver a relação estabelecida, em um dado momento, entre as crianças com e
sem deficiências e analisar o que é possível ver além do que é dito, que carece de um olhar
atento, mas na maioria das vezes pode passar sem ser visto:
A fotografia é, na verdade, um constante convite à releitura, a uma forma diversa de
ordenar o texto imagético. Pode ser olhada muitas vezes, em diferentes ordens e
momentos, pode ter outras interpretações: ela é sempre outra foto ali presente, pois
uma foto se transforma cada vez que é contemplada, revive a cada olhar (KRAMER,
2002, p. 52)
A fotografia é utilizada também como uma busca incessante de interstícios, para
propiciar que a criança pequena, com e sem deficiência, narre-se e também aponte as
narrativas que estão sendo produzidas ao seu redor, para ela, com ela e por ela. Exemplo bem
marcante foi o dia em que os pneus da cadeira de rodas de Amir estavam vazios e precisavam
ser enchidos. Procurei uma bomba de ar e uma pessoa que pudesse ajudar. Vêm o vigilante e
o servente do CEI e começam a encher o pneu. Um deles segura a bomba de ar e o outro o
59
pneu, afinal não é tarefa tão simples fazer a manutenção em uma cadeira de rodas,
principalmente porque não são todos os anos que temos esses alunos no CEI.
Imagem 12 – Enchendo o pneu
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Continuamos as atividades corriqueiras da sala, porque os pneus estavam demorando
mais do que eu tinha imaginado para serem enchidos. As crianças olham e logo voltam para a
atividade em que estão envolvidas, mas há um garoto que se envolve por inteiro na cena da
cadeira de rodas. Ele deita-se no chão para ver melhor. Quer compreender o processo do
conserto e também onde ficaria o Amir caso os dois ajudantes não conseguissem finalizar o
trabalho.
Não demoro, porque as crianças são exploradoras, então apanho o celular e
rapidamente capturo a Imagem 13, a seguir.
61
Dessa maneira, as fotografias são capturadas em uma escolha de imagens produzidas
no contexto educacional, objetivando reconhecer produções de sentidos que possam levar a
uma sensibilidade para indicar os desafios de dizer o que não é dito com palavras, mas sentido
e vivido pelas crianças.
Busco os detalhes, e não apresentar fotografias com imagens diretas das crianças,
como chamo, nesse caso, as fotos posadas, e de indiretas aquelas que buscam minúcias
significativas para um determinado contexto. Minúcias que possam denunciar e anunciar a
produção da identidade e da diferença da criança pequena com deficiência e que ainda não
fala. Por isso, faço a sequência de recortes nas fotografias, afunilando as imagens, visando
apontar para detalhes cada vez menores que nem sempre são vistos, de forma que a imagem
possa inspirar o que quero ressaltar para constituir o olhar do leitor.
À medida que parto das fotos amplas e vou dirigindo o olhar do leitor para os recortes,
para mostrar os detalhes que quero, é possível salientar as linhas de fugas pelas quais as
crianças com deficiências escapam.
Considero que tais imagens possam contribuir significativamente como apoio às
narrativas não faladas da criança pequenina com ou sem deficiência, uma vez que ela pode
ainda não ter o recurso oral para manifestar-se, pois “resgatar a memória e recontar a história
é ressignificar o olhar” (KRAMER, 2002, p. 52).
As narrativas serão colocadas no sentido de que:
Há, assim, uma outra escritura a aprender: aquela que talvez se expresse com
múltiplas linguagens (de sons, de imagens, de toques, de cheiros etc.) e que, talvez,
não possa ser chamada mais de “escrita”; aquela que não obedeça à linearidade de
exposição, mas que teça, ao ser feita, uma rede de múltiplos, diferentes e diversos
fios; aquela que pergunte muito além de dar respostas; aquela que duvide no próprio
ato de afirmar, que diga e desdiga, que construa outra rede de comunicação, que
indique, talvez, uma escrita-fala, uma fala-escrita ou uma fala-escrita-fala. Ou seja,
a questão da narratividade não unicamente no contar, oralmente, um fato, mas em
transcrevê-lo de uma determinada maneira. Tem a ver, assim, tanto com a linguagem
oral que conta como com a linguagem escrita que reconta. (ALVES, 2000, p. 4)
Uma vez que as narrativas perpassam a observação participante, os desenhos e as
fotografias estão presentes em cada uma delas. Ouvir as narrativas das crianças pequenas
requer que busquemos compreender sua história vivida:
Mas, não podemos esquecer que não temos acesso direto à experiência dos outros,
lidamos apenas com representações dessa mesma experiência por meio do ouvir
contar, dos textos, da interação que se estabelece e das interpretações que são feitas.
(GALVÃO, 2005, p. 330)
62
Essa reinterpretação precisa considerar também a subjetividade presente nas narrativas
e possibilitar uma busca por ouvir a voz das crianças, permitindo dar-lhe sentido.
A minha escuta para as narrativas infantis e as histórias que as constituem é percebida
pelo lugar que ocupo, que busca, incansavelmente, reconhecer e significar o direito da criança
de ser reconhecida como produtora de cultura.
2.4. CONSTRUÇÃO DE DADOS NO CEI 1 E CEI 2
Para melhor visualização da construção dos dados da pesquisa, apresento no Quadro 4,
de maneira resumida, as estratégias adotadas.
Quadro 4 – Estratégias para a construção de dados
ESTRATÉGIAS PARA A
CONSTRUÇÃO DE DADOS
CEI 1
CEI 2
Questionários Questionário apresentando
dezesseis questões (Apêndices
A e B)
Questionário apresentando cinco
questões (Apêndices A e B)
Observação participante Realizada em sala, com
anotações em diário de campo
com palavras estratégicas.
Realizada em diversos espaços,
como: organização inicial do dia,
horário do lanche, parque, casa de
brinquedos, horário da entrada,
horário da saída e atividade
extraclasse, com anotações em diário
de campo utilizando palavras
estratégicas.
Diário de campo Utilizado todos os dias em que a
pesquisa foi realizada, para
anotações dos registros escritos.
Utilizado todos os dias em que a
pesquisa foi realizada, para
anotações dos registros escritos.
Desenhos Cada criança faz dois desenhos,
sendo um de livre escolha de
um colega da sala e o outro do
colega com deficiência.
Segue o mesmo procedimento,
porém é solicitado apenas para uma
criança que já tem 5 anos e que é de
outro AG.
As crianças do mesmo AG fazem um
desenho espontâneo para presentear
o amigo no dia do seu aniversário.
Fotografias Esse recurso não foi usado em
virtude de as crianças
participantes da pesquisa
conseguirem se expressar
oralmente e por meio do
desenho.
Capturo imagens que permitem fazer
interpretações.
Narrativa A escrita das narrativas no
diário de campo é realizada com
palavras significativas e
posteriormente descrita em
forma de texto narrativo.
Igualmente como no CEI 1, fazendo
anotações no diário de campo.
Fonte: Banco de dados da pesquisa.
Elaboração da autora.
63
2.5. PROCEDIMENTOS DE DISCUSSÃO DE DADOS
Os procedimentos de análise e discussão de dados visam identificar como o corpus
coletado é atravessado por outras vozes e como este revela, ou não, as marcas que alunos sem
deficiências e as professoras atribuem às crianças com deficiência. Marcas que vão
produzindo a identidade e a diferença desses alunos, mesmo considerando que:
[...] as narrativas podem incluir dados que sem nenhuma precisão são fixados e
repetidos, tais como: uma “pitada” de sal, “algumas” folhas, “certos” exercícios,
uma história “engraçada”, uma “solução” para um problema, um “modo de fazer” os
alunos escreverem um texto maior, uma “indicação” de como ler um livro fazendo
anotações e garantindo a escrita a seguir, etc. (ALVES, 2000, p. 6)
Nesse sentido, as narrativas ou práticas discursivas e não discursivas aqui apresentadas
têm a perspectiva de expor situações ocorridas no período de construção de dados que
provocam em mim deslocamentos capazes de me fazer repensar o que parecia tão certo, tão
dado, tão inquestionável, uma vez que:
Cada manhã, recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em
histórias surpreendentes. A razão é que os fatos já nos chegam acompanhados de
explicações. Em outras palavras: quase nada do que acontece está a serviço da
narrativa, e quase tudo está a serviço da informação. Metade da arte narrativa está
em evitar explicações. (BENJAMIN, 1987a, p. 7)
A intenção é que este trabalho provoque no leitor outra possibilidade de ler as
narrativa/histórias aqui apresentadas, e que não sejam aquelas que eu direcione, mas as que
ele for capaz de alcançar, sem que se limitem suas possibilidades de compreensão, pois:
Considerar narrativas como formas de tecer currículos pode ser esboçada a partir das
inspirações teóricas advindas da leitura da obra de Walter Benjamin. Para ele, a
narrativa de vida possibilita a ressignificação da própria experiência no seu fazer do
cotidiano, na relação entre o eu e o outro, nos acontecimentos que nos deixam
marcas de experiências vividas e não apenas vivências sem experiências, através de
memórias conscientes e inconscientes cheias de significados, sentimentos e sonhos.
(ROSA et al., 2011, p. 202)
Assim, é fundamental que tenhamos uma escuta cuidadosa para conjecturar sobre
quais são as vozes que atravessam as narrativas das crianças e as respostas escritas das
professoras, como a criança sem deficiência narra o seu colega com deficiência e as possíveis
linhas de fuga por ela utilizadas.
64
Quadro 5 – Procedimentos para a construção de dados
PROCEDIMENTOS PARA A
CONSTRUÇÃO DE DADOS
CEI 1
CEI 2
Questionários A professora participante
escolhe responder ao
questionário em vez de fazer a
entrevista semiestruturada.
Concorda em responder a
dezesseis questões.
Envia as respostas por
e-mail.
As três professoras escolhem
responder ao questionário, desde
que o número de questões seja
reduzido para cinco.
Enviam as respostas por e-mail.
Diário de campo É utilizado para registrar de
forma escrita as narrativas dos
pesquisados e a minha própria
impressão das narrativas que
mais me provocam
deslocamentos.
Igualmente utilizado como no
CEI 1
Observações
participantes
Registro as narrativas com base
nos desenhos. Nesses
momentos, busco compreender
quais narrativas das crianças
sem deficiência são
direcionadas àquelas com
deficiência e que sentidos lhes
são atribuídos.
