a responsabilidade penal da pessoa jurídica e dos seus dirigentes
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Curso de Direito (Campos Poços de Caldas)
Relatório Final Projeto FIP
Título : A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA E DOS SEUS
DIRIGENTES: uma investigação de caráter dogmático e jurisprudencial.
Número do Projeto: 2014/9194 – 2S
Professor Responsável: Emerson Alves Andena
Bolsista: Pamela Stefania da Silva Leite, Bolsa FIP
Período de Realização do Projeto: 01/08/2014 a 31/07/2015
Poços de Caldas
2015
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Curso de Direito (Campos Poços de Caldas)
Relatório Final Projeto FIP
Título : A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA E DOS SEUS
DIRIGENTES: uma investigação de caráter dogmático e jurisprudencial.
Número do Projeto: 2014/9194 – 2S
Professor Responsável: Emerson Alves Andena
Bolsista: Pamela Stefania da Silva Leite, Bolsa FIP
Período de Realização do Projeto: 01/08/2014 a 31/07/2015
Sumário Descritivo: O presente trabalho tem por objetivo a investigação das
hipóteses de responsabilização penal da pessoa jurídica e de seus dirigentes,
conforme as bases da dogmática penal e de acordo com o entendimento
jurisprudencial. Tal responsabilidade vem se instalando na jurisprudência de
forma controversa. Por vezes verificam-se decisões judiciais que permitem a
responsabilidade penal da pessoa jurídica, em crimes excetuados os ambientais;
contudo, encontram-se também julgados em que a imputação penal é excluída
sob o fundamento da inexistência de vontade do ente moral, já que tal aptidão
seria exclusiva das pessoas naturais. Essa questão nos traz insegurança jurídica
pela falta de regulamentação sobre o temas de forma mais abrangente aos
demais crimes que não os ambientais. A pesquisa em tela visa a analise da
existência da responsabilidade penal da pessoa jurídica tanto de direito publico
como de direito privado. Para tanto nosso estudo se desenvolveu com base em
julgados e na doutrina, bem como na produção cientifica dos doutos colegas da
área.
Poços de Caldas
2015
3
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo a investigação das hipóteses de
responsabilização penal da pessoa jurídica e de seus dirigentes, conforme as
bases da dogmática penal e de acordo com o entendimento jurisprudencial. Tal
responsabilidade vem se instalando na jurisprudência de forma controversa. Por
vezes verificam-se decisões judiciais que permitem a responsabilidade penal da
pessoa jurídica, em crimes excetuados os ambientais; contudo, encontram-se
também julgados em que a imputação penal é excluída sob o fundamento da
inexistência de vontade do ente moral, já que tal aptidão seria exclusiva das
pessoas naturais. Essa questão nos traz insegurança jurídica pela falta de
regulamentação sobre o temas de forma mais abrangente aos demais crimes que
não os ambientais. A pesquisa em tela visa a analise da existência da
responsabilidade penal da pessoa jurídica tanto de direito publico como de direito
privado. Para tanto nosso estudo se desenvolveu com base em julgados e na
doutrina, bem como na produção cientifica dos doutos colegas da área.
Palavras-Chave – Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, insegurança
jurídica.
4
Abstract
This study aims to investigate the cases of criminal liability of legal entities and
their leaders, as the basis for criminal dogmatic and according to the
jurisprudential understanding. This responsibility has been installing jurisprudence
controversially. Sometimes check up court decisions that permit the criminal
liability of legal entities, except for the environmental crimes; however, also it is
tried in the criminal imputation is excluded on the grounds of lack of will of the
moral one, as this capability would be unique to individuals. That question brings
us legal uncertainty by lack of regulation on the issues more broadly to other
crimes other than environmental. Research on screen aims to analyze the
existence of criminal liability of legal entities both public law and private law. For
both our study was developed based on tried and doctrine as well as in scientific
production of the learned colleagues in the field.
Key-words - Criminal Liability of Legal Entities , legal uncertainty.
5
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Art. – Artigo HC: Habeas Corpus RHC: Recurso em Habeas Corpus TRF: Tribunal Regional Federal CPC – Código de Processo Civil Ed. – Editora STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça PT – Partido dos Trabalhadores
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Sumário
Sumário ................................................................................................................................ 6
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 8
CAPÍTULO 1 ...................................................................................................................... 13
1 – A GÊNESE DA IMPUTAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA EM CRIMES AMBIENTAIS ..................................................................................................................... 13
2 – A CAPACIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA ............................................... 16
2.1 – TEORIA DA FICÇÃO .......................................................................................... 16
2.1.1 – SOCIETAS DELINQUERE NON POTEST .............................................. 18
2.2 TEORIA DA REALIDADE ..................................................................................... 21
3 – REQUISITOS PARA A IMPUTAÇÃO PENAL ....................................................... 23
3.1 – DELIBERAÇÃO NO AMBITO DO DIREITO COLETIVO .............................. 23
3.2 AUTOR MATERIAL VINCULADO A PESSOA JURÍDICA .............................. 24
3.3 INTERESSE / BENEFÍCIO DA PESSOA JURÍDICA ....................................... 25
3.4 PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO ................................................... 25
3.5 AMPARO NO PODER DA PESSOA JURÍDICA .............................................. 27
3.6 ATUAÇÕES NA ESFERA DAS ATIVIDADES DA PESSOA JURIDICA ....... 27
3.7 AS ATIVIDADES DA PESSOA JURÍDICA DEVEM SE PRESTEM ADISSIMULAR SUA VERDADEIRA FORMA DE INTERVENÇÃO ...................... 27
4 – PROJETO DE LEI 236/2012: HUMILHAÇÃO PÚBLICA? ................................... 29
CAPÍTULO 2 ...................................................................................................................... 31
1 – A [IM]POSSIBILIDADE DA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO DIRIGENTE DA PESSOA JURÍDICA .................................................................................................. 31
2 – TEORIA MEDIATA ..................................................................................................... 34
3 – TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO ........................................................................... 37
3.1 – A DESVIRTUAÇÃO DA TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO ......................... 41
4 – RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA GERAL ............................................. 43
4.1 – RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA NOS CRIMES AMBIENTAIS . 45
5 – RESPONSABILIDADE PENAL SUBJETIVA ......................................................... 49
6 – RESPONSABILIDADE DO DIRIGENTE QUANDO DA OMISSÃO ................... 50
7 – A NECESSIDADE OU NÃO DA DUPLA IMPUTAÇÃO ....................................... 51
CAPÍTULO 3 ...................................................................................................................... 53
1 – A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURIDICA DE DIREITO PUBLICO ............................................................................................................................ 53
2 – A RESPONSABILIDADE PENAL DO DIRIGENTE DA PESSOA JURIDICA DE DIREITO PUBLICO .......................................................................................................... 59
7
2.1 IMPROBIDADE ADMINISRATIVA ....................................................................... 61
CONCLUSÃO .................................................................................................................... 69
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 72
ANEXO ............................................................................................................................... 78
8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo a investigação das hipóteses de
responsabilização penal da pessoa jurídica e de seus dirigentes, conforme as
bases da dogmática penal e de acordo com o entendimento jurisprudencial.
Responsabilidade essa que para nós interessou somente a do âmbito penal, pois
apesar de ter sido implantada na esfera cível e administrativa, tais questões não
fizeram parte de nosso estudo.
A responsabilidade penal da pessoa jurídica desde sua gênese nos crimes
ambientais, bem como sua previsão na carta Magna de 1988, vem se instalando
na jurisprudência de forma controversa. Por vezes verificam-se decisões judiciais
que permitem a responsabilidade penal da pessoa jurídica, em crimes excetuados
os ambientais; contudo, encontram-se também julgados em que a imputação
penal é excluída sob o fundamento da inexistência de vontade do ente moral, já
que tal aptidão seria exclusiva das pessoas naturais.
Em alguns casos a não identificação da pessoa física que cometeu o ilícito
juntamente com a jurídica, faz com que esta não possa fazer parte do polo
passivo da ação penal. Entretanto, já existem precedentes judiciais
desconsiderando a necessidade da dupla imputação para a responsabilização
criminal, e aceitando a penalização da pessoa jurídica isoladamente.
Assim, temos como grande empecilho prático, que nos traz insegurança
jurídica pela falta de regulamentação sobre o temas de forma mais abrangente
aos demais crimes que não os ambientais.
Questão essa que nos trouxe o interesse sobre o temas, que chamou
nossa atenção, a fim de fazer um estudo tanto dogmático quanto jurisprudencial
para quem sabe diagnosticar uma pacificação do tema. Contudo o que acabamos
por fazer, foi aferir que ainda hoje temos grande divergência na temática, e que
projetos como o nosso possam contribuir para que o legislador se conscientize da
importância da positivação da responsabilidade penal da pessoa jurídica em todos
os tipos de ilícitos que por ela possam ser cometidos.
A pesquisa em tela visa a analise da existência da responsabilidade penal
da pessoa jurídica tanto de direito publico como de direito privado. Para tanto
nosso estudo se desenvolveu com base em julgados e na doutrina, bem como na
9
produção cientifica dos doutos colegas da área.
Foi analisado, primeiramente, a responsabilidade penal das pessoas
jurídicas nos crimes contra o meio ambiente, pois tal responsabilidade embasou a
imputação da pessoa jurídica de forma pioneira no ordenamento jurídico
brasileiro.
Após tal análise, passamos para a investigação necessária sobre a
capacidade de a pessoa jurídica ser responsabilizada penalmente. Para isso,
levou-se em conta se a deliberação para a pratica do ato que se configurou
delituoso foi feita de forma coletiva, por autor(es) vinculado(s) ao ente moral,
visando benefícios de forma dissimulada a verdadeira intenção.
Foi desenvolvido também um exame em relação aos critérios de
imputação penal do dirigente empresarial, a fim de verificar como a pessoa física
pode ser responsabilizado penalmente. Para esse desiderato, a pesquisa foi
embasada em algumas teorias como a do domínio do fato, onde o dirigente por
ser superior hierárquico tem o conhecimento do que acontece na empresa, bem
como a teoria mediata, que abarca aquele individuo que definitivamente só
ordenou a execução do fato.
Uma discussão de importante relevância, nesse ponto da pesquisa, se dá
em torno da necessidade ou não da dupla imputação, ou seja, se a pessoa
jurídica pode ser demandada de forma solitária ou se ela necessita ser acionada
de forma conjunta com seu sócio administrador no polo passivo da demanda
acusatória. Discussão essa ainda divergente nos tribunais.
Por fim, no terceiro capítulo, abordamos a responsabilidade penal da
pessoa jurídica de direito publico bem como a de seu dirigente, com amparo na
jurisprudência e no parecer jurídico da Procuradoria Municipal de Poços de
Caldas. A pesquisa buscou levar em conta se tal imputação não irá prejudicar
duplamente a sociedade, tendo em vista a possibilidade de um duplo prejuízo,
pois além de sofrer com a conduta ilícita também sofrerá com a penalidade
imposta, ou se não configura a improbidade administrativa, afastando assim a
pessoa jurídica.
Desta feita, vale ressaltar que nossa análise foi mais aperfeiçoada no tema
da responsabilidade dos dirigentes, sócios e administradores em geral das
pessoas jurídicas, tanto de direito público como de direito privado.
10
BREVE HISTÓRICO
Na contemporaneidade, a globalização sendo um conjunto de
transformações de ordem política e econômica, fomentou o avanço das ciências e
tecnologias, tal acontecimento trouxe várias modificações nos valores e nas
demandas sociais.
Aparentemente, no ambiente jurídico não foi diferente. As transformações
socioeconômicas geraram a necessidade da evolução da dogmática jurídica. Com
esta vasta progressão de bens, capitais e pessoas circulando em nível global,
ocorreu também a evolução da criminalidade no mundo empresarial. 1
Esta amplitude criminal trouxe sem dúvida um problema para os
operadores do direito, peculiarmente no âmbito do direito penal-empresarial, ou
ainda, penal-econômico, que, segundo Hans Jescheck2, é um setor do Direito
Penal que dirige sua intervenção sobre as condutas que atentam contra o
conjunto total da economia.
O Direito, sendo uma ciência que visa simplificar e resolver os conflitos
existentes na sociedade, além de disciplinar as condutas de forma sistematizada,
para que se possa ter controle social, fica extremamente atônito diante das
complexidades percebidas no emaranhado de teias empresariais existentes.
Esse novo padrão de comportamento social, ou seja, o avanço
empresarial, cria a existência de um paradigma normativo diferente. Isso porque,
inicialmente foi concebido pela dogmática penal a possibilidade tão somente de
se imputar um delito às pessoas físicas (naturais). Modernamente, contudo, tem-
se admitido a responsabilidade penal da pessoa jurídica, também denominada
“ente moral”.
1
Nos últimos anos tornou-se ainda mais comum as grandes operações da policia federal como o objetivo de prender empresários que estavam sendo sigilosamente investigados por praticas de crimes empresariais. ( Seminário : Crimes empresarias econômicos e as investigações policiais. WWW.migalhas.com.br. Acesso em 03.05.2015) 2
Hans Jescheck foi um penalista alemão. Foi Professor Catedrático de Direito Penal na Universidade de Friburgo em Brisgóvia, fundador e diretor do Instituto Max-Planck de Direito Penal Internacional e Estrangeiro, em Friburgo, magistrado do Tribunal Superior de Karlsruhe, presidente da Associação Internacional de Direito Penal. Recebeu doze títulos de doutor honoris causa.
11
Para Maria Helena Diniz, pessoa jurídica é:
“A pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais
ou de patrimônios que visa à obtenção de certas
finalidades, reconhecida pela ordem jurídica como
sujeitos de direito e obrigações.”
Em uma perspectiva histórica, percebemos que na América do sul os
índios venezuelanos já tinham teorias advindas do direito incaico e araucano em
relação a participação coletiva da culpa. No Brasil não foi diferente, os índios
também foram atingidos pela influência da responsabilidade coletiva,
responsabilidade esta que a princípio ampara por analogia a aplicação da
responsabilidade penal aos entes morais.
Percebe-se, assim, que já no período dos primeiros povos sul-americanos
surgiam questões específicas envolvendo entes coletivos. O que demandava um
tratamento diferenciado daquele diuturnamente utilizado para as pessoas
naturais.
No que toca ao direito positivo, a responsabilidade penal atribuída
diretamente ao ente coletivo vem expressa na Constituição Federal de 1824 (art.
179, XX). Depois disso, o Código Criminal do Império também consigna tal
possibilidade de responsabilização (art. 80). Em seguida, o Código Penal de 1890
prevê também a referida forma de imputação penal.
Atualmente, temos a priori o embasamento legal sobre a responsabilidade
penal da pessoa jurídica no permissivo constitucional contido no art. 225, § 3º da
Constituição da República:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preserva- lo para as presentes e futuras
gerações.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas
ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados.
12
Permissivo esse que trata dos crimes conta o meio ambiente de forma bem
explícita, sendo um marco no direito positivo brasileiro sobre o assunto.
Ressaltamos ainda, que a implantação da lei ambiental foi realizada com
análise de anteprojetos e orientações jurídicas, dando origem a uma lei federal
9.605/98, dentro dos parâmetros legislativos vigentes, sendo este o despontar da
existência da possibilidade da responsabilidade da pessoa jurídica dentro do
nosso ordenamento como veremos.
Responsabilidade essa que para nós interessou somente a do âmbito
penal, pois apesar de ter sido implantada na esfera cível e administrativa, tais
questões não fizeram parte de nosso estudo.
Vale ressaltar que nossa análise foi mais aperfeiçoada no tema da
responsabilidade dos dirigentes, sócios e administradores em geral das pessoas
jurídicas, tanto de direito público como de direito privado.
13
CAPÍTULO 1
1 – A GÊNESE DA IMPUTAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA EM CRIMES
AMBIENTAIS
Consolidada com a Lei 9.605/98, a responsabilidade penal da pessoa
jurídica foi instituída no ordenamento jurídico pátrio. Tal instituição foi
fundamentada com base no artigo 225, § 3º da Constituição Federal de 1998, a
qual prevê a responsabilidade das empresas e entes coletivos pelos danos
ambientais.
Conforme dispõe a lei no seu art. 3º, as pessoas jurídicas serão
responsabilizadas “administrativa, civil e penalmente, nos casos em que a
infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou
de seu órgão colegiado, no interesse ou beneficio da sua entidade.”3
Não sendo a pessoa física desconsiderada como autora, coautora ou
participe do fato, o que demonstra a adoção do sistema de dupla imputação, ou
seja, há uma coautoria necessária entre agente individual e a coletividade (hoje
os tribunais estão desconsiderando tal entendimento)4. Assim a punição de um
3 Lei 9.605/98( Lei do meio ambiente)
4 No Habeas Corpus (HC)julgado em2005 pela Segunda Turma do Superior tribunal Federal
(STF), o presidente da Petrobrás conseguiu o trancamento da Ação Penal, alegando inexistência de relação casual entre o vazamento e suas ação Superior Tribunal De Justiça (STJ), a 6ª Turma concedeu HC de oficio ao superintendente da empresa trancando também a ação contra a Petrobras, por entender que o processo penal não poderia prosseguir exclusivamente contra pessoa jurídica. Contra a decisão o Ministério Publico Federal interpôs o Recurso Extraordinário (RE) 548181, de relaria da Ministra Rosa Weber, levado a julgamento a sessão dessa terça (6) da Primeira Turma.Segundo o voto da Ministra a decisão do STJ violou diretamente a Constituição Federal, ao deixar de aplicar um comando expresso previsto no art.225 § 3º segundo o qual as condutas lesivas ao meio ambiente sujeitam as pessoas físicas e jurídicas a sanções penais e administrativas. Para a relatora do RE, CF não estabelece nenhum condicionamento para a previsão, como fez o STJ ao prever o processamento da empresa e da pessoa física. A ministra afastou o entendimento do STJ segundo o qual a persecução penal de pessoa jurídica só é possível se estiver caracterizada a ação humana individual. Segundo seu voto, nem sempre é o caso de se imputar determinado ato de uma única pessoa física, pois muitas vezes os atos de uma pessoa jurídica podem ser atribuídos a um conjunto de indivíduos. “ A dificuldade de identificar o responsável a impossibilidade de imposição de sanção por delitos ambientais. Não é necessária a demonstração de coautoria da pessoa física”, afinal a ministra, para quem a exigência da presença concomitante da pessoa física e da pessoa jurídica na ação penal esvazia o comando constitucional.
14
agente ou mais agentes não isola a daqueles que concorreram na realização da
conduta delituosa.
No art. 4º, temos a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
Pois sempre que algum fato venha a obstar o ressarcimento dos prejuízos
causados ao meio ambiente, a fim de haver sempre punição aos que cometem
crimes ambientais, é desconsiderada tal personalidade, para uma maior
efetividade da lei, afastando assim a impunidade.
No tocante às penas a priori instituídas, está a multa, que não tem critérios
clarividentes para sua fixação, vez que a lei diz que deve ser equacionada a
critérios do Código Penal. Porém o mesmo não tem uma regra própria para a
pessoa jurídica, mas o que prevalece é a situação econômica da empresa
infratora.
Ocorre que às vezes essa situação pode causar uma insegurança jurídica,
pois dependendo do valor o ressarcimento do dano é menor que a vantagem
alcançada com o crime. De qualquer forma devemos ressaltar que a multa é
revertida para o Fundo Nacional do Meio Ambiente, instituído pela Lei 7.797/89.
Outra pena é a prestação de serviços à comunidade, em suas quatro
modalidades: execução de obras de recuperação das áreas degradadas, custeio
de programas e projetos ambientais, contribuições a entidades ambientais ou
culturais públicas e manutenção de espaços públicos.
E, por fim, as penas restritivas de direito, onde a pessoa jurídica pode ter a
suspensão total ou parcial de suas atividades, a interdição temporária do
estabelecimento, obras ou atividade e a proibição de contratar com o poder
público, bem como obter subsídios, subvenções ou doações, conforme disposto
no artigo 22 da Lei 9.605/98.
Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa
jurídica são:
I - suspensão parcial ou total de atividades;
II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou
atividade;
III - proibição de contratar com o Poder Público, bem
15
como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
§ 1º A suspensão de atividades será aplicada quando
estas não estiverem obedecendo às disposições
legais ou regulamentares, relativas à proteção do
meio ambiente.
§ 2º A interdição será aplicada quando o
estabelecimento, obra ou atividade estiver
funcionando sem a devida autorização, ou em
desacordo com a concedida, ou com violação de
disposição legal ou regulamentar.
§ 3º A proibição de contratar com o Poder Público e
dele obter subsídios, subvenções ou doações não
poderá exceder o prazo de dez anos.
Nota-se que no § 3º a pena pode chegar a até dez anos de proibição para
contratar com o poder público, bem como todas elas serem aplicadas
isoladamente ou cumulativas à pessoa jurídica.
Rigor este, dada a importância da proteção do meio ambiente,
principalmente perante as empresas, que, por sua vez, visando o lucro, não dão a
devida importância à matéria.
Assim, notamos que a lei ambiental foi um advento importante em nossa
legislação, pois trouxe uma positivação da responsabilidade penal da pessoa
jurídica, bem como a questão da dupla imputação, onde a pessoa jurídica
depende de uma física para ser apenada (veremos adiante que esse
entendimento está sendo modificado).
16
2 – A CAPACIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA
Uma vez que a discussão da responsabilização penal da pessoa jurídica é
relativa ao campo jurídico político-criminal, é de se indagar se haveria uma
responsabilidade penal da empresa de forma imperativa na vida político-social e
econômica moderna das sociedades pós-industriais.
