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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ANELISA PRAZERES VELOSO DE SOUZA
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM MATO GROSSO: UMA LEITURA DAS CAMPANHAS OFICIAIS DE 1947 A 1990
CUIABÁ – MT
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ANELISA PRAZERES VELOSO DE SOUZA
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM MATO GROSSO: UMA LEITURA DAS CAMPANHAS OFICIAIS DE 1947 A 1990
Cuiabá – MT
2007
ANELISA PRAZERES VELOSO DE SOUZA
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM MATO GROSSO: UMA LEITURA DAS CAMPANHAS OFICIAIS DE 1947 A 1990
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, no Instituto de Educação, da Universidade Federal de Mato Grosso, na Área de Concentração Teorias e Práticas Pedagógicas da Educação Escolar e Linha de Pesquisa Educação e Linguagem, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação.
Orientadora: Drª Cancionila Janzkovski Cardoso
Cuiabá – MT 2007
FICHA CATALOGRÁFICA
S729a
Souza, Anelisa Prazeres Veloso de
Alfabetização de jovens e adultos em Mato Grosso: uma leitura das campanhas oficiais de 1947 q 1990/Anelisa Prazeres Veloso de Souza --- Cuiabá: UFMT/IE, 2007.
162 p.: il.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, no Instituto de Educação, da Universidade Federal de Mato Grosso, na área de Concentração Teorias e Práticas Pedagógicas na Educação Escolar e Linha de Pesquisa Educação e Linguagem, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Cancionila Janzhouski Cardoso Bibliografia: p. 156 - 162
CDU -374.31.7
Índice para Catálogo Sistemático 1. Alfabetização 2. Educação de Jovens e Adultos 3. História das Campanhas Oficiais
Dissertação Apresentada à Coordenação do
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT
BANCA EXAMINADORA
_______________________________ Professora Drª Lázara Nanci de Barros (UFMT)
Examinadora Externa
_________________________________________ Professora Drª Ana Arlinda de Oliveira (UFMT)
Examinadora Interna
________________________________________________ Professora Drª Cancionila Janzkovski Cardoso (UFMT)
Orientadora
Cuiabá/MT: 28/07/07
AGRADECIMENTOS
A Deus pela luz e coragem que me tem dado nos diversos desafios enfrentados ao longo de minha vida.
A Profª Drª Cancionila Janzkovski Cardoso, prezada orientadora desta trajetória, por sua habilidade em lidar com as inseguranças e desencantos de quem, por vezes, duvidou que pudesse chegar onde agora aporta. Por sua capacidade e competência acadêmica, os mais sinceros agradecimentos. Ao meu esposo Veloso, pelo amor, dedicação e por suas palavras de incentivo em momentos de desânimo. Obrigada, por constantemente entender a minha ausência, as minhas angústias e as minhas incertezas durante essa jornada. Às grandes mulheres da minha vida, minha mãe Ivone e minha irmã Ariadne, obrigada pelo amor, carinho e incentivo em todos os momentos de minha vida. A Marisa Fernandes pela contribuição enriquecedora na leitura e correção do trabalho, além de dispensar-me, muitas vezes, parte do seu precioso tempo para conversas sempre agradáveis regadas a suco de uva. Às Professoras Drª Tânia Maria de Melo Moura e Drª Ana Arlinda de Oliveira pelas orientações e contribuições teóricas, que muito enriqueceram meu trabalho de pesquisa. A Rosemary Paulino que carinhosamente ajudou-me na transcrição das entrevistas. A Profª Drª Maria do Socorro Pessoa pelo apoio inicial e ajuda na elaboração do projeto de pesquisa para seleção do Mestrado. A Maricilda pela ajuda na localização dos sujeitos desta pesquisa.
Agradeço a todos os entrevistados, pelo carinho com que responderam aos meus questionamentos.
A Luciana, pela mais cuiabana das hospitalidades e pela paciência de quem ensinou os “caminhos das pedras” na “Selva de Pedra” do Cerrado mato-grossense à amiga forasteira. Meu reconhecimento pela atenção e estímulo com que me presenteou.
Mariana e Luiza, pela atenção com que sempre me atenderam na Secretaria do PPGE. A minha irmã Jeneffer pelo apoio na localização de fontes na Biblioteca da UFRJ. A amiga Irenne, pela verdadeira amizade estabelecida durante essa trajetória, pela companhia nas longas caminhadas até o RU, pelos almoços de domingo, pela sabedoria em saber escutar e depois ter sempre uma palavra de apoio e carinho. Espero que a distância não seja motivo para esquecermos tantos momentos importantes que compartilhamos juntas.
Ao Núcleo de Pesquisa em Educação – NUPED, do Campus de Rondonópolis, pela ajuda no levantamento bibliográfico.
Aos amigos e colegas do mestrado, em especial, Egle, Andréa, Wanda, Ana Karina, Lívio, João, Keiko, Abner, com quem compartilhei as alegrias desta jornada.
Agradeço a todos os meus amigos que, embora não tenham sido mencionados, estiveram presentes durante esta jornada.
DEDICATÓRIA
No meio da multidão não verei seu rosto, mas meu coração sentirá sua presença. Não há palavras para expressar a saudade, mas há a certeza de que compartilhas comigo esse momento. Afinal, foi você que me ensinou a sonhar. Hoje, mais do que nunca, sinto sua presença, pois a saudade traz você de volta. Se hoje me sinto realizada e vencedora, devo muito a você. Lembro quando você dizia: “essa menina vai longe”. Onde quer que esteja, obrigada meu amado PAI!
AGRADECIMENTO ESPECIAL
Aos meus filhos Leandro e Leonardo pelo amor, carinho e apoio com que sempre preenchem minha vida de felicidade e de sentido. A vocês devo toda força e luz que sempre me inspiraram e me orientaram a seguir sempre em frente. Porque vocês são minha vida, minha mais doce emoção.
O futuro tem muitos nomes. Para os fracos é inatingível.
Para os temerosos, o desconhecido e para os valentes é a oportunidade".
Victor Hugo
RESUMO
Esta pesquisa integra os estudos desenvolvidos pela Linha de Pesquisa Educação e Linguagem, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. Objetivou analisar como foram desenvolvidas as Campanhas Oficiais de Alfabetização de Jovens e Adultos em Mato Grosso, a partir da reunião, seleção e análise de fontes documentais, tais como, planos de governo, relatórios oficiais, mensagens governamentais, anais de congressos, relatos de experiências em seminários e narrativas de sujeitos que participaram desse contexto histórico. Optou-se por uma pesquisa do tipo histórica e estabeleceu-se como marco temporal, o período de 1947 a 1990, compreendido entre a primeira Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos Analfabetos e a extinção da Fundação Educar. Em relação aos documentos fontes optou-se por analisá-los a partir da compreensão do conceito de configuração textual, que possibilitou uma leitura possível e autorizada daqueles considerados emblemáticos, compreendendo a diferença entre os sentidos propostos pelos sujeitos históricos e os sentidos que hoje podemos dar. Considerou-se importante para o desdobramento teórico-metodológico desta pesquisa a contribuição da História Cultural, dos pressupostos da História Oral e de estudos na área da Educação. As análises feitas dão conta de que, embora o Estado de Mato Grosso tenha desenvolvido as Campanhas Oficiais de Alfabetização de Jovens e Adultos no período aqui estudado, ficou muito aquém de resolver o problema do analfabetismo naquele contexto histórico. A trajetória dessas Campanhas de Alfabetização foi marcada por momentos de entusiasmo e por outros de descaso, descontinuidades e deficiências administrativas. Durante o longo período em que essas Campanhas Oficiais de Alfabetização foram desenvolvidas em Mato Grosso, a situação do ensino nesse Estado era caótica, pois faltavam escolas, professores habilitados, fiscalização escolar, assistência médica, material didático e principalmente uma política de modernização na estrutura pedagógica. Em que pesem os esforços do governo e os diferentes acordos celebrados entre este e o Ministério de Educação e Cultura, as Campanhas Oficias de Alfabetização de Adultos não conseguiram atingir porcentagens de alfabetização elevadas e duráveis. Os fatores predominantes para esse insucesso foram: a) a concepção que se tinha de alfabetização como apenas um simples processo de aquisição de um sistema de código alfabético, capaz de transformar os analfabetos em pessoas produtivas e de eliminar o fenômeno da ignorância; b) a concepção que se tinha do alfabetizando como um ser ignorante, inculto e incapaz de aprender coisas mais complexas. Apesar dessas concepções terem sido aprofundadas ao longo desse período, permaneceu como fator predominante para o insucesso dessas Campanhas, o problema da falta de qualificação do professorado, que por um longo período desse contexto, foi caracterizado como “ineficiente” e sem preparação pedagógica. Apesar dessas Campanhas terem sido implementadas em Mato Grosso, chegamos em 1990 com a taxa de 11,6 % de analfabetismo no Estado, fato que evidencia que ainda havia muito por fazer para solucionar o problema do analfabetismo da população mato-grossense. Palavras chave: alfabetização - educação de jovens e adultos– história das campanhas oficiais.
ABSTRACT This research integrates the studies developed for the Line of Research: Education and Language of the Post-Graduation Program in Education at the Federal University of Mato Grosso. It aimed at analyzing the Official Campaigns of Alphabetization of Youth and Adults in the State of Mato Grosso, in Brazil. This study was developed based on selection and analysis of documentary sources, such as, official plans of government, reports, governmental messages, annals of congresses, stories of experiences in seminaries and narratives of subjects who had participated in this historical context. The historical type was chosen for carrying out this research and also it was established as a landmark the period from 1947 to 1990, understood in this study as the first Campaign of Education of Adolescents and illiterate Adults and the extinguish of the Foundation to educate. In relation of the documents sources it was opted to analyze them based on the concept of literal configuration that made possible a comprehensible reading of those considered emblematic. The understanding about the differences between the directions considered by the studied subjects and the meanings that nowadays we might have was also done. It was considered important for the understanding of the theoretical-methodology of this research the contribution of Cultural History, the presupposes of Verbal History and studies in the area of the Education. The analyses revealed that, even the State of Mato Grosso had developed the Official Campaigns of Alphabetizations of Youth and Adults in the studied period it was noticed that the problem of the illiteracy in that historical context was unsolved . The trajectory of the Campaigns of Alphabetizations was marked by moments of enthusiasm and others of indifference, administrative discontinuities and deficiencies. During the long period where these Official Campaigns of Alfabetizations had been developed in the State of Mato Grosso, the environment of education in this State was chaotic, because there were lacked of schools, qualified teachers, school fiscalizations, medical assistance, material didactic and mainly, modernization politics in the pedagogical structure. In relation to the efforts of the government and the different agreements celebrated between this and the Ministry of Education and Culture, the Official Campaigns of Youth Alphabetizations had not obtained high and durable percentages of alphabetizations. The predominant factors for this unsuccessful had been: a) the conception of alphabetization as single process of acquisition of a system of alphabetical code, capable to transform the illiterates into productive people and to eliminate the phenomenon of the ignorance; b) the conception of alphabetization student as an ignorant learner and incapable to learn more complex things. Despite these conceptions having been deeper studied during this period, it remained as predominant factor for the unsuccessful of these Campaigns, the problem of the lack of teachers qualification, these professionals for a long period of this context, were characterized as "inefficient" and without pedagogical preparation. Regardless of these Campaigns having been implemented in the State of Mato Grosso it is possible to observe that in the year of 1990 with the tax of 11,6 % of illiteracy in the State, fact that evidences that still there are many things for making to solve the problem of the illiteracy of the population of Mato Grosso. Keywords: Alphabetization- Young and adults education - history of the official campaigns.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................1 CAPÍTULO 1
1.0 O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA.................................5
1.1.Contexto da Pesquisa............................................................................................................5
1.2 O Campo e o Problema da Investigação.............................................................................10
1.3 Os Caminhos da Investigação.............................................................................................12
1.4 Pressupostos Teórico-Metodológicos.................................................................................22
1.4.1 Os Sujeitos da Pesquisa....................................................................................................27
1.4.2 Alfabetização um Conceito em Mutação.........................................................................30
CAPÍTULO 2
2.0 ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS NO BRASIL.............37
2.1 Educação de Adultos no Brasil Colônia.............................................................................37
2.2 Educação de Adultos no Império (1822 a 1889).................................................................40
2.3 Educação de Adultos no Período Republicano...................................................................43
2.4 Educação de Adultos nos Anos 30......................................................................................48
2.5 Educação de Adultos na Década de 40...............................................................................52
CAPÍTULO 3
3.0 A PRIMEIRA CAMPANHA NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE ADOLESCENTES
E ADULTOS ANALFABETOS.............................................................................................56
3.1 As Primeiras Iniciativas......................................................................................................56
3.2 Os Objetivos da Campanha de Educação de Adultos.........................................................61
3.3 O I Congresso Nacional de Educação de Adultos e suas Contribuições para a CEAA......74
3.4 A Campanha de Educação de Adultos em Mato Grosso....................................................78
3.4.1 Condições de Atuação do Corpo Docente nas Classes de Ensino Supletivo...................90
3.4.2 A Segunda Fase da Campanha.........................................................................................99
3.4.3 A Segunda Fase da Campanha em Mato Grosso...........................................................108
CAPÍTULO 4
4.0 MOVIMENTO BRASILEIRO DE ALFABETIZAÇÃO............................................121
4.1 Antecedentes: Movimento de Educação e Cultura Popular e Campanhas nos anos 60...121
4.2 As Ações Educativas do MOBRAL.................................................................................126
4.3 O MOBRAL em Mato Grosso..........................................................................................132
CAPÍTULO 5
5.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................150
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................155 ANEXOS:
1. Roteiro de Entrevistas
2. Cartazes Utilizados como Material Pedagógico no MOBRAL
1
INTRODUÇÃO
O interesse pelo estudo do tema Educação de Jovens e Adultos surgiu quando
trabalhei no SESC – Serviço Social do Comércio, uma instituição que tinha como proposta
educativa de alfabetizar jovens e adultos na região norte, basicamente no interior do Estado do
Pará, Amazonas, Acre, Roraima, Amapá e Rondônia. Tive a oportunidade de ser
alfabetizadora e orientadora pedagógica desse projeto de alfabetização no município de
Vilhena – Rondônia. Para exercer a função de alfabetizadora e orientadora educacional
participei de muitos cursos de formação, tive que fazer muitas leituras sobre alfabetização e
participar ativamente do processo de implantação deste projeto em minha cidade. Todo esse
envolvimento profissional, ético e afetivo fez crescer em mim um sentimento de total
entusiasmo sobre a temática da alfabetização de jovens e adultos.
A experiência de ver aqueles alunos descobrindo os primeiros sons, as primeiras
palavras, as primeiras sentenças, foi de uma emoção singular. Era gratificante ver aqueles
jovens e adultos vibrarem como crianças diante da nova descoberta, que era ler e escrever.
Cada um tinha uma história sobre o não recebimento dessa instrução básica na infância, ou
em qualquer outro período de suas vidas. À medida que tomava conhecimento dessas histórias
de vida, pensava na estrutura municipal e estadual e na falta de condições desses poderes
públicos em atender essa enorme demanda de pessoas não alfabetizadas.
Intrigada com essa situação pesquisei perante a Secretaria Municipal e a
Representação de Ensino Estadual de Vilhena, como estes órgãos estavam atuando ante esse
problema. Descobri que não havia cursos de alfabetização oferecidos pelo Estado e a rede
municipal em parceria com entidades privadas, oferecia apenas turmas de alfabetização em
serrarias e fábricas que estivessem interessadas em alfabetizar seus funcionários, que de certa
forma acabava por restringir a clientela, que era apenas a de trabalhadores daquelas serrarias e
fábricas. Entretanto, havia uma demanda bastante significante de jovens e adultos,
principalmente do sexo feminino, donas de casa, que, por proibição dos maridos ou de seus
pais, não tinham acesso à instrução. Nesse aspecto a instituição que trabalhei ajudou muito
essas mulheres, pois elas podiam estudar pela parte da manhã ou da tarde, horário que os
maridos normalmente não proibiam. Sendo assim, tivemos uma clientela formada na sua
maioria de senhoras que buscavam a leitura e a escrita para modestamente realizarem
pequenos sonhos como: ler a bíblia, ler uma receita, escrever para um filho distante, poder
2
viajar para visitar os parentes sem ter medo de se perder no caminho, ler uma revista e outros
pequenos sonhos que a aquisição da leitura poderia proporcionar.
Quando saí do SESC, pensei ter dado tudo de mim para esta causa, visto que
aqueles alunos que havia alfabetizado já tinham concluído a primeira fase do ensino
fundamental, e muitos já estavam até matriculados no ensino supletivo de 5ª a 8ª. Saí
acreditando que o dever estava cumprido, mas, ainda me incomodava uma pergunta: por que
ainda termos tantos jovens e adultos não alfabetizados em pleno século XXI?
Esse envolvimento profissional me conduziu, anos depois, a procurar o mestrado
em Educação da UFMT, integrando-me ao Grupo de Pesquisa Alfabetização, Leitura e Escrita
(ALFALE). Nesse contexto, decidi pela temática desta pesquisa que, a princípio, tinha de ser
sobre alfabetização de jovens e adultos, pois sabia que esse seria o caminho de muitas
respostas sobre as condições estruturais e institucionais que de certa maneira privavam esses
jovens e adultos de serem alfabetizados.
Depois de muitos encontros de orientação ficou definido que a pesquisa seria
histórica, e que seria sobre as campanhas oficiais de alfabetização de jovens e adultos. Mas,
ainda era preciso delimitar o período e o lugar em que essas campanhas teriam ocorrido. Foi
quando optei por pesquisar a história dessas campanhas em Mato Grosso, e que o marco
histórico da pesquisa seria o período de 1947 a 1990, compreendido entre a primeira
campanha nacional de alfabetização de adultos e a extinção da Fundação Educar. Um período
longo que se explica por abranger as grandes campanhas de nível nacional de alfabetização de
jovens e adultos da história do Brasil.
Após a estruturação do projeto de pesquisa, sabia que um longo caminho haveria
de ser percorrido para o desenvolvimento de uma pesquisa do tipo histórica, visto que o cotejo
com o passado transporta o pesquisador para um mundo enigmático, cheio de corredores
desconhecidos, onde o risco de um falso julgamento impossibilitará a reconstituição desse
passado.
Mas a compreensão da trajetória das Campanhas em Mato Grosso deveria ser feita
por meio do confronto entre os documentos relacionados às Campanhas de alfabetização de
adultos desenvolvidas nacionalmente e os documentos relacionados a efetivação dessas
Campanhas no Estado.
Justifica-se essa pesquisa pela inaptidão das campanhas de alfabetização em
solucionar a problemática do analfabetismo neste Estado, visto que os indicadores nacionais
são unânimes em apontar uma profunda desigualdade regional na oferta de oportunidades
educacionais e na concentração da população analfabeta ou insuficientemente escolarizada na
3
região centro-oeste, onde está situado o Estado de Mato Grosso. Pesquisas apontam que cerca
de 11,6 % da população mato-grossense não possui ainda escolarização1.
Assim, o interesse dessa pesquisa foi recuperar o percurso da história das
Campanhas de Alfabetização de Jovens e Adultos ocorridas há quase 60 anos em Mato
Grosso. Para recompor esse percurso histórico das Campanhas, estruturei o trabalho em cinco
capítulos que reuniram todas as informações obtidas durante o processo investigativo do tema
pesquisado, fruto de um aprofundamento teórico e de um criterioso levantamento de fontes
documentais e narrativas orais que permitiram uma nova leitura sobre o desenvolvimento das
Campanhas de Alfabetização de Jovens e Adultos no Estado de Mato Grosso no período aqui
estudado.
O primeiro capítulo oferece uma rápida visão do contexto da pesquisa através de
um diagnóstico da situação da educação de jovens e adultos em Mato Grosso nos últimos
anos; descreve os caminhos da investigação que perpassam pela reunião e seleção de fontes
documentais e finalizando, apresento, os pressupostos teórico-metodológicos que têm como
base teórica as contribuições da História Cultural e da História Oral e como base
metodológica a configuração textual.
O segundo capítulo é dedicado à história da educação de jovens e adultos no Brasil
desde o período colonial até a década de 40 com o lançamento da primeira campanha de
educação de adultos. O estudo desenvolvido neste capítulo serve de base histórica para uma
melhor compreensão a respeito do tema da pesquisa, pois aborda as primeiras experiências de
educação de adultos ocorridas no Brasil e em Mato Grosso. Destaca-se, nesse contexto a
publicação do Decreto nº 7.031 A, de 6 de setembro de 1878, que determina a criação de
cursos noturnos para adultos analfabetos; a reforma do ensino mato-grossense em 1910, que
privilegiou a criação de grupos escolares e Escola Normal e deu um novo rumo para a
instrução pública de Mato Grosso; a Constituição de 1934 que, garantia a gratuidade do
ensino primário para adultos como componente da educação e como dever do Estado e direito
de todo cidadão, e o lançamento da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, no
ano de 1947.
O terceiro capítulo aborda a Primeira Campanha de Educação de Adolescentes e
Adultos no Brasil, em geral, e no Estado de Mato Grosso, em particular. A elaboração deste
capítulo foi pautada em dados documentais obtidos sobre a Campanha de 1947, o que
possibilitou recuperar alguns aspectos do percurso histórico desse empreendimento no Brasil
1 Dados fornecidos pela Pesquisa Nacional por Amostragem de domicilio – 1996, Rio de Janeiro, IBGE, V.1,198.
4
e em Mato Grosso. Como exemplo destaco o Relatório de Atividades da CEAA de 1947 que
trazia em seu texto os objetivos da Campanha, o número de classes de alfabetização que
seriam instaladas em todo território nacional, orientações aos professores, tipo de material
didático a ser utilizado e a disponibilização dos recursos financeiros para o funcionamento de
10.000 classes de alfabetização. Outros documentos importantes para o desenvolvimento
deste capítulo dizem respeito ao I Congresso Nacional de Educação de Adultos, realizado em
1947, que apresentava sugestões para a resolução dos vários problemas relativos à educação
de adultos e, ainda, os relatórios e mensagens governamentais que continham dados
importantes sobre a Campanha em Mato Grosso, que permitiram analisar a atuação do poder
público estadual em relação ao desenvolvimento da Campanha de Educação de Adultos desde
sua implantação em 1947, até sua extinção em 1963.
O quarto capítulo aborda a implantação do MOBRAL no Brasil e em Mato
Grosso, destacando alguns aspectos político-ideológicos deste movimento que teve como
meta erradicar o analfabetismo no Brasil. Destaco ainda neste capítulo, os projetos e
experiências que visavam à promoção da cultura e da educação popular, como as atividades
dos Centros Populares de Cultura (CPC), o Movimento de Educação de Base (MEB) e as
atividades de Paulo Freire, particularmente, no período anterior ao golpe militar. O quinto e
último capítulo apresenta comentários e conclusões das análises realizadas nesta pesquisa,
bem como reflexões que possam contribuir para a compreensão do atual problema do
analfabetismo em Mato Grosso. Espero, portanto, ter conseguido recuperar o passado
histórico das campanhas de alfabetização e com isso ter contribuído cientificamente para a
produção historiográfica da educação em Mato Grosso.
5
1.0 O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA
1.1 Contexto da Pesquisa
Na procura de outras informações que tornassem ainda mais relevante a realização
desta pesquisa, no sentido de demonstrar a verdadeira necessidade de se entender o porquê de
em pleno século XXI o Estado de Mato Grosso, ainda apresentar um elevado índice de
analfabetismo, recorri aos dados fornecidos pela Secretaria de Educação e Cultura de Mato
Grosso, que fez um diagnóstico da situação da Educação de Jovens e Adultos neste Estado
nos últimos anos.
A constituição Federal de 1988, Art. 208, inciso I, obriga o Estado a garantir o
Ensino Fundamental também para jovens e adultos que não o fizeram no período regular. No
Art. 214, inciso I determina como um dos objetivos de Plano Nacional de Educação (PNE), a
integração de ações do Poder Público, no sentido de “produzir” a erradicação do
analfabetismo, visando a eliminação, ou pelo menos minimizar o número de excluídos,
conseqüentemente do quadro educacional seletivo, ainda hoje existente no País.
Segundo o que consta no PNE, o número de analfabetos é ainda excessivo e
envergonha o País: atinge aproximadamente 16 milhões de brasileiros maiores de quinze
anos. Esse analfabetismo, intimamente associado às baixas taxas de escolarização e ao
número de crianças fora da escola, é responsável por uma das situações mais dramáticas da
Escola Básica do País.
Os indicadores nacionais são unânimes em apontar uma profunda desigualdade
regional na oferta de oportunidades educacionais e na concentração da população analfabeta
ou insuficientemente escolarizada, nos bolsões de pobreza existente no País, onde a presença
da escola, por razões óbvias, se faz mais necessária.
A Tabela abaixo aponta para as desigualdades regionais acerca da taxa de
analfabetismo das pessoas de quinze anos de idade ou mais no Brasil, de maneira geral, e,
especificamente nas regiões.
6
TABELA 1. Taxa de Analfabetismo no Brasil e Regiões – 1996.
BRASIL 14,7%
Região Nordeste Urbana 11,6%
Região Nordeste 28,7%
Região Sudeste 8,7%
Região Sul 8,9%
Região Centro-Oeste 11,6%
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – 1996, Rio e Janeiro, IBGE, V.1, 198.
