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Abordagem crítica da educação ambiental e patrimonial: conexões
possíveis rumo ao pensamento pós-colonial
Tiago Silva Alves Muniz 1
Barbara Cristina Pelacani 2
1 Analista Ambiental | Técnico em Arqueologia (IEPA) - Mestre em Arqueologia
(UFRJ) e Licenciatura Plena em Ciências Biológicas (UFRuralRJ) –
tiago_samuniz@yahoo.com.br
2 Mestranda em Educação (UNIRIO) e Pesquisadora do GEASur –
barbara.pelacani@gmail.com
RESUMO
A abordagem crítica no campo tanto da educação formal ou não-formal contribui para a
formação humanitária dos educandos, fazendo-os reconhecer através de abordagens na
educação ambiental e patrimonial o raciocínio crítico fundamental para autonomia rumo
ao pensamento pós-colonial. De tal maneira, este trabalho visa refletir sobre a
necessidade de contextualização de temas transversais e atuação do educador frente às
relações hegemônicas de dependência, pobreza e visão de mundo.
Palavras-chave: educação ambiental crítica, educação patrimonial, justiça
socioambiental, racismo ambiental, práticas educativas.
ABSTRACT
The critical approach in the field of both formal and non-formal education contributes to
the humanitarian formation of learners, making them recognize through critical
approaches to environmental and heritage education the fundamental critical reasoning
for autonomy towards the post-colonization of thought. Thus, this work aims to reflect
on the need to contextualize cross - cutting themes and the educator 's performance in
relation to hegemonic relations of dependence, poverty and worldview.
Key-words: critical environmental education, patrimonial education, socio-
environmental justice, environmental racism, educational pratices.
Introdução
A prática pedagógica como nos campos da educação ambiental e patrimonial e o
envolvimento com temas transversais permite reconhecer e transformar a visão de
mundo dos educandos baseados da proposição do pensamento crítico seguindo Freire
(1969); Funari (2001); Loureiro (2007). A fim de emancipar o educando, a perspectiva
crítica da educação ambienta-se em campo de disputa, com o olhar para a pós-
colonialidade. O território demarcado pela colonização reflete aspectos históricos,
sociais e econômicos de tal processo de apropriação. Destarte, as ações pedagógicas
patrimoniais e ambientais seguindo uma perspectiva crítica (MORIN, 1973) devem
evidenciar lacunas que foram produzidas com fins de alienação e dominação dos de tais
comunidades. A compreensão da relação entre os povos e a natureza integram a
educação ambiental e patrimonial numa perspectiva pós-colonial se distanciando da
educação tradicional, permeada de um caráter elitista, tecnocrata e eurocêntrico.
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Para tal abordagem, aqui tratamos de temas transversais ou inter-multi-
transdisciplinaridade (WEIL, 1993) Interdisciplinaridade se aplica tanto a uma prática
multidisciplinar, colaboração de profissionais com diferentes formações disciplinares,
como ao diálogo de saberes que funciona em suas práticas, e que não conduz
diretamente à articulação de conhecimentos disciplinares. O disciplinar pode referir-se à
conjugação de diversas visões, habilidades, conhecimentos e saberes dentro de práticas
de educação, análise e gestão ambiental, que, de algum modo, implicam diversas
“disciplinas”– formas e modalidades de trabalho – , mas que não se esgotam em uma
relação entre disciplinas científicas, campo no qual originalmente se requer a
interdisciplinaridade para enfrentar o fracionamento e a superespecialização.
A educação se concretiza pela ação em pensamento e prática, pela práxis, em
interação com o outro no mundo. Trata-se de uma dinâmica que envolve a produção e
reprodução das relações sociais, reflexão e posicionamento ético na significação política
democrática dos códigos morais de convivência. Educar é ação conservadora ou
emancipatória (superadora das formas alienadas de existência); pode apenas reproduzir
ou também transformar-nos como seres pelas relações no mundo, redefinindo o modo
como nos organizamos em sociedade, como gerimos seus instrumentos e como damos
sentido à nossa vida. Isto não significa vê-la como o meio singular para a mudança de
valores individuais e de relações sociais na natureza e nem como dimensão descolada da
dinâmica societária total. É uma dimensão primordial para se alterar nossos padrões
organizativos, mas não deve ser pensada como “salvação”, ignorando-se as demais
determinações sociais nas quais estamos envolvidos. Este é um aspecto de grande
relevância a ser mencionado a cerca da educação.
