a regulação socioecomunitária da educação-maio08
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8/14/2019 A Regulao Socioecomunitria Da Educao-Maio08
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A educao de todos e ao longo de toda a vida e
a regulao sociocomunitria da educao
Joaquim Azevedo1
Porto, Maio de 2008
Comunicao aos 2 Encontros de Pedagogia Social Universidade Catlica Portuguesa - Porto, Maio de 2008.
1 Professor Catedrtico da Universidade Catlica Portuguesa (jazevedo@porto.ucp.pt)1
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Introduo
O nascimento (2004) e o desenvolvimento da dinmica socioeducativa Trofa Comunidade de
Aprendentes (TCA), fruto de uma parceria entre a Cmara Municipal da Trofa e a Universidade
Catlica Portuguesa2, ocorreu num momento em que me encontrava a concluir uma reflexo
aprofundada sobre a regulao transnacional em educao (Azevedo, 2007d3), entretanto publicada.
Hoje, j no posso deixar de focar a minha reflexo sobre a pedagogia social, com um enfoque
muito especial sobre a equao entre a educao de todos ao longo de toda a vida e aquilo que uns
poucos temos vindo a chamar de regulao sociocomunitria da educao.
O propsito deste texto consiste em avanar um pouco mais na reflexo sobre a regulao
sociocomunitria da educao, luz da teoria sistmica (Rosnay, 1977), da teoria da regulao
social de Jean-Daniel Reynaud (2003e Terssac, 2003), da reflexo sobre as prticas comunitrias
(Butcher, Banks, Henderson & Robertson, 2007), em particular da reflexo-aco entretanto
produzida no mbito do TCA. De facto, o que est aqui em jogo uma questo central, a saber:
tomando a educao de todos os cidados de uma dada comunidade, ao longo de toda a sua vida e
numa perspectiva de solidariedade e de cidadania social, como um objectivo central de colocar o
desenvolvimento humano no corao do desenvolvimento social, como se devero organizar e
articular os diferentes actores sociais para optimizar este desiderato social de nvel superior, desde o
Estado mais desconhecida instituio de uma freguesia? De que modos so definidas e
controladas as orientaes, normas e aces que asseguram a educao ao longo da vida de todos os
cidados de um dado pas ou territrio? Quem tem o poder, quem o exerce e como que o exerce,
em benefcio de quem e de qu? Quem formula, com quem e como formula as polticas sociais
sobre o local? O que significa esta emergncia do local? Ser sobretudo a retrica da participao
sem participantes, de que fala Fernando Ildio Ferreira (2004a; 2004b, p. 28)? At onde nos leva,
se que leva a algum lugar, a retrica sobre a sociedade civil e a participao social e comunitria
na regulao da educao?
Produzir esta reflexo, tendo por base a dinmica socioeducativa TCA e o quadro da pedagogiasocial, significa assumir desde j que quando falo de sistema educativo e de educao me refiro
no apenas educao escolar no seu sentido restrito, mas a todos os esforos que se empreendem
num dado territrio para proporcionar aprendizagens (escolares e sociais) significativas e acessveis
a todos e a cada um dos cidados, em qualquer momento da sua vida, tendo em vista o exerccio
pleno de uma cidadania activa e solidria.
Em artigo anterior, publicado aquando dos primeiros Encontros de Pedagogia Social,
sistematizei a viso antropologicamente fundada que sustenta a minha concepo de educao,
2 Cf. o stio www.trofatca.pt, onde se encontra uma descrio actualizada do projecto.3 Vd. tambm Azevedo, 2007a.
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http://www.trofatca.pt/http://www.trofatca.pt/ -
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apresentei a dinmica TCA nos seus traos principais e prossegui a discusso acerca da regulao
sociocomunitria de educao. Retomo agora apenas este ltimo aspecto e dou os outros dois por
suficientemente explicitados, regressando a eles na parte final deste texto.
Tenho conscincia de que o fao num contexto em que as polticas sociais esto em complexos
processos de reconfigurao, seja por fora de um Estado-providncia em recomposio e procura
de novas fontes de legitimidade, seja devido reconstruo dos espaos de participao poltica e
da prpria democracia, seja ainda porque imperioso repensar hoje o exerccio dos poderes dos
cidados e da solidariedade social, num contexto de fragmentao e de incerteza, de um tempo
lquido (Bauman, 2007, mas tambm 2000, 2005, 2006a, 2006b) e de acantonamento de cada
pessoa e de cada instituio sobre si mesmos. Os problemas sociais tm-se agravado e muito
concretamente neste canto Norte de Portugal. Aqui se concentram os maiores ndices de
desemprego do pas, h grandes bolsas de pobreza, o abandono precoce da educao escolar ainda
muito elevado e a coeso social esboroa-se diante dos nossos olhos. Ao mesmo tempo, surgem
novos dinamismos induzidos pelo Estado e pela administrao pblica que se traduzem na criao
de novas instncias locais de articulao e coordenao, como os Conselhos Locais de Aco
Social, as Comisses de Proteco de Crianas e Jovens, os Conselhos Municipais de Educao,
instncias sociais promissoras, que revelam ainda grandes debilidades no alcance da sua aco
social (vd., por exemplo, Miranda, 2006). No sei at onde poder este contributo entreabrir portas,
reconheo as dificuldades em trilhar estes caminhos novos, mas estou certo de que carecemos muito
de reconceptualizar a educao no quadro de uma renovao da prpria res publica, da cidadania,
da justia social e da solidariedade, num tempo em que todos, constituindo a pedagogia social um
campo muito frtil (Baptista, 2008) por onde se pode semear e colher algo de novo para podermos ir
mais alm nos processos de desenvolvimento humano e sustentvel.
No pelas questes tcnicas que temos de recomear, mas pelas questes de natureza
antropolgica e tica, com forte implicao poltica e, portanto, pelas polticas. Mais uma vez
preciso reafirmar: pelas polticas e no pelas tcnicas que preciso enunciar as perguntas basilares
para dar um rosto humano e digno ao futuro.
