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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA
JFPNº 700091094302004/CÍVEL
AÇÃO ORDINÁRIA. CONTRATO DE PROMESSA DECOMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL. OUTORGA DEESCRITURA PÚBLICA. PROCURAÇÃO EM CAUSAPRÓPRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM .A procuração em causa própria não configura ummandato, mantendo, apenas, a aparência de procuraçãocomo forma de representação. Na verdade, trata-se deverdadeiro negócio jurídico translativo de direitos,firmado de forma irrevogável e irretratável, que dispensaa prestação de contas, conferindo poderes gerais no
exclusivo interesse do mandatário. Assim, o negócioentabulado entre o mandatário e o terceiro é feito emnome próprio e não como representante do mandante,razão pela qual, no caso em tela, não são os mandantesresponsáveis pela outorga da escritura pública, o queenseja o acolhimento da preliminar suscitada.DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO PARA,ACOLHENDO A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADEPASSIVA, EXTINGUIR O FEITO SEM O JULGAMENTODO MÉRITO.
APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL
Nº 70009109430 COMARCA DE SANTO ÂNGELO
JOSE ARNO CLASSMANN APELANTE
SUELI TERESINHA DA SILVACLASSMANN
APELANTE
JOAO ALBERTO PIRES DE ARRUDA APELADO
JACINTA MEINERZ DE ARRUDA APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Nona
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar
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provimento à apelação para, acolhendo a preliminar de ilegitimidade passiva,
extinguir o feito, sem o julgamento do mérito.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os
eminentes Senhores DES. GUINTHER SPODE E DES. MÁRIO JOSÉ GOMES
PEREIRA.
Porto Alegre, 26 de abril de 2005.
DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI,Relator.
RELATÓRIO
DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI (RELATOR)
Adoto o relatório da sentença da fl. 47, verbis:
“JOÃO ALBERTO PIRES DE ARUDA e JACINTAMEINERZ DE ARRUDA ajuizaram ação cominatória com pedido de fixação de multa diári, contra JOSÉ ARNOCLASSMAN e SUELI TEREZINHA DA SILVACLASSMAN. Refere que nos autos da ação de rescisãode contrato, processo nº 4576, foi homologado acordofirmado pelas partes, constituindo-se o título executivo judicial. No acordo, comprometeram-se os demandado aoutorgar escritura pública de compra e venda em favor
dos demandantes, no que concerne a área de 28 há,com todas as suas benfeitorias, obrigação que não foi cumprida pelos requeridos, sendo objeto, inclusive, denotificação judicial, a qual também não surtiu efeitos.Postulam a procedência do pedido para que osrequeridos sejam condenados a outorgarem a escritura pública de compra e venda, sob pena de aplicação demulta diária, em caso de descumprimento. Requeremainda que a escritura pública seja outorgada em favor dos filhos Elisabete, Jaqueline e Jonatan, com a reservade usufruto vitalício aos autores. Juntaram documentos(fls. 05/21). Foi deferida a gratuidade da justiça e
determinado o apensamento do processo 4576 (fl. 22).Os réus foram citados (fl. 25), apresentando contestação
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com a preliminar de ilegitimidade passiva, sob oargumento de que firmaram procuração pública em favor de Antônio Guido Classman, em data de 16/07/1990,com poderes para prometer ou vender o imóvel de 65 ha,independente de prestação de contas, com o posterior pacto firmado por Antônio Guido, contrato particular de promessa de compra e venda, datado de 29/08/1990,referindo que a partir de 16/07/1990 não tiveram maisnenhuma relação com o imóvel, sustentando que a partir daquela data Antônio passou a agir como proprietário da
referida área de terras, concluindo-se que a transaçãoocorrida em 18/04/1994, deu-se por iniciativa única eexclusiva de Antônio Guido Classman, que sequer tinha procuração para atuar em nome dos demandados. Nomérito, voltam a salientar as questões suscitadas em preliminar. Juntaram documentos (fls. 33 e 34). Naréplica, ratificaram os autores os termos da inicial,salientando que a decisão homologatória transitou em julgado. Designada audiência de conciliação, nãocompareceram as partes Vieram os autos conclusos. .”