Na maioria das vezes, é realizada
nos momentos em que as crianças
estão em sala, em atividades
dirigidas ou brincando
livremente, mas foi necessário um
tempo maior, com minha
participação em diversos espaços
do CEI.
A necessidade de expandir a
observação participante para
diversos locais foi em decorrência
da pouca idade das crianças, uma
vez que a forma de comunicação
delas requer maior atenção.
O registro das observações foi
realizado no diário de campo.
Desenhos Fico no ambiente do desenho e
convido, individualmente, as
crianças para participarem desse
espaço. A participação ou não
da criança se dá pela livre
escolha em participar, por isso,
das trinta crianças matriculadas,
participam somente sete. O
convite é feito por meio da
interação, do diálogo, e não da
imposição. A proposta de ser
individual e não coletiva é para
que os desenhos e narrativas
possam sofrer menos influências
externas, ou seja, serem menos
determinados pelas narrativas
dos outros colegas.
Das dezessete crianças
matriculadas, oito participam da
pesquisa.
As demais informações são como
as do CEI 1.
Fotografias Tal recurso não foi usado As fotos são tiradas com celular
ou tablet; com base em cenas que
pudessem servir como narrativas.
Antes de começar a utilizar o
tablet como recurso do registro
das observações, permiti que as
crianças o explorassem e
soubessem o que era possível
65
fazer com o aparelho, de modo
que ouvimos músicas, assistimos
a vídeos curtos, gravamos nossa
voz, tiramos e vimos fotos,
fizemos e assistimos a vídeos da
turma.
Narrativas As narrativas das crianças e das
professoras escolhidas para
serem analisadas são colhidas
tomando como base a
observação participante,
combinada com fotografias,
conversas informais com as
crianças, registros em diário de
campo e respostas orais.
O procedimento é igual ao CEI 1
Fonte: Banco de dados da pesquisa.
Elaboração da autora.
66
CAPÍTULO III
3. CAMINHOS PERCORRIDOS POR HISTÓRIAS TÃO SONHADAS
E agora? Pesquisa de campo finalizada, inúmeros dados de pesquisa, mas como
selecioná-los?
Olho para tudo o que tenho coletado e penso: O que faço com tudo isso? Por que esse
dado e não aquele? A imagem do caminho imediatamente me vem à memória, rememorando
o dia em que levamos as crianças ao zoológico. A diferença é que as crianças pareciam não
ter dúvidas, elas sabiam o caminho que queriam seguir.
Imagem 15 – Desvendando caminhos
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
É hora de retornar ao tema da pesquisa e ao objetivo fazendo uma seleção minuciosa
entre a construção de um dado e outro, compreendendo que para selecionar às vezes é preciso
saber se afastar.
Assim como nos fala Benjamin (1987a, p. 7), a informação precisa ser compreensível,
necessita ter uma explicação, é por isso que as narrativas/histórias que se seguem não são
informativas, pois:
67
[...] o extraordinário e o miraculoso são narrados com a maior exatidão, mas o
contexto psicológico da ação não é imposto ao leitor. Ele é livre para interpretar a
história como quiser, e com isso o episódio narrado atinge uma amplitude que não
existe na informação.
De tal modo, narro como vejo as crianças, não de maneira impositiva, mas de modo
que também me permita rememorar as histórias vividas, retomando meu diário de campo,
vendo o que anotei sobre os sujeitos pesquisados e o que eles, ao mesmo tempo, “anotaram”
em mim. São algumas dessas narrativas que compartilho aqui.
O título dessas narrativas apresentadas é iniciado com a palavra “caminho”, por ser
uma palavra da qual sempre gostei e também por seu significado ser tão próximo e íntimo do
sentido que as narrativas podem nos provocar.
O dicionário Aurélio apresenta a seguinte definição para o referido vocábulo:
1. Nome genérico de todas as faixas de terreno que conduzem de um a outro lugar.
2. Estrada, atalho, vereda.
3. Espaço que se percorre.
4. Direção.
5. Meio, via.
6. Destino.
7. Rumo.
8. Arrepiar caminho: voltar para trás.
9. Caminho coimbrão: ramerrão, rotina.
10. Caminho de cabras: caminho estreito, íngreme e acidentado.
11. Caminho de posto: caminho por onde se transita por costume.
3.1. CAMINHO 1: O DIA TÃO ESPERADO
O dia tão esperado de iniciar a pesquisa de campo finalmente havia chegado. Eu estou
visivelmente curiosa por ouvir as narrativas e os saberes das crianças relacionadas à temática
estudada. No primeiro dia da observação participante no CEI 1, chego antes de começar a
conversa inicial, momento em que a professora organiza as atividades do dia, com as crianças
sentadas em cadeiras e em círculo. Nesse espaço, cada uma delas pode falar aquilo que tem
vontade. Em conversa anterior com a professora, solicito que ela não conte para as crianças o
que eu vou fazer ali, quero que elas digam suas impressões sem serem orientadas a uma
resposta, uma vez que a pesquisa consiste em ouvir as narrativas e os saberes das crianças
com o mínimo de intervenção possível.
A professora então me apresenta para as crianças dizendo que eu também sou
professora e vou participar da roda da conversa. Feito isso, prossegue como de costume, ora
fazendo perguntas, ora respondendo àquelas feitas pelas crianças, ora ouvindo.
68
Percebo logo que são crianças curiosas, críticas e falantes. Constato, então, a
oportunidade de fazer a primeira pergunta:
Vocês têm algum amigo diferente?
Pronto! Primeira pergunta lançada. Quais serão as respostas? A minha escuta agora
parece ser outra, ouvidos atentos, coração em disparada, olhos bem abertos, a emoção
precisando ser controlada, pois preciso saber ouvir com ouvidos de pesquisadora, como quem
quer desvendar um mistério.
Em meio a um turbilhão de fantasias, Lulu13
, uma garotinha de 6 anos, fisicamente
bem maior que as outras crianças e também atenta para ser a primeira a responder a todas as
perguntas, prontamente diz:
Sim. Essas duas aqui ó [apontando o dedo para duas colegas que estavam à sua
frente], uma é branquinha e a outra é branquinha e usa óculos e esmalte.
Ela marca a diferença, primeiramente, por um fenótipo, mas em seguida sugere a
diferença ligada a assessórios, que são os óculos e o esmalte nas unhas da amiguinha. Sem ter
tempo de tecer outra reflexão, Lulu completa:
– E tem o Kamau14
, porque ele grita e fica pulando o dia inteiro [referindo-se ao
colega que tem TEA, que estava em pé perto da lousa no canto esquerdo da sala].
Imediatamente penso: Será que ela percebe a diferença a partir da deficiência que
Kamau tem? Então levanto outro questionamento:
– O que você acha quando o Kamau grita?
– Normal.
– O que é normal?
– Não sei.
Então explica com suas palavras:
– Normal é tudo bem!
Lulu não aponta a diferença baseando-se na deficiência de Kamau, ela apresenta algo
que ele faz e que provavelmente chama sua atenção, destacando como “ele grita e fica
13
Significa: Uma pérola. 14
Significa: Guerreiro quieto.
69
pulando o dia inteiro”, mas para ela o gritar e pular é “normal”, e normal significa “tudo
bem”.
A conversa prossegue, então faço outra pergunta:
– Tem alguma criança com deficiência aqui nesta sala?
Insisto, pois estou com o objetivo da pesquisa impresso em minha mente, é como se
necessitasse saber se a criança sem deficiência visse ou não o colega deficiente tomando
como base a identidade e da diferença marcada pela deficiência ou por aquilo que ele é.
Gyasi15
é um garoto que, enquanto os colegas estão sentados conversando, distrai-se e
se movimenta brincando com o próprio corpo e com o cadarço dos tênis. Parece estar alheio à
conversa, mas é pura impressão de adulto, porque ele se volta para a roda e pergunta:
– O que é deficiente?
A pergunta soa displicente, como que perguntando o significado de uma palavra
desconhecida, nova, pouco comum ao seu repertório. Mesmo assim, como minha intenção,
nesse primeiro dia, é ouvir as narrativas, os saberes das crianças e provocar algumas
inquietações, fico quieta. Percebo que ele busca o meu olhar, como solicitando uma resposta,
mas não digo nada, e ele continua:
– Tem ele [apontando para o colega ao lado], porque ele corre no parque e cai.
A resposta de Gyasi comprova quanto o assunto o instiga e que ele não desistiria
facilmente de querer compreender o que estava sendo dito, principalmente porque o garoto
que ele apontou ao dizer “[...] ele corre e cai” era um colega que não tinha deficiência.
Outra criança repete a pergunta:
– O que é deficiente?
Urenna16
imediatamente responde:
– É uma criança diferente da outra.
15
Significa: Maravilhoso. 16
Significa: Orgulho do pai.
70
A resposta de Urenna mostra que ir ao encontro da criança com deficiência requer que
nos dissipemos das apreciações pré-formadas e consideradas verdadeiras, pois “a ideia de
identidade móvel desconstrói o sistema de significação escolar excludente, normativo, elitista,
com suas medidas e mecanismos de produção da identidade e da diferença” (MANTOAN,
2004, p. 16).
Mesmo com essa criança apresentando o conceito da diferença com a ideia da
identidade móvel, com o desígnio de causar mais reflexão, pergunto:
– Nessa sala todo mundo é igual?
Akil logo responde:
– Não! Por que todo mundo tem o cabelo diferente.
Outra menina também responde: – Eu tenho uma irmãzinha que era mais ou menos igual. Agora essa amiga é igual a
mim, porque ela usa óculos.
Akil, ao dizer “todo mundo tem o cabelo diferente”, e a outra menina, ao proferir “ela
usa óculos”, não se referem a uma representação rígida, única, mas “à representação que não
é, nessa concepção, nunca, representação mental ou interior. A representação é, aqui, sempre
marca ou traço visível ou exterior” (SILVA, T.T., 2009, p. 91), como aquela que pode atribuir
sentido à identidade.
Segundo Silva (T. T., 2009), a identidade e a diferença não representam algo natural,
elas são criadas socialmente e as representações das identidades e diferenças requerem que o
poder as defina.
3.2. O QUE AS CRIANÇAS NOS DIZEM É O QUE IMAGINAMOS E QUEREMOS
OUVIR?
A diferença não é absoluta, pois sempre se é diferente em relação a algo. Isso pode ser
exemplificado com a narrativa de Abayomi17
, garoto que se torna sujeito da pesquisa por
apresentar atitudes inquietantes perante o outro, o diferente dele, o que lhe causa estranheza.
