alteraes na comunidade causadas por espcies invasoras20ece... · alterações na comunidade...
Post on 10-Nov-2018
213 Views
Preview:
TRANSCRIPT
Alterações na comunidade
causadas por espécies
invasoras
Invasões bióticas ocorrem quando
organismos são transportados para novas
regiões, geralmente distantes de sua área
nativa, onde seus descendentes irão se
proliferar, espalhar e persistir [1]. Ao ser
introduzida ou chegar a um dado local
uma espécie exótica pode se tornar
invasora, transpondo barreiras e filtros
ambientais (caixa 2). Após a chegada no
local, os indivíduos devem ser capazes de
sobrepujar barreiras ecológicas,
representadas por fatores abióticos e
interações com espécies locais, a fim de
se estabelecer no novo ambiente. Esses
indivíduos devem ser capazes de se
reproduzir e obter um crescimento
populacional suficiente para que a espécie
se torne apta a se dispersar para regiões
adjacentes ao seu local de introdução [2].
Com a colonização dessas novas áreas
ocorre a ampliação da distribuição
geográfica das espécies, encerrando o
ciclo do processo de invasão (ver caixa 2)
[3]. Embora essas invasões possam
acontecer de forma natural, a expansão do
comércio e transporte feitos pelos homens
ocasionou um grande aumento no número
de espécies envolvidas, na amplitude
geográfica, assim como na frequência de
ocorrência de novos episódios de invasão
[4].
Adriano A. Mariscal, Guilherme N. Corte
e Janaina R. Cortinoz.
Espécies invasoras podem provocar
alterações significativas dentro dos
processos ecossitêmicos existentes em
uma comunidade. Mudanças em
propriedades ecológicas essenciais tais
como riqueza de espécies, ciclagem de
nutrientes, produtividade, estrutura da
comunidade e interações mutualistas
são exemplos conhecidos de alterações
resultantes da invasão de uma espécie
exótica, e leva biólogos e
conservacionistas a acreditar que
espécies invasoras são responsáveis por
boa parte das extinções que ocorreram
recentemente. Neste trabalho,
pretendemos analisar algum dos
principais efeitos causados por espécies
invasoras nas comunidades onde estas
se estabelecem, assim como avaliar a
relação entre a invasão de uma espécie
exótica e as mudanças que podem
ocorrer no ambiente.
1
UNICAMP - PG Ecologia Ecologia de Comunidades e Ecossistemas 2008 - Seminários
Um crescente número de estudos
sobre invasões biológicas tem sido
publicado e acompanha o aumento no
número de casos verificados e a
magnitude dos impactos ambientais
atribuídos às espécies invasoras [5,6].
Dentre as conseqüências das invasões
biológicas mais citadas estão a extinção
de espécies, declínio populacional,
alterações nas relações bióticas nas
comunidades e alteração nos processos
ecossistêmicos [7,4,8]. Entretanto um
consenso sobre se essas espécies são a
causa ou um efeito destas mudanças
ambientais causadas pelos homens ainda
não foi atingido [9, 10] . Nesse sentido, o
objetivo deste trabalho é analisar algum
dos efeitos causados por espécies
invasoras nas comunidades onde estas se
estabelecem, assim como estabelecer uma
visão crítica sobre se essas espécies são
realmente a causa da mudança ambiental
ou estão simplesmente relacionadas com
os distúrbios no ambiente realizados pelo
homem.
Caixa 1: GLOSSÁRIO
Algumas definições utilizadas na literatura de invasões biológicas:
Espécie exótica ou não-indígena:Qualquer espécie encontrada fora de sua área de distribuição natural historicamente conhecida.
Espécie nativa ou indígena: Qualquer espécie encontrada dentro de sua de distribuição natural historicamente conhecida. Espécie endêmica: Qualquer espécie encontrada exclusivamente em determinada região. Espécie residente: Qualquer espécie encontrada em uma comunidade, não considerando se esta é exótica ou nativa. Espécie naturalizada: Espécie exótica que consegue sobreviver e produzir descendentes, mas é incapaz de se dispersar regionalmente. Espécie introduzida: Espécie exótica que é introduzida a um local geralmente para fins comerciais. Espécie invasora: São espécies exóticas que passam a se reproduzir e dispersar regionalmente tendo uma grande abundância e dominância sobre as demais espécies do local e que podem causar impacto na comunidade.
