abertura indiscriminada de cursos
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ABERTURA INDISCRIMINADA DE CURSOS SUPERIORES DE
ADMINISTRAÇÃO NO BRASIL: UM ENTENDIMENTO HISTÓRICO PARA
UMA POLÍTICA EMERGENTE
Marciano de Almeida Cunha – PUC-PR
Revista Brasileira de Docência, Ensino e Pesquisa em Administração –
ISSN 1984-5294 – Edição Especial - Vol. 1, n. 2, p.110-130, Julho/2009
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ABERTURA INDISCRIMINADA DE CURSOS SUPERIORES DE
ADMINISTRAÇÃO NO BRASIL: UM ENTENDIMENTO HISTÓRICO PARA
UMA POLÍTICA EMERGENTE
Marciano de Almeida Cunha – PUC-PR
INTRODUÇÃO
Este ensaio tem por objetivo resgatar o histórico do surgimento das
primeiras Universidades na Idade Média, acompanhar a expansão das
instituições universitárias durante a Idade moderna, por toda a Europa e
América, e a partir desse apanhado histórico fazer uma analogia ao fenômeno
contemporâneo que é a expansão da educação superior pelo Brasil, em
especial, os cursos de Administração.
Por outro lado, este ensaio trará uma contribuição para aqueles que
desejam fazer parte do corpo docente de instituições de ensino superior e que
não possuem formação pedagógica, tão pouco, histórica, conhecer,
historicamente, a constituição da universidade e da docência na educação
superior.
Em nenhum momento a intenção deste ensaio é apresentar de forma
reducionista a história da Instituição Universidade, tão pouco, esgotar a
discussão sobre a abertura indiscriminada de cursos superiores no Brasil. Os
dados aqui apresentados servirão de elementos problematizadores para o
aprofundamento da questão levantada. Claro que, o fenômeno discutido
apresenta outras vertentes, além da histórica. A abertura indiscriminada de
cursos superiores no Brasil sofre influência de questões econômicas e políticas
de âmbito internacional.
Esse momento vivenciado pela Educação Superior Brasileira, em muitas
outras nações e sociedades já foi vivenciado e historicamente superado. A
Universidade desde o seu surgimento no século XIII tem uma história cíclica.
Questões como autonomia, programas acadêmicos, docência e expansão
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geográfica sempre foram tratadas ao longo dos séculos. Porém em cada
século estas questões refletem o modelo de sociedade vigente, ou seja, a sua
estrutura social, organização política, econômica e cultural.
Portanto, as discussões fomentadas quanto à regulamentação de
instituições universitárias no Brasil e conseqüentemente de cursos superiores e
que inquietam nós pesquisadores e docentes existiram, também, no
surgimento desta instituição e a acompanha ao longo dos tempos. É importante
considerar que a Idade Média, como destaca ULMANN & BOHEN (1994,
p.292-306) não constitui uma idade intermediária, mas uma época inicial de
fecunda gestação do futuro. O retorno às origens e o acompanhamento da
presença medieval ao longo dos séculos, parece mostrar não ter havido cisão
qualitativa, na história, mas prolongamento e continuidade. Tal idéia pode
surpreender-nos porquanto nega a concepção de que medievaliade e
modernidade se opõem frontalmente, porém, “o que há de mais vivo no
presente é o passado”.
A INSTITUIÇÃO DAS PRIMEIRAS UNIVERSIDADES: UM RECORTE
HISTÓRICO
Segundo CHARLE & VERGER (1996, p. 13) as primeiras universidades
surgiram na Europa ocidental no início do século XIII, pode-se considerar
contemporâneas as universidades de Bolonha, Paris e Oxford. O que se
ensinava nestas instituições permitia o desenvolvimento e continuação da
cultura erudita e a forma mais alta de saber que um homem livre podia almejar:
as Artes Liberais (Gramática, Retórica, Lógica, Aritmética, Música, Astronomia
e Geometria).
Até o século XII era nos centro escolares que os jovens buscavam o
conhecimento. A igreja detinha o controle e o monopólio sobre os centros
escolares por meio do sistema licentia docendi, uma espécie de autorização
para funcionamento outorgada em cada diocese pela autoridade episcopal.
Pela França, predominavam as escolas de Artes, porém existiam escolas
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isoladas de Medicina e Direito espalhadas pela Itália, Inglaterra e norte da
França, todas autônomas e sob a responsabilidade do mestre, portanto, laicas.
Para BUARQUE (2003, p.29) a Universidade nasceu porque os
mosteiros medievais perderam a sintonia com o ritmo e o tipo de conhecimento
que vinha surgindo no mundo ao seu redor. As Universidades surgiram como
um espaço para o novo pensamento livre e vanguardeiro de seu tempo, capaz
de atrair e promover jovens que desejavam se dedicar às atividades do espírito
num padrão diferente da espiritualidade religiosa.