A todo o momento, Abayomi parece querer desvendar quem é esse outro, ou quem é ele
próprio, tanto que se torna sujeito desta pesquisa em virtude de sua voluntária aproximação
comigo.
17
Significa: Nascido para me trazer alegria.
71
A espontaneidade de Abayomi deixa muitos adultos intrigados, para isso vou
contextualizar algumas de suas narrativas, visando capturar o leitor, permitindo-lhe uma
inserção maior em tais histórias.
É o segundo ano de Abayomi no CEI 2, mas é o primeiro ano de Amir, criança de 3
anos que tem síndrome de Down e síndrome de West. Amir faz uso de cadeira de rodas, o que
causa a estranheza entre os novos colegas, além disso não engatinha e não fala. A primeira
vez em que Abayomi, de 5 anos, que é aluno de outro AG III, vê Amir, o novo colega na
cadeira de rodas, sendo acompanhado por uma professora, ele encantadamente se levanta do
lugar onde esta tomando o lanche e vai em direção a Amir.
Abayomi aproxima-se, seus olhos parecendo querer desvendar infinitos mistérios, é
como se ele estivesse “cativado”. Cativado no sentido pleno da palavra, pois ele se achega,
mas parece que as palavras lhe escapavam. Então Abayomi simplesmente vai ficando por
perto do colega em todas as oportunidades possíveis, ou mesmo quando ele próprio trata de
fazer viável essa aproximação. No começo, ele não diz nada, mas aos poucos as palavras
saltam de sua boca, quando pergunta:
– Ele tem mãe?
– Onde ele mora?
– Ele come?
– Você é a mãe dele?
– Você vai levar ele no colo?
– Ele anda?
– Ele vai embora?
Certo dia, em uma atividade coletiva em comemoração aos aniversariantes do mês,
todas as crianças estão brincando juntas, e no momento do lanche e do parabéns elas podem
escolher o lugar em que querem sentar, assim as turmas não ficam agrupadas.
Abayomi não tem dúvidas, senta-se ao lado do novo colega, Amir. Em seguida, olha
para mim, com os mesmos olhos que ainda demonstram o encantamento inicial, e pergunta:
– Ele é criança?
Havia muita sabedoria naquela pergunta; de fato ela é extraordinária. A melhor que eu
poderia ouvir nesse dia! Ela evidencia que a inclusão da criança com deficiência vai
provocando deslocamentos que antes não eram possíveis dentro do CEI.
Pode-se então afirmar que incluir uma criança com deficiência é mais que respeitar e
tolerar. De tal modo, a presença dela na escola propicia que a identidade e a diferença sejam
72
questionadas, o que nos leva a pensar quais são as representações de poder que as determinam
e as sustentam, pois:
Se a igualdade é referência, podemos inventar o que quisermos para agrupar e
rotular os alunos. Se a diferença é tomada como parâmetro, não fixamos mais a
igualdade como norma e fazemos cair toda uma hierarquia das igualdades e
diferenças que sustentam a “normalização”. A diferença é, pois, o conceito que se
impõe para que possamos defender a tese de uma escola única e para todos.
(MANTOAN, 2004, p. 16)
Abayomi segue com seu olhar atento e, ao me ver carregando Amir em direção ao
portão, pergunta:
– Cadê o “carrinho” de rodas dele?
Compreendo que ele está se referindo à cadeira de rodas e respondo:
– Está na sala.
Não satisfeito, pergunta:
– Ele vai andar hoje?
O que poderia ser apenas a entrega de uma criança para a mãe no horário de saída de
aula constitui-se em um momento de significação, em que a criança sem deficiência desloca-
se das representações construídas anteriormente para significar uma nova experiência.
Segundo Laclau, os deslocamentos possibilitam uma desarticulação das identidades que são
produzidas historicamente, permitindo outras articulações (1990 apud HALL, 2014, p. 14).
Com a pergunta “– Ele vai andar hoje?”, Abayomi me faz compreender que ele, uma criança
sem deficiência, não busca unificar sua identidade a identidade da criança com deficiência.
Nós, adultos, muitas vezes acreditamos que conduzimos as crianças, mas na verdade
são elas quem nos conduzem, são elas quem nos tomam pelas mãos, mesmo que o toque seja
como o visto na Imagem 16, um toque delicado e sensível ao olhar.
73
Imagem 16 – Gestos que nos tocam
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
3.3. CAMINHO 2: AINDA COM ABAYOMI...
Desejo transitar pelo imaginário do camponês sedentário e do marinheiro comerciante
(BENJAMIN, 1987a), por serem tantas as narrativas que me foram constituindo professora e
produzindo em mim saberes de longe (temporal) ou saberes de perto (espacial), que
culminaram nos saberes de agora, na forma de como me aventuro a compreender o processo
de inclusão da criança com deficiência dentro dos CEIs. Saberes que vão além das
informações, como os momentos que vivencio ainda com Abayomi.
Estou indo em direção ao refeitório, empurrando a cadeira de rodas de Amir, quando
passamos pelo cantinho digital (assim é chamado o lugar em que ficam os computadores do
CEI 2). No espaço há oito crianças que estão quase todas muito entretidas no jogo que
realizam, mas uma criança, Abayomi, ao me ver, imediatamente para de jogar, olha para mim
e se põe a fazer as perguntas rotineiras, pois todas as vezes que nos encontramos ele começa a
perguntar:
– O Amir é seu filho?
Sem mesmo me dar tempo de responder, ele prossegue:
74
– A mãe dele vem buscar ele?
– Ele mora longe?
– O carrinho dele tem roda?
– Ele não anda?
– Ele vai andar?
– Ele fala?
Paraliso, de todas as formas que me é possível, tentando apenas não parar fisicamente
e não deixar de me colocar disponível para escutar todas as perguntas feitas por Abayomi.
Começamos então a conversar, conversa de criança, que não se sabe aonde vai chegar, mas na
qual as perguntas são destemidas e sem medidas, e lindamente inteligentes e filosóficas.
Algumas perguntas eu respondo, outras devolvo para ele, tomando cuidado para não
ser indelicada, com o intuito de que ele pense sobre elas, uma vez que eu já havia lhe
respondido as mesmas questões por mais de uma vez; para outras eu não tenho respostas, para
ser mais franca, porque nem sempre sei responder o que criança pode compreender. Mesmo
assim, não resisto e faço a pergunta que já lhe havia feito anteriormente:
– Abayomi, o Amir é igual a você?
Essa interrogação gritava dentro de mim, querendo e buscando uma resposta, pois eu
me perguntava: O que pensa o Abayomi sobre a identidade e a diferença de Amir, sendo ele
próprio tão singular, tão inquietante?
Fico petrificada com o que vejo em seguida. Acredito que não vou conseguir narrar o
que considero ter sido uma das cenas mais encantadoras que presenciei em minha vida, mas
com simplicidade tentarei aqui reproduzir, buscando esquecer um pouco de mim para trazer à
tona a voz da criança.
Por mais que eu tente fazer o que Benjamin aconselha, que é o deixar-se envolver em
uma inteireza de escuta, como ele próprio afirma, não consigo achar as palavras que possam
sublimar o momento, tal como foi o seu sentido para mim.
Quanto maior a naturalidade com que o narrador renuncia às sutilezas psicológicas,
mais facilmente a história se gravará na memória do ouvinte, mais completamente
ela se assimilará à sua própria experiência e mais irresistivelmente ele cederá à
inclinação de recontá-la um dia. (BENJAMIM, 1987b, p. 204)
Ainda com a pergunta ecoando em minha mente, percebo Abayomi calmamente se
levantando da cadeira onde está sentado, diante do computador, para ir até a cadeira de rodas
onde está Amir e, com as suas duas mãozinhas, envolver o rosto do amigo, como se quisesse
emoldurá-lo, como se ele estivesse emoldurando o seu brinquedo preferido, ou o doce mais
75
gostoso. Sem contar que ele não estava ansioso, tinha toda a calma e paciência, o que não é
comum às crianças nessa idade.
Abayomi então aproxima ainda mais seu rosto do rosto de Amir, e parece querer olhar
dentro dos olhos dele. Fica nessa posição por alguns segundos, olha calmamente para o rosto
do colega e, parecendo ver aquilo que não é possível dizer com palavras, olha para mim com
afeto e diz:
– Sim, ele é igual a mim!
Em um gesto de quem compreende que a diferença faz parte da vida, Abayomi volta
para sua cadeira e retorna ao jogo do computador. Eu, com os sentimentos embargados,
ponho-me a empurrar a cadeira de rodas de Amir com uma vontade imensa de compreender o
que vi estampado na delicadeza daqueles gestos, “ditos” ou, se preferir, “feitos”.
Envolvida em um turbilhão de ideias, só consigo pensar que o que as crianças me
dizem transcende o que imagino ou poderia querer ouvir.
Simplesmente usar a identidade da criança para esconder sua diferença é uma forma de
negar a diferença, “assim como a identidade depende da diferença, a diferença depende da
identidade. Identidade e diferença são, pois, inseparáveis” (SILVA, T. T., 2009, p. 75).
Preciso olhar para a identidade e para a diferença e refletir sobre por que essa criança,
aqui representada por Abayomi, me subverte e promove em mim inquietações que me
remetem a uma inquietude, que às vezes chega a ser paralisante. Definir essa criança
previamente é o mesmo que tentar calar a sua voz; porém, mesmo com tentativas eloquentes
de controle, ela escapa pelas frestas mais fechadas e nos remete a um repensar sobre as
infâncias.
A escola, historicamente, foi criada para alunos que são iguais, que aprendem ao
mesmo tempo, que não apresentam diferenças significativas:
Se o nosso objetivo é desconstruir esse sistema, temos, então, de assumir uma
posição contrária à perspectiva da identidade “normal”, que justifica essa falsa
uniformidade das turmas escolares. A diferença é, pois, o conceito que se impõe
para que possamos defender a tese de uma escola para todos. (MANTOAN, 2006b,
p. 24)
Diante das colocações de Abayomi e de Mantoan, certifico-me de que este estudo não
pode mesmo trilhar qualquer caminho, pois ele era e é um sonho sonhado por muito tempo.