Alterações causadas por espécies
invasoras
Invasões de espécies exóticas são
amplamente reconhecidas como uma das
maiores ameaças à biodiversidade e à
estabilidade do ecossistema [7, 4] e são
2
UNICAMP - PG Ecologia Ecologia de Comunidades e Ecossistemas 2008 - Seminários
agora consideradas como um dos
principais assuntos em ecologia de
comunidades, recebendo grande atenção
por parte da mídia e do público em geral
[11, 5]. As consequências das invasões
bióticas podem variar de modo
acentuado, podendo ocasionar alguns
efeitos benéficos, como um aumento na
riqueza de espécies, ou efeitos adversos
significativos, como alterar a estrutura e o
funcionamento do ecossitema [12, 13].
Nos próximos tópicos, trataremos de
modo mais específico de alguns dos mais
conspícuos efeitos da invasão de espécies
exóticas em um ambiente.
Riqueza de espécies
Latini & Petrere (2004) [14]
estudando comunidades de peixes em
lagos do Parque Estadual do Rio Doce
(MG) observaram os efeitos de espécies
invasoras em comunidades lênticas
(lagos, p.ex.) da região. Nas décadas de
1960 e 1970, espécies predadoras de
peixes provenientes da bacia amazônica
foram liberadas em lagos próximas ao
limite do parque, de onde alcançaram
lagos dentro do limite da área de reserva.
Após a comparação de lagos com e sem a
presença dessas espécies introduzidas, os
autores observaram uma forte relação
entre a presença de espécies invasoras e a
diminuição da riqueza de espécies
nativas. Segundo os pesquisadores, se
uma população nativa não é
suficientemente competitiva ou não
possui mecanismos eficientes para evitar
a predação, suas chances de persistir na
comunidade após uma invasão tornam-se
bastante reduzida. Estes resultados
corroboram outros estudos realizados em
diversas partes do mundo que focam na
invasão de reservatórios por espécies
exóticas [15]. Analisados juntos, estes
estudos indicam um padrão não-aleatório
na
3
UNICAMP - PG Ecologia Ecologia de Comunidades e Ecossistemas 2008 - Seminários
Caixa 2: O processo de invasão.
Figura 1: A estrutura sugerida para definir termos operacionalmente importantes em estudos de invasões
biológicas. Os invasores potenciais começam como propágulos residentes em uma região fornecedora (Estágio 0), e passam por uma série de filtros que podem impossibilitar a transição aos estágios seguintes. Notar que do estágio 3 ao 5 há uma divisão relativa a abundância e na distribuição das espécies exóticas. Seguindo esta estrutura, uma espécie exótica pode ser: Localmente ou numericamente rara (estágio 3), difundido espacialmente, mas raro (estágio 4a), não difundido, mas dominante localmente (estágio 4b) ou difundido e dominante (estágio 5). Os nomes dados pretendem somente ajudar na conceituação de cada estágio, mas não devem ser usados para referir-se ao estágio de interesse (por exemplo: ‘estágio 4b’, ‘não dominante'). Três classes determinantes afetam a probabilidade que um invasor potencial passar através de cada filtro: (A) Pressão do propágulo; (B) Exigências físico-químicas do invasor potencial; e (C) interações da comunidade. As classes podem afetar positivamente (+) ou negativamente (-) o número dos propágulos que passam com sucesso através de cada filtro. (Adaptado de Colautti e MacIsaac, 2004)
O processo de invasão começa com a entrada de indivíduos na nova área. Essa entrada tem que ser em número e freqüência suficiente (A) para que haja número suficiente de indivíduos crescendo (estágio 0 estágio 1); Ao se estabelecer esses novos indivíduos tem que encontrar condições ambientais tais como temperatura e umidade além de recursos disponíveis para serem utilizados (B) adequados para crescer e chegar a fase reprodutiva (estágio 3 estágio 2), ainda neste momento a entrada de novos indivíduos (A) é importante para o sucesso do invasor. Passado para o estágio 2, ou seja, tendo uma entrada suficiente de indivíduos e estes encontrando condições e recursos favoráveis, um outro filtro torna-se importante, a interação com os organismos locais (C). Se as interações com a comunidade local não for negativa o suficiente ou se for positiva, a espécie exótica passa para uma situação onde pode se reproduzir e dominar localmente uma região (estágio 2 estágio 3). Chegada a este estágio, a espécie exótica, para se tornar uma invasora, pode seguir por dois caminhos: ou ela tem uma boa dispersão regional e aonde chegar encontrar condições, recursos e interações favoráveis (Estágio 4a), ou ela torna-se dominante localmente, mas não dispersa regionalmente (estágio 4b). A partir deste ponto a espécie se torna invasora (estágio 5) se barreiras de dispersão (estágio 4b estágio 5) ou de condições recursos e interações com a comunidade locais (estágio 4a estágio 5) forem superadas, assim ela torna-se dominante e dispersa.