As condutas relevantes para o direito penal não são cometidas apenas por
pessoas físicas numa atuação desordenada, mas também por pessoas jurídicas,
agrupamentos de pessoas, empresas, corporações etc., que têm como núcleo de
sua atuação a identificação de estruturas organizativas complexas de construção
voltada para a divisão do trabalho, num processo hierárquico de capacidade e
exercício de poder para a melhor avaliação da imputação.5
Ocorre que devido à vasta forma de interpretação dessa matéria, há
correntes doutrinárias que discordam e outras que concordam quanto à
possibilidade da capacidade penal das pessoas jurídicas, argumentando de
inúmeras formas, bem como delimitando requisitos para tal construção teórica.
Levando tal consideração em frente, podemos pormenorizar algumas
teorias como as elencadas a seguir, para melhor elucidar e padronizar a aplicação
ou não da responsabilidade penal do ente coletivo:
2.1 – TEORIA DA FICÇÃO
Teoria desenvolvida por Savigny (1779-1861) importante jurista alemão, que
criou uma teoria onde relata a abstração da pessoa jurídica, e a inexistência de
tal, sendo irreal, por carecer de vontade própria.
Faltando-lhe a consciência e a vontade, que são imposições indispensáveis
5 NASCIMENTO SILVA, Luciano. O Direito Penal Econômico Como Direito Penal da Empresa (o dualismo jurídico-criminal societas delinquere non potestvs societas delinquerepotest) , 2002.
17
para a existência de um fato típico, bem como da culpabilidade, de modo que
possa admitir a pratica do delito com consciência de seus atos.
Segue esta teoria o mestre Damásio de Jesus:
“(...) a personalidade natural não é uma criação do
direito, sendo que este a recebe das mãos da
natureza, já formada, e limita-se a reconhecê-la. A
personalidade jurídica, ao contrário, somente existe
por determinação de lei e dentro dos limites por esta
fixada. Faltam-lhe os requisitos psíquicos da
imputabilidade. Não tem consciência e vontade
própria. É uma ficção legal (...)1”. Por não haver livre
arbítrio e vontade própria, os fatos por ela praticados
são atípicos.
Apoiada no brocardo romano societas delinquere non potest (a pessoa jurídica
não pode cometer delitos), tal teoria pode ser aplicada sob os argumentos de que
existe:
Ausência de vontade - Sendo a vontade que projeta a conduta, sem ela
não há que se falar de realização de delito, assim a pessoa jurídica não
sendo agente de vontade é incapaz de praticar condutas penalmente
expressiva e punitiva.
Ausência de culpabilidade – Somente o ser humano é capaz de discernir o
justo e o injusto, o inadequado, o errado, o imoral entre outras condutas
relevantes penalmente, desta forma a pessoa jurídica é incapaz de juízo de
valores, sendo também incapaz de lhe ser imputada a culpabilidade.6
Ausência de capacidade de pena – tendo em vista o princípio da
pessoalidade da pena, Podendo a pena atingir pessoas inocentes ( sócios
minoritários, votantes contrários a decisão, acionistas sem participação na
ação delituosa).
6 SALOMÃO SHECAIRA, Sérgio. Responsabilidade penal da pessoa jurídica, São Paulo,Revista
dos Tribunais, 1999, p. 88 — ao elencar os argumentos contrários à sua posição, que é a de que os entes coletivos devem ser responsabilizados criminalmente.
18
Ausência de justificativa para a imposição da pena – a pena tem a
concepção de punição para exemplo e intimidação da sociedade, portanto
se a pessoa jurídica não tem vontade e capacidade de
pensamento/discernimento não tem possibilidade de se dar tal intimidação.
Ou seja, para Savigny o ente moral é uma ficção jurídica. A qual não
padece de vontade, não possui capacidade, não é passível do recebimento de
penas, bem como não sofre sanções. Sendo assim não tem um meio adequado e
até mesmo justificado de direcionar determinada imputação de conduta ilícita para
a pessoa jurídica.
2.1.1 – SOCIETAS DELINQUERE NON POTEST
Atualmente esse tema é muito discutido dentro do direito penal econômico,
como sendo uma questão político jurídica.
Segundo tal teoria a pessoa jurídica não pode cometer delitos, vez que não
tem vontade própria, não pode ser culpável, nem receber ou se intimidar com a
pena, teoria esta que se liga inegavelmente a de Savigny.
Conforme poderemos aferir no antigo acórdão abaixo, a pessoa jurídica
não foi responsabilizada em última instância (STF), ou seja, no maior órgão de
poder decisório nacional. Isso ocorreu porque a denúncia foi realizada de forma
genérica, o que diga-se de passagem ocorre inúmeras vezes em nosso poder
judiciário.
Devido a existência de falhas de regulamentação legal nesse sentido, bem
como na indexação do referido documento (listagem de temas abordados na
discussão dos votos)7, podemos comprovar que a uma década atrás o Supremo
7
Indexação (CONCESSÃO, HABEAS CORPUS, EXTENSÃO, BENEFÍCIO, CO-RÉU,
ANULAÇÃO,PROCESSO, INÍCIO, DENÚNCIA, OFENSA, PRINCÍPIO, "DUE PROCESS OF LAW",CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA, DENÚNCIA GENÉRICA, CRIME SOCIETÁRIO,RESULTADO, INÉPCIA, DENÚNCIA, AUSÊNCIA, DESCRIÇÃO, ATO CONCRETO,INDIVIDUALIZAÇÃO, AUTORIA, SUBTRAÇÃO, RÉU, CONDIÇÃO ESSENCIAL,EXERCÍCIO, DEFESA, RESULTADO, NULIDADE ABSOLUTA, INEXISTÊNCIA,PRECLUSÃO. CABIMENTO, MINISTÉRIO PÚBLICO, ÔNUS, DESCRIÇÃO,COMPORTAMENTO, PESSOA FÍSICA, SUPOSIÇÃO, CRIME, DESCABIMENTO,ATRIBUIÇÃO, RESPONSABILIDADE PENAL, PESSOA JURÍDICA, SISTEMA PENALBRASILEIRO, VIGÊNCIA, PRINCÍPIO. "SOCIETAS DELINQUERE NON POTEST".(nosso grifo)- VOTO VENCIDO, MIN. MARCO AURÉLIO: DENEGAÇÃO, PEDIDO,ENTENDIMENTO, INEXISTÊNCIA, COMPROVAÇÃO, DIFICULDADE, DEFESA, RÉU,ALEGAÇÃO, INÉPCIA, DENÚNCIA, HIPÓTESE, CABIMENTO, APLICAÇÃO, (CPC),DESNECESSIDADE,
19
Tribunal tinha o entendimento da necessidade da delimitação da conduta.
EMENTAS: 1. AÇÃO PENAL. Denúncia. Deficiência. Omissão dos comportamentos típicos que teriam concretizado a participação dos réus nos fatos criminosos descritos. Sacrifício do contraditório e da ampla defesa. Ofensa a garantias constitucionais do devido processo legal (dueprocessoflaw). Nulidade absoluta e insanável. Superveniência da sentença condenatória. Irrelevância. Preclusão temporal inocorrente. Conhecimento da arguição em HC. Aplicação do art. 5º, incs. LIV e LV, da CF. Votos vencidos. A denúncia que, eivada de narração deficiente ou insuficiente, dificulte ou impeça o pleno exercício dos poderes da defesa, é causa de nulidade absoluta e insanável do processo e da sentença condenatória e, como tal, não é coberta por preclusão. 2. AÇÃO PENAL. Delitos contra o sistema financeiro nacional. Crimes ditos societários. Tipos previstos nos arts. 21, § único, e 22, caput, da Lei 7.492/86. Denúncia genérica. Peça que omite a descrição de comportamentos típicos e sua atribuição a autor individualizado, na qualidade de administrador de empresas. Inadmissibilidade. Imputação às pessoas jurídicas. Caso de responsabilidade penal objetiva. Inépcia reconhecida. Processo anulado a partir da denúncia, inclusive. HC concedido para esse fim. Extensão da ordem ao co-réu. Inteligência do art. 5º, incs. XLV e XLVI, da CF, dos arts. 13, 18, 20 e 26 do CP e 25 da Lei 7.492/86. Aplicação do art. 41 do CPP. Votos vencidos. No caso de crime contra o sistema financeiro nacional ou de outro dito "crime societário", é inepta a denúncia genérica, que omite descrição de comportamento típico e sua atribuição a autor individualizado, na condição de diretor ou administrador de empresa.
8
DECLARAÇÃO, NULIDADE, ATO, AUSÊNCIA, RESULTADO,PREJUÍZO, ACUSAÇÃO, DEFESA.- VOTO VENCIDO, MIN. JOAQUIM BARBOSA: DENEGAÇÃO, PEDIDO,ENTENDIMENTO, AUSÊNCIA, IMPUGNAÇÃO, DEFICIÊNCIA, DENÚNCIA, MOMENTO,ADEQUAÇÃO, RESULTADO, PRECLUSÃO, MATÉRIA.- VOTO VENCIDO, MIN. MARCO AURÉLIO: RELATOR ORIGINÁRIO, SUGESTÃO,RETORNO, AUTOS, (STJ), DETERMINAÇÃO, EXAME, MATÉRIA, ARTICULAÇÃO,HABEAS CORPUS, ALEGAÇÃO, PRECLUSÃO, TEMA. AUSÊNCIA, SUSCITAÇÃO,INÉPCIA, DENÚNCIA, FASE, TRAMITAÇÃO, PROCESSO CRIMINAL, DEFEITO,SUPERAÇÃO, ACÓRDÃO, PROFERIMENTO, (TRF), APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA, (CPC),SUBSTITUIÇÃO, DECISÃO RECORRIDA, SURGIMENTO, VALIDADE, DENÚNCIA, CRIMESOCIETÁRIO, IRRELEVÂNCIA, DESCRIÇÃO, INDIVIDUALIZAÇÃO, ATO,DIVERSIDADE, DENUNCIADO. (STJ), RESTRIÇÃO, ÓBICE, PRECLUSÃO,IMPOSSIBILIDADE, APRECIAÇÃO, MÉRITO, (TRF), ALEGAÇÃO, DESCABIMENTO,EXAME, SENTENÇA, PROFERIMENTO, TEOR, ARTIGO, (CPC), MOTIVO, AUSÊNCIA,SUSCITAÇÃO, MOMENTO, OPORTUNIDADE.
8
(HC 83301, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, Primeira Turma, julgado em 16/03/2004, DJ 06-08-2004 PP-00041 EMENT VOL-02158-02 PP-00371)
20
Segundo Jaime Malamud Goti:
“Es sabido que las grandes empresas de hoyson más personas especialmente poderosas enel terreno económico. Las corporaciones son complejos organismos sociales y técnicos, diferentes de la suma de hombres y máquinas que contribuyen a suactividad. Además de hombres y máquinas, los indivíduos inter-actuando en las células de las corporaciones reconocenen estas formas de vida, culturas. Estas últimas poseen sus próprios alicientes, sus sistemas de recompensas y sus castigos, sus valores éticos y reglas de convivencia. Los individuos que trabajanenlas secciones de armado de automóviles o de diseño de modelos de maquinarias tienen objetivos – proprios y específicos – moldeados por las exigências impuestas desde extratos superiores: los fines más amplios de lãs corporaciones”.
9
[Sabe-se que as grandes empresas de hoje são mais pessoais, especialmente as poderosas no campo econômico. As corporações são diferentes agências, complexos sociais e técnicos, da soma de homens e máquinas que contribuem para a sua atividade. Além de homens e máquinas, células interagindo corporativamente para reconhecer indivíduos que se encaixem nestes estilos de vida e cultura. Estes últimos têm os seus incentivos próprios, sistemas de recompensas e punições, sua ética e regras de conduta. As pessoas que trabalham em seções de automóveis ou máquinas modelos de design reforçados têm objetivos - próprios e específicos - moldada pelas exigências impostas a partir de extratos acima em: efeitos mais amplos das corporações].
Ocorrendo assim também uma adaptação destas com a sociedade
econômica e a pessoa jurídica a eles ligada a fim de alcançar cada vez mais
rendimentos, a custo muitas vezes de condutas ilícitas, na qual a sociedade a
priori será responsabilizada pela falta da conduta moral dos indivíduos que a
compõe.
Assim, o que vem frequentemente ocorrendo no judiciário é a mitigação do
princípio da SOCIETAS DELINQUERE NON POTEST, segundo o qual é
inadmissível a punibilidade penal dos entes coletivos, aplicando-se-lhes somente
a punibilidade administrativa ou civil, sob o argumento de que a pessoa jurídica
9
MALAMUD GOTI, Jaime. E. Política criminal de la empresa – cuestiones alternativas. Buenos Aires : Editorial Hammurabi, 1983, p. 15.
21
responde pelos atos praticados pelos indivíduos que a integralizam, pois
assumem o risco da atividade.
Essa questão do risco da atividade, nos remete a responsabilidade
objetiva, que gera a imputação independentemente de culpa, nos casos
específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor
do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Além do judiciário, a Carta Magna dispõe em seu artigo 225 § 3º bem como
no artigo 173 § 5º a responsabilização no plano jurídico-penal das pessoas
jurídicas exploradoras de atividades lucrativas.
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica(nosso grifo)pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta (nosso grifo), sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
Contudo, o entendimento jurisprudencial vem nos deixando claro, na
maioria das decisões, a indispensabilidade da responsabilização coletiva,
juntamente a da pessoa individual. Ocorrendo dessa maneira devido ao
afastamento da impossibilidade da apenação individual e da importância dos
efeitos coletivos que esses tipos de conduta costumam apresentar.
2.2 TEORIA DA REALIDADE
Dentro da Teoria da Realidade defendida por Otto Gierke (1841-1921)
jurista alemão, a pessoa jurídica é um ente animado, pois possui personalidade
real, dotada de vontade própria, tendo capacidade de discernir sobre assuntos
diversos, mesmo que para tanto dependa de deliberação colegiada.
Segundo Sergio Salomão Shecaira, dentro da teoria da realidade não
existe fato típico sem dolo ou culpa. Tendo a pessoa jurídica vontade própria, pois
22
nasce e vive de acordo com a vontade de seus dirigentes, vontade coletiva esta
que se materializa a partir de reuniões e deliberações e que pode perfeitamente
ter como resultado condutas delituosas.
Ao discorrer sobre a impossibilidade de aplicação da culpabilidade devido
ao ente moral não ser imputável, o autor apresenta a ideia de que a imputação de
tal ente deve ser adaptada, de forma analógica com outra empresa que possua as
mesmas diretrizes e sirva de base para examinar qual seria a melhor forma de
agir diante de determinada situação.
Observa ainda que a pena não ultrapassa a pessoa jurídica, e sim o que
ocorre é um desalinho, uma desordem entre a pena e as consequências indiretas
a terceiros, porém é inegável que quase sempre terceiros são atingidos de forma
indireta pela pena em qualquer área do direito.
Como exemplo de terceiros atingidos pela pena podemos ter a família que
fica desamparada afetiva, econômica e socialmente quando seu provedor sofre
uma pena restritiva de liberdade ou até mesmo uma esposa casada em
comunhão de bens que tem seu patrimônio ofendido por multa que o marido é
condenado a pagar.
Assim, para Otto Gierke, a pessoa jurídica é perfeitamente passível de
imputação penal, pois não padece de falta de vontade própria, vez que os seus
dirigentes de forma colegiada deliberaram a sua expressão de vontade. No
tocante a culpabilidade pode ser resolvida com a analogia com outras empresas,
das quais podemos extrair qual seria a conduta esperada.
Em relação a reflexos a terceiros, podemos considerar como um “mal
necessário”, para que não ocorra a impunidade, sempre tendo claro em nosso
juízo de culpabilidade a questão da proporcionalidade e razoabilidade desse
resquício.
23
3 – REQUISITOS PARA A IMPUTAÇÃO PENAL
Quando um fato típico é atribuído a determinado individuo ocorre a
imputação penal. O grande óbice é a complexidade apresentada no âmbito das
empresas vez que o poder de decisão na maioria dos casos está em inúmeros
órgãos colegiados, dificultando assim a possibilidade de apurar o verdadeiro
responsável pela ilegalidade cometida no âmbito da pessoa jurídica.
O artigo 3º da Lei 9.605/98 elenca alguns requisitos explícitos e implícitos
para responsabilização da pessoa jurídica.
De forma explícita adota a deliberação no âmbito do ente coletivo, o autor
material deve estar vinculado a pessoa jurídica e a infração tem que ser cometida
no interesse ou benefício da mesma.
Entretanto a responsabilidade penal observa alguns requisitos que estão
implícitos no artigo 3º. São eles: a pessoa jurídica de direito privado; o autor
material que deve estar sob amparo de uma pessoa jurídica; a atuação que venha
a ocorrer na esfera das suas atividades, além de que essa atividade deve se
prestar a dissimular a verdadeira forma de intervenção.
Todos esses requisitos serão esmiuçados no decorrer da pesquisa. Vale
ressaltar que apesar de expressos na lei ambiental, o judiciário usa desses
parâmetros para a imputação geral das pessoas jurídicas nos demais crimes que
elas possam vir a incorrer.
3.1 – DELIBERAÇÃO NO AMBITO DO DIREITO COLETIVO
Levando em consideração o artigo 3º, fica claro que o delito deve ocorrer
“por decisão de seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado”,
entendida como a deliberação de determinada conduta que venha ser
consideração delituosa e que foi tomada de forma coletiva punível, afinal esse é o
meio para expressar a vontade do ente moral.
“A exigência da deliberação do representante do ente coletivo não significa que a pessoa jurídica somente possa ser responsabilizada por crime doloso. A deliberação pode se relacionar a execução de
24
atividades de risco e a execução material de conduta que viola a norma jurídica caracterizar tipo culposo.” 10
Configurando, assim, representante legal aquele que tem mandato legal de
representação. Via disposição legal se difere do que representa a vontade dos
sócios, pois para tanto delegariam a responsabilidade para o representante
contratual, este sim escolhido pelos sócios para gerir a empresa.
O que se exige para a imputação é a comprovação da decisão que
determinou o representante, a fim de fazer a ligação para a responsabilidade
objetiva da empresa. Isso para que não ocorra equívocos na responsabilização da
pessoa jurídica por conduta de terceiros não autorizados a administrá-la.
No caso acima somente a pessoa física que não estava autorizada a
representar a empresa, e que agiu de forma ilícita, responderá individualmente e
penalmente por seus atos.
3.2 AUTOR MATERIAL VINCULADO A PESSOA JURÍDICA
Existe um liame entre a constatação da existência da conduta lesiva e a
deliberação de forma coletiva da instituição. Onde analisamos se tal ato se deu
devido a tomada de decisão da pessoa jurídica.
Um exame precipitado poderia levar a entender que bastaria comprovar a
ocorrência da deliberação do representante da pessoa jurídica. Mas, tal
compreensão não condiz com a realidade, pois não basta constatar a decisão
delitiva, mas também se deve identificar a pessoa física que lesionou ou
contribuiu para essa lesão ao bem jurídico.11
Mesmo assim, a responsabilidade do ente moral independe da pessoa
física, pois um responde pelo artigo terceiro e outro pelo artigo segundo,
respectivamente. Não existindo óbice para responsabilizar somente um ou outro,
10
ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Cit. Pág. 99/100.
11
No sentido da admissibilidade: FREITAS; FREITAS, 2001, op. Cit.,p.67
25
ou até mesmo os dois.
Assim devemos nos atentar para a necessidade, atualmente um pouco
mitigada, de identificar o autor material, o qual deve ter sido escolhido pelo ente
moral afim de praticar atos em seu nome e que os tenha praticado dentro da
decisão coletiva.
Essa precaução resguarda a pessoa jurídica caso ocorra por parte do
mandatário excessos durante o cumprimento efetivo do mandato.
3.3 INTERESSE / BENEFÍCIO DA PESSOA JURÍDICA
Legalmente expresso no art. 3º da Lei nº 9.605/98 , a imputação penal da
pessoa jurídica ocorrerá se a conduta delituosa for cometida em favor de seu
interesse ou benefício.
A acumulação de termos, interesse e benefício, que tem praticamente o
mesmo sentido, se dá porque nem sempre um interesse, uma vontade se
concretiza no benefício almejado, ou seja, não é efetivamente sempre que um
interesse se materializa em um ganho.
Porém, neste caso a mera tentativa já configura o delito, não tendo
diferenciação para crime consumado ou tentado. Podendo causar danos somente
na tentativa, afinal, nem sempre são de ordem econômica tais danos.
Esta questão de não serem danos de ordem econômica faz com que
tenhamos uma linha muito tênue entre interesse e benefício. Devido essa
questão, o legislador se precaveu e resguardou em vincular as duas expressões
no mesmo texto legal.
3.4 PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO
No âmbito do direito privado existe a penalização da pessoa jurídica,
contudo a pessoa jurídica de direito público teoricamente não poderia ser
responsabilizada na seara penal, pois seria um contrassenso o Estado punir ele
mesmo. Afinal, ele é detentor legitimo do jus puniendi, ou seja, é o único órgão
que pode punir.
26
Considerando que não há diferença de essência entre o ilícito penal e o
civil, nem mesmo uma contenção para a responsabilidade civil da pessoa jurídica
de direito público, diversos juristas defendem a responsabilidade penal da pessoa
jurídica de direito público.12
Ocorre que, para que aconteça tal responsabilização o ente deve agir de
forma a angariar benefícios para si. Vislumbram-se, assim, meios para que a
pessoa jurídica de direito público venha a cometer delitos com o objetivo de suprir
seus interesses próprios.
Quando temos uma conduta delitiva, esta praticada por um funcionário
público, a finalidade é desviada do fim público e prejudica diretamente a
administração pública, devendo somente o agente público responder na esfera
administrativa, civil e penal13.