Sonho que envolve trabalho e pesquisa em uma relação imbricada e, ao mesmo tempo,
76
preocupada com a criança enquanto sujeito. Preocupação que vai além do respeito pela
criança, sendo possível, de acordo com a forma investigativa pretendida, não encontrar
respostas para muitas perguntas, mas provavelmente compondo mais indagações que nos
permitam refletir sobre o objetivo que este trabalho se alvitra a investigar. Assim, o desafio
que se põe é a:
[...] construção de pedagogias descolonizadoras, que problematizem as diferentes
formas de discriminação, que desvendem o adultocentricismo e as diferenças que se
transformam em desigualdade, e, principalmente, que problematizem o olhar do
adulto que não vê a diversidade e as especificidades das crianças pequenas
brasileiras. (FINCO; FARIA, 2013, p. 122)
Por mais que tentemos padronizar as crianças, elas, quando pequeninas, conseguem
desvencilhar-se, indo além da margem, como no azul da pintura que excede o traçado do
contorno do desenho, ainda que a mão não pinte sozinha.
Imagem 17– Azul
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
3.4. CAMINHO 3: COTIDIANO EDUCACIONAL, ENTRE RELATOS E FATOS
As respostas dos questionários começam a chegar à minha caixa de e-mail, eu preciso
e também quero lê-los. Como apenas uma professora havia respondido a dezesseis perguntas,
decido que me dedicaria à leitura das cinco primeiras questões, já que estas haviam sido
comuns a todas as professoras participantes da pesquisa.
77
Começo a leitura das respostas separadamente, depois resolvo agrupá-las, pois quero
notar as possibilidades de proximidades e distanciamentos entre elas. Nesse meio tempo,
tomo novamente meu diário de campo e me deparo com algumas narrativas que me
inquietaram mais que as respostas elencadas no questionário.
No diário de campo há narrativas que não estão presentes nas respostas do
questionário. São narrativas muito mais instigantes, relacionadas ao cotidiano educacional,
falas espontâneas, mais livres e menos direcionadas. Falas que teimavam em se repetir.
Afirmativas ouvidas há mais de vinte anos e que hoje ainda são tão presentes.
Nesse momento decido não mais seguir o caminho antes traçado e escolho contar
algumas dessas narrativas das professoras, a fim de conjecturar como elas ou suas práticas
discursivas e não discursivas vão criando efeitos, sentidos e significados compartilhados,
tornando-se modos de dizer sobre o outro, além de querer concluir se colaboram ou não para a
produção da identidade e da diferença da criança com deficiência.
Começo revisitando as anotações referentes à reunião semanal, de uma hora e quarenta
minutos, intitulada Trabalho Docente Coletivo (TDC), que ocorre logo após o período de
trabalho, quando se assume uma discussão relacionada às crianças com deficiência. Uma
professora diz: “Essas crianças estariam melhores se estivessem na APAE18
. O aluno é que
tem que se adaptar à escola” (DIÁRIO DE CAMPO, 17/2/2015).
Fico extremamente irritada com essa afirmação, pois costumava ouvir isso logo no
início de minha carreira profissional. Supunha que, após a implementação das políticas
públicas em prol da Educação Inclusiva e da determinação da Secretaria Municipal de
Educação da qual esse CEI faz parte, sendo favorável à inclusão de TODOS os alunos com
deficiência, essa fosse uma discussão já superada.
Incontáveis foram as reuniões nas quais dialogamos sobre essa temática. Imaginei que
não mais fosse ouvir essa afirmativa, pelo menos não nessa escola. Mas estava ouvindo!
Prosseguindo com a leitura do diário de campo, vejo o que outra professora responde:
As crianças geralmente não excluem, ficam curiosas e querem ajudar. Certa vez,
matriculou-se no nosso CEI um Down de 4 anos que quase não enxergava e era
muito pequeno, parecia bebê, muito fofo. As crianças queriam cuidar dele o tempo
todo. Sei que também vem a insegurança a respeito da nossa competência, pois não
somos preparados para isso. (DIÁRIO DE CAMPO, 17/2/2015)
Inicialmente considero que a resposta dessa professora seria mais encorajadora, mas
ela salienta a falta de “preparação profissional”, outro chavão fortemente repetido e usado no
18
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais.
78
meio educacional. Nessa perspectiva, é possível pressupor que o sujeito identificado por elas é
uno, centrado, marcado por uma identidade fixa, caracterizada por uma diferença visível,
palpável, que contrapõe com as identidades dos sujeitos reais que não são fixas, mas que “é
definida historicamente, e não biologicamente” (HALL, 2014, p. 12).
A professora, ao se referir ao aluno com síndrome de Down, que tem 4 anos, diz que
ele “era muito pequeno, parecia bebê, muito fofo”, emitindo uma visão romantizada referente
à inclusão, associando a deficiência a uma criança pequena. Sendo assim, a criança com
deficiência torna-se “fofa” por ser parecida com um bebê. Cabe ressaltar que ela utiliza o
advérbio “muito” para intensificar o adjetivo, representando, em ambas as situações,
quantidade (muito pequeno e muito fofo).
Posteriormente, ao dizer “Sei que também vem a insegurança a respeito da nossa
competência, pois não somos preparados para isso”, ela não usa o pronome minha, e sim
nossa, ao se referir à competência e preparo para a inclusão, a que ela se refere como “isso”.
Nesse caso, a professora transfere a relação de posse para o outro.
O desafio é o de estabelecer interlocuções com essas narrativas que permitam tecer e
avançar em outras reflexões sobre qual o olhar dessas professoras para e sobre as identidades
e diferenças da criança com deficiência, ou seja, reflexões que possam levar a outros
caminhos.
Sendo a discriminação, crime inafiançável em nosso país, é urgente a ponderação
sobre quanto as crianças com deficiências ainda são inferiorizadas, partindo de padrões
preeestabelecidos de normalidades.
Tanto pais quanto professoras devem pensar e considerar as maneiras como se
manifestam a respeito das crianças com deficiências, definindo-as ou dizendo sobre elas,
mesmo em ambientes que se denominam inclusivos, como se a diferença fosse própria de
alguns e não de todos nós. Discriminando essas crianças e fazendo com que elas, inclusive
dentro do ambiente educacional, que é de formação, tenham limitações e restrições, ou até
mesmo encaminhamentos a escolas onde tenham uma educação segregada.
A mudança é fácil? Não! Compreendo que uma mudança dessa magnitude, que
envolve o entendimento da diferença, e não da diferença numérica nem específica, mas da
diferença que é peculiar de cada sujeito, é algo que demanda tempo, conhecimento,
envolvimento e querer. Mas por que será que as crianças pequeninas não fazem o que as
professoras fazem? Por que será que essas crianças não discriminam como os adultos?
Aprendemos a discriminar, aprendemos o preconceito, acreditamos na identidade
fixada, por isso temos modos de dizer sobre o outro que o inferiorizam. As crianças
79
pequeninas ainda não foram capturadas por esse modo de dizer sobre o outro, que o
inferioriza, elas brincam ainda como crianças, como vemos na Imagem 18. Nesse sentido,
posso afirmar que a mudança já começou e esta pesquisa aponta o lado positivo dessa
vivência, porque a criança pequena ainda não foi consumida pelos padrões da identidade
fixada.
Imagem 18 – Entre desenhos e traços
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
3.5. O DESENHO: CAMINHOS PERCORRIDOS ENTRE TRAÇADOS VIVIDOS E
IMAGINADOS
“Você pode escolher um colega da sala para desenhar? Pode ser qualquer um. Eu quero
que você desenhe um colega ou uma colega. Quem você quiser”.
DIÁRIO DE CAMPO, 7/11/2014
Esse é o pedido que faço para as crianças sem deficiências, participantes da pesquisa e
que vão realizar o desenho. Caso a criança mencione que quer desenhar outra coisa, retomo
com ela o objetivo, que é o de desenhar um colega ou uma colega da sala.
No entanto, antes de chegar a essa proposta individual especificamente, desenho com
todas as crianças juntas. Um desenho coletivo, construído a muitas mãos, lembrando que:
A realidade cotidiana é percebida por cada um de nós de um modo muito particular,
damos sentido às situações por meio do nosso universo de crenças, elaborado a
80
partir das vivências, valores e papéis culturais inerentes ao grupo social a que
pertencemos. As representações nos permitem decodificar e interpretar as situações
que vivemos. (GALVÃO, 2005, p. 328)
As narrativas que as crianças vão pronunciando, ao realizar o desenho destinado a
pesquisa, são registradas, e, caso a criança faça o desenho em silêncio, ao entregar a folha
emito a seguinte pergunta:
– Quer contar alguma coisa desse desenho para mim?
Nessa atividade, o objetivo é recolher desenhos que retratem o amigo com deficiência,
então, caso esse registro não aconteça no primeiro desenho, solicito para a criança fazer um
segundo, porém, se a criança fizer o colega com deficiência no primeiro desenho, não peço a
ela que realize o segundo. Faço-lhe então a seguinte pergunta:
– Ele é igual ou diferente de você?
Cabe lembrar que não marco a criança pela deficiência. O pedido para a realização do
segundo desenho é feito citando o nome da criança com deficiência:
– Agora você pode desenhar o Akil?
Mediante as respostas da criança, ao desenhar, é que vou ou não fazendo alguns
poucos apontamentos, com o intuito de influenciar o menos possível, sempre fazendo
registros do que a criança diz. A hipótese é de que, entre 5 e 6 anos, a maioria das crianças
possa emitir narrativas orais, indicando sua percepção referente à identidade e à diferença do
colega com deficiência a partir a elaboração do desenho.
3.6. CAMINHO 4: O DESENHO DE NALA19
Apresento agora momentos vividos com Nala, uma garotinha de 5 anos, esperta e
bastante comunicativa. Eu a chamo e lhe pergunto:
– Você pode fazer um desenho para mim?
– Sim.
19
Significa: Rainha.
81
– Eu quero que você desenhe um colega da sala. Pode ser menino ou menina. Quem
você quiser.
– Vou desenhar a Tamu20
. Azul para o olho dela. Por que é bem azul o olho dela.
Preto para os óculos dela.
Imagem 19 – Azul para o olho dela
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Enquanto desenha, Nala vai narrando:
– Vou fazer outra orelhinha, ela vai usar batom, tá?
Imagem 20 – Orelhinha e batom
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Ao desenhar as mãos, vai contando os dedinhos e diz:
– Vou desenhar o pé.
20
Significa: Doce.
82
Imagem 21 – Nala. Desenho 1
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Pergunto para Nala:
– Acabou?