4
UNICAMP - PG Ecologia Ecologia de Comunidades e Ecossistemas 2008 - Seminários
Ciclagem de nutrientes e produtividade
As consequências de invasões
biológicas podem apresentar mudanças
menos óbvias na comunidade como, por
exemplo, mudanças no solo [16]
enquanto que essas consequências
podem, por sua vez, resultar em impactos
visíveis no ecossistema. Espécies
sozinhas podem afetar uma variedade de
componentes do ciclo do carbono (C) e
de outros nutrientes, incluindo reservas de
C localizadas acima e abaixo da
superfície, nitrogênio (N) e outros
elementos, produtividade primária líquida
e taxa de crescimento de plantas [17, 18].
Grayston & Campbell (1998) [19]
afirmam que mudanças nos ciclos de
nutrientes podem ser resultados de
alterações na comunidade microbiana do
solo relacionadas a diferenças na
quantidade e qualidade de recursos
comsumidos por diferentes espécies de
plantas. A dinâmica de nutrientes também
pode ser alterada em função de mudanças
nas propriedades físicas do solo
resultantes da entrada de novas espécies
[16]. Mudanças no tipo funcional de
plantas, como herbáceas versus lenhosas,
espécies fixadoras de nitrogênio versus
espécies não fixadoras e espécies C3
versus espécies C4 também estão
intimamente relacionadas com a
distribuição e dinâmica dos nutrientes no
solo [20].
Ehrenfeld (2003) [21] revisou
evidências de mudanças na dinâmica do
solo em resposta à invasão de espécies de
plantas e avaliou possíveis generalidades
encontradas nos padrões de resposta. Ao
analisar 79 estudos com 56 espécies
diferentes de plantas, o autor verificou a
existência de alguns padrões gerais como
uma maior biomassa nas espécies
invasoras, assim como uma maior
produção primária líquida e maior taxa de
crescimento quando comparadas com as
espécies nativas por elas deslocadas. Uma
maior quantidade de N inorgânico
extraível e taxas maiores de
mineralização de N também estavam
relacionadas às espécies invasoras.
Porém, apesar das generalizações
encontradas, Ehrenfeld conclui que
espécies invasoras certamente afetam a
distribuição dos nutrientes no solo, mas a
direção dessas mudanças é difícil de ser
prevista, pois aumentos e diminuições são
observados em quantidades parecidas.
Animais invasores também podem
alterar a dinâmica de nutrientes em um
ecossistema. A espécie de porco europeu
Sus scrofa, devido ao seu hábito de
5
UNICAMP - PG Ecologia Ecologia de Comunidades e Ecossistemas 2008 - Seminários
cavoucar a terra em busca de alimento,
podem revirar o solo de grandes áreas,
resultando em diversos efeitos como
mortes de plantas e raízes, decomposição
mais rápida da camada de serrapilheira,
mistura das camadas do solo, aumento
nas taxas de mineralização dos nutrientes
e menor retenção de nitrogênio [22].
Singer et al. (1984) [23] compararam as
características do solo antes da invasão
dos porcos e depois de 10 anos da invasão
em uma floresta do Tenessee e
verificaram uma diminuição de 65% da
quantidade de matéria orgânica no solo e
um significante aumento na lixiviação de
cátions e nitrogênio. Os pesquisadores
também observaram uma concentração
elevada de nitrogênio em vertentes de
águas subterrâneas onde os porcos
estiveram.