Regulao social e as polticas pblicas tradicionais
A teoria da regulao social (Reynaud, 1989, 2003, 2004; Terssac, 2003), entre outros mritos,
tem favorecido o desenvolvimento de uma anlise poltica e social da educao que se afasta quer
do paradigma institucional fechado no Estado e na sua administrao, quer de modelos de
autonomia escolar que encerram as instituies educativas sobre si mesmas, onde quer que estejam
implantadas. De facto, as regras e os sistemas de regras, sendo guias e modelos de aco queintroduzem no universo simblico normas, significaes, separaes e ligaes, no se apresentam
apenas na sua faceta de orientao normativa, de coordenao de condutas, de definio de regras
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do jogo e controlo, mas comportam tambm uma diversidade de legitimidades e de fontes de
produo de regras, o jogo local dos actores (Barroso, 2003, p. 39). A regulao social, na esteira de
Reynaud, deve ser entendida seja como um processo de formao e de manuteno de regras, que
podem ser mais formais e explcitas ou mais informais e implcitas, seja como um processo
complexo e mltiplo, no s pelas suas variadas fontes e diversos mecanismos, mas tambm pelos
vrios objectos e pela multiplicidade dos seus actores, que interagem tanto no nvel transnacional
como nos nveis nacional, intermdio e local (Maroy, 2006). A regulao social no , por isso, um
dado natural, embora possa apresentar cristalizaes histricas (Alter, 2003, p. 79), mas sim uma
construo social em que participa essa multiplicidade de actores sociais, elaborando estratgias de
participao e de poder, de confronto e de negociao. A regulao real, a que ocorre em cada
momento histrico e em cada sociedade, advm sempre de um equilbrio momentneo, sempre
instvel e inacabado, resultante do confronto de variadas regulaes e fontes de regulao, desde o
nvel transnacional ao nacional, ao intermdio e ao local, fruto de um contnuo jogo social de poder
e de cooperao, assente desde logo na capacidade de participao e de criao de compromissos
sociais entre os actores. Deste modo, duas perspectivas devem ser sublinhadas: por um lado, a
regulao social tambm posiciona e define os actores em cada momento do jogo social, por outro,
a teoria da regulao social matricialmente uma teoria da mudana social.
O conflito inevitvel e consubstancial vida social. No campo da educao, para centrarmos
a nossa abordagem, sendo bem patente uma excessiva regulao normativa e simblica exercida
pelo Estado e pela administrao pblica, no menos visvel a diversidade de configuraes
institucionais locais que do conta de um modo concreto de elaborao de estratgias de poder, de
confronto, de negociao, de recomposio e de participao. No existe, assim, uma regulao,
mas mltiplas regulaes, complexas e conflituosas, por vezes contraditrias, no apenas entre si,
mas tambm da parte da instituio de onde irradiam, como o caso do Estado, em Portugal, como
veremos adiante. Neste quadro geral, muito sinteticamente esboado, importa destacar dois eixos
centrais da nossa reflexo. O primeiro refere-se impossibilidade real de fazer assentar qualquer
processo de regulao social no campo educativo na aco providencial e normativa do Estado enuma qualquer coerncia, unicidade de orientaes e aces e de alinhamento perfeito entre regra
prescrita e regra efectiva. O sistema educativo de um dado pas deve ser pois considerado
(sistemicamente e no apenas normativamente) como um sistema de regulaes, o que se torna
fundamental na hora de pensar os processos de transformao e de melhoria do seu desempenho
social, dinmicas estas tantas vezes equacionadas apenas no quadro da aco do Estado (as
chamadas reformas educativas), da sua capacidade de inovao normativa e do exerccio eficaz
do seu poder de controlo. Trata-se de um tremendo equvoco que tem devorado sucessivos planosde mudana, remetendo-os para o cemitrio do Dirio da Repblica e, pior que isso, provocando a
lassido e para a fuga participao social e promovendo alteraes profundamente desconexas no
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conjunto das escolas e de todas as unidades e actores sociais que actuam na periferia de um
sistema historicamente to centralizado. Apesar de dominante, em Portugal, no incio do sculo
XXI, este modelo normativo, providencial (elitista e iluminado) e estatista de mudana social, que
dispensa os cidados e se substitui aos actores sociais locais, est condenado ao fracasso, porque
condena seja a prpria democracia a esse estado lquido (de que fala Bauman) e rarefaco
contnua de significao social seja a solidariedade a um contedo que no passa pelas nossas
prticas sociais, enquanto cidados, nem pelas relaes sociais que quotidianamente construmos.
O segundo eixo diz-nos que a reflexo em torno das dinmicas locais de elaborao de
estratgias de poder e de participao social dos actores no campo da educao ainda muito tnue
e de que o desenvolvimento da dinmica socioeducativa do TCA, uma procura comunitria,
participada, livre e solidria do bem comum, talvez nos permita, ao fim de quatro anos, avanar um
pouco mais nesta reflexo.
A regulao de controlo, a regulao autnoma e a multirregulao
No partilho uma viso funcionalista da regulao nem mesmo uma viso institucionalista que
se centre exclusivamente nas aces institucionais de um actor central como o Estado, seja por
intermdio da sua administrao central, da sua administrao desconcentrada ou das suas
escolas-enclave (Azevedo, 1996) localizadas ao longo do territrio nacional. Regulao social da
educao, no sentido amplo que aqui adoptamos, no equivale a descentralizao da educao nem
se confunde com a concesso de mais autonomia s instituies escolares. Como vrios autores tm
assinalado, e est bem vista no caso portugus, proporcionar a todos os cidados oportunidades de
aprendizagem ao longo de toda a vida e com a vida, como base do desenvolvimento humano e
social das comunidades, no sobretudo um problema de escala (aproximar a administrao dos
administrados), nem de transparncia (prestar contas aos actores sociais locais acerca do que se
empreende nas escolas), nem de mercado (fazer surgir um mercado educacional local mais activo e
livre). Qualquer um destes caminhos est profundamente viciado: eles visam dispersar os conflitos
que se amontoam no centro de um sistema educativo altamente centralizado, procuram relegitimar aaco de um Estado em crise, no escapam ao erro de encerrar os desafios socioeducativos das
populaes em problemas escolares e tcnicos e acabam geralmente por aumentar os mecanismos
de controlo do centro (esses sim, sempre muito inovadores: mais avaliao e controlo externo, mais
desresponsabilizao do centro e, ao mesmo tempo, mais desresponsabilizao da periferia) (vd.,
por exemplo, Lima, 1995, 1996, 1997, 2007; Pacheco, 2007, s/d).
Como referimos, a regulao um processo mltiplo, plural, inacabado, que
permanentemente alimentado por iniciativas, conflitos e negociaes entre actores sociais, situadosa diferentes nveis, desde o transnacional ao local. Em todos estes nveis, existem actores e
dinmicas de construo permanente de regras do jogo (Reynaud, 2004). A integrao e o
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cruzamento entre estas regulaes so sempre complexos, so objecto de tenses e negociaes e
conduzem a um sistema de regras em adaptao e melhoria contnuas, dinmicas e incompletas. A
regulao traduz-se sempre uma multirregulao, como dizem Joo Barroso (2005) e Christian
Maroy (2006), multirregulao complexa, conflituosa e muitas vezes contraditria nos seus termos.
