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O Pós-MOdernisMO • 1
A prosA pós-modernA
>> Leia cuidadosamente o texto de Guimarães rosa para responder às questões de 1 a 3.
Manuelzão e Miguilim
Uma hora o Dito chamou Miguilim, queria ficar com Miguilim sozinho. Quase que ele
não podia mais falar. — “Miguilim, e você não contou a história da Cuca Pingo-de-Ouro...” “—
Mas eu não posso, Dito, mesmo não posso! Eu gosto demais dela, estes dias todos...” Como é
que podia inventar a estória? Miguilim soluçava. — “Faz mal não, Miguilim, mesmo ceguinha
mesmo, ela há de me reconhecer...” “— No céu, Dito? No Céu?!” — e Miguilim desengolia da
garganta um desespero. — “Chora não, Miguilim, de quem eu gosto mais, junto com Mãe, é
de você...” E o Dito também não conseguia mais falar direito, os dentes dele teimavam em
ficar encostados, a boca mal abria, mas mesmo assim ele forcejou e disse tudo: — “Miguilim,
Miguilim, vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre,
alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo. A gente deve de poder ficar
então mais alegre, mais alegre, por dentro!...” E o Dito quis rir para Miguilim. Mas Miguilim
chorava aos gritos, sufocava, os outros vieram, puxaram Miguilim de lá.
ROSA, João Guimarães. In: Corpo de baile. 11. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
1. A leitura do trecho escrito por Guimarães rosa revela como deveria ser o relacionamen-
to entre os dois personagens centrais da cena: Miguilim e dito. Com base em sua leitura,
procure descrever essa relação entre os dois irmãos.
2. dito é mostrado, ao longo da obra, como uma criança esperta e que exerce muita influên-
cia sobre Miguilim graças à sua sabedoria. retire do trecho transcrito um momento em
que o menino dito mostra sua capacidade de confortar o irmão Miguilim.
3. A característica mais marcante da obra de Guimarães rosa é seu trabalho com a lin-
guagem. Aponte no texto frases ou palavras em que, em sua opinião, o autor foge ao
comum e inova no tratamento da língua.
>> Leia o texto a seguir para responder às questões de 4 a 7.
Eu estou depois das tempestades.
O senhor nonada conhece de mim; sabe o muito ou o pouco? O Urucuia é ázigo…
Vida vencida de um, caminhos todos para trás, é história que instrui vida do senhor, al-
gum? O senhor enche uma caderneta… O senhor vê aonde é o sertão? Beira dele, meio
dele?… Tudo sai é mesmo de escuros buracos, tirante o que vem do Céu. Eu sei…
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. (Fragmento).
Ázigo: isolado.
O Pós-MOdernisMO • 2
4. Quem é o narrador nesse trecho?
5. Como se caracteriza o interlocutor do narrador? Justifique.
6. Quanto à linguagem, o que é possível perceber nessa passagem?
7. O que diferencia o regionalismo dos romances da década de 1930 daquele desenvolvido
por Guimarães rosa?
>> Leia o texto a seguir para responder às questões de 8 a 10.
Campo geral
Um certo Miguilim morava com sua mãe, seu pai e seus irmãos, longe, muito longe
daqui, muito depois da Vereda-do-Frango-d’Água e de outras veredas sem nome ou pouco
conhecidas, em ponto remoto, no Mutum. […] Miguilim tinha oito anos. Quando comple-
tara sete, havia saído dali, pela primeira vez: o tio Terez levou-o a cavalo, à frente da sela,
para ser crismado no Sucuriju, por onde o bispo passava. Da viagem, que durou dias, ele
guardara aturdidas lembranças, embaraçadas em sua cabecinha. De uma, nunca pôde es-
quecer: alguém, que já estivera no Mutum, tinha dito:
— “É um lugar bonito, entre morro e morro, com muita pedreira e muito mato, dis-
tante de qualquer parte; e lá chove sempre…” […]
Mesmo assim, enquanto esteve fora, só com o tio Terez, Miguilim padeceu tanta sauda-
de, de todos e de tudo, que às vezes nem conseguia chorar, e ficava sufocado. E foi descobrir
por si, que umedecendo as ventas com um tico de cuspe, aquela aflição um pouco aliviava.
ROSA, João Guimarães. In: Ficção completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. (Fragmento).
8. Podemos observar que o narrador da novela Campo geral é bastante peculiar.
4 Que elemento do texto indica uma proximidade entre o narrador e o leitor da história?
4 O narrador, apesar de onisciente, parece contar a história do ponto de vista de Migui-
lim. Que característica da linguagem do narrador nos leva a essa identificação?
9. Cite uma característica dessa narrativa que a identifica como mítica ou lendária.
10. Miguilim, a personagem central de Campo geral, possui uma percepção racional ou sen-
sorial do mundo? Justifique sua resposta a partir de elementos do texto.
>> Leia o texto a seguir para responder às questões de 11 a 13.
A hora da estrela
Finalmente, depois de lamber os dedos, madama Carlota mandou-a cortar as cartas
com a mão esquerda, ouviu minha adoradinha?
Macabéa separou um monte com a mão trêmula: pela primeira vez ia ter um destino.