Assim sendo, as pessoas jurídicas de direito público tendo como princípios
norteadores a perseguição de fins que se conciliem com o interesse coletivo e
não tendo a possibilidade de buscar interesses e benefícios diversos, não pode
ser responsabilizadas, teoricamente, na prática de delitos penais.
Incidindo também o argumento que possuem o monopólio do direito de
punir e seria contraditório punir-se a si mesmo.
Contudo temos que nos atentar às entidades “paraestatais”, tais como as
autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações
instituídas pelo Poder Público, as quais são formas descentralizadas de prestação
de serviços públicos e podem ser criminalmente responsabilizadas.
Assim, a princípio, para que o ente moral possa ser apenado, seguindo os
requisitos impostos pela maioria da doutrina, ele não pode ser pessoa jurídica de
direito público, contudo trataremos dessa questão mais a frente.
12 COSTA,COSTA NETO; BELLO FILHO,op. Cit., p, 70-72. 2001
13
Lei 8.4290/92: Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.
27
3.5 AMPARO NO PODER DA PESSOA JURÍDICA
O amparo na pessoa jurídica é uma situação muito corriqueira em nosso
cotidiano, pois muitas vezes a pessoa física aproveita da proteção e da estrutura
da pessoa jurídica para praticar ilicitudes.
Não raro, a instituição da pessoa jurídica é exclusivamente realizada para a
prática de delitos sobe o amparo dessa cortina fictícia.
Tal requisito decorre da importância das forças econômicas que as
pessoas jurídicas possuem, e assim podem causar um maior prejuízo aos bens
jurídicos protegidos.
Porém se ocorrer tal conduta, ela é desvinculada da instituição, se
comprovado que a mesma usou da personalidade jurídica para delinquir. Sendo a
lesão ao bem jurídico reputada a pessoa física que realmente é a responsável.
3.6 ATUAÇÕES NA ESFERA DAS ATIVIDADES DA PESSOA JURIDICA
Em paralelo ao requisito anterior, temos que entender que a conduta
delituosa deve estar ligada a atividade desenvolvida pela empresa, em atos
executados de forma a atacarem os bens jurídicos relevantes.
Não sendo associada a conduta com a atividade empresarial desenvolvida
pelo ente moral, a pessoa jurídica deixa de responder e quem toma frente para a
responsabilização é a pessoa física que definitivamente agiu de forma ilícita.
Ocorrendo assim a imputação da pessoa jurídica somente quando a
conduta imputável é conexa com a prestação empresarial do ente moral. Não
comprovada tal conexão, a ilicitude recai unicamente sobre a pessoa física
responsável pela pratica.
3.7 AS ATIVIDADES DA PESSOA JURÍDICA DEVEM SE PRESTEM
ADISSIMULAR SUA VERDADEIRA FORMA DE INTERVENÇÃO
Dentro do emaranhado empresarial ocorre muito a dissimulação das
atividades da pessoa jurídica. Essa atuação/simulação é usada para encobertar e
28
livrar a pessoa física, culpando a jurídica ou vice-versa, a fim de dissimular a
verdadeira autoria delitiva.
Essa prática normalmente ocorre com a finalidade de encobertar a conduta
da pessoa física, que por sua vez é apenada de forma mais gravosa por nosso
sistema judiciário. Exemplo disso é a impossibilidade de prisão da pessoa jurídica.
“Com certeza a responsabilidade penal da pessoa jurídica não somente
tem lugar quando a lesão ao bem jurídico decorre de suas atividades formalmente
reconhecidas, mas também quando das atividades materialmente desenvolvidas,
ainda que de forma dissimulada.” 14
Assim sendo, após discorrer sobre a forma de imputação da pessoa
jurídica, bem como os princípios, teorias e requisitos dessa responsabilização,
podemos de forma mais imparcial discorrer sobre outro ponto objeto da pesquisa,
ou seja, a possibilidade de responsabilização dos dirigentes da pessoa jurídica,
com base na doutrina e jurisprudência aplicada a tal instituto.
Tanto na perspectiva dogmatizada que vai definir de quem é a
responsabilidade penal, a quem vai ser imputada a conduta, quanto na
perspectiva jurisprudencial que nos traz a análise de como é a posição atual dos
tribunais diante dos casos concretos, as sociedades empresarias configuram
como polo passivo nas demandas referentes ao direito penal.
14
ROCHA, Fernando A. N. Galvão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 2002.
29
4 – PROJETO DE LEI 236/2012: HUMILHAÇÃO PÚBLICA?
A pena, apesar de não ser um dos requisitos para a imputação penal, muito
se liga a ela, vez que tem um caráter não somente punitivo, mas também
socioeducacional, pois deve servir de exemplo, bem como coibir a prática
reiterada do delito.
Para Francisco de Assis Toledo:
“A característica do ordenamento jurídico penal que primeiro salta aos olhos é sua finalidade preventiva: antes de punir, ou com o punir, quer evitar o crime. (...) Com efeito, por meio da elaboração dos tipos delitivos – modelos de comportamento humano – revela o legislador penal, de modo nítido e visível, aos que estejam submetidos às leis do País aquilo que lhes é vigorosamente vedado fazer ou deixar de fazer. Por outro lado, por meio da cominação de penas, para o comportamento tipificado como ilícito penal, visa o legislador atingir o sentimento de temos (intimidação) ou sentimento ético das pessoas, a fim de que seja evitada a conduta proibida (prevenção geral). Falhando essa ameaça, ou esse apelo, transforma-se a pena abstratamente cominada, com a sentença criminal, em realidade concreta, e passa, na fase de execução, a atuar sobre a pessoa do condenado, ensejando sua possível emenda ou efetiva neutralização (prevenção especial).
Prevenção geral e especial são, pois, conceitos que se completam. E, ainda que isto possa parecer incoerente, não excluem o necessário caráter retributivo da pena criminal no momento de sua aplicação, pois não se pode negar que pena cominada não é igual a pena concretizada, e que esta última é realmente pena da culpabilidade e mais tudo isto: verdadeira expiação, meio de neutralização da atividade criminosa potencial ou, ainda, ensejo para recuperação, se possível, do delinquente, possibilitando o seu retorno à convivência pacífica na comunidade dos homens livres.”
Ocorre que para a pessoa jurídica fica de difícil reflexo, porque ela não
possui tecnicamente vontade própria e discernimento, para assimilar tais
questões.
30
Contudo, com o projeto de reforma do Código Penal, PL 236/2012, a
questão da responsabilização penal da pessoa jurídica ganha um norte, pois tal
projeto prevê a criminalização de pessoas jurídicas de direito privado por atos
praticados contra a administração pública e a ordem econômico-financeira, sem a
necessidade da identificação da pessoa física que cometeu o crime.
Porém, juntamente com essa melhor delimitação da imputação penal das
pessoas jurídicas de direito privado, bem como com as penas de perda de bens, a
suspensão parcial ou total de atividades, a proibição de contratar com instituições
financeiras oficiais, participar de licitação ou celebrar qualquer outro contrato com
a Administração Pública, direta ou indireta, que já eram aplicadas nos crimes
ambientais, a novidade que o novo código prevê, é a pena de humilhação pública.
Essa pena nada mais é que a pessoa jurídica ser condenada a suas
dispensas a publicação em meio de grande audiência de sua sentença
condenatória. Punição essa de forma análoga a do direito civil e do direito
administrativo, somente com a diferença de que essas duas outras áreas não
fazem relação direta com os meios televisivos requisitados pela terminologia
audiência.
Ocorre que tal penalização fere a imagem da empresas, inclusive podendo
fazer ela fechar as portas, voltando assim a Era Medieval, com suas penas
vexatórias.
Aumentando as hipóteses de aplicação da responsabilidade penal da
pessoa jurídica, provavelmente trará mais prejuízos do que benefícios, pois o
Direito Penal já possui poderes em excesso para investigar e punir executivos por
crimes de colarinho branco, devendo focar em ações contra as causas da
criminalidade empresarial, antes de estabelecer a punição e a aplicação de penas
vexatórias de forma objetiva contras empresas e instituições financeiras, com
graves riscos e consequências para a economia nacional.
31
CAPÍTULO 2
1 – A [IM]POSSIBILIDADE DA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO DIRIGENTE
DA PESSOA JURÍDICA
Em uma análise dogmática, iremos delimitar a responsabilidade penal dos
dirigentes das sociedades empresarias ditas complexas, tendo em vista que tal
indagação não ocorre em sociedades simples (familiares), pois essa não tem um
emaranhado nas divisões de responsabilidade.
Quando a sociedade tem um ou dois responsáveis na administração, por
exemplo, um com 99% das cotas e outro com 1%, e eles incorrem num crime de
sonegação fiscal, fica fácil e mais claro saber quem devidamente cometeu tal
conduta ilícita.
Vemos que aquele sócio que tem maior número de cotas provavelmente é
o gestor da empresa, e o outro, muitas vezes o cônjuge, ou um “laranja”, que
somente está na divisão societária para que fique configurada como sociedade
empresária e venha a ter a responsabilidade de forma limitada.
Recaindo assim a responsabilidade penal sobre a conduta ilícita daquele
que efetivamente e de fato administra a pessoa jurídica.
O problema está exatamente nesse ponto, pois tanto numa imputação
penal subjetiva, como em uma objetiva, quando se refere a empresas complexas,
incorrem na existência de uma insegurança jurídica, tendo em vista que o poder
de decisão está altamente pulverizado em vários órgãos.
“... é imperioso observar que o ordenamento jurídico
brasileiro e o estrangeiro não contemplam, pelo
menos de forma expressa, ferramentas jurídicas
hábeis para resolver os problemas de imputação
penal dos fatos de responsabilidade penal praticados
pela sociedade empresária complexa.”15
15
GRANDIS, de Rodrigo. A responsabilidade penal dos dirigentes nos delitos empresariais. 2013.
32
Essa falha ou lacuna no ordenamento jurídico pátrio, cada vez mais está
trazendo prejuízos à sociedade, pois temos um grande problema quanto às
sociedades empresárias criadas justamente para a prática de atos ilícitos.
Devido esse estereótipo criado sobre as empresas “de fachada”, somente
instituídas com fins ilícitos, a doutrina criou uma oposição entre as organizações
criminosas e as empresas de natureza complexa.
Não confundindo assim os crimes cometidos por empresas que já foram
criadas com tal finalidade, as organizações criminosas, com as empresas de
natureza complexa que venha ocasionalmente praticar condutas ilícitas.
Segundo Bernardo Feijoo, não temos dado a devida importância ao
aspecto central das sociedades modernas, que seria a repartição/distribuição de
tarefas da empresa, vez que não mais se encontra um autor exclusivo de
determinado crime, ou seja, no âmbito empresarial as decisões são pulverizadas.
“Dentro das empresas de pessoas jurídicas que são potencialmente
perigosas para os bens jurídicos existe uma atomização ou uma fragmentação
dos movimentos corporais, ou seja, decisões sobre políticas gerais, decisões
sobre fatos concretos, conhecimentos sobre os riscos e a transmissão das
informações por parte das empresas sobre os efeitos prejudiciais.”16
No contexto das sociedades empresariais complexas, não conseguimos
mais estabelecer com rigor quem realmente decidiu pela prática da conduta
delituosa.
Assim, uma vez que não podemos fazer tal imputação, o que restou ao
legislador e ao judiciário foi a criação do risco existente e a consciência dos
perigos envolvidos nas condutas, existindo assim um desmembramento entre as
atividades de direção da empresa e as de execução propriamente dita dos fatos
que se constituem no delito.
16 Feijoo Sánchez, Bernardo. Derecho penal de la empresa e imputación objetiva. Madrid: Reus, 2007,p. 123.
33
Ponto este, que se torna mais árduo quando percebemos que a conduta é
dividida entre os indivíduos, resultando de uma diversidade de ações praticadas
por inúmeras pessoas, sem individualização das condutas.
A questão é que não se consolidou um entendimento de como pode
ocorrer a responsabilização da pessoa jurídica, quanto mais de seus dirigentes,
ora se decide que a pessoa jurídica pode ser responsabilizada isoladamente, ora
se decide que necessariamente deve compor a ação penal em conjunto com uma
pessoa jurídica uma pessoa física, divergindo substancialmente a jurisprudência.
A doutrina penal relata alguns métodos de imputação penal a pessoa
jurídica e a seus dirigentes
34
2 – TEORIA MEDIATA
A doutrina nacional e estrangeira vislumbra uma série de critérios que
podem ser estabelecidos em relação à imputação penal. A jurisprudência no
Brasil indica a preferência de alguns deles.
Seria uma dessas preferências a Teoria Mediata preconizada por Claus
Roxin, um dos mais influentes dogmáticos do direito penal alemão, tendo
conquistado reputação nacional e internacional neste ramo. A teoria mediata é a
responsabilização de quem definitivamente ordenou a execução de determinado
ato.
Poderíamos de forma abrasileirada imputar ao administrador ou gestor da
empresa, a autoria nos casos de impossibilidade de verificar o verdadeiro
responsável, isso quando na sociedade o poder de decisão for pulverizado.
Tal situação ocorre com a utilização de terceiros para realizarem ações
típicas em posição de subordinação, a controle do autor mediato, ou seja, quando
determinado indivíduo utiliza de outro a ele subordinado para a prática de ato
ilícito. Assim ficando configurado como autor mediato quem induziu.
A título de exemplo podemos analisar as seguintes decisões:
EMENTA: PENAL. PROCESSUAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, INC. I, DA LEI Nº 8.137/90). DELITO DE EVASÃO DE DIVISAS (ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.492/86). MATERIALIDADE COMPROVADA. DELITO DE INDUÇÃO DE REPARTIÇÃO PÚBLICA COMPETENTE EM ERRO POR SONEGAÇÃO DE INFORMAÇÕES (ART. 6ª DA LEI Nº 7.492/86). ABSORÇÃO. CO-AUTORIA MEDIATA. (nosso grifo) DOSIMETRIA DA PENA. SUBSTITUIÇÃO DA SANÇÃO PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS ALTERNATIVAS. 1. Os crimes definidos no art. 1º da Lei nº 8.137/90 são de resultado, sendo a decisão definitiva do processo administrativo condição de tipicidade do delito. 2. Sendo incerta a existência dos resultados advindos das condutas cuja prática é imputada ao réu (supressão ou redução de tributo), haja vista a ausência do necessário requisito de tipicidade, não há como prosperar a imputação feita ao réu no que tange ao delito previsto no art. 1º, inc. I, da Lei nº 8.137/90, em face da falta de justa causa. Extinção do processo sem julgamento do mérito quanto ao delito contra a ordem tributária que se impõe em face de ausência de obrigatória condição objetiva de tipicidade do crime (art. 43, inc. III, do
35
CPP). 3. Demonstrada a remessa ao Paraguai de numerário previamente depositado em conta de "laranja" e posteriormente transferido para conta CC5 de casa de câmbio daquele país, resta comprovada a ocorrência do delito de evasão de divisas previsto no art. 22, parágrafo único (promoção de saída de moeda, sem autorização legal, para o exterior), da Lei nº 7.492/86. 4. Esgotada a potencialidade lesiva da sonegação de informação - e a conseqüente indução em erro da autoridade competente - nas condutas praticadas para se alcançar a evasão de divisas, é de ser reconhecida a absorção do delito de indução de repartição pública competente em erro por sonegação de informações (art. 6º da Lei nº 7.492/86) pelo delito de evasão de divisas (art. 22, parágrafo único, da mesma lei). 5. Fixada a pena privativa de liberdade aquém do limite de 04 (quatro) anos estabelecido no art. 44 do Código Penal, bem assim preenchidos todos os demais requisitos elencados no mesmo dispositivo legal (à exceção da culpabilidade desfavorável ao réu), a aplicação de reprimendas alternativas é suficiente resposta estatal para a reprovação e prevenção do crime.
17
1603051301 - EMBARGOS INFRINGENTES - PENAL E PROCESSO PENAL - CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO MEDIANTE FRAUDE - AUTORIA DO FALSUM - IRRELEVÂNCIA - MANDATÁRIO DA EMPRESA - AUTOR MEDIATO - DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO - CRIME CARACTERIZADO - 1. Responsabilidade do embargante como incurso nas sanções do art. 19, parágrafo único, da Lei dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, dado que agiu com dolo eventual, ao permitir o envio da CND falsificada por fax ao agente financeiro, o que propiciou a indevida liberação do financiamento junto ao BNDES, sendo irrelevante a autoria da contrafação. 2. Caracterizada a autoria mediata, assim compreendido como sendo o agente que não tem, propriamente, o domínio do fato, mas sim o da organização.
18
Nas decisões acima, os tribunais analisaram a Teoria Mediata, sendo na
primeira aplicada quando ocorre a absolvição parcial em relação ao crime previsto
art. 1º, inc. I, da Lei nº 8.137/90, tendo em vista a ausência de condição objetiva
para a tipicidade.
17 (TRF4, ACR 2004.04.01.017037-0, Sétima Turma, Relator Sebastião Ogê Muniz, D.E.
02/12/2009) 18
(TRF-4ª R. - Proc. 2001.70.09.001504-1 - 4ª S. - Rel. Des. Fed. TadaaquiHirose - DJe
23.07.2007 )
36
Na segunda ocorre o enquadramento total da Teoria Mediata, pois tem o
agente o domínio da organização de forma a gerir os atos empresariais.
Porém conforme citado na segunda decisão, não podemos indicar a autoria
mediata sem analisarmos a teoria do domínio do fato, vez que na teoria do
domínio do fato o autor tem o controle também sobre o modo que os atos vão
ocorrer, mesmo que seja por omissão.
Segundo Rogério Greco autor é aquele "que tem o poder de decidir se irá
até o fim com o plano criminoso, ou, em virtude de seu domínio sobre o fato, isto
é, em razão de ser o senhor de sua conduta, pode deixar de lado a empreitada
criminosa".19
Assim, faremos um exame mais aprofundado do que realmente é a Teoria
do Domínio do Fato, em sua vertente dogmática e jurisprudencial, bem como a
sua atual aplicabilidade.
Lembramos ainda da existência de uma subdivisão da Teoria Mediata que
seria o autor em último lugar, ou seja, aquele que realmente realizou a conduta.
Porém tal teoria é pouco aplicada.
O pensamento é que a imputação penal dever ser indicada a pessoa física
que concretizou o fato, que deu origem ao crime. Incidindo assim sobre o
executor do fato material, não abrindo vertente para discussão da
responsabilidade de qualquer outro individuo.
Entretanto tal critério merece apontamentos negativos devido à falta de
justiça, vez que normalmente quem executa está no padrão mais baixo da
empresa. Outrossim, é um critério imperfeito, pois além de injusto é imoral, pois
no âmbito das atividades empresariais, o domínio se concentra nas pessoas que
comandam a pessoa jurídica, os gestores das instituições financeiras.
19
GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 4 ed. Rio de janeiro: Impetus, 2004.
37
3 – TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO
Segundo a Teoria do Domínio do Fato os dirigentes da sociedade teriam o
dever, teoricamente, de fiscalizar e controlar todos os fatos que acontecem ao seu
redor, bem como praticados longe de suas vistas.
Contudo, atos realizados por seus funcionários são de sua
responsabilidade, pois devem conduzir de forma idônea e legalista seus
empreendimentos, bem como seus funcionários, ou seja, com base nessa
argumentação a imputação nestes casos só poderia ser considerada objetiva,
questão de risco que discutiremos posteriormente.
A título de exemplo os Tribunais vêm há um bom tempo colocando em
pratica tal entendimento, conforme demonstra a jurisprudência de praticamente
uma década, a seguir apresentada.
DIREITO PENAL. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA. CARACTERIZAÇÃO DA AUTORIA. TEORIA DO DOMÍNIO FINAL DO FATO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º DA LEI 8137-90). UTILIZAÇÃO DE NOTA FISCAL FALSA. I As instâncias penal e administrativa são, a princípio, autônomas, inexistindo, para a persecutio criminis condição de procedibilidade ou questão prejudicial decorrente do disposto no art. 83 da Lei n.º 9.430-96. II Está comprovada a autoria do delito se o agente, embora não tenha realizado os núcleos da conduta típica, dispunha do domínio final do fato, vale dizer, da disponibilidade da decisão sobre a consumação ou o cometimento do ilícito. III Se está caracterizada nos autos a intenção de reduzir o valor do tributo devido por meio da utilização de notas fiscais falsas, demonstrados estão o especial fim de agir e a materialidade, necessários para a configuração do crime contra a ordem tributária (art. 1º da Lei 8137-90). IV Desprovimento dos recursos.