– Sim, mas vou fazer uma árvore aqui do lado, um céu, arco-íris, a casa dela. O
terreno é mais marronzinho.
Ela pega o lápis vermelho e diz:
– O terreno dela é dessa cor [diz apontando o lápis de cor marrom]. Sabia? Agora
vou desenhar a casa. Agora vou desenhar a porta e janela, senão como ela vai olhar?
Imagem 22 – Nala. Desenho 1.2
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
83
Então eu peço:
– Agora eu quero que você desenhe o Kamau.
Ela aceita e diz:
– O Kamau, ele é vermelho de terra.
Pergunto em seguida:
– Por que ele é vermelho de terra?
– Por que ele come terra! O olho dele é bem amarelinho.
Imagem 23 – Vermelho de terra
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Continuo a conversa perguntando:
– Por quê?
– Não sei.
Vejo que ela desenha Kamau com um cabelo azul e grande. Então pergunto:
– O cabelo dele é assim, azul e grande?
– Não!
– Então por que você fez o cabelo dele grande e azul?
– Porque eu não sei fazer direito. Ele está sentado no chão com a mão assim.
Imagem 24 – Cabelo azul e grande
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
84
Imagem 25 – Nala. Desenho 2
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Nala para de desenhar e me mostra como Kamau costuma ficar sentado no chão. Volta
para o desenho, faz um retângulo em volta da cabeça de Kamau e diz:
– É uma cadeira que ele está segurando. Agora vou fazer as nuvens e muita chuva.
Isso é um guarda-chuvas.
Imagem 26 – Cadeira, nuvens e chuva
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Ela continua desenhando enquanto vai dizendo:
85
– Vou fazer uma flor muito grande e agora vou fazer um cachorrinho na coleira
amarrado na flor, porque está um vento muito forte e o Kamau não consegue
segurar. A flor cresceu muito por causa da chuva. Agora vou desenhar o cachorro e a
casinha dele, e fiz o cachorro dentro da casinha.
Imagem 27 – Flor, cachorro e casinha
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Imagem 28 – Nala. Desenho 2.2
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Faço então a pergunta:
– O Kamau é igual ou diferente de você?
– Igual.
86
Procurando uma resposta mais detalhada, pergunto:
– Por quê?
– Não sei!
Observando a narrativa de Nala, ao desenhar o colega Kamau, quando ela diz: “O
Kamau, ele é vermelho de terra”. O “ser vermelho de terra” não está identificado por uma
diferença que o inferioriza.
Nala associa o “ser vermelho de terra” ao parque do CEI, que é composto de terra
vermelha, e Kamau, que gosta de brincar ali, fica vermelho. No entanto essa é uma
particularidade que, se não é conhecida, pode ser associada como uma diferença negativa de
Nala para com seu colega.
Ao lhe perguntar se Kamau é “igual ou diferente dela”, a menina responde marcando a
igualdade que existe entre eles, que todos são crianças.
A autenticidade dessas crianças, que ainda não estão impregnadas e condicionadas
pelo exemplo e pela voz do adulto, necessita ser estendida, vivenciada ao longo da vida, para
que não se tornem pessoas discriminatórias com relação a qualquer tipo de diferença,
principalmente a deficiência. Que a imagem que vemos a seguir (Imagem 29), na qual mãos
se unem em prol de uma brincadeira continuem a ser unidas por outros variados motivos,
mesmo quando essas mesmas mãos forem mais tão pequeninas.
Imagem 29 – Quem quer brincar coloca a mão aqui
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
87
3.7. CAMINHO 5: O DESENHO DE URBI21
Urbi, uma garotinha também esperta, mas que não é muito de falar, fica observando,
aproxima-se de acordo com a maneira como se sente acolhida e segura. Mas, na brincadeira
“quem quer brincar coloca a mão aqui”, ela rapidamente se movimenta e lá está com suas
duas mãozinhas bem posicionadas e pronta para brincar.
Espero a pausa da brincadeira, chamo-a e lhe pergunto:
– Você pode escolher um amigo ou amiga da sala para desenhar? Pode ser quem
você quiser.
Ela para por alguns segundos, olha os amigos e diz:
– Vou desenhar a Khakina22
.
Khakina é uma menina com quem Urbi brinca diariamente. Enquanto desenha,
permanece em silêncio e, ao terminar, entrega-me a folha.
Imagem 30 – Urbi. Desenho 1
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
21
Significa: Princesa. 22
Significa: Bonita.
88
Então lhe digo:
– Agora quero que você desenhe o Kamau.
Urbi começa a desenhar, faz os contornos e olha para mim. Eu lhe pergunto:
– Quer pintar?
Ela acena a cabeça em afirmativo e continua desenhando silenciosamente. Quando
termina, entrega-me o desenho. Então faço a seguinte pergunta:
– O Kamau é igual ou diferente de você?
Ela olha para mim e não responde nada. Eu insisto:
– O Kamau é igual ou diferente de você?
Urbi olha para mim com um olhar profundo e indignado, como querendo dizer: “Você
não vê a diferença?”
Nesse instante sou eu quem permaneço olhando para ela. A menina continua em
silêncio por alguns segundos, mas que para mim parecem longos minutos. Estou
extremamente curiosa para saber sua resposta, já que, durante o tempo em que desenhava, ela
não emitiu palavra alguma.
Imagem 31 – Urbi. Desenho 2
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
89
Demonstrando impaciência, mas com convicção, Urbi me olha e, com voz firme,
como não ouvida em nenhum momento antes, diz:
– Diferente, né!? Ele é branco!
Pego o desenho de suas mãos, e rapidamente Urbi se envolve em outras brincadeiras
com os colegas. Meus pensamentos se embaralham, porque Urbi, ao dizer que seu amigo é
diferente porque é “branco”, aponta uma distinção construída e marcada por outra diferença
que não é a deficiência. Ela traz à tona outra questão que permeia o universo educacional e
para a qual o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) salienta:
Diversidade étnico-racial entre as crianças deve ser motivo de orgulho – e não razão
para discriminação. Se a diversidade humana deve ser celebrada, por que crianças
que nascem diferentes não alcançam os seus direitos na mesma velocidade? Por que
as diferenças fazem diferença na hora de assegurar direitos? (UNICEF, 2010, p.
12).
Pensando nas questões apresentadas pela UNICEF, é possível afirmar que Urbi as
reafirma ao dizer “Diferente, né!? Ele é branco!” Ela não reconhece a diferença entre eles pela
deficiência, mas por uma diferença que inferioriza.
A menina deixa evidente que tem uma história vivida, constituída também em um
tempo anterior ao que não conhecia o amigo com deficiência.
3.8. FOTOGRAFIA COMO FORMA DE VER O NÃO DITO
Inicialmente, pondero ficar apenas dois meses no CEI 2, no entanto, em decorrência de
as crianças terem entre 3 e 4 anos, de serem bem pequenas e ainda não possuírem o registro
gráfico e a narrativa oral como forma prosaica de expressão, os procedimentos de construção
de dados e as estratégias de coletas precisam ser repensados, exigindo que o tempo da
pesquisa seja maior.
Os desenhos, tão bem utilizados no CEI 1, não podem ser aplicados, nesse caso, com
todas as crianças. É assim que o procedimento da fotografia incorpora-se à pesquisa de
maneira muito expressiva, ao tornar favorável a possibilidade de trazer a voz da criança,
inclusive daquela com deficiência.
90
3.9. CAMINHO 6: TOMANDO PELA MÃO
É um dia como outro qualquer, acabamos de chegar ao parque do CEI 2.
Os primeiros vinte minutos são de tempo livre, no qual as crianças podem brincar no
tanque de areia, jogar bola, escrever na lousa, que fica na parede do muro, ou outras
brincadeiras que possam inventar.
Levo Amir para perto do tanque de areia. Posiciono-me para ativar os freios de sua
cadeira de rodas e, quando, sem ter ainda decido se o colocaria no tanque de areia ou em
alguma outra brincadeira, ergo minha cabeça, olho e vejo uma cena que me emociona.
Imagem 32 – Tomando pela mão 1
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Imagem 33 – Tomando pela mão 2
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
91
Por mais que não quisesse pensar, não resisto e penso: Qual será a reação de Ona23
quando perceber que Amir não consegue segurar a bola? Teci em minha mente diversas
possibilidades, mas nenhuma ao alcance de descrever o que as Imagens 34 e 35 podem
mostrar.
Imagem 34 – Tomando pela mão 3
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Imagem 35 – Tomando pela mão 4
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
92
Poderia parecer só mais um contato rápido de uma criança com outra, mas, quando me
proponho a olhar mais de perto, vejo que nessa inteireza de relações há muito mais que o “dar
a bola para o outro”.
Ona é uma menina que sempre escolhe brincar com Amir, não por falta de opção ou
por não ser aceita em outros grupos de crianças, mas porque ela quer e gosta de brincar com
ele. Ona tem todo o cuidado de segurar a mão do amigo, com delicadeza, no intuito de fazê-lo
“sentir” a bola. E, mais que isso, sentir que é possível jogar junto, mesmo se sozinho o amigo
não pode segurar a bola. Ela então o toma pela mão.
Amir é uma criança que alguns podem não compreender por que está em um CEI, já
que não emite palavra ou mesmo deixa escapar um abraço inesperado. Mas de “perto”, bem
de “perto”, quando permitimos deslocar nosso próprio foco, vemos que o olhar dessa criança
também quer ser deslocado e alcançado. Assim, “a diferença é, pois, o conceito que se impõe
para que possamos defender a tese de uma escola única e para todos” (MANTOAN, 2004, p.
16).
O olhar que busca o outro no intuito de capturar e de permitir-se ser capturado e, ao
mesmo tempo, apresentando linhas de fugas que, na maioria das vezes, são incompreensíveis
diante do olhar rígido do adulto.
Imagem 36 – Tomando pela mão 5
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
93
Imagem 37 – Tomando pela mão 6
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Ainda neste dia, as crianças foram brincar de escrever na lousa que fica na parede do
muro, eu então levo Amir para brincar com as crianças que estavam lá. Elas desenham,
imitam as professoras, seguem brincando livremente. Eu observo e vejo que Amir “olha” a
amiga desenhar. Há uma interlocução entre eles. Não precisa de fala audível, talvez só seja
necessário outro modo de ver.