Percebe-se que nas correntes hegemônicas de educação há uma tendência ao
pragmatismo funcional de base cientificista, instrumental e positivista em suas raízes,
que se manifesta com uma forte tendência pragmática, com uma visão fragmentada da
realidade e apontamentos para a eficiência produtiva de mercantilização da vida
inerente ao capitalismo. Logo, é importante a associação das iniciativas que trabalham
com as esferas afetivas e comportamentais à crítica política, num movimento de
mudança individual e coletiva pela práxis revolucionária, promovendo o
questionamento dos currículos, disciplinas, projetos político-pedagógicos e das relações
de poder nas escolas; a estrutura do sistema educcional brasileiro; além de
problematizar a realidade de vida de cada grupo social, na totalidade social, seja no
Estado, seja na sociedade civil.
Dialeticamente falando, para construirmos um novo patamar societário e de
existência integrada às demais espécies vivas e em comunhão entre nós, precisamos
superar as formas de expropriação que propiciam a dicotomia sociedade-natureza.
Remetendo, portanto, ao seguinte pressuposto: a educação ambiental não se refere
exclusivamente às relações vistas como naturais ou ecológicas como se as sociais
fossem a negação direta destas, recaindo no dualismo, mas sim a todas as relações que
nos situam no planeta e que se dão em sociedade – dimensão inerente à nossa condição
como espécie. Assim, o educar “ambientalmente” se define pela unicidade dos
processos que problematizam os atributos culturais relativos à vida – quando repensa os
valores e comportamentos dos grupos sociais; com os que agem nas esferas política e
econômica – quando propicia caminhos sustentáveis e sinaliza para novos padrões
societários.
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A dita educação ambiental conservadora (LAYRARGUES, 2004), está centrada
no indivíduo, no alcançar a condição de ser humano integral e harmônico, pressupondo
a existência de finalidades previamente estabelecidas na natureza e de relações ideais
que fundamentam a pedagogia do consenso. Focaliza o ato educativo enquanto mudança
de comportamentos compatíveis a um determinado padrão idealizado de relações
corretas com a natureza, reproduzindo o dualismo natureza-cultura, com uma tendência
a aceitar a ordem social estabelecida como condição dada, sem crítica às suas origens
históricas. Esta vertente não pensa processos educativos que associem a mudança
pessoal à mudança societária como pólos indissociáveis na requalificação de nossa
inserção na natureza e na dialetização entre subjetividade e objetividade; mas sim
pensar a transcendência integradora, a transformação da pessoa pela ampliação da
consciência como caminho único para se obter a união com a natureza e para
reencontrar uma essência pura que ficou perdida em nossa objetivação na história.
A atuação em Educação Ambiental Crítica na perspectiva humanitária
A educação ambiental é um tema transversal e não uma disciplina, podendo ser
inter-multi-transdiciplinar (EVARISTO, 2010). As relações de poder que permeiam a
sociedade se estendem à geração de conhecimento, afetando a evolução científica, como
mantenedoras de paradigmas no ensino de biologia e ciências (KUHN, 1962; ERNST
MAYR, 2005; MUNIZ & BACHINSKI, 2012). A modo que, a prática de ensino neste
contexto de uma educação bancária reforça hierarquias, paradigmas, racismos,
sexismos, especismos (MUNIZ, 2016). A prática de ensino de ciências e respectivas
atividades de ensino-aprendizagem revelam como concepções de meio ambiente1
podem ser avaliadas durante processo pedagógico. Nesta perspectiva, o cotidiano
escolar atuando na formação do indivíduo, preenche e é preenchido de significados,
sendo as visões manifestadas dos educandos sobre a relação entre natureza, humanos e
outros animais foram materializadas na pesquisa de Muniz (2016), onde as concepções
de meio ambiente de Reigota (1991) foram utilizadas como sistema de interpretação e
avaliação de atividades.