Cerca de 28,7% da população analfabeta com mais de quinze anos está localizada
no Nordeste. Embora na Região Centro-Oeste, onde o Estado de Mato Grosso se localiza, o
analfabetismo se apresenta com uma taxa bem menor (11,6%) do que a Região Nordeste e até
mesmo abaixo da média nacional (14,7%), como assinala a Tabela 1, ele é ainda expressivo,
tendo em vista o desenvolvimento regional e as demandas de cultura letrada, para que o
indivíduo possa inserir-se no mercado de trabalho e exercer plenamente seu direito de
cidadania.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD) de
1999, o analfabetismo absoluto em Mato Grosso atingiu 11,78% da população do Estado com
idade igual ou superior a quinze anos. O número absoluto dos analfabetos nesta faixa etária
era de 224.219 pessoas, deste, 59,4% viviam na zona urbana e 40,6%, na zona rural.
TABELA 2. MATO GROSSO: População de Dez Anos ou mais por Anos de Escolaridade-1999.
ANOS DE ESTUDO
População
TOTAL
S/ Instrução e
menos de 01
ano de estudo
%
01 a 03
Anos de
Estudo
%
04 a 07
Anos de
Estudo
%
TOTAL 1.902.716 224.219 11,78 375.983 19,76 734.591 38,60
Urbana 1.417.166 137.113 9,67 247.360 17,45 531.124 37,48
Rural 485.550 87.106 17,94 128.623 26,49 203.467 41,91
Fonte: IBGE – PNAD. 1999.
7
Os índices fornecidos pelo PNAD, conforme Tabela 2, demonstram que em 1999,
70% da população mato-grossense de dez anos ou mais não havia concluído o ensino
Fundamental e que destes, 11,78% não havia recebido nenhuma instrução ou possuía menos
de um ano de estudo. Os dados informam que quase um quinto da população já havia
freqüentado escola, mas possuía menos de quatro anos de estudo.
Também, de acordo com esta mesma Tabela, somados os subgrupos dos que não
tinham nenhuma instrução ou com menos de um ano de escolaridade e aqueles que já haviam
freqüentado a escola, mas tinham menos de quatro anos de estudos, tem-se um total de
215.729 pessoas, ou seja, cerca de 11,45% da população mato-grossense com mais de dez
anos de idade, que potencialmente demandam, nos próximos anos, programas de
alfabetização do primeiro segmento do Ensino Fundamental de jovens e adultos.
O contingente que possuía de quatro a sete anos de estudo e que representa 38,60%
da população do Estado de Mato Grosso com mais de 10 anos, também constitui um outro
universo, demandando programas de alfabetização ou de aceleração de estudos no ensino
fundamental. Na zona rural, os índices de escolaridade dos jovens e adultos são ainda
menores.
Ainda segundo o PNAD, 258.962 pessoas, com idade igual ou superior a quinze
anos estavam freqüentando a Educação Básica em 1999, mas na sua maioria, eram jovens que
freqüentavam o Ensino Fundamental ou Médio regular na idade adequada ou com alguma
defasagem entre a idade e a série.
Apenas 25.859 pessoas freqüentavam alguma modalidade de Ensino Supletivo na
etapa do Ensino fundamental, outras 20.755 pessoas declararam estar estudando no Ensino
Médio, na modalidade Educação de Jovens e Adultos, somando 46.614 pessoas, o que fica
muito distante da demanda a ser atendida no Estado.
A Tabela 3, a seguir, complementa estes dados:
TABELA 3. MATO GROSSO: Matrícula no Ensino Supletivo Presencial – 1999
NÍVEL E MODALIDADE DE ENSINO MATRÍCULA % Ensino Fundamental
- Alfabetização
- 1ª a 4ª Séries
- 5ª a 8ª Séries
17.412
415
5.522
11.475
39,19
0,93
12,43
25,83
Ensino Médio 27.013 60,80
TOTAL GERAL 44.425 100 Fonte: INEP/PNAD/Censo Escolar 1999
8
Os dados fornecidos pelo PNAD aproximam-se das estatísticas do Censo Escolar
realizado pelo INEP, de acordo com a Tabela nº3, segundo a qual as matrículas no Ensino
Presencial de Jovens e Adultos no Estado de Mato Grosso, chegaram em 1999 a 44.425
alunos, dos quais 27.013 no Ensino Médio e 17.412 no Ensino Fundamental.
É relevante salientar neste contexto o número insignificante (415) de pessoas em
processo de alfabetização, matriculadas no Ensino Supletivo Presencial, levando-se,
especialmente, em consideração que neste período o Estado desenvolvia o Programa Alfa2.
De acordo com a Tabela nº4, a maior parte do atendimento escolar para jovens e
adultos é realizado pela Rede Estadual de Ensino, inclusive na etapa do Ensino Fundamental,
no qual mais de dois terços das matrículas são estaduais. Além disso, a Tabela 4 aponta que a
rede privada de ensino não tinha muito interesse em oferecer essa modalidade de ensino, visto
que o número de alunos matriculados na rede privada é muito inferior aos da rede estadual e
municipal.
TABELA 4. MATO GROSSO: Matrícula da Educação de Jovens e Adultos em Cursos Presenciais – Etapas da Educação Básica – 2000. DEPENDÊNCIA % FUNDAMENTAL % MÉDIO % TOTAL
Estadual 86,60 14.428 76,15 38.095 91,33 52.523
Municipal 9,40 4.091 21,57 1.610 3,86 5.701
Privada 4,00 424 2,28 2.004 4,81 2.428
TOTAL 100 18.943 41.709 100 100 60.652 Fonte: INEP. Censo Escolar – 2000
No ano de 2000, os dados fornecidos pela Tabela 4, demonstram um crescimento
de 36,52% nas matrículas dos cursos presenciais da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e o
maior atendimento continua sendo da Rede Estadual.
2 O Programa de Alfabetização de Adultos – ALFA, foi instituído em 1997, pela Secretaria de Estado de Educação e Cultura. com a participação da UFMT, UNEMAT, UNIC e SINTEP. A meta do ALFA era atender 70 municípios com taxa de analfabetismo superior a 15% da população local, organizando instrumentos de orientações técnicas e pedagógicas de funcionamento com aulas presenciais, com duração de 2 horas – 90 dias letivos, perfazendo um total de 180 horas (aulas) de curso; as classes eram compostas por 25 a 30 alunos. O corpo docente era constituído de professores com experiências variadas, estudantes de pedagogia, e de outras licenciaturas, e pessoas com experiência em alfabetização de adultos. A SEDUC responsabilizou-se pela capacitação dos docentes. O professor alfabetizador recebia um Kit de material didático que visava fornecer-lhe subsídios teórico-metodológicos. Os certificados de conclusão eram emitidos ao final do curso para alunos com freqüência mínima de 75% da carga horária.
9
É bastante provável, entretanto, que estas estatísticas não reflitam adequadamente
a realidade da oferta da Educação de Jovens e Adultos, pois uma parcela expressiva das
matrículas nessa modalidade de ensino passou a ser registrada, nos últimos dois anos (2001 -
2002), como Ensino Fundamental regular na modalidade de classes de aceleração de estudos
– alternativa também admitida pelas últimas legislações para alunos defasados, na relação
entre idade/série, para evitar a exclusão escolar.
Concretizando as determinações constitucionais relativas aos direitos educacionais
dos cidadãos em qualquer idade, o Plano Nacional de Educação, através da lei nº
10.172/2001, estabelece como metas prioritárias para a Educação de Jovens e Adultos:
Alfabetizar, em cinco anos, dois terços do contingente total de analfabetos, de
modo a erradicar o analfabetismo em uma década;
Assegurar, em cinco anos, a oferta da Educação de Jovens e Adultos nas três
fases do primeiro segmento (equivalente às quatro primeiras séries iniciais) do
Ensino Fundamental para 50% da população de quinze anos e mais, que não
tenham atingido este nível de escolaridade;
Assegurar até 2010, a oferta de cursos equivalente às três fases do segundo
segmento (quatro séries finais) do Ensino Fundamental para toda a população de
quinze anos e mais, que concluiu as quatro séries iniciais;
Dobrar em cinco anos e quadruplicar em dez anos, a capacidade de
atendimento nos cursos de Educação de Jovens e Adultos.
Considerando os dados fornecidos pela Pesquisa Nacional por Amostragens de
domicílio – PNAD de 1999, realizada pelo IBGE, no Estado de Mato Grosso, para atingir as
metas do PNE deverá alfabetizar 25 mil jovens e adultos por ano, de modo a reduzir a terça
parte do contingente total de analfabetos, em cinco anos.
Entretanto, a Secretária Estadual de Educação de Mato Grosso chega em 2005
convocando os Secretários Municipais de Educação, para que seja implementada uma força
tarefa que possibilite a erradicação do analfabetismo neste Estado.
Todos esses dados reforçaram a escolha desta temática, no sentido de entender
como se deu a história da alfabetização de jovens e adultos em Mato Grosso entre 1947 e
1990, acreditando na possibilidade de uma investigação que recupere essa trajetória, e assim,
refletir sobre as ações dos diferentes grupos que nela atuaram, procurando entender porque o
10
processo tomou um dado rumo e não outro, destacando as injunções que permitiram a
caracterização de uma possibilidade e não outra (VIEIRA; PEIXOTO; KHOURY, 1998,
p.11). Por isso, é oportuno frisar que a investigação teve como objetivo analisar como foram
desenvolvidas as Campanhas de Alfabetização de Jovens e Adultos no Estado de Mato
Grosso, e como se configuraram em termos de práticas sociais.
1.2 O Campo e o Problema de Investigação
No Brasil, a educação de adultos se constitui como questão de política
educacional, principalmente, a partir dos anos 1940. Neste sentido, a educação de jovens e
adultos é fundamentalmente considerada como parte integrante da história da educação em
nosso país, integrando um campo importante de estudo para a pesquisa histórica, que procura
interpretar as relações entre os sujeitos de um determinado período histórico, suas lembranças
e marcas deixadas.
A política para alfabetização de jovens e adultos, no entanto, não foi prioridade no
século passado, e tudo indica que não será diferente no século XXI. Ao longo dos anos foi
possível perceber que instituições e programas para educação de jovens e adultos foram os de
menor prestígio, tanto na educação formal como na informal, pelo fato desses sujeitos/alunos
não oferecerem prestígio, ou seja, pobres e limitados em suas habilidades.
Outra questão importante e relevante é o fato de se pensar a educação de jovens e
adultos do ponto de vista assistencialista, o que, de certa forma compromete e distorce todo o
investimento nessa área. Vale salientar ainda, a preocupação das instituições governamentais
de não perder o controle da hegemonia política existente, visto que hoje a pressão do sistema
internacional através de ONGS e conferências mundiais, dificultam a manipulação e o
controle burocrático dos programas de educação de jovens e adultos.
No início da década de 1990 a Educação de Jovens e Adultos3 começa a ser tratada
a partir de uma perspectiva conceitual mais ampliada, em decorrência dos grandes debates
realizados durante grandes conferências internacionais como: Conferência Mundial de
Educação para todos, Jonthien, Tailândia, 1990; Conferência Internacional de Educação de
Adultos, Hamburgo, Alemanha, 1997; Cúpula Mundial de Educação, Dakar, Senegal, 2000. A
3 A expressão Educação de Jovens e Adultos (EJA) começou a ser utilizada a partir de 1988, antes apenas se usava Educação de Adultos (EDA).
11
partir dessas conferências é possível perceber certo avanço no grau de compreensão e
importância da necessidade de garantir para o milênio que se aproximava o direito à educação
para jovens e adultos. Contudo, percebi que as ações políticas destinadas a esse segmento
educacional, ainda não conseguiram produzir de forma sedimentada uma política educacional
mais comprometida com a escolarização desses jovens e adultos não alfabetizados.
Em relação ao descaso político referente à Educação de Jovens e Adultos, Paulo
Freire (2000) manifestou grande indignação e inconformismo em relação às posições que
apresentam as condições históricas como mera fatalidade e propõe que se coloque o problema
da Educação de Jovens e Adultos como sendo de natureza histórica-política e ética.
Por outro lado, diz Moura (2004), que toda a história das idéias em torno da
alfabetização de adultos no Brasil acompanha a história da educação como um todo,
acompanha também a história dos modelos econômicos e políticos e, conseqüentemente, a
história das relações dos grupos que estão no poder. A partir dessa compreensão, a autora
chama atenção para a grande desigualdade entre a alfabetização infantil, que é definida por
lei, de caráter obrigatório do Estado, e alfabetização de adultos que em seu entendimento,
[.....] tem sido alvo de lutas de interesses intensas e movimentos distintos na história da educação. Em cada período, identificam-se, grupos econômicos, grupos políticos partidários, grupos de organismos internacionais, num verdadeiro embate político e ideológico, em torno da reivindicação – ou não – de definição de políticas e ações para área (MOURA, 2004, p. 23).
Dessa maneira, somente será possível entender o desenvolvimento das Campanhas
de alfabetização de Jovens e Adultos nas últimas décadas, se recorrermos aos vestígios do
passado que nos foram legados por nossos antepassados, analisando as ações políticas
desenvolvidas ao longo do processo histórico da educação brasileira, na tentativa de se contar
“uma” história das relações estabelecidas por esses atores sociais.
Por ser ainda pouco contada a história das Campanhas de Alfabetização de Jovens
e Adultos no Brasil, especificamente a do Estado de Mato Grosso, parece-nos necessário
contribuir com estudos que possam explicar como foram desenvolvidas essas Campanhas ao
longo dos últimos 50 anos. De certo modo, pretendo compreender como foram desenvolvidas
as Campanhas de Alfabetização de Jovens e Adultos pelo poder público do Estado de Mato
Grosso e como foi seu desdobramento no interior da sociedade mato-grossense.
12
Nesse sentido estabeleci o seguinte problema de pesquisa: Como foram
desenvolvidas as Campanhas de Alfabetização de Jovens e Adultos em Mato Grosso, no
período de 1947 a 1990?
A problematização da pesquisa levou em conta as seguintes perguntas:
A alfabetização de adultos neste período (1947 a 1990) era vista como peça
importante no processo de promoção educacional de todo um povo?
Como foi a atuação dos poderes públicos do Estado de Mato Grosso ante as
Campanhas nacionais de alfabetização de jovens e adultos?
Quais fatores influenciaram positivamente/negativamente as Campanhas de
Alfabetização de Jovens e Adultos em Mato Grosso?
A importância de uma pesquisa de abordagem histórica é a de refletir as ações dos
diferentes grupos que nela atuaram, procurando entender porque o processo tomou um dado
rumo e não outro. Por outro lado, diz Le Goff (1984, p.224), o que se busca no passado é algo
que até pode ter-se perdido nesse passado, mas que se coloca no presente como uma questão
não resolvida. E é sobre está ótica que penso no problema da alfabetização de jovens e adultos
em Mato Grosso, como uma questão não resolvida e que precisa ser entendida, para que, se
possa compreender o movimento histórico ocorrido na Educação de Jovens e Adultos neste
Estado.
Assim, esclareço que o recorte delimitado nessa pesquisa se deu em função de dois
grandes marcos na história da Alfabetização de Jovens e Adultos: no ano de 1947 foi lançada
a primeira Campanha Nacional de Alfabetização de Adolescente e Adultos, coordenada pelo
professor Lourenço Filho, e no ano de 1990, temos a extinção da Fundação Educar pelo então
governo Collor.
1.3 Os Caminhos da Investigação
No trabalho “Pesquisa em História” Vieira, Peixoto e Khoury (1998), destacam a
necessidade de algumas pessoas, que se propõem a investigar um objeto, têm em encontrar
um ponto de apoio que indique com segurança os caminhos a seguir. Isso ocorre devido a
13
herança cientificista que pensa o método como elemento fundamental para garantir a
objetividade do trabalho do historiador. Nesta perspectiva, as autoras concluem que o método
deveria ser visto como “caminho a ser percorrido, demarcado, do começo ao fim, por fases ou
etapas”. A partir dessa postura o historiador estará valorizando a teoria e a técnica como meio
seguro (científico) de abordar o passado.
Ao se pensar em uma investigação sobre Campanhas de alfabetização de jovens e
adultos, é inevitável recorrer a um passado de histórias, que certamente evidenciará uma
ampla e sistêmica problemática da educação brasileira, que constituem em histórias não
resolvidas repletas de um presente marcado por cenas históricas. Neste sentido, Ortega e
Gasset, afirmam:
O homem é hoje o que é porque ontem foi outra coisa. Ah! Então, para entender o que hoje é basta com que nos contem o que foi ontem. Basta com isso e aparece transparente o que hoje estamos fazendo. E essa razão narrativa é ‘a razão histórica’ (ORTEGA; GASSET, 1983, p.121-122).
Assim, reconstruir uma trajetória dessas Campanhas de alfabetização de jovens e
adultos, é pensar em analisar fatos e realizações humanas já ocorridas num lugar específico,
em circunstâncias e em épocas irreversíveis, geradas num mundo temporalmente definido.
Para isso, elegem-se certos fragmentos ou ruínas do passado considerando seus valores, ideais
e procedimentos históricos, com objetivo de recuperar a trajetória dos homens vivendo as
várias dimensões do social, reconstruindo assim fatos e vidas. Contudo, segundo Walter
Benjamim (1987 p.224), não devemos esquecer que “articular historicamente o passado não
significa conhecê-lo como ele de fato foi”.
Neste sentido, a contribuição da pesquisa histórica para este trabalho é o de poder
pensar o conhecimento histórico como capaz de apreender e congregar as experiências vividas
pelos sujeitos sociais, suas necessidades, seus interesses, em várias situações determinadas
pelo social. Segundo Vieira, Peixoto e Khoury apud Thompson, (1998), “interessa recuperar
caminhadas, programas fracassados, derrotas e utopias, pois nada garante que o que ganhou
foi sempre melhor”. Assim, pode-se dizer que a história possibilita esse jogo entre vencidos e
vencedores, mas o que gera um interesse sedutor no pesquisador é desvendar as injunções que
determinaram esse jogo.
14
Para Vieira, Peixoto e Khoury (1998, p.30), “o conhecimento histórico é
historicamente produzido”. Segundo as autoras, a história deve ser pensada no duplo sentido
do termo: como experiência humana e como sua própria narração, interpretação e projeção.
Pois a experiência humana não se modifica enquanto passado, o que se modifica é a forma
como ela é investigada, de acordo com as problemáticas que o investigador se coloca no
presente, que envolvem sua própria experiência de vida e as concepções das quais parte.
Desta forma, é possível afirmar que a postura, a experiência, a posição teórica e as
expectativas do pesquisador encaminharão seus passos no momento em que este estabelecer
diálogo com as fontes encontradas.
A partir desse entendimento, optei pela análise de fontes documentais, no intuito
de selecionar documentos emblemáticos que me permitissem encontrar “normatizações” e
“concretizações”4 dos processos de homogeneização e consensualização das versões que
foram legitimadas, preservadas e legadas às gerações futuras. Desta forma, vale lembrar o que
Le Goff entende como documento:
Uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente (LE GOFF, 1984. p.103).
A partir da compreensão deste conceito, posso dizer que a escolha do documento é
o ponto de partida para o pesquisador, é o momento de analisar, criticar e relativizar, as
condições de produção históricas e da intencionalidade dos documentos selecionados,
procurando construir um significado acerca dos acontecimentos no passado.
Feita esta constatação, parti em busca de documentos que poderiam subsidiar este
trabalho. Num primeiro momento me preocupei em saber se já havia sido desenvolvida
alguma pesquisa sobre essa temática aqui no Estado de Mato Grosso. O que ficou constatado
em levantamento bibliográfico que nesse período (1947 a 1990) não havia nenhuma pesquisa
sobre Campanhas de Alfabetização de Jovens e Adultos em Mato Grosso.
4 Esses termos serão conceituados no decorrer da pesquisa.
15
O próximo passo foi procurar a Secretaria de Educação, que não tinha em seus
arquivos nenhum documento relacionado com as Campanhas de Alfabetização de Jovens e
Adultos ocorridas em Mato Grosso nesse período de minha pesquisa.
Cheia de dúvidas de como e onde encontrar esses documentos, continuei minha
odisséia em busca de um ponto de partida. Foi então que cheguei ao Arquivo Público e lá
comecei meu primeiro contato com documentos sobre a história da educação de Mato Grosso.
Este momento foi bastante excitante, eu naquele ambiente cercada de estantes com livros e
catálogos antigos, aqueles documentos em papéis cansados, mas vivos, me encheu de um
sentimento semelhante ao que Prost descreve:
Eu duvido, o reconheço, que um historiador possa deixar de provar uma certa emoção abrindo uma pasta de arquivo ou a coleção de um velho jornal: essas folhas que dormem há tanto tempo conservam o traço de existência múltiplas, de paixões hoje extintas, de conflitos esquecidos, de análises imprevistas, de cálculos obscuros (PROST, 1999 apud ALVES, 2003, p. 3).
Motivada por esse sentimento, continuei a pesquisa na Biblioteca Pública de Mato
Grosso, na Assembléia Legislativa, na Biblioteca da Universidade Federal e ainda, através da
leitura da Tese de Doutorado do professor Leôncio Soares descobri que alguns documentos
sobre as campanhas faziam parte do acervo da Biblioteca da Universidade Federal do Rio de
Janeiro e também da Biblioteca do INEP – Instituto Nacional de Estudos pedagógicos. Então
estabeleci uma rede de contatos que pudesse me ajudar a localizá-los e ter acesso aos
mesmos.5
Após a reunião e seleção dos documentos encontrados sobre as campanhas de
alfabetização de adultos, percebi que a tarefa de historiar a educação mato-grossense seria um
trabalho árduo, principalmente porque o estudo em questão era a educação de jovens e
adultos, que numa análise preliminar já era possível intuir que não havia merecido a devida
importância pelas autoridades educacionais, devido à falta de arcabouço do ensino neste
Estado por muitas décadas. Diante desses documentos surgiram algumas perguntas: De que
forma a preservação de tais documentos determinará minhas conclusões neste trabalho de
5 No Rio de Janeiro meu contato foi minha irmã Jeneffer Souza, estudante na UFRJ que logo me enviou a documentação solicitada. Na Biblioteca do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais., fiz contato com a Srª. Maria Joselita da Silva, que prontamente me enviou documentos relacionados à educação de jovens e adultos existentes naquele acervo. Agradeço, imensamente, às duas, pela colaboração.
16
pesquisa? Como proceder diante da possibilidade da existência de documentos contraditórios?
Que valor dar a um documento único? De que forma usar uma informação inusitada? Até
onde confiar no que está escrito, principalmente se a procedência for de fontes produzidas
pelo Estado? Em que medida os documentos que não foram preservados poderão constituir
em uma lacuna na reconstrução de um contexto?
Todo esse receio é decorrente do desejo de querer se apropriar de dados reais que
possam comprovar a veracidade do que se pretende contar. A esse respeito Alves comenta:
Os historiadores abandonaram, há muito, qualquer pretensão de recolher todas as provas possíveis de todos os fatos que poderiam ser de interesse para a história. Desvaneceu-se a ilusão de que a sondagem dos registros do passado poderia descortinar acontecimentos que se apresentassem no seu desenrolar original (ALVES, 2003, p.1).
Entretanto, permanece no pesquisador a vontade de reconstruir um passado
comprometido com a realidade, mesmo sabendo que é ilusório pensar numa historia singular,
visto que, hoje, as inúmeras possibilidades de análise do passado permitem uma pluralidade
de modos de se escrever histórias.
Pensando assim, o pesquisador terá que ter em mente que tipo de relação poderá
estabelecer com o documento, visto que, a intencionalidade é algo preocupante no sentido de
garantir o ato interpretativo. De acordo com Bloch (1987, p. 60) “os documentos-fontes só
falam, quando se sabe interrogá-los”. Por isso, pode-se dizer que a essência da pesquisa
histórica sempre será a estreita relação do pesquisador com suas fontes.
A localização de fontes é sem dúvida a tarefa mais penosa da pesquisa, por isso
recorremos ao que diz Saviani (2004) sobre como definir uma fonte histórica. Segundo ele,
devemos levar em consideração duas conotações da palavra fonte que, por um lado, significa
o ponto de origem, o lugar de onde brota algo que se projeta e se desenvolve indefinidamente
e inesgotável. E por outro lado, indica a base, o ponto de apoio, o repositório dos elementos
que determinem os fenômenos cujas características se busca compreender. A rigor, para a
pesquisa histórica as fontes constituem o ponto de partida, a base, o ponto de apoio da
construção historiográfica que é a reconstrução, no plano do conhecimento, do objeto
histórico estudado. Assim, todos os documentos e papéis encontrados em arquivos públicos
ou particulares, bibliotecas e museus, não são em si mesmo fontes. Como afirma Saviani:
17
Com efeito, os mencionados objetos só adquirem o estatuto de fonte diante do historiador que, ao formular o seu problema de pesquisa, delimitará aqueles elementos a partir dos quais serão buscadas as respostas às questões levantadas. Em conseqüência, aqueles objetos em que real ou potencialmente estariam inscritas as respostas buscadas erigir-se-ão em fontes a partir das quais o conhecimento histórico referido poderá ser produzido (SAVIANI, 2004, p.6-7).