ULMANN & BOHEN (1994, p.76) veementemente acreditam que não se
pode reduzir a uma única causa a emergência da universidade. Para elucidar a
formação delas, aplicam a linguagem aristotélica das causas.
A causa material: é o acúmulo do saber humano, em
todas as suas latitudes, à disposição dos espíritos
curiosos. A causa formal expressa-se no desenvolvimento
corporativistas dos mestres e dos alunos, que nisso
imitaram outras associações. A causa eficiente pode ser
vária: geralmente, cifra-se na formação espontânea da
universitas e no reconhecimento social por parte da Igreja
e/ou do poder público temporal ou, ainda, na origem ex
privilegio (= ex auctoritate), podendo ser fundação papal
ou do imperador (rei, príncipe). Por fim, qual a causa final
das universidades? Servir a Deus e à Igreja, sendo úteis à
sociedade. (ULMANN & BOHEN, 1994, p.76)
A história registra que inúmeros centros escolares ativos sofreram
declínio brusco na segunda metade do século XII. Indagava-se sobre a causa
do fracasso, alguns argumentavas que os professores não souberam ensinar,
outros, que as cidades não conseguiram administrar o afluxo dos estudantes.
Não existe uma causa única, como aponta CHARLE & VERGER (1996, p. 16)
seria necessário um estudo particular para cada caso. No entanto, sabe que,
Em Bolonha (...) foi em torno de 1190 que se iniciou a
mudança decisiva. Subtraindo-se à autoridade individual
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dos doutores, os estudantes começaram a se agrupar de
acordo com sua origem geográfica, por nações. (...) pouco
a pouco, as “nações” estudantis agruparam-se em
“universidades”. (...) Por volta de 1230 a Universidade de
Bolonha, pelo menos quanto aos direitos Civil e Canônico,
estava solidamente constituída. (CHARLE & VERGE,
1996 p. 16-17)
Em Paris, foi pouco depois de 1200 que os mestres, em
todo caso os mestres independentes que ensinavam,
principalmente as Artes Liberais, começaram a se
associar. (CHARLE & VERGE, 1996 p. 17)
A Universidade de Oxford também é antiga (...) em 1214
foram-lhe outorgados os privilégios pontificais. (CHARLE
& VERGE, 1996 p. 18)
Cabe registrar que estas instituições eram pouco freqüentadas por
nobres, e muito menos ainda pela massa populacional, afastada pelos altos
custos dos cursos e o tempo de duração. O maior contingente de estudantes
era oriundo de uma classe media que via o acesso, aquisição e domínio do
conhecimento como uma possibilidade de ascensão social também. Inclusive
os nobres faziam questão em contratar os diplomados para cargos superiores
da administração e da justiça em seus Reinos.
Analisando as causas da gênese das universidades ULLMANN &
BOHNEN (1994, p. 76-78) apresenta uma classificação, predominante entre os
estudiosos, quanto às modalidades de origem:
1.Ex consuetudine são universidades que nasceram
espontaneamente de escolas preexistentes, ou seja, das
escolas catedralícias, formando os professores e os
alunos uma única societas.
2.Ex privilegio ou ex auctoritate denominam-se as que
foram criadas ou por um governante ou por um Pontífice,
ou por ambos, não sem motivos políticos e utilitários.
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3.Ex migratione chamam-se as universidades originadas
por secessão1 de alunos e professores, por causa de
desavenças com autoridades locais.
Apostando abertamente na modernidade institucional e intelectual, em
todos os lugares o papado garantiu a autonomia universitária; por meio disso,
ele reconhecia para as universidades uma espécie de magistério doutrinal
extensivo a toda cristandade, servindo em última instância, evidentemente, a
objetivos definidos por ele mesmo.
Ao longo dos séculos seguintes, a universidade floresceu como um
verdadeiro centro de geração de alto conhecimento nas sociedades. Mas, para
tal, ela teve de reciclar, mudar e se adaptar, em diversos momentos, à
realidade ao seu redor.
É importante destacar, ao longo dessa história, dois séculos importantes
que marcaram essa nova fase da Universidade Medieval, os séculos XIV e XV.
CHARLE & VERGE (1996 p. 22) apresenta duas fortes características desse
período: as novas fundações e o crescente papel do estado. São, de certa
forma, características que possibilitaram a expansão universitária contribuindo
para a perpetuação da Universidade até os dias de hoje. Estas duas
características são elementos importantes para o entendimento da
problemática deste ensaio.
As novas fundações universitárias expandiram-se por todos os países,
mais do que as primeiras resultaram de um ato de fundação decidido por
autoridades políticas, pelo príncipe ou pela cidade, e confirmado pelo papado.
Inclusive, alguns países até então marginais em relação aos grandes centros
culturais e políticos europeus adotaram a instituição universitária como um
signo de sua modernização. O estado e os poderes políticos, portanto, passam
a exercer um controle opressivo sobre as Universidades que serviam de
instrumento para elaboração de uma ideologia nacional e monárquica.