Madama Carlota (explosão) era um ponto alto na sua existência. Era o vórtice de sua vida e
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esta se afunilara toda para desembocar na grande dama cujo ruge brilhante dava-lhe à pele
uma lisura de matéria plástica. A madama de repente arregalou os olhos.
— Mas, Macabeazinha, que vida horrível a sua! Que meu amigo Jesus tenha dó de
você, filhinha! Mas que horror!
Macabéa empalideceu: nunca lhe ocorrera que sua vida fora tão ruim.
Madama acertou tudo sobre o seu passado, até lhe disse que ela mal conhecera pai e
mãe e que fora criada por uma parente madrasta má. Macabéa espantou-se com a revela-
ção: até agora sempre julgara que o que a tia lhe fizera era educá-la para que ela se tornasse
uma moça mais fina. Madama acrescentou:
— Quanto ao presente, queridinha, está horrível também. Você vai perder o emprego
e já perdeu o namorado, coitada de vocezinha. Se não puder, não me pague a consulta, sou
uma madama de recursos. [...]
E eis que (explosão) de repente aconteceu: o rosto de madama se acendeu todo ilu-
minado:
— Macabéa! Tenho grandes notícias para lhe dar! Preste atenção, minha flor, porque
é da maior importância o que vou lhe dizer. É coisa muito séria e muito alegre: sua vida
vai mudar completamente. E digo mais: vai mudar a partir do momento em que você sair
da minha casa! Você vai se sentir outra. Fique sabendo, minha florzinha, que até o seu na-
morado vai voltar e propor casamento, ele está arrependido! E seu chefe vai lhe avisar que
pensou melhor e não vai mais lhe despedir!
Macabéa nunca tinha tido coragem de ter esperança.
Mas agora ouvia a madama como se ouvisse uma trombeta vindo dos céus — en-
quanto suportava uma forte taquicardia. Madama tinha razão: Jesus enfim prestava aten-
ção nela. Seus olhos estavam arregalados por uma súbita voracidade pelo futuro (explosão).
E eu também estou com esperança enfim.
[...] Macabéa estava espantada. Só então vira que sua vida era uma miséria. Teve von-
tade de chorar ao ver seu lado oposto, ela que, como eu disse, até então se julgava feliz.
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. 7. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. (Fragmento).
Vórtice: movimento forte e giratório; remoinho, turbilhão.
11. de acordo com o trecho é possível perceber algumas características da personagem
Macabéa. Aponte-as.
12. Como é comum nos textos de Clarice Lispector, há um momento de descoberta expe-
rimentado pela personagem principal do romance. destaque do texto o trecho em que
isso aparece e diga que descoberta foi essa.
13. Quanto à forma, destaca-se no trecho a intervenção do narrador e da utilização do dis-
curso indireto livre.
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4 destaque do texto os trechos em que aparece a voz do narrador e explique como se
dá essa intervenção.
4 em todo o texto o termo explosão aparece entre parênteses. Localize as ocorrências
e identifique seu significado.
>> Leia o texto para responder às questões de 14 a 17.
O búfalo
Mas era primavera. Até o leão lambeu a testa glabra da leoa. Os dois animais louros.
A mulher desviou os olhos da jaula, onde só o cheiro quente lembrava a carnificina que ela
viera buscar no Jardim Zoológico. Depois o leão passeou enjubado e tranquilo, e a leoa len-
tamente reconstituiu sobre as patas estendidas a cabeça de uma esfinge. “Mas isso é amor,
é amor de novo”, revoltou-se a mulher tentando encontrar-se com o próprio ódio, mas era
primavera e dois leões se tinham amado. Com os punhos nos bolsos do casaco, olhou em
torno de si, rodeada pelas jaulas, enjaulada pelas jaulas fechadas. Continuou a andar. Os
olhos estavam tão concentrados na procura que sua vista às vezes escurecia num sono, e
então ela se refazia como na frescura de uma cova.
Mas a girafa era uma virgem de tranças recém-cortadas. Com a tola inocência do que
é grande e leve e sem culpa. A mulher do casaco marrom desviou os olhos, doente, doente.
Sem conseguir — diante da aérea girafa pousada, diante daquele silencioso pássaro sem
asas — sem conseguir encontrar dentro de si o ponto pior de sua doença, o ponto de ódio,
ela que fora ao Jardim Zoológico para adoecer.
LISPECTOR, Clarice. In: Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. (Fragmento).
Glabra: sem pelos.esfinge: monstro fabuloso, com corpo de leão, alado ou não, e cabeça humana, frequentemente re-presentado na Antiguidade e que, no egito faraônico, se erigia como guarda de santuários e túmulos. na Grécia Antiga, monstro com rosto e busto de mulher, corpo leonino, asas e cauda de dragão, que propunha um enigma aos viajantes. em sentido figurado: atitude misteriosa, enigmática.
14. Quais são os fatos objetivos narrados nesse trecho? eles caracterizam uma narrativa
típica? Justifique.
15. Qual é o motivo para a personagem estar naquele lugar?
16. Considerando sua resposta à questão anterior, explique por que os dois parágrafos
transcritos iniciam-se com mas.
17. A partir do trecho apresentado, explique o que vem a ser o estilo intimista e o fluxo de
consciência característicos da obra de Clarice Lispector.
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