Nesta perspectiva, Saviani afirma que todas as fontes históricas, por definição, são
consideradas produções humanas, e para a perfeita compreensão deste conceito deve-se levar
em conta alguns pontos:
1-que as fontes se constituem de modo espontâneo; 2- que são encontradas nos vários tipos de acervos, com mais diferentes formas, são documentos, vestígios, indícios que foram acumulando-se ou foram sendo guardados, aos quais recorremos quando buscamos compreender determinado fenômeno (papéis acumulados em bibliotecas, miríade de peças guardadas em museus, múltiplos objetos); 3-que se deve preservar os materiais pesquisados para que possa servir para estudos futuros quando esses materiais serão eventualmente , tomados como preciosas fontes pelos historiadores em sua busca de compreender o seu passado que é o nosso presente (SAVIANI, 2004, p.4-6).
Por isso, o levantamento das fontes me exigiu o desenvolvimento de um senso
investigativo, no sentido de seguir as pistas que uma fonte fornece a outra fonte, podendo
assim estabelecer critérios para a seleção, a leitura e a interpretação das mesmas.
A esse respeito Alves (2003) chama atenção para as transformações sofridas no
século XX que produziram algumas mudanças na relação do historiador com suas fontes,
levando a reflexão de que não são apenas os fatos, mas as categorias de análise utilizadas pelo
pesquisador que serão o alicerce da construção da narrativa histórica. Essa nova abordagem é
decorrente da influência de outras ciências como a sociologia, a economia, a antropologia e a
lingüística que acionaram outras áreas e linhas de pesquisa. Mas é preciso considerar que esta
nova abordagem possibilitou a valorização de outras fontes que antes eram desprezadas e que
agora ampliam o foco do historiador e contribuem para a evolução de uma pesquisa histórica
mais abrangente.
18
Contudo deve-se tomar cuidado com o que chama Alves (2003) de “a trama dos
arquivos”, segundo a autora “os arquivos apresentam-se, muita vezes, como uma verdadeira
armadilha para o historiador”. A autora ainda esclarece que no momento em que se procede a
investigação no arquivo, diversos lugares se superpõem, estabelecendo resultados que
representarão a consistência do trabalho de pesquisa. Outro cuidado que a autora adverte é o
envolvimento emocional, que não pode de maneira alguma interferir nas escolhas efetuadas
durante o processo de investigação, por colocar em risco o ato interpretativo e as verdadeiras
razões que orientam os historiadores a tomarem suas deliberações.
Por outro lado, Vieira, Peixoto e Khoury (1998, p. 49) afirmam que “a
subjetividade do pesquisador está presente na seleção dos dados, mas a escolha não é
arbitrária; ela resulta da relação entre a postura teórica do pesquisador e o objeto pesquisado”.
Importa também enfatizar, que após a seleção das fontes documentais o
pesquisador deverá atentar para dois procedimentos que, segundo Nunes e Carvalho,
possibilitarão a organização das fontes encontradas:
1-incorporar nesse trabalho o maior número de informações, determinação do lugar de fala desse documento, sistemas de descrição, indexação e remissão, para pluralizar as possibilidades de utilização; 2-determinar o lugar de fala dos discursos, constituídos pelo pesquisador como documentos, constituição da escola nessas relações; incorporação de aspectos teóricos; alargamento da concepção de fontes e recurso a novos procedimentos de análise, especialmente pelas contribuições da história oral e dos diversos campos do saber (NUNES ; CARVALHO, 1993, p. 31).
Em conseqüência destas asseverações, comecei a investigação com certo grau de
percepção de que tinha pela frente uma grande peleja, cuidando para não tomar as aparências
como evidências de forma a não comprometer a escolha das fontes a serem pesquisadas.
Outra grande preocupação foi como proceder com fontes relacionadas com as
políticas educacionais, visto que, as campanhas de alfabetização de jovens e adultos aqui
pesquisadas estão diretamente ligadas as políticas educacionais. Para entender melhor esse
processo de análise das políticas educacionais, busquei apoio nos estudos de Sanfelice (2004,
p. 100) que primeiramente diz que “devemos entender mais o papel que as políticas
educacionais têm exercido nas sociedades do que estudar as fontes que traduzem o registro da
sua geração e lhes dão materialidade”. Ainda sobre isso o autor afirma que há um farto uso da
legislação como fonte, assim como os decretos, os diários oficiais da União e dos Estados.
19
Afirma, também, que os poderes Executivo e Legislativo tornam-se também objetos da
investigação, uma vez que são autores de projetos, geram legislação, formulam planos
trienais, decenais e planos de governo. Além disso, enfatiza os discursos de políticos e as
intervenções destes na tramitação da legislação são também ricas fontes e essas quase sempre
revelam muito mais do que se materializa na lei.
Em relação às políticas educacionais o autor recomenda que não se despreze
documentos que revelem tendências, hegemonia, representatividade de grupos e segmentos
que atuam na formulação das políticas educacionais tais como: emendas populares, atas e
jornais de Assembléias Constituintes, projetos derrotados e substitutivos, documentos do
Conselho Nacional de Educação e dos Conselhos Estaduais de Educação. Além disso,
Sanfelice (2004) faz uma lista de outras instituições que mesmo não fazendo parte do
aparelho do estado também são responsáveis pela deliberação de políticas educacionais,
como: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Confederação Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), Conselho Nacional de Instituições da Educação Católica (CONIEC),
Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN), Central Única dos
Trabalhadores (CUT), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE),
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), Serviço Social da
Indústria (SESI), Sociedade Brasileira para o Programa da Ciência (SBPC) e outros.
Seguindo essa orientação foi possível investir num olhar mais criterioso e
relevante para determinadas fontes que sem este estudo seriam desprezadas e
comprometeriam essa pesquisa. Desta forma, a possibilidade de proceder com o levantamento
de fontes relacionadas às políticas educacionais, permitiu a construção de um quadro
indicativo sobre alguns documentos encontrados, a partir dos quais foi possível conhecer
alguns aspectos das políticas educacionais relacionadas às campanhas de alfabetização.
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QUADRO 1 – RELAÇÃO DE FONTES DOCUMENTAIS DIVERSAS DESCRIÇÃO DAS FONTES ANO Jornal A Razão 1921 Jornal Gazeta Oficial 1937 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Serviço Nacional de Recenseamento – O Analfabetismo no Peru e no Brasil
1940
Carta do Instituto Nacional de Estudos pedagógicos 1941 Diretoria Geral de Instrução Pública – Relatório 1942 Mensagens Apresentadas pelos Governadores de Mato Grosso à Assembléia Legislativa
1949 – 1950-1951-1952-1953-1954 -
1955-1956 Revista do I Congresso Nacional de Educação de Adultos - RJ 1950 Livro de Mensagem à Assembléia Legislativa de Mato Grosso 1950 Livro de Mensagem à Assembléia Legislativa de Mato Grosso 1951 Confederação Mundial das Organizações do Professorado – Assembléia dos Delegados – Rio de Janeiro
1963
Jornal Correio Brasiliense 1971 Relatório da Comissão de Elaboração de Diretrizes Político-Pedagógicas para a Fundação Educar – Brasília - DF
1986
Cartilha do Programa de Educação Básica da Fundação Educar - Rio de Janeiro - RJ
1987
CEDI – Centro Ecumênico de Documentação e Informação - Programa de Educação e Escolarização Popular – Relatório Final – Metodologia da Alfabetização de Adultos no Brasil: O Estado da Arte – São Paulo - SP
1990
Sem dúvida a localização dessas fontes se configurou em grande avanço para a
pesquisa, mas como assegura Sanfelice citando Lowy:
Nunca é demais repetir que as fontes não falam por si ao historiador e que os condicionantes deste, entre outros os decorrentes da sua formação cientifica e epistemológica, determinam em muito o seu próprio mirante, ou seja, o lugar de onde ele vai à busca das fontes estabelece a seleção, faz sua leitura e interpretação (LOWY apud SANFELICE, 2004, P. 106).
No que se refere ao processo analítico das fontes documentais, seu conteúdo,
finalidade e forma de veiculação desses documentos recorro ao entendimento que Mortatti
(2000) tem dos seguintes conceitos:
21
a) tematizações – contidas especialmente em artigos, conferências, relatos de experiência, memórias, livros teóricos e de divulgação, teses acadêmicas, prefácios e instruções de cartilhas e livros de leitura;
b) normatizações – contidas em legislação de ensino (leis, decretos, regulamentos, portarias, programas e similares); e
c) concretizações – contidas em cartilhas e livros de leitura, ‘guias do professor’, memórias, relatos de experiências e material produzido por professores e alunos no decorrer das atividades didático-pedagógicas (MORTATTI, 2000, p.29).
Considerando ainda o ato interpretativo pertinente aos documentos-fontes, optei
por analisá-los a partir da compreensão do conceito de configuração textual, que segundo
Mortatti (2000), são conjuntos de aspectos constitutivos de determinado texto que
possibilitam uma análise integrada que permitirá ao investigador uma leitura possível e
autorizada de documentos considerados emblemáticos, compreendendo a diferença entre os
sentidos propostos por esses sujeitos e os sentidos que hoje podemos dar.
Ao utilizar o recurso da configuração textual a autora ainda afirma que o
pesquisador assume uma posição de um leitor contemporâneo que se esforça por compreender
simultaneamente:
O sentido da experiência vivida configurada nos discursos produzidos pelos sujeitos de cada momento; a apropriação desses discursos por seus contemporâneos e seus pósteros, como mediação necessária à constituição de sentidos diferentes; [...], (MORTTATI, 2000, p.32).
Por essas razões e por entender que todo discurso nasce de outro discurso e que a
maioria dos documentos aqui analisados são oriundos de instituições governamentais, e que,
estes revelam tendências, hegemonia e representatividade dos grupos que os produziram,
relacionei algumas questões de configuração textual como base de apoio para análise e
compreensão do momento histórico em que foram produzidos, tais como:
- opção temática (o quê?)
- determinada por qual (ais) sujeito (s) (quem?)
- ponto de vista e lugar social (onde?)
- momento histórico (quando?)
- motivado por quais necessidades (por quê?)
22
- com qual finalidade (para quê?)
- público alvo (para quem?)
Enfim a utilização do recurso da configuração textual em documentos relacionadas
à alfabetização de jovens e adultos aqui reunidos e selecionados, possibilitou uma melhor
compreensão dos meandros nos quais foram tecidas as campanhas de jovens e adultos em
Mato Grosso.
1.4 Pressupostos Teórico-Metodológicos
Considerei importante para desdobramento teórico-metodológico desta pesquisa a
contribuição da História Cultural, no sentido de compreender a história de nossas idéias e nos
auxiliar na análise dos fatos temporalmente constituídos. Para isso recorri aos estudos de
Chartier (2002), que diz que a história cultural, tal como a entendemos, tem por principal
objetivo identificar o modo em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade
social é construída, pensada, dada a ler. Ele ainda afirma que a história cultural deve ser
pensada como a análise do trabalho de representação, isto é, das classificações e das exclusões
que constituem, na sua diferença radical, as configurações sociais e conceptuais próprias de
um tempo ou de um espaço. Ou ainda, compreendermos como um estudo dos processos com
os quais se constrói um sentido.
É possível definir a História Cultural como sendo uma nova forma de abordar
eventos e interrogar a realidade contemporânea. A Nova História Cultural, como também é
chamada, trouxe novos ares ao trabalho do historiador, que a partir de uma nova perspectiva
de interpretar os fatos históricos recorre a novos meios de compreensibilidade, salientando o
papel das representações na criação, manutenção e recriação do mundo social. A esse respeito
Vainfas afirma que:
Uma história problematizadora do social, preocupada com as massas anônimas, seus modos de viver, sentir e pensar. Uma história com estruturas em movimento, com grande ênfase no mundo das condições de vida material, embora sem qualquer reconhecimento da determinância do econômico na totalidade social, à diferença da concepção marxista da história. Uma história não preocupada com a apologia de príncipes ou generais em efeitos
23
singulares, senão com a sociedade global, e com a reconstrução dos fatos em série passíveis de compreensão e explicação (VAINFAS, 2002, p. 17).
A partir dessa compreensão, foi possível enfocar, nessa pesquisa, algumas
experiências históricas relacionadas às campanhas de alfabetização de jovens e adultos em
Mato Grosso , analisando as experiências vividas pelos sujeitos envolvidos e como elas se
constituíram em práticas e representações sociais, e de que forma esses desdobramentos se
alocaram e atribuíram sentido ao seu mundo social. A esse respeito Chartier afirma que a
noção de representação, permite articular três modalidades da relação com o mundo social:
1) Em primeiro lugar, o trabalho de classificação e de delimitação que produz configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos.
2) Seguidamente, as práticas que visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significa simbolicamente um estatuto e uma posição;
3) Por fim, as formas institucionalizadas e objetivadas graças às quais uns ‘representantes’ (instâncias coletivas ou pessoas singulares) marcam de forma visível e perpetuada a existência do grupo, da classe ou da comunidade (CHARTIER, 2002, p.23).
Vale ressaltar que os conceitos de “práticas e representações” acatados nesta
pesquisa são clarificados pela contribuição de Roger Chartier para a História Cultura, que
procura compreender as práticas que constroem o mundo como representação, atentas as
influências e as apropriações que estas determinam aos encaminhamentos sociais e políticos.
Essa explicação faz-se necessária, devido ao largo uso desses conceitos por outras ciências.
As noções de “prática e representações” são de vital importância para o historiador
da cultura, porque através delas é possível estudar tanto os objetos culturais produzidos, os
sujeitos produtores e receptores de cultura, os processos que envolvem a produção e difusão
cultural, os sistemas que dão suporte a estes processos e sujeitos, e por fim as normas a que se
confrontam as sociedades quando produzem cultura, inclusive através da consolidação de seus
costumes. Desta forma, é possível afirmar que esse novo olhar elimina a noção de
superioridade de uma determinada modalidade cultural sobre a outra, o que significa também,
uma certa aproximação das massas anônimas .
24
Nesta perspectiva, posso afirmar que a História Cultural revela uma especial
afeição pelo informal, por análises historiográficas que apresentem novos caminhos para a
investigação histórica, indo onde as abordagens tradicionais não foram. Em relação a isso:
Saber se pode chamar-se popular ao que é criado pelo povo ou àquilo que lhe é destinado é, pois, um falso problema. Importa antes de mais identificar a maneira como, nas práticas, nas representações ou nas produções, se cruzam e se imbricam diferentes formas culturais (CHARTIER, 2002, p. 56).
Neste sentido, a História Cultural tem beneficiado a abordagem de certos temas,
antes não tão privilegiados por historiadores ligados à história cultural, como afirmam Nunes
e Carvalho:
O campo tradicionalmente relegado à história da educação vem sendo progressivamente ocupado e redefinido pelas investigações da nova história cultural. A ênfase no estudo dos processos de circulação e apropriação culturais vem fazendo com que esta privilegie, como constitutivo de seu próprio campo de investigação, estudos relacionados a questões educacionais, que vinham sendo de certa forma relegados pela produção historiográfica anterior a uma situação de desprestígio intelectual e institucional (NUNES; CARVALHO, 1993, p.46).
Seguindo o arcabouço teórico-metodológico oferecido pela história Cultural,
busquei direcionar esta pesquisa no sentido de refletir sobre o passado das Campanhas de
Jovens e Adultos em Mato Grosso, não só identificando os mecanismos internos do processo
educacional, mas também refletindo todo o contexto sócio-histórico em que foram
constituídas.
Com o objetivo de obter uma abordagem mais ampla sobre o contexto histórico
das Campanhas de Alfabetização, recorri às narrativas de sujeitos envolvidos com as
Campanhas de Alfabetização Mato-Grossense, buscando na lembrança desses sujeitos
constituir pistas para entender como foram difundidas essas Campanhas relacionadas à
Alfabetização de Jovens e adultos naquele período histórico, lembrando que recordar envolve
processos de reconstrução e resignificação das experiências lembradas.
25
Nesta perspectiva argumenta Thompson (1992, p.195), o valor do passado apóia-se
em três pontos fortes. O primeiro pode proporcionar, e de fato proporciona, informação
significativa e, por vezes, única sobre o passado. Em segundo, pode também transmitir a
consciência individual e coletiva que é parte integrante desse mesmo passado. Em terceiro, as
instituições reflexivas da introspecção de modo algum constituem sempre desvantagem.
Ao utilizar relatos orais, optei por uma concepção de sujeito enquanto reconstrutor
da história, que reinventa formas de diálogo consigo mesmo e com o outro, e que se
reconstrói ao reconstruir sua história pela memória e pela linguagem. É também ir a busca de
um olhar que descubra os vestígios de quem viveu a história, buscando subverter o olhar
hegemônico: aquele que vê apenas os grandes acontecimentos.
Meihy (1996) reconhece a importância da história oral para o historiador e propõe
o seguinte conceito:
A história oral implica uma percepção do passado como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado [...] Além de mexer no conceito de ‘personagem histórico’, a história oral também trabalha com a questão do cotidiano, evidenciando que a história dos ‘cidadãos comuns’ é trilhada em uma rotina explicada na lógica da vida coletiva de gerações que vivem no presente (MEIHY, 1996, p.10).
Por outro lado, diz Meihy (1996), a presença do passado no presente imediato das
pessoas é a razão de ser da história oral, pois garante sentido social à existência de depoentes
e leitores que passam a entender a seqüência histórica e a sentirem-se parte desse contexto.
Feita esta constatação, o autor propõe um conceito de história oral como sendo um recurso
moderno usado para a elaboração de documentos, arquivamento e estudos referentes à vida
social de pessoas. Ela é sempre uma história do tempo presente e também conhecida como
“história viva”. Contudo, não cabe aqui discutir sua cientificidade, apenas reconhecê-la como
um instrumento que aloca novos elementos para uma leitura da sociedade e que de certa
forma pode complementar algum conjunto documental para explicar percepções de
problemas que muitas vezes são filtrados ou dificultados pelas versões oficiais . Pode-se dizer
que, para Meihy, (1996, p.10), “a história oral é uma alternativa à história oficial, consagrada
por expressar interpretações feitas, quase sempre, com o auxílio exclusivo da documentação
escrita e cartorial”.
26
A história oral tem como pressuposto um cuidado muito especial com o uso da
entrevista. O entrevistador deve estabelecer uma relação de confiança mútua com o
entrevistado, para garantir o grau de confiabilidade dos elementos obtidos e registrados.
Segundo Meihy, (1996, p. 32), quatro são os fatores que distinguem a história oral das outras
entrevistas procedidas em outras áreas:
1 - a técnica empregada na captação dos depoimentos;
2 - a transcrição com a explicitação da função do eu;
3 - o uso analítico ou não das mesmas;
4 - o resultado a que se destina (se para a academia ou para o público em geral).
Quanto à coleta dos depoimentos o autor destaca a importância do entrevistado ter
conhecimento prévio da pesquisa de que está participando, de nunca o entrevistador gravar
qualquer coisa sem o consentimento do entrevistado e de que nada será publicado sem a
autorização do mesmo. Na transcrição deve-se privilegiar o sentido intencional dado pelo
narrador, sem contudo, deixar de trabalhar na melhoria do texto evitando alguns vícios de
linguagens, erros gramaticais, abuso excessivo de certas palavras, com o cuidado de não
omitir do texto características individuais do tipo de narrativa do entrevistado. Além dessas
questões metodológicas, que, a rigor, constituem-se num aprendizado contínuo (realizar
entrevista, transcrever, digitar, analisar e interpretar), é preciso, ainda, atentar para o uso que
se faz do material, já que estamos lidando com experiências de sujeitos, de seres humanos;
isso exige sempre sensibilidade, respeito e ética.
O entendimento do conceito de história oral é também amparado pelas
contribuições de Thompsom (1992). Para este autor, alguns procedimentos devem ser
considerados fundamentais quando se pretende reavivar a memória de pessoas mais velhas
com fatos vividos há muito tempo. O primeiro procedimento diz respeito à disposição de ficar
calado e escutar. Deixar a pessoa, na medida em que for falando, ir se lembrando do contexto
cujo fato desejado está inserido. Evitar interrupções com freqüência, que possam inibir a fala,
colocando as informações da pessoa entrevistada em xeque. O segundo procedimento diz
respeito ao pesquisador que naquele momento se coloca como entrevistador. Refere-se à
importância de se fazer uma preparação das informações básicas para a entrevista. Essa
preparação auxilia no intercâmbio com a pessoa entrevistada que vai perceber que o
entrevistador sabe do que se está falando. Há que se cuidar para evitar uma demonstração
ostensiva do que se conhece e, principalmente, evitar interferências na entrevista, fazendo
correções. O terceiro procedimento se refere à forma de situar a participação do informante no
contexto do fato pesquisado. “Identificar até que ponto sua experiência e observações são
27
diretas, quais recordações são de segunda mão e ter a sensibilidade para reconhecer as falhas
de memórias” (THOMPSON, 1992, p.254 -278).
É possível compreender memória, segundo Del Nero, como sendo um mecanismo
pelo qual se pode, no presente, inferir algo que se situa no passado. Memórias de longo tempo
permanecem quase perenemente gravadas, recrutáveis a qualquer instante. São as memórias
antigas que povoam a vida mental das pessoas idosas, pois os idosos evocam o passado
remoto com facilidade pelo fato de utilizarem as memórias mais bem gravadas. Ainda,
segundo o autor, é raro haver perda de memória antiga, embora possa haver problemas “nos
mecanismos de busca” das pessoas com mais idade (DEL NERO, 1977, p.343 -345).
Feita esta constatação, optei por uma entrevista semi-estruturada que, segundo
Lüdke e André (1986, p. 34), “se desenrola a partir de um esquema básico, porém não
aplicados rigidamente, podendo o entrevistador fazer as adaptações necessárias”. Assim,
elaborei um roteiro com algumas questões consideradas importantes para explorar melhor o
tema a partir das trajetórias percorridas pelos sujeitos entrevistados no campo da educação de
jovens e adultos. Desta forma, foi possível garantir uma maior liberdade dos entrevistados
para expressar o que pensam a respeito do tema abordado, possibilitando assim, um maior
volume de informações a serem analisadas.
Por isso, o que se busca na História Oral são registros da experiência vivencial ou
de informações partilhadas por sujeitos que estiveram inseridos nesse passado histórico, para
com isso, poder estabelecer diálogo com outras fontes já conhecidas facilitando o
entendimento de determinados fatos que geralmente são filtrados ou neutralizados pelas
versões oficiais.
1.4.1 Os Sujeitos da Pesquisa
Após o levantamento das fontes documentais, senti necessidade de buscar uma
abordagem mais ampla sobre as Campanhas de Alfabetização de Jovens e Adultos em Mato
Grosso. Desse modo, parti em busca de sujeitos que tivessem participado desse contexto
histórico. Optei primeiramente pela localização de professores que tivessem atuado como
alfabetizadores nessas Campanhas, por acreditar que estes seriam mais facilmente localizados
e, além disso, poderiam fornecer ricos detalhes sobre o desenvolvimento dessas campanhas a
partir de suas concretizações, que geralmente são renegadas pelas versões oficiais.
28
Logo na primeira entrevista, com a professora Maria do Rosário, a mesma
informou que, além de ter sido professora alfabetizadora, também havia sido coordenadora do
Mobral. Então, durante a entrevista, obtive dados tanto de seu trabalho como professora
alfabetizadora, como também de seu trabalho como coordenadora. A partir do relato desta
professora, percebi que seria muito interessante para esta pesquisa encontrar outros
coordenadores que tivessem participado dessas Campanhas. Assim, estabeleci o seguinte
critério para a seleção dos sujeitos desta pesquisa: ter sido professor e/ou coordenador das
Campanhas aqui pesquisadas.
Entretanto, vale ressaltar que, devido ao longo período temporal desta pesquisa
não consegui localizar nenhum sujeito que tivesse participado da primeira Campanha de
Educação de Adolescentes e Adultos Analfabetos, realizada no período de 1947 a 1963.
Portanto, todos os sujeitos localizados nesta pesquisa fizeram parte da Campanha do Mobral.
No quadro a seguir, apresento a relação de professores e coordenadores que foram
entrevistados, tipo de atuação que tiveram na Campanha e a situação profissional atual. Vale
salientar que as narrativas orais dos sujeitos entrevistados foram compreendidas como práticas
sociais e expressão de experiências vividas.
QUADRO 2: RELAÇÂO NOMINAL DOS SUJEITOS DA PESQUISA
NOME IDADE CAMPANHA ATUAÇÃO SITUAÇÃO
PROFISSIONAL
ATUAL
Joana Júlia de Oliveira 54 MOBRAL Professora
Alfabetizadora
Desempregada
Carlina Benedita da
Silva
68 MOBRAL Professora
Alfabetizadora
Aposentada
Diva Silvera de
Oliveira
57 MOBRAL Professora
Alfabetizadora
Lecionando
Epifânia Maria da
Costa
57 MOBRAL Professora
Alfabetizadora
Aposentada
Sr. AFJ - MOBRAL Coordenador Mudou de
profissão
Neide Benta Pinheiro
Arruda
58 MOBRAL Professora/Coordenadora Aposentada
Maria do Rosário
Oliveira
- MOBRAL Professora/Coordenadora Aposentada
29
As entrevistas foram realizadas na forma semi-estruturada, procurando explorar o
tema a partir das trajetórias percorridas pelos sujeitos entrevistados no âmbito das Campanhas
de Alfabetização de Jovens e Adultos. O roteiro das entrevistas mantinha alguns pontos
considerados importantes: dados pessoais, informações sobre o material didático utilizado nas
campanhas, perfil dos alunos que participaram das turmas de alfabetização, de que forma era
feito o processo seletivo para professores atuarem nas campanhas, envolvimento das
autoridades municipais e estaduais com as campanhas e, por fim, os resultados obtidos por
essas campanhas.