A relação natureza vs. homem (ou humanos) vs. animais (ou outros animais), ou
ainda, vs. cultura promovem inúmeras abordagens a partir dos eixos transversais que
interligam tais pontos. Aqui será abordado o debate sobre cultura x natureza, que, na
antropologia surge desde a consolidação desta disciplina em meados dos séculos XIX
(NUERNBERG & ZANELLA, 2003). Para Lévi-Strauss (1982:41) “o homem é um ser
biológico ao mesmo tempo que social”, sendo essa distinção difícil de fazer, onde
ocorrem comportamentos naturais e sociais. Numa abordagem interpretativa, Clifford
Geertz resgata em Max Weber a ideia que o ser humano é “um animal amarrado a teias
de significados que ele mesmo teceu” (GEERTZ, 1991:4) sendo a cultura
essencialmente semiótica. Nesta abordagem interpretativa, Uexküll refuta o argumento
positivista criticando o ideal kantiano justo que, a premissa infundada de que física e
química revelariam a realidade, de um mundo das coisas-em-si, não seria possível
independente do observador humano, sendo para o autor, abordagens complementares e
não alternativas (UEXKÜLL, 2004:38).
1 REIGOTA (1991). Segundo o autor, as concepções de meio ambiente podem ser entendidas como: 1)
naturalista: meio ambiente como sinônimo de natureza intocada, evidencia-se somente os aspectos
naturais; 2) antropocêntrica: evidencia a utilidade dos recursos naturais para a sobrevivência do ser
humano; 3) globalizante: relações recíprocas entre natureza e sociedade.
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Seguindo o debate na filosofia, Voltaire critica o pensamento reducionista
abordando a teoria de animal-machine, sobre a qual o atual método científico se embasa
(DESCARTES, 2005; MUNIZ & BACHINSKI, 2012). Para tal crítica o argumente
segue a partir da suposição que os homens tinham continuamente ideias, percepções,
concepções as quais decorriam naturalmente, enquanto os animais também as tinham,
justo que um cão de caça tem a noção de quem seria seu senhor, a quem obedece, assim
como da presa que lhe traz. Assim, pois, se o pensamento do homem fosse também a
essência de sua alma, o pensamento do cão seria também a essência da sua
(VOLTAIRE, 1978:301). Este paradigma dos animais como autômatos, cujas estruturas
internas seriam equiparáveis a de um relógio é o que fundamenta o método científico da
observação. Entretanto, esta abordagem ignora a visão relacional, onde entende-se que
as coisas e as pessoas estão intimamente emaranhadas e integradas.
De tal forma, as relações inter-intra-específicas apontam para uma “questão
ambiental” complexa, trans e interdisciplinar. Posto que nada se define em si, mas em
relações em contextos espaço-temporais, no que se refere a método, a tradição dialética
exposta no item anterior é, dentre as que buscam pensar o enredamento do ambiente, a
que se propõe a teorizar e agir em processos conexos e integrados, vinculando matéria e
pensamento, teoria e prática, corpo e mente, subjetividade e objetividade. A dialética é o
exercício totalizador que nos permite apreender a síntese das determinações múltiplas
que conformam a unidade na diversidade, a superação do contraditório pela síntese que
estabelece outras contradições, num contínuo movimento de transformação.
A realidade é a síntese entre sujeito e objeto e não algo externo cuja dinâmica é
independente de nossa inserção nesta; a verdade se explicita na aplicação prática da
teoria e na capacidade de atuarmos reflexivamente em sociedade; a transformação das
condições materiais é a norma para a transformação subjetiva – uma sem a outra
significa mudanças pontuais e não revoluções substantivas; o sentido da construção do
conhecimento e da atuação no mundo é propiciar a emancipação humana e a superação
das formas de dissociação sociedade/natureza.
Assim, a finalidade primordial de atuação no campo da educação ambiental é
revolucionar os indivíduos em suas subjetividades e práticas nas estruturas sociais-
naturais existentes. Ou seja, estabelecer processos educativos que favoreçam a
realização do movimento de constante construção do nosso ser na dinâmica da vida
como um todo e de modo emancipado. Em termos concretos, isso significa atuar
criticamente na superação das relações sociais vigentes, na conformação de uma ética
que possa se afirmar como “ecológica” e na objetivação de um patamar societário que
seja a expressão da ruptura com os padrões dominadores que caracterizam a
contemporaneidade. Assim posto, privilegiar somente um dos aspectos que formam a
nossa espécie (seja o ético, o estético, o sensível, o comportamental, o político ou o
econômico, enfim, separar o social do ecológico e o todo das partes) é reducionismo, o
que pouco contribui para uma visão da educação integradora e complexa de mundo.