Imagem 38 – Tomando pela mão 7
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
94
Imagem 39 – Tomando pela mão 8
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Imagem 40 – Tomando pela mão 9
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
96
Imagem 41 – Ressignificando experiências 1
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Imagem 42 – Ressignificando experiências 2
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
As brincadeiras do circuito demonstram que as crianças podem e querem viver outras
experiências.
Como professora efetiva de Educação Especial em uma rede municipal de educação há
mais de vinte anos e atuando na Educação Infantil há mais de dez anos, observo que muitos
97
foram os deslocamentos que eu e as outras professoras e crianças pudemos vivenciar com a
inclusão das crianças com deficiências nas escolas regulares, e é desse lugar que falo.
Falar desse lugar, agora, não somente como professora, mas também como
pesquisadora, trouxe-me certa inquietude, até porque a inclusão não pode ficar ancorada na
professora de Educação Especial. Penso: E se me faltarem palavras para escrever o que
quero e preciso dizer sobre as crianças? Foi assim que procurei rememorar o vivido e fui me
dando conta de que sou constituída por muitas histórias, as quais são atravessadas por
incontáveis narrativas:
E a experiência de si está constituída, em grande parte, a partir das narrações. O que
somos ou, melhor ainda, o sentido de quem somos, depende das histórias que
contamos e das que contamos a nós mesmos. Em particular, das construções
narrativas nas quais cada um de nós é, ao mesmo tempo, o autor, o narrador e o
personagem principal. Por outro lado, essas histórias estão construídas em relação às
histórias que escutamos, que lemos e que, de alguma maneira, nos dizem respeito na
medida em que estamos compelidos a produzir nossa história em relação a elas. Por
último, essas histórias pessoais que nos constituem estão produzidas e mediadas no
interior de práticas sociais mais ou menos institucionalizadas. (LARROSA, 1994, p.
13)
Assim, as práticas sociais nas quais estou inserida me permitem narrar, principalmente,
as histórias das crianças, sujeitos desta pesquisa, e colocá-las como autoras principais de um
processo de Educação Inclusiva, que para mim não tem volta, mas possibilidades de fazer
melhor e de, partir da experiência com elas, percorrer novos percursos que nos aproximam em
prol da inclusão.
98
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Narrativas como as das crianças e professoras apresentadas nesta pesquisa me instigam
a rever o lugar que a criança com deficiência ocupa dentro dos CEIs que se denominam
inclusivos.
Ouvir essas narrativas é algo que me movimenta e encanta, além de me fazer retomar
o objetivo que este trabalho se propõe a investigar, que é a produção da identidade e da
diferença da criança com deficiência. A finalidade do presente estudo foi buscar saber como
as narrativas ou as práticas discursivas e não discursivas de professoras e de crianças sem
deficiências (de 3 a 6 anos) vão criando efeitos, sentidos e significados compartilhados,
tornando-se modos de dizer sobre o outro e colaborando, ou não, para a produção da
identidade e da diferença da criança com deficiência.
As professoras não podem escolher se querem ter ou não o aluno com deficiência
frequentando a sua sala, uma vez que, por determinação legal, toda criança tem o direito de
ser matriculada em alguma escola. No entanto, nas narrativas aqui apresentadas é possível
constatar que há movimentos de resistência, contrários a essa determinação legal.
Ao refletir sobre quais são as vozes que atravessam essas narrativas, é possível dizer
que elas ainda atribuem às crianças com deficiências sentidos que as inferiorizam, do mesmo
modo que continuam buscando por um aluno idealizado.
A busca por esse tipo de sujeito possibilita que as diferenças não sejam consideradas,
perpetuando uma tentativa eloquente de igualar a todos, como pode ser observar em exemplo
mencionado anteriormente, no qual uma professora diz:
– Essas crianças estariam melhores se estivessem na APAE.
As crianças “escutam” a discriminação em diversos ambientes e de múltiplas pessoas.
Portanto, o fato de a criança ter ao seu lado uma professora especializada não lhe garantirá
estar em um ambiente inclusivo. Isso não assegura a inclusão.
Os resultados da pesquisa mostram que as professoras ainda não concebem a
Educação Especial como complementar e suplementar. Mas por que isso ainda acontece?
Existe uma tradição da Educação Especial ser substitutiva, a qual ainda preside toda a
organização das escolas, até das que se dizem inclusivas.
Com base nos estudos e análises dos dados, posso afirmar que os espaços educacionais
são denominados inclusivos pelas professoras, isso porque elas os denominam de inclusivos,
99
mas não o consideram realmente. Já, para as crianças pequenas, esses mesmos espaços são de
fatos inclusivos, porque elas mesmas fazem com que eles efetivamente o sejam.
Vamos propiciar que a criança obedeça ao seu desejo de trazer à luz uma questão tão
séria como essa. É tempo de desconstruir a visão forjada que foi elaborada em prol da
deficiência e do ensino especial, porque é tempo de falarmos e fazermos diferente. Chega de
discriminar, até porque a discriminação é crime inafiançável.
Esse tipo de debate é emergente para que as crianças, à medida que forem crescendo,
não percam esse olhar que vê a diferença como constituição e direito do sujeito que o faz
singular e único.
O não respeito pela heterogeneidade da criança com deficiência tem sido mais
constante do que imaginamos; entretanto, há enfretamentos e rachaduras que obrigam o outro
lado a se rever, pois o núcleo de tensão e transformação na vida social e humana é
imprescindível para trazer mudanças. Nesse contexto, as crianças são as mais propícias a nos
mostrar tal atitude, como se pode ver nas fotografias tiradas dos desenhos feitos para Amir, no
dia de seu aniversário.
Imagem 43 – Ele é bonitinho, eu gosto dele e ele brinca comigo
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Nesse sentido, as crianças sem deficiências, que têm a oportunidade de estar e
compartilhar o mesmo espaço que o seu colega com deficiência, dizem:
– Ele é bonitinho, eu gosto dele e ele brinca comigo.
100
A criança sem deficiência, de 3 a 6 anos, compreende que o lugar do seu colega com
deficiência é o mesmo que o seu. É indispensável que analisemos por qual lógica temos
constituído nossos pensamentos em relação à criança com deficiência. Temos raciocinado
pela lógica da identidade padronizada? Do sujeito disciplinado, como já mencionei
anteriormente, aquele desejado pela escola, um sujeito previsível e normalizado?
Uma indagação me vem à mente: As formas mencionadas pelas professoras de pensar
identidade e diferença deixam espaço para que o CEI seja de fato o lugar das diferenças? Esse
pensamento me leva novamente às narrativas das professoras e me permite (re)olhá-las. Nelas
a identidade e a diferença não são apresentadas de maneira neutra, o que nos possibilita reflitir
sobre a naturalização das diferenças. Mas o que pode revelar tal naturalização?
A deficiência, vista pela diferença naturalizada, reafirma as desigualdades. Nesse
sentido, é possível destacar a criança com deficiência como aquela que está carregada de
preconceitos dentro de um CEI que busca, incansavelmente, a escolarização dessas crianças
tomando como base a diferença que inferioriza. Assim, é possível perceber a cultura
preconceituosa presente no cotidiano dos CEIs, que continuam a reproduzir práticas
segregadoras.
Em meio a tudo isso, a criança com deficiência “escapa” do sentido produzido e
compartilhado de identidade e diferença que lhe é atribuído, ao possibilitar o (re)pensar sobre
a identidade e a diferença, sendo, por exemplo, o colega que a outra criança gosta e que
também gosta de brincar com ele.
Assim, falo da criança com deficiência, inserida no contexto educacional, que tem voz.
Aquela que com sua presença desarticula o que antes parecia tão articulado. Aquela que
solicita e participa da e na produção de novos sujeitos.
Sujeitos que aprendem, sujeitos que ensinam, sujeitos que se deslocam. Nesse sentido,
as identidades não são fixas, e, conforme aponta Hall (2014), vai sendo definida
historicamente, e não pautada em patologias, porque a identidade não é definida
biologicamente.
Essa criança com deficiência é vista assim pelo seu colega, pois eles sabem que elas
são sujeitos históricos, inseridos em um contexto não separado. Ao desenhar, as crianças
trazem à tona essas evidencias.
101
Imagem 44 – Gosto dele e ele brinca comigo
Fonte: Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Imagem 45 – Eu gosto dele
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
102
Imagem 46 – Ele e a casa dele
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Imagem 47 – Ele e a mamãe dele
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Silva (T.T, 2009) orienta que pensemos em uma pedagogia da diferença, crítica, que
vá além da posição liberal que promove o pensamento da aceitação e a tolerância por tudo
aquilo que é distinto, que difere de nós, no qual o discurso corriqueiramente usado é de que a
diversidade deve ser respeitada. A estratégia terapêutica que traz os distúrbios psicológicos
como causa da rejeição, as diferenças ou o posicionamento que transita entre o liberal e o
103
terapêutico, apresentando o diferente como curioso e exótico, também não se insere no
contexto de questionar de que forma ocorre, de fato, a produção da identidade e da diferença.
Mais uma vez, a criança é capaz de ir além, reconhecendo em seu colega com
deficiência quem ele é. Ela sabe que ambos não são iguais, que são pessoas distintas, mas que
também se aproximam.
Imagem 48 – Ele e eu
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Silva (T.T., 2009) avança nas reflexões na medida em que questiona as implicações
políticas que perpassam os conceitos de identidade e de diferença, diversidade, alteridade, ao
mesmo tempo em que busca conceituá-los. Isso possibilita uma reflexão sobre como o
processo de Educação Inclusiva foi colocado dentro dos CEIs e como têm sido definidas, ao
longo do tempo, a identidade e a diferença da criança marcada pela deficiência nesse mesmo
espaço educacional.
Se a identidade depende da diferença, e se aquela não é o oposto desta, podemos então
afirmar que a maior semelhança entre crianças com deficiências e crianças sem deficiências é
que todas elas são crianças.
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Imagem 49 – Ele é meu amigo, ele brinca comigo e eu gostei do aniversário dele
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
É oportuno que continuemos a busca por conhecimentos que nos impulsione a
compreender o que está colocado dentro dos CEIs, mesmo que pareçam ser verdades
absolutas e aparentemente consolidadas. Mas ouso dizer que é preciso continuar ouvindo as
crianças, com ouvidos e olhos atentos e curiosos, para aprender e apreender com elas.
Imagem 50 – Eu gosto dele
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
105
Imagem 51 – Eu fiz um arco-íris para ele
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Com isso, afirmo que não tenho a pretensão de encerrar aqui o debate sobre
identidade, diferença, narrativa, inclusão escolar e/ou sobre as parcerias necessárias a essa
construção, uma vez que a temática tem sido proposta em diferentes espaços e meios.