Acrescento que sobreveio sentença, julgando procedente opedido inicial para condenar os réus a outorgarem a escritura pública de
transferência do imóvel constante do acordo estabelecido na ação de rescisão
de contrato (autos em apenso), sob pena de, no caso de descumprimento,
incorrerem em multa diária no percentual de 30% do salário mínimo, piso
nacional. No tocante à sucumbência, condenou os demandados ao pagamento
das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$
700,00, considerando o julgamento antecipado, suspendendo a exigibilidadepor serem beneficiários da AJG.
Os réus apelaram, argüindo, preliminarmente, ilegitimidade
passiva “ad causam”. Na verdade, em 16/07/90, outorgaram procuração
pública, com cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade, ao Sr. Antonio
Guido Classmann para prometer vender ou vender o imóvel objeto da lide
(área de terras de 65 ha), independentemente de prestação de contas, pois se
acham pagos e satisfeitos com a venda do bem. Assim, a partir desta data, ooutorgado passou a agir como proprietário, inexistindo qualquer vínculo dos
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recorrentes com o imóvel. Foi Antonio quem firmou o acordo realizado nos
autos do processo em apenso, até porque não tinha procuração para atuar em
juízo em nome dos recorrentes. Aduziram que não tiveram qualquer benefício
com o acordo que reduziu a transferência da área de terras para 28 ha (antes
era 65 ha), fato que somente beneficiou o outorgado. Quanto à multa, disseram
ser indevida, pois não estão obrigados a fazer a transferência do imóvel, sendo
Antonio o responsável por tal incumbência. Por isso, deve ser extinta a multa,ou, então, suspensa até o julgamento final da lide, fixando-se prazo para
cumprimento de tal medida, nos termos do art. 461, § 4º, do CPC. Nesses
termos, requereram o reconhecimento da ilegitimidade passiva, bem como a
extinção da multa, ou, então, a sua suspensão até a decisão final, com a
inversão dos ônus sucumbenciais.
Com contra-razões pela manutenção do comando sentencial,
subiram os autos.Nesta instância, veio parecer do Órgão do Ministério Público no
sentido de não ser caso a comportar a sua intervenção.
É o relatório.
VOTOS
DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI (RELATOR)
Passo à análise da preliminar de ilegitimidade passiva “adcausam” invocada pelos recorrentes.
Pelo que se depreende dos autos, os autores João Alberto Pires
de Arruda e sua esposa Jacinta Meinerz de Arruda, na qualidade de
compradores, celebraram, em 29/08/90, um contrato particular de promessa de
compra e venda com os réus José Arno Classmann e sua esposa Sueli
Terezinha Classmann da área de terras de 65 ha descrita na cláusula primeira
da fl. 14 destes autos. Estes últimos - vendedores da área- , e nos termos docontrato, foram, naquele ato, representados por seu bastante procurador, Dr.
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Antonio Guido Classmann, advogado, “....conforme poderes constante no instrumento
procuratório lavrado no Tabelionato desta cidade de São Martinho, no Livro de Procurações de
número trinta e dois (nº 32) a folhas cento e vinte e dois (fls. 122), em data de dezesseis (16)
de julho de mil novecentos e noventa (1990)...”. (fl. 14).
Na procuração (fl. 09 dos autos em apenso) outorgada por José e
Sueli Classmann ao Dr. Antonio Classmann, datada de 16/07/90, anterior,
portanto, à contratação supracitada, constou como finalidade, verbis:
“....para o fim especial e onde com esta se apresentar, prometer vender ou vender o imóvel matriculado sobnúmero R-3/28101, do Cartório de Registro de Imóveisde Santo Angelo com a área de 65,00 hectare, podendoestabelecer todas as cláusulas e condições de estilo;acertar preços, prazos e condições; dar e receber quitação; assinar a necessária escritura pública decompra e venda, divisão, ratificação e retificação bemcomo contratos de promessa de compra e venda ou compra e venda; transmitir direito, domínio, ação,servidão e posse, respondendo pela evicção de direito ese obrigando a dar a venda por boa firme e valiosa,também por seus herdeiros e sucessores; o presenteinstrumento é feito com as cláusulas de irrevogabilidadee irretratável, independente de prestação de contas umavez que os outorgantes acham-se pagos e satisfeitos;enfim concedem amplos e ilimitados poderes para o bome fiel desempenho do presente mandato, podendoinclusive, substabelecer, com ou sem reserva de poderes.”