1 Entenda-se por secessão a retirada, por protesto, de alunos e mestres que por questões políticas abandonavam as universidades, principalmente quando a liberdade era ameaçada. É claro que o êxodo de alunos e professores significava, para uma cidade, declínio de seu renome.
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Devido estarem, quase sempre, ligadas a um principado territorial,
estas novas instituições não objetivavam nenhum brilho universal. Elas se
submeteram de boa vontade, em troca dos favores do príncipe ao papel
determinado: ministrar um ensino ortodoxo formar as futuras elites locais,
contribuir para a ordem social e política estabelecida.
A expansão territorial pode ser percebida em números conforme retrata
CHARLE & VERGE:
Em 1300, não havia ainda, certamente, mais do que 12 ou
13 universidades ativas na Europa. Até 1378, o ritmo das
fundações continuou moderado. (...) Tudo irá mudar
depois do Grande Cisma (1378 – 1417). Rompimento
confessional que dividirá a Europa em duas dominações
rivais. Essa crise acelerou a emergência dos Estados e
das Igrejas nacionais. Havia menos de trinta
universidades realmente ativas em 1378; em 1500,
haverá mais que o dobro. (CHARLE & VERGE, 1996, p.
23-24)
Aos poucos a Universidade foi perdendo sua autonomia e ao final do
século XIV se tornado uma instituição bastante diferente da que havia sido em
suas origens. A história das universidades da idade média, que durante muito
tempo guardou uma identificação com a história das idéias e das doutrinas,
desliga-se completamente desta. CHARLE & VERGE (1996 p.29) chegam a
relatar que os estatutos eram freqüentemente mal-aplicados; os programas
estudados de maneira incompleta; as durações obrigatórias dos estudos, não
respeitadas, mesmo os exames algumas vezes eram fraudados; negligência e
fraude se tornavam comum. O acesso rápido, e a baixo custo, ao diploma
constituía o objetivo confesso de muitos estudantes.
Para nós, pesquisadores e docentes há um conforto. Pelo menos nos
centros mais importantes foram elaboradas novas teorias e práticas intelectuais
que fizeram progredir a cultura ocidental. As escolas e as universidades
medievais propiciaram o aparecimento, no Ocidente, da figura social do
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“intelectual”. Figura munida de uma “cultura de base” que lhe possibilitava uma
visão coerente do mundo.
A lista de disciplinas ensinadas nas universidades foi fixada no século
XIII. Na verdade, muitas universidades ensinavam apenas algumas disciplinas,
e mesmo com o surgimento, no final do século XIV, da idéia de que toda
universidade deveria ter as “quatro faculdades” tradicionais (Artes, Medicina,
Direito e Teologia), eram freqüentes aquelas que existiam apenas no papel.
Delas vem a idéia inicial de que existiam disciplinas propedêuticas,
preparatórias para os estudos propriamente superiores. Elas eram reagrupadas
sob a denominação de “Artes Liberais”. Distinguiam-se as três artes do trivium
(Gramática, Retórica e Dialética) e as quatro do quadrivium, artes das coisas e
dos números (Aritmética, Música, Astronomia, Geometria) e adquiriu-se, então
o hábito de falar da Faculdade de Artes.
O método de ensino das universidades medievais se originou do modus
docendi das escolas anteriores ao século XII. O método foi aprimorado e se
tornou mais complexo recebendo o nome de escolástica2. A Pedagogia
escolástica articulava-se, em todas as faculdades, em torno de dois exercícios:
a leitura (lectio) e a disputa (disputation). A leitura escolástica tinha antes como
finalidade fazer surgir e expor de maneira autônoma as “questões” ou os casos
que aparecessem no decorrer do comentário textual. Convertido em exercício
distinto, a questão tomou a forma concreta da “disputa”, ou seja, de uma
discussão pública organizada entre estudantes sob a direção do mestre.
Em todas as disciplinas, o ensino repousava em um pequeno número de
“autoridades”, textos de base, famosos por conter, se não todo o saber, pelo
menos os princípios gerais sobre os quais todo o conhecimento posterior devia
basear-se. O ensino escolástico era principalmente oral. O mestre deveria
possuir as autoridades que ele “lia” e consultar os principais comentaristas
anteriores; pressupunha-se que os próprios estudantes tivessem pelo menos
os textos lidos em classe, para acompanhar proveitosamente os cursos.
2 Etimologicamente Escolástica provém de schola, de que deriva scholasticus, isto é, pertencente à escola, ou ao mestre. Scholasticus significava, também homem culto, versado no trivium e no quadrivium. Era pois um título honorífico. (ULLMANN & BOHEN, 1994, p.44)
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As universidades construíram um sistema completo de exames e de
graus denominado licentia docendi. Através desses exames a competência
intelectual dos estudantes ficava oficial e coletivamente assegurada pela
universidade; o saber adquirido por meio do estudo era assim convertido em
“capital social” passível de tornar-se dinheiro no decorrer de toda uma carreira.