Não venho aqui refletir a respeito de quanto professamos e/ou educamos de modo que
se possa incluir, ou não, novos e outros olhares e conhecimentos capazes de transformar o
cotidiano do qual fazemos parte, a fim de não continuar reproduzindo mecanismos de
controles que produzem a identidade e a diferença da criança com deficiência marcada pelas
diferenças que as inferiorizam, mas sim reflito sobre quanto o encontro com as crianças e suas
criações tecem em nós sutilezas capazes de possibilitar olhares outros, para e sobre as
identidades e diferenças, como os apresentados por Abayomi, que de forma tão singela, e ao
mesmo tempo tão intensa, nos toca, ou mesmo como essa criança que desenha de presente
para Amir um arco-íris.
Arco-íris, que nos coloca diante de um novo e outro olhar.
Então, aventuro-me a dizer que busco (re)significar minha prática pedagógica na
relação com a criança, que a cada olhar me alcança e pelo qual me permito ser alcançada, no
intuito de dar nova forma ao lugar que esse sujeito ocupa dentro do CEI. Lugar que
possibilita, ou deveria possibilitar, diferentes formas de aprendizagem, oportunizando à
criança diversas, diferentes e possíveis maneiras de ler e escrever o mundo, para nele se
inscrever.
106
Imagem 52 – Ele é meu amigo e adora brincar comigo
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Para mim, as narrativas das crianças, impressas nos desenhos pela minha escrita, são
as formas mais evidentes das possíveis vozes que atravessam suas falas, além de revelar como
a criança com deficiência escapa dos sentidos atribuídos à sua identidade e diferença,
possibilitando linhas de fuga a quem se permitir deixar alcançar por essa diferença que não
inferioriza.
Imagem 53 – Feliz aniversário para ele
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
107
Que esse ato de viver o não previsível, pode-se dizer de coragem, nos impulsione a
tornar possível a caminhada por caminhos antes não percorridos.
Que aprendamos com as crianças e sejamos capazes também de dizer: “feliz
aniversário para ele” ou reconhecer que o outro, além de legal, pode ser amigo.
Imagem 54 – Ele é meu amigo
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
Imagem 55 – Ele é legal
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
108
Não podemos nos furtar à discussão, mas precisamos avançar nas reflexões, realçando
as denúncias e os anúncios que aqui emergem, mesmo com a indignação e a revolta que os
olhares viciados de alguns nos provocam. O importante é não perder a delicadeza e a
sensibilidade de olhar as crianças, sempre ancorados na potência de pensar onde podemos
educar, ainda que esse educar seja um reaprender de como o outro pode ser legal, da mesma
maneira que a criança se expressa ao desenhar para o colega. É possível termos positivos e
bonitos resultados nos encontros diversos, entre crianças com e sem deficiência.
Se de fato tivéssemos uma escola que se propusesse a ensinar a todos, iríamos refletir
sobre todos os alunos, e não apenas a respeito de alunos com deficiência. Então, proponho
que passemos a ensinar a partir das diferenças; não da diferença que inferioriza, mas da
diferença valendo-se do sujeito.
Saliento a contribuição desta pesquisa não somente para o âmbito da educação infantil
e sociocomunitária, mas para a educação em geral, até porque as pessoas com deficiência têm
o direito de estar em todos e múltiplos e diferentes lugares. A fotografia e a narrativa, aqui
utilizadas como recurso metodológico com crianças pequenas, com ou sem deficiência,
também podem ser empregadas em outras pesquisas.
Fica o convite para que se possa fotografar o cotidiano no ambiente escola, buscando
encontrar cenas sensíveis, procurando ver como as crianças lidam umas com as outras. Porque
essa é uma das maneiras de aguçar o olhar, com a fotografia, que solicita que alguns recortes
sejam feitos e, ao mesmo tempo, constrói um estranhamento para tudo aquilo que é tão
familiar. Caso não encontre cenas sensíveis, proponho que se pergunte: Por que não encontrei
tais cenas? Elas não existem de fato? No entanto, caso as encontre, isso já propiciará
deslocamentos que poderão suscitar novas e outras conversas com as crianças ou com os
sujeitos observados. Esse exercício possibilita aprendermos com eles.
Desse modo, finalizo com a fotografia de um caminho e de muitas mãos, mas,
sobretudo, com a coragem das crianças, que sempre têm a vontade de ver e compreender o
desconhecido.
109
Imagem 56 – Um caminho e muitas mãos
Fonte: Arquivo pessoal da autora – 2015.
Fotografia: Elenir Santana Moreira.
110
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http://www.dicionariodoaurelio.com/caminho. Acesso em: jan. 2016.
118
ANEXOS
Anexo 1: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Autorização para pesquisa e coleta de depoimentos: orais, escritos, desenhos e imagens
Eu, Elenir Santana Moreira, RG n. 177607543, sou aluna regular no Programa de Mestrado
em Educação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL), área de
concentração Educação Sociocomunitária, campus Maria Auxiliadora, unidade de
Americana/SP e orientanda da Professora Doutora Norma Silvia Trindade de Lima, docente
do mestrado dessa instituição.
Como parte de material necessário para obtenção do grau de Mestre em Educação, necessito
desenvolver uma pesquisa que tem como tema: “A Produção da Identidade e Diferença da
Criança com Deficiência no Ambiente Educacional que se Denomina Inclusivo”, e venho
solicitar a autorização para realizar o trabalho de campo neste local, durante o período
__________________, e para tanto necessitarei realizar observações participantes com os
sujeitos que aceitarem participar, coletar depoimentos orais e escritos, desenhos e imagens,
para fins estritamente acadêmicos.
Comprometo-me, ao final do desenvolvimento do trabalho de pesquisa, fazer o retorno dos
resultados para todos os envolvidos diretamente no processo da investigação.
Americana, ______ de _______________ de 2015
....................................................................................................................................
Autorização para pesquisa e coleta de depoimentos: orais, escritos, desenhos e imagens.
(Obs.: Esclareço que as imagens não serão de rosto, pois não visam identificar as crianças).
Eu, ____________________________________, RG________________________, autorizo
o trabalho de campo de pesquisa e a coleta de depoimentos orais e escritos, desenhos e
imagens, para fins estritamente acadêmicos da aluna.
Data____/______/2015
Assinatura_____________________________________________________
119
Anexo 2: Carta de Apresentação
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Unidade Americana – SP
CARTA DE APRESENTAÇÃO DA PESQUISA
Prezado(a) Sr(a) _________________________________________________________,
Venho por meio desta apresentar minha orientanda.................................., aluna
regular no Programa de Mestrado em Educação do Centro Universitário Salesiano de
São Paulo (UNISAL), área de concentração Educação Sociocomunitária, na unidade de
Americana/SP, responsável pelo desenvolvimento da pesquisa
“..............................................................................”, desenvolvida por meio da aplicação de
questionários, narrativas orais, desenhos e fotografias, a professoras e alunos. Obs.:
Esclareço que as imagens não serão de rosto, pois não visam identificar as crianças.
Essas informações estão sendo fornecidas para subsidiar sua participação
voluntária neste estudo, que visa analisar como as narrativas tem efeitos de subjetivação,
colaborando ou não com a produção da identidade e diferença da criança com deficiência,
dentro da escola de educação infantil municipal de campinas, que se denomina inclusiva.
Em qualquer etapa do estudo, você e os demais sujeitos envolvidos terão acesso ao
aluno pesquisador para esclarecimento de eventuais dúvidas, por meio de contato pessoal
ou pelo telefone _____________. É garantida aos sujeitos de pesquisa a liberdade da retirada
de consentimento e o abandono do estudo a qualquer momento, pois a paticipação é
voluntária.
As informações obtidas serão analisadas em conjunto com outros sujeitos da pesquisa,
não sendo divulgada a identificação de nenhum participante. Fica assegurado, também, o
direito de ser mantido atualizado sobre os resultados parciais e finais da pesquisa, assim
que eles chegarem ao conhecimento do pesquisador.
120
Não há despesas pessoais para o participante em qualquer fase do estudo.
Também não há compensação financeira relacionada à sua participação.
O aluno pesquisador se compromete a utilizar os dados e o material coletados
somente para esta pesquisa e divulgação dos resultados nos meios acadêmicos por meio de
artigos em periódicos acadêmicos e participação em eventos.
Sem mais para o momento, agradeço e despeço-me.
____________________________________________
Profa. Dra. Orientadora ............................................
Docente do Programa de Mestrado em Educação – UNISAL Americana/SP
Americana,____ de________________ de 2015.
121
APÊNDICE – A
Perguntas do questionário destinado à professora do CEI 1
Considerando como a escola trata as crianças com deficiências e as que não têm deficiências.
1. Inclui-se quem?
2. De que modo?
3. O que significa “incluir”?
4. Existe a inclusão no dia a dia da escola?
5. Como reagem as crianças e professoras (você e a outra professora) diante de crianças com
deficiências?
6. Papel/função da escola, ou, como você pensa a escola? Qual a sua visão?
7. Papel/função da professora;
8. Papel/função da gestão;
9. Como é ter no agrupamento uma criança com deficiência?
10. O que aproxima a criança com deficiência da outra criança sem deficiência?
11. O que diferencia a criança com deficiência da outra criança sem deficiência?
12. Como é a escuta para a criança com deficiência?
13. Como essa escuta é interpretada?
14. O que é possível escutar?
15. O que é identidade?
16. O que é diferença?
Perguntas do questionário destinado às professoras do CEI 2
Considerando como a escola trata as crianças com deficiências e os tidos como “normais”.
1. Inclui-se quem?
2. De que modo?
3. O que significa “incluir”?
4. Existe a inclusão no dia a dia da escola?
5. Como reagem os alunos e professoras (você e a outra professora) diante de crianças com
deficiência?
122
APÊNDICE – B
Respostas da professora do CEI 1
Considerando como a escola trata as crianças com deficiências e as que não têm deficiências.
1. Inclui-se quem?
A escola possui um discurso inclusivo, mas, na prática, as diferenças não são totalmente
aceitas. Sinto que não só as crianças com deficiência, mas outras fogem aos padrões de
comportamento ditos “normais”, e sofrem mais dentro do ambiente escolar. Exige-se muito
uma contenção dos movimentos e dos corpos para que elas permaneçam, durante longos
períodos, sentadas, quietas e quase imóveis. A infância é marcada por inquietações,
curiosidades, muitas perguntas e um corpo que corre, dança, pula, vibra, muito diferente do
adulto. A escola não respeita isso!