Durante as entrevistas procurei não transmitir aos entrevistados minhas ansiedades
em relação ao tema abordado. Tentei construir uma atmosfera de confiança, que
proporcionasse aos entrevistados total segurança para se manifestarem livremente, deixando
fluir seus sentimentos, desejos, anseios e suas memórias do passado.
Dos 07 (sete) sujeitos entrevistados, somente um não permitiu ter sua identidade
revelada, o que suponho ser motivado pela nova profissão que exerce. Entretanto, todos foram
bastante receptivos durante as entrevistas, assinaram termo de autorização para divulgação de
seus depoimentos e alguns até ofereceram documentos, fotos e material didático que faziam
parte de seus acervos pessoais, para que fossem utilizados nesta pesquisa.
As entrevistas foram realizadas individualmente, respeitando a disponibilidade dos
entrevistados, que definiram horário, local e dia que poderiam me receber. Os depoimentos
foram gravados e tiveram duração de no mínimo uma hora e no máximo duas.
Após as entrevistas, fiz as transcrições de forma convencional, ouvindo e digitando
o conteúdo literalmente. Na seqüência, analisei o material transcrito minuciosamente e
confrontei com outros dados coletados durante a pesquisa. Neste sentido, Demartini (1992)
afirma que:
[...] só a análise minuciosa dos relatos, depois de transcritos, nos permite conhecer os detalhes e questões aventadas em cada entrevista, procurando o ponto de concordância e de discordância entre elas, sobre os mais variados aspectos; descobrir aspectos novos que apenas com a comparação conseguimos perceber, pois muitas vezes os elementos necessários ao entendimento de determinadas situações surgem não só na análise do que foi dito no conjunto dos relatos, mas também do que não foi dito (DEMARTINI, 1992, p. 52).
Alem disso, Demartini (1992), adverte que o pesquisador deve ter :
30
[...] a consciência de que durante a pesquisa, estará trabalhando com dois materiais distintos: as memórias faladas, que o pesquisador registra em sua própria memória, e que até inconscientemente estão presentes durante a análise, e o material escrito, que lhe exige novas atenções. Se as entrevistas faladas são ricas e cheias de elementos novos que vão se apresentando às vezes aos poucos, à medida que se escuta várias vezes cada gravação, o material transcrito, por outro lado permite uma visão de conjunto e um trabalho com as memórias de forma mais dinâmica (DEMARTINI, 1992, p. 54).
Entretanto, o uso desse material coletado (entrevistas) exige do pesquisador uma
postura respeitosa, responsável e ética, garantido assim total fidelidade às informações
prestadas, visto que elas revelam experiências e sentimentos de seres humanos.
O diálogo estabelecido com os sujeitos da pesquisa permitiu compreender como
esses indivíduos experimentaram e interpretaram acontecimentos relacionados à Campanha de
alfabetização que haviam participado.
1.4.2 Alfabetização um Conceito em Mutação
Além de todas essas recomendações que orientam com eficácia esse trabalho de
pesquisa, ainda faz-se necessário elucidar alguns conceitos que contribuíram para a análise
das trajetórias das campanhas de alfabetização de jovens e adultos em Mato Grosso. Assim,
primeiramente faço, um breve apanhado sobre o conceito de alfabetização, baseada nos
estudos de Mortatti (2004).
Nas últimas décadas, o conceito de alfabetização vem mudando radicalmente.
Durante muito tempo considerou-se que uma pessoa estava alfabetizada quando sabia ler e
escrever, ainda que num nível muito rudimentar, por exemplo, desenhar o nome. Foi essa
concepção que orientou a maioria das campanhas de alfabetização de jovens e adultos em
todo o mundo. Acreditava-se que em dois ou três meses se pudessem ensinar os princípios
básicos da codificação dos sons em letras e que, a partir de então, jovens e adultos já estariam
aptos a empregar esse conhecimento em proveito próprio. Essa concepção levou a maioria das
campanhas de alfabetização de adultos ao insucesso. Encerrada a campanha, a maioria dos
jovens e adultos não encontrava incentivos para aplicar seus conhecimentos nem
31
oportunidades educativas para continuar aprendendo: ocorria então o fenômeno conhecido
como regressão ao analfabetismo.
Desse modo, a conceitualização dos termos "analfabetismo" e "alfabetização"
carregam uma história de múltiplos e complexos significados, não havendo precisão e até
muitas vezes oposição em relação ao que estes conceitos querem dizer. Cabe destacar também
que isto se deve aos diversos critérios existentes para defini-los. Em relação a isto, Letellier
diz que:
A imprecisão e ambigüidade em que têm sido mantidos os próprios conceitos de analfabetismo e alfabetização contribuíram para a proliferação de termos (freqüentemente superposto ou parcialmente superposto) para descrever os diferentes estágios e níveis intermediários ao eixo analfabetismo-alfabetização, tais como analfabetismo absoluto, puro, regressivo, por desuso, funcional ou os de analfabeto, semi alfabetizado, neo-alfabetizado (LETELLIER apud TORRES 1996, p.10).
Para Mortatti (2004), os significados de “analfabeto” e “analfabetismo” indicam
uma condição que antecede (cronologicamente) o aprendizado das primeiras letras (leitura e
escrita) e a instrução primária. Depois (cronologicamente) de “analfabeto” e “analfabetismo”
passaram a ser necessárias palavras para designar o novo estado ou condição de saber ler e
escrever, e foram criadas: “alfabetizar” e “alfabetismo”, que derivam de “alfabeto”; e
“alfabetização” e “alfabetizado”, que derivam de “alfabetizar” (MORTATTI, 2004, p.39-40).
Entretanto a tentativa de entender o significado dessas palavras, nada mais é do que o desejo
de ampliar a definição de saber ler e escrever.
A autora, a partir de uma perspectiva diacrônica, faz uma reflexão dos momentos
históricos em que passaram a ser utilizadas as palavras “analfabeto”, “analfabetismo”,
"alfabetizar”, “alfabetização”, “alfabetizado”, “alfabetismo”, “letramento”, “letrado” e
“iletrado”.
A palavra “analfabeto” é a de uso mais antigo, remontando ao início do século
XVIII (MORTATTI, 2004, p. 38). O sentido da palavra “analfabeto” naqueles tempos é o
mesmo até hoje: o ignorante das letras do alfabeto, que não sabe ler nem escrever e que não
tem instrução primária. No final do século XIX a palavra “analfabetismo” passou a ser usada
para designar o problema que envolvia o estado ou a condição de analfabeto. Já a palavra
32
“iletrado” também é usada desde o final do século XIX, que chega a ser quase sinônimo de
analfabeto. Entretanto, a palavra “letrado”, que é utilizada desde o século XVIII, não tem
relação direta com a palavra “analfabeto”.
Na modernidade essas palavras foram incorporando outros sentidos, visto que os
debates sobre educação, ensino e aprendizagem trouxeram novas perspectivas para a
compreensão e utilização desses termos. A esse respeito, Mortatti (2004) diz que as novas
exigências sociais em relação à leitura e à escrita fizeram com que a partir do censo de 1950
uma pessoa só era considerada alfabetizada quando fosse capaz de ler e escrever um bilhete
simples, no idioma que conhecesse; aquele que soubesse apenas assinar o nome era
considerado analfabeto.
A palavra ‘alfabetização’ passou portanto, a partir desse momento histórico, a designar um processo de caráter funcional e instrumental, relacionado com o escolanovismo e com o ideário político liberal e democratização da cultura e da participação social. Desse ponto de vista, ‘alfabetização’ passou a designar explicitamente um processo escolarizado e cientificamente fundamentado, entendido como meio e instrumento de aquisição individual de cultura e envolvendo ensino e aprendizagem escolares simultâneos da leitura e da escrita, estas entendidas como habilidades específicas que integravam o conjunto de técnicas de adaptação do indivíduo às necessidades regionais e sociais (MORTATTI, 2004, p.67).
E assim, a palavra “alfabetização” foi amplamente usada tanto no âmbito político
como no âmbito pedagógico e, sobretudo, pelas cartilhas de alfabetização.6
Concomitantemente a isso, alguns educadores comprometidos com a educação popular e a
alfabetização de adultos, com destaque para o educador Paulo Freire, atribuíram outros
sentidos para as palavras “alfabetização”, “alfabetizado”, “analfabetismo”, “analfabeto”, que
se dilataram, passando a compreender não só o ensino de leitura e da escrita no âmbito
escolar, mas também a “leitura de mundo”, que visava uma conscientização da importância do
homem no seu contexto político e social (MORTATTI, 2004).
Outros estudos e pesquisas foram tomando destaque no Brasil como os
fundamentos do interacionismo lingüístico e da “psicologia soviética”. Do ponto de vista do
interacionismo, a palavra “alfabetizado” designa o estado ou condição daquele indivíduo que
6 A esse respeito, ver MORTATTI, M. R.L. Cartilhas de alfabetização e cultura escolar; um pacto secular. Cadernos CEDES, 52 (Cultura escolar – história, práticas e representações), 2000, p. 41 – 54.
33
sabe ler e produzir textos, com finalidades que extrapolam a situação escolar e remetem às
práticas sociais de leitura e escrita, algo próximo à leitura e escrita “do mundo”.
Concebida com base nesses novos estudos sobre o processo de alfabetização, surge
na segunda metade da década de 1980 as primeiras formulações e proposições da palavra
“letramento” para designar algo mais do que até então se podia designar com a palavra
“alfabetização”.
Entretanto, a “pré-história” das palavras em análise situa-se nos quase trezentos
anos que abrangem o período colonial; e sua história, propriamente dita, inicia-se na primeira
metade do século XIX, com “analfabeto” e “analfabetismo”, acrescentando-se, no início do
século XX, “alfabetizar”, “alfabetização”, “alfabetizado”, e, no final do século XX,
“letramento”, “alfabetismo”, “letrado”, “iletrado”.
Pode-se considerar, ainda, que na história de “analfabeto” e “analfabetismo”,
“alfabetizar”, “alfabetização” e “alfabetizado” tem-se a pré-história de “letramento”,
“alfabetismo”, “letrado” e “iletrado”.
No Brasil, a necessidade de ampliar o conceito de alfabetização somente começou
a se tornar possível quando novos fatos, como a condição de alfabetizado e a extensão da
escolarização básica, começaram a se tornar visíveis, gerando novas idéias e novas maneiras
de compreender os fenômenos envolvidos.
Na década de 1990, surge um novo conceito aliado ao de alfabetização: o de
letramento. Segundo Soares (1998, p.47), “o termo letramento é a versão para o Português da
palavra de língua inglesa literacy, que significa o estado ou condição que assume aquele que
aprende a ler e a escrever”. Esse mesmo termo também é encontrado no dicionário Houaiss
(2001) como “um conjunto de práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de
material”. Enfim, letramento está diretamente relacionado à língua escrita e seu lugar, suas
funções e seus usos nas sociedades letradas, ou seja, mais especificamente grafocêntricas.
A educação e letramento são, hoje, conceitos e práticas inter-relacionados e
complementares entre si. Além da contribuição para a reflexão sobre problemas culturais e
sociais mais amplos, entre o conceito de letramento - que abrange os usos e funções sociais da
leitura e da escrita em uma sociedade letrada -, e o conceito de educação – que abrange
processos educativos que ocorrem não apenas em situação escolar, mais também em situações
não-escolares, vem se evidenciando uma relação bastante fecunda e promissora, no sentido de
avançarmos na conquista de direitos humanos básicos e que devem ser distribuídos
igualmente e entre todos, para o exercício pleno da cidadania.
34
Segundo Soares (2003), “letrar é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e escrever
dentro de um contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do
aluno”. Ainda a autora adverte que um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um
indivíduo letrado e vice-versa. Ou seja, não basta saber ler e escrever; é necessário saber
utilizar socialmente e cotidianamente a leitura e a escrita.
Mas para Soares é importante compreender que:
[...] há distinção entre alfabetização e letramento, entre aprender o código e ter a habilidade de usá-lo. Ao mesmo tempo que é fundamental entender que eles são indissociáveis e têm as suas especificidades, sem hierarquia ou cronologia: pode-se letrar antes de alfabetizar ou o contrario (SOARES, 2003, p. 3) .
Por outro lado, Soares destaca duas dimensões para o letramento: a dimensão
individual e a dimensão social. Na dimensão individual, o letramento é visto como um
atributo pessoal, como a simples posse individual das tecnologias mentais complementares de
ler e escrever. Na dimensão social, o letramento é visto como um fenômeno cultural, um
conjunto de atividades sociais que envolvem a língua escrita.
A partir dessa compreensão, a autora citada afirma que, do ponto de vista da
dimensão individual de letramento, a leitura é um conjunto de habilidades lingüísticas e
psicológicas que se estendem desde a habilidade de decodificar palavras escritas até a
capacidade de compreender textos escritos. No que se refere à escrita do ponto de vista
individual, Soares destaca o desenvolvimento de habilidades que vão desde registrar unidades
de som até a capacidade de transmitir significado de forma adequada a um leitor potencial.
Feita esta constatação, Soares (1998, p.70) define a escrita como “um processo de relacionar
unidades de som a símbolos escritos, e é também um processo de expressar idéias e organizar
o pensamento em língua escrita”.
Para uma melhor compreensão do conceito de letramento, sua dimensão social e
individual, destaco o poema de Kate M. Chong, estudante norte americana de origem asiática,
que, de forma singular, representou em versos sua história pessoal de letramento.
35
O QUE É LETRAMENTO?7
Letramento não é um gancho em que se pendura cada som enunciado,
não é treinamento repetitivo de uma habilidade,
nem um martelo quebrando blocos de gramática.
Letramento é diversão é leitura à luz de vela
ou lá fora, à luz do sol. São notícias sobre o presidente
O tempo, os artistas da TV e mesmo Mônica e Cebolinha
nos jornais de domingo. É uma receita de biscoito,
uma lista de compras, recados colados na geladeira, um bilhete de amor,
telegramas de parabéns e cartas
de velhos amigos.
È viajar para países desconhecidos, sem deixar sua cama,
é rir e chorar com personagens, heróis e grandes amigos.
É um atlas do mundo, sinais de trânsito, caças ao tesouro,
manuais, instruções, guias, e orientações em bulas de remédios,
para que você não fique perdido. Letramento é, sobretudo,
um mapa do coração do homem, um mapa de quem você é,
e de tudo que você pode ser.
7Ver em SOARES, Magda. Letramento: Um tema em três gêneros. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
36
Para Kate, os primeiros seis versos foram suficientes para conceituar o que é o
processo de alfabetização na visão de quem o recebe. Contudo, os próximos 25 versos de seu
poema procuram expressar como o letramento é um estado, uma condição. E esse estado ou
condição de letramento está na vida cotidiana dos homens, no seu meio social, no acesso que
estes podem ter dos vários tipos de leitura e escrita.
Além disso, a opção vocabular utilizada pela autora para definir o que é letramento
(diversão, leitura, notícias, viajar, rir, coração, e etc...), priorizou palavras que nos remete
acima de tudo à felicidade, à realização, ao conhecimento, ao prazer e às possibilidades. Em
contra partida, os vocábulos utilizados para definir alfabetização (repetitivo, martelo,
quebrando e etc...), expressaram algo estático, enfadonho e isolado. Ou seja, Kate quis
mostrar em seu poema que letramento é mais que alfabetização. Entretanto, não podemos
esquecer que alfabetização e letramento são indissociáveis como afirma Soares (2003).
A partir desse entendimento, fica mais elucidativo do ponto de vista metodológico
analisar fontes documentais que utilizaram os termos “analfabeto”, “analfabetismo”,
“alfabetizar”, “alfabetização” e “alfabetizado”, no sentido de compreender o processo
histórico em que estas palavras surgiram e o sentido com que foram utilizadas.
Todo esse entrelaçamento de conceitos e teorias visa contribuir para um melhor
entendimento e análise dos dados pesquisados e, assim, procurar compreender mais
profundamente a complexidade do trabalho historiográfico, tendo em mente o que diz
Chartier (2002, p. 8): “todas as práticas: sociais, econômicas e culturais dependem das
representações utilizadas pelos homens para conferirem significado a seu mundo.” Neste
sentido, cabe reforçar que o rigor científico da pesquisa histórica estará associado à
valorização da teoria e da técnica como meios seguros de abordar o passado.
37
2.0 ASPECTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO
BRASIL
2.1 Educação de Adultos no Brasil Colônia
A educação de jovens e adultos no Brasil começou no Brasil Colônia, nas ações de
caráter religioso destinada aos índios e posteriormente aos negros. A chegada ao Brasil de
membros da Companhia de Jesus, chefiada pelo Padre Manuel de Nóbrega, a mando da Coroa
Portuguesa, tinha como principal missão difundir o evangelho e civilizar os índios tornando-
os dóceis e submissos, facilitando assim o processo de colonização. Para Ana Maria Freire
(1989), docilizar a população nativa (gentio) e os filhos dos colonos através da domesticação,
da repressão cultural e religiosa, os Jesuítas serviram à empresa exploradora lusa com a visão
maniqueísta de mundo.
Para cumprir essa missão, os jesuítas abriram classes de ler e escrever, em várias
localidades do Brasil. Também se empenharam no aprendizado da língua dos índios como
meio de facilitar a obra catequética. Para viabilizar esse processo, os Jesuítas escreveram
vários tipos de textos com finalidade pedagógica, como poemas, hinos, canções, autos e uma
gramática da língua tupi de autoria de José de Anchieta. Segundo Niskier (1996), os padres
não poupavam esforços para aprender, com maior rapidez possível, a língua do “gentio”.
Desse modo Padre Manuel de Nóbrega explicava essa preocupação:
Trabalhamos de saber a língua deles e nisto padre Navarro nos leva vantagens a todos. Trabalhei por tirar em sua língua as orações e algumas práticas de nosso Senhor e não posso achar língua que o saiba dizer, são eles tão brutos que nem vocabulário têm (NÓBREGA apud NISKIER, 1996, p.44).
A educação organizada pelos jesuítas dividia-se em duas séries: a inferior, com
duração de seis anos, dedicada ao estudo da Retórica, Humanidades e Gramática; e a superior,
com duração de três anos, que ensinava Lógica, Moral, Física, Matemática e Metafísica. As
aulas eram ministradas em grego, latim e português, sem maiores preocupações técnicas ou
profissionais.
38
Os jesuítas foram, sem dúvida, os primeiros educadores do Brasil nos dois
primeiros séculos de colonização brasileira, tanto se preocuparam com a formação dos
educadores como dos educandos. Neste sentido, Arnaldo Niskier faz o seguinte comentário:
E se os benefícios da educação jesuítica são discutíveis, se há quem lhe impute mais malefícios que benefícios, é impossível negar-lhe a eficácia. Como diz José Bonifácio, em carta conservada no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Lata 191, ms.4.916): ‘Os colégios de educação dos índios crianças foi o melhor meio de as (sic) domesticar e converter que os jesuítas praticavam’ ( NISKIER, 1996, p. 47).
Os jesuítas acreditavam que instruindo e catequizando as crianças conseguiriam
transformá-las em agentes disseminadoras da nova cultura colonizadora e como conseqüência
civilizariam também os pais.
Segundo Ana Maria Freire (1989), quando expulsos, em 1759, os jesuítas nos
legaram um ensino de caráter literário, verbalista, retórico, livresco, memorístico, repetitivo,
estimulando a emulação através de prêmios e castigos e que se qualificava como humanista-
clássico. Enclausurando os alunos em preceitos e preconceitos católicos, inibiu-se de uma
leitura do mundo real, tornando-os cidadãos discriminatórios, elites capazes de reproduzir
“cristãmente” a sociedade perversa dos contrastes e discrepâncias, dos que tudo sabem e
podem e dos que a tudo se submetem. Inculcaram a ideologia do pecado e das interdições do
corpo. “Inauguraram” o analfabetismo no Brasil.
Segundo Galvão e Soares (2004), o período que se segue à expulsão dos jesuítas
parece não ter conhecido experiências sistemáticas e significativas em relação à alfabetização
de adultos.
Quando o Marquês de Pombal, em 1759, expulsou os jesuítas de Portugal e de
todos os seus domínios, desestruturou completamente a base educacional existente em terras
brasileiras. A idéia era tornar laico o ensino, e que este servisse exclusivamente à Coroa
Portuguesa. Porém, com a saída dos jesuítas do Brasil, não mais se contava com um corpo
docente especializado, ficou uma grande lacuna no setor educacional, cuja solução encontrada
foi instituir “aulas régias”, avulsas, sustentadas por um novo imposto colonial, o “subsídio
literário”. Essas aulas deviam suprir as disciplinas antes oferecidas nos extintos colégios.
Através delas, a mesma reduzida parcela da população colonial continuava se preparando para
estudos posteriores na Europa.
39
Sem sistematização, sem freqüência definida, sem pessoal docente em quantidade
e qualidade suficientes, o ensino no país ficou muito limitado, até 1799, quando as licenças
para docentes passaram a ser concedidas pelo vice-rei.
A vinda da Família Real para o Brasil em 1808 constituiu um novo período para a
educação no Brasil. Esse período ficou marcado pela priorização do ensino superior, que
privilegiou uma camada social mais elitizada e negligenciou a instrução das “camadas
inferiores da sociedade”. A preocupação em profissionalizar a população que serviria aos
interesses sociais e políticos dos novos habitantes da nova sede do Reino Português motivou a
criação de vários cursos superiores como: medicina, odontologia, Farmácia, Desenho,
Economia, Política, Direito, entre outros. Contrastando a isso, temos um ensino primário
deficiente e excludente, onde negros, índios e mulheres não tinham acesso. Sobre esse período
Ana Maria Freire (1989) conclui que:
Uma estrutura social que ‘não podia’ privilegiar a educação escolarizada, estendendo conteúdos alienados e de concepção elitista, com ‘sistema’ esfacelado de ‘aulas avulsas’, fecundada pela ideologia da interdição do corpo, que excluía da escola o negro, o índio e quase a totalidade das mulheres (sociedade patriarcal), gerou, inexoravelmente, um contingente de analfabetos. Isso porque uma sociedade dual (senhor x escravo), de economia ‘agrícola-exportadora-dependente’ (economia colonial) não necessitava de educação primária, daí o descaso por ela (FREIRE, 1989, p. 57).
Durante o período colonial não se tem indícios sobre a existência de ensino na
Capitania de Mato Grosso. Sobre esse período o historiador Humberto Marcilio ressalta:
Os decretos pombalinos de 1759 que teriam por finalidade preencher a lacuna deixada pelos jesuítas nas colônias de ultramar não tiveram, ao que tudo indica, nenhuma ressonância em Mato Grosso, onde nem mesmo eles haviam estado, como elementos da colonização portuguesa, na qualidade de educadores (MARCILIO, 1963, p.25).
Neste período havia uma excessiva preocupação com a defesa, povoamento e
militarização da fronteira oeste, uma vez que o Tratado de Madri tinha como base a posse pela
utilização, ou seja, pelo povoamento. Para isso, foi enviado para a Capitania de Mato Grosso
40
em 1751 o primeiro Capitão-general D. Antônio Rolim de Moura que trouxe consigo dois
jesuítas, os quais serviriam como formadores de aldeamentos indígenas. Entretanto, não há
registro que informe sobre a abertura de classes de ler e escrever na Capitania de Mato
Grosso, pelos jesuítas, como era de costume acontecer nesse processo de aldeamento
indígena.
A falta de documentação deste período sobre a existência de ensino na Capitania
de Mato Grosso, dá sustentação às afirmações de renomados historiadores regionais que
dizem não terem conhecimento sobre o ensino nesta Capitania no período colonial.
2.2 Educação de Adultos no Império (1822 a 1889)
Com a promulgação da primeira Constituição Brasileira de 1824, é garantida a
instrução primária gratuita para todos os cidadãos. Para Mortatti, (2004), a Constituição
Imperial de 1824, que foi regulamentada por lei em 1827, foi considerada a primeira tentativa
de se criarem diretrizes nacionais para a instrução pública, pois previa a criação de escolas de
primeiras letras e contratação de professores. Contudo, no que se refere à escolarização de
adultos pouco ou nada foi feito, apesar desse direito ter sido garantido na constituição,
nenhuma ação nesse período mereceu destaque, no sentido de garantir de fato que a educação
de adultos realmente acontecesse.
Com a aprovação do Ato Adicional de 1834, fica determinado que a
responsabilidade pelo ensino no Império ficaria a cargo do governo central, que deveria se
responsabilizar pela instrução primária e secundária no Município da Corte e pela instrução
de nível superior em todo o império. Determinou também que cada província criasse e
oferecesse a educação primária e secundária com seus próprios recursos. Desta forma, o
desenvolvimento do ensino público nas províncias aconteceu de forma precária e até mesmo
inexpressivo devido à falta de recursos financeiros e de professores com habilitação adequada
para o exercício do cargo.