É oportuno recordar também que a “questão ambiental” aqui chegou sob o signo
da ditadura militar, com os movimentos sociais esfacelados e a educação sob forte
repressão, de modo a se evitar a politização dos espaços educativos. O resultado foi, em
termos de educação ambiental, uma ação governamental que primava pela dissociação
entre o ambiental e o educativo/ político, favorecendo a proliferação dos discursos
ingênuos e naturalistas e a prática focada na sensibilização do “humano” perante o
“meio natural”, ambos focados em uma visão conservacionista e desvinculados dos
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debates sobre modelos societários. Assim, a educação ambiental ganhou visibilidade
como instrumento de finalidade exclusivamente pragmática (em programas e projetos
voltados para a resolução de problemas enquadrados como ambientais) e como
mecanismo de adequação comportamental ao que genericamente chamou-se de
“ecologicamente correto”. É por isto, inclusive, que o senso comum muitas vezes acaba
vendo a, ainda hoje, como mero meio de apoio em projetos denominados “ambientais”,
e não como uma perspectiva paradigmática em educação, desqualificando sua potência.
O papel que assume a Educação Ambiental, portanto é o nome que
historicamente se convencionou dar às práticas educativas relacionadas à questão
ambiental. Assim, Educação Ambiental designa uma qualidade especial que define uma
classe de características que juntas, permitem o reconhecimento de sua identidade,
diante de uma Educação que antes não era ambiental (LAYRARGUES, 2004:7).
Educação ambiental crítica parte de uma visão sócio-histórica para a compreensão da
atual crise ambiental a partir das relações sociedade-natureza, para chegar à intervenção
sobre os conflitos ambientais. A educação ambiental não é neutra ela parte de um
pensamento epistemológico e filosófico bem demarcado, nem sempre visível quando
superficial, que vai gerar distintas práticas. No caso da educação ambiental crítica, este
é um posicionamento ético-político (CARVALHO, 2004).
A educação ambiental não se satisfaz com atitudes e mudanças individuais, tais
esforços partem de uma visão pragmática neoliberal de particularizar para enfraquecer e
culpar os sujeitos pelos danos ambientais, sendo estes então vigiados e punidos. A
educação ambiental se define como crítica em relação à educação ambiental
conservadora, que defende os interesses dominantes, agindo de acordo com a lógica do
capital, sendo mais um mecanismo de reprodução deste sistema é incapaz de
transformá-lo (GUIMARÃES, 2004:26). Limitados por uma compreensão de mundo
moldada pela racionalidade hegemônica, geram-se práticas incapazes de fazer diferente
do “caminho único” prescrito por essa racionalidade, efetivando-se a hegemonia.
Desta forma a Educação Ambiental Conservadora tende, refletindo os
paradigmas da sociedade moderna, a privilegiar ou promover: o
aspecto cognitivo do processo pedagógico, acreditando que
transmitindo o conhecimento correto fará com que o indivíduo
compreenda a problemática ambiental e que isso vá transformar seu
comportamento e a sociedade; o racionalismo sobre a emoção;
sobrepor a teoria à prática; o conhecimento desvinculado da
realidade; a disciplinaridade frente à transversalidade; o
individualismo diante da coletividade; o local descontextualizado do
global; a dimensão tecnicista frente à política; entre outros
(GUIMARÃES, 2004:27).
A educação ambiental crítica é uma contraposição da Conservadora em busca de
outros objetivos, partindo de outros princípios conceituais e referenciais teóricos,
segundo Guimarães (2004) esta é uma abordagem que intenta compreender e intervir na
realidade socioambiental através da complexidade mirando o conflito como ponto onde
as relações de poder são fundantes na estruturação e múltiplas determinações dos
sentidos e dos espaços.
Educação patrimonial: situando público, tempo e espaço
A Educação Patrimonial pode ser entendida como um processo permanente e
sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte
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primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. A partir da
experiência e do contato direto com as evidências e manifestações da cultura, em todos
os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados o trabalho de Educação Patrimonial
busca levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e
valorização de sua herança cultural (HORTA, 1999:6). Trabalhar o patrimônio cultural
no ambiente escolar é desenvolver nos alunos a busca de sua identidade através da
herança cultural no qual o representa. A Educação Patrimonial promove um melhor
aprendizado para a memória cultural, despertando nos alunos o interesse de conhecer a
identidade local através dos traços do passado. (SOUZA, 2012:6).