2. De que modo?
Crianças concentradas, caprichosas, obedientes, “calmas ou tranquilas” são mais aceitas,
valorizadas e elogiadas (reforço positivo). As outras com ou sem deficiência, mas que exigem
constantes interferências dos adultos para que se moldem aos padrões escolares sofrem várias
punições e coações verbais, isolamento dos colegas, “castigos”. Há uma inclusão com várias
exigências, pois não há respeito com maneiras e modos outros de agir.
3. O que significa “incluir”?
Penso que incluir pressupõe sentimento de inclusão e pertencimento a um grupo, conservando
e valorizando maneiras e modos próprios de ser e de estar. As diferenças deveriam ser vistas
como positivas no sentido de contribuição para os mais diferentes trabalhos e projetos a serem
desenvolvidos pelo grupo.
4. Existe a inclusão no dia a dia da escola?
Como disse na primeira pergunta, no dia a dia não há inclusão. Em muitos momentos, a turma
é tratada como uma massa que deve desenvolver determinadas atividades. As falas, perguntas
e objeções das crianças, muitas vezes, sequer são ouvidas.
5. Como reagem as crianças e professoras (você e a outra professora) diante de crianças
com deficiências?
123
Como professora, tenho algumas preocupações e cuidados com relação à criança com
deficiência, evitando rótulos e discriminações por parte das outras crianças da sala. Evito
dizer o nome da deficiência, em vez disso, digo que tal criança ainda não saber fazer
determinadas coisas e que todos nós vamos ajudar, assim como devemos nos ajudar
mutuamente no dia a dia. Valorizo e incentivo muito todos os momentos de ajuda e
colaboração, entendendo como maneiras de aprender a lidar com as diferenças, e as crianças
são ótimas nisso! Ajudam bastante e se sentem importantes quando faço comentários
positivos a respeito disso!
Percebo que o professor do aluno com deficiência, através de suas atitudes, incentiva ou não a
proximidade das demais professoras e/ou funcionários da escola com relação a essa criança.
Mas também enxergam e deixam transparecer como minha a total responsabilidade por ela,
não sendo tão colaborativo e prestativo em muitos momentos.
6. Papel/função da escola, ou, como você pensa a escola? Qual a sua visão?
Vejo a escola como um espaço riquíssimo de trocas das mais diversas naturezas e de
experimentações, principalmente a educação infantil. A infância apresenta abertura e
flexibilidade para debatermos muitos assuntos polêmicos e socialmente preconceituosos. Há
uma liberdade imensa para debates e reflexões riquíssimas que não podem ser menosprezadas
e negligenciadas pelos adultos.
7. Papel/função da professora
Assim como citei acima, com relação à função e papel da escola, vejo igualmente o professor
engajado nessa postura. As crianças nos trazem diariamente falas, comentários, opiniões, que
não podemos simplesmente deixar de lado, há que se ficar atento e pautar o planejamento em
cima dessas riquezas trazidas por elas. Através de inúmeros materiais de apoio: livros de
história, internet, teatro, música, modelagem, obras de arte, desenhos, filmes, resgatar
assuntos pertinentes e plausíveis de debates visando não só confrontar opiniões, mas ampliar
maneiras diferentes de entendimento e reflexões que podem combater preconceitos,
humanizando relações.
8. Papel/função da gestão;
Entendo que a gestão deveria ter mais escuta para com os professores. Muitas vezes, o
ambiente de trabalho não oferece boas condições e lidamos com vários problemas
estressantes, mas não há organizações de tempos e espaços para trocas de ideias, debates
124
acerca de questões que afligem vários profissionais, enfim tentativas de se pensar junto
buscando possíveis soluções.
9. Como é ter no agrupamento uma criança com deficiência?
Se disser que é tranquilo, que não me exige nada, estarei mentindo, mas não sinto exigências
somente por parte das crianças com deficiência. Fico preocupada em agir de forma a
promover crescimento nessa criança, fazer diferença na sua vida, contribuir de alguma forma
para o seu desenvolvimento.
10. O que aproxima a criança com deficiência da outra criança?
As crianças possuem um sentimento de solidariedade muito forte, estão sempre preocupadas e
atentas umas com as outras, ao ouvir um choro se mobilizam até a criança, numa tentativa de
ajudar e, em seguida, chamam um adulto. Dessa forma, a aproximação e a colaboração com a
criança com deficiência é muito natural, muitas vezes, o adulto acaba a distanciando,
“exigindo” cuidados excessivos ou até dizendo para ela se afastar, para que ele cuide.
11. O que diferencia a criança com deficiência da outra criança?
Penso que o que diferencia seria uma síndrome, um transtorno, uma deficiência que não
compreendemos muito bem em sua totalidade, mas que isso não deve ser motivo de
distanciamento, receio de cuidar ou qualquer medo, pois na escola temos outros objetivos
muito diferentes das clínicas, hospitais e associações somente para crianças com deficiência.
12. Como é a escuta para a criança com deficiência?
Dependendo da deficiência, esta exige um olhar mais apurado, como, por exemplo, meu aluno
autista que não fala. Fico atenta aos sons que emite, seu olhar, seus gestos, choro e também
comentários e falas das outras crianças a respeito dele.
13. Como essa escuta é interpretada?
Procuro relacionar com outras questões dessa mesma criança, com outros momentos e
atividades, a fim de ter mais subsídios para entender e interpretar melhor algumas atitudes não
tão comuns. Muitas vezes, converso com a mãe na saída relatando o ocorrido e ouvindo sua
opinião.
14. O que é possível escutar?
125
É possível escutar não só o que é audível, mas os detalhes nos dizem muito. Os gestos, as
reações, a maneira de ser e estar também nos permite fazer deduções que podem se confirmar
ou não. A atenção é muito importante.
15. O que é identidade?
Penso que identidade é o que constitui o sujeito. Suas vivências, crenças, maneiras de ser e
estar no mundo, o que lhe é próprio e característico.
16. O que é diferença?
Diferença complementa identidade, porque somos diferentes em vários aspectos. Arrisco
dizer que a diferença nos permite constituir as identidades. Aceitar as diferenças é entender
que temos identidades próprias.
Respostas das professoras do CEI 2
Considerando como a escola trata as crianças com deficiências e aquelas que não as têm:
1. Inclui-se quem?
Professora 1: Somos todos diferentes e deficientes em alguma coisa, cada um tem o seu ritmo
e o seu momento de aprendizado.
Professora 2: Penso que a escola deve incluir todas as crianças com suas diferenças e
especificidades. Cabe à escola aproveitar essa diversidade para enriquecer o trabalho.
Professora 3: Incluímos todas as crianças, não só as tidas como “deficientes”, pois todas
merecem um olhar diferenciado e individual.
2. De que modo?
Professora 1: Temos que incluir todos os alunos, os novos e os velhos nas diferentes
situações. Quando você fala “tenho tantos alunos e um deficiente”, já está colocando como
diferente, por isso prefiro ver a criança.
Professora 2; Acredito também que a inclusão se refere a todos, a escola precisa aprender a
lidar com as diferenças.
126
Professora 3: As diferenças são respeitadas, pois não somente os deficientes necessitam de um
olhar diferenciado, mas todas as crianças em suas especificidades. O olhar é para toda criança,
pois cada uma tem seu modo de ser de agir, e cada família tem um jeito de lidar com ela.
3. O que significa “incluir”?
Professora 1: “Inclusão: do latim. Inclusione é o ato ou efeito de incluir (antônimo de:
exclusão), relação entre dois termos, um dos quais faz parte ou da compreensão ou da
extensão do outro. (Cf. inerência), ato pelo qual um conjunto contém ou inclui outro”.
Professora 2: Incluir significa uma escola que há espaço para todos, com suas especificidades.
Professora 3: Incluir para mim significa realmente olhar para a criança e ver aquilo em que ela
tem mais dificuldade, aquilo de que realmente ela necessita, e também respeitar o modo de ser
dessa criança, sua cultura, seu modo de ser, e também ajudá-la a se desenvolver buscando
caminhos para que isso possa acontecer efetivamente.
4. Existe a inclusão no dia a dia da escola?
Professora 1: A inclusão é um processo irreversível. As leis existem e a questão de uma escola
para todos vem sendo reforçada. Entretanto, os dirigentes não dão o suporte necessário para
os professores, seja no conhecimento das deficiências, na estrutura da sensibilidade e no
mobiliário. Temos de cumprir.
Professora 2: Acredito que estamos caminhando ainda quanto à inclusão, pois já temos
atitudes mais inclusivas, mas também temos outras que ainda não aceitam as diferenças de
cada criança.
Professora 3: A inclusão existe sim, às vezes, encontramos algumas dificuldades como, por
exemplo, um local não muito adequado, sem muito espaço, falta de material específico, mas
corremos atrás e para nos ajudarmos temos uma ótima profissional especialista em Educação
Especial.
5. Como reagem as crianças e professoras (você e a outra professora) diante de crianças
com deficiências?
Professora 1: Quando recebo um aluno com uma deficiência, não fico pensando nas
dificuldades. A diretora da escola sempre disponibiliza alguém para ajudar, isso não impede
que eu cuide também. Os alunos pequenos, entre 2 e 3 anos, não discriminam, até gostam de
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cuidar. O que vejo é a imitação dos menores, sempre é necessário retomar a capacidade dos
demais alunos para realização de tarefas.
Professora 2: Sinto uma grande resistência em aceitar e lidar com o deficiente por parte dos
professores e demais funcionários da escola. Há uma grande preocupação de como agir, como
atuar junto à criança com deficiência.
Professora 3: No primeiro momento, a deficiência assusta um pouco sim, não vou negar, pois,
muitas vezes, achamos que não vamos saber o que fazer para melhor ajudar essa criança, mas
a deficiência é tratada com muito respeito, e a criança é respeitada em seus limites pelos
adultos, tantos os que estão diretamente ligadas e ela como pela escola em geral. Já, quanto ao
olhar das outras crianças para ela, eu sinto que na idade que minhas crianças têm as diferenças
não são tão acentuadas. Creio que em escolas com crianças maiores, talvez essas diferenças
possam pesar mais. As minhas crianças ainda não veem essas diferenças com tanto apresso.
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