Na tentativa de melhorar a qualidade no ensino do Município da Corte, foi
aprovada e colocada em execução a “Reforma Couto Ferraz”, pelo Decreto nº 1.331 A, de 17
de fevereiro de 18548. Este decreto tinha como finalidade apenas regulamentar o ensino
8 Decreto 1.331 A, de 17 de fevereiro de 1854, in Coleção das Leis do Império Brasileiro de 1854, Tomo XV, Parte I.
41
primário e secundário do Município da Corte. No entanto, a Reforma Couto Ferraz foi
adotada pelas demais províncias, tornando-se assim normas de validade nacional. Entre
algumas de suas atribuições estava a fiscalização e o controle da abertura de escolas
particulares; inspecionar todos os estabelecimentos de instrução pública de ensino primário e
secundário, tanto público como particular; realizar exames para medir a capacidade dos
docentes; a obrigatoriedade do ensino primário para meninos maiores de sete anos; entre
outros.
Sobre a reforma Couto Ferraz, Ana Maria Freire (1989) destaca dois pontos
importantes:
Nas escolas publicas não seriam admitidos os que padecessem de moléstias contagiosas, os que não tiveram sido vacinados (não explicita, porém, contra quais doenças; certamente se referia à varíola) e os escravos, por um lado (Art. 69) e por outro, a previsão de instrução para adultos (Art.71), dependendo da disponibilidade dos professores, tal que dificilmente se viabilizaria essa classe de estudos, pois previam-se aulas no tempo livre dos professores ‘ainda que seja em domingos e dias santos’ (FREIRE, 1989, p.92).
Analisando esse contexto, pode-se dizer que a regulamentação do ensino primário
para adultos era pouco perceptível, pois não priorizava condições reais para que isso
acontecesse de fato.
Siqueira (2000) descreve a situação da instrução pública na província de Mato
Grosso neste período:
Em seu discurso inaugural à Assembléia legislativa Provincial, em 1872, anunciou Cardoso Junior a intenção de reformar a instrução mato-grossense que sob sua ótica, encontrava-se muito defasada em relação às províncias centrais, especialmente o Rio de Janeiro. Por isso tomou desse universo os pressupostos homogeneizadores da instrução nacional: liberdade, gratuidade e obrigatoriedade do ensino, através dos quais embasou as transformações do sistema escolar. Além de se ocupar do ensino regular, foi ele o introdutor do curso noturno e da escola carcerária, instituições que objetivavam não somente instruir, mas principalmente educar e civilizar a população adulta (SIQUEIRA, 2000, p.101).
Ainda segundo a autora, a missão maior de Cardoso Junior foi, no cenário mato-
grossense, a de convencimento de se organizar, regulamentar e implantar uma instrução
42
pública moderna e eficiente. Contudo, a situação da instrução pública da província de Mato
Grosso neste período era precária, visto que o número de alunos matriculados era
inexpressivo, o que era atribuído à ignorância de certos pais que achavam que seus filhos não
precisavam receber instrução para saber aquilo que eles já sabiam, por isso as escolas
permaneciam vazias. Para Siqueira, esse pensamento refletia a idéia de uma população na sua
maioria pobre e analfabeta, que espontaneamente não priorizaria o acesso à instrução.
Tornava-se essencial para o projeto do Brasil moderno retirar esse contingente populacional do estágio da ‘barbárie’ conduzindo-o rumo à civilização. Após o desencadeamento do processo abolicionista, os discursos tornaram-se ainda mais enfáticos e descentrados da problemática primordial, qual seja, a de que o Estado brasileiro não tinha condições de bancar a educação pública nos limites impostos pela realidade, encobria a questão de que o processo educacional, em toda a sua extensão, não poderia ser percorrido por toda a população, pois à maioria seria oferecido apenas o nível mais elementar desta escala ( SIQUEIRA, 2000, p.109).
Com a publicação do Decreto nº 7.031 A, de 6 de setembro de 18789, pelo então
Ministro e secretário dos Negócios do Império Carlos Leôncio de Carvalho, foi então
determinada a criação de cursos noturnos para adultos analfabetos que deveriam funcionar nas
escolas primárias. O curso teria a duração de duas horas no verão e três horas no inverno e era
destinado a uma clientela masculina, maiores de catorze, livres ou libertos. O ensino de
conteúdos deveria ser igual ao das escolas públicas diurnas, os professores receberiam
gratificação correspondente aos números de alunos matriculados. Os alunos eram expostos a
normas disciplinares rígidas, passariam por processos avaliativos que premiava e punia de
acordo com o nível de aprendizado. Os melhores teriam preferência na ocupação de cargos
públicos como: servente, guarda, contínuo e etc... Segundo Ana Maria Freire (1989, p. 97),
“aqui está presente a associação entre saber e ascensão social. Direitos a quem sabe para
distanciar de quem não sabe, maneira camuflada do discurso liberal que entretanto dava
continuidade à ideologia da interdição do corpo”.
E é nesse contexto que o Brasil chega ao final do período Imperial, com uma taxa
geral de analfabetos acima de cinco anos de 78,11% 10, e como agravante a proibição do voto
do analfabeto instituído pela Lei Saraiva de 1881. Em relação a isso,
9 Decreto nº 7.031 A/1878, in Atos do Poder Executivo: 711-16. 10 Consultar os Tomos I, II, II e IV do volume X das Obras completas de Ruis Barbosa.
43
Vale lembrar que, nessa época, a palavra analfabeto era usada como substantivo masculino, uma vez que se tratava de legislar sobre quais homens poderiam votar: desde a Constituição de 1824 já não eram incluídos no direito ao voto as mulheres, os mendigos,os soldados e os membros de ordens religiosas, além, obviamente, dos escravos, que nem eram considerados ‘cidadãos’ (MORTATTI, 2004, p.53-54).
Com a proclamação da República em 1889, surge a necessidade de intensificar o
processo de escolarização dos cidadãos, para uma melhor adequação à nova realidade sócio
político do País.
2.3 Educação de Adultos no Período Republicano
O período Republicano foi marcado por grandes modificações para a sociedade
brasileira. A criação de novos setores sociais voltados para o desenvolvimento industrial, em
oposição às atividades agrário-comerciais, refletia uma nova visão política pautada em
preceitos positivistas e liberais que acreditavam que o homem fosse capaz de desenvolver a
necessidade de busca pessoal de ascensão.
A primeira Constituição Republicana, a de 1891, traz em seu texto a gratuidade da
instrução, e ao mesmo tempo proíbe o voto do analfabeto (art. 70, parágrafo 2), reafirmando o
que já estava determinado pela Lei n.3.029/1881. O que se sabe é que até este momento da
história política brasileira, a proibição de voto sempre esteve vinculada a condições de
natureza econômica ou social e nunca de natureza instrucional. Sobre este fato recorremos à
análise feita por José Honório Rodrigues (1965) que esclarece que até o final do império não
havia se colocado em dúvida a capacidade do analfabeto, na medida em que era essa a
condição da maioria da população, inclusive das elites rurais: “o saber ler não afetava o bom
senso, a dignidade, o conhecimento, a perspicácia, a inteligência do individuo; não o impedia
de ganhar dinheiro, ser chefe de família , exercia o pátrio poder, ser tutor” (p.144). Com o
advento da República o analfabeto passa a ser considerado incompetente o que justificaria a
proibição de seu voto. A esse respeito, Ana Maria Freire (1989) ajuda a entender o caráter e o
contexto desse momento histórico:
44
Esta interdição do corpo pela ‘ignorância’ ou pela ‘inferioridade’ ‘coincidia’ agora com o elitismo autoritário dos positivistas que, hierarquicamente, classificavam as pessoas. ‘Contraditoriamente’ reservavam aos homens o que consideravam desordem, o processo eleitoral (FREIRE, 1989, p.164).
Na análise de Mortatti sobre a primeira Constituição republicana, os analfabetos
foram duplamente discriminados: a eles foi imputada a causa do problema do analfabetismo; e
eles é que deveriam buscar a instrução como um ato de virtude e vontade pessoal
(MORTATTI, 2004, p.57 -58).
Preocupados com o alto índice de analfabetos indicados no censo de 1890, que
mostrava que 80% da população brasileira era analfabeta, políticos e intelectuais se
mobilizaram no sentido de promover a erradicação do analfabetismo. Desta forma, cursos
noturnos de instrução primária eram oferecidos por associações civis que poderiam utilizar as
instalações públicas desde que pagassem a conta de gás (decreto lei nº 13 de 13.1.1890 do
Ministério do Interior). Contudo, essa preocupação com a alfabetização de adultos, por grupos
autônomos, clubes e associações, perpassava por interesses que vão além da preocupação com
a educação e evidenciavam interesses não tão nobres, como o de recrutar futuros eleitores e de
outro atender demandas específicas. Essa democratização do ensino visava à ampliação das
bases eleitorais, pois seria a única maneira de combater a hegemonia política da aristocracia
agrária e direcionar o poder político ao grupo industrial-urbano que clamava por uma
democracia liberal.
Diante desse contexto histórico, surge a primeira campanha nacional contra o
analfabetismo, iniciada em 1915, pela “Liga Brasileira Contra o Analfabetismo”11 (LBCA),
que tinha como lema: “Combater o Analfabetismo é dever de Honra de todo Brasileiro”.
Com esse lema a LBCA esperava combater o analfabetismo até o centenário da
Independência do Brasil (1922), e proclamar livres do analfabetismo as suas cidades e vilas.
Segundo Galvão e Soares:
A mobilização em torno de como erradicar o analfabetismo no menor prazo possível partia de todos os lugares do País. Abner de Brito, bacharel em ciências jurídicas e sociais, promotor público no Rio Grande do Norte, por exemplo, cria um método, por ele intitulado de ‘desanalphabetisador’, consagrado especificamente ao ensino dos analfabetos . Segundo seu autor,
11 A liga Brasileira Contra o Analfabetismo, tinha como componentes representantes de todas as classes sociais, educadores, militares de altas patentes do Exército e da Marinha. Em Ana Maria Freira ( 1989, p.192).
45
os sujeitos submetidos ao método ‘ficam lendo e escrevendo após haverem recebido sete lições’. Cada lição tinha a duração de três dias. Abner afirma propagar seu método por todo o país, dando ‘combate ao analphabetismo tão deplorável em nossa cara Pátria’12 (GALVÃO; SOARES, 2004, p.38).
Contrário a esse sentimento de “vergonha nacional”, em relação ao analfabetismo,
alguns intelectuais temiam que essa população menos favorecida, alfabetizada, pudesse
promover uma “anarquia social”, visto que sabendo ler e escrever vislumbrariam novas
profissões e novos trabalhos. Por isso, a alfabetização deveria vir acompanhada de formação
moral, pois só assim poderia promover a transformação desses analfabetos em pessoas
produtivas e capazes de servir aos interesses das classes dominantes. Caso contrário a
alfabetização seria uma “arma perigosa” e colocaria em risco uma estrutura social de caráter
nacionalista, positivista, industrialista e moralista.
Na tentativa em adequar-se aos ideários republicanos, ao novo processo
econômico e cultural em curso no país, o Presidente de Mato Grosso, Pedro Celestino
organizou em 1910 uma reforma no ensino mato-grossense, que privilegiou, sobretudo o
ensino primário e normal. Segundo Alves, (1998), a maioria da população nessa época era
analfabeta e os escolarizados, em maior parte, haviam concluído apenas o ensino primário.
Preocupados em integrar o estado de Mato Grosso ao contexto de desenvolvimento
econômico e social que ora o país se encontrava, vários políticos mato-grossenses incluíam
em seus discursos a preocupação com a extinção do analfabetismo, como forma de atingir o
progresso e a modernização.
Contudo, a necessidade de promover essa modernização do estado através do
ensino era dificultada em grande parte pela falta de professores habilitados, falta de orientação
pedagógica, prédios adequados e ainda questões políticas. A esse respeito Alves (1998)
comenta:
Devido à falta de critérios rigorosos no processo de expansão do ensino, eram constantes nessa época as denúncias de intervenção da politicagem nas questões da instrução e a falta de fiscalização, o que favorecia a intervenção de líderes políticos locais na educação (ALVES, 1998, p. 35).
12 Arquivo Público de Mato Grosso: Ofício (s/n) para D. Aquino Corrêa – Governador do Estado de Mato Grosso. Lata A- 1921. Os autores agradecem à Lazara Nanci Amâncio e à Cancionila Cardoso a referência ao “desanalphabetisador” ( GALVÃO; SOARES , 2004, p. 38).
46
O procedimento de nomear professores através de favorecimento político fez parte
da história da educação mato-grossense. Alguns políticos criticaram muito esse tipo de
atitude, alguns afirmavam que tal procedimento seria a causa da má qualidade do ensino neste
estado.
O Presidente do Estado, ao mesmo tempo que denunciava a utilização da escola como instrumento eleitoral e político, acusava os professores pelas deficiências do ensino. Essa crítica se dirigia especialmente aos professores escolhidos por políticos, sem nenhum preparo para o magistério, o que era comum no estado (ALVES, 1998, p. 35).
O que se pode presumir a partir dos relatórios até aqui analisados é que mesmo
fazendo parte dos discursos de políticos da época, a extinção do analfabetismo, ações
destinadas à alfabetização de jovens e adultos não foram concretizadas nesse momento
histórico, visto que o ensino mato-grossense era extremamente precário e se limitava apenas a
uma minoria da população.
Ao fazer uma avaliação desse contexto é possível dizer que a preocupação com a
alfabetização nesse período em Mato Grosso esteve voltada para a demanda de crianças não
alfabetizadas e para a formação de professores, que ainda era muito deficitária. Mesmo assim,
o ano de 1910 foi um marco importante para o desenvolvimento da educação em Mato
Grosso.
Os anos 20 ficaram marcados por inúmeras reformas educacionais, promovidas
por jovens educadores como: Sampaio Dória13, Manuel B. Lourenço Filho, Anísio Teixeira,
Mário Casassanta, Fernando de Azevedo, entre outros. Esses novos educadores defendiam os
princípios da “escola nova”14 que, entre outras coisas, pretendia renovar a escola para renovar
a sociedade. E foi inspirados por essas idéias que os novos educadores realizaram reformas
estaduais que visavam a implantação de novos sistemas e métodos de ensino, baseados em
experiências bem sucedidas de países mais cultos como: Europa e Estados Unidos.
13 Sampaio Doria era professor da cadeira de Psicologia e Pedagogia da Escola Nacional de São Paulo, e presidente da Liga nacionalista de São Paulo. 14 “Escola Nova” é um dos nomes dados a um movimento de renovação do ensino que foi especialmente forte na Europa, na América e no Brasil, na primeira metade do século XX. “Escola Ativa” ou “Escola progressiva” são também termos usados para descrever esse movimento que se inspirou em pedagogos e filósofos do século XVIII e XIX como Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Nietzsche, Tolstoi, William James, entre outros. O fim mais importante da “Escola Nova” era o impulso espiritual da criança e o desenvolvimento da autonomia moral do educando. Sobre esse assunto consultar Lourenço Filho. Introdução do Estudo da Escola Nova.São Paulo: Melhoramentos, 1978.
47
Sobre essas iniciativas estaduais, Mortatti destaca a iniciativa de Sampaio Dória
frente à Liga Nacionalista :
Esse ‘ideal de alphabetizar, sem distincções’ todos os ‘analphabetos [ crianças e adultos]’ sem escola foi a ‘espinha dorsal’ da reforma do ensino paulista realizada em 1920 por Sampaio Dória, durante sua gestão como diretor da Instrução Pública. Nessa reforma, a solução para a alfabetização do povo concentrou-se na redução da escolaridade primária de quatro anos para dois anos (MORTATTI, 2004, p.60).
Contudo, o grande entusiasmo desses educadores brasileiros não foi suficiente para
efetivar ações ligadas à educação de adultos que nesse período da primeira república
apresentou-se de forma equivocada e fragilizada, caracterizando assim, uma atuação
fragmentária e ineficaz, que pouco ou nada contribuiu para erradicação do analfabetismo
neste período, conforme quadro abaixo:
DADOS ESTATÍSTICOS Ano Taxa de analfabetos de Número absoluto 15 anos e mais de analfabetos 1900 65% 6.348.869 1920 65% 11.401.715 Taxa de analfabetos, computando-se a população total 1890 75% 1900 75% 1920 75% População escrava no Brasil
Início da segunda metade do Século XIX – 4.000.000 em 13 de maio de 1888 - 750.000 Fonte: Freire, Ana Maria , 1989, p.223
Em Mato Grosso a história não foi diferente do que aconteceu em todo o país com
relação ao combate do analfabetismo e, sobretudo, com o desenvolvimento de políticas
voltadas para a alfabetização de jovens e adultos nos anos 20. Entretanto, a mesma
dificuldade da década passada perdurou nesse período. Os governantes se preocupavam com a
extinção do analfabetismo, mas não ofereciam as condições necessárias para que os
professores pudessem desenvolver as atividades, ou seja, o discurso se perdia em meio às
limitações do cotidiano (ALVES, 1998, p.69).
48
2.4 Educação de Adultos nos Anos 30
A estrutura política dos anos 30 ficou marcada por uma forte tendência à
centralização da vida política e administrativa do país. O governo federal passou a intervir no
desenvolvimento da vida social, política e econômica da nação, provocando com isso
marcantes mudanças na estrutura jurídica do estado e na estrutura do ensino nesse período. Ao
assumir o poder, Getulio Vargas reconheceu que, em relação a educação nacional, tudo ainda
estava por fazer. Com isso, cria o Ministério da Educação e Saúde, pelo decreto nº 19.402, de
14 de novembro de 1930 e, no ano seguinte, cria o Conselho Nacional de Educação pelo
decreto nº 19.850. Essas e outras medidas tomadas nesse período, que também ficou
conhecido como “revolução de 30” ou “era Vargas”, tinham como objetivo sanear a educação
no Brasil. Segundo Freitas (2005, p.167), “a “revolução de 1930”, de fato, tem conseqüências
de profundo impacto no processo de consolidação do Estado como interlocutor principal da
sociedade para o encaminhamento das questões relacionadas à educação escolar”.
Os debates sobre educação e ensino na década de 30 geraram posicionamentos
distintos entre os educadores escolanovistas, que regionalmente apresentaram propostas para
reformar a instrução pública de seus estados.
Para Lourenço Filho, reformador da instrução pública do Ceará e diretor da instrução pública paulista em 1930-1931, a escola deveria deixar de ser um ‘aparelho formal de alfabetização’ para se tornar um ‘organismo vivo, capaz de refletir o meio’ e promover uma reforma de costumes, capaz de ajustar os homens a novas condições de vida [...]. Para Francisco Campos, reformador da instrução pública mineira, em 1926, e ministro da Educação e Saúde de 1930 a 1932, a orientação e o incremento do ensino primário eram fundamentais para o futuro das instituições democráticas. ‘Saber ler e escrever não são, porém, títulos suficientes à cidadania digna do nome. Não basta, pois difundir o ensino primário [...] Se este ensino não forma homens, não orienta a inteligência e não destila o senso comum [...]’. Para Anísio Teixeira, reformador da instrução pública baiana, em 1926, e diretor geral da instrução pública do Distrito Federal em 1931 – 1935, por sua vez, a opção por um ‘ensino primário incompleto’, como proposto na reforma paulista de 1920, era inaceitável para outros estados brasileiros, como a Bahia, onde se deveria evitar a iniciação nas letras do alfabeto e nos rudimentos da aritmética, história e geografia, pois, sem perspectiva de continuidade de seu uso, esses instrumentos seriam um ‘elemento de desequilíbrio social’ Isso porque entendia educação como um ‘[...] processo de contínua transformação, reconstrução e
49
reajustamento do homem ao seu ambiente social móvel e progressivo’(MORTATTI, 2004, p. 62-63).
No Estado de Mato Grosso, assim como em todo Brasil, a educação passou por
várias reformulações nessa década. Pode-se afirmar que grande parte dessa preocupação era,
ainda, com o elevado número de analfabetos em todo o país. O que de certa forma era
entendido como causa do atraso para o desenvolvimento sócio-econômico do país e,
principalmente, de alguns estados, como era o caso de Mato Grosso.
Na IV Conferência Nacional de Educação, realizada em dezembro de 1931, onde
compareceram representantes de todos os estados, alguns convênios foram firmados entre
União e os estados e vários temas relevantes foram abordados sobre os rumos da educação no
Brasil. Uma decisão tomada nessa conferência foi a classificação geral do ensino, adotada
pelo Ministério da Educação, que classificou o ensino em comum e especial, sendo que o
primeiro era dividido em não especializado ou geral, semi-especializado e especializado, e o
segundo em emendativo e supletivo. Com essa medida, a educação de adultos é desvinculada
da educação elementar comum. Sobre essa divisão Alves (1998), explica que:
O ensino especial e emendativo destinava-se aos alunos portadores de deficiência15e o supletivo aos analfabetos adultos em geral. No entanto, em Mato Grosso não havia nenhuma escola que ministrasse essas modalidades de ensino (ALVES, 1998, p.96).
Ainda sobre essa classificação Alves (1998), comenta:
Essa classificação visava, acima de tudo, a elaboração de estatísticas escolares bem detalhadas, de acordo com as normas da Diretoria Geral de Informações, Estatística e Divulgação. A finalidade era a difusão das estatísticas educacionais da República e a tentativa de se recuperar a imagem do Brasil frente às demais nações. Com esse objetivo foi organizada também a Cruzada Nacional de Educação16 que objetivava apagar a nódoa do analfabetismo17 (ALVES, 1998, p. 96).
15 Gazeta Oficial, Cuiabá, MT. 17/11/1932, p 4 16 Sobre esse assunto ver: PAIVA. Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola,1987, p.121. 17 Correspondência do Presidente do Ministério da Educação ao Sr. Leônidas de Matos, Interventor em Mato Grosso, 20/12/1932.
50
No entanto, a propagação dessas novas diretrizes para a educação de Mato Grosso
era dificultada devido à ineficiência pedagógica, a falta de material, número reduzido de
escolas e principalmente pela instabilidade política, causada pela desarticulação da tradicional
estrutura política do estado. Além disso, explica Alves (1998, p. 99), “os meninos, as meninas
e mesmo os adultos enfrentavam problemas que impediam sua permanência na escola por
terem que trabalhar na lavoura e pecuária”.
A constituição de 16 de julho de 1934 incluiu em seu texto normas de caráter
nacional, a educação como direito de todos. No artigo 150 da Constituição, no que se refere
ao Plano Nacional de Educação, diz que “o ensino primário integral e gratuito e de freqüência
obrigatória, extensivo aos adultos” (art.150, parágrafo único, alínea a). De acordo com o
texto, o ensino primário seria extensivo aos adultos como componente da educação e como
dever do Estado e direito do cidadão. Desta forma, todos os estados da federação passaram a
contar com uma legislação destinada exclusivamente a adolescentes e adultos analfabetos.
Também é possível analisar que nos primeiros anos da Nova República a preocupação com a
alfabetização dos cidadãos brasileiros estava atrelada à qualificação de mão de obra, que seria
a única maneira de elevar o Brasil à condição de desenvolvimento equiparada aos de países
mais desenvolvidos.
Nos anos seguintes a Constituição de 1934, o Brasil passa por um colapso político
que culminou com a instalação do Estado Novo. No dia 10 de novembro de 1937, o
presidente Getúlio Vargas anunciava o Estado Novo, iniciava-se um período de ditadura na
História do Brasil.
Nem mesmo os governos provisórios que se seguiram à proclamação da República, em 1889, e a vitória da revolução da Aliança Liberal, em 1930, dispuseram de tanto poder como o que foi conferido ao Preseidente Getúlio Vargas, durante os oito anos em que se manteve na chefia do Executivo, exceção feita apenas aos meses que antecederam sua deposição, já em 1945 (NISKIER,1996, p.274)
Com o fechamento do congresso, o Ministério de Educação e Saúde passou a ter
mais autonomia para tomar decisões sem que precisasse encaminhar nenhum projeto de lei ao
legislativo. As decisões eram tomadas por decretos-leis, e assim que eram promulgados, logo
eram efetivados sem maiores problemas. Sendo assim, as decisões tomadas em matéria de
educação eram muito mais políticas do que técnicas. Desta forma, o governo propõe a
alfabetização do maior número de pessoas possível, sem se preocupar com a qualidade com
51
que esse ensino seria oferecido, apenas preocupava-se com objetivos quantitativos. Na
avaliação de Mendonça (1985, p.32), “a conseqüência, no campo educacional, foi uma intensa
movimentação relativamente à educação de adultos, tentando-se utilizá-la com fins
eleitoreiros, para a recomposição do poder político dentro da ordem vigente”.
Em Mato Grosso o clima de agitação política era grande devido a repressão
policial, a política anticomunista, a desorganização administrativa e a falta de liberdade de
expressão. Além disso, o Estado contava com uma população pobre e de baixo nível cultural,
o que dificultava o desenvolvimento econômico do estado.
Para o governo Vargas, o número de cidadãos brasileiros analfabetos ainda era um
grande entrave para a política de desenvolvimento da nação, por isso, sustentava-se o discurso
de que campanhas de alfabetização seriam o melhor caminho de libertar o povo de sua
ignorância. Em Mato Grosso a campanha de alfabetização também foi implementada como
afirma Alves:
Em todo país a campanha contra o analfabetismo fora implementada através de divulgação na imprensa e no rádio; através de cartazes, folhetos e de até mesmo na distribuição da novela ‘Quero aprender a ler’, distribuída aos milhares a toda a população18. A 13 de maio de 1937 foi realizada a Campanha da ‘Segunda Abolição’, através da qual, em um só dia, foram criadas 1248 escolas em todo o país19 dentre estas, 10 foram criadas em Mato Grosso (ALVES, 1998, p.111).