Estrutura da comunidade
Através do deslocamento de
espécies nativas ou da redução de suas
abundâncias, espécies invasoras podem
alterar drasticamente a estrutura e
funcionalidade de muitas comunidades
nativas e ecossistemas. Sanders et al.
(2002) [24] avaliaram o impacto que a
espécie de formiga invasora Linepithema
humile causou na organização de uma
comunidade de formigas nativas no norte
da Califórnia (EUA). Os autores
analisaram dados coletados durante sete
anos de monitoramento da invasão e
documentaram a desestruturação da
comunidade nativa em função da chegada
da espécie invasora. Antes da chegada de
Linepithema humile, espécies nativas co-
ocorriam em uma intensidadede menor do
que a esperada ao acaso, o que sugere que
a população estava estruturada por
competição. A presença da espécie
invasora resultou em uma reorganização
dos padrões de co-ocorrência das espécies
nativas o qual passou de segregação de
espécies em comunidades intactas para
uma ocorrência agregada em
comunidades invadidas. Os autores
ressaltam também a rapidez com que essa
mudança na estruturação da comunidade
ocorria, sendo que o período para a
desestruturação da comunidade era de
apenas um ano a partir da chegada de L.
humile. Dessa forma, os autores sugerem
que a espécie invasora muda a estrutura
da comunidade por possuir uma maior
habilidade na exploração de recursos e
interferir de modo direto com seus
competidores.
6
UNICAMP - PG Ecologia Ecologia de Comunidades e Ecossistemas 2008 - Seminários
Interações mutualistas
Espécies invasoras podem alterar
interações ecológicas fortalecidas ao
longo de um grande tempo evolutivo e,
dessa forma, podem modificar trajetórias
evolucionárias. Em particular, espécies
invasoras podem romper relações
mutualísticas entre animais e plantas,
como relações de polinização e dispersão
de sementes [25]. Esses rompimentos
podem ocorrer a partir da invasão de
polinizadores, dispersores de sementes,
herbivoros, predadores ou plantas.
A entrada de um polinizador
exótico na comunidade pode afetar
negativamente as populações de plantas
se a quantidade ou qualidade de pólen
transferido entre plantas for diminuída, já
que essa diminuição acarretaria em uma
produção de sementes e uma consequente
redução no valor adaptativo da planta [8].
As mesmas propriedades que tornam um
polinizador invasor, por exemplo, altas
taxas de crescimento da população,
podem estar associadas com a proporção
de pólen que é transferido para indivíduos
jovens ao invés de ser transferido para
outras entre plantas [26]. Um dos mais
bem estudados casos de invasão por
polinizadores trata-se da abelha Apis
mellifera, um polinizador generalista com
ampla distribuição geográfica. Traveset &
Richardson (2006) [8] salientam o fato de
que a presença dessa abelha está
relacionada a uma diminuição na taxa de
visita por polinizadores nativos através de
competição por interferência ou
exploração. Essa diminuição no número
de visitas por polinizadores nativos
resulta em um menor valor adaptativo
destes e também das plantas, pois A.
mellifera, apesar de realizar visitas em
grandes quantidades, é um polinizador
menos eficaz em termos qualitativos.
No entanto, polinizadores exóticos
podem aumentar a aptidão de plantas em
função de um aumento na transferência
de pólen entre plantas [26] ou não exercer
nenhum efeito significativo se a taxa de
visitação de plantas for baixa. Cox &
Elmqvist (2000) [27] destacam o exemplo
da videira Freycinetia arborea presente
em algumas ilhas do Havaí. Nesta
localidade, os polinizadores de F.
arborea foram extintos e a espécie
persiste devido à presença de pássaros da
espécie Zosterops japonica, nativa do
Japão.
A introdução de herbívoros pode
influenciar negativamente a estabilidade
de uma comunidade e diminuir a aptidão
das espécies presentes. Um animal que
7
UNICAMP - PG Ecologia Ecologia de Comunidades e Ecossistemas 2008 - Seminários
consome partes vegetativas ou
reprodutivas de uma planta pode exercer
uma considerável influência na relação
mutualista entre planta e polinizador. O
consumo de partes flores, por exemplo,
afeta diretamente ambas as espécies
mutualistas através da diminuição da
fecundidade da planta e da quantidade de
recursos disponíveis para o polinizador.