Mobiliza-nos por isso uma perspectiva da regulao social que cruza a pluralidade dos nveis
de regulao e dos processos de regulao, procurando, neste caso preciso, uma inteligibilidade de
um processo activo de regulao sociocomunitria da educao, onde se geram novas regras do
jogo. A regulao social, na perspectiva terica aqui seguida, importa sublinh-lo, no visa
compreender, estabelecer ou manter uma dada ordem, mas dar conta das dinmicas activas de
regulao, dos actores sociais concretos, individuais e colectivos, que so fontes e constructos
dessas regulaes que sustentam a mudana social. O TCA, como dinmica educativa social e
comunitria, situada num dado territrio, desencadeou uma aco colectiva livre e inovadora, que se
alimentou de e gerou novos laos sociais entre uma grande diversidade de actores (e no apenas
entre pais, alunos e professores) no processo de procura e construo do bem comum, que consiste
em proporcionar oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento humano para cada um e para
todos os cidados, assente no jogo cujas principais regras so a hospitalidade, a solidariedade
social e a activa procura da justia (Baptista, 2008).
Reynaud distinguiu bem que no h uma nica fonte de legitimidade para a existncia de dadas
regras sociais e que o padro e a referncia, embora fortemente induzidos pela regulao de
controlo em que actuam os nveis transnacionais, nacionais e intermdios (no caso portugus,
em que o nvel regional desconcentrado e no descentralizado) , so tambm construdos por
regulao em aco (Maroy, 2006, p. 17), pelos actores concretos, aquilo que aquele autor chama
a regulao autnoma (Reynaud, 2003).
A anlise de evoluo dos sistemas educativos e das necessidades de todos os cidados de
educao ao longo de toda a vida tem de ultrapassar uma perspectiva meramente centrada nas
vertentes institucional e morfolgica, para se abrir e dar conta do jogo local dos actores e das
prticas comunitrias: centros educativos, escolas e centros de formao, directores,
professores/formadores, autarquias, pais, alunos, empresrios, instituies de solidariedade social,
diversos actores e interesses sociais locais, mormente culturais e econmicos, e sobretudo as suas
relaes e os laos que entretecem, o fechamento bem como a abertura e o acolhimento que criam
uns face aos outros, o exerccio concreto de direitos e deveres de uma cidadania activa e solidria
em prol de um superior bem comum, a participao democrtica na tomada de decises.
Regulao de controlo e regulao autnoma so ambas estratgias colectivas que se cruzam
nos espaos territoriais, em cada comunidade local. A regulao autnoma, mais do que algo que se
ope regulao de controlo exercido sobretudo pelo Estado e pela sua administrao
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educacional -, exprime os mecanismos de auto-organizao e mobilizao dos actores sociais de
uma dada comunidade e de todas as dinmicas comunitrias na promoo do bem comum, expressa
a comunidade activa (Banks, 2007, p. 78) que constitui o sustentculo da revitalizao do capital
social local. No plano da regulao autnoma que os membros da comunidade se mobilizam para
resolver (regular) necessidades e problemas da comunidade, que se define a regra efectiva, aquela
que realmente assumida e desenvolvida pelos actores concretos, num jogo de compromissos e
equilbrios entre o que realmente conta em cada situao e movimento (regras de autonomia) e o
que imposto por quem est investido da autoridade e do poder de controlo. A regulao social em
educao tem de dar conta desta multiplicidade de regulaes, sempre em conflito, sob pena de se
gerarem os maiores equvocos, seja no plano da formulao das polticas pblicas de educao, seja
no que respeita ao desenvolvimento de projectos e dinmicas ditas de autonomia. Equvocos
estes, alis, que ajudam a perceber muito bem porque que aps tanto jogo de actores induzido,
em ordem to celebrada autonomia das escolas, h tantos resultados de soma zero.
Em Portugal, o equilbrio entre regulao de controlo e regulao autnoma muito instvel e,
na verdade, desequilibrado, pois, como diz Joo Barroso, o Estado vai destruindo a autonomia que
ele prprio decreta e, como sublinha Licnio Lima, prevaleceu em Portugal como uma invariante
estrutural (Lima, 2007, p. 63) ao longo dos ltimos trinta anos, um regime centralizado e estatista
de administrao da educao, coexistindo uma retrica poltica e uma orientao normativa que
hipervalorizaram a autonomia.
O paradigma da regulao de controlo que tem sido predominante, ao desencadear aces de
coordenao, inovao, avaliao, assenta, entre ns, em aces e ajustamentos predominantemente
burocrticos e administrativos (Barroso, 2006).
Subjacentes a este modelo de (des)equilbrio estaro sobretudo cinco factores explicativos:
i. a tradio de hiper-regulamentao e determinao a priori por parte do Ministrio
da Educao, que bombardeia permanentemente as instituies e os actores
sociais com orientaes e determinaes, ainda por cima de modo instvel e
continuamente mutante, o que tende a constituir uma rotina com uma inrcia muitopesada que cristaliza procedimentos de dependncia e de anomia;
ii. a construo de medidas ad hoc, reactivas, que atacam geralmente os sintomas, que
so de curto prazo, para surtirem efeitos espectaculares e mediticos, logo
superficiais (por exemplo, medidas relativas indisciplina nas escolas ou
certificao de adultos);
iii. a proclamada (geralmente pelos mesmos protagonistas da regulao de controlo)
debilidade das instituies locais da sociedade civil, sejam educativas eescolares, sejam do poder autrquico ou ainda de ndole econmica, associativa e
cultural;
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iv. a insularidade que caracteriza as medidas e os modelos de actuao ainda
predominantes, que se concebem e desenvolvem como silos (Butcher &
Robertson, 2007, p. 101) dentro das comunidades (separa-se educao escolar,
educao de adultos, aco social, apoio domicilirio, combate pobreza,
animao sociocultural, assistncia social, etc.), em que a memria institucional
das vrias instituies conduz repetio de gestos de dependncia vertical e de
ensimesmamento autista, horizontal e territorial (em relao aos que agem
prximos e so vizinhos);
v. o clima de persistente desconfiana com que os actores que esto imbudos do
poder da regulao de controlo olham todos aqueles que, legitimamente, agem e
estabelecem regras no quadro da regulao autnoma e vice-versa.