De modo geral havia três graus sucessivos. O bacharelado, na maioria das
vezes obtido dentro da própria escola, o mestrado e o doutorado.
As universidades procuravam facilitar o acesso de seus membros ao
livro. Porém, até o século XV, havia bibliotecas apenas nos grandes colégios.
De modo global, as insuficiências da produção livresca certamente são
responsáveis por muitas das deficiências do ensino universitário medieval.
A multiplicação das universidades não impediu que muitas grandes
cidades, capitais políticas ou econômicas como Londres, Milão, Berlim tenham
ficado desprovidas delas, devido, certamente, à desconfiança conjunta dos
governos e das elites burguesas.
Enfim, a instituição universitária começou a firmar-se fora
da Europa, nas colônias americanas. Na América Latina,
as mais antigas fundações foram as de São Domingos
(1538), a de Lima (1551) e a do México (1551); instituídas
por decreto real com estatutos inspirados nos de
Salamanca e de Alcalá, quase sempre controladas por
ordens religiosas, ensinando principalmente Teologia e
Direito Canônico, as universidades da América Latina
eram claramente fundações coloniais e missionárias: vinte
delas foram estabelecidas antes da independência, com
maior ou menor sucesso, nas principais colônias
espanholas. No Brasil não houve nenhuma. Na América
do Norte, as primeiras universidades, sob a forma de
colégios, foram antes de tudo o fruto de interesses locais:
tratava-se de formar pastores e administradores de que
necessitavam as colônias inglesas; os primeiros colégios
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foram Harvard (1636), Williamsburg (1693) e Yale (1701).
(CHARLE & VERGER, 1996, p.42)
No Brasil, diferentemente de toda a América espanhola, o ensino
superior iniciou-se em 1808, conforme apresenta ANASTASIOU & PIMENTA
(2002, p. 148), no período colonial com a criação de escolas isoladas. Até
então, os brasileiros eram enviados à Europa para estudar, principalmente em
Coimbra. O modelo adotado nessas escolas era o franco-napoleônico,
caracterizado por uma formação profissionalizante e burocrática para o
desempenho das funções do estado. Em sua organização administrativa,
tratava-se de um modelo de universidade centralizador e fragmentado.
A história do surgimento da primeira Universidade brasileira é
considerada por BUARQUE (2003, p 45) um pecado original que demonstra o
obscurantismo e o servilismo da elite brasileira.
É irônico que ela tenha sido criada para que fosse
concedido o título de Doutor Honoris Causa ao Rei
Leopoldo da Bélgica em visita ao Brasil, no ano de 1922.
Não fosse por aquela visita e a ingênua vaidade de um
monarca ou o capricho de algum de seus cortesãos, a
universidade brasileira talvez tivesse demorado mais 10
ou 20 anos para ser criada. (...) Entre 1922 e 1934, a
Universidade do Brasil e do Rei Leopoldo, no Rio de
Janeiro, foi a única e precária instituição universitária,
embora existisse no país diversos cursos de ensino
superior.(...) a primeira grande universidade brasileira
nasceu em 1934, não mais pela vontade de um rei belga
(...) a Universidade de São Paulo resultou da vontade de
intelectuais brasileiros aliados a intelectuais franceses.
BUARQUE (2003, p.45)
Buarque registra que a atual Universidade Federal do Paraná reivindica
a pioneirismo como Universidade, inclusive, em 2003, comemorou os seus 90
anos de história. É uma briga política que não vamos aprofundar aqui, mas
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que, segundo o próprio Buarque, do ponto de vista do desenvolvimento
explícito e da dimensão nacional foi mesmo no Rio de Janeiro em 1922 o
surgimento da primeira universidade brasileira, atualmente, a Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
A EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA EM VIAS DO SÉCULO XXI
Discutir a Educação Superior no Brasil necessariamente passa pelo
entendimento da realidade socio-politico-econômica do país. Na atual
conjuntura que vivemos, período de globalização e internacionalização, todas
as políticas, inclusive as educacionais, dos países, necessariamente sofrem
interferências de instituições e agências internacionais. Para chegarmos ao
entendimento da educação superior em vias do século XXI faz-se necessário
discutir como a Educação Superior e a universidade brasileira evoluiu ao longo
do século XX e relaciona-la à dinâmica dos determinantes socio-político-
econômicos deste período.