Predadores exóticos, por sua vez, afetam
o crescimento da população de
polinizadores, o que influência
indiretamente no valor adaptativo das
espécies de plantas mutualistas. Nogales
& Medina (1996) [28] estudando a
influência de carnívoros nas Ilhas
Canárias, observaram que a presença de
gatos ferais nessas ilhas levou à extinção
diversas espécies de lagartos nativos que
eram importantes polinizadores para uma
grande variedade de espécies de plantas.
Espécies de plantas invasoras são em sua
grande maioria polinizadas por uma
grande variedade de animais, o que
facilita seu estabelecimento e dispersão
nas comunidades. Uma espécie exótica
que apresente grande produção de
recursos florais, com grande ou
prolongado display pode exercer grande
impacto em espécies nativas se ela for
preferencialmente escolhida pelos
polinizadores [3].
De modo semelhante, a invasão de
espécies exóticas de dispersores de
sementes ou de consumidores das
espécies relacionadas pode afetar a
estrutura e a diversidade de uma
comunidade nativa, assim como a
estabilidade e a aptidão das espécies nela
presentes. A introdução de um animal
frugívoro pode resultar em uma dispersão
efetiva de muitas espécies nativas e em
um aumento do valor adaptativo das
plantas quando a dispersão de sementes é
limititada. Por outro lado, o efeito pode
ser negativo para as populações de
plantas se o dispersor é ineficiente, por
exemplo, depositando as sementes em
locais inapropriados para sua germinação
[29]. Dispersores nativos, por sua vez,
podem ser negativamente afetados por
um dispersor exótico se a espécie
invasora for competitivamente superiror a
eles, principalmente se o recurso for
limitante.
Características físicas
Espécies invasoras podem iniciar,
aumentar ou suprimir eventos como fogo
e erosão, alterando assim as
características físicas do ambiente [30].
8
UNICAMP - PG Ecologia Ecologia de Comunidades e Ecossistemas 2008 - Seminários
D’Antonio e Vitousek (1992) [31]
sugerem que invasões de espécies de
gramíneas podem resultar alterações
irreversíveis no regime de fogo em
regiões onde queimadas ocorram
periodicamente. A alta razão
superfície/volume dessas espécies e a
típica acumulação de biomassa morta
elevam a probabilidade de incêndio em
ambientes onde gramíneas não eram
abundantes. Hughes et al., (1991) [32]
afirmam que as gramíneas invasoras
criam uma cobertura homogênea quando
comparada com a floresta nativa, o que
promove maiores velocidades nos ventos
e, consequentemente, uma maior
propagação do fogo. Promoção do fogo
por invasores também são observadas em
ecossistemas onde invasões de especies
lenhosas ocorreram. Van Wilgen &
Richardson (1985) [33] estudando o
ecossistema de fisionomia arbustiva
Fynbos, na África do Sul, verificaram que
a espécie invasora Hakea sericea, um
arbusto nativo da Austrália, aumenta a
quantidade de matéria disponível para as
queimadas e diminui a quantidade de
matéria úmida. Como resultado, os
autores observaram maiores taxas de
propagação do fogo em áreas invadidas
quando comparadas com áreas intactas.
Por outro lado, lugares invadidos pelo
arbusto australiano Acacia saligna
também apresentaram um aumento na
quantidade de matéria disponível para
queimadas, porém, o conteúdo de matéria
úmida também foi significativamente
maior, o que resultou em resultados
semelhantes em comunidades invadidas e
intactas com relação a queimadas [30].