Observa-se, ainda, que, posteriormente à contratação os
outorgantes e vendedores das terras ajuizaram ação de rescisão de contratocumulada com reintegração de posse contra os compradores (processo em
apenso), ocasião em que foi entabulado o acordo das fls. 172/173 daqueles
autos, que restou homologado judicialmente (fl. 177 do mesmo processo).
Observa-se, também, que, naquele feito, foi juntada apenas a procuração por
instrumento público supracitada e não outra com poderes ad judicia, ou seja,
para representação em juízo. E isso vem ao encontro da alegação dos réus de
que não outorgaram procuração ao Sr. Antonio para representá-los em juízo.
Pelo que se verifica dos autos em apenso, desde o ajuizamento do feito, figura
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o Dr. Antonio Classmann como procurador, tendo, inclusive, firmado a petição
inicial da ação de resolução contratual.
Reside, portanto, a controvérsia em se indagar se, de fato, o Dr.
Antonio é mero mandatário dos vendedores do imóvel, e, neste caso, estaria
correto o pólo passivo da presente ação, ou se a procuração foi-lhe outorgada
em causa própria, o que ensejaria o acolhimento da preliminar de ilegitimidade
passiva.Como se sabe a procuração em causa própria não configura um
mandato. Apenas mantém a aparência de procuração como forma de
representação. Trata-se de verdadeiro negócio jurídico translativo de direitos,
firmado de forma irrevogável, que dispensa a prestação de contas, conferindo
poderes gerais no exclusivo interesse do mandatário.
Nesse sentido, decisões do STJ:
“CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE IMISSÃO NAPOSSE. DIREITOS HEREDITÁRIOS. PROCURAÇÃOEM CAUSA PRÓPRIA. CONTRATO DISTINTO DOMANDATO TRADICIONAL. TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS. MORTE DO PROMITENTE VENDEDOR.IRRELEVÂNCIA. VALIDADE DO INSTRUMENTO.DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
I- Pelo contrato de mandato em causa própria, omandante transfere todos os seus direitos sobre um bem,móvel ou imóvel, passando o mandatário a agir por suaconta, em seu próprio nome, deixando de ser uma
autorização, típica do contrato de mandato, paratransformar-se em representação.
II – Ao transferir os direitos, o mandante se desvincula donegócio, não tendo mais relação com a coisa alienada, pelo que não há que se falar em extinção do contrato pela morte do mandante. O contrato permanece válido e,em conseqüência, a procuração, que é sua forma,mesmo depois do decesso do vendedor.
III- Esse posicionamento, ademais, ajusta-se aoentendimento segundo o qual a promessa de compra evenda somente reclama inscrição do instrumento parasua validade e eficácia perante terceiros, mostrando-sehábil a obtenção da adjudicação compulsória em relação
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ao promitente vendedor independentemente desseregistro.”
(REsp 64457/RJ, 4ª Turma do STJ, Rel. Min. Sálvio deFigueiredo Teixeira, j. em 08/10/97, DJ em 09/12/97, p.64706)
RECURSO ESPECIAL. TRANSFERÊNCIA DE AÇÕESDE SOCIEDADE. PROCURAÇÃO EM CAUSA
PRÓPRIA. SUBSTABELECIMENTO.DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO.RESPONSABILIDADE. PRECEDENTES DA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. A transferência de ações de sociedade, mediante aoutorga de procuração em causa própria, irrevogável, ena qual o mandatário é autorizado, expressamente, atransferir as ações até para o próprio nome ou paraterceiro, esgota o negócio jurídico entre o mandante e omandatário.