Segundo BOSI (2000, p.9-10),
(...) até 1934, o ensino superior estava concentrado nas chamadas
“grandes escolas”, voltadas para a formação de advogados, médicos,
engenheiros e agrônomos: as faculdades de engenharia e as escolas
superiores de agronomia. Eram instituições públicas, gratuitas e bem-
estruturadas, que cumpriam satisfatoriamente o seu propósito de formar
as elites regionais, de onde saíam os profissionais e os grupos dirigentes
do Império e da República Velha. Portadoras de uma tradição
humanística e científica de filiação européia, particularmente francesa e
alemã, representaram, em geral, a ponta-de-lança da cultura letrada em
uma nação periférica cujas elites desejavam integrar-se nos modelos
ocidentais hegemônicos.
A evolução da universidade brasileira e suas relações com o estado é
organizada por BUARQUE (1994, p. 198-199) em quatro momentos a saber:
1. Até os anos 50, a universidade era inexistente ou incipiente;
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2. Entre os anos 50 e final dos anos 60, a universidade cresceu em
todos os sentidos: número de instituições, de alunos, de professores;
3. A partir do final da década de 60 e durante a de 70, a universidade
não apenas cresceu como se transformou: as universidades públicas,
especialmente, assumiram o papel de instituições de pesquisa; seus
professores passaram a ter carreiras acadêmicas, pós-graduação,
bons salários em comparação ao período anterior; construíram-se
prédios, montaram-se laboratórios, bibliotecas;
4. Finalmente, depois dos anos 80 inicia-se um processo de
degradação: os recursos são reduzidos; uma parte considerável das
energias dos professores é canalizada para obter recursos e evitar a
degradação dos salários, nem sempre com êxito e freqüentemente
por meio do desgastante instrumento da greve.
BOSI (2000, p.15) complementa considerando que a partir dos anos 70,
a demanda cresceu significativamente, o que propiciou a expansão das redes
federais e estaduais de ensino superior. Um novo panorama começava a se
delinear, à medida que essas redes se saturavam, ou que as exigências dos
seus vestibulares superavam o desempenho dos egressos de uma escola
média deficiente, multiplicavam-se também as universidades ou simples
faculdades privadas autorizadas pelo Ministério da Educação.
Essa multiplicação pode ser observada nos dados apresentados por
BOSI (2000, p. 16): em 1980, havia no Brasil 34 universidades federais e 20
particulares. Em 2000 tínhamos 39 universidades federais (o acréscimo não
passou de 1,5%) e 76 particulares (mais de 250% de acréscimo), não incluídas
as faculdades isoladas.
O Senso da Educação Superior no Brasil, em 2002, apresentado pelo
INEP3, revela um boom do número de instituições de ensino superior4
existentes no país. São 1637 instituições. Deste número 195 instituições são de
administração pública (73 federais, 65 estaduais e 57 municipais), e 1442 são
3 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. 4 Consideradas as Universidades, Centros Universitários, Faculdades Integradas, Faculdades Isoladas e Centros de Educação Tecnológica.
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de administração privada (1125 particulares e 317 confessionais, comunitárias
ou filantrópicas). A análise dos dados demonstra uma interiorização das
instituições, tanto as públicas quanto as privadas, apresentam o número de
instituições no interior, 70%, aproximadamente, superior ao número de
instituições nas capitais.
Os dados apresentados nos permitem-nos observar que o Sistema da
Educação Superior no Brasil está estruturado em dois grandes blocos. O bloco
das instituições públicas e o bloco das instituições privadas. Dentro de cada um
deles existem categorias. As públicas são organizadas em Federais, que são
instituições marcadas pelo elevado grau de qualificação dos seus docentes e
conseqüentemente excelência na produção acadêmica; as Estaduais, mantidas
pelos governos como forma de interiorizar a educação superior, porém sofrem
com o sucateamento dos prédios e a falta de recursos para investimentos na
pesquisa, pois a arrecadação estadual não é suficiente, algumas destas
instituições de caráter estritamente eleitoreiro; e as Municipais, em sua grande
maioria faculdades isoladas instituídas para suprir uma necessidade de
qualificação local.
Quando se trata das instituições privadas estas são organizadas em
Particulares, mantidas por grupos empresariais, em alguns casos
multinacionais proprietárias de outras empresas, como supermercados, outras
surgiram a partir de colégios bem sucedidos cujos administradores resolveram
apostar no filão do momento e há também aquelas cuja propriedade pertence a
políticos tradicionais, as instituições particulares representam a maior parcela
de instituições do mercado como vimos nos dados apresentados pelo senso
2002; Comunitárias/Confessionais/Filantrópicas são instituições geralmente
mantidas por religiosos ou entidades sem fins lucrativos, são instituições com
uma certa tradição e demonstram ao longo da sua história um compromisso
com a sociedade e com a educação.
Este cenário é bem propício para o desenvolvimento da concorrência.
Para sobreviverem, as instituições lançam mão das mais diversificadas
técnicas e estratégias mercadológicas.
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A concorrência é explícita entre instituições privadas, porém
MARCOVITCH (1998, p. 129-130) visualiza a concorrência também entre
instituições públicas e instituições privadas, esta concorrência contraria os
interesses nacionais e a oposição dos dois sistemas constitui um grosseiro erro
estratégico.