20
1400578230 - CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - PRELIMINARES REFUTADAS - EMISSÃO E NEGOCIAÇÃO DE TÍTULOS SEM LASTRO - NORMA PENAL CARENTE DE INTERPRETAÇÃO - GESTÃO FRAUDULENTA - CARACTERIZAÇÃO AUTÔNOMA DAS CONDUTAS - CONCURSO MATERIAL - ART. 5º DA LEI 7.492/86 - ALCANCE - AUTORIA - CRIME PRATICADO POR ESTRUTURA
20
(TRF-2 - ACR: 31102002.02.01.000931-4, Relator: Desembargador Federal ANDRÉ FONTES, Data de
Julgamento: 23/11/2004, SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJU - Data::06/05/2005 - Página::178)
38
DE ORGANIZAÇÃO - DOMÍNIO FUNCIONAL DE FATO (nossogrifo) E DEVER DE GARANTIA - CONTATO COM UMA FONTE DE PERIGO - APLICAÇÃO DA PENA - ART. 29 , § 1º DO CP - PROVIMENTO DO RECURSO DE DOIS APELANTES E PARCIAL PROVIMENTO DOS DEMAIS - 1. Se a denúncia narra que os denunciados administravam em iguais condições, a instituição, calcada que está nos documentos mínimos que mostram essa distribuição de funções, a confirmação dessa imputação é coisa que cabe ao âmbito do processo penal. Denúncia válida. Precedentes recentes do STF. Primeira preliminar rejeitada. 2. ... 7. Situação de perigo constatada, concretamente, na época dos fatos narrados na denúncia, haja vista tudo o que demonstram as análises técnicas e contábeis, confirmadas por testemunhas, relatórios e laudo pericial. Operações diversas e registros contábeis deficientes e não comprovados, que não foram capazes de encobrir a insuficiência de ativos e o consequente estado de "desenquadramento" da instituição. Irrelevância da publicação do quadro de credores mais de 10 (dez) anos depois de todo um trabalho de saneamento realizado em liquidação, pois o que se deve focar é a conduta e a lesão ao bem jurídico ao tempo dos fatos. Gestão fraudulenta comprovada. 8. Condutas bastante diferenciadas, durante o longo período descrito na denúncia, que comprometeram a liquidez da instituição de forma perigosa aos investidores e causando lesão a um grande número deles, consumando crimes distintos. Concurso material evidente. 9. O art. 5º, caput da Lei nº 7.492/86, contempla a conduta daquele que se apropria ou desvia dinheiro, título, valor, ou qualquer outro bem móvel, recebidos em depósito ou custódia. Elemento diferencial em relação ao art. 168 do CP. Doutrina. Hipótese de subsunção típica, que afasta conflito aparente de normas. 10. Aquele que atua como planejador de orçamento e encarregado de verificar as questões técnicas para a operação de entidade emissora de títulos de capitalização exerce parcela funcional para os fatos delituosos se prossegue, com consciência e vontade livres, atuando de acordo com as irregularidades verificadas. Ademais, ainda há proximidade com a fonte de risco - Presente na atividade da instituição financeira que captava a poupança popular em larga escala e atuando em estado de "desenquadramento". Condição de garantidor por dever contratual. Irrelevância do poder de mando, circunstância que apenas diferencia co-autores. 11. A subordinação de um dos concorrentes ao dono da empresa, é circunstância que não se confunde com a participação de menor importância, na medida em que até mesmo o subalterno pode atuar de forma bastante proeminente nos fatos delituosos. Aplicação do art. 29, § 1º do CP. 12. Recursos providos em relação a dois apelantes e parcialmente providos em
39
relação aos demais21
Não obstante a jurisprudência apresentada acima, podemos notar que
segundo entendimento também jurisprudencial mais atual e conservador dos
tribunais a teoria do domínio do fato continua a ser aplicada de forma substancial.
Porém, no tocante ao dirigente de maior poder hierárquico sem uma
demonstração mais persuasiva da conduta delituosa analisada de forma dedutiva,
invocada de maneira objetiva e normativa, não ocorre a exclusão dos demais
sócios em alguns casos que são comprovadas a ciência dos mesmos.
PENAL E PROCESSUAL PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. SONEGAÇÃO FISCAL. NOVA DEFINIÇÃO JURÍDICA DO FATO. USO DE DOCUMENTO FALSO. MATERIALIDADE. EXAME DE CORPO DE DELITO. CONCEPÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO (nosso grifo). INSUFICIÊNCIA DE PROVA PARA A CONDENAÇÃO. PROVIMENTO DA APELAÇÃO. 1. Não cabe falar, com proveito, em inépcia da denúncia depois da condenação, o que faz supor que a peça cumpriu a sua finalidade, tanto que o processo chegou ao seu fim natural. Inepta seria a peça cujo vício de narrativa fosse tão grave que impossibilitasse a defesa do acusado ou mesmo a própria prestação jurisdicional. 2. A fiscal (art. 1º, I e IV - Lei 8.137/90), ao fundamento denúncia imputou aos acusados a prática do crime de sonegação de que, na condição de representantes legais da empresa (nosso grifo), prestaram declarações falsas às autoridades fazendárias, utilizando-se de carimbo falso (em desuso desde 1993) de recebimento de declarações de contribuição e tributos - DCTF's, deixando, em consequência, de efetuar o pagamento de tributos na ordem de R$1.728.171,83. 3. A sentença desclassificou a conduta para uso de documento público falso (art. 304 - CP), sem a providência do art. 384 (CPP), afirmando que a simples omissão na entrega das declarações não configura sonegação fiscal (art. 1º, I Lei 8.137/90); que a omissão na entrega de DCTF's, em si mesma, não implica supressão ou redução de tributo; que a fiscalização não constatou nenhuma irregularidade nos registros contábeis da empresa; e que não houve declaração falsa com o intuito de suprimir ou reduzir tributo, visto que a falsificação de recibos de entrega de DCTF's não teria o condão ou o objetivo de suprimir ou reduzir tributo. 4. Dá-se que a denúncia não descrevera o crime autônomo de uso de
21
(TRF-2ª R. - ACR 1999.51.01.046687-8 - RJ - Rel. Juiz Abel Gomes - DJU 21.07.2006 - p. 185/186)
40
documento (público) falso, senão que os acusados prestaram Declarações de Contribuições e Tributos Federais - DCTF's com um timbre de recebimento que não era mais usado, conduta-meio para a sonegação fiscal; além do que as declarações, produzidas pela empresa, em formulários específicos, não seriam exatamente documentos públicos, aqueles produzidos, na forma prescrita em lei, por servidor público no exercício de suas atribuições. 5. Fosse a hipótese efetivamente de uso de documento (público) falso, crime autônomo fora das hipóteses de sonegação fiscal dos incisos I e IV do art. 1º da Lei 8.137/90, como entendeu a sentença, seria indispensável a prova técnica da falsidade material. O ônus da alegação incumbe a quem a fizer. Quando a infração deixa vestígios, é indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado (arts. 156 e 158 - CPP). 6. Não fora isso, a sentença absolveu nove dos acusados, representantes (sócios) da empresa, por falta de prova do exercício de função na área financeira da empresa, e condenou o apelante sem uma demonstração mais persuasiva da sua conduta típica, em termos de uso de documento falso, aferida apenas por dedução, com a invocação da teoria objetivo-normativa, pelo fato de ser o diretor que assinava os documentos elaborados pelo setor de contabilidade (domínio do fato) nosso grifo. 7. Provimento da apelação. Improcedência da ação penal.
22
Apesar de toda a demonstração acima de que os Tribunais ainda
entendem que o domínio do fato pode ser aplicado com amplas ressalvas, nos
últimos anos ocorreu uma pressão sobre os órgãos julgadores, os quais
começaram a usar tal teoria de forma banalizada como veremos a seguir.
22
(TRF-1 - ACR: 1391220044013600 MT 0000139-12.2004.4.01.3600, Relator:
DESEMBARGADOR FEDERALOLINDO MENEZES, Data de Julgamento: 04/02/2014, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.1280 de 28/02/2014)
41
3.1 – A DESVIRTUAÇÃO DA TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO
A Teoria do domínio do fato é amplamente aplicada em nossos tribunais,
entretanto de forma equitativa a cada caso, pois sendo o direito penal a última
ratio, não poderia o judiciário de forma discricionária aplicar tal princípio de
maneira a incorrer em erro, podendo até mesmo imputar responsabilidade ao
indivíduo que nada conspirou para o crime.
Ocorre que, mormente, tal teoria não é aplicada como único embasamento
para a condenação, sendo suscitado anteriormente princípios, como o da
presunção de inocência e o in dubio pro reu. Tais princípios acabam por si só,
muitas vezes auxiliando ou até mesmo concorrendo para a absolvição.
Na polêmica Ação Penal 470, popularmente conhecida como “Mensalão”,
sem entrarmos no mérito, sejam por questões políticas ou por questões de justiça,
na qual tanto se buscou a condenação dos réus - até mesmo por clamor midiático
- os ministros do STF buscaram legitimar suas argumentações a todo custo,
usando o princípio acima citado.
A Teoria do Domínio do Fato foi muito questionada, sob a argumentação
de que uma pessoa de alto cargo em uma instituição pode contribuir efetivamente
para um crime, mesmo que não tenha participado diretamente dos fatos, somente
pela posição de influência hierárquica que ocupa.
A fim de alcançar seus objetivos, essa pessoa configura como comparsa
no esquema, tendo intenção criminosa. Permitindo assim condenar o indivíduo
que não tenha vestígios concretos de participação nos fatos.
Tal desvirtuação no âmbito do direito penal perante o judiciário ocorreu
porque os ministros do STF usaram como ferramenta para fundamentar a
condenação do o ex-ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, por corrupção
ativa, já que sua implicação era apenas inferida por depoimentos e pela
sequência de fatos no tempo.
Essa atitude trouxe certo rebuliço perante os advogados, porque esses
operadores do direito afirmavam que tal fundamentação retirada de fora do país,
não era recepcionada pelo nosso ordenamento pátrio. Haja vista que facilita para
que ocorra a condenação sem provas.
42
Compartilharam da mesma opinião o revisor da ação, Ricardo
Lewandowski, e o ministro Dias Toffoli, por entenderem que o Supremo Tribunal
Federal estava condenando Dirceu apenas pelo alto cargo que ele ocupava.
Essa mitigação em favor de uma condenação divergente das amparadas
pelo direito brasileiro abriu um leque para que os juízes de primeira instância
comecem a condenar indiscriminadamente.
Para o ministro a época, Celso de Melo, “o fato é que os crimes de poder
são delitos de domínio e cuja prática justifica, sim, perfeitamente compatível com
o Código Penal Brasileiro, o domínio do fato.”
Apoiada tal tese também pelo então presidente do STF, Carlos Ayres
Britto, onde a Tese do Domínio do Fato é válida, mas sequer precisava ser
aplicada no julgamento da Ação Penal 470, pois os fatos estão todos bem
explicitados, indicando a culpa de cada réu.
Segundo o ex-Procurador Geral da República Roberto Gurgel, a teoria foi
levantada pelo tribunal porque não havia outras provas diretas do envolvimento
de Dirceu nos crimes denunciados, levando todo o processo a evidências
indiretas, porém que indicavam que o ex-ministro, sendo um dos comandantes do
PT (Partido dos Trabalhadores) e ocupando um cargo importante no governo
federal, tinha conhecimento dos crimes cometidos pelo Executivo.
O julgamento foi extremamente conturbado e rendeu desde discussões
informais até entrevistas e comentários de grandes juristas como Ives Gandra
para o Jornal Folha de São Paulo. Nela, Gandra relata que “o ex-Ministro José
Dirceu foi condenado sem provas. A Teoria do Domínio do Fato foi adotada de
forma inédita pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para condená-lo. Sua adoção
traz uma insegurança jurídica ‘monumental’: a partir de agora, mesmo um
inocente pode ser condenado apenas em presunções e indícios.”23
Assim podemos concluir que tal teoria, investigada e apresentada em
nossa pesquisa está associada a um infeliz processo de mitigação, vez que foi
desvirtuada, não nos deixando uma análise final sobre as consequências que
ainda virão ser apresentadas futuramente.
23
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/09/1345627-dirceu-foi-condenado-sem-provas-diz-ives-
gandra.shtml
43
4 – RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA GERAL
A responsabilidade penal objetiva surgiu no século XIII, quando ocorria a
44
punição dos indignos por parte da igreja, somente com a comprovação da
contribuição para o acontecimento de determinado resultado indesejado, dito
profano.
Conceituando-se assim como responsabilidade penal objetiva a conduta
praticada por um sujeito, que mesmo que não tenha agido com dolo ou culpa,
responde pelo resultado.
Para Guilherme Nucci a responsabilidade objetiva busca:
“ estabelecer o nexo de causalidade baseando-se na avaliação dos antecedentes do resultado sob a ótica do que possa ser considerado um comportamento juridicamente proibido e intolerável. Afinal, quem realiza conduta lícita não poderia ser incluído na relação de causalidade. O Direito Penal deve punir apenas condutas ilícitas e não as que forem lícitas, embora potencialmente danosas. Estas fazem parte do risco tolerado pela própria sociedade (...)A principal crítica da teoria reside justamente no fato de se afastar do nexo causal o sujeito que atuou dolosa ou culposamente, ainda que sob o manto da licitude aparente da conduta. Convém ressaltar que a imputação objetiva transcende as fronteiras do nexo causal, impondo-se como uma alternativa ao finalismo, consistindo parte do funcionalismo. Sob tal prisma, busca-se legitimar o Direito Penal com novos conceitos, muitos dos quais se ligam à pena e sua função, geralmente conectada à política criminal do Estado. No âmbito da conduta penalmente relevante, procura instituir parâmetros essencialmente normativos, estabelecendo critérios fundados no risco tolerado pela sociedade e no comportamento juridicamente proibido para haver imputação do resultado lesivo ao agente. Em nosso entendimento, a imputação objetiva é excessivamente condescendente com a política criminal estatal, o que pode provocar abusos e lesões a direitos individuais. Além disso, lastrear o critério da imputação sobre bases exclusivamente objetivas pode afastar a punição de partícipes, que agem dolosamente, em delitos graves, merecedores de compor o concurso de pessoas.
Ocorre que tal responsabilização contraria a doutrina do Direito Penal, pois
nosso Código Penal em sua maior parte adota a responsabilização subjetiva, vez
que o a aplicabilidade penal deve ser a ultima ratio e a aferição da
45
responsabilidade penal se dá a título de culpa ou dolo.
Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro tem resquícios de
responsabilidade penal objetiva. Percebemos tais resquícios na Lei n.º 9.605/98,
que prevê a responsabilidade penal das pessoas jurídicas e de seus
representantes, bem como nos crimes de rixa qualificada que atinge todos os
envolvidos, mesmo os que não tenham dado causa e também no latrocínio crime,
via de regra, preterdoloso, que pode, dependendo do caso concreto, ser de
responsabilidade objetiva ou subjetiva.
Levando em consideração a máxima versari in reillicita– “aquele que quis a
causa quis o efeito”, de certa forma é dar vida novamente a responsabilidade
objetiva que cada vez mais está sendo retirada do direito penal.
PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA CIRCUNSTANCIADA. INÉPCIA DA INICIAL. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECONHECIMENTO. 1. Cumpre ao acusador individualizar o comportamento típico, sob pena de enveredar pelos sombrios caminhos da responsabilidade penal objetiva, fazendo-se tábula rasa da garantia constitucional da ampla defesa. A mera circunstância de ser procurador de representante de pessoa jurídica não indica, per se, a aderência a suposto esquema delitivo. 2. Recurso a que se dá provimento para anular o processo, no tocante a CÉSAR AUGUSTO OURIQUE, a partir do oferecimento da denúncia, inclusive.
24
Assim, conforme disposto na análise, bem como no julgado apresentado,
percebemos o quão frágil e de que maneira repulsiva a responsabilidade penal
objetiva é tratada, tanto pelos operadores do direito, bem com pelos Tribunais. Tal
entendimento fica claro no Recurso de Habeas Corpus acima, onde a expressão
“sombrios caminhos da responsabilidade penal objetiva”, é empregada para
justificar a não aplicabilidade.
4.1 – RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA NOS CRIMES AMBIENTAIS
24 (STJ - RHC: 19218 MT 2006/0057960-6, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 13/08/2009, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/09/2009).
46
A responsabilidade penal objetiva nos crimes ambientais é de mais fácil
direcionamento e análise tendo em vista a Lei 9605/98 que trata de forma explicita
sobre tal possibilidade.
A citada lei tem a finalidade de imputar ao agente a pratica de um resultado
delituoso pelo fato do comportamento do mesmo gerar risco proibido e intolerável.
A lei ambiental em seu artigo 2º dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente:
Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la
Estabelecendo assim um dever legal para os indivíduos nela elencados,
que desempenhem as funções mencionadas quando relacionadas a assumir
riscos da atividade ou da omissão na pratica da mesma.
As pessoas jurídicas são garantidoras da integridade dos envolvidos e do
meio ambiente das suas atividades, sendo o omisso penalmente acusado quando
tem o dever especial de agir, a fim de evitar o resultado lesivo.
A imputação objetiva aos entes morais além de consolidada na Lei do Meio
Ambiente nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, também está presente na
jurisprudência de forma bem expressiva, conforme texto abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA ENTRE O RESPONSÁVEL DIRETO PELO DANO AMBIENTAL E O RESPONSÁVEL INDIRETO (PROPRIETÁRIO). CONCESSÃO DE PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. - Degradação do meio ambiente evidenciada. Responsabilidade objetiva e solidária entre o responsável direto pelo dano ambiental e o responsável indireto (proprietário). Descabimento da exclusão do promovido-apelado, ante omissão no seu dever de preservação da propriedade. - Responsabilidade pela adequação dos efluentes aos padrões de lançamento. Inteira responsabilidade do empreendedor, não podendo ser repassada à
47
Municipalidade, exceto com o consentimento da mesma. - Autorização, licença, registro, alvará e inscrição perante órgãos públicos competentes. Atos a serem expedidos pela Administração, dos quais os demandados-recorridos somente participam ao requerê-los e ao instruí-los com os elementos necessários. Atos, portanto, a serem praticados por terceiros. - Pleitos autorais parcialmente procedentes. Respondem os réus-apelados pelas custas e demais despesas processuais, por aplicação do princípio da sucumbência, visto que o Parquet restou vencido em parte mínima do pedido. - Condenações a serem cumpridas no prazo de 90 dias, contados da publicação do acórdão, sob pena do pagamento de multa diária no importe de R$ 130,00. - Provimento parcial ao apelo, no sentido de reformar, em parte, a sentença atacada.
25
Considerando o foco de nossa pesquisa ser afeto ao tema pessoa jurídica,
podemos examinar o artigo 3º, da Lei 9.605/98, que discorre sobre a
responsabilização (nosso grifo) administrativa, civil, e penal, nos casos em que a
infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou
de seu órgão colegiado, no interesse ou beneficio de sua entidade, destacando
em nosso estudo que tal artigo trata da responsabilidade subjetiva, e não da
objetiva destarte a do artigo 2º.
Deve-se reconhecer que tal disposição não estabelece a pessoa jurídica
como autora do crime, mas apenas responsável por sua consumação e efeitos.26
Assim, para que ocorra a responsabilização da pessoa jurídica usamos a
teoria do delito somente para identificar a autoria do crime naquele que exerce
atividade em nome do ente moral.
“A responsabilidade da pessoa física é subjetiva, pois se deve aplicar a teoria do delito com suas exigências de natureza subjetiva. A responsabilidade da pessoa jurídica, no entanto, decorre da relação objetiva que a relaciona ao autor do crime.”
27
Em reflexão, o ente moral unitariamente é considerado para a
responsabilidade penal, sob os requisitos de ordem objetiva, entretanto só se
25
(TJ-PE - AC: 50826 PE 98001770, Relator: Antenor Cardoso Soares Junior, Data de
Julgamento: 17/11/2009, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 129) 26
SIRVINKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2002.
27 ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 2002.
48
responsabilizando quando ocorrer interferência de pessoa física; pessoa essa que
em sua conduta dispõe de aspectos de natureza subjetiva.
Destacando ainda que para a responsabilização da pessoa jurídica não
existe a necessidade de responsabilizar a pessoa física de forma tangível, vez
que a mesma pode não ter cometido um fato típico ou ter praticado tal conduta
sem culpabilidade.
49
5 – RESPONSABILIDADE PENAL SUBJETIVA
A imputabilidade penal, praticamente em todos os casos, é aferida de
forma subjetiva, ocasião em que será realizada a averiguação de dolo e culpa
emanada da vontade do indivíduo ou ente moral.
Ocorre que nos casos de pessoas jurídicas é de muito difícil a análise,
considerando o elevado número de órgãos de comando que integram as
empresas.
Se uma pessoa física responde em nome da jurídica materializando a sua
vontade por meio de decisão coletiva, pode-se considerar que os atos praticados
foram exteriorizados pela própria pessoa jurídica, que nesse caso tem
responsabilidade direta.
Entretanto, se as responsabilidades dos atos forem decorrentes de
condutas da pessoa física de forma autônoma, independente e emancipada, a
pessoa jurídica responderá por fato de outrem de forma indireta, pois mantém
vínculo jurídico, a responder mesmo não tendo agido com vontade própria.
A responsabilidade do ente moral depende de ato materializado e culposo
da pessoa física, reproduzindo a responsabilidade da pessoa física a pessoa
jurídica a ela vinculada, uma responsabilidade reflexa, pois é espelho da vontade
coletiva deliberada pelos dirigentes do ente moral.
Ora, a responsabilidade subjetiva depende inevitavelmente de culpa ou
dolo (e esses elementos são decorrentes da vontade do indivíduo). Como a
pessoa jurídica é representada por seus dirigentes eles expressam a vontade do
ente moral via deliberações coletivas, podemos aferir a responsabilidade
subjetiva.
Mesmo que tal conduta seja praticada por pessoa jurídica o delito pode ter
sido potencialmente lesivo aos bens jurídicos de forma espontânea e discernida.
Sendo de fácil constatação a conduta a ser punível em desfavor do ente
moral, vez que a responsabilidade pelo fato praticado pela pessoa física foi em
nome e benefício da empresa.
50
6 – RESPONSABILIDADE DO DIRIGENTE QUANDO DA OMISSÃO
Os diretores de empresas, devido a suas atribuições, podem ser
responsabilizados penalmente por omissão no caso de não evitarem
determinados delitos, cometidos por terceiros sob sua supervisão, delitos esses
que tinham conhecimento, mas preferiram se abster de providências que
impedissem a consumação.
Ocorre muitas vezes a não observância/reação dos dirigentes sob seus
subordinados quando os mesmos cometem erros e condutas delituosas que
teoricamente não atingiriam a empresa decorre, muitas vezes, do desinteresse
desses administradores.