Acreditamos que s a valorizao das regulaes em aco que dignificam as comunidades
activas, a cidadania social e a solidariedade entre pessoas e instituies, a participao democrtica
na construo de compromissos sociais e na tomada de decises, nos permitir mudar esta viso,
que mais no faz que perpetuar uma regulao de controlo, predominantemente administrativa e
burocrtica, que asfixia a participao cidad e desincentiva a inovao social, alm de desperdiar
recursos comunitrios preciosos e j instalados para o servio do bem comum.
Mas no quadro poltico e institucional, em Portugal, no se tem enfrentado esta perspectiva
com suficiente abertura e rigor, o que tem gerado dois fenmenos complementares: por um lado, a
adopo simultnea, por parte do Estado e da sua administrao educacional, de modos de
regulao opostos, como, por exemplo, os procedentes da regulao pelo Estado e da regulao
pelo mercado, gerando medidas ambguas, o que alguns autores apelidam de hibridismo
(Barroso, 2003 e 2006; Maroy, 2006; Nvoa, 2005). Ora, a adopo desta postura hbrida de
regulao, que na prtica corresponde a uma procura algo desnorteada de equilbrios
compensadores da crise de legitimao do Estado-providncia, no tem conduzido a ganhos muito
significativos no envolvimento e participao dos diferentes actores sociais em aces concretas,
em prol da melhoria da educao de todos e ao longo de toda a vida, em cada comunidade.Por outro lado, surgem com muita veemncia e com uma retrica poltica maniquesta e
facilmente assimilvel, os que apenas defendem que para l da regulao institucional realizada
pelo Estado est sempre a mo do mercado, a mercantilizao da sociedade civil, a actuao
atomizada e fragmentada dos protagonistas, a privatizao progressiva do bem pblico educacional,
o neoliberalismo triunfante e a desunio nacional. No ser com estas hesitaes, nem com estes
fantasmas e medos4 quer face importncia (incluindo a pedaggica) da valorizao da
regulao autnoma, quer diante da necessidade de reconstruir a aco reguladora do Estado ,
4 Estes fantasmas e medos recorrentes devem ser lidos como expresses no s de resistncia liberdade que sustenta aparticipao social dos actores, mas tambm de um impasse poltico em que muitos se atolaram.
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que se melhoraro as oportunidades de educao de todos os portugueses e se promover um
desenvolvimento social assente na liberdade, na solidariedade e na justia social.
A regulao de conjunto
O conceito de regulao de conjunto veio dar conta de um tertium generis na regulao
social, que advm da interaco entre regulao de controlo e regulao autnoma, entre regra
prescrita e regra efectiva ou apropriada, ou seja, o compromisso a que se chega em cada momento,
o equilbrio momentneo e instvel, uma convergncia provisria, compromisso, equilbrio e
convergncia estes imersos ainda e sempre no conflito permanente e nas relaes concretas de
poder. O conflito permanece, est organicamente articulado, no est em momento algum extinto
(Lichtenberger, 2003), pois no deixa de haver desigualdade nas relaes de poder e de dominao,
nas expectativas de controlo e de exerccio de poder. O problema principal a equacionar residir em
desenvolver, dentro do conflito, novas relaes de poder e de cumprimento de objectivos sociais,
no j uns custa dos outros, mas uns com os outros, estabelecendo-se lentamente formas de
partilha, de cooperao e compromisso (de poder com e no de poder sobre, como refere
Butcher, 2007, p. 26) que favoream os ganhos de todas as partes envolvidas e a satisfao dos
objectivos do bem comum.
A aco dos diversos actores sociais nos diferentes planos da aco colectiva reacende a
conscincia de vrias legitimidades para a existncia de dadas regras sociais, como bem visvel no
terreno da educao escolar, com a aco de governos, administrao, directores, alunos,
professores, pais, autarquias, interesses econmicos e empresariais, culturais. Como assinala
Reynaud (2003), ser fonte de regulao ser actor social, querer s-lo procurar legitimidade. A
regulao de conjunto tambm o resultado do encontro de vrias legitimidades. Pretendo
considerar aqui a regulao conjunta, o estabelecimento de regras pela via da cooperao, sob trs
prismas, focados no campo da educao: o que refora a regulao de controlo, o que refora a
interaco e o equilbrio entre as duas modalidades de regulao e o que visa reforar um sentido e
um projecto comum no seio de uma comunidade local, fruto da cooperao e do compromisso entreinstituies e pessoas, em ordem satisfao de necessidades e resoluo de problemas atinentes
ao bem comum.
H um primeiro plano da regulao de conjunto que pode tomar por exemplo a produo de
normas e orientaes e a imposio de procedimentos relativos autonomia das escolas,
envolvendo por isso a administrao e as escolas. O que mais avana, no plano das prticas , a
retrica em torno da autonomia, sustentada em produo legislativa apropriada e em novas formas
de participao dos pais e das autarquias, por exemplo, na administrao e direco estratgica dasescolas. Na verdade, a iniciativa autnoma das organizaes escolares, cognitiva e normativa, que
uma forma de poder, mormente dos professores, em cooperao com os pais, raramente pode
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passar alm da elaborao conjunta de documentos vagos e da realizao de projectos inseridos em
programas criados pela administrao, com a devida preformatao. Quantas vezes esta cooperao
local desencadeia o nascimento de projectos autnomos que, de seguida, so desautorizados pelos
servios da administrao por ausncia de conformidade com as normas estabelecidas. De facto,
apesar de apresentada retoricamente como regulao de conjunto, no o , antes deve ser lida como
um instrumento de reforo da regulao de controlo sustentada numa suposta maior
descentralizao do poder em torno de cada instituio escolar (vd. Barroso, 2006). Trata-se de uma
regulao de conjunto retrica que se confina retrica da regulao de conjunto.