Alterações na geomorfolgia
também são decorrentes da chegada de
espécies invasoras. Macdonald & Cooper
(1995) [34] observaram que a chegada da
planta invasora australiana Acacia
meamsii em ecossistemas da África do
Sul estava relacionada a uma maior
erosão nas margens de rios devido a um
baixo investimento no sistema radicular e
raízes menos profundas em comparação
com as espécies nativas. De modo
contrário, espécies invasoras também
podem ocasionar uma maior estabilidade
em substratos perturbados. Espécies de
crescimento clonal que se ramificam por
estolões ou rizomas são bem sucedidas na
estabilização de substratos perturbados ou
móveis. Essa estabilização, por sua vez,
pode levar a taxas de sucessão aceleradas
resultando em um rápido acrescimo de
espécies na comunidade e, dessa forma,
9
UNICAMP - PG Ecologia Ecologia de Comunidades e Ecossistemas 2008 - Seminários
podendo elevar a sua riqueza e
diversidade.
Motoristas ou passageiras de mudanças
no habitat?
MacDougall e Turkington (2005) [34]
realizaram um trabalho em uma região da
Columbia Britânica no Canadá. Os
pesquisadores partem da hipótese de que
se sistemas invadidos também sofrem
impactos por perda de habitat a
dominância exótica pode ser menos
devido à competição do que se supõe.
Portanto a remoção das espécies exóticas
não deveria impactar as espécies nativas,
já que outros fatores, que não a presença
dessas espécies limitaria as espécies
nativas. O local foi invadido pelas
gramíneas Poa pratensis e Dactylis
glomerata que são abundantes na região,
mas que são em grande parte plantadas
pela população. Dessa forma, os autores
argumentam que a dominância dessas
plantas pode se dever tanto a sua
capacidade competitiva quanto ao fato de
ser cultivada. MacDougall e Turkington
removeram as gramíneas de parcelas e as
observaram durante três anos,
monitorando 79 espécies de plantas. A
riqueza de espécies aumentou nas
parcelas, mas foi devido a chegada de
outras espécies exóticas. No entanto,
encontraram aumento em cobertura e
espécies nativas que antes eram raras se
tornaram dominantes, porém 36 das 79
espécies não apresentaram nenhuma
modificação ou ainda tiveram um
decréscimo na ausência das invasoras. Os
autores encontraram que as espécies
nativas têm baixa dispersão, devido à
ausência de seus dispersores no local.
Ainda as gramíneas invasoras suprimem
o fogo (comum na savana britânica
devido atividades antrópicas) por manter
o solo úmido, facilitando ainda a
germinação de plantas nativas. Além
disso, nas parcelas houve estabelecimento
de plântulas de espécies arbóreas, que
antes não se encontravam na savana,
assim, a presença das gramíneas coíbe a
arborização dessa savana, o que é comum
em savanas impactadas. Os autores
argumentam que a presença ou ausência
das espécies invasoras gera um “trade-
off”, uma vez que na presença das
invasoras a riqueza de espécies diminui,
mas sem as mesmas o estabelecimento de
nativas diminui e essas estariam sujeitas
ao fogo e a sombra de espécies arbóreas.
Dessa forma os autores concluem que as
espécies invasoras são “passageiras” de
mudanças ambientais e não “motoristas”
10
UNICAMP - PG Ecologia Ecologia de Comunidades e Ecossistemas 2008 - Seminários
dessas mudanças. Ou seja, as invasões
são mais conseqüências de uma mudança
ambiental do que a causa da mudança.
Conclusão
A entrada de uma espécie
invasora pode resultar em alterações
significativas no equilíbrio de uma
comunidade. Mudanças em propriedades
ecológicas essenciais tais como riqueza
de espécies, ciclagem de nutrientes,
produtividade, estrutura da comunidade e
interações mutualistas são exemplos
conhecidos de alterações resultantes da
invasão de uma espécie exótica. Essa
grande quantidade de modificações nos
processos do ecossistema associada ao
declínio no número de espécies nativas
em locais invadidos tem levado biólogos
e conservacionistas a acreditar que
espécies invasoras são responsáveis por
boa parte das extinções que ocorreram
recentemente. Entretanto, a importância
presumida dos invasores como causa de
extinções não é comprovada e baseada
em observações limitadas e inferências
[9].
É provável que a dominância por
espécies exóticas seja uma conseqüência
indireta da alteração do hábitat que
resultaria em perda de espécies nativas.