O dirigente é um garante/protetor da empresa, pois seus funcionários estão
limitados a responder no limite da proteção, e determinadas condutas delituosas
não ultrapassam as barreiras dessa proteção, para não onerar o empregado que
é hipossuficiente na relação.
Contudo, a mera desaprovação jurídica do resultado não configura a
punibilidade, pois segundo Roxin28 existe a necessidade de um ato injusto, ou
seja, para ele não é possível assumir uma “infração objetiva do dever” que não
implique “lesão do dever de cuidado”29
28 Roxin: AT. Band II., 2003, pp. 778 ss. 29 Ibidem, p. 779.
51
7 – A NECESSIDADE OU NÃO DA DUPLA IMPUTAÇÃO
A partir do permissivo legal constitucional do artigo 225 § 3º e da lei
9.605/98 ficou disposta a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Entretanto
existe uma questão divergente no tema em relação à necessidade da dupla
imputação ou não, ou seja, se é necessário a presença de uma pessoa física
juntamente com a jurídica para que possa ocorrer a imputação.
Em um primeiro momento, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça
em relação a esse conflito sobre a inclusão no polo passivo da ação penal da
pessoa física e da pessoa jurídica correspondente, é no seguinte sentido:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ART. 38, DA LEI N.º 9.605/98. DENÚNCIA OFERECIDA SOMENTE CONTRA PESSOA JURÍDICA. ILEGALIDADE. RECURSO PROVIDO. PEDIDOS ALTERNATIVOS PREJUDICADOS. 1. Para a validade da tramitação de feito criminal em que se apura o cometimento de delito ambiental, na peça exordial devem ser denunciados tanto a pessoa jurídica como a pessoa física (sistema ou teoria da dupla imputação). Isso porque a responsabilização penal da pessoa jurídica não pode ser desassociada da pessoa física - quem pratica a conduta com elemento subjetivo próprio. 2. Oferecida denúncia somente contra a pessoa jurídica, falta pressuposto para que o processo-crime desenvolva-se corretamente. 3. Recurso ordinário provido, para declarar a inépcia da denúncia e trancar, consequentemente, o processo-crime instaurado contra a Empresa Recorrente, sem prejuízo de que seja oferecida outra exordial, válida. Pedidos alternativos prejudicados.
30
Ou seja, a priori o STJ entende que existe a necessidade da dupla
imputação, não podendo ser desvinculada da pessoa física, sob pena de
inadequação com os preceitos legal constitucional acima referidos.
30
(STJRelator: Ministra LAURITA VAZ, RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 37.293 - SP (2012/0049242-7) Data de Julgamento: 02/05/2013, T5 - QUINTA TURMA)
52
Ocorre que em recente decisão do Supremo Tribunal Federal, no RE n.º
548.181, foi reconhecida pela Ministra Rosa Weber acompanhada pelos Ministros
Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli, sendo votos vencidos dos Ministros Marco
Aurélio e Luiz Fux, que a ação penal pode tramitar em face somente da pessoa
jurídica, sem necessidade de figurar no polo passivo o representante legal da
empresa.
EMENTA AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO À IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO DA PESSOA FÍSICA. Tese do condicionamento da responsabilização penal da pessoa jurídica à simultânea identificação e persecução penal da pessoa física responsável, que envolve, à luz do art. 225, § 3º, da Carta Política, questão constitucional merecedora de exame por esta Suprema Corte. Agravo regimental conhecido e provido.
31
Tal decisão discute o trancamento de ação penal envolvendo a Petrobrás,
acusada de crime ambiental decorrente de poluição de curso d’água localizados
no Estado do Paraná.
Segundo a Ministra Relatora, Rosa Weber, não se sustenta a
jurisprudência firmada no Superior Tribunal de Justiça, vez que a adoção da teoria
da dupla imputação no caso concreto pode levar a impunidade.
Isso ocorre porque ao condicionar a responsabilização penal da pessoa
jurídica à existência no polo passivo de uma pessoa física, acaba-se por frustrar o
prosseguimento da demanda, pois nem sempre se pode identificar a pessoa
natural que agiu de forma ilícita.
Sendo assim percebemos que houve rompimento, pelo STF, do
entendimento pacificado pelo STJ, em relação da necessidade ou não da dupla
imputação. Contudo devemos aguardar futuras decisões a respeito do assunto,
dada a não unanimidade do entendimento.
31
(STF)Relatora : MIN. ROSA WEBER. AG .REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 548.181 PARANÁ Data de julgamento: 14/05/15
53
CAPÍTULO 3
1 – A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURIDICA DE DIREITO
PUBLICO
Após a discussão e análise da responsabilidade penal da pessoa jurídica
em si, não podemos fechar tal pesquisa sem nos debruçar na responsabilidade
penal da pessoa jurídica de direito público, vez que tal questionamento está
inerente ao tema.
As pessoas jurídicas de direito público interno são os entes estatais:
estados, municípios, Distrito Federal, autarquias, fundações; já as de direito
público externo são: os estados estrangeiros, as comunidades internacionais e
todas as pessoas regidas pelo direito internacional público a que a lei empresta
personalidade, tendo capacidade de serem sujeitos de direitos e obrigações, de
atuar na vida jurídica com personalidade distinta da dos indivíduos que as
configuram.
O que caracteriza a pessoa jurídica de direito público é o princípio da
supremacia do interesse público sobre o privado que elas devem perseguir em
suas atividades.
Ressaltamos que conforme a delimitação dos tipos de pessoa jurídica de
direito público, nosso estudo terá foco somente nas pessoas jurídicas de direito
público interno, com direcionamento predominante nos entes federados.
A priori o artigo 173, § 5º da Constituição da República dispõe sobre a
responsabilidade dos entes morais nos delitos contra a ordem econômica e
financeira, sujeitando-os às punições compatíveis com a sua natureza.
Assim, considerando que ocorrem muitos crimes contra a ordem
econômica, hoje de forma estampada e contestada na mídia32, sendo que muitos
destes advindos da própria administração pública, existe uma necessidade de
aferir e imputar à pessoa jurídica de direito público a prática de tais condutas a fim
de reparar os danos causados.
32
Amplamente noticiado todos os dias nos meios de comunicação. Disponível em
<http://www.dm.com.br/opiniao/2015/04/sombras-da-historia-editorial-por-batista-custodio.html>
isualizado em 04/05/2015.
54
Tal necessidade reflete na lei penal-constitucional que regulamenta o tema,
bem como na doutrina e jurisprudência produzida no país, que por sua vez é
bastante divergente, pois ainda não apreciou a questão do ente público ser
penalmente punido, somente o dirigente, conforme jurisprudências abaixo:
EMENTA Inquérito. Utilização indevida, em proveito próprio ou alheio, de rendas públicas (art. 1º, II, do Decreto-lei nº 201/67). Imputação a prefeito municipal. Alegação de inépcia da denúncia e de ilegitimidade passiva. Preliminares rejeitadas. Falta de justa causa para a ação penal. Caracterização. Inexistência de suporte probatório mínimo a amparar a imputação. Prefeito que se limitou a celebrar convênio com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) para a construção de módulos sanitários. Licitação realizada pela Secretaria Municipal de Infraestrutura, que firmou o contrato de empreitada, realizou as medições de obra e todos os pagamentos à contratada. Subordinação hierárquica da Secretaria Municipal ao Prefeito que não gera, por si só, a responsabilidade desse último (...) Falta de aquiescência formal da convenente à redução de metas e inércia do Prefeito em prestar as contas inicialmente exigidas. Não estabelecimento de sua responsabilidade penal, uma vez que as obras foram realizadas e não há prova idônea de utilização indevida ou de desvio de verba. Pretendida responsabilização criminal do Prefeito por supostamente ter atestado a execução integral das obras e serviços previstos no Convênio. (...) 9. Ação penal julgada, desde logo, improcedente (art. 6º da Lei nº 8.038/90).
33
EMENTA Ação Penal. Ex-prefeito municipal. Atual deputado federal. Dispensa irregular de licitação (art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93). Dolo. Ausência. Atipicidade. Ação penal improcedente. 1. A questão submetida ao presente julgamento diz respeito à existência de substrato probatório mínimo que autorize a deflagração da ação penal contra os denunciados, levando-se em consideração o preenchimento dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não incidindo qualquer uma das hipóteses do art. 395 do mesmo diploma legal. 2. As imputações feitas na denúncia aos ora denunciados foram de, na condição de prefeito municipal e de secretária de economia e finanças do município, haverem acolhido indevidamente a inexigibilidade de
33
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULGADO 29-10-2014 PUBLICADO 30-10-2014 Inq 3719 DF Relator(a): Ministro Dias Tófoli Julgamento em 12/08/2014. Disponível em
<http://www.stf.jus.br/> Visualizado em 06/05/2015 (Na íntegra anexo)
55
procedimento licitatório para a contratação de serviços em favor da Prefeitura Municipal de Santos/SP. 3. Não se verifica a existência de indícios de vontade livre e conscientemente dirigida por parte dos denunciados de superarem a necessidade de realização da licitação. Pressupõe o tipo, além do necessário dolo simples (vontade consciente e livre de contratar independentemente da realização de prévio procedimento licitatório), a intenção de produzir um prejuízo aos cofres públicos por meio do afastamento indevido da licitação. 4. A incidência da norma que se extrai do art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93 depende da presença de um claro elemento subjetivo do agente político: a vontade livre e consciente (dolo) de lesar o Erário, pois é assim que se garante a necessária distinção entre atos próprios do cotidiano político-administrativo e atos que revelam o cometimento de ilícitos penais. A ausência de indícios da presença do dolo específico do delito, com o reconhecimento de atipicidade da conduta dos agentes denunciados, já foi reconhecida pela Suprema Corte (Inq. nº 2.646/RN, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 7/5/10). 5. Denúncia rejeitada. Ação penal julgada improcedente.
34
Todavia, para os que defendem a não responsabilização das pessoas
jurídicas de direito público, tal imputação é inapropriada devido à distinção
existente entre a natureza jurídica desta e as de direito privado, pois o ente moral
de direito público não tem a finalidade de lucro, não podendo auferir proveito ou
benefício da conduta ilícita.
Segundo Edis Milaré, procurador de justiça aposentado, e consagrado
jurista, entre as lides ambientais:
“Não é possível responsabilizar as pessoas jurídicas de direito público, certo que o cometimento de um crime jamais poderia beneficiá-las e que as penas a elas impostas ou seriam inócuas ou, então, se executadas, prejudicariam diretamente a própria comunidade beneficiária do serviço público.”
35
34 ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 28-08-2014 PUBLIC 29-08-2014 Inq 2616 SP,/ SP Relator(a): Ministro Dias Tófoli Julgamento em 29/05/2014. Disponível em <http://www.stf.jus.br/> Visualizado em 06/05/2015
35 Foi o criador da Coordenadoria das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente junto ao
Ministério Público do Estado de São Paulo, em 1985, durante o Governo Franco Montoro. Sua atividade em prol do Meio Ambiente no Ministério Público, além de pioneira, formou escola e serviu de referência praticamente para todos os Estados da Federação Brasileira. Foi Édis Milaré quem, na prática, redigiu o anteprojeto de lei da Ação Civil Pública (Lei 7347/85) e dos direitos difusos, instituto que tem revolucionado a prática do Direito na defesa dos interesses transindividuais. Foi um dos principais colaboradores para a redação do Capítulo VI da Constituição Federal do Brasil, de 1988, precisamente a matéria que, dentro da Ordem Social, rege o tratamento do Meio Ambiente em termos de cidadania e política ambiental. Sua vivência
56
Outra questão levantada pelos oposicionistas da aplicação da
responsabilidade penal as pessoas de direto público é o jus puniendi, ou seja, o
poder/dever monopolizado do Estado de punir. Pois como o Estado que é
responsabilizado por punir os infratores, como poderia pretender punir a si
mesmo.
Porém tal argumento com base no próprio preceito da separação dos
poderes pode ser analisado de forma diversa, vez que é perfeitamente possível a
criação de sanções pelo Estado-legislador e aplicação destas ao Estado-
administrador pelo Estado-juiz.
Entretanto ao não punir a pessoa jurídica de direito público, estaríamos
ferindo o princípio da isonomia, tendo em vista que a punição é aplicada a pessoa
jurídica de direito privado.
Outro entendimento é que o Estado não pode ser responsabilizado, pois
busca é a realização do interesse público e, ao punir o Estado, a sociedade
consequentemente estaria sendo punida.
Punição esta que ainda seria casuisticamente aplicada de forma dupla, vez
que a sociedade foi lesada com a conduta contraria ao seu interesse e a
coletividade sofreria também com os reflexos da punição.
Além disso, quando aplicada pena de multa, o pagamento seria revertido
teórica e prática de temas ambientais levou-o à Secretaria de Estado do Meio Ambiente, do Governo do Estado de São Paulo, da qual foi titular desde julho de 1992 até janeiro de 1995. Nessa mesma época foi Presidente da Comissão de Juristas, instituídos pelo Governo do Estado de São Paulo, com a finalidade de elaborar o Anteprojeto do Código Ambiental Nacional (Decreto nº 34.850 de 05.06.1993, com as alterações do Decreto nº 39.684, de 15.12.1994).Ainda em funções de relevo na Gestão Ambiental, ÉdisMilaré foi Presidente da Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo (Fundação Florestal), de janeiro de 1995 a agosto de 1997. Além das atividades em Gestão Ambiental, Milaré tem desenvolvido atividades docentes e de conferencista requisitado para debater temas ambientais. É docente no “Curso de Especialização em Interesses Difusos e Coletivos” (área de Direito do Ambiente), do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Fundacional do Ministério Público do Estado de São Paulo. É docente, também, no Curso de pós-graduação lato sensu – especialização em Direito Ambiental, da Faculdade de Saúde Pública / Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Núcleo de Informações em Saúde Ambiental). É frequentemente convidado para cursos de extensão e seminários em vários Estados. Na produção intelectual, ÉdisMilaré ocupa lugar de destaque. É fundador e Diretor da Revista de Direito Ambiental, desde 1995. Entre os livros da sua lavra impõem-se: A Ação Civil Pública e a Tutela Jurisdicional dos Interesses Difusos (1984) - A Ação Civil Pública na Nova Ordem Constitucional (1990) - Legislação Ambiental do Brasil (1991) – Estudo Prévio de Impacto Ambiental (1993) ––. O seu Direito do Ambiente, com duas edições em menos de um ano, vem sendo muito adotado, graças à solidez da doutrina e à experiência vivenciada de seu autor. São muitos os artigos seus publicados em revistas especializadas no Brasil e no Exterior, material esse consagrado por incontestável aceitação.
57
ao próprio Estado, sendo configurada somente uma transferência de créditos
orçamentários para distintos órgãos da própria administração.
Entretanto, o fenômeno da irresponsabilização total do ente público em
todos os ramos do direito já existiu, o “The King can do no wrong” (o rei não pode
errar), tal máxima caiu, pois hoje existe a responsabilização do ente moral estatal
na esfera civil e administrativa.
Contudo, quando temos a aplicação de penas restritivas, como suspensões
parciais ou totais de atividades, proibições de fazer convênios, interdições e
proibições de continuação de obras, quem infelizmente é atingido e sofre com tais
medidas é a própria sociedade, além, é claro, de ferir o princípio constitucional da
continuidade dos serviços públicos.
Assim, segundo Paulo Afonso Machado:
“A Administração Pública direta como a Administração indireta podem ser responsabilizadas penalmente. A lei brasileira não colocou nenhuma exceção. Assim, a União, os Estados e os Municípios, como as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as agências e as fundações de Direito Público, poderão ser incriminados penalmente. O juiz terá a perspicácia de escolher a pena adaptada à pessoa jurídica de direito público...”
36
Contudo para Araújo:
“a pessoa jurídica de direito público não poderá responder eis que só podem perseguir fins que se conciliem com o interesse público e, portanto qualquer desvio deverá ter como responsável somente o seu administrador. O mesmo raciocínio se desenvolve no caso de descentralização do poder público, ou melhor, com os membros da administração indireta.”
37
Neste sentido, os entes públicos só podem praticar atos condizentes com o
interesse público. Se atos contrários a tal interesse forem praticados haverá
desvio de finalidade por parte do gestor público, este que por sua vez deverá ser
responsabilizado civil e criminalmente.
36
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2006. 37
ARAÚJO, M. M. de. Responsabilidade penal ambiental da pessoa jurídica: novas reflexões. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. s.d. Disponível em: <http:// www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 27 de Março de 2015.
58
Outrossim, diante das divergências sobre a possibilidade ou não da
imputação penal a pessoa jurídica de direito público, bem como a possibilidade de
tal conduta ser desviada a pessoa física do administrador vamos examinar tal
perspectiva.
59
2 – A RESPONSABILIDADE PENAL DO DIRIGENTE DA PESSOA JURIDICA
DE DIREITO PUBLICO
Em um exame da responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito
público de forma análoga a responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito
privado, podemos indagar a responsabilidade dos dirigentes do ente moral
estatal.
Com base no artigo 173, § 5º da Constituição Federal de 1988:
“A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.”
Assim podemos perceber que o legislador constituinte, ao criar tal
dispositivo legal, tinha a intenção de expressar que tanto a pessoa jurídica de
direito privado ou público, quanto os seus dirigentes, podem ser imputados
penalmente.
Quando tratamos da questão da responsabilidade civil dos dirigentes
vislumbramos de forma mais clara, isso acontece porque ela não tem o peso que
a responsabilidade penal representa quando disposta.
Conforme posicionamento jurisprudencial:
PENAL - APROPRIAÇÃO INDEBITA - CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIARIAS - PREFEITO MUNICIPAL - ATIPICIDADE DA CONDUTA - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - DEPOSITARIO INFIEL - ABOLITIO CRIMINIS - INOCORRENCIA. - INEXISTE A ALEGADA ABOLITIO CRIMINIS PELA SUPERVENIENCIA DA LEI 8.866/94, QUE DISPÕE SOBRE A PRISÃO DO DEPOSITARIO INFIEL DE VALORES PERTENCENTES A FAZENDA PÚBLICA, POSTO QUE, DANDO, SUPOSTAMENTE, TRATAMENTO MAIS BENEFICO QUE A LEI PENAL, TAL DISPOSITIVO NÃO DESCRIMINALIZOU A CONDUTA PREVISTA NO ART. 95, D, DA LEI 8.212/91. - O PREFEITO MUNICIPAL NÃO PODE SER SUJEITO ATIVO DO CRIME DE APROPRIAÇÃO INDEBITA, PELO NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIARIAS DESCONTADAS DOS SERVIDORES. - A RESPONSABILIDADE DE
60
PREFEITO MUNICIPAL SO SE CARACTERIZA, SE COMPROVADO O DESVIO DA VERBA PARA PROVEITO PESSOAL. - ATIPICIDADE DA CONDUTA. (nosso grifo) - PRECEDENTES. - RECURSO NÃO CONHECIDO.
38
Apesar do direito pátrio aceitar o reconhecimento da incidência da
responsabilidade objetiva sobre as pessoas jurídicas de direito público e as de
direito privado que prestam serviços público, conforme art. 37 § 6º da CF, é
indiscutível que a responsabilidade somente recai sobre o agente que
efetivamente praticou o ato.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as
de direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito
de regresso contra o responsável nos casos de dolo
ou culpa (grifo nosso).
Não cogitamos assim a responsabilização do administrador de forma
objetiva, pois o dolo, a culpa e, principalmente, a vontade devem ser levados em
consideração para a mitigação do dever jurídico relacionado aos bens e direitos
públicos.
Se temos que levar em consideração a culpa em sentido amplo, ou seja,
dolo e culpa em sentido estrito, estamos claramente nos referindo à
responsabilidade subjetiva.
Nesta questão ocorre que os administradores públicos estão inseridos na
pragmática da responsabilização penal ou não com base em seu comportamento,
38
(STJ - REsp: 118050 RN 1997/0007243-6, Relator: Ministro CID FLAQUER SCARTEZZINI, Data de Julgamento: 27/10/1997, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 15.12.1997 p. 66483 RT vol. 750 p. 585)
61
com intuito de auferir rendimentos para seu próprio patrimônio ou a terceiros de
seu interesse.
Como tal alusão é muito antiga, já dispunha Aristóteles “nem sempre se
está de acordo se devemos imputar os fatos ao estado ou aos que governam”. 39
Assim, mormente podemos perceber que muitos administradores públicos
são imputados penalmente, quando ocorre a comprovação da má administração
do gestor, desconfigurando uma responsabilidade penal da pessoa jurídica e
configurando a improbidade administrativa do dirigente estatal.
2.1 IMPROBIDADE ADMINISRATIVA
O Estado é conduzido por normas de direito administrativo, mas quando
ocorre o cometimento de ilícitos no âmbito estatal, pode ficar perfeitamente sujeito
ao direito penal e suas formas de punir, mesmo sendo detentor do jus puniendi.
Isso ocorre quando, por exemplo, os dirigentes são punidos nos “crimes do
colarinho branco” ou os “crimes contra a Administração Pública”, em virtude da
natureza do ente estatal.
De maneira geral, existe a possibilidade da responsabilização penal dos
dirigentes das pessoas jurídicas, como previsto na Lei das Sociedades Anônimas.
A Lei 6.404/76 em seu artigo 158 discorre sobre a não responsabilização
dos seus administradores, desde que os mesmo realizem seus atos comedidos
dentro de suas atribuições não infringindo lei ou estatuto.
Assim sendo, percebemos que tal dispositivo não restringe a
responsabilização do administrador, desde que o mesmo tenha agido de forma
extensiva a suas atribuições. É o que verifica no dispositivo, in verbis:
Art. 158. O administrador não é pessoalmente
responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão;
39Cf. ARISTÓTELES. A política. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 41.