Um segundo prisma refere-se a pontos de equilbrio que so alcanados entre os dois nveis
de regulao. Podemos exemplificar este tipo de regulao de conjunto com a celebrao dos
contratos de autonomia entre a administrao educacional e cada escola ou agrupamento de
escolas. Estes contratos, embora partam ainda da iniciativa do poder institudo, j do conta de que
a ordem hierrquica no a nica ordem existente no sistema. Fruto de uma negociao conjunta,
ainda numa relao desigual de poder, as partes chegam ao estabelecimento de regras apropriadas a
cada situao concreta, incluindo a existncia de contrapartidas por parte do poder de controlo. As
escolas ficam na posse de um programa de aco plurianual, no qual podem investir com uma
razovel margem de autonomia, e obtm da parte da administrao educacional recursos adicionais
para o desenvolverem adequadamente. verdade que no deixa de haver ainda e sempre um
aumento da capacidade de controlo da aco dos actores que intervm em cada escola, mas certo
tambm que podem aumentar as possibilidades de gerao de regras construdas pelas dinmicas
prprias geradas entre os actores de cada instituio educativa, que conduzem construo de
projectos comuns, por parte de diferentes interesses em presena, que passam a constituir pertena
comum e correspondem a valores e recursos partilhados5. Como diz Lichtenberger (2003, p. 53),
uma regra uma obrigao que os actores se criam a si mesmos, tendo em vista resolver (regular)
problemas em torno dos quais eles reconhecem o poder de agir em comum. Mas, a grande
dificuldade que estamos perante uma iniciativa da administrao que persiste em determinar um
formato comum para todas as escolas ou agrupamentos e que tende a reproduzir, em grande parte, omodelo de silo na promoo do bem educacional. A regulao conjunta aqui, de certo modo, um
compromisso entre a autonomia das escolas e a regulao de controlo, que acompanha e avalia o
que se faz. H mais participao e controlo local, mas estamos ainda longe de equacionar a
melhoria do acesso e do sucesso na educao como um projecto sociocomunitrio, assente no
poder com, na cooperao e no compromisso entre diferentes interesses e actores em conflito em
cada comunidade.
5 Como membro de um Conselho Local de Acompanhamento de um contrato de autonomia de uma escola, celebradoem 2007, sou testemunha destes campos de possibilidades que se abrem. Pena que tambm esta dinmica poltica decelebrao de contratos de autonomia tenha sido interrompida, de novo, em 2008, fruto de uma real dificuldade de setrilharem, em Portugal, os caminhos da regulao conjunta.
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Antes de passar caracterizao do terceiro tipo de regulao conjunta, importa clarificar o
que entendo aqui por comunidade e desenvolvimento comunitrio.
Tomamos o conceito de comunidade, inscrito num mbito mais geral de desenvolvimento
comunitrio, como sinnimo das dinmicas sociais que desenvolvem a implicao e os laos entre
as pessoas e as instituies de uma dada localidade, de um dado territrio, na sua imensa e rica
diversidade, e que visam, atravs da participao activa e solidria de cada um, alcanar o bem-estar
de todos. Por isso, comunidade processo, no produto, abertura, no fechamento (em forma
de crculo de mesmidade), autonomia, no dependncia, sujeito, no objecto, caldo de
criao contnua de cidade e cidadania, mobilizao de recursos prprios, no espera passiva,
integrao, no excluso, relao, no indiferena, proximidade, no alheamento,
cooperao, no imposio, conflito de interesses, no imposio de uma ordem partida,
entreajuda, direito e dever.
nos processos de desenvolvimento comunitrio, multidimensionais e complexos, que as
comunidades surgem em todo o seu vigor de participao e construo de um dia-a-dia mais justo
para cada cidado, sem qualquer excepo.
A educao est no incio, no meio e no fim dos processos de desenvolvimento das
comunidades locais. Porque acolhe e reconhece as pessoas e as instituies, porque estimula
implicao, porque sustenta a participao, porque capacita e induz cada ser humano e cada
instituio a ser e a fazer mais e melhor, porque cria oportunidades de desenvolvimento contnuo,
de reflexo e de aco, porque fomenta o exerccio contnuo, ao longo da vida e na vida de uma
cidadania activa e responsvel.
As comunidades, enquanto sujeitos colectivos que constroem melhor qualidade de vida,
educam e so aprendentes, desde a riqueza das reflexes e diagnsticos, passando pela riqueza e
diversidade de processos, at qualidade das avaliaes e construo de novas dinmicas
reorientadoras. Assim, as comunidades so muito mais do que espaos de vida social, criam
pertena, maximizam disponibilidades, rasgam horizontes onde j havia sobretudo lassido, solido
e silncio, e promovem cooperao e solidariedade entre todos os seus membros.Diante da fragmentao social e pessoal que invade o nosso quotidiano, do crescimento das
desigualdades sociais e das prticas de dependncia que os governos e a Administrao Pblica
tanto incentivam, imperioso inscrever as comunidades, entendidas deste modo aberto, solidrio e
inacabado, no corao dos processos de desenvolvimento social.
A regulao sociocomunitria da educao implica esta perspectiva de responsabilidade
social, compromisso e solidariedade e este protagonismo sustentado no saber-se e reconhecer-se
como protagonista da histria (Caride Gmez, Freitas & Vargas Callejas, 2007, p. 141), porque aeducao sempre um compromisso com o desenvolvimento humano e com a cidadania cooperante
e solidria.
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Um outro modelo de regulao conjunta, em boa parte em corte epistemolgico com os
anteriores, o que resulta do dilogo e do re-conhecimento (Ricoeur, 2006), da aproximao,
negociao, cooperao e compromisso entre actores sociais de uma dada comunidade em ordem a
promover o bem comum educacional. o caso do TCA, enquanto dinmica socioeducativa que se
gerou dentro de uma comunidade local, fruto do encontro, da solidariedade e da cooperao entre
actores, em prol de um bem comum fundamental para a comunidade local, a promoo de
oportunidades de educao e formao para todos os cidados, durante toda a sua vida, inscrita num
trabalho rduo e persistente de melhoria das condies de vida das populaes.