Educação Patrimonial é uma proposta interdisciplinar de ensino voltada para
questões pertinentes ao patrimônio ambiental/cultural (Figura 01). Pode ser aplicada em
comunidades próximas a patrimônios reconhecidos, como sítios arqueológicos, assim
como em escolas com o objetivo de sensibilização sobre a importância do
reconhecimento, da valorização e da conservação do patrimônio da região. Grande parte
das comunidades desconhece a riqueza do patrimônio histórico e arqueológico de seus
territórios. De tal maneira, destaca a importância da educação patrimonial e suas
possibilidades como atividade para estimular a curiosidade científica sobre os
primórdios da cultura regional (PACHECO & VARGAS, 2009).
Figura 01: Esquemas de inserção sobre ambiente, patrimônio e suas respectivas
abordagens pedagógicas. Retirado de PACHECO & VARGAS (2009).
A escola também contribui para forjar identidades; além de ser, é claro, um
espaço de discussão sobre o tema. Muitas vezes os primeiros contatos da criança com
modos de ser e viver diferentes dos seus e da sua família ocorrem na sala de aula. O
grupo de convívio, as trocas de experiências são vivências que podem marcar por toda
vida a forma como ela verá os outros e a si mesma. (AQUINO, 2015). Assim, a escola,
para o aluno, aparece muitas vezes como um lugar distante, coercitivo e pouco atrativo
(ABRAMOVAY, 2002)
Funari & Pelegrini (2006) indicam que a ênfase no patrimônio brasileiro atinge o
seu ápice no período que vai de 1914 a 1945, quando as duas guerras mundiais eclodem
sob o impulso do nacionalismo que, associado ao imperialismo, seria superado com o
fim da Segunda Guerra Mundial, e a criação da Organização das Nações Unidas –
ONU.A ciência arqueológica tem contribuído de maneira imprescindível na
comprovação da riqueza do nosso patrimônio, que infelizmente continua sendo vítima
do descaso, do abandono, da falta de uma política de preservação, não só para proteger,
mas sobretudo para inserir este patrimônio numa gestão urbana que potencialize a sua
vitalidade através da busca de alternativas de atividades econômicas adequadas.Com
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certeza, a arqueologia, entre outras ciências, cumpre o seu papel de aliada desta luta em
preservar e por que preservar. O conhecimento dos vestígios materiais remanescentes só
pode ser obtido através da arqueologia, ciência capaz de interpretar a realidade, a partir
dos restos da cultura material encontrados no ambiente. Os artefatos, abrigos,
edificações e todo o contexto construído pelo homem constituem o que denominamos
cultura material. Sua análise permite compreender as conquistas e mudanças que o
homem realizou, ao longo do tempo, em relação à inovação tecnológica e à apropriação
da natureza, bem como no tocante às interferências na paisagem.
Um tema abordado de maneira transversal no eixo da educação patrimonial é a
“descoberta do Brasil”. Assim, no contexto de conquista das Américas, as buscas
europeias por terras e recursos causou impactos devastadores sobre os habitantes destas
terras cobiçadas. A colonização foi responsável pela expropriação, expoliação e
desapropriação da cultura, do ambiente, das terras e conhecimentos do sul. O poder
econômico das grandes nações se construiu a partir de dutos encravados na América
Latina, que foram capazes de remover e comercializar os recursos minerais e agrícolas e
uma parte da humanidade que foi subjugada a essas mesmas regras (GALEANO, 2011).
A opressão sofrida pelos povos ancestrais é imposta até os tempos atuais, onde a relação
colonial tomou outros formatos, com novos projetos civilizatórios que envolvem a
dominação da educação, meio ambiente e cultura.
Como trata Aimé Césaire, referência nos estudos pós-coloniais, que a relação
entre colonizador e colonizado é de trabalho forçado; intimidação; pressão; policial;
tributária; furto; violação; imposição cultural; desprezo; desconfiança; necrotério;
presunção; grosseria; onde elites são exacerbadas e o povo aviltado. Inexistindo
perspectiva humanitária, em seu lugar impera dominação e submissão que transforma o
homem colonizado em instrumento de produção (CÉSAIRE, 2006:20).