62
responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II - com violação da lei ou do estatuto.
3 – PARECER SOBRE A APLICAÇÃO PRATICA DENTRO DOS ORGÃOS
PUBLICOS
63
O ilustre parecer de nº. 001/2015/EF/wfms referente ao protocolo nº.
0013979-263/2015 foi elaborado pela Procuradora Municipal Weruska Fernanda
Mello Bócoli, e mesmo que sem grandes surpresas, esclarece o ponto de vista da
procuradoria do município.
PARECER JURÍDICO nº 001/2015/EF/wfms
Poços de Caldas, 07 de maio de 2015.
REFERÊNCIA: Protocolo n°0013979-263/2015
Requerente: Pamela Stefania da Silva Leite.
Trata-se de parecer jurídico referente à Responsabilidade
Penal da Pessoa Jurídica de Direito Público com o questionamento para fins
acadêmicos da Requerente Pamela Stefania da Silva Leite de como é a atuação
dos Procuradores Municipais em defesa do Município de Poços de Caldas diante
do assunto.
Ante ao questionamento, passo às considerações.
Inobstante a existência de argumentos favoráveis à
responsabilização penal dos entes federativos, a Procuradoria Geral do Município,
por intermédio de seus Procuradores Municipais, em especial pelo entendimento
desta signatária, defende a tese de que as pessoas jurídicas de direito público
não podem ser responsabilizadas penalmente porque a aplicação de sanções
criminais em face dos entes federativos revela-se inviável e pode trazer na
realidade maiores prejuízos à própria coletividade que é representada pelos
alusivos entes.
64
Vale ressaltar que entes públicos não exercem direitos em
sentido específico, mas somente funções e competências em atenção ao bem
geral e ao interesse público comum.
Neste raciocínio percebemos a total inviabilidade da
responsabilização do ente público, não havendo como se admitir tal possibilidade
certo de que o cometimento de um crime jamais poderia beneficiar o ente estatal
e que as penas a ele impostas ou seriam inócuas ou, então, se executadas,
prejudicariam diretamente a própria comunidade beneficiária do serviço público.
No aspecto legislativo, no direito brasileiro, tem-se a previsão
da responsabilização penal da pessoa jurídica, tanto no art. 173, parágrafo 5º,
quanto no art. 225, parágrafo 3º, ambos da Carta Magna de 1988, que cuidam da
proteção à ordem econômica e o meio ambiente, estabelecendo a repressão de
delitos cometidos pelas pessoas jurídicas. O art. 225, parágrafo 3º, da
Constituição Federal de 1988, estabelece que as condutas e atividades
consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas
ou jurídicas, às sanções penais e administrativas.
Com efeito, embora a Constituição Federal e a legislação
pátria sejam omissas quanto à diferenciação das pessoas jurídicas de direito
público e direito privado no sistema jurídico brasileiro, no que se refere à
responsabilização penal dos entes públicos, não significa dizer que as duas
modalidades de pessoas jurídicas devem sofrer a imputação penal, já que são
bastante distintos seus objetivos, natureza jurídica e organização à luz dos
princípios jurídicos pertinentes.
Para interpretação de tais dispositivos constitucionais há que
se considerar que as pessoas jurídicas de direito privado e de direito público são
bem distintas em sua natureza jurídica, objetivos, elementos, por isto para
respeitar as desigualdades devem ser tratadas de forma desigual. Isto porque as
pessoas jurídicas de direito público interno são distintas – senão em tudo – em
65
vários aspectos das de direito privado, havendo mesmo diferentes deveres e
prerrogativas em relação a cada um, devendo estas nuances e distinções se
refletirem também na seara penal.
Neste sentido não pode os entes públicos serem
responsabilizados na esfera criminal, sob pena de afrontar seus objetivos e
interesses que são de toda coletividade.
Se assim não fosse, em situação prática imaginemos a
aplicação de uma multa a um ente público quem pagaria seria a própria
coletividade através de impostos, acabando pois a sociedade arcando com o ônus
solidariamente com o ente estatal, sendo duplamente atingida. O ente público
teria de recorrer aos recursos públicos para fazer frente às penalidades.
Nesta linha de pensamento, imaginando situações concretas
outros apontamentos que denotam a inadequação da responsabilidade penal dos
entes públicos podemos destacar: 1-) a multa aplicada reverteria para o próprio
ente estatal; 2-) as penas restritivas de direito implicariam no prejuízo à
continuidade dos serviços públicos; 3-) a pena, que inviabilizasse a celebração de
um contrato/convênio entre a União, Estados e Municípios, seria uma afronta ao
princípio federativo; 4-) a penalização a um ente estatal, para que custeie
programas ambientais, é inócua por já se constituir em uma obrigação do Estado
constitucional e legalmente, devido ao seu dever de amparar, proteger, recuperar
e preservar o meio ambiente; entre outros.
Além disto, ao se aplicar sanções penais contra o ente estatal,
estar-se-ia, punindo quem é o detentor do "jus puniendi", que pauta sua conduta
na própria legalidade, chegando-se a novas incoerências que atingiriam a própria
soberania do ente estatal.
Acompanhe-se a lição de MarlusseDaher (DAHER, Marlusse
Pestana. Pessoa jurídica criminosainhttp://www.jus.com.br/doutrina/pjcrimirt.html,
04 de outubro de 2000):
66
"De fato, é notável a impertinência, no sentido de que não é possível ‘fechar ou interditar o Estado, fechar ou interditar o Município, quanto mais a União’. Onde se colocaria a soberania e a própria supremacia da qual está investida, que se faria da sua superposição direcionada a assegurar e preservar as liberdades individuais, os direitos sociais, os fundamentais, mediante o exercício do poder outorgado pelo outorgante-povo, numa expressão maior do que seja democracia e cidadania. Não se expõe a guardiã ao perigo de deixar a mercê de outras influências ou de outros inimigos, seus tutelados: o povo, o território, a nação. Nem se há de desprovê-la dos mecanismos capazes de assegurar aquelas garantias de todos, como constitucionalmente previstas”
Desta feita, evidencia-se que ao contrário de se atribuir
responsabilização criminal das pessoas jurídicas de direito público deve-se punir
penalmente os agentes públicos e políticos causadores do dano e não o Poder
Público, até porque são aqueles que se locupletam, desviando-se dos interesses
públicos em suas condutas para auferir benesses de cunho particular a seu favor
ou de outrem.
Para tanto, no caso dos entes estatais, existe a possibilidade
de afastamento dos seus dirigentes, o que é impossível nas pessoas de direito
privado. A condenação criminal tem como um dos efeitos secundários a perda do
cargo, função pública ou mandato eletivo (art. 92, I, CP) quando a pena aplicada
for superior a 4 anos, nos crimes praticados com abuso de poder, improbidade
administrativa ou violação de dever para com a administração pública. Portanto, a
prática de crimes pelos agentes públicos será considerada crime contra a
administração.
Conclui-se por todas as razões colacionadas neste parecer,
pela impossibilidade de sancionar penalmente as pessoas jurídicas de direito
público pela própria sustentação do ente estatal que necessita desta prerrogativa
para legitimar seu poder punitivo penal ou administrativo.
Este é o parecer,
Sub censura.
67
Que coloco à apreciação superior.
WERUSKA FERNANDA MELLO BÓCOLI
Procuradora Municipal
OAB/MG 87.149 - Matrícula 11.444
Assim sendo, concluímos que o posicionamento prático da Procuradoria
seria no sentido da desconsideração da personalidade jurídica pelos motivos
acima expostos e a imputação somente do administrador público, que por sua vez
incorrerá no crime de improbidade administrativa.
Assim, com o advento da lei 8.429/92, Lei da Improbidade Administrativa,
podemos perceber que comumente vemos a responsabilização penal do dirigente
da pessoa jurídica de direito público, dia-a-dia nos noticiários. Basta uma breve
pesquisa sobre o tema em sites de busca e veremos que corriqueiramente algum
gestor público é punido por sua conduta ímproba.40
Tal lei dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos
de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na
administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.
Ela apresenta um rol taxativo de atos de improbidade que trazem prejuízo
ao erário, importam em enriquecimento ilícito e atentam contra os princípios da
administração pública, bem como as penas por tais delitos.
Em uma análise de todo o conteúdo apresentado, inclusive fundamentando
com a Lei n.7.492/1986 no seu art. 25 podemos notar que mesmo que de forma
acanhada a responsabilização penal dos administradores e controladores das
instituições financeiras, assim como seus diretores e dirigentes.
40
Justiça Federal bloqueia mais de R$ 5 milhões em bens de auditor. Disponível em < http://circuitomt.com.br/editorias/brasil/65768-justica-federal-bloqueia-mais-de-rs-5-milhoes-em-bens-de-auditor-.html > Visualizado em 03/05/2015.
68
Não significando que todos os crimes praticados no âmbito da empresa
serão de responsabilidade da pessoa jurídica, mas sim que em todos os casos
que se exigir o poder de comando, a responsabilidade penal poderá cair sobre o
topo, ou seja, administradores e controladores das instituições empresarias.
Exemplo disso é o crime de gestão fraudulenta de instituição financeira e o
crime de operação de instituição financeira sem autorização legal, que recaem
sobre a pessoa jurídica.41
41
MIRANDA, Marina Godinho. O papel do ministério público frente à improbidade administrativa. Disponível em <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14710> Visualizado em 06/05/2015.
69
CONCLUSÃO
Assim, em relação a todo o conteúdo analisado no presente trabalho e às
questões da responsabilidade penal da pessoa jurídica no ordenamento pátrio,
fica evidente que tal responsabilização está se consolidando, apesar de
necessitar de uma complementação legal para trazer uma maior segurança
jurídica, devido às inúmeras divergências em relação ao tema.
O texto constitucional, nos seus artigos 225 § 3º e 173 § 5º e a lei 9.605/98,
revelam um paradigma para a aplicação da responsabilidade penal às pessoas
jurídicas, e também uma necessidade de reajuste político/penal, vez que, caso
contrário, essas disposições no ordenamento se tornaram obsoletas, pois desde
suas edições não se produziu mais nada referente a matéria.
Ora, como as empresas e seus dirigentes podem ficar a mercê dos órgãos
julgadores e de condenações baseadas em fontes legais não consolidadas, onde
vez se decide pela existência da responsabilidade da pessoa jurídica, outra pela
inexistência, ou ainda pela responsabilidade conjunta do dirigente ou sua
responsabilidade isolada.
Vemo-nos no ponto que a responsabilidade penal das pessoas jurídicas
por si só não abarca todo o viés da imputação penal empresarial, assim, devemos
maximizar sua aplicabilidade, a fim de acobertar todas as ilicitudes do
emaranhado empresarial. Temos uma grande dificuldade em relação à falta de
regulamentação legal sobre a matéria procedimental e punitiva hoje não existente
expressamente em nosso ordenamento jurídico pátrio.
Por vezes usamos de forma análoga os outros dispositivos legais como a
lei 9.605/98 (lei do meio ambiente), a Constituição Federal, o Código Civil, o
Código Penal, bem como os Códigos Processuais e as demais leis esparsas
correlatas, além, claro das teorias e dos princípios. Porém tal postura ocasiona
grande insegurança jurídica, de difícil aplicação quando falamos de direito penal,
70
por ser este punitivo, afinal como ir contra o artigo 1º do Código Penal, punindo
sem lei específica e pena previamente determinadas.
Isso acarreta uma violação aos princípios constitucionais referentes ao
processo penal, como o princípio da legalidade, vez que durante todos esses
anos ficamos somente embasados na jurisprudência. Esse entendimento que
pode variar de um juiz para outro fere o princípio maior do processo, qual seja, o
princípio do devido processo legal, causando danos à ampla defesa e ao
contraditório.
Questão essa inaceitável, vez que pior do que não punir é punir errado.
Ademais é proibida a analogia em malam partem, ou seja, utilizar-se de
mecanismo semelhante ou criar instrumentos punitivos não previstos em lei,
justamente por ir contra o princípio da anterioridade.
Todavia, se por um lado temos casos de excessiva punibilidade, com o
risco de incorrer na responsabilidade penal objetiva, por outro lado há casos de
impunidade em que não se consegue aferir responsabilidade alguma.
Nesta hipótese, qual seja, a de não punibilidade, tem-se um imensurável
dano para a sociedade como um todo, pois em crimes contra a ordem tributária
por exemplo, o desvio de recursos públicos, pode afetar a oferta de serviços
sociais pelo Estado, tais como saúde, lazer, educação...
Assim, a nosso ver, devem ser criadas normas específicas para o
tratamento da pessoa jurídica quando presente no polo passivo da ação penal,
para que lhe sejam asseguradas todos direitos e garantias em igualdade a
qualquer outro imputado em processo penal.
Tanto a responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito público quanto
a de direito privado, bem como a de seus dirigentes, é possível e atualmente
aplicável através de entendimento jurisprudencial dos tribunais superiores, porém
dependemos de maior interesse legislativo em relação a matéria, pois é de suma
71
importância sua regulamentação expressa.
Questão essa deveras importante devido o leque que se abre para a
impunidade ou a punição excessiva dos entes morais diante dessa falta de
normatização. Contudo, avançamos a passos pequenos nos tribunais, sendo de
suma e urgente importância a instituição desses dispositivos legais.
72
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73
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tutelar pessoa jurídica acusada em ação penal. Admissibilidade. Inépcia da
denúncia: inocorrência. Denúncia que relatou a suposta ação criminosa dos
agentes, em vínculo direto com a pessoa jurídica co-acusada. Característica
interestadual do rio poluído que não afasta de todo a competência do Ministério
Público Estadual. Ausência de justa causa e bis in idem. Inocorrência.
Excepcionalidade da ordem de trancamento da ação penal. Ordem denegada.
Data de julgamento: 19/08/2008.
BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus
nº 51564 BA 2014/0232314-7. Processual penal. Recurso ordinário em habeas
corpus. Tipo penal descrito no art. 22 da lei n. 7.492/1986. Teoria do domínio do
fato. Análise fático-probatória. Inviabilidade. Crime de autoria coletiva. Inépcia da
denúncia. Inocorrência. Julgado em 12 de março de 2015.
BRASÍLIA. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação Criminal nº
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Inépcia da denúncia. Sonegação fiscal. Nova definição jurídica do fato. Uso de
documento falso. Materialidade. Exame de corpo de delito. Concepção de
documento público. Teoria do domínio do fato. Insuficiência de prova para a
condenação. Provimento da apelação. Julgado em 04 de fevereiro de 2014.
BRASÍLIA. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Quarta turma. Apelação
crime nº 1391220044013600 MT 0000139-12.2004.4.01.3600. Relator: Olindo
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78
ANEXO
INQUÉRITO 3.719 DISTRITO FEDERAL ÓRGÃO JULGADOR: Primeira Turma
EMENTA: Inquérito. Utilização indevida, em proveito próprio ou alheio, de rendas
públicas (art. 1º, II, do Decreto-lei nº 201/67). Imputação a Prefeito Municipal.
Alegação de inépcia da denúncia e de ilegitimidade passiva. Preliminares
rejeitadas. Falta de justa causa para a ação penal. Caracterização. Inexistência
de suporte probatório mínimo a amparar a imputação. Prefeito que se limitou a
celebrar convênio com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) para a
construção de módulos sanitários. Licitação realizada pela Secretaria Municipal
de Infraestrutura, que firmou o contrato de empreitada, realizou as medições de
obra e todos os pagamentos à contratada. Subordinação hierárquica da
Secretaria Municipal ao Prefeito que não gera, por si só, a responsabilidade deste
último. Impossibilidade, ademais, de observância do plano original de trabalho do
convênio. Demora, tanto na liberação das verbas, por parte da FUNASA, como na
licitação das obras, que acabou por gerar o aumento do custo unitário inicialmente
previsto. Licitação e contratação que observaram a redução de meta. Execução
parcial do convênio justificada. Existência de seis boletins de medição, atestando
a execução de 99,35% do objeto do contrato, não infirmados por vistoria da Caixa
Econômica Federal, realizada muito tempo após a conclusão das obras,
noticiando a execução de 54,43% do objeto do convênio. Falta de aquiescência
formal da convenente à redução de metas, assim como a inércia do Prefeito em
prestar as contas inicialmente exigidas, que não firmam, por si só, sua
responsabilidade penal, uma vez que as obras foram realizadas e não há prova
idônea de utilização indevida ou de desvio de verba. Pretendida
responsabilização criminal do Prefeito por supostamente ter atestado a execução
integral das obras e serviços previstos no Convênio. Descabimento. Documento
que, além de expressamente consignar que o cumprimento ocorreu com redução
de meta, não teve relevância causal, uma vez que firmado quando já findo o
mandato do Prefeito e muito tempo após as medições da obra e pagamentos
realizados à Em revisão INQ 3719 / DF contratada. Ação penal julgada
improcedente. 1. Não é inepta a denúncia que descreve, suficientemente, o fato
criminoso e suas circunstâncias, de modo a possibilitar o pleno exercício do
79
direito de defesa. 2. A aferição da legitimidade passiva de parte na ação penal
deve ter por base o que o órgão acusador alega, abstrata e hipoteticamente, na
denúncia, razão pela qual a ausência de substrato probatório mínimo que ampare
a imputação se imbrica com questão diversa, qual seja, a falta de justa causa. 3.
A justa causa para a ação penal consiste na exigência de suporte probatório
mínimo a indicar a legitimidade da imputação e se traduz na existência, no
inquérito policial ou nas peças de informação que instruem a denúncia, de
elementos sérios e idôneos que demonstrem a materialidade do crime e de
indícios razoáveis de autoria. Precedentes. 4. O simples fato de o Prefeito ter
firmado convênio com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) para a
execução de obras no município é insuficiente para sustentar a imputação de que
se utilizou indevidamente, em proveito próprio ou alheio, dos valores recebidos
àquele título (art. 1º, II, do Decreto-lei nº 201/67). 5. Uma vez que a licitação das
obras foi realizada pela Secretaria Municipal de Infraestrutura, que firmou o
contrato de empreitada dela decorrente, realizou as medições de obra e efetuou
todos os pagamentos à contratada, a mera subordinação hierárquica da referida
Secretaria Municipal ao Prefeito não gera, por si só, a responsabilidade deste
último por supostos desvios de verbas na execução do contrato. Precedente. 6. A
impossibilidade de cumprimento das metas previstas no plano de trabalho
originário se deveu ao dilatado lapso temporal transcorrido entre a celebração do
Convênio, a liberação dos recursos por parte da FUNASA e a licitação, fato que
implicou o aumento do custo unitário dos bens a serem construídos. A falta de
aquiescência formal da convenente à redução de metas, assim como a inércia do
Prefeito em prestar as contas inicialmente exigidas, não firmam, por si só, sua
responsabilidade penal pelo crime descrito no art. 1º, II, do Decreto-lei nº 201/67,
uma vez que as 2 Em revisão INQ 3719 / DF obras foram realizadas e não há
prova idônea de utilização indevida ou de desvio das verbas recebidas. 7. Em
face de seis boletins de medição atestando a quase integralidade (99,35%) do
cumprimento do objeto do contrato, simples vistoria da Caixa Econômica Federal,
realizada muito tempo após a conclusão das obras, noticiando a execução de
44,96% do objeto do convênio, sem atentar para a redução de metas decorrente
do aumento do custo unitário dos bens, sem confrontar os boletins de medição e
sem outros elementos de prova que a corroborem, é insuficiente para comprovar
80
a materialidade do crime descrito no art. 1º, II, do Decreto-lei nº 201/67.
Inexistência, portanto, de elementos sérios e idôneos que demonstrem a
imputada utilização indevida ou desvio de valores transferidos ao Município por
força de convênio com a FUNASA. 8. O fato de Prefeito ter emitido relatório
atestando a execução integral das obras e serviços previstos no Convênio não
tem relevância causal para a imputação do crime descrito no art. 1º, II, do
Decreto-lei nº 201/67, uma vez que esse documento, além de ter expressamente
ressalvado o cumprimento com redução de meta, foi firmado muito tempo após as
medições da obra e os pagamentos realizados à contratada, e quando já findo o
seu mandato. 9. Ação penal julgada, desde logo, improcedente (art. 6º da Lei nº
8.038/90). V O T O O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR): Como
relatado, cuida-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra o
Senador Cícero de Lucena Filho, ao qual se imputa a prática, quando Prefeito de
João Pessoa, do crime descrito no art. 1º, II, do Decreto-lei nº 201/67. Passo à
análise das preliminares suscitadas pelo denunciado Cícero. 3 Em revisão INQ
3719 / DF 1. INÉPCIA DA DENÚNCIA E CERCEAMENTO DE DEFESA.
PRELIMINARES REJEITADAS. A defesa do denunciado Cícero sustenta que a
denúncia é inepta, por ser vaga e não individualizar condutas, o que,
supostamente, cerceou sua defesa (fl. 73). Aduz que “A denúncia narra, de forma
confusa e desconexa, a suposta ocorrência de fraudes que implicariam no desvio
de verbas públicas quando da execução das obras do Convênio nº 361/2000.