Neste caso, verifica-se a quebra de um conjunto de factores que caracterizavam os modelos
anteriores e que tornam esta uma regulao social indita (vd., por exemplo, Cachada, 2008;
Azevedo, 2008; Machado, 2008; Magalhes, 2008), que nada tem que ver com regulao pelo
mercado e que potencialmente mais capaz de criar sentido na participao cidad e na aco
comum e de recriar comunidade, em tempos de forte fragmentao social e cultural. Destaco sete
elementos:
i. Fortalecendo a cooperao e contrariando alguma tendncia para a atomizao das
relaes sociais e para o ensimesmamento pessoal e institucional, que visvel nas
sociedades actuais (fortalecimento dos guetos e das comunidades de mesmidade
de que fala Bauman), o TCA parte da aproximao entre pessoas e instituies
locais, uma aproximao que visa estabelecer laos de cooperao e conduzir a
compromissos pessoais e institucionais concretos, inscritos em projectos
partilhados, que, por sua vez, se inscrevem em histrias e memrias prprias,
projectos autonomamente concebidos, completamente abertos no seu modelo
(tipologia de aco, durao, intervenientes, formadores, recursos, certificao) e
sem qualquer tipo de formatao prvia; estamos efectivamente diante de uma
outra ordem social, capaz de instituir dinmicas socioeducativas locais, em que os
actores sociais, incluindo as escolas e agrupamentos escolares e a prpria Direco
Regional de Educao, o rgo de regulao intermdia, intervm como parceirosde um projecto sociocomunitrio;
ii.A cooperao que se gera no uma cooperao por justaposio de contributos e
entidades, eventualmente consagrados em protocolos, mas uma cooperao que
assenta num trabalho feito nas fronteiras entre as instituies, que as toca e as
marca, que passa pela assuno de responsabilidades sociais muito precisas em
cada projecto, pela mobilizao de recursos e pelo compromisso mais geral em ser
poder com, numa dinmica de activa participao na promoo do bem comumeducacional;
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iii.A cooperao que subjaz dinmica sociocomunitria instituda no est isenta de
conflitos de poder, mas investe os actores, voluntariamente aderentes, de um novo
sentido de abertura ao outro e de entreajuda em prol de um bem comum superior,
maior do que a soma das partes, acrescentando a cada um e comunidade local
sentido aco social, capital social e solidariedade, pois a cooperao para a
educao j no uma mecnica que visa preencher uma lista de requisitos
estabelecidos a priori (elaborada por outrem), mas sustenta-se no reconhecimento
recproco, na valorizao do outro e das suas potencialidades; no s se
proporciona o reconhecimento recproco em torno das potencialidades de cada
instituio outra, mas fomenta-se tambm o reconhecimento do valor prprio e das
novas oportunidades que se abrem atravs do mesmo reconhecimento e
cooperao. As instituies e as pessoas que lhe do vida entrelaam-se, num acto
que comea por ser de abertura, de proximidade, de dilogo e de reconhecimento
recproco, em suma, em actos de hospitalidade social;
iv.O ponto de partida desta dinmica social no o balano dos dfices de
qualificaes, nem dos dfices de participao, nem as debilidades da sociedade
civil local, nem a mera assistncia aos excludos, nem a aplicao das receitas
predeterminadas de reconhecimento, validao e certificao de saberes, nem a
interveno insular e fragmentada dos profissionais que actuam no campo do
humano e social, os professores, os formadores, os educadores sociais, os
psiclogos e orientadores escolares e vocacionais, os assistentes sociais, os
animadores socioculturais mas adoptamos como ponto de partida um olhar
positivo sobre as pessoas e sobre as instituies, um convite hospitalidade,
partilha e solidariedade (ao compromisso) e construo permanente de um
conhecimento da comunidade assente numa reflexo rdua e contnua,
interdisciplinar e aberta, sobre o dia-a-dia e as pessoas, as suas situaes e as
instituies da comunidade;v.Criam-se assim, fruto da unio de esforos para resolver (regular) problemas
comuns, condies e modos de cooperao complexa (Lichtenberger, 2003, p.
56), que obrigam a ajustamentos institucionais e mobilizao de recursos e,
mais, conduzem elaborao de compromissos comunitrios muito concretos
(nasce o compromisso TCA que confere o estatuto de instituio TCA),
compromissos estes que diferem de pequeno projecto para pequeno projecto, em
geometria sempre varivel, que recuperam o seu sentido original de troca depromessas (com +promissos) e que cimentam o humanismo relacional e o sentido
da solidariedade na aco social dos diferentes actores;13
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vi.Inscreve-se, deste modo, na realidade social comunitria, um sistema de aco
poltica, fraterno e democrtico, que se traduz em aproximaes recprocas,
reconhecimentos mtuos, realizaes conjuntas e experimentaes pblicas
comuns. A democracia tem de ser mais do que uma representao, implica esta
procura de sentido comum, esta elaborao de projectos conjuntos e esta
participao social activa, interessada e prospectivada;
vii. No se esconde neste modelo de desenvolvimento sociocomunitrio nem o
exerccio dos diferentes e desiguais poderes, nem a procura e a afirmao de
legitimidades vrias. O TCA repousa numa dinmica de cooperao institucional
sensvel e cuidadosa, tecida entre os mais variados tipos de instituies sociais que
podem implicar-se no desenvolvimento socioeducativo da comunidade6, dinmica
essa que origina e se estrutura em redes de cooperao, estruturas horizontais muito
flexveis de actores e de servios (redes de actores: instituies TCA, mediadores
de aprendizagem e de instituio, formadores, voluntrios TCA e
tcnicos/colaboradores, rede de projectos/iniciativas, rede de servios/Centros
TCA) (Azevedo, 2007b). Assim se procura facilitar a conexo entre pessoas e
instituies (aproximando as dinmicas e as oportunidades de escuta de cada
cidado) e a partilha de projectos, de potencialidades, de dificuldades e de recursos,
com o estabelecimento de regras de cooperao devidamente sustentadas numa
tica de solidariedade e no reforo da cidadania social.
Esta modalidade de regulao conjunta, de matriz sociocomunitria, que sustentada tambm
numa aprendizagem permanente (a cooperao e o compromisso so processos profundamente
educativos para quem neles participa) e num enorme esforo de superviso e de formao cientfica
e pedaggica dos intervenientes (esforo realizado pela Universidade Catlica Portuguesa), procura
responder de modo inovador e algo arriscado questo muitas vezes colocada e poucas vezes
respondida (sobretudo com eficcia) que consiste em saber quais so e como se mobilizam os meios
colectivos de uma dada comunidade, para dar aco dos actores sociais, em prol de mais e melhoreducao para todos os cidados, um sentido comum, social e comunitrio, assente na
solidariedade, como pedra angular da construo do bem comum. De facto, no basta os interesses
serem comuns (e at consensuais, como tantas vezes se diz, para o caso da educao) para a aco
socioeducativa ser colectiva e a sua dimenso principal ser comunitria e solidria.
Os conflitos, a diversidade de interesses entre os actores e as lutas pelo poder continuam
vivas e as suas manifestaes so contnuas. O que existe, para alm disso, uma dinmica de
regulao conjunta muito elaborada e quase invisvel, animada diariamente por uma equipa tcnica6 semelhana da dinmica das cidades educadoras que, desde 1990, tm constitudo um sinal de esperana , emmuitas cidades do mundo, para a consecuo de um ideal de promoo da democracia e da justia social, no quadro dapromoo de oportunidades de educao e formao para todos os cidados.