O papel do colonizador, o que tem as certezas, as respostas e as perguntas, é
soberano em si mesmo. Define as regras do jogo e o jogo. Individualiza, particulariza,
oprime com seu poder para conquistar o território e recomeçar da própria fonte do
poder. Disputa as palavras, superficializa ou profundiza conceitos quando convém. O
conhecimento se transforma a partir da perspectiva do colonizador. A integração
colonizador-colonizado ocorre a partir da sucção do saber, ao expropriá-lo cria um novo
conhecimento de nível superior na hierarquia dos saberes, mesmo bebendo em fontes
locais, populares e ancestrais. A interlocução se dá em nome de um objetivo maior,
colonizar, impor uma nova cultura, uma dominação com interesses claros.
Mover o tempo e o espaço se torna necessário para colonizar, torná-los fluidos.
Esquecer a história local, os princípios e relações estabelecidas com a terra, garantindo a
falta de conhecimento. O novo conhecimento deve ser aprendido prontamente para que
um mundo melhor se estabeleça. A admiração do colonizado pelo colonizador, a entrega
– de corpo, alma e posses- àquele que olha de cima e daí fortalece sua posição,
recebendo e nada deixando. Extraindo e usurpando, em uma relação clássica do
oprimido e opressor, onde o que é desfavorecido possui uma idolatria cega por quem lhe
toma. Não um pensamento ingênuo, puro e selvagem, sim um pensamento alienado,
construído do topo, com esse objetivo.
O olhar do colonizador para o colonizado selvagem é de não-admiração, optando
por caracterizá-lo por sua “extraodinária deficiência”. Muitas vezes parece se
surpreender quando, com seu olhar de pena, observa no carente um comportamento
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próximo ao seu, civilizado. Neste retrato, o colonizado nunca tem revelada uma imagem
positiva, se mantém como um negativo, como descrito por Memmi (1969).
Como haveria uma reação deste (colonizado), confrontado
constantemente com esta imagem de si mesmo, proposta, imposta tanto
nas instituições quanto em todo contato humano? Essa imagem não
pode deixá-lo indiferente como se estivesse em uma chapa com ela
desde o exterior, como se fosse um insulto que voa com o vento.
Termina por reconhecê-la, como se fosse um apelido aborrecido, mas
convertido em um signo familiar. A acusação o perturba, o inquieta,
tanto mais quanto admira e teme ao seu poderoso acusador. Não teria
esse um pouco de razão? Murmura. Não seremos a pesar de tudo, nós
um pouco culpados? Preguiçosos, posto que temos tantos
desocupados? Temerosos, posto que nos deixamos oprimir? Esse
retrato mítico e degradante, querido e difundido pelo colonizador,
termina por ser aceito e vivido em certa medida pelo colonizado.
Adquire deste modo certa realidade e contribui ao retrato real do
colonizado (MEMMI, 1969:98).
O colonizador retira o direito de liberdade do colonizado. Explora a natureza,
leva os seus patrimônios, não deixa quase nada, mantendo a relação histórica de
escravidão. Aos colonizados sobra sua vida, mas que vida? O quanto dela não é uma
influência direta desse pensamento colonizador? Sua cultura de resistência e a
compreensão de que é explorado são caminhos possíveis? Como um ato colonizador
influencia na cultura de um lado e de outro do jogo? A desumanização, do colonizador,
e a coisificação, do colonizado, se transformam em marcas deste processo. A
colonização suprime a possibilidade de participação diante das decisões que contribuem
para o destino do mundo e do seu próprio, toda responsabilidade histórica e social é
retirada do colonizado. Isto porque o mito colonial está apoiado por uma organização
real, administrativa e jurídica que apóiam as exigências históricas, econômicas e
culturais do colonizador, como os baixos salários, destruição de sua cultura e das leis
que o regem. (MEMMI, 1969).
Para Hodder (2012) os seres humanos dependem das coisas a fim de construir,
manter e justificar o poder, dependendo, portanto, das coisas para controlar os outros.