Inclui o defendente em um desencadear de condutas alheias à sua efetiva
participação, mormente sua atuação ter se cingido à representação política do
município”. “Assim, não é possível vislumbrar, em todo o corpo da peça pórtica,
um só momento em que o órgão acusatório delineie qual a conduta típica
praticada, em tese, pelo Senador Cícero de Lucena Filho, inviabilizando o amplo
exercício do direito de defesa constitucionalmente assegurado” (fls. 73/74). Sem
razão, contudo. A denúncia, ao longo de suas treze páginas, imputa ao
denunciado Cícero o suposto desvio de verbas públicas e descreve,
suficientemente, o fato criminoso e suas circunstâncias, a qualificação do acusado
e a classificação legal do crime, de modo a possibilitar o pleno exercício do direito
de defesa. Tanto isso é verdade que o denunciado apresentou alentada resposta
à acusação, onde pode deduzir, sem qualquer embaraço, sua versão para os
81
fatos a ele imputados e as suas teses defensivas. Por sua vez, a denúncia
descreveu que o denunciado Cícero, na condição de Prefeito de João Pessoa,
firmou o Convênio nº 361/2000 com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), e,
ao seu final, deixou de prestar contas, o que motivou a instauração de
procedimento de Tomada de Contas Especial. 4 Em revisão INQ 3719 / DF
Prossegue a denúncia: 17. Apenas em setembro de 2005, quando não mais
exercia o mandato de Prefeito do município de João Pessoa e após três pedidos
de prorrogação de prazo pela defesa na Tomada de Contas Especial, o
denunciado Cícero Lucena apresentou a prestação de contas do convênio n.
361/2000 e a FUNASA efetivamente constatou a utilização indevida de dinheiro
público em benefício da empresa executora do objeto contratado, posto que
atestada a construção de apenas 129 módulos sanitários e o pagamento unitário
a maior do que o especificado no plano de trabalho: "Finalmente, em 27/09/2005,
o ex-prefeito, atendendo às notificações da Funasa, apresentou prestação de
contas do convênio n. 361/2000, sem juntar justificativa pelo não cumprimento
total do objeto pactuado (fls. 394/654), a qual foi analisada pela entidade
concedente (fls. 655/724), considerando o quantum de serviços executados (R$
107.009,78), apontando no Relatório de Vistoria CEF/GIDUR-JP de fls. 105/120".
18. Ao manifestar-se sobre a Tomada de Contas Especial, o Tribunal de Contas
da União ratificou a constatação de execução parcial do objeto contratado, bem
como o pagamento a maior por cada módulo sanitário executado: Considerando
que o preço fornecido pela Funasa (R$ 1.483,62), para o módulo sanitário em
questão, no ano de 2002 é apenas 2% menor do que o preço contratado (R$
1.514,74) pelo convenente à empresa DM Construções Civis Ltda., entendo, em
consonância com o Sr. Auditor, que o preço contratado pode ser considerado
como preço de mercado. Consequentemente não ocorreu sobrepreço na
contratação. (...) Além disso, em que pese a contratação da obra por preço de
mercado, resta configurado nos presentes autos, dano ao erário decorrente de
duas irregularidades. A primeira foi o pagamento de valor superior (R$ 1.809,19)
ao valor contratado, por cada módulo sanitário executado. A segunda foi a
execução parcial de vários módulos 5 Em revisão INQ 3719 / DF sanitários,
deixando-os incompletos, de sorte que, dos 129 módulos sanitários executados,
apenas 94 apresentavam funcionalidade. 19. De acordo com a relação de
82
pagamentos informada pelo próprio denunciado Cícero Lucena na Tomada de
Contas Especial, a empresa D M Construções recebeu R$ 233.385,76. No
entanto, como comprovado nos autos, especialmente no âmbito das vistorias in
loco e auditoria da Caixa Econômica Federal, da Funasa e do Tribunal de Contas
da União, a empresa não executou a totalidade do objeto contrato, razão pela
qual houve utilização indevida e/ou desvio de dinheiro público em seu benefício.
(...) 21. Ao analisar a prestação de contas intempestiva apresentada pelo
denunciado Cícero Lucena, a Funasa concluiu que: "(...)Apresentada despesas no
período de 21/02/03 a 28/10/03, conforme Relação de Pagamentos, fls. 660 e
661, no valor de R$ 233.385,76, tendo como saldo R$ 31.152,24, devolvido a
conta única, em 23/06/05, conforme comprovante de depósito, fls. 688. (...)
Despesas realizadas no período de 15/04 a 28/10/03, fora da vigência do
convênio, com obra de engenharia do valor de R$ 110.336,11, sem a devida
justificativa; Não comprovação/não aprovação da contrapartida referente ao
PESMS, conforme Parecer da ASCOM/CORE/PB, de 06/07/04, fls. 99,
mensurando o percentual de execução em 0%, causando prejuízo ao erário de R$
1.733,20. Comprovação parcial/não aprovação da contrapartida de obra de
engenharia, no valor de R$ 22.539,00, conforme Relatório de Vistoria e Avaliação
de Estágio de Obras/GIDUR/JP/CEF, de 30/08/04; Execução parcial do objeto
pactuado no valor de R$ 84.766,68, conforme Relatório de Vistoria e Avaliação do
Estágio de Obras da Caixa Econômica Federal de 30/08/04, fls. 106 a 109, cujo
percentual de execução física foi mensurado em 44,96%, e o atingimento do
objeto em 39,66%, acarretando prejuízo ao erário de R$ 126.380,57". 22. Assim,
a Funasa não aprovou a conta final do convênio n° 361/2000, imputando um
débito no valor de R$ 338.437,23 ao 6 Em revisão INQ 3719 / DF então Prefeito
do Município de João Pessoa à época dos fatos, o denunciado Cícero Lucena. 23.
O denunciado José Ricardo Belarmino Ferreira, sócio administrador da empresa
DM Construções Cíveis Ltda., signatário do contrato firmado com a prefeitura,
recebeu integralmente os recursos repassados pela Funasa ao município e, não
obstante esse fato, executou apenas parte do objeto contratado, apropriando-se,
assim, da diferença de valores apurada tanto pela FUNASA, quanto pela Caixa
Econômica Federal e pelo próprio Tribunal de Contas da União. 24, Cabe ainda
destacar a participação do ex-Secretário Municipal Evandro de Almeida, que foi
83
responsabilizado solidariamente pelo dano ao erário pelo Tribunal de Contas nos
seguintes termos: (...) os Srs. Evandro e Cícero, em setembro de 2005, atestaram
a execução completa das obras do convênio em exame, conforme documentação
de fls. 419-432- vol. 2. Cabe enfatizar que no dia 28/10/2003 já haviam sido pagas
as 129 melhorias sanitárias contratadas, no dia 20/9/2005 (dois anos depois), o
Engenheiro Francisco Leonardo de A. Lima consignou em relatório (fl. 431, vol.2)
que faltavam concluir 26 módulos sanitários; atropelando essa informação do
engenheiro, os Srs Cícero de Lucena Filho e Evandro de Almeida Fernandes, no
mesmo dia 20/09/2005 (fls. 432, vol.2), expediram relatório de cumprimento do
objeto do convênio, declarando que "as obras/serviços constantes do Plano de
Trabalho do Convênio n° 361/00/Funasa/PMJP, foram integralmente executadas
(os), de acordo com as normas técnicas vigentes, tendo sido cumprido o objeto
conveniado..." Essa atitude constitui, no mínimo, informação inverídica, além de
tentativa de esconder a inexecução parcial dos serviços indicados, (...) Desse
modo, não há como afastar a responsabilidade do ex-prefeito e dos ex-secretário
7 Em revisão INQ 3719 / DF municipal de João Pessoa pelo dano apontado
nestes autos. 25. Ou seja, os dois primeiros denunciados na função de Prefeito e
Secretário de Infraestrutura do município de João Pessoa, de forma consciente e
com pleno conhecimento da ilicitude dos seus atos, atestaram a execução integral
da obra em setembro de 2005 e, mesmo cientes da execução apenas parcial das
obras, expediram relatório de cumprimento do objeto do convênio, declarando que
"as obras/serviços constantes do Plano de Trabalho do Convênio n°
361/00/Funasa/PMJP, foram integralmente executadas (os), de acordo com as
normas técnicas vigentes, tendo sido cumprido o objeto conveniado" (grifo do
MPF). 26. Assim agindo, Cícero Lucena e Evandro de Almeida Fernandes
utilizaram-se, indevidamente, dos valores transferidos pela FUNASA por força do
Convênio acima citado, proporcionando, com sua conduta, o desvio de recursos
públicos em benefício de José Ricardo Belarmino Ferreira no montante de R$
126.380,57 referente à parcela não executada do contrato celebrado entre a
Prefeitura de João Pessoa e a empresa D M Construções. Assim, e diversamente
do que sustenta em sua resposta à acusação, a denúncia não é genérica ou
imprecisa e, formalmente, individualizou a conduta do denunciado Cícero. Muito
embora a denúncia tenha hesitado na correta classificação legal do crime, ora
84
dando os denunciados como incursos nas sanções do art. 1º, II, do Decreto-lei nº
201/67, ora pedindo sua condenação “nas penas do art. 1º, I, do Decreto-lei nº
201/67” (confira-se itens 28 e 29, a fl. 12), os fatos em si foram por ela
suficientemente descritos. Com efeito, a denúncia descreve, como já apontado,
que os denunciados Cícero e Evandro de utilizaram-se, indevidamente, dos
valores transferidos pela FUNASA por força de Convênio acima citado,
proporcionando o desvio de recursos públicos em benefício de 8 Em revisão INQ
3719 / DF denunciado José Ricardo Belarmino Ferreira, referentes à parcela não
executada do contrato. E, como sabido, o réu se defende dos fatos a ele
imputados, e não da capitulação legal do crime. Outrossim, considerando-se que
a ação nuclear imputada foi a de “utilizarem-se indevidamente” dos valores
transferidos pelo convênio, a conduta dos denunciados se subsume, em tese, no
disposto no art. 1º, II, do Decreto-lei nº 201/67. 2. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE
PARTE. PRELIMINAR REJEITADA. Sustenta o Senador Cícero de Lucena Filho
a sua ilegitimidade de parte, sob o fundamento de que foi denunciado pelo só fato
de, à época dos fatos, ter sido Prefeito Municipal de João Pessoa. Alega que não
atuou no procedimento licitatório, não contratou em nome do Município, não
autorizou pagamento, não emitiu empenho e nem promoveu qualquer aditamento
contratual, de modo que não teve qualquer participação no suposto ilícito. A
preliminar, contudo, deve ser rejeitada. Como observa Afrânio Silva Jardim, a
legitimidade ad causam deve levar em consideração a relação jurídica de direito
material afirmada pelo autor, independentemente da comprovação dos fatos que
a fundamentam: (...) o exame das condições do legítimo exercício do direito de
ação penal, como da ação em geral, deve ter por base o que, abstrata e
hipoteticamente, o autor alegou na petição inicial (denúncia ou queixa, nas ações
condenatórias), independentemente do que, posteriormente, ficar provado, pois aí
já estaremos no mérito, apreciando a res deducta in judicio. Assim, se o Ministério
Público alega na denúncia ter o Estado o chamado ius puniendi em face de
Manuel da Silva, tendo em vista um furto que descreve, deverá o Juiz absolver 9
Em revisão INQ 3719 / DF este réu (sentença de mérito) se restar provado que o
autor daquele furto fora Pedro dos Santos. Diversamente seria se o Ministério
Público imputasse o furto a Manuel da Silva e pedisse a condenação de seu filho
Pedro dos Santos (a parte seria ilegítima” (Direito processual penal. 9ª ed., rev. e
85
atual., Rio de Janeiro : Forense, 2000, p. 94) Invocando o magistério de José
Carlos Barbosa Moreira, Afrânio Jardim aduz que (…) o exame da legitimidade,
como o de qualquer das ‘condições da ação’, tem de ser feito com abstração das
possibilidades que, no juízo de mérito, vão deparar-se ao julgador: a de proclamar
existente ou a de declarar inexistente a relação jurídica que constitui a res in
iudicium deducta. Significa isso que o órgão judicial, ao apreciar a legitimidade
das partes, considera tal relação jurídica in statu asssertionis, ou seja, à vista do
que se afirmou. Tem ele de raciocinar como se admitisse, por hipótese, e em
caráter provisório, a veracidade da narrativa, deixando para ocasião própria (o
juízo de mérito) a respectiva apuração, ante os elementos de convicção
ministrados pela atividade instrutória” (op. cit., p. 94). Na espécie, é manifesta a
pertinência subjetiva da ação em relação ao denunciado Cícero, pois a denúncia
lhe imputa o fato de ter se utilizado, indevidamente, dos valores transferidos pela
FUNASA por força do Convênio nº 361/2000, “proporcionando, com sua conduta,
o desvio de recursos públicos em benefício de José Ricardo Belarmino Ferreira
no montante de R$ 126.380,57 referente à parcela não executada do contrato
celebrado entre a Prefeitura de João Pessoa e a empresa D M Construções”. Em
verdade, o pretendido reconhecimento da ilegitimidade de parte se imbrica com
questão diversa, qual seja, a ausência de substrato probatório mínimo que
ampare a imputação, como adiante exposto. 10 Em revisão INQ 3719 / DF 3. DA
FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA DE
ELEMENTOS SÉRIOS E IDÔNEOS QUE DEMONSTREM A MATERIALIDADE
DO CRIME E DE INDÍCIOS MÍNIMOS E RAZOÁVEIS DE AUTORIA. AÇÃO
PENAL IMPROCEDENTE. De acordo com Afrânio Silva Jardim, a justa causa
constitui “(...) um lastro mínimo de prova que deve fornecer arrimo à acusação,
tendo em vista que a simples instauração do processo penal já atinge o chamado
status dignitatis do imputado. Tal arrimo de prova nos é fornecido pelo inquérito
policial ou pelas peças de informação, que devem acompanhar a acusação penal
(arts. 12, 39, § 5º, e 46, § 1º, do Cód. Proc. Penal” (Direito processual penal. 9ª
ed., rev. e atual., Rio de Janeiro : Forense, 2000, p. 93). Prossegue o eminente
processualista: “Desta forma, torna-se necessário ao regular exercício da ação
penal a demonstração, prima facie, de que a acusação não é temerária ou
leviana, por isso que lastreada em um mínimo de prova. Este suporte probatório
86
mínimo se relaciona com os indícios da autoria, existência material de uma
conduta típica e alguma prova de sua antijuridicidade e culpabilidade. Somente
diante de todo este conjunto probatório é que, a nosso ver, se coloca o princípio
da obrigatoriedade da ação penal” (op. cit., p. 97). Assim, não basta que a
denúncia, formalmente, “(...) impute ao réu uma conduta típica, ilícita e culpável.
Isto satisfaz o aspecto formal da peça acusatória, mas para o regular exercício da
ação pública se exige que os fatos ali narrados tenham alguma ressonância na
prova do inquérito ou 11 Em revisão INQ 3719 / DF constante das peças de
informação. Em outras palavras, a acusação não pode resultar de um ato de fé ou
de adivinhação do autor da ação penal (…)” (Afrânio Silva Jardim, op. cit., p. 98).
Maria Thereza Rocha de Assis Moura, em clássica obra a respeito da justa causa,
aduz que “(...) para que alguém seja acusado em juízo, faz-se imprescindível que
a ocorrência do fato típico esteja evidenciada; que haja, no mínimo, probabilidade
(e não mera possibilidade) de que o sujeito incriminado seja seu autor e um
mínimo de culpabilidade” (Justa causa para a ação penal – doutrina e
jurisprudência. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 222). Segundo
a ilustre autora, “Prova induvidosa da ocorrência de um fato delituoso, na
hipótese, e prova ou indícios de autoria, apurados em inquérito policial ou nas
peças de informação que acompanham a acusação: é neste binômio que, para
esta postura, consiste o fundamento tido como indispensável para a acusação,
sem o qual inexiste justa causa para a instauração do processo criminal (op. cit.,
p. 241). (…). “Em síntese, a justa causa para o recebimento da acusação não
sobressai apenas de seus elementos formais, mas, mormente, de sua fidelidade à
prova que demonstre a legitimidade da imputação. Segue-se que a necessidade
de existência de justa causa funciona como mecanismo para impedir, em
hipótese, a ocorrência de imputação infundada, temerária, leviana, caluniosa e
profundamente imoral” (op. cit., p. 247). Na lição de Gustavo Badaró: 12 Em
revisão INQ 3719 / DF Em razão do caráter infamante do processo penal em si,
em que o simples fato de estar sendo processado já significa uma grave ‘pena’
imposta ao indivíduo, não é possível admitir denúncias absolutamente temerárias,
desconectadas dos elementos concretos de investigação que tenham sido
colhidos na fase pré-processual. Aliás, uma das finalidades do inquérito policial é,
justamente, fornecer ao acusador os elementos probatórios necessários para
87
embasar a denúncia (Processo Penal, Rio de Janeiro : Campus: Elsevier, 2012, p.
105). Assim, como ressalta Fernando da Costa Tourinho Filho, "Para que seja
possível o exercício do direito de ação penal, é indispensável que haja, nos autos
do inquérito, ou nas peças de informação, ou na representação, elementos sérios,
idôneos, a mostrar que houve uma infração penal, e indícios, mais ou menos
razoáveis, de que o seu autor foi a pessoa apontada no procedimento informativo
ou nos elementos de convicção" (Processo penal, vol. 1, 11ª Ed. São Paulo ;
Saraiva, 1989, p. 445). Na linha desses posicionamentos doutrinários, o Supremo
Tribunal Federal, no HC 73.371/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Celso de
Mello, DJ 4.10.96, assentou que O Ministério Público, para validamente formular a
denúncia penal, deve ter por suporte uma necessária base empírica, a fim de que
o exercício desse grave dever-poder não se transforme em instrumento de injusta
persecução estatal. O ajuizamento da ação penal condenatória supõe a existência
de justa causa, que se tem por inocorrente quando o comportamento atribuído ao
réu "nem mesmo em tese constitui crime, ou quando, configurando uma infração
penal, resulta de pura criação mental da acusação" (RF 150/393, Rel. Min.
OROZIMBO NONATO). 13 Em revisão INQ 3719 / DF Exige-se, assim, “a
demonstração – fundada em elementos probatórios mínimos e lícitos – da
realidade material do evento delituoso e da existência de indícios de sua possível
autoria” (Inq. 3.507/MG, Plenário, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de
11.6.14). Na espécie, os frágeis elementos de informação que instruem a
denúncia são insuficientes para lastrear a imputação nela deduzida contra o ex-
Prefeito Cícero de Lucena Filho. Observo que não foi instaurado inquérito para
melhor apuração dos fatos, no qual poderiam ter sido ouvidos os investigados,
testemunhas e, eventualmente, realizada perícia para comprovação da
materialidade do crime. A denúncia fundamenta-se, tão-somente, no
procedimento de Tomada de Contas Especial nº 008.615/2009-6, do Tribunal de
Contas da União. E o que consta desse procedimento? Em 31 de outubro de
2000, o denunciado, na condição de Prefeito Municipal de João Pessoa,
apresentou ao Presidente da FUNASA (...) o presente Plano de Trabalho,
contendo solicitação de recursos para construção de Melhorias Sanitárias
Domiciliares em bairros da periferia e comunidades de baixa renda em João
Pessoa / PB, nos termos das normas definidas pela Fundação Nacional de
88
Saúde. O valor solicitado é de R$ 213.750,00 (duzentos e treze mil, setecentos e
cinquenta reais), com contrapartida do município de R$ 24.272,20 (vinte e quatro
mil, duzentos e setenta e dois reais e vinte centavos), dos quais R$ 1.733,20
(hum mil, setecentos e trinta e três reais e vinte centavos) são destinados ao
Programa de Educação em Saúde e Mobilização Social - PESMS, totalizando o
investimento em R$ 238.022,20 (duzentos e trinta e oito mil, vinte e dois reais e
vinte centavos) - procedimento nº 008.615/2009-6 TCU, autos principais, vol. 0, fl.
2, mídia de fl. 54. 14 Em revisão INQ 3719 / DF Esse plano de trabalho, contendo
cronograma de execução física e financeira, propunha a construção, no prazo de
180 (cento e oitenta) dias, de 231 (duzentos e trinta e um) módulos sanitários -
compostos de bacia sanitária com caixa de descarga, lavatório, chuveiro,
instalações hidrosanitárias, lavanderia coberta e fossa -, ao custo unitário de
R$997,00 (novecentos e noventa e sete reais) – vide procedimento nº
008.615/2009-6 TCU, autos principais, vol. 0, fls. 3/7, mídia de fl. 54. Após
parecer favorável do setor técnico da FUNASA (procedimento nº 008.615/2009-6
TCU, vol. 1, fls. 9/25, mídia de fl. 54), foi celebrado, em 28 de dezembro de 2000,
o Convênio nº 361/2000 entre a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e a
Prefeitura Municipal de João Pessoa, representada pelo denunciado Cícero de
Lucena Filho, em que primeira, denominada “concedente”, se comprometeu a
garantir os recursos financeiros para execução das obras e serviços conveniados,
na forma do Cronograma de Desembolso apresentado no Plano de Trabalho,
observada a sua disponibilidade financeira (TCU, autos principais, vol. 0, fls.
26/33, mídia de fl. 54). Esse Plano de Trabalho, firmado entre a FUNASA e a
Prefeitura de João Pessoa e parte integrante do Convênio, previa a construção de
237 (duzentos e trinta e sete) módulos sanitários até novembro de 2001, mediante
investimento total de R$238.022,20 (duzentos e trinta e oito mil e vinte e dois
reais e vinte centavos) - TCU, autos principais, vol. 0, fls. 41/43, mídia de fl. 54.
Diante do atraso de 402 dias na liberação dos recursos à Prefeitura de João
Pessoa, a própria FUNASA, em 14 de fevereiro de 2002, prorrogou, de ofício, a
vigência original do Convênio até 07 de abril de 2003 (TCU, autos principais, vol.