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coesa e reflexiva, dinmica essa de aproximao e de reconhecimento entre os diferentes actores, de
partilha de recursos e de construo lenta de iniciativas e de projectos comuns, de respeito pelas
diferentes identidades e fontes de legitimidade, de dilogo (na esteira de Paulo Freire e da
educao dialgica) e de estabelecimento de compromissos concretos que puxam/estimulam os
actores e as instituies para o campo da aco colectiva e da solidariedade social, tendo por
horizonte um bem comum superior que consiste em proporcionar a cada cidado da comunidade
(trofense) novas ocasies de educao ao longo da vida, em ambiente de forte estimulao
participao social e melhoria da vida em comum.
A teoria da regulao social, como sublinha Alter (2003), deve ser entendida, tal como foi
explicitada, como uma teoria da mudana social, pois ela concebe a reciprocidade na aco e na
cooperao e o compromisso mtuo como os fundamentos das regras sociais. A renncia aco, o
acantonamento voluntrio e a lassido do actor (Alter, 2003, p. 86) so competncias sociais
dos actores que so exercidas em situaes de impasse e de dfice de regulao, onde passam a
predominar as aces de descompromisso, o ritualismo, a burocracia e at um certo sofrimento
tolerante. Mas, mesmo assim, nunca esta renncia pode ser confundida com incapacidade dos
actores sociais para agir.
A crise da regulao de controlo: a desregulao
Ser a regulao sociocomunitria da educao a soluo para o impasse em que se encontra
a educao em Portugal (uma educao que fortemente selectiva em termos sociais, que fonte de
cristalizao de disparidades, que se fecha maioritariamente sobre si mesma, em instituies-
enclave e auto-suficientes)? A questo meramente retrica, mas talvez nos ajude a pensar. No h
um mas muitos impasses, dvidas, contradies, fontes de legitimidade e no est ao alcance de
ningum ou de algum actor social per se encontrar a salvao para nenhuma destas realidades
sociais complexas.
No entanto, importa sublinhar que a regulao de controlo se encontra em degradao ou
desregulao, mais do que em hibridismo, como caracterstica dominante (porque decreta, semacreditar e confiar na participao, e depois mata o que decreta baseada na desconfiana, por
profundo desnorte). O resultado principal uma desresponsabilizao em cadeia. Ora, se
acrescentarmos a esta degradao uma regulao autnoma incipiente e necessariamente
fragmentada, corremos riscos de cair numa situao de anomia. Segundo esta mesma escola terica,
mais do que um estado puro de incapacidade de exerccio da regulao social, porventura existente
aqui ou ali, verificamos a existncia de situaes que favorecem processos anmicos, circunstncias
histricas em que existem elevados dfices de regulao conjunta e fortes ndices dedesresponsabilizao social, sem reciprocidade de envolvimento social e sem o alcance de
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compromissos e projectos para a aco, optando a generalidade dos actores sociais por pautar a sua
actuao pela mera conformidade com as normas estabelecidas.
Quando falamos em degradao ou crise da regulao de controlo e dfice de regulao social
referimo-nos a um conjunto variado de factores e situaes j acima enunciadas e que, por um lado,
incentivam a lassido do actor, a sua dependncia permanente, dcada aps dcada, at se tornar
uma constante histrica secular (Azevedo, 2007a) e, por outro, geram comportamentos de
fechamento dos actores e das instituies sobre si mesmos e de cristalizao em torno do
cumprimento das rotinas j instaladas. No ser por acaso que se ouve, aqui e ali, os principais
intervenientes nas instituies educativas dizer: para qu esta autonomia, quem foi que a pediu?
Inovar para qu, quem o ordenou? A consequncia s pode ser, por parte dos actores: limitamo-
nos a cumprir as normas.
Estas circunstncias geram um contexto histrico e social onde os actores sociais que mais
so chamados a intervir no campo da educao (ainda por cima vrios e com interesses bastante
diferentes) se encontram desmunidos de quadros cognitivos e de experincia para a construo e
negociao dos seus incipientes projectos locais. Durante o Debate Nacional sobre a Educao,
promovido pelo CNE e pela Assembleia da Repblica, em 2007, este foi um dos mais significativos
e permanentes apelos de autarcas, agncias de desenvolvimento local, associaes de pais,
associaes empresariais e outros actores (Azevedo, 2007c): queremos participar, temos vontade em
promover mais e melhor educao, mas ajudem-nos, no sabemos como, quais os principais passos
a dar, desejamos uma orientao para focar e priorizar as nossas pretenses e para a construo dos
nossos projectos.
O recurso a relaes abertas de conflito, como as desencadeadas nos ltimos anos em
Portugal, entre o nvel da regulao de controlo e o nvel da regulao autnoma, conduz os actores
sociais que intervm na educao a no fazerem uso social dos seus recursos e talentos, a exercer a
competncia de no investir em processos de dilogo, de construo de projectos com autonomia
com outros actores e outros interesses e at, por vezes, de no exercer uma autoridade profissional
publicamente delapidada (como acontece com os professores).Entre ns, desgraadamente, verifica-se assim uma srie de circunstncias que desmotivam a
criao de racionalidades prprias dos actores que podem e devem promover um bem social como
a educao, processos que implicam a procura de um novo sentido para a aco social. Neste
contexto, desenvolve-se mais depressa e com maior impacto social o mito da debilidade da
sociedade civil do que os processos de regulao conjunta e a construo de novas dinmicas
sociais e novos projectos para superar importantes impasses histricos. De tal modo a proclamao
desta debilidade ocupa o imaginrio e as prticas do Estado e da administrao que, quando surgemdinmicas socioeducativas autnomas ou fruto de uma regulao conjunta sociocomunitria, no h
olhos nem ouvidos para criar eco e, porventura tambm, para criar incentivos inovao social.
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Outras vozes h, na intelectualidade portuguesa e autnomas, que investem os seus recursos
sobretudo em infernizar a regulao pelo mercado, quando os actores sociais tanto carecem de
avanos na resoluo (regulao) de tantas carncias humanas, econmicas, sociais e culturais, de
tantas famlias e de tantos cidados, cada vez mais perto da excluso do acesso aos bens
educacionais, pedra fundamental da realizao pessoal e da cidadania social.