Assim, o poder faz uso dos fluxos de significados nas coisas, suas associações e
relacionamentos. A perspectiva fornecida pelo emaranhamento desses aspectos é que
tais relações de poder não são apenas sobre o controle dos meios de produção, ou o
controle das relações sociais ou ideologias sociais. De tal maneira, o papel do
colonizador na transformação de visões de mundo modifica a forma de enxergar o
outro. Assim, Pierre Clastres define a espiritualidade do etnocídio, como a ética do
humanismo (CLASTRES, 2004:57). Neste contexto, Hodder (2016:64-76) aborda que
as relações de emaranhamento constituídas no processo colonizador criam armadilhas,
sendo a pobreza um exemplo das armadilhas do emaranhamento.
De acordo com essa abordagem, os grupos subordinados estão presos em um
duplo vínculo, dominado por grupos poderosos e indivíduos aprisionados em numerosos
emaranhamentos sobrepostos, incluindo baixa renda, saúde precária, educação limitada
e barreiras burocráticas (HODDER, 2016). Assim, poder-se-ia interpretar relações de
dependência, pobreza e mesmo racismo ambiental2 como formas de representações de
2HERCULANO & PACHECO (2006:16) discursam sobre racismo ambiental e justiça socioambiental
como desigualdade e de injustiça que recai sobre etnias e comunidades locais.
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materialismos, que revelam, seja, um objetivo colonizador ou uma rede de relações
atreladas às respectivas realidades e modos de vida. A discussão de Hodder (2016) traz
que em eras históricas este duplo aprisionamento do dominado é muitas vezes associada
a condições precárias e à pobreza. Assim, a noção de armadilhas da pobreza tem sido
amplamente discutida em relação às condições econômicas recentes e contemporâneas.
A armadilha da pobreza toma muitas formas, mas o termo é geralmente usado para
descrever alguma forma o mecanismo de espiralamento através do qual as pessoas não
podem sair da pobreza.
Assim, A pobreza não é o contrário da riqueza, o amor e empatia possuem a
nulidade de seu sentimento, não é necessário brotar o ódio para que não exista o amor.
Olhar o próximo como a si mesmo não cabe ao opressor, o opressor é também um
opressor de si mesmo, da natureza e da cultura, se transforma em ser inanimado,
alienado, em busca de um desenvolvimento que não lhe cabe, em busca de acumulações
que não lhe cabem. As transformações não param de acontecer em diversas direções, a
maioria delas caminha no mesmo sentido, se renovando e fortalecendo as bases
coloniais de onde vem. É necessário transver o mundo, com olhos mais curiosos,
radicais, epistemológicos, pedagógicos, ver o mundo de ponta cabeça do sul pra cima.
Não queremos viver uma sociedade morta. Desejamos isso para os
amantes do exotismo. Tampouco queremos prolongar a sociedade
colonial atual, a mais malvada que jamais se apodreceu debaixo do
sol. Precisamos criar uma sociedade nova, com a ajuda de todos os
nossos irmãos escravos, enriquecida por toda a potência produtiva
moderna, aquecida por toda fraternidade antiga (CÉSAIRE,
2006:25).
Há no colonizado um desejo pela reparação de sua situação, uma busca pelas
verdadeiras relações humanas, através da reestruturação das instituições, da abolição das
categorias colonizadoras.
O colonizado necessita suprimir a colonização para viver. Mas para
converter-se em homem necessita suprimir o colonizado que chegou a
ser. Se o europeu deve aniquilar em si o colonizador, o colonizado deve
superar o colonizado. A liquidação da colonização não é senão um
prelúdio da sua liberação completa: a sua autorreconquista. Para
libertar-se da colonização foi preciso partir de sua mesma opressão,
das carências de seu grupo. Para que sua libertação seja completa, é
necessário que se liberte dessas condições, certamente inevitáveis em
sua luta. (MEMMI, 1969. P.148).
Em tal processo de desalienação e de reconhecimento de seus conhecimentos
ancestrais, integrais, não disciplinarizados, os saberes da terra, das plantas e suas
propriedades, a valorização dos laços coletivos sociais, o trabalho com uma relação
justa com a natureza e o respeito à diversidade e a diferença devem ser valorizados. O
ato de colonizar impõe uma invasão que só pode ser negada pelo oprimido, a liberação
não será regalada pelos que detém o poder, pelo contrário, esses se utilizarão de
estratégias cordiais, tratados, leis e violência para não perderem seus tronos. Nesse
contexto colonial o oprimido tem cor, gênero e raça: são negros, mulheres, indígenas e
pobres os expoliados, desterritorializados e desapropriados. As comunidades
latinoamericanas e africanas colonizadas perdem suas raízes e direitos em nome de um
desenvolvimento para todos e com a sua luta estão os conhecimentos pós-coloniais que
devem ser apreendidos em busca da transformação social.