É preciso que se discuta a complementariedade entre
eles. (...) É evidente que a universidade pública não
conseguiu acompanhar a demanda de cursos de
graduação. Mas também a lógica do ensino privado tem
limitado o florescimento da pesquisa.
Para BOSI (2000, p.17) a enorme propaganda que as universidades-
empresa estão fazendo nas capitais dos estados e até nas cidades médias e
menores atesta o grau de concorrência do respectivo mercado. Curiosamente,
essa luta competitiva, ao contrário do que pretende o pensamento neoliberal,
não concorre para melhorar a qualidade do produto oferecido à praça (o
ensino), mas só faz degrada-lo no afã de torna-lo mais acessível ao
consumidor-cliente (o aluno). Um verdadeiro varejão5 da educação superior foi
instalado no país. Essa idéia é confirmada e afirmada por um “dono” de
faculdade do Rio de Janeiro:
(...) a McDonald’s do curso superior. Com franquias em
quase todo o Rio de Janeiro, serviço rápido e diploma
para todos os bolsos, é a universidade particular que mais
cresce no estado. Em três décadas de funcionamento,
transformou os 166 alunos em 90 mil. (MONTENEGRO,
16 nov. 2001)
SILVA JR. & SGUISSARDI (1999, p.25) a crise e reestruturação do
estado e da educação superior não são fenômenos exclusivos do Brasil, nem
apenas de países do Terceiro Mundo ou da América Latina, mas uma realidade
presente e comum à maioria dos países de todas as dimensões, graus de
5 Expressão utilizada pela Prof. Rosa Lydia em suas aulas no Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, pra caracterizar as instituições de ensino superior emergente que não apresentam nenhum compromisso com a educação.
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desenvolvimento e latitudes. Trata-se de fenômenos que acompanham as
transformações da base econômica dos diferentes países, a começar pelos do
chamado Primeiro Mundo, e especialmente da Europa Ocidental, onde o
trânsito do Fordismo para um novo regime de acumulação e a crise do Estado
do Bem-Estar Social se fazem sentir antes e com maior intensidade.
CATANI (1996, p. 17) explica que a crise do Fordismo, enquanto forma
de organização do trabalho e enquanto modelo de desenvolvimento do
capitalismo, inaugura um novo momento histórico, no qual a nova ordem
econômica mundial e o neoliberalismo encontram-se em sua centralidade. A
nova ordem econômica mundial vai, pois, se delineando por meio da superação
das contradições produzidas historicamente pelo Fordismo e pode ser
considerada como uma outra etapa do capitalismo ou como um outro ciclo da
mais-valia relativa ou, ainda, como um outro estágio de acumulação capitalista.
A tendência de transformação do processo produtivo brasileiro,
impulsionada pela nova ordem internacional, e a necessidade de inserção do
Brasil na economia mundial obrigam a aproximação dos setores produtivos dos
centros elaboradores do conhecimento, isto é, as universidades e os institutos
de pesquisa do governo, em face da centralidade ocupada pela ciência e pela
tecnologia em meio às vantagens comparativas no acirrado mercado mundial.
A aproximação entre setores produtivos e educacionais, em especial a
educação superior, é um fato estruturalmente irreversível neste estágio de
desenvolvimento do capitalismo mundial.
O Estado brasileiro para acompanhar essa nova lógica do capitalismo
passa por uma Reforma modernizando-se. Esta Reforma constitui-se da
redefinição das atividades estatais distribuindo-as em setores. Os serviços
outrora de responsabilidade do Estado passam a ser realizados por instituições
não-estatais, na qualidade de prestadoras de serviço. Desta forma, segundo
CHAUÍ (1999), “a Reforma encolhe o espaço público democrático dos direitos e
amplia o espaço privado não só ali onde isso seria previsível – nas atividades
ligadas à produção econômica –, mas também onde não é, admissível – no
campo dos direitos sociais”.
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Para adequar a Universidade a essa nova realidade, a idéia da Reforma
é dicotomizar as atividades da universidade, o ensino da pesquisa. O ensino de
responsabilidade das Organizações de Educação Superior e a pesquisa de
responsabilidade dos centros de excelência em pesquisa.
O léxico da Reforma é inseparável da universidade como
“organização social” e de sua inserção no setor de
serviços não-exclusivo do Estado. Ora, desde o seu
surgimento (no século 13 europeu), a universidade
sempre foi uma instituição social, isto é, uma ação social,
uma prática social fundada no reconhecimento público de
sua legitimidade e de suas atribuições, num princípio de
diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras
instituições sociais, e estruturada por ordenamentos,
regras, normas e valores de reconhecimento e
legitimidade internos a ela. (CHAUÍ, 1999)
Portanto, a universidade abandona a condição de instituição e assume a
condição de Organização. A diferença não está apenas na nomenclatura, mas
na idéia prática de cada um dos termos. Enquanto a instituição aspira à
universalidade, a organização sabe que sua eficácia e seu sucesso dependem
de sua particularidade.