2. O substabelecimento da procuração em causa própria para terceiro, estranho à relação jurídica originária,representa negócio celebrado pelo mandatário em seu próprio nome e o terceiro, incidindo a regra do art. 1.307 do Código Civil. O terceiro poderá exigir o cumprimentodo contrato do substabelecente com quem contratou, nãodo outorgante da procuração em causa própria.
3. Recurso especial conhecido e provido.”
(REsp nº 443770/RJ, 3ª Turma do STJ, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 10/12/02, DJ em 24/02/03, p. 00230).
AÇÃO ANULATÓRIA DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL DE FUNDAÇÃO. RETORNO DO IMÓVEL ANTES DOADOPARA O PATRIMÔNIO DO ORIGINÁRIO DOADOR POR PROCURAÇÃO IN REM SUAM E POSTERIOR ALIENAÇÃO A TERCEIRO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.
- A procuração in rem suam não encerra conteúdo demandato, não mantendo apenas a aparência de procuração autorizativa de representação. Caracteriza-se, em verdade, como negócio jurídico dispositivo,translativo de direitos que dispensa a prestação de
contas, tem caráter irrevogável e confere poderes gerais,no exclusivo interesse do outorgado. A irrevogabilidade
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lhe é ínsita justamente por ser seu objeto a transferênciade direitos gratuita e onerosa.
(....)
(REsp 303707/MG, 3ª Turma do STJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j.em 19/11/01, DJ em 15/04/02, p. 00216).
Ora, pelos termos do instrumento, trata-se, sem dúvida, de
procuração em causa própria, onde o mandatário ficou autorizado a transferir o
bem a quem quisesse, acertar condições, receber o preço, transmitir direito,responder pela evicção, ficando dispensado da prestação de contas, tendo sido
pactuado com cláusulas de irrevogabilidade e irretratabilidade, porque os
outorgantes estão pagos e satisfeitos, revelando, assim, a intenção de
transferir a condição de proprietário do imóvel.
Outra questão importante é a possibilidade de substabelecimento
da procuração a terceiro, estranho à relação jurídica inicial (suposto mandato),
reforçando que o negócio entabulado entre o mandatário e mandante – nocaso, os réus - destoa do contrato de mandato. Incide, portanto, a regra do art.
1.307 do Código Civil vigente à época dos fatos. Assim, o terceiro, no caso, os
autores deverão exigir o cumprimento do contrato do mandatário e não do
outorgante da procuração. São os réus, por isso, parte ilegítima para figurarem
no pólo passivo da demanda. Na verdade, o outorgado (Dr. Antonio) é quem
está legitimado a outorgar a escritura pública pleiteada na inicial, regularizando
a transferência do imóvel.Portanto, pelo contrato particular de promessa de compra e
venda, o Dr. Antonio Classmann alienou o imóvel aos autores em nome
próprio e não como procurador dos promitentes-vendedores, aqui
demandados, o que enseja o acolhimento da preliminar suscitada.
Por esses fundamentos, dou provimento à apelação para,
acolhendo a preliminar de ilegitimidade passiva, extinguir o feito, sem o
julgamento do mérito, nos termos do art. 269, VI, do CPC, invertendo os ônus
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sucumbenciais fixados na sentença, ficando suspensa a exigibilidade por
serem os autores beneficiários da AJG (fl. 22).
DES. GUINTHER SPODE (REVISOR) - De acordo.
DES. MÁRIO JOSÉ GOMES PEREIRA - De acordo.
DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI - Presidente - Apelação Cível nº
70009109430, Comarca de Santo Ângelo: "DERAM PROVIMENTO À
APELAÇÃO PARA, ACOLHENDO A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE
PASSIVA, EXTINGUIR O FEITO SEM O JULGAMENTO DO MÉRITO.
UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: LUIS CARLOS ROSA/dfs
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