Creio que no existe anomia, existe um excesso de desconfiana e de regras e um
autoritarismo e centralismo crescentes no controlo da sua aplicao. A lgica descontrolada do
controlo s pode gerar mais controlo descontrolado. A anomia absoluta no existe, porque existe um
sistema educativo que tem de funcionar e que ocupa perto de dois milhes de portugueses
diariamente. Mas que no tem rumo nem projecto colectivo concertado, fundado no conflito aberto
de interesses, na cidadania e na solidariedade social, na confiana, na negociao e na construo de
compromissos e actividades fortemente participadas pelos actores sociais em presena. A regulao
de controlo est, apesar de activa (sempre e cada vez mais normativa), verdadeiramente
descontrolada.
O TCA e o declnio do programa institucional
Entre uma regulao de controlo degradada, hiper-regulamentadora e regrvora e uma
regulao autnoma e conjunta incipientes, projectos sociocomunitrios como o TCA, no quadro da
educao para todos e ao longo da vida, sob o signo da solidariedade social, podem constituir um
caminho para mais democracia, porque sustentado em prticas de hospitalidade e acolhimento, mais
participao e mais solidariedade, porque baseado em mais cooperao e coeso social, porque
erguida sobre um exerccio pleno de cidadania social por parte de cada pessoa e de cada instituio.
No estamos perante qualquer nostalgia para com o passado rural, comunitrio e
obscurantista. No pactuo com perspectivas de substituio do Estado Educador pela Comunidade
Educadora. No defendo tambm modelos de regulao dita autnoma, envolvendo em contexto
escolar professores, pais e alunos, que mais no so do que modos de reforo da aco do Estado
centralista, burocrtico e destruidor de toda a inovao social. No defendo que, face ao declnio doprograma institucional de que fala Franois Dubet (2004), se reinstaure um novo modelo de
regulao de controlo, apenas retoricamente mais participado, mas que no ultrapassa, na prtica,
uma regulao de controlo desregulada.
Importa perguntar que tipo de democracia poltica e que tipo de desenvolvimento humano e
social queremos. Importa perguntar o que servem e a quem servem as dicotomias que todos os dias
se propagam entre Estado e mercado, entre pblico e privado, entre liberdade e coeso social. Tem
de haver mais Estado, como defendem tantos, para que a educao seja um bem pblicoacarinhado, promovido, feito obra de desenvolvimento humano, acessvel a todos os cidados de
cada comunidade territorial? Ou tem de haver mais sociedade e mais comunidade, incentivados por
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um Estado bem diferente, politicamente repensado, incentivador da participao social e da
democracia? Ou temos de investir em ambos os campos para forjar um outro desenvolvimento
humano e sustentvel (ONU, 2005), escala da justia e da solidariedade?
O que a dinmica TCA nos tem ensinado, como prtica socioeducativa comunitria, que h
caminho para pensar, no quadro da multirregulao, um outro programa institucional, uma nova
institucionalidade que descreveria com as seguintes pinceladas:
i.j no centrada no Estado que tudo regula e que pretende ocupar todo o edifcio da
aco social, mas centrada numa multirregulao que valorize (e at incentive) o
contributo essencial da regulao que brota das prticas comunitrias de
hospitalidade, de solidariedade e de construo do bem comum educacional;
ii.que valoriza e estimula o poder local, a cooperao entre as instituies e as
pessoas que, em cada comunidade, podem dar o seu melhor pela educao de todos
os cidados, cooperao esta geradora de compromissos concretos e de uma
cidadania activa, capaz de contrariar a lassido dos actores e a cristalizao dos
silos sociais;
iii.que acredita nas pessoas, no dilogo entre elas e as suas instituies, que acredita
que do acolhimento e do reconhecimento entre elas se forjam laos e se inventam
iniciativas educativas e itinerrios pessoais e imprevisveis de desenvolvimento
humano, que no cabem em qualquer quadro de regulao de controlo;
iv.que as prticas comunitrias em prol da educao de todos e ao longo de toda a
vida aumentam e melhoram a responsabilidade social dos cidados e das suas
instituies locais e revitalizam o poder com, promovem o capital social
existente nas comunidades;
v.que se alimenta do conflito de interesses e se fomentam as suas manifestaes, bem
como a procura de equilbrios (sempre inacabados) em ordem ao desenvolvimento
de prticas e projectos comunitrios, que mobilizem ao mximo o capital social
existente;vi.que sustenta a mudana nos processos e a melhoria da educao de todos os
portugueses, quer em vises partilhadas em torno do eixo da hospitalidade e da
solidariedade social, quer na capacidade de exerccio de efectivo poder por parte
das instituies locais, numa base de participao democrtica.
No proponho a substituio do Estado-providncia pela comunidade-providncia. Temos
de continuar a dedicar muita inteligncia, muita sensibilidade e muito corao reconfigurao de
um Estado social que sirva e estimule esta cidadania livre, activa, solidria e que no a iniba, abafee apenas controle. A mesma inteligncia e corao que afinal temos de continuar a dedicar a criar
estes espaos pblicos de permanente reconstruo dos laos humanos e da solidariedade, por onde
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circula uma educao comprometida com o desenvolvimento de cada um e de todos, em
comunidade.
Dos novos equilbrios que preciso buscar entre diferentes nveis e modos de regulao,
valorizando as dinmicas sociocomunitrias, e no da aplicao coerciva de novas normas e
orientaes, oriundas de uma regulao de controlo degradada, que poder vir algo de novo que
sirva a construo contnua de comunidades onde os rostos humanos podem resplandecer na sua
dignidade.
A pedagogia social detm, assim, um papel importante na regulao do espao pblico da
educao (Nvoa, 2005). No plano da aco poltica, desde os nveis transnacionais e nacionais aos
regionais e locais e para que o ideal de uma educao de todos e ao longo de toda a vida se possa
realizar, impe-se que continuem a ser desenvolvidas dinmicas e projectos socioeducativos
corajosos e nascidos no mais silencioso e fundo corao da dignidade e da solidariedade humanas,
que estejam prximos, sejam flexveis e acessveis a todos os cidados, sem excepo. De facto, so
questes de natureza antropolgica e tica que esto no corao do desenvolvimento humano e
sustentvel, logo, da prpria poltica. Precisamos de respirao, precisamos de futuro, precisamos
de poltica.
Sim, Antnio, este futuro vai demorar muito tempo, mas j comeou em tantos rostos e em tantos
lugares!
Joaquim Azevedo
Porto, 9 de Maio de 2008
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8/14/2019 A Regulao Socioecomunitria Da Educao-Maio08
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