CHAUÍ (1999), caracteriza muito bem essa passagem da universidade
da condição de instituição à de organização em duas fases sucessivas, a
primeira fase a universidade funcional, voltada para a formação rápida de
profissionais requisitados como mão-de-obra altamente qualificada para o
mercado de trabalho, e a segunda fase a universidade operacional que, por ser
uma organização, está voltada para si mesma e estruturada por estratégias e
programas de eficácia organizacional.
RISTOFF (2002) numa análise mais apurada afirma, convicto, que essa
Reforma que atinge a universidade se evidenciou na República do presidente e
professor Fernando Henrique Cardoso e do ministro da Educação Paulo
Renato e é percebida pelo seguinte diagnóstico:
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Crescente vulgarização do sentido de universidade;
agressiva privatização do sistema; desinvestimento
programado e gradativo nas Instituições Federais de
Ensino Superior (IFES); crescimento vertiginoso da
exclusão no acesso às IES públicas; desrespeito repetido
à constituição no que se refere à autonomia das
Universidades, à democracia interna e à
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão;
privatização crescente do espaço público, através de
cursos regulares, especializações, mestrados e
doutorados, assessorias, consultorias, etc. oferecidos,
como mercadorias, através das fundações de apoio;
privatização branca do espaço público através de
mestrados profissionalizantes pagos e de cursos
seqüenciais pagos; perda da qualidade acadêmica
através da substituição de professores efetivos por
estagiários de docência; aligeiramento da graduação
através de cursos seqüenciais, colocados no mesmo
patamar valorativo dos cursos de graduação, ou de
propostas de encurtamento da graduação. (RISTOFF, ?)
Enfim, esse é o panorama atual da Educação Superior no Brasil. Um
panorama não muito agradável, mas uma realidade que satisfaz ao modelo
neoliberal e segundo SGUISSARDI (2000, p.14) responde às “recomendações”
que o Banco Mundial fez para a Educação Superior dos países em
desenvolvimento através do documento La enseñanza superior: lãs lecciones
derivadas de la experiência (1994) e do The financing and management of
education: a status reportt on worldwide reforms (1998). Entre as
recomendações estão: fomentar a maior diferenciação das instituições,
incluindo o desenvolvimento de instituições privadas; redefinição da função do
governo no ensino superior; proporcionar incentivos para que as instituições
diversifiquem as fontes de financiamento, por exemplo, a participação dos
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estudantes nos gastos e a estreita vinculação entre o financiamento fiscal e os
resultados.
É notório, portanto, que a análise da realidade da Educação Superior no
Brasil não pode se limitar à observação dos dados e políticas nacionais, isto
seria uma visão reducionista, mas uma leitura que contemple o levantamento
histórico, político e econômico numa perspectiva macro e microambientais.
ALGUMAS QUESTÕES PARA REFLETIR
Este ensaio procurou resgatar historicamente como a instituição
universidade se constituiu ao longo dos tempos e como se caracteriza no
Brasil. O século XXI é um século que se iniciou com muitas transformações
políticas e econômicas cujas bases estão no século XX. A universidade
brasileira, hoje, passa por um momento de crise. A ruptura de um modelo
europeu, tardiamente e muito mal copiado, tem como mola propulsora o
modelo neoliberal.
De autônoma, a universidade passa, nos dias de hoje, a serviçal do
sistema econômico e do novo estágio do capitalismo. Para BUARQUE (1994,
p. 22), “a universidade, que foi criada para se pensar livre dos dogmas,
avançou nos métodos interpretativos, no conhecimento filosófico, no
pensamento científico inicial, mas estancou quando este pensamento precisou
ir além do que os gregos tinham criado”. É mister não esquecer, que apesar da
autonomia, conquistada nos atos de sua criação, a universidade nos
primórdios, também apresenta registros de promoção dos desejos de reis,
príncipes e burgueses.
BUARQUE (1994 p. 23) é severo quando afirma que
De promotora do saber, em poucos séculos a
universidade se transformou não apenas em conivente
como também instigadora da tentativa de impedir o
avanço do conhecimento. Vários são os casos desse
impedimento: a não reação contra a morte de Miguel
Servert, o descobridor da circulação pulmonar, a
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condenação de Joana D’arc, a proibição da menção do
nome de Descartes, entre tantos outros.
Talvez, hoje, esse impedimento, no Brasil, seja representado por todas
as questões que levantamos neste texto. A crescente vulgarização da
universidade, fazendo com que os cursos superiores percam a cada dia sua
cientificidade, a crescente privatização do setor pela iniciativa privada e
sucateamento das instituições públicas. È importante que todos estes aspectos
por nós levantados não sejam entendidos como ativismo e sindicalismo, mas
como uma preocupação com a verdadeira essência do ensino superior criado
no século XII.