Era grande a preocupação do governo mato-grossense com a educação nesse
período.
Apesar do ensino ainda ser ineficiente, algumas melhoras ocorreram durante o
Estado Novo, como, a qualificação de professores e prédios escolares em melhores condições.
Segundo estudo de Alves (1998), em apenas um ano foram instaladas 14 escolas regimentais
com a finalidade de ministrar o ensino primário para adultos que serviam no exército. Essas
escolas serviam de instrumento manipulador do estado, onde professores e alunos eram
mantidos debaixo de forte vigilância. Esta forma de organização do ensino evidencia o regime
ditatorial imposto pelo governo getulista, que utilizava a educação como veículo ideológico
para fortalecer o regime político vigente. Por isso, alfabetizar o maior número de adultos
18 Dr. Gustavo Ambrust, Comunicado do Serviço de Imprensa da Cruzada Nacional de Educação, Gazeta Oficial, 22/12/193, p.01. 19 Secretaria da C.N.E. – Escolas Creadas e inauguradas no dia 13 de maio de 1937, Arq. Público MT, lata 1937.
52
possíveis se integrava numa estratégia política que tinha como objetivo garantir o maior
número de eleitores possíveis capazes de referendar o atual regime.
Portanto, o ensino no final da década de trinta se caracterizou como instrumento de
manobra política de um regime ditatorial que, defendendo um discurso em prol do combate ao
analfabetismo, preocupava-se apenas em favorecer as elites dominantes e a perpetuar um
regime político totalitário.
2.5 Educação de Adultos na Década de 40
Na década de 40 já era visível a preocupação de políticos e administradores com o
alto índice de analfabetos da população brasileira. A necessidade de uma força de trabalho
treinada para os processos de industrialização em busca de um maior controle social fez do
ensino primário para adultos, um objeto de maior atenção. Através de estudos realizados pelo
Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, o Serviço Nacional de Educação de Adultos do
Ministério da Educação passou a delinear um novo formato para o “ensino supletivo” de
adultos.
Desses estudos resultou, em novembro de 1942, a instituição de um Fundo Nacional de Ensino Primário [....] com os recursos do qual se deveria realizar um programa progressivo de alargamento da rede de educação popular, e que incluísse ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos. A 25 de agosto de 1945, já acumuladas algumas reservas desse Fundo, foi baixado o Decreto número 19.513, que dispões sobre a concessão de auxílio federal para o ensino primário, estabelecendo, ademais, que 25% dos recursos de cada auxílio deveria ser aplicado num plano geral de ensino supletivo, destinado a adolescente e adultos analfabetos. Como que preparando o trabalho que se deveria seguir, o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, nessa época, dirigiu um apelo a todas as autoridades de ensino no País, no sentido de organizarem núcleos para uma campanha em prol da educação de adolescente e adultos analfabetos. Propôs, ainda, o mesmo órgão (...\\\\\\0 a adoção de algumas medidas práticas para a ampliação dos serviços de ensino supletivo, onde já existissem. As medidas práticas eram as seguintes: a) organização de Comissões Estaduais de Educação de Adultos, e de Comissões Municipais, para o mesmo fim; b) esforços no sentido de debate do problema para esclarecimento da opinião pública sobre o assunto; c) alargamento da capacidade das escolas de ensino supletivo, já existentes, com adoção dos trabalhos escolares em dias alternados, aproveitamento de horas vagas dos professores, cooperação de alunos de escolas normais e de voluntários. O referido Instituto propunha também que os Estados criassem escolas noturnas,
53
para ensino de adolescente e adultos, onde conviesse, com pequena gratificação a professores de escolas primárias comuns, já em funcionamento; que subvencionassem escolas particulares para o mesmo fim; e que distribuíssem auxílio, em material escolar, a quem se dispusesse a auxiliar a Campanha a ser desenvolvida. . Tal apelo, que era justificado especialmente pelos resultados do Recenseamento Geral de 1940, que havia revelado a taxa de 55por cento de analfabetos nos grupos de população nas idades de 18 anos e mais, encontrou logo boa repercussão em algumas unidades da Federação (MEC, 1949 apud BEISIEGEL, 1974, p. 79-80).20
De acordo com Beisiegel (1974), já era admissível pensar em grande cometimento
no campo da educação de adultos. Entretanto, a caracterização de um movimento nacional de
mobilização de recursos contra o analfabetismo só aconteceria em 1947, depois que as
discussões sobre o problema da educação de adultos analfabetos tomou proporções
internacionais, com a participação de outros países de problema semelhante. Quando
legitimado internacionalmente o problema da educação de adultos analfabetos, é que foi
possível justificar a necessidade da expansão desses serviços e propor novas reformulações
para esse empreendimento a partir de 1947.
O Estado de Mato Grosso, nos anos 40, apresentava uma dualidade conflitante no
que se refere à educação. Por um lado, escolas que serviam a uma camada social mais
elitizada e de outro, escolas destinadas às classes menos favorecidas. Esse quadro foi
agravado pela Campanha “Marcha para o Oeste”, que tinha como finalidade formar colônias
agrícolas no sul de Mato Grosso21, com os excedentes populacionais de brasileiros em
situação de desemprego, oriundos de outras regiões do Brasil. Todo esse processo migratório
aumentou a demanda de uma população não escolarizada, o que era preocupante para o
Governo Getulista que proclamava ser através da escolarização da população a única maneira
de eliminar os obstáculos para o desenvolvimento da nação.
Como alternativa de promover a alfabetização de adultos analfabetos, várias
escolas noturnas foram instaladas no Brasil. Em Mato Grosso, segundo Alves (1998):
De forma concreta verificava-se pelos relatórios de diretores de Instrução Pública de Mato Grosso a freqüência de operários e trabalhadores domésticos, domiciliados alguns a mais de 9 quilômetros da escola noturna de Cuiabá.
20 Histórico da Educação de Adultos no Brasil, Publicação nº 8 da Campanha de Adultos, MEC – Rio de Janeiro, 1949, pp. 13 e 14, apud, BEISIEGEL, Celso Rui. Estado e Educação popular: um estudo sobre a educação de adultos. São Paulo, Pioneira,1974. pp. 79 e 80. 21 Sobre esse assunto ver: MARTINS, Demósthenes. História de Mato Grosso, 1945, p.116.
54
Vários trabalhadores da zona rural se deslocavam até a escola impulsionados pela possibilidade de obterem melhores condições de vida (ALVES, 1998, p.131).
Ainda sobre esse assunto, os estudos de Alves (1998) destacam que existiam três
escolas noturnas no estado: “Pedro Gardés” em Cuiabá; “21 de Setembro”, em Corumbá e “26
de Agosto”, em Campo Grande.
Contudo, a educação mato-grossense era precária e ineficiente, obedecendo, ainda,
o regulamento de ensino de 1927. Em decorrência desse atraso, no qual a legislação antiga é
apenas um dos indícios, pode-se dizer que as autoridades no comando da educação em Mato
Grosso não conseguiram cumprir com as normatizações determinadas pelo Governo Federal,
que tanto empenho bradavam pelas questões educacionais.
Para facilitar a compreensão da real situação do ensino em Mato Grosso na década
de 40, exemplifico com os quadros abaixo:
ENSINO PÚBLICO DE MATO GROSSO – 1949
Especificação
Ensino Primário Ensino Secundário
Unidades escolares
matrícula Unidades escolares
matrícula
Esc. Isoladas 477 6.443 _ _
Esc. Reunidas 36 2.242 _ _
Esc. Noturnas 161 4.163 _ _
Grupos escolares 11 7.081 _ _
Colégios Estaduais _ _ 01 567
Gin. C. Grande _ _ 01 377
Gin. Mª Leite _ _ 01 177
Gin. 2 de Julho _ _ 01 134
Gin. 11 de Março _ _ 01 47
Esc. Tec. Comércio de Cuiabá _ _ 01 119
Esc. Tec. Comércio de Corumbá
_ _ 01 65
Esc. Normal Pedro Celestino _ _ 01 *
Esc. Normal Joaquim Murtinho _ _ 01 *
Esc. Doméstica D. Júlia 01 71 _ _
TOTAIS 686 20.000 09 1.486
Fonte: Mensagem do Governador de Mato Grosso, Arnaldo Estevão de Figueiredo, 1949. Organizado por: (ALVES, 1998, p.142).
Não consta na Mensagem o número de matrículas nos cursos normais.
55
INDICAÇÃO DA INSTRUÇÃO PARA PESSOAS DE 15 ANOS E MAIS Instrução Números Absolutos % sobre o total
Sabem ler e escrever 115.894 46,69
Não sabem ler e escrever 131.916 53,15
Sem declaração de instrução 408 0,17
Fonte: IBGE Censo Demográfico e Econômico, 1940.
Pode-se afirmar que na década de 40 o problema da educação de adultos
analfabetos adquiriu projeção internacional. Órgão como a UNESCO passa a estimular
empreendimentos que pudessem efetivamente resolver o problema da pobreza e do
analfabetismo, pois o analfabetismo entre as populações adultas, um fenômeno que
inicialmente se estendia como expressão de uma situação de atraso educacional, passa, cada
vez mais, a apresentar-se como uma deficiência a ser eliminada22. Para tanto, de acordo com
os objetivos da UNESCO, o indivíduo só poderia ser considerado alfabetizado se sua prática
de leitura e escrita lhe permitisse participar plenamente de atividades comuns a todos os
indivíduos alfabetizados da sociedade.
E é a partir dessas expectativas que a Educação de Jovens e Adultos nos anos 40
passa a se firmar como um problema de política nacional, reclamando por um tratamento
diferenciado que tem sua devida projeção com a criação do Fundo Nacional do Ensino
Primário – FNEP, com o lançamento da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos –
CEAA, com a realização do 1º Congresso Nacional de Educação de Adultos realizado em
1947 e o Seminário Interamericano de Educação de Adultos no ano de 1949. Com efeito,
essas iniciativas marcam um salto bastante significativo no contexto da educação de adultos
nessa década.
22 BEISIEGEL, Celso Rui. Estado e Educação Popular: um estudo sobre a educação de adultos. São Paulo. Pioneira. 1974. p. 82.
56
3.0 A PRIMEIRA CAMPANHA NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE ADOLESCENTES
E ADULTOS ANALFABETOS
3.1 As Primeiras Iniciativas
A Primeira Campanha de Educação de Adultos iniciada após a ditadura de Vargas
foi um marco importante na reorganização do sistema político educacional de nosso país. O
que diferencia essa Campanha das demais é que ela se estruturou como um movimento de
massa que abrangeu todo o território nacional. No entanto, poucos pesquisadores se
interessaram em contar a trajetória desta Campanha, pelos vários Estados em que foi
implementada, dentre eles destaco BEISIEGEL (1974) que pesquisou o desdobramento da
Campanha no Estado de São Paulo, e o trabalho de SOARES (1995), sobre a Campanha em
Minas Gerais.
Neste capítulo tento reconstituir um pouco da história dessa Campanha de
Educação de Adolescentes e Adultos no Estado de Mato Grosso, procurando ter uma melhor
visão do seu desdobramento, bem como, de que forma contribuiu para o problema do
analfabetismo neste estado.
Sob a coordenação do Ministério da Educação e Saúde, foi lançada a Campanha de
Educação de Adolescentes e Adultos, no ano de 1947, tendo como diretor geral o professor
Lourenço Filho. Esta Campanha se desenvolveu em duas fases diferentes. A primeira vai de
1947 a 1950, coincidentemente o período em que Lourenço Filho esteve à frente dos trabalhos
de coordenação da mesma. Esta fase foi considerada a mais promissora da campanha por ter
acolhido as mais importantes conquistas deste movimento. A segunda fase compreende
aproximadamente o período de 1951 a 1954, quando a partir deste ano o ritmo de trabalho
ficou comprometido pela rotina administrativa, que pouco a pouco fez com que o movimento
perca a força de mobilização nacional e passasse a configurar como mais uma rotina
administrativa da União. A esse respeito BEISIEGEL (1974) faz a seguinte avaliação:
A inauguração de novos programas de trabalho, nesta área do ensino, e a ênfase dada a um processo de racionalização dos investimentos públicos na educação restringiram consideravelmente a amplitude das atividades que vinham sendo desenvolvidas no âmbito da Campanha. A partir de 1954, a
57
Campanha de Educação de Adultos praticamente encerrou sua existência oficial. Todavia, o Serviço de Educação de Adultos do departamento Nacional de Educação e os Serviços Estaduais de Educação de Adultos continuaram mantendo em funcionamento a rede de ensino supletivo implantada em 1947, estendendo a influência da Campanha até os nossos dias (BEISIEGEL, 1974, p.89-90).
Buscando englobar aspectos que proporcionaram o desenvolvimento das
atividades da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), no Estado de Mato
Grosso, destaco primeiramente neste capítulo o desencadear da CEAA em esfera nacional e
posteriormente local, empreendendo principalmente a sua viabilização e os resultados
conseguidos durante o período em que esteve em vigência.
Com a regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário23, pelo Decreto-lei
nº 19.513, em 25 de agosto de 1945, que designara à educação elementar de adolescentes e
adultos analfabetos a importância correspondente a 25 por cento deste fundo, desde que fosse
empregado para a criação de um plano geral do ensino supletivo, que deveria ser aprovado
pelo Ministério da Educação e Saúde, de acordo com as disposições regulamentares:
Artigo 4.º - Os auxílios federais, provenientes do Fundo Nacional de Ensino Primário, serão aplicados nos termos seguintes: 1. A importância correspondente a 70% de cada auxílio federal destinar-se-à a construções escolares (....) 2. A importância correspondente a 25% de cada auxílio federal será aplicada na educação primária de adolescentes e adultos analfabetos, observados os termos de um plano geral de ensino supletivo, aprovado pelo Ministério da Educação e Saúde (BEISIEGEL, 1974, p. 87).
Com essa medida, a União deveria criar meios de organizar entidades que
pudessem desenvolver atividades para cumprir essas novas deliberações. Neste sentido, foi
criado o Serviço Nacional de Educação de Adultos (SEA), medida que só aconteceu em 1947.
Com a criação do SEA, várias ações foram destinadas para intensificar os trabalhos em prol
dos planos anuais de ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos, tais como: a
criação de classes de ensino supletivo nas diversas regiões do país, elaboração e distribuição
de cartilhas e textos de leitura e iniciava a elaboração do plano de ensino supletivo para o ano
23 Ver, a propósito, o Decreto-lei nº 4.958, de 14 de novembro de 1942, que institui o Fundo Nacional de Ensino Primário e dispõe sobre o Convênio Nacional de Ensino Primário. Diário Oficial da União de 14 de novembro de 1942.
58
de 1948. Além dessas medidas, o governo federal procurou chamar atenção dos governos
estaduais, municipais e da sociedade em geral, no sentido de integrá-los no plano de
desenvolvimentos dessas atividades em benefício da educação de adultos. Todo esse
empreendimento recebeu o nome de “Campanha Nacional de Educação de Adolescentes e
Adultos”.
A Campanha foi lançada em 15 de janeiro de 1947, como sendo “uma autêntica
campanha de salvação nacional; uma nova abolição”24, segundo declaração feita pelo então
Ministro da Educação e Saúde, professor Clemente Marini, à imprensa, em entrevista
coletiva, no dia de lançamento da Campanha. Outro aspecto importante da Campanha a ser
considerado era o de recuperar a parte da população analfabeta que ficava excluída do
processo de desenvolvimento do país. Segundo pronunciamento de Lourenço Filho:
Devemos educar os adultos, antes de tudo, para que esse marginalismo desapareça, e o país possa ser mais coeso e mais solidário; devemos educá-los para que cada homem ou mulher melhor possa ajustar-se à vida social e às preocupações de bem-estar e progresso social. E devemos educá-los porque essa é a obra de defesa nacional, porque concorrerá para que todos melhor saibam defender a saúde, trabalhar com mais eficiência, viver melhor em seu próprio lar e na sociedade em geral (LOURENÇO FILHO apud PAIVA, 1987, p.179).
Outro grande interesse da CEAA era também o de estimular o crescimento de
matrículas na escola primária, pois educando os adultos, estes teriam mais interesses que seus
filhos fossem estudados também, daí um dos lemas da campanha era: “é por amor à criança
que devemos educar adolescentes e adultos”.
A Campanha tinha como objetivo de ordem quantitativa, para o ano de 1947, abrir
dez mil classes de ensino supletivo em cidades, vilas e povoados para esses adolescentes e
adultos analfabetos. Esse número deveria aumentar gradativamente nos anos seguintes, sendo
que, essas classes seriam mantidas por conta dos auxílios federais.
Foram convocados dois delegados de cada estado e do Distrito Federal e um de
cada Território, para uma reunião de esclarecimento das bases do empreendimento e os
processos de execução da CEAA, que teve início no dia 10 de fevereiro de 1947. O
entusiasmo dos educadores era tanto que deste encontro originou-se o I Congresso Nacional
de Educação de Adultos, realizado no período de 25 de fevereiro a 1º de março daquele 24 Ver Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, agosto de 1945, Rio de Janeiro, p. 67.
59
mesmo ano. Assim, como o encontro de delegados, o I Congresso Nacional de Educação de
Adultos, serviu para avaliar a situação existente e analisar os primeiros desdobramentos da
CEAA.
A CEAA foi coordenada pelo professor Lourenço Filho, que além de Coordenador
Geral da Campanha também era Diretor do Departamento Nacional de Educação. Para o
professor Lourenço Filho essa não seria apenas uma campanha de alfabetização, ou seja, além
do ensino da leitura e da escrita, também seriam trabalhados com esses adultos noções de
saúde e higiene, preservação do meio ambiente, formação cívica e educação física. Em
relatório25 escrito pelo diretor do Departamento Nacional de Educação esses objetivos são
mais enfatizados :
[....] tais objetivos determinam que, ao movimento, não se desse o aspecto restrito de um plano de ensino, ou de ação escolar, mas sim, o de feição social, com insistente esclarecimento da opinião pública sobre os graves problemas da educação popular; que, ainda na ação escolar, se organizasse o trabalho de modo a difundir, com a aprendizagem da leitura e escrita, noções de imediata utilidade, com referência à higiene geral, puericultura, educação alimentar, novas técnicas de trabalho, conservação das riquezas naturais, civismo e da vida social em geral; [....].Far-se-ia, por esse modo, ‘educação de adultos’ desde o inicio, muito embora técnicas mais completas e mais complexas para esse objetivo só pudessem ser empregadas na segunda fase, na qual, tanto quanto possível, se deveria procurar influir, até mesmo na capacidade de organização econômica de grandes grupos da população, os quais vivem como que em situação marginal, fora dos problemas reais da vida social, política e econômica da nação (LOURENÇO FILHO apud BEISIEGEL, 1974, p. 99-100).
Na avaliação de Beisiegel (1974), a educação de adultos neste período era entendida
como um fator privilegiado no processo de elevação cultural de um povo, pois:
Além de possibilitar, a curto prazo, a recuperação do atraso educacional que se exprimia nas elevadas taxas de analfabetismo da população, a educação de adultos viria a constituir-se, também, em condição necessária à maior eficiência do ensino infantil. A valorização da escola entre adultos das comunidades rústicas estenderia os efeitos da Campanha à própria educação das crianças. (BEISIEGEL, 1974, p. 97)
25 Relatório do Serviço de Educação de Adultos, para o exercício de 1949, p. 73.
60
Por outro lado, este mesmo autor afirma que para a Administração Federal garantir
à educação da massa iletrada, nada mais era do que cumprir a Constituição Federal, que
imperativamente garantia o direito de todos à educação (BEISIEGEL, 1974). Tendo como
base os novos ideais democráticos, surge a necessidade de ampliar as bases eleitorais no país.
Com isso, a Campanha seria o instrumento de preparação da população para exercer o direito
ao voto e, assim, compartilhar da vida política do país. A partir desse processo, a educação de
massa deveria formar uma nova sociedade no país que comungasse com as ideologias da
classe dominante, garantindo assim a “preservação da paz social” (PAIVA, 1987, p. 182-183).
Esses e outros pensamentos são reafirmados de certa forma pelo então Secretário Geral de
Educação e Cultura do Distrito Federal, Sr. Fioravanti Di Piero, que, ao justificar a realização
do I Congresso Nacional de Educação, considera as seguintes questões:
[...] que a educação exerce prodigiosa influência em toda a estrutura de nossa vida, para que sejamos, realmente, um povo civilizado, penetrando até mesmo os recessos mais obscuros da multidão; [...] que é preciso, a todo transe, eliminar o obscurantismo ou completa ignorância, como o pior dos males, entre aquêles que nas idades próprias não alcançaram os benefícios da instrução e educação, contribuindo para a crise angustiosa em que vivemos; [...] que se devem congraçar elementos bem intencionados, fõrças educativas, os órgãos mais expressivos da sociedade, para que se objetive êsse ideal supremo de dignificação, de nossa própria existência que aspira ao clima da hegemonia do espírito e de liberdade,[...] ( CONGRESSO,1950, p.35).
Assim compreendida, a CEAA deveria atender às necessidades de um país em
rápido desenvolvimento econômico e que, por conseqüência disso, necessitava de uma
reestruturação social como forma de garantir o processo democrático. E essa reestruturação
social só aconteceria se o grave problema do analfabetismo nas grandes massas trabalhadoras
fosse combatido. Porque, argumentava o Secretário Geral de Educação e Cultura do Distrito
Federal na época, “a educação e a instrução influem, poderosamente, nos costumes, na
formação da personalidade, no apuro do caráter nacional, em tudo que concorre para a
harmonia do mundo em que vivemos. Suas vantagens são incalculáveis, e enobrece o
homem”.26
26 Discurso do Prof. Fioravanti Di Piero, Secretário Geral de Educação e Cultura do Distrito Federal na abertura do I Congresso Nacional de Educação de Adultos, In: Anais do I Congresso Nacional de Educação de Adultos, 1947-1950, p.35.
61
3.2 Os Objetivos da Campanha de Educação de Adultos
Procurando atender os apelos da UNESCO em prol da realização de programas
nacionais de educação de adultos e preocupados com o elevado índice de analfabetos
apresentados no último senso de 1940, que apontava que 55% da população brasileira maior
de 18 anos era constituída de analfabetos, o Ministério da Educação e Saúde autoriza o
Departamento Nacional de Educação a criar o Serviço de Educação de Adultos (SEA), para
coordenar os trabalhos do Plano de Ensino Supletivo para adolescentes e adultos analfabetos.
Assim, desta forma fora criado o maior movimento de mobilização nacional das últimas
décadas, a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos Analfabetos, em meio a muita
euforia e entusiasmo por parte dos educadores e diletantes da educação.
Para efeito de orientação, coordenação e execução da Campanha, o SEA foi
constituído em quatro setores: administrativo, planejamento e controle, orientação pedagógica
e relações com o público. Desta forma, deveria movimentar os 25% de auxílio destinado pelo
Fundo Nacional de Ensino Primário para a execução do plano de ensino supletivo para
adolescentes e adultos analfabetos.
O setor de planejamento e controle ficou responsável pela distribuição das classes
de ensino supletivo em cada Unidade da Federação. Para isso, alguns critérios deveriam ser
observados para garantir um melhor atendimento das necessidades educacionais de cada
Estado e Território da Federação. Assim, o número de classes deveria ser proporcional ao
número da população em idade escolar que estivesse fora da escola, de forma que a relação
percentual desses números correspondesse a distribuição percentual do recurso financeiro
disponível aplicada à distribuição de 10.000 classes. Para essa orientação, foi usado o seguinte
quadro:
62
QUADRO 1: BASES PARA DISTRIBUIÇÃO DE 10 000 CLASSES DO ENSINO SUPLETIVO
UNIDADES DA FEDERAÇÃO
POPULAÇÃO 31-12-45
POPULAÇÃO ESCOLAR
(12,5%)
MATRÍCULA GERAL (1945)
DEFICIT %
BRASIL 46 200 000 5 775 000 3 295 291 2 479 709 100,00
Norte
Guaporé 23 770 2 971 1 680 1 291 0,05
Acre 89 334 11 167 5 389 5 778 0,23
Amazonas 474 424 59 303 32 290 27 013 1,09
Rio Branco 13 485 1 686 616 1 070 0,04
Pará 1 033 784 129 223 99 603 29 620 1,19
Amapá 24 142 3 018 1 604 1 414 0,06
Nordeste
Maranhão 1 383 290 172 911 39 075 133 836 5,40
Piauí 915 648 114 456 41 234 73 222 2,95
Ceará 2 341 789 292 724 94 412 198 312 8,00
Rio Grande do Norte 860 119 107 515 43 769 63 746 2,57
Paraíba 1 592 842 199 105 69 184 129 921 5,24
Pernambuco 3 009 410 376 176 144 988 231 188 9,32
Alagoas 1 065 380 133 173 43 440 89 733 3,62
Fernando de Noronha 1 204 151 ___ 151 0,01
Leste
Sergipe 607 362 75 920 37 612 38 308 1,55
Bahia 4 387 972 548 496 134 821 413 675 16,68
Minas Gerais 7 594 265 949 283 563 294 385 989 15,57
Espírito Santo 865 070 108 134 66 665 41 469 1,67
Rio de Janeiro 2 069 452 258 681 161 920 96 761 3,90
Distrito Federal 1 975 697 246 962 224 642 22 320 0,90
Sul
São Paulo 8 051 658 1 006 457 787 295 219 162 8,84
Paraná 1 384 530 173 066 109 174 63 892 2,58
Santa Catarina 1 319 647 164 956 154 923 10 033 0,40
Rio Grande do Sul 3 718 906 464 863 369 300 95 563 3,85
Centro-Oeste
Mato Grosso 471 302 58 913 30 761 28 152 1,14
Goiás 925 518 115 690 37 600 78 090 3,15
Fonte: Campanha, Relatório de Atividades no Exercício de 1947.