0, fl. 52, mídia de fl. 54). Em 17 de março de 2003, o Secretário de Planejamento
de João Pessoa solicitou a prorrogação, por mais seis meses, do prazo de
vigência do Convênio, “uma vez que houve atraso no processo licitatório e
89
dificuldade na execução, pela diversidade dos locais de construções sanitárias”
(TCU, autos principais, vol. 0, fl. 53, mídia de fl. 54). A Coordenadoria Regional da
FUNASA na Paraíba, em 11 de abril 15 Em revisão INQ 3719 / DF de 2003,
opinou favoravelmente a esse pleito, anotando que uma visita de
acompanhamento constatou baixo percentual de execução, uma vez que havia
sido iniciada a construção de apenas 40 (quarenta) unidades e algumas
especificações técnicas não estavam sendo cumpridas (TCU, autos principais,
vol. 0, fls. 57 e 59, mídia de fl. 54). Embora expirado, em 7 de abril de 2003, o
prazo de vigência do Convênio, a FUNASA entendeu por bem, em 03 de julho de
2003, prorrogá-lo até 31 de dezembro do mesmo ano (TCU, autos principais, vol.
0, fls. 57 e 59, mídia de fl. 54). Os recursos previstos no Convênio, no montante
de R$213.750,00, somente foram repassados à Municipalidade em 7 de fevereiro
de 2002 (TCU, vol. 2, fl. 434, mídia de fl. 54). Pelo edital de tomada de preços nº
26/2002, de 9 de setembro de 2002, a Municipalidade de João Pessoa licitou a
construção de 155 (cento e cinquenta e cinco) módulos sanitários (TCU, vol. 2, fls.
580/595, mídia de fl. 54), por preço unitário não superior ao estimado no
orçamento-base que subsidiou a licitação, qual seja, R$1.522,40 (TCU, vol. 2, fls.
585 e 597/598, mídia de fl. 54). A composição do custo unitário, previsto no
orçamento-base da tomada de preços, foi feita por “engenheiro responsável
técnico” da Secretaria de Infraestrutura de João Pessoa, que também estimou em
R$424,60 o custo para confecção de duas placas de obra (TCU, vol. 2, fl. 583 e
597/598, mídia de fl. 54). A empresa D.M. Construções Civis Ltda. venceu o
certame, ao propor o preço de R$1.514,75 por módulo sanitário e de R$400,00
pelas duas placas de obra, no valor total de R$235.186,25 (TCU, vol. 3, fls.
605/630, mídia de fl. 54). Em 4 de novembro de 2002, a citada empresa firmou,
com a Municipalidade de João Pessoa, representada pelo Secretário de
Infraestrutura, o denunciado Evandro de Almeida Fernandes, e não pelo Prefeito
Municipal Cícero de Lucena Filho, o contrato de empreitada nº 40/2002, para
execução do objeto da licitação (TCU, vol. 3, fls. 636/643, mídia de fl. 54). 16 Em
revisão INQ 3719 / DF De acordo com o art. 4º, “b”, do Contrato nº 40/2002,
competia à Secretaria de Infraestrutura de João Pessoa (SEINFRA), e não ao
Prefeito Municipal, realizar os pagamentos devidos à contratada, após as
medições dos serviços prestados por meio de “Boletim de Medição” (TCU, vol. 3,
90
fls. 636, mídia de fl. 54). Para aferição da execução das obras, foram realizadas,
nos dias 5 de fevereiro, 7 de março, 7 de abril, 30 de abril, 4 de junho e 28 de
agosto de 2003, seis medições, firmadas, nos termos do art. 56 do Contrato nº
40/2002 (TCU, vol. 3, fl. 642, mídia de fl. 54), por um engenheiro fiscal, por um
representante da contratada, pelo Secretário Municipal de Infraestrutura, por seu
Secretário Adjunto e pelo diretor da divisão de obras dessa secretaria. Os boletins
de medição atestaram a construção de 154 (cento e cinquenta e quatro) módulos
sanitários, no valor unitário de R$1.514,19, além de R$400,00 em despesas com
placas de obra, o que deveria totalizar um crédito, em favor da contratada, de
R$233.585,26 (procedimento nº 008.615/2009-6 TCU, vol. 2, fls. 544/577, mídia
de fl. 54). Todavia, acabou sendo reconhecido e pago à contratada valor
ligeiramente inferior, qual seja, R$233.385,76 (vide procedimento nº
008.615/2009-6 TCU, vol. 2, fls. 544/556, mídia de fl. 54, e acórdão nº
10400/2011, da 1ª Câmara do Tribunal de Contas da União, proferido nesse
mesmo procedimento, a fls. 19/26 destes autos). Registro que as notas fiscais de
prestação de serviços emitidas pela contratada receberam o “atesto” da chefia de
medições da Secretaria de Infraestrutura e a declaração de que “o processo se
encontra regular podendo ser autorizado o pagamento” (TCU, vol. 2, fls. 550, 562,
565, 568, 572 e 576, mídia de fl. 54). Desta feita, dos 155 (cento e cinquenta e
cinco) módulos contratados, foram construídos 154 (cento e cinquenta e quatro),
equivalentes a 99,35% do total licitado. Aliás, o valor pago à contratada
(R$1.514,19), conforme consta das medições realizadas, foi, inclusive, menor do
que o contratualmente previsto (R$1.514,75). 17 Em revisão INQ 3719 / DF Esses
elementos, portanto, demonstram a execução, praticamente integral (99,35%), do
objeto do contrato nº 40/2002. Ocorre que, em 5 de julho de 2004, a FUNASA
autorizou a Caixa Econômica Federal a vistoriar as obras e serviços realizados
por força do Convênio (TCU, autos principais, vol. 0, fl. 101, mídia de fl. 54). De
acordo com o relatório de vistoria e avaliação elaborado pela Caixa Econômica
Federal (TCU, autos principais, vol. 0, fl. 105/120, mídia de fl. 54), com base em
visitas realizadas nos dias 19, 20, 21 e 24 de agosto de 2004, teriam sido
construídos, com os valores liberados pelo Convênio, apenas 129 (cento e vinte e
nove) módulos sanitários, os quais equivaleriam a 54,43% do total de 237
(duzentos e trinta e sete) módulos previstos (TCU, autos principais, vol. 0, fl. 107,
91
mídia de fl. 54). Contudo, esse relatório, de forma absolutamente equivocada,
partiu do pressuposto de que deveriam ter sido construídos os 237 (duzentos e
trinta e sete) módulos previstos, inicialmente, no plano de trabalho do Convênio, e
não os 155 (cento e cinquenta e cinco) módulos licitados e efetivamente
contratados pela Municipalidade. O relatório deixou de levar em consideração que
o dilatado lapso temporal decorrido entre o plano de trabalho do Convênio (28 de
dezembro de 2000), a liberação dos recursos pela FUNASA (7 de fevereiro de
2002) e a licitação (9 de setembro de 2002) inviabilizou que os módulos fossem
construídos pelo valor unitário (R$997,00) originariamente previsto em dezembro
de 2000. A redução da meta, longe de um mero capricho do administrador,
tornou-se imperiosa, haja vista que o aumento do custo unitário dos módulos,
dada a demora da FUNASA em liberar os recursos, inviabilizou a observância dos
preços inicialmente estimados. Não se olvida que o denunciado Cícero deveria,
diante da elevação do custo unitário dos módulos, ter proposto à FUNASA,
formalmente, a alteração do plano de trabalho inicial, com redução de metas, e
aguardado a decisão do convenente - como, aliás, observou em seu parecer o
diretor técnico da Secretaria de Controle Externo na Paraíba do Tribunal de
Contas da União (TCU, vol. 3, fl. 791, mídia de fl. 54). 18 Em revisão INQ 3719 /
DF Não se olvida, ainda, que o procedimento de Tomada de Contas Especial foi
instaurado, em 17 de novembro de 2004, diante da inércia do denunciado Cícero
em encaminhar a prestação de contas do Convênio nº 361/2000 à FUNASA, não
obstante notificado para esse fim (TCU, autos principais, vol. 0, fls. 122/125 e 131,
mídia de fl. 54 ). De qualquer forma, a falta de aquiescência formal da FUNASA à
redução da meta, assim como a inércia do denunciado Cícero em prestar as
contas inicialmente exigidas, não firmam, por si só, a sua responsabilidade penal,
uma vez que as obras, de acordo com os boletins de medição, foram realizadas
com os valores repassados por força do convênio. Impõe-se ressaltar que o
próprio Tribunal de Contas da União não apontou superfaturamento de preços. Ao
contrário: asseverou que o preço unitário contratado (R$1.514,74) era equivalente
ao de mercado (vide acórdão nº 10400/2011, da 1ª Câmara do Tribunal de Contas
da União, a fl. 19v.), mas concluiu que o valor pago à contratada teria sido de
R$1.809,19 por unidade, o que importaria lesão ao erário. Nesse ponto, o Tribunal
de Contas incidiu em equívoco. Diversamente do que afirmou o seu corpo técnico
92
(fl. 19v.), em manifestação encampada pelo Ministro Relator do procedimento de
Tomada de Contas Especial (fl. 24v.), em momento algum foram pagos
R$1.809,19 por módulo sanitário. O valor unitário de R$1.809,19 foi adotado pelo
corpo técnico do Tribunal de Contas da União, com base no mencionado relatório
de vistoria e avaliação elaborado pela Caixa Econômica Federal, segundo o qual
teriam sido construídos apenas 129 (cento e vinte e nove) módulos sanitários
(TCU, autos principais, vol. 0, fl. 106, mídia de fl. 54). Dividiu-se, portanto, o valor
total pago à contratada (R$233.385,76) pelas 129 unidades que, supostamente,
teriam sido as únicas construídas, chegando-se ao valor unitário de R$1.809,19.
Aliás, a própria denúncia, para imputar aos denunciados a execução parcial do
objeto contratado e o desvio de valores, amparou-se nesse 19 Em revisão INQ
3719 / DF relatório da Caixa Econômica Federal (fls. 08/09). Ocorre que,
conforme consta dos seis boletins de medição de obra já citados, todos os
pagamentos à contratada tomaram por base o preço unitário de R$1.514,19
(procedimento nº 008.615/2009-6 TCU, vol. 2, fls. 544/577, mídia de fl. 54),
inclusive ligeiramente inferior ao contratado (R$1.514, 74). Cai por terra, assim,
um dos fundamentos da imputação deduzida na denúncia: pagamento a maior do
que o especificado em contrato. Há que se chamar a atenção, ainda, para
questão de extrema relevância. Como o relatório de vistoria e avaliação da Caixa
Econômica Federal não confrontou as seis medições anteriormente realizadas, as
quais atestaram a efetiva construção de 154 módulos sanitários, ele não se
reveste de densidade suficiente para firmar a conclusão de que apenas 129
unidades foram executadas. Anoto que essa foi a única vistoria realizada (TCU,
vol. 0, fl. 105/120, mídia de fl. 54), a qual foi, sucessivamente, adotada: i) pelo
setor de prestação de contas da FUNASA (TCU, vol. 3, fls. 726/727, item 5, “f”); ii)
pelo relatório final de Tomada de Contas Especial da FUNASA (TCU, vol. 3, fls.
749/752, item 2.7); iii) pelo relatório de auditoria da ControladoriaGeral da União
(TCU, vol. 3, fls. 768/770, item 2); e iv) pelo setor técnico do Tribunal de Contas
da União (TCU, vol. 3, fls. 783/790, item 2.2.6.1). Todos esses órgãos, ao
encamparem a vistoria da Caixa Econômica Federal, não teceram qualquer
consideração sobre os boletins de medição de obra, e acabaram por conferir
àquele relatório, erroneamente, uma presunção absoluta de veracidade. Neste
particular, o engenheiro que subscreveu o relatório de vistoria consignou, no item
93
5.5, que lhe foram apresentadas para vistoria 129 unidades (TCU, autos
principais, vol. 0, fl. 108, mídia de fl. 54), o que, por óbvio, não implica a
inexistência das outras 25 supostamente faltantes, que podem ter sido
construídas em outros locais não visitados. Corroborando a assertiva supra, os
itens 4.1 e 5.4 do mesmo relatório registram que, dos 129 módulos visitados, 21
não constavam da 20 Em revisão INQ 3719 / DF proposta original (TCU, vol. 0, fl.
107/108, mídia de fl. 54). Ainda de conformidade com o mesmo relatório, das 129
unidades avaliadas, apenas 94 estariam em perfeitas condições de uso (72,87%
do total), pois 30 foram encontradas incompletas – por falta de itens como
lavatório, torneira, tanque, saboneteira, caixa de descarga, chuveiro, vaso
sanitário - e 5 foram encontradas abandonadas ou demolidas (TCU, vol. 0, fl.
106/108, mídia de fl. 54). Para o Ministério Público Federal, esse relatório,
noticiando a execução parcial de vários módulos sanitários e a funcionalidade de
apenas 94 unidades, demonstraria a utilização indevida das verbas e o seu
desvio. Todavia, diante do dilatado lapso temporal transcorrido entre a construção
dos módulos sanitários (cuja existência foi atestada por medições feitas nos dias
5 de fevereiro, 7 de março, 7 de abril, 30 de abril, 4 de junho e 28 de agosto de
2003) e a vistoria feita pelo engenheiro da Caixa Econômica Federal (agosto de
2004), não é possível afirmar – e o próprio relatório o reconhece – se todos os
citados itens efetivamente deixaram de ser executados ou se, eventualmente,
após sua instalação, foram subtraídos ou destruídos por ação de terceiros.
Destaque-se que as obras foram realizadas em comunidades carentes, inclusive,
segundo o item 6.1 do relatório da Caixa Econômica Federal, em áreas de
alagamento, becos de favela e “locais julgados violentos pelos próprios
moradores” (TCU, vol. 0, fl. 109, mídia de fl. 54). Aliás, de acordo com esse
mesmo relatório de vistoria (item 5.7), os módulos sanitários estavam em uso há
quase um ano, “e a grande maioria dos moradores, visivelmente, não efetua a
manutenção necessária”, fator que deve ter contribuído, decisivamente, para o
suposto percentual, de 39,66%, “das metas que têm funcionalidade” (item 7.2.1) -
TCU, autos principais, vol. 0, fl. 109, mídia de fl. 54. Outrossim, o mero fato de o
denunciado Cícero ter celebrado com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA),
na condição de Prefeito de João Pessoa, o Convênio nº 361/2000 para execução
das obras, não firma sua responsabilidade penal. 21 Em revisão INQ 3719 / DF
94
Como assentei nos autos do Inquérito 3.077/AL, de minha relatoria, O fato é que o
exercício do cargo de prefeito municipal apresenta riscos próprios, sem dúvida;
mas essa circunstância, ao meu sentir, não faz com que haja responsabilidade
penal se não se demonstra, efetivamente, um mínimo de indícios de que houve
participação dolosa do prefeito no ato apontado como ilícito. O risco, por si só,
decorrente do fato de ter homologado o procedimento e assinado o contrato não é
suficiente para a sua responsabilização penal, que seria, portanto, objetiva, o que
é rechaçado por nosso ordenamento jurídico (Plenário, DJe de 24.9.12). Registro,
mais uma vez, que a licitação da construção dos módulos sanitários foi realizada
pela Secretaria Municipal de Infraestrutura, que também firmou o contrato de
empreitada dela decorrente e efetuou todos os pagamentos à contratada. Ora, “a
mera subordinação hierárquica dos secretários municipais não pode significar a
automática responsabilização criminal do Prefeito” (AP 447/RS, Pleno, Relator o
Ministro Ayres Britto, DJe de 29.5.09). Resta, por fim, examinar o último
fundamento da imputação deduzida contra o Senador Cícero. Narra a denúncia
que ambos, (...) na função de Prefeito e Secretário de Infraestrutura do município
de João Pessoa, de forma consciente e com pleno conhecimento da ilicitude dos
seus atos, atestaram a execução integral da obra em setembro de 2005 e, mesmo
cientes da execução apenas parcial das obras, expediram relatório de
cumprimento do objeto do convênio, declarando que "as obras/serviços
constantes do Plano de Trabalho do Convênio n° 361/00/Funasa/PMJP, foram
integralmente executadas (os), de acordo com as normas técnicas vigentes, tendo
sido cumprido o objeto conveniado" (grifo do MPF). Assim agindo Cícero Lucena
e Evandro de Almeida 22 Em revisão INQ 3719 / DF Fernandes utilizaram-se,
indevidamente, dos valores transferidos pela FUNASA por força do Convênio
acima citado, proporcionando, com sua conduta, o desvio de recursos públicos
em benefício de José Ricardo Belarmino Ferreira no montante de R$ 126.380,57
referente à parcela não executada do contrato celebrado entre a Prefeitura de
João Pessoa e a empresa D M Construções. (vide denúncia, fls. 11/12). A
denúncia, todavia, ao transcrever - inclusive entre aspas, para garantir sua
suposta literalidade - o conteúdo do “relatório de cumprimento de objeto” firmado
pelo denunciado Cícero e pelo ex Secretário de Infraestrutura Evandro de
Almeida, omitiu, sem qualquer ressalva, dado fundamental que dele constava.
95
Confira-se o teor do citado relatório: Atesto, para fins de provas junto ao
MINISTÉRIO DA SAÚDE, por intermédio da FUNDAÇÃO NACIONAL DE
SAÚDE/FUNASA, que as obras/serviços constantes do Plano de Trabalho do
CONVÊNIO Nº 361/00/FUNASA/PMJP, foram integralmente executadas (os), de
acordo com as normas técnicas vigentes, tendo sido cumprido o objeto
conveniado, com redução de meta (TCU, vol. 2, fl. 432, grifo nosso). Assim, e
diversamente do que sustenta o Ministério Público Federal, em momento algum o
denunciado Cícero atestou o cumprimento integral do plano de trabalho que,
primitivamente, era objeto do Convênio, uma vez que, expressamente, ressalvou
a redução de meta, isto é, atestou seu cumprimento parcial. Neste particular, o
relatório de cumprimento de objeto, subscrito pelo denunciado, baseou-se em
outro relatório firmado, na mesma data, por engenheiro fiscal, de seguinte teor:
Com o recurso de R$ 233.385,76 do CONVÊNIO N° 361/MS/FUNASA/PMJP,
foram realizadas as obras referentes à Construção de 129 módulos sanitários,
nas favelas do Citex e 23 Em revisão INQ 3719 / DF Timbó. Faltam 26 módulos
que serão concluídos até o dia 29/10/05, sendo 19 no TIMBO e 7 na CINTEX,
complementando os 155 módulos do contrato da firma D.M.CONSTRUÇÕES
CIVIS LTDA (TCU, vol. 2, fl. 431). Note-se que, à evidência, não era atribuição do
Prefeito de uma capital como João Pessoa fiscalizar a construção de módulos
sanitários em comunidades carentes do município e aferir, in loco, se as
especificações contratuais estavam sendo observadas. Desta forma, o atestado
de cumprimento parcial do objeto do contrato que firmou espelhou-se, tão-
somente, no relatório subscrito pelo engenheiro fiscal. Curioso observar que esse
último relatório também era equivocado, e acabou por prejudicar a defesa dos
denunciados, uma vez que atestou a execução de 129 módulos sanitários,
quando, pelas seis medições realizadas, conforme já exposto, foram construídos
154 módulos. Não houve, portanto, “tentativa de esconder a inexecução parcial
dos serviços indicados”, como procurou fazer crer o corpo técnico do Tribunal de
Contas da União (fls. 23/23v.), em manifestação encampada pela denúncia (fl.
11). E não é só. O malsinado relatório de cumprimento de objeto foi firmado pelo
denunciado Cícero em 20 de setembro de 2005, quando, ante o término de seu
mandato, nem sequer era mais Prefeito de João Pessoa, razão pela qual
nenhuma influência teve na liberação dos pagamentos feitos à contratada, em
96
2003, com os recursos advindos do Convênio (confira-se TCU, vol. 2, fls. 422/423,
mídia de fl. 54). Em outras palavras, esse documento não teve relevância causal
alguma na imputada utilização indevida de verbas. Aliás, a denúncia não aponta
qualquer elemento concreto que vincule o denunciado Cícero aos pagamentos
realizados em favor da contratada. E nem poderia fazê-lo, haja vista que, de
acordo com o contrato nº 40/2002, firmado pela Prefeitura de João Pessoa e a
empresa D.M. 24 Em revisão INQ 3719 / DF Construções Civis Ltda., cabia à
Secretaria de Infraestrutura fazer as medições de obra e realizar os pagamentos à
contratada. O Prefeito Cícero, portanto, não era o gestor desse contrato e não
tinha a obrigação de pessoalmente vistoriar obras, realizar medições e nem de
autorizar pagamentos. Se houve falhas na execução do contrato, se não foram
atendidas as especificações contratuais e se as obras não atingiram o padrão
mínimo de qualidade e funcionalidade esperado, a reparação dos prejuízos
causados deverá ser buscada na esfera cível, assim como a responsabilização,
por eventual ato de improbidade administrativa, de agentes públicos, mesmo
porque a respectiva lei de regência (Lei nº 8.429/92) admite a modalidade
culposa. Em suma, os parcos elementos de informação constantes dos autos não
permitem a formulação de um juízo de probabilidade de que o denunciado Cícero,
em tese, praticou o crime descrito no art. 1º, II, do Decreto-lei nº 201/67. Não há
prova idônea de que houve utilização indevida ou desvio de recursos e nem
suporte probatório mínimo a indicar que o denunciado Cícero, de forma concreta,
concorreu para o suposto ilícito ou agiu com dolo, vale dizer, com consciência e
vontade de realizar a conduta típica e de produzir o resultado danoso. A falta de
justa causa para a ação penal é, pois, manifesta. Ante o exposto, pelo meu voto,
julgo improcedente, desde logo, a acusação, com fundamento no art. 6º da Lei nº
8.038/90.
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