Contudo, não podemos fechar nossos olhos e não trazer à tona das
discussões acadêmicas o que se vê diariamente. O que dizer dos cursos
seqüenciais, uma proposta de aligeiramento e perda da qualidade, ou uma
resposta imediata da educação superior às demandas mercadológicas? Os out
doors estampam layouts apresentando instituições que proporcionam cursos
superiores em dois anos. E os vestibulares eletrônicos realizados
semanalmente? E os vestibulares temáticos, como o “Da Véspera do Dia dos
Namorados”? Os olhos dos estudantes brilham em saber que o ensino
superior, objeto de desejo materializado no diploma, está cada vez mais
próximo.
Porém, nenhum desses out doors apresenta o valor da dívida adquirida
pelo infeliz quando assina o contrato de prestação de serviços educacionais. A
fila em busca de financiamentos educacionais encomprida a cada dia. Todos
com a ilusão de que depois de formados, estão com uma vaga garantida ao
sol6, E assim como fala FRIEDMAN, citado por BIANCHETTI (2001, p. 99):
É eminentemente desejável que todo jovem, homem ou
mulher, qualquer que seja a renda, posição social, local
de residência ou raça dos pais, tenha oportunidade de
obter educação superior contanto que estejam dispostos a
pagar por ela hoje ou com a renda mais alta que a
6 Leia-se sol como mercado de trabalho e PEA (População Economicamente Ativa)
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escolarização lhe permitirá obter depois. (FRIEDMAN,
1980)
Criticamente, BIANCHETTI (2001, p. 100) diz que “isso representaria
uma bolsa de valores de cérebros, onde os empresários investiriam naqueles
estudantes que, no desenvolvimento de suas atividades estudantis,
demonstrassem ser um investimento lucrativo”.
Hoje, ficamos impressionados e estarrecidos quando observamos uma
banalização do ensino superior, mas outrora, séculos atrás, um movimento
muito semelhante aconteceu. A educação servindo de serviçal e mordomo dos
sistemas políticos. Como sempre fala a professora Lílian Wachowicz7 em suas
aulas: “Qualquer semelhança, NÃO é mera coincidência”.
Várias são as indagações sobre o que está acontecendo. Inicialmente
deixamos a seguinte questão: a expansão da Educação Superior no Brasil na
contemporaneidade é uma democratização ou banalização? Esta e outras
questões deverão ser aprofundadas num trabalho de pesquisa que tem como
tema “A abertura indiscriminada de cursos superiores de Administração: um
aspecto da história recente”.
Por que são a Administração junto ao Direito os cursos que mais abrem
nesse momento pelo Brasil? A resposta não deve ser reducionista afirmando
que são cursos que não exigem uma infraestrutura laboratorial. Existem
implicações políticas e econômicas e cabe aos professores desses cursos
emergentes uma consciência do fenômeno para que não sejam instrumentos
de reprodução da ideologia dominante.
Esses cursos, em especial os de Administração, estão expandindo as
vagas para professores no mercado de trabalho, e alguns, inclusive com uma
boa remuneração. Isso faz com que muitos administradores de carreira,
trabalhem em empresas durante o dia e à noite exerçam a docência. Aí é onde
reside o perigo. Estariam estes professores preparados para a docência?
Sabe-se na informalidade que não. Primeiro porque não têm dedicação
7 Professora Doutora do Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR.
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exclusiva ou ao menos parcial. Muitos estão fazendo da docência um “bico” e
assim a mediocridade se instala na educação superior.
Preliminarmente, sugerimos que, uma forma de frear essa expansão
indiscriminada da iniciativa privada na Educação Superior, seria o
desenvolvimento de política regulamentadora mais séria e comprometida. Uma
política para o setor privado deve partir do reconhecimento de sua
heterogeneidade, que é muito maior do que a existente no setor público. Ele
inclui tanto instituições idôneas e competentes, como meras empresas de
ensino, sem compromisso mais sério com a Educação.
Em relação à docência, sugerimos que cada instituição estruture um
núcleo de formação pedagógica para assessorar os professores e acompanhar
sua prática. O objetivo não é desenvolver no curso de administração um
pedagogismo surreal e sim orientações direcionadas para a prática pedagógica
no ensino de Administração, por isso faz-se necessário que estejam a frente
desses núcleos profissionais que entendam da Administração e da Pedagogia
simultaneamente. Com isso, aqueles que fazem da docência um “bico”,
pressionados pelo fazer consciente e comprometido, ou desistirão ou se
entregarão ao exercício consciente do ser educador. E assim, poderão ser
minimizados os efeitos dessa expansão indiscriminada de cursos superiores.
Bibliografia
ANASTASIOU, Lea das Graças; PIMENTA, Selma. Docência no Ensino
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