Conforme discutido anteriormente, o
estabelecimento de uma espécie exótica
em determinado local somente acontece
após a ultrapassagem de diversos filtros e,
dessa forma, muitas espécies invasoras,
mais que ocasionarem mudanças drásticas
no ecossistema, tiram vantagem de
alterações no ambiente tornando-se
competitivamente mais fortes e
deslocando espécies nativas. Wilcove et
al. (1998) [35] quantificaram dados sobre
ameaças a espécies e concluíram que a
perda do habitat devido à ação humana é
a maior delas. Resultado semelhante foi
encontrado em um levantamento
realizado pela União Internacional para a
Conservação de Recursos Naturais
(IUCN, 2003) [36], onde o número de
espécies ameaçadas por modificações no
ambiente devido a atividades antrópicas é
quase seis vezes maior que o de espécies
ameaçadas por espécies invasoras.
Assim, é indiscutível que espécies
invasoras ocasionem mudanças no
ecossistema e que essas mudanças
possam ser prejudiciais às espécies
nativas. Entretanto, uma relação direta
entre espécies invasoras e extinções de
espécies nativas não pode ser traçada. É
provável que, utilizando a definição
proposta por MacDougall & Turkington
11
UNICAMP - PG Ecologia Ecologia de Comunidades e Ecossistemas 2008 - Seminários
(2005) [13], espécies invasoras sejam
mais passageiras que motoristas das
mudanças nos ecossistemas. Porém, mais
estudos são necessários para um bom
entendimento das conseqüências de
invasões biológicas. Referências Bibliográficas 1. Elton, C.S. (1958) The ecology of
invasions by animals and plants. London: Methuen.
2. Heger, T. & Trelp, L. (2003) Predicting
Biological Invasions. Biological Invasions 5, 293–312.
3. Richardson, D.M., Allsopp, N., D'Antonio,
C.M., Milton, S.J., Rejmánek, M. (2000) Plant invasions — the role of mutualisms. Biological Reviews, 75, 65 93.
4. Mack, R.N., Simberloff, D., Lonsdale,
W.M., Evans, H., Clout, M. & Bazzaz, F.A. (2000) Biotic invasions: causes, epidemiology, global consequences, and control. Ecological Applications, 10, 689–710.
5. Simberloff, D. (2004) Review of “Invasion
biology: critique of a pseudoscience”. Ecol. Econ. 48, 360–362.
6. Richardson, D.M. & Pyšek, P. (2007)
Classics in physical geography revisited: Elton, C.S. 1958. The Ecology of invasions by animals and plants. Progress in Physical Geography, 31, 659–666.
7. Vitousek, P.M. (1990) Biological
Invasions and Ecosystem Processes: Towards an Integration of Population Biology and Ecosystem Studies. Oikos, 57, 7-13.
8. Traveset A. & Richardson D.M. (2006) Biological invasions as disruptors of plant reproductive mutualisms. TREE, 21, 208-216.
9. Gurevitch J. and Padilla D.K. 2004. Are invasive species a major cause of extinctions? TREE, 19, 470-474.
10. Didham, R.K. et al. (2005) Are invasive species the drivers of ecologicalchange? TREE. 20, 470–474
11. Sala, O.E. et al. (2000) Global biodiversity scenarios for the year 2100. Science 287, 1770–1774.
12. Levine, J.M. et al. (2003) Mechanisms
underlying the impacts of exotic plant invasions. Proc. R. Soc. B 270, 775–781.
13. MacDougall, A.S. & Turkington, R.
(2005) Are invasive species the drivers or passengers of change in degraded ecosystems? Ecology 86, 42–55
14. Latini A.O. & Petrere M. Jr. (2004)
Reduction of a native fish fauna by alien species: an example from Brazilian freshwater tropical lakes. Fisheries Management and Ecolog,. 11: 71–79
15. Ricciardi A., Neves R.J. & Rasmussen
J.B. (1998) Impending extinctions of North American freshwater mussels (Unionoida) following the zebra mussel (Dreissena polymorpha) invasion. Journal of Animal Ecology, 67, 613-619
16. Ehrenfeld, JG & Scott, N (2001) Invasive
species and the soil: effects on organisms and ecosystem processes. Ecol Applic 11: 1259-60.