63
De acordo com o Relatório de Atividades da CEAA de 1947, o total das classes
previstas não cobria as necessidades da população analfabeta, nos grupos de 15 anos ou mais.
Sendo assim, estabeleceu-se que o mínimo de classes para cada território Federal seria o de 20
unidades, feita exceção para o de Fernando de Noronha, dadas suas condições especiais.
Resolveu-se também que nenhum Estado receberia auxílio inferior ao necessário para 100
classes, e que seria majorada a quota do Distrito Federal e a dos Estados que apresentavam
maior contingente de colonização de origem estrangeira. Para tanto, obteve-se a seguinte
distribuição de classes para o ensino supletivo:
QUADRO 2: DISTRIBUIÇÃO DE CLASSES DE ENSINO SUPLETIVO
Guaporé 20 Sergipe 150
Acre 30 Bahia 1600
Amazonas 100 Minas Gerais 1500
Rio Branco 20 Espírito Santo 170
Pará 120 Rio de janeiro 370
Amapá 20 Distrito Federal 250
Maranhão 450 São Paulo 1000
Piauí 300 Paraná 300
Ceará 700 Santa Catarina 120
Rio Grande do Norte 260 Rio Grande do Sul 420
Paraíba 450 Mato Grosso 100
Pernambuco 900 Goiás 300
Alagoas 350 Fernando de Noronha ____
Total 10 000
Fonte: Campanha, Relatório de Atividades no exercício de 1947, p. 5-6
Concomitantemente, foram convocados dois delegados de cada Estado e Distrito
Federal e um para cada Território com a finalidade de receberem orientações dos técnicos do
SEA, para viabilizarem a organização e execução da CEAA. O primeiro esclarecimento feito
pelos técnicos do SEA diz respeito aos objetivos da Campanha, que foram assim definidos:
64
a) instalação e funcionamento de dez mil classes de ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos; b) estímulo ao voluntariado, seja individual, para o ensino de um analfabeto ou pequeno grupo de analfabetos, seja da parte de associações, para ensino de grupos mais numerosos; c) persistente esclarecimento do público quanto à necessidade de instruir e educar as grandes massas de adolescentes e adultos analfabetos do País. (CAMPANHA, 1948, p.10)
Outra preocupação dos técnicos do SEA era que o esclarecimento ao público fosse
tão importante como a instalação e organização das classes de ensino, pois, sem compreensão,
não haveria a matrícula e freqüência desejada. Além disso, não se criará, igualmente, o clima
necessário para desenvolver a Campanha nos anos futuros (CAMPANHA, 1948, p.12). Sobre
essa questão, Paiva argumenta:
Tudo fazia parte de uma estratégia que visava conduzir a comunidade a participar da alfabetização de adultos como tarefa cívica e por isso foi aberto o voluntariado, cuja função era manter aceso o interesse pela instrução popular e criar uma mística em torno do problema (PAIVA, 1987, p.191).
Por outro lado, sensibilizando a comunidade de modo geral, essa, de certa forma,
cobraria dos poderes públicos estaduais e municipais maior empenho e compromisso com o
desenvolvimento da Campanha. Em decorrência disso, a infra-estrutura desejada e montada
pelos idealizadores da Campanha seria preservada pelas administrações locais. Por isso, o
empreendimento publicitário se justificaria, e para isso, todos os meios de divulgação então
disponíveis foram mobilizados neste sentido: inclusão sistemática de noticiários nos jornais,
estações de rádio e serviços de alto-falantes, até à elaboração de cartazes, folhetos e selos
alusivos ao tema (BEISIEGEL, 1974).
A atuação do voluntariado é da maior importância, quer como movimento de
propaganda, quer ainda como recurso de penetração da Campanha em povoados menores ou
em zonas de população dispersa (CAMPANHA, 1948, p. 12). Neste sentido, o setor de
Relações com o Público do SEA deveria coordenar a cooperação do voluntariado
representado por entidades particulares e pelo voluntariado representado pela iniciativa
individual, sendo ambos de valorosa ajuda para o desenvolvimento da Campanha. O incentivo
ao voluntariado representado pelas entidades particulares tinha como objetivo congregar aos
65
trabalhos da CEAA a cooperação da Imprensa escrita, através de entrevistas, editoriais e
artigos assinados; das estações radioemissoras, como a Rádio Nacional, Rádio Cultura, Rádio
Record entre outras, que incluíram em suas programações notícias e chamadas publicitárias
sobre a CEAA; a Igreja Católica, Igrejas Evangélicas, Centros Espíritas, Serviço Social da
Indústria (SENAI), Sindicato de Diretores de Estabelecimentos de Ensino, Bancos, como o
Banco do Brasil, que doou a importância de Cr$ 7.500,00, para a impressão de cartilhas;
Empresas Aéreas, como a VARIG e a Panair, que transportavam material da Campanha.
Quanto ao incentivo ao voluntariado individual, o Serviço de Relação com o Público do SEA
determinou que o mesmo deveria acontecer de três formas: propaganda verbal da Campanha,
estímulo à matrícula de adolescentes e adultos analfabetos; cooperação com entidades de
serviço social, religiosos, culturais ou outras; ensino direto a um, dois ou mais analfabetos
(CAMPANHA,1948, p. 45).
Durante a Reunião de Delegados foi determinado que as classes deveriam
funcionar à tarde e à noite, levando em consideração os hábitos de trabalho de cada
localidade, por um período não inferior a duas horas. Cada classe poderia efetivar a matrícula
de 50 a 60 alunos, e poderia funcionar com a mesma turma todos os dias, ou com duas turmas,
alternadamente, de 25 ou de 30 alunos cada uma (CAMPANHA, 1948, p.14). Outra ressalva
feita ao funcionamento das classes era que fosse dada preferência a matrículas de alunos entre
15 a 25 anos.
Quanto à seleção de professores, caso houvesse dificuldade na contratação de um
professor diplomado, poderiam ser contratadas pessoas leigas, desde que fossem conceituadas
e capacitadas para a função do ensino, e essas, receberiam uma gratificação de Cr$ 300,00
mensais.
Para garantir uma ampla estrutura da Campanha, o Ministério da Educação e
Saúde celebrou alguns acordos com as Unidades da Federação, onde ficariam esclarecidas as
atribuições das partes celebrantes desse acordo, o qual foi chamado de, “Termo de Acordo
Especial”, e previa as seguintes cláusulas:
Cláusula Primeira
A União e o Estado acordam na realização de serviços de ensino supletivo para
adolescentes e adultos analfabetos, na conformidade do plano aprovado pelo
Ministério da Educação e Saúde, para o corrente ano de mil novecentos e quarenta e
sete (1947).
66
Artigo 1.º - Ao Ministério da Educação e Saúde caberá o planejamento geral, a
orientação técnica e o controle geral dos serviços, bem como a prestação de auxílio
financeiro e o fornecimento de textos de leitura27.
Artigo 2.º - Ao Estado caberá a instalação das classes de ensino, o recrutamento de
pessoal e a administração dos serviços, inclusive os de fiscalização imediata.
Artigo 3.º - A ambas as partes caberão atividades de difusão dos objetivos da
Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, a coordenação das atividades de
entidades de direito privado, que desejem colaborar nessa Campanha, bem como o
estímulo à ação dos voluntários individuais.
Cláusula Segunda
O Ministério da Educação e Saúde se obriga:
a) a contribuir com o auxílio de ..... para pagamento de gratificação pró-labore a
docentes em classes de ensino supletivo;
b) a fornecer textos para aprendizagem de leitura, educação da saúde, educação
cívica e econômica, além de outro material desde que possível;
c) a prestar assistência técnica, para boa execução do plano de que trata este Acordo
Especial, e a orientar o controle dos serviços de ensino, por intermédio do Serviço
de Educação de Adultos do departamento Nacional de Educação.
Cláusula Terceira
O Estado se obriga:
a) a instalar e fazer funcionar, imediatamente, um Serviço, ou Comissão, com a
incumbência de superintender as atividades de execução do plano de ensino de que
se trata este “Acordo Especial”, ou a manter órgão similar, já existente,
dotando-o dos necessários recursos que atendam aos novos encargos;
b) a instalar, distribuir por todos os Municípios do Estado........ classes, vespertinas
ou noturnas, de ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos, e fazê-las
27 “Termos de Acordos Especiais” celebrados entre o Ministério da Educação e Saúde e as unidades da Federação, para execução do plano de ensino supletivo destinado a adolescentes e adultos, em 1947. ( Relatório do serviço de Educação de Adultos para o exercício de 1947, p.20)
67
funcionar com a duração diária, mínima , de duas ( 2 ) horas, no período de quinze
de abril a quinze de dezembro do corrente ano;
c) a pagar a cada um dos docentes incumbidos do ensino a gratificação mensal de
Cr$ 300,00, por oito meses;
d) a suprir as classes de material escolar indispensável ao seu bom funcionamento;
e) a manter a fiscalização direta e permanente dos serviços, por seus órgãos de
inspeção de ensino, ou Comissões locais;
f) a incentivar por todas as formas a matrícula dos alunos, cuja idade inicial será de
15 anos, e a freqüência dos mesmos, de maneira a que esta, salvo casos
excepcionais, não apresente média mensal inferior a vinte, no regime de duas
turmas, em dias alternados, nem trinta e cinco, no caso de uma só turma, em dias
seguidos;
g) a facilitar por todas as formas e fazer observar o previsto na alínea c da Cláusula
Segunda;
h) a remeter, mensalmente, na forma que for estabelecida, os dados estatísticos
relativos às classes de ensino supletivo;
i) a comunicar, por intermédio do órgão competente, ao Serviço de Educação de
Adultos do Departamento nacional de educação, a instalação inicial das classes, por
Município, e as alterações sofridas pela organização de ensino supletivo, na mesma
ocasião em que ocorrerem, bem como a apresentar relatório anual de todas as
atividades relativas ao ensino a que se refere este “Acordo Especial”;
j) a comprovar perante o Ministério, na forma das instruções que foram elaboradas,
as despesas efetuadas por conta do auxílio federal.28
A União e o Estado acordam na realização de serviços de ensino supletivo para
adolescentes e adultos analfabetos, na conformidade do plano aprovado pelo
Ministério da Educação e Saúde, para o corrente ano de mil novecentos e quarenta
e sete (1947).
Artigo 1.º - Ao Ministério da Educação e Saúde caberá o planejamento geral, a
orientação técnica e o controle geral dos serviços, bem como a prestação de auxílio
financeiro e o fornecimento de textos de leitura.
Artigo 2.º - Ao Estado caberá a instalação das classes de ensino, o recrutamento de
pessoal e a administração dos serviços, inclusive os de fiscalização imediata.
28 Idem p. 21
68
Artigo 3.º - A ambas as partes caberão atividades de difusão dos objetivos da
Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, a coordenação das atividades de
entidades de direito privado, que desejem colaborar nessa Campanha, bem como o
estímulo à ação dos voluntários individuais.
Cláusula Segunda
O Ministério da Educação e Saúde se obriga:
a) a contribuir com o auxílio de ........ para pagamento de gratificação pró-labore a
docentes em classes de ensino supletivo;
b) a fornecer textos para aprendizagem de leitura, educação da saúde, educação
cívica e econômica, além de outro material desde que possível;
c) a prestar assistência técnica, para boa execução do plano de que trata este Acordo
Especial, e a orientar o controle dos serviços de ensino, por intermédio do Serviço
de Educação de Adultos do departamento Nacional de Educação.29
Cláusula Terceira
O Estado se obriga:
a) a instalar e fazer funcionar, imediatamente, um Serviço, ou Comissão, com a
incumbência de superintender as atividades de execução do plano de ensino de que
se trata este “Acordo Especial”, ou a manter órgão similar, já existente,
dotando-o dos necessários recursos que atendam aos novos encargos; b) a instalar, distribuir por todos os Municípios do Estado......... classes, vespertinas
ou noturnas, de ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos, e fazê-las
funcionar com a duração diária, mínima , de duas ( 2 ) horas, no período de quinze
de abril a quinze de dezembro do corrente ano;
c) a pagar a cada um dos docentes incumbidos do ensino a gratificação mensal de
Cr$ 300,00, por oito meses;
d) a suprir as classes de material escolar indispensável ao seu bom funcionamento;
e) a manter a fiscalização direta e permanente dos serviços, por seus órgãos de
inspeção de ensino, ou Comissões locais;
29 Idem, p. 20
69
f) a incentivar por todas as formas a matrícula dos alunos, cuja idade inicial será de
15 anos, e a freqüência dos mesmos, de maneira a que esta, salvo casos
excepcionais, não apresente média mensal inferior a vinte, no regime de duas
turmas, em dias alternados, nem trinta e cinco, no caso de uma só turma, em dias
seguidos;
g) a facilitar por todas as formas e fazer observar o previsto na alínea c da Cláusula
Segunda;
h) a remeter, mensalmente, na forma que for estabelecida, os dados estatísticos
relativos às classes de ensino supletivo;
Nos termos assinado do “Acordo Especial” para o ano de 1947, percebe-se que do
ponto de vista financeiro todos os recursos viriam do Ministério da Educação e Saúde, assim
como a orientação pedagógica e a coordenação geral dos trabalhos. Para os Estados caberia
apenas a função de executar e fiscalizar as atividades para o bom funcionamento da
Campanha. Entretanto, para o ano de 1948, os termos previstos no “Acordo Especial”
apresentaram algumas alterações que de certa forma iriam modificar o esquema de divisão e
atribuições contidas no primeiro “Acordo Especial” assinado em 1947. Pode-se dizer que
nesse novo documento a maioria das cláusulas foi mantida, e as que foram alteradas dizem
respeito somente às obrigações dos Estados, como:
a instalar os cursos acrescidos no corrente ano, de preferência em núcleos de
populações rurais, e pelo menos um deles em cada escola rural construída com
recursos do Fundo Nacional de Ensino Primário;
a promover a instalação dos cursos necessários em estabelecimentos militares
mediante entendimento com os respectivos comandos, bem como em
estabelecimentos subordinados ao Ministério da Agricultura;
a admitir alunos de segundo ano, ou série, em número não excedente a um
terço da matrícula geral na totalidade dos cursos de ensino primário supletivo
mantidos, no Estado, com auxílio federal;
a suprir os custos do material escolar, indispensável ao bom funcionamento dos
cursos;
70
a não considerar, como financiados pelo auxílio federal, os cursos que
entrassem em funcionamento depois de 30 de junho, salvo aqueles que por
necessidade de ensino, fossem transferidos;
a não suprimir quaisquer dos cursos de ensino supletivo já existentes, e que
funcionassem à conta de dotações próprias do seu orçamento;
a selecionar o pessoal docente de conformidade com a seguinte escala de
preferência;
1- professores em exercício nas escolas públicas; 2- normalistas diplomados não
pertencentes ao quadro oficial do magistério; 3- alunos dos últimos anos dos
cursos normais; 4- pessoas que tenham cursos secundário completo; 5- pessoas
que tenham curso ginasial, comercial ou técnico profissional; 6- pessoas leigas,
habilitadas em provas de suficiência; 7- pessoas que tenham curso primário de
quatro anos, pelo menos, independentemente de prova de suficiência, nos núcleos
rurais, onde não haja candidatos mais qualificados;30
Concordo com a análise de Beisiegel (1974), quando diz que os novos termos de
“Acordo Especial” firmados no ano de 1948 envolviam direta ou indiretamente as unidades da
Federação a investirem recursos de seus próprios orçamentos na manutenção e na ampliação
da rede de escolas de ensino supletivo. Isto fica evidente quando o DNE determina que apenas
sejam usados 50% dos recursos federais para pagamento de pessoal, e os outros 50% para
despesas diversas, como iluminação. Com essa medida, os Estados não poderiam contar com
o auxílio federal para expandir as atividades da Campanha como havia sido proposto nos
termos do “Acordo Especial”, a menos que usassem suas próprias máquinas administrativas e
orçamentárias.
Em decorrência da falta de recursos por parte das administrações regionais e
levando em consideração os compromissos firmados para o desenvolvimento da CEAA, as
administrações regionais utilizaram a própria estrutura educacional já existente para instalar
as novas classes de ensino de adultos. Para tanto, aproveitaram os prédios escolares existentes
e abriram classes de ensino supletivo no período vespertino ou noturno. De modo semelhante,
os administradores regionais atribuíram novas funções para o corpo administrativo
30 Termos dos “Acordos Especiais” celebrado entre o Ministério da Educação e Saúde e as unidades da Federação, para execução do plano de ensino supletivo destinado a adolescentes e adultos analfabetos, em 1948, (apud BEISIEGEL, 1974, p. 110-111).
71
pertencente ao ensino primário, que além de desenvolver suas atividades nesse setor, também
exerceria outras no ensino supletivo, como as atividades relativas ao funcionamento e
fiscalização da CEAA. Dada a situação, os professores destinados ao ensino supletivo
também eram os mesmos encarregados do ensino primário. E quando esse corpo docente era
inferior a demanda, os administradores regionais eram obrigados a contratar professores sem
habilitação para o exercício do magistério, chegando a contratar até pessoas semi-
alfabetizadas para o exercício do cargo. A esse respeito Beisiegel assim se expressa:
Dependendo, desde o início, das instalações, dos quadros administrativos e do pessoal docente do ensino primário fundamental comum, o ensino supletivo definiu-se como uma réplica do ensino infantil, ministrado a adolescentes e adultos. Delegados regionais, inspetores, diretores de escolas e professores levaram para as suas novas tarefas os velhos hábitos de trabalho e os conteúdos da ação educativa que desenvolviam no ensino primário. Independentemente dos objetivos fixados pela direção central da Campanha, e quaisquer que fossem os conteúdos propostos para a educação de adultos, a natureza e o alcance dos trabalhos, nestas condições, ficavam limitados às possibilidades de seus executores diretos. (BEISIEGEL, 1974, p.119)
O setor de orientação pedagógica do SEA ficou responsável em organizar e
produzir material didático a ser distribuído nas classes e um manual de instruções destinado à
orientação dos docentes. A organização e a produção desse material didático compreendiam:
a) material para a aprendizagem inicial da leitura e escrita; b) textos para desenvolvimento da
leitura; c) outros textos educativos; d) instruções aos professores de ensino supletivo; e)
material editado; f) material de ensino de outra procedência; g) inquérito sobre condições
sociais e interesse dos alunos (CAMPANHA, 1948).
Para a elaboração destes materiais foi convocada uma comissão de especialistas no
ensino inicial da leitura e escrita, integrada pelas professoras Dulcie K. Vicente Viana,
Técnica de Educação, com exercício no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos; Helena
Mandroni, antiga professora da Seção de Prática de Ensino, do Instituto de Educação do
Distrito Federal; Orminda Isabel Marques, ex-diretora da mesma seção; todas, sob a
coordenação do Professor Lourenço Filho que, além de Diretor Geral do Departamento
Nacional de Educação, também assumiu a chefia do setor de orientação pedagógica.
Organizada pelo professor Lourenço Filho, a obra “Instruções aos Professores”
continha orientações metodológicas norteadoras da ação docente em sala de aula, distribuída
para professores e aos voluntários que à Campanha se incorporassem. Foram preparados
72
numerosos textos sobre os objetivos educativos do movimento, a psicologia do adulto
analfabeto, sugestões para programas e horários e emprego do “Primeiro Guia de Leitura”
(CAMPANHA, 1948).
As “Instruções aos Professores” tinham como objetivo glorificar a missão do
educador ante o trabalho com adolescentes e adultos, chamando atenção para o fato de que a
missão do professor era muito maior do que o simples fato de alfabetizar esses adolescentes e
adultos, pois estariam contribuindo com a elevação moral, social e espiritual desses alunos.
Além disso, estariam contribuindo para o crescimento do país, para a melhora coletiva, com a
ordem, com a riqueza e a paz. Nos estudos de Soares (1995), são transcritos alguns
fragmentos da segunda parte do texto das “Instruções aos Professores”31, que destacam alguns
princípios técnicos referentes as especificidades no trabalho com adolescentes e adultos:
O primeiro princípio descreve que ensinar a adolescentes e adultos é mais fácil do que ensinar crianças. E o texto vai mais longe: ‘mais fácil, mais rápido, mais simples’, afirmando que se pode ensinar a um adolescente, ou adulto, na metade do tempo necessário ao ensino da criança. As crianças estão ainda em crescimento, são menos capazes, agem por impulsos. Ao contrário, o adolescente, ou adulto, que procura uma escola, como que assume consigo mesmo o compromisso de ‘aprender bem depressa’. Segundo o texto, os adultos, só por serem adultos, não estão incapacitados para a aprendizagem, não são, só pela idade, ‘cabeças duras’. O segundo princípio diz que, tendo assim maior capacidade mental, ou capacidade para aprender mais rápido e facilmente, o adolescente analfabeto e, sobretudo, o adulto analfabeto, sente-se muitas vezes desencorajado, [.....]. Diz-se que ele tem um ‘sentimento de inferioridade’, isto é, que se julga inferior aos demais, aos que saibam ler bem. O terceiro princípio recomenda fazer de tudo para que esse ‘sentimento de inferioridade’ se atenue e, por fim, desapareça. O professor precisa mostrar-se compreensivo e humano, tratando a todos não só com ‘urbanidade’, mas com a maior consideração pessoal, para que o adulto analfabeto não se sinta como ‘criança de escola’ (SOARES, 1995, p. 87-8).
A organização do folheto “Ler - Primeiro Guia de Leitura” foi inspirado no
método de ensino de leitura para adultos conhecido como Laubach. O método Laubach foi
criado pelo missionário protestante norte-americano chamado Frank Charles Laubach que em
31 Dados históricos sobre Campanha de Educação de Adultos. Instruções aos Professores de Ensino Supletivo. 1952, foi pesquisado por SOARES, Leôncio. Educação de adultos em Minas Gerais: continuidades e rupturas. São Paulo: USP/ Faculdade de Educação, 1995 [Tese de doutorado em Educação].
73
1915 alfabetizou mais de 60% da população Filipinas. A proposta desse método consistia em
partir de palavras conhecidas pelos alunos, palavras-chaves, selecionadas e organizadas
segundo suas características fonéticas. A função dessas palavras era remeter aos padrões
silábicos, estes sim, o foco do estudo. As sílabas deveriam ser memorizadas e remontadas
para formar outras palavras. As primeiras lições também continham pequenas frases
montadas com as mesmas sílabas. Nas lições finais, as frases compunham pequenos textos
contendo orientações sobre preservação da saúde, técnicas simples de trabalho e mensagens
de moral e civismo.
A comissão do Setor de Orientação Pedagógica do SEA deu preferência a esse
método de alfabetização, por várias razões:
a) na prática do ensino de adultos, tem-se revelado mais produtivo; b) compreendido pelo aluno, desde as primeiras lições, com o auxílio das ‘palavras-chaves’, que em cada lição se apresentam e que aparecem repetidas, nas lições seguintes, permite auto-aprendizagem, ou descoberta de novas palavras; c) sendo o processo conhecido pela totalidade do magistério, seria de mais fácil emprego pelos professores e, ainda, pelos ‘voluntários’, que em sua maioria, teriam por ele feito sua própria aprendizagem. (CAMPANHA, 1948, p. 30)
Quanto ao ensino da escrita, o “Primeiro Guia de Leitura” apresentava, ao final de
cada página, modelo caligráfico, com palavras e frases relacionadas aos assuntos tratados, de
forma a despertar o interesse do aluno pela escrita. Além do “Primeiro Guia de Leitura”, o
setor de orientação pedagógica projetou uma coleção de quatro “Quadros Murais” e, ainda,
outros guias de leitura intitulados: “Saber”, “Viver” ou também conhecido como “Guia do
Bom Cidadão”, “Guia de Alimentação” e “Cuidemos da Criança”. Todo esse material
didático foi impresso em grande quantidade no primeiro ano da Campanha como informa o
quadro abaixo:
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PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO NO 1º ANO DA CAMPANHA
MATERIAL DIDÁTICO NÚMERO DE EXEMPLARES
LER PRIMEIRO GUIA DE LEITURA 586.000
SABER, II GUIA DE LEITURA 500.000
VIVER, GUIA DO BOM CIDADÃO 200.000
GUIA DE ALIMENTAÇÃO 200.000
CUIDEMOS DA CRIANÇA 150.000
INSTRUÇÃO AOS PROFESSORES DE ENSINO SUPLETIVO
15.000
QUADROS MURAIS 42.000
TOTAL: 1.693.000
Fonte: Campanha de Educação de Adultos. Relatório do SEA para o exercício de 1947. Rio de Janeiro, 1948. Organizado pela autora.