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A Sociedade, ao contrário dos processos bioquímicos, não escapa à
influência humana. É pelo homem que a Sociedade chega ao ser. O
prognóstico está nas mãos daqueles que quiserem sacudir as raízes
contaminadas do edifício. (...) de uma vez por todas, a realidade exige
uma compreensão total. No plano objetivo como no plano subjetivo,
uma solução deve ser encontrada. E é inútil vir com ares de mea
culpa, proclamando que o que importa é salvar a alma. Só haverá
uma autêntica desalienação na medida em que as coisas, no sentido o
mais materialista, tenham tomado os seus devidos lugares (FANON,
2008:28-29)
Para se libertar do arsenal de complexos germinados no seio da situação colonial
tais reflexões apontam caminhos que educam para além dos limites impostos pela
sociedade, no reconhecimento da ciência europeia como promotora de formas de vida
que buscam uma unidade, uma globalização, suportando a desqualificando o outro.
Existe a partir daí uma construção de linguagem e território que coloca o colonizado à
margem. Assim sendo, “A liberdade de um relaciona-se com extrapolar a resistência do
outro, ir além se formar nesse processo e ter a autonomia como resposta para o que está
posto (Fanon, 2008:27). O conhecimento para a desalienação tem em sua base saberes
que promovam respeito a igualdade e a diversidade de gênero, de raça e social.
Considerações finais: confluências e perspectivas de atuação conjunta
Para a “questão ambiental”, o diálogo e a importância social garantem a
roupagem de desenvolvimento sustentável, sem clarear para qual direção seria o
desenvolvimento e para quem seria sustentável. Os colonizadores ditam a regra do jogo
através de políticas econômicas que partem das cúpulas mundiais e chegam através de
dados quantitativos impondo sobre os territórios as lógicas hegemônicas do capital. A
abordagem de Educação Patrimonial e da Educação Ambiental em suas perspectivas
críticas como recurso para a compreensão sócio-histórica das referências culturais e
socioambientais em todas as suas manifestações do saber, colabora para seu
reconhecimento, valorização e preservação. Considera-se, ainda, que os processos
educativos devem primar pela construção coletiva e democrática do conhecimento, por
meio da participação efetiva das comunidades detentoras e produtoras das referências
culturais e ambientais, onde convivem diversas noções de patrimônio cultural e
sustentabilidade com bases ambientais que podem promover a transformação social.
A difusão da cultura da preservação exige o contato sistemático dos cidadãos
com os bens culturais e naturais, dos estudantes com as atividades relacionadas a essa
questão, em particular, com as pesquisas efetuadas por historiadores, arqueólogo,
arquitetos, restauradores, geógrafos, ambientalistas, ecologistas e demais especialistas
que tratam o conhecimento de forma a promover a “alfabetização cultural” e educação
ambiental que instrumentalizam ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia.
Se a perspectiva crítica no campo da educação ambiental, conforme aqui
exposto, revela através de práticas de ensino de ciências e biologia visões de mundo, a
atuação no eixo da educação patrimonial pode também revelar relações de
emaranhamento entre humanos-coisas, dependência, pobreza e por conseguinte, racismo
ambiental. A partir de um panorama de teias de emaranhamento os nódulos teias
sobrepostas revelam tessituras sobre aspectos que podem ser trabalhados sob a ótica de
debates em patrimônio cultural e educação ambiental, com características da trans e
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interdisciplinares sócio-história-ambiental definidas a partir de relações espaço
temporais. Na busca de uma ciência pós-colonial que se proponha a romper com a
colonização do pensamento, tratando de se apropriar das conexões possíveis entre a
abordagem crítica da educação ambiental e patrimonial rumo à transformação.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIRIO que
proporcionou o encontro dos autores deste artigo através das aulas ministradas pelo
educador Celso Sanchez, que também revisou este texto e promoveu demais encontros e
discussões junto ao Grupo de Estudos em Educação Ambiental desde el Sur.
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