17. Tilman, D, Knops, J, Wedin, D, Peter, B,
Ritchie, M, Siemann, E (1997) The influence of functional diversity and composition on ecosystem processes. Science 277: 1300-2.
12
UNICAMP - PG Ecologia Ecologia de Comunidades e Ecossistemas 2008 - Seminários
18. Hooper, D.U. & Vitousek, P.M. (1998) Effects of plant composition and diversity on nutrient cycling. Ecol Monogr 68: 121-49.
19. Grayston, S.J. & Campbell, C.D. (1998)
Functional biodiversity of microbial communities in the rhizosphere of hybrid larch (Larix eurolepis) and Sitka spruce (Picea sitchensis). Tree Physiol 16: 1031-8.
20. Gill, R.A. & Burke, I.C. (1999)
Ecosystem consequences of plant life form changes at three sites in the semiarid United States. Oecologia 121: 551-6.
21. Ehrenfeld J. E. (2003) Effects of Exotic
Plant Invasions on Soil Nutrient Cycling Processes. Ecosystems 6, 503-523.
22. Vtorov, 1.P. (1993) Feral pig removal:
effects on soil microarthropods in a Hawaiian rain forest, J. Wildl. Manage. 57, 875-880.
23. Singer, F.J., Swank, W.T. & Clebsch,
E.C. (1984) Effects of wild pig rooting in a deciduous forest. J. Wildlife Manage. 48,464-47.
24. Sanders, N.J., Gotelli, N.J., Heller, N.E.
& Gordon, D.M. (2003). Community disassembly by an invasive species. Proc. Natl. Acad. Sci. USA 100, 2474–2477.
25. Christian, C.E. (2001) Consequences of
biological invasion reveal the importance of mutualism for plant communities. Nature 413, 635–639.
26. Gross, C.L. (2001) The effect of
introduced honeybees on native bee visitation and fruit-set in Dillwynia juniperina (Fabaceae) in a fragmented ecosystem. Biol. Conserv. 102, 89–95.
27. Cox, P.A. & Elmqvist, T. (2000) Pollinator extinction in the Pacific islands. Conserv. Biol. 14, 1237–1239.
28. Nogales, M. and Medina, F.M. (1996) A
review of the diet of feral domestic cats (Felis silvestris f. catus) on the Canary Islands, with new data from the laurel forest of La Gomera. Z. Saugertierkunde 61, 1–6
29. Riera, N. et al. (2002) Breakage of
mutualisms by exotic species: the case of Cneorum tricoccon L. in the Balearic Islands (Western Mediterranean Sea). J. Biogeogr. 29, 713–719.
30. Mack, MC, D Antonio, CM (1998)
Impacts of biological invasions on disturbance regimes. TREE 13: 195-8.
31. D’Antonio C.M., Vitousek, P.M. (1992)
Exotic grasses, the grass/fire cycle, and global change. Annu. Rev. Ecol. Syst. 23.63-87
32. Hughes, F., Vitousek, P.M. & Tunison, T.
(1991) Alien grass invasion and fire in the seasonal submontane zone of Hawaii, Ecology 72, 743-746
33. Van Wilgen, B.W. and Richardson. D.M.
(1985) The effects of alien shrub invasions on vegetation structure. and fire behaviour in South African fynbos shrublands: a simulation study, J. Appl. Ecol. 22, 955-966.
34. Macdonald,.W.A. & Cooper, J.
(1995) Insular lessons for globaI biodiversity conservation with particular reference to alien invasions, in Islands: Biological Diversity and Ecosystem Function (Ecological&dies I/al. 115) (Vitousek, P.M. et al., eds). pp. 189-203, Springer-Verlag
13
UNICAMP - PG Ecologia Ecologia de Comunidades e Ecossistemas 2008 - Seminários
35. Wilcove, D, Rothstein, D, Dubow, J, Phillips, A, Losos, E (1998) Quantifying threats to imperiled species in the United States. BioScience 48: 607-616.
36. IUCN (2003) IUCN Red List of
Threatened Species, International Union for Conservation of Nature and Natural Resources-The World Conservation Union, Species Survival Commission (http://www.redlist.org)
14
UNICAMP - PG Ecologia Ecologia de Comunidades e Ecossistemas 2008 - Seminários
top related