3.3 I Congresso Nacional de Educação de Adultos e suas contribuições para CEAA
Concomitantemente com o lançamento da CEAA, a Secretaria Geral de Educação
e Cultura, da Prefeitura do Distrito Federal, com a cooperação do Centro de Professores do
Ensino Noturno Municipal, contando, ainda, com o apoio do Ministério da Educação e Saúde,
realizou o I Congresso Nacional de Educação de Adultos, na cidade do Rio de Janeiro, no
período de 25 de fevereiro a 1º de março de 1947.
Pode-se dizer que o I Congresso Nacional de Educação de Adultos visava
aprofundar os estudos das concepções, dos objetivos e da realidade em torno da educação de
adultos, em todo o país. Para tanto, esta reunião de educadores contou com a participação dos
representantes oficiais da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal e todas
instituições ou pessoas jurídicas de direito privado que fossem interessadas na solução do
ensino supletivo e cruzada contra a ignorância ( CONGRESSO, 1950).
Os objetivos do I Congresso foram além do congraçamento de todos os
professores especializados, a elaboração de trabalhos, a apresentação de sugestões para a
resolução dos vários problemas relativos à educação de adultos. Como forma de atingir tais
objetivos, a coordenação do Congresso sugeriu algumas temáticas como ponto de partida.
Num total de cinco, as temáticas assim foram definidas:
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I- A REALIDADE DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS NO PAÍS a) Situação estatística do analfabetismo nos grupos da população adolescente e adulta do país. b) Realizações do ensino supletivo no Distrito Federal, nos Estados e Territórios. c) A iniciativa privada em face do problema da educação de adultos. d) As campanhas de educação de adultos em outros países e o plano do Governo da República. II- ASPECTOS SOCIAIS DO PROBLEMA a) A situação de marginalidade do adulto iletrado em face do progresso de seu grupo social. b) O analfabetismo e o pauperismo; o analfabetismo e a criminalidade; o analfabetismo e a minoridade política; o analfabetismo e os embaraços que opõe à organização do trabalho. c) A educação de adultos e a assimilação das correntes migratórias. d) Funções sociais da educação de adultos; supletiva de ensino primário; de continuação; de aperfeiçoamento profissional; de educação geral(sanitária, cívica, artística, econômica e política). e) Os “Centros de Comunidade” e os modernos meios de difusão: o rádio, o cinema e o disco na educação de adultos. III- QUESTÕES DE ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR a) Como organizar os cursos de adultos de modo a obter freqüência e rendimento de ensino. b) Da necessidade de intercâmbio entre os órgãos que superintendem o ensino de adultos no país. c) Das relações entre as autoridades do ensino e os empregadores, com respeito à freqüência. d) Das comissões encarregadas de apurar e sanar possíveis desajustamentos dos alunos (entrevistas individuais, visitas, inquéritos, etc.). e) Necessidades do serviço de orientação técnica e de especialização do professorado. IV- DO PESSOAL DOCENTE a) Necessidade da formação técnica do docente que trabalha com classes de adolescentes e adultos. b) Qualidades exigidas no professor que se dedica ao delicado mister de verdadeira recuperação nos cursos de adultos. c) Condições de trabalho do professor de adultos. V- ASPECTOS DA ORIENTAÇÃO DIDÁTICA a) A aprendizagem no adolescente e no adulto; cuidados especiais que requer. b) Aspectos importantes do manejo de classes, nos cursos de adolescentes e adultos. c) Críticas e sugestões sobre os processos de alfabetização nas classes de adolescentes e adultos. d) Métodos e processos especiais, na aprendizagem das diversas disciplinas. (CONGRESSO, 1950, p. 27-8).
Entende-se que a opção temática sugerida pelo Congresso forneceu subsídios para
que muitos educadores, ali representados pelos Delegados das Unidades da Federação e
representantes das sociedades culturais, apresentassem nessa ocasião várias proposições, teses
e contribuições valiosas para o exame das múltiplas faces do problema da educação de adultos
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no país. Esses trabalhos eram avaliados por uma comissão composta por um presidente e um
relator, que posteriormente encaminhavam os trabalhos para que fossem votados em Sessões
Plenárias do Congresso. É importante destacar alguns fragmentos desses trabalhos para que se
possa compreender a dimensão da ideologia educativa predominante neste contexto histórico,
que ficou marcado pelo “entusiasmo pela educação”. Com esse intuito, merecem consideração
as idéias contidas no trabalho do professor Cândido Jucá intitulado “Uma Mística a Serviço
da Alfabetização”32, que chama atenção para a falta de um plano nacional capaz de realmente
sensibilizar o adulto analfabeto, despertando nesse o interesse ou curiosidade por uma melhor
condição de vida futura. Ainda neste sentido, o autor afirma que a maioria dos planos feitos
para alfabetização dos milhões de iletrados adultos disseminados em todo o país, são mais
preocupados com a escola e com o aprendizado, com os mestres e com os métodos, do que
com os possíveis discípulos (CONGRESSO, 1950). Ainda em sua tese, Cândido Jucá, de
forma enfática, questiona o fato de não existir nenhum dispositivo jurídico que obrigue o
adulto analfabeto a freqüentar a escola, por isso, discute a possibilidade de se criar uma força
que incite o adulto analfabeto a arrancar-se de sua própria escuridão. Em resumo, propõe que
seja criada uma consciência nacional capaz de tornar indesejável a vida do analfabeto, aos
olhos do próprio analfabeto, para isso, propõe o slogan: “SER BRASILEIRO É SER
ALFABETIZADO” (CONGRESSO, 1950). Em parecer favorável emitido pela coordenação
do Congresso, sobre a tese do professor Cândido Jucá, a comissão assim se expressa:
[...] Proclamar ao analfabeto a sua inferioridade na vida social sem lhe oferecer os melhores meios de fazê-lo instruído, equivale a criar nele uma verdadeira situação de desespero ou aguçar o complexo de inferioridade. Num país pobre, os empreendimentos são sempre realizados em limites restritos ao planejamento imaginado e o tempo cooperará na maturação dos resultados. [...] (CONGRESSO, 1950, p. 56).
É interessante também observar as idéias apresentadas pelo professor Henrique
Batista Pereira que, em sua tese com o título “Do Pessoal Docente”, fez uma abordagem
relevante sobre a formação técnica do docente, qualidades exigidas para o professor nos
cursos noturnos e as condições de trabalhos dos mesmos. Quanto à formação técnica, o autor
ressalva que é um erro achar que qualquer um pode ensinar um adulto a ler. Ainda afirma que
32 Por proposta aprovada em plenário, a palavra “mística” deve substituir-se nesta tese, pela expressão “consciência nacional”. Congresso Nacional de Educação de Adultos. Rio de Janeiro, 1950, p.51.
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o professor de adultos tem a missão de contribuir com a estrutura moral dos seus alunos e para
isso, deve ter maior capacidade, mais sutileza e mais discernimento, porque ensinar a ler e
escrever sem transformar o caráter do ignorante em cidadão é mais prejudicial do que
continuar analfabeto. No que se refere às qualidades exigidas para o professor nos cursos
noturnos, o autor sugere que o professor de adultos deva ter cultura, tato psicológico,
dedicação, perseverança e idealismo. Finalmente, observa que o trabalho do professor de
adulto deve desenvolver-se em ambiente especial, com programas bem organizados, livros
adequados e assistência e colaboração constantes de seus superiores e colegas, pois só assim
terá condições favoráveis para o bom desenvolvimento de seu trabalho ( CONGRESSO,
1950). Pode-se dizer que, para o professor Henrique Batista Pereira, era extremamente
fundamental investir de forma diferenciada na formação e especialização dos professores de
adultos, porque deles dependerá o sucesso dos empreendimentos no campo do ensino
supletivo.
Deve-se salientar também, que a realização deste Congresso marca o início das
atividades da CEAA, e que a socialização resultou das experiências promovidas entre os
educadores neste evento resultou em sugestões para a melhoria do ensino de adultos
analfabetos. Para tanto, o Congresso sugere que a Campanha de Educação de Adultos, que
hora se iniciava, se tornasse tão ampla quanto o permitissem as condições econômicas
federais, estaduais e municipais, de modo que proporcionasse aos adultos todos os graus de
instruções, na conformidade das exigências necessárias; que fosse elaborada uma Lei
Orgânica de Educação de Adultos abrangendo não somente o ensino supletivo, mas também
os cursos de continuação e aperfeiçoamento, com expedição de diplomas. Quanto aos planos
de cursos para adultos, que estes levassem em consideração, a instalação e aparelhagem
adequada ao ensino de adultos, que houvesse flexibilidade de horários e programas, de acordo
com as especificidades locais. Em relação aos professores foram observadas as seguintes
questões: programas bem organizados, livros didáticos adequados, assistência constante dos
superiores e colaboração geral. Por fim, os congressistas sugerem que sejam realizadas
reuniões periódicas de um Congresso Nacional de Educação de Adultos ( CONGRESSO,
1950).
Na opinião de Paiva (1987, p.188), as conclusões do Congresso refletem a
mobilização observada no campo da educação popular desde a reabertura política do final do
Estado Novo.
Reafirmando esse comportamento de mobilização nacional, o Presidente do I
Congresso, Professor Lourenço Filho, em cerimônia de encerramento do evento, agradece a
78
todos os congressistas as contribuições dos trabalhos apresentados e diz que a nação está neste
momento voltada para os seus educadores como pregoeiros deste movimento de verdadeira
“salvação nacional” (CONGRESSO, 1950, p.199).
3.4 A Campanha de Educação de Adultos em Mato Grosso
O Setor de Planejamento do Serviço de Educação de Adultos, preocupado com as
diversidades regionais deste país para a adaptação do planejamento geral às condições de
desenvolvimento da CEAA, resolveu convocar representantes de cada um dos Estados e
Territórios da Federação para receberem todas as informações técnicas sobre o plano de
execução da CEAA. Com isso, cada unidade da federação teria um responsável pela
organização e execução da Campanha, garantindo assim o êxito dos trabalhos. Na ocasião, o
Interventor do Estado de Mato Grosso, Sr. José Marcelo Moreira, nomeou o Diretor do
Departamento de Educação e Cultura, Professor Francisco Alexandre Ferreira Mendes e o
Secretário do Interior, Justiça e Finanças, Dr. Hermes Dreux de Toledo para representarem o
Estado na I Reunião de Delegados dos Estados e Territórios, ocorrida em fevereiro de 1947,
que tinha como finalidade esclarecer o plano de execução para o ensino supletivo de
adolescentes e adultos33.
Contudo, no Relatório de Atividades da CEAA não consta o nome do Dr. Hermes
Dreux de Toledo,34 o que nos leva a dizer que, oficialmente, o Estado de Mato Grosso teve
apenas um representante neste evento.
Durante a I Reunião de Delegados ficou definida, junto aos representantes das
Unidades da Federação, a disponibilidade de recursos à disposição da Campanha. Para o
Estado de Mato Grosso, no primeiro ano da Campanha, foi designado o auxílio Federal
equivalente à instalação de 100 classes de alfabetização. Esse montante seria reajustado de
acordo com o aumento da demanda de classes nos próximos anos.
33 Conforme documento nº 145, expedido pela Diretoria de Expediente do Governo, datado de 8 de fevereiro de 1947. Arquivo Público de Mato Grosso, lata 1947-B. 34 Chama atenção o fato de não constar o nome do Dr. Hermes Dreux de Toledo, no Relatório de Atividades da Campanha, visto que, no documento expedido pela Diretoria de Expediente do Governo, seu nome estava em destaque, todo em letra maiúscula, sugerindo ser este o representante mais importante entre os dois, ou pelo cargo que ocupava, ou pelo fato de ser doutor e o outro professor. Entretanto, dos documentos pesquisados por esta pesquisadora nenhum confirma a presença deste ilustre representante na I Reunião de Delegados. O que nos faz concluir que o mesmo não esteve presente.
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Antes do início da Campanha a situação do ensino em Mato Grosso era
preocupante. Havia no Estado uma única Escola Noturna, a Escola Pedro Gardés, sediada em
Cuiabá. O objetivo da Escola Noturna era oferecer ensino para alunos maiores de 12 anos que
não podiam estudar no período diurno. Entretanto, no ano de 1942, apenas 58 alunos de
ambos os sexos, operários e trabalhadores domésticos, haviam se matriculado na Escola Pedro
Gardés.
No relatório de 1942, Diretor Geral da Instrução Pública, Prof. Francisco Ferreira
Mendes, comenta que “por várias vezes em que visitou a Escola Pedro Gardés teve a
oportunidade de avaliar o esforço e a boa vontade dos alunos que se deslocavam mais de 9
quilômetros para freqüentarem as aulas” (MENDES, 1942, p.32), fato este que poderia
justificar o número tão baixo de alunos matriculados. Ainda neste mesmo relatório, constava
a existência de mais duas escolas noturnas, de iniciativa privada, mas que recebiam auxílio do
Estado para pagamento de seus professores; em Corumbá, a Escola Noturna 21 de Setembro,
e em Campo Grande, a Escola 26 de Agosto. Contudo, a falta de dados sobre o funcionamento
dessas escolas impossibilitava qualquer avaliação sobre as mesmas, segundo o relato do
Diretor Geral da Instrução Pública no ano de 1942.
De uma forma ou de outra a situação do ensino em Mato Grosso era caótica:
faltavam escolas, professores habilitados, fiscalização escolar, assistência médica, material
didático e principalmente uma política de modernização na estrutura pedagógica. Neste
sentido, as palavras do Diretor Geral de Instrução Pública em relatório anual35 exemplificam
melhor essa questão:
[...] o problema do ensino primário mato-grossense, para alcançar os objetivos mais sadios do nacionalismo pátrio dentro da verdadeira realidade brasileira, está na dependência, primeiramente, da formação profissional dos professores. Sem este elemento, educado e bem formado, tendo o espírito preparado para a compreensão do grande e nobre dever de preceptor e formador do futuro da terra comum, toda a organização que se der ao ensino primário, por mais completa que seja, não logrará nunca, atingir com eficiência os fins da educação da infância [...] e para agravar a situação do ensino primário matogrossense, há a falta do livro didático apropriado ao meio [...]. Os inspetores gerais do ensino e os distritais, são leigos e logicamente a sua fiscalização é toda exterior, isto é, de fiscalização uma vez por ano, em alguns municípios, do número de alunos matriculados e freqüentes, escrita dos livros estatísticos e só. Ineficaz por conseguinte, para o ensino e sem valor para a administração, porque isoladas [...]. O aspecto
35 Relatório apresentado ao Interventor do Estado, pelo prof. Francisco A. Ferreira Mendes, Diretor Geral da Instrução Pública. Cuiabá, 1942. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT – Relatórios, Estante 11-114.
80
lastimável de centenas de crianças magras, anêmicas, freqüentando as escolas rurais do estado, parecendo um vencido no meio da natureza exuberante do território pátrio (MENDES, 1942, p. 4, 8, 33,34).
Antes da Campanha o Estado de Mato Grosso contava com 471 escolas primárias,
sendo 132 nas sedes municipais, 60 nas sedes distritais e 279 rurais, ou seja, o maior número
de escolas estava concentrado na área rural, o que de certa forma poderia garantir o acesso à
escolarização de uma população menos favorecida. Entretanto, a situação dessas escolas
apresentava graves anomalias, o que era confirmado pelo Diretor Geral da Instrução Pública
no relatório de 1943, quando dizia que “várias escolas rurais tiveram seu curso interrompido
em conseqüência do grande êxodo de professores”, por isso, concluía o Diretor Geral,
“tornava-se urgente solucionar o problema da instrução primária na área rural, principalmente
em relação à habilitação dos professores e à criação de medidas que pudessem estimular estes
professores a permanecerem na área rural”36. Na opinião de Alves havia outro agravante:
Era a duração do curso primário na zona rural, que se restringia apenas a 2 anos. Com isso, muitas crianças ficavam entregues à ociosidade por concluírem logo o curso primário e não terem mais o que estudar. Além de não alfabetizadas, no sentido exato do termo, ficavam excluídas da escola devido à condição sócio-econômica e ao processo escolar que marginalizava expressiva parcela da população, especialmente a do campo. (ALVES, 1998, p.120)
Outro aspecto a ser considerado neste período era o número de docentes que
contava o Estado, totalizando 983 professores, sendo 540 nas sedes municipais, 124 nas sedes
distritais, 319 nas áreas rurais. Desse total de 983 professores, somente 341 eram professores
normalistas, preparados para o exercício do magistério, enquanto 642 professores eram leigos,
ou seja, sem formação para o exercício do magistério37.
Pelos relatórios da Instrução Pública, a solução para o problema do professorado
Mato-grossense estaria na promoção de concurso para o preenchimento de vagas existentes no
magistério público e, finalmente, no pagamento de uma remuneração condigna que fizesse
com que o professor se sentisse em uma posição honrada, capaz de desempenhar sua missão 36 Diretoria Geral da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso. Relatório referente ao ano de 1943, p. 29. Arquivo Público de Mato Grosso. Relatórios – Est. 11- 114 a. 37 Dados Retrospectivos, 1940/1957 – Ministério da Educação e Cultura, Serviço de Estatística da Educação e Cultura apud BEISIEGEL, 1974, p. 115 a 117..
81
com segurança e prosperidade38. Entretanto, para o diretor Geral da Instrução Pública a
solução desses problemas ainda iria demorar, como concluiu em seu relatório:
Dessa forma, parece-nos, a solução do problema que se apresenta ainda em estudos, continuará por algum tempo sem solução. Cumpre portanto, ao Governo do Estado legislar sobre a matéria, estabelecendo regras decisivas para os concursos, revogando os numerosos Decretos existente que só tem servido para estabelecer dificuldades na classificação dos candidatos ao preenchimento efetivo das vagas do magistério primário. Esta medida que julgamos urgente, tem também grande finalidade, a de estimular o professor (MENDES, 1942, p.35).
Nesta perspectiva, pode-se dizer que o cenário da educação Mato-grossense, nos
anos que antecederam a CEAA, não era condizente com os discursos da época, que clamavam
pela recuperação de uma grande parcela da população analfabeta que vivia à margem da
sociedade. A isso pode-se acrescentar que a situação do ensino em Mato Grosso apresentava-
se fragilizada em toda a sua estrutura, em conseqüência da falta de empenho das autoridades
estaduais em solucionar efetivamente os graves problemas educacionais nesse Estado.
O início da Campanha em Mato Grosso deu-se em abril de 1947, sob a orientação
do Prof. Francisco Alexandre Ferreira Mendes, então Diretor do Departamento de Educação
e Cultura. Na ocasião foi feito um levantamento de localização das escolas supletivas que
seriam destinados ao ensino de adolescentes e adultos, conforme acordo firmado com o
Ministério da Educação e Saúde. Após esse levantamento, o Departamento de Educação e
Cultura de Mato Grosso enviou um comunicado ao Interventor Federal de Mato Grosso, onde
relacionou as seguintes escolas:
Na Capital:
- Escola Doméstica “D. Julia”;
- Escolas Reunidas “José Estevão”;
- Escolas Reunidas “Pedro Gardés”;
- Escola Particular “7 de Setembro”;
- na sede da Escola Municipal do bairro de Cae-Cae;
Na cidade de Poxoreu:
38 Diretoria Geral da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso. Relatório referente ao ano de 1942, p.9. Arquivo Público de Mato Grosso. Relatórios – Est. 11- 114.
82
- na sede das Escolas Reunidas “Cel. Julio Muller”;
- nas Escolas Salesianas locais;
Em Campo Grande:
Amambaí, Cascudo, Terenos, Jaraguarí, Taveira, Bonfim, distrito de Jaraguarí , Cidrolândia e
na sede do município.
Ainda nesse comunicado era informado que alguns Prefeitos ainda iriam informar
a localização de classes em seus respectivos Municípios.39
O acordo especial celebrado entre o Estado de Mato Grosso e o Ministério da
Educação e Saúde, em 29 de maio de 1947, para a execução do plano de ensino supletivo para
adolescentes e adultos analfabetos, estipulava a abertura de 100 classes de alfabetização a
serem distribuídas em todo o Estado. Para isso, o Estado receberia um auxílio federal no valor
de Cr$ 240.000,00, que seriam divididos em 3 parcelas de Cr$ 80.000,00 cada, contudo, o
recebimento da terceira parcela estaria vinculado a comprovação de aplicação das parcelas
anteriores, através do “Boletim Mensal” e “Folha de Pagamento de Professores”, a exemplo:
Figura 1: Modelo de Boletim Mensal enviado pelo SEA, para controle de atividades da Campanha, 1948.
39 Comunicado expedido pelo Departamento de Educação e Cultura de Mato Grosso nº 246, de 5 de abril de 1947. Arquivo Público de Mato Grosso, lata 1947 D.
83
Figura 2: Modelo de Folha de Pagamento dos professores (Campanha, 1948)
Além do auxílio numerário recebido pelo Estado de Mato Grosso, o Serviço de
Orientação Pedagógica do SEA enviou uma grande quantidade de material didático para o
bom desenvolvimento da Campanha: “1º Guia de Leitura”, “Instruções aos Professores”,
Livros de registro escolar, quadro murais, boletins mensais, folhas de pagamentos e 2º Guia
de Leitura “Saber”. A quantidade recebida de material didático para todos os Estados,
inclusive o Estado de Mato Grosso, pode ser abaixo visualizada:
84
Figura 3: Material Remetido às Unidades da Federação (Campanha, 1948)
De certa forma, pode-se dizer que o material enviado pelo SEA, para o Estado de
Mato Grosso, foi em número suficiente, tendo em vista que o número de alunos matriculados
no ano de 1948 chegou a 4.163 e o número de material enviado ainda no primeiro ano da
Campanha foi de 5000 Guias de Leitura “Ler” e 4600 Guias de Leitura “Saber”. Além disso,
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tudo indica que esse material fora distribuído nos Municípios em que foram localizadas as
classes de alfabetização, conforme documento abaixo.
Figura 4: Documento enviado pelo Departamento de Educação e Cultura de Mato Grosso para o Prefeito Municipal de Nioaque. Arquivo público de Mato Grosso –APMT- Lata 1947 D
Logo no primeiro ano de funcionamento da Campanha, o Governador do Estado
de Mato Grosso, Sr. Arnaldo Estevão de Figueiredo, em mensagem apresentada à Assembléia
Legislativa, informava que o desenvolvimento do plano de ensino supletivo não pode ser
executado com a plenitude desejada, contribuindo para isso vários fatores que compreendiam:
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a) a falta de verba pelo estado, para o custeio da Campanha; b) a dificuldade das comunicações com os vários municípios ; c) a não remessa de lampeões pelo órgão federal; d) a época de transição dos titulares das prefeituras do Estado (FIGUEIREDO, 1948 p. 60).
Não há dúvida que esses fatores comprometeriam o bom encaminhamento dos
trabalhos de desenvolvimento da Campanha, no entanto, tais fatores justificam mais não
explicam, por exemplo, de que forma foi aplicado o auxílio federal recebido pelo Governo
Estadual para o desenvolvimento da Campanha; também não explicam de que forma a
transição de titulares das prefeituras poderia prejudicar o desenvolvimento da CEAA, e
finalmente, porque o Governo Estadual não fez a aquisição de lampiões com os próprios
recursos enviados para a Campanha, dada a importância desse aparelho de iluminação para o
funcionamento das classes de alfabetização Por outro lado, a solução de parte desses
problemas já estava prevista no “Termo de Acordo Especial” celebrado entre o Ministério da
Educação e Saúde e o Estado de Mato Grosso, no item d) da cláusula terceira da
obrigatoriedade do Estado: “a suprir as classes de material escolar indispensável ao seu bom
funcionamento” (CAMPANHA, 1948, p. 21). Outro dado relevante apresentado pelo
Governador Arnaldo Estevão de Figueiredo à Assembléia Legislativa diz respeito ao
recebimento dos recursos do Fundo Nacional para o ensino Supletivo:
A subvenção de Cr$ 160.000,00 correspondente a 2 prestação de Cr$ 80.000,00 por conta do que se obrigou a União para o custeio do Ensino Supletivo em virtude do convênio, apresentava um saldo de Cr$ 112.155,40 porque o pagamento dos professores relativamente ao último trimestre de 1947, não havia ainda sido realizado por motivos alheios ao Tesouro do Estado (FIGUEIREDO, 1948, p.25).
Segundo indicam os dados, o auxílio federal previsto nos “Termos do Acordo
Especial” estava sendo enviado para o Estado conforme fora previsto. Feita esta constatação,
torna-se possível afirmar que, de certa forma, havia uma dificuldade administrativa em
gerenciar os recursos financeiros destinados à Campanha, e isso ainda fica mais evidente
quando o Governador informa que foram ‘localizadas 100 classes de alfabetização, mas que
muitas delas não puderam ser instaladas e não funcionaram por falta de meios”
(FIGUEIREDO, 1948, p.60). A partir desse entendimento, é possível concluir que as
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informações contidas na Mensagem do Governador Arnaldo Estevão de Figueiredo eram
equivocadas o que dificulta precisar os verdadeiros motivos pelo qual o plano de
desenvolvimento da CEAA não pode ser executado em sua plenitude.
Outro dado importante a ser observado e que fez parte do “Termo de Acordo
Especial”, celebrado entre o Ministério da Educação e Saúde e os Estados, refere-se a
instalação de um Serviço, Comissão Especial ou um órgão, em cada Unidade da Federação,
que ficasse encarregado de coordenar e fiscalizar as atividades de execução da CEAA. Essa
medida não foi efetivada em Mato Grosso, de acordo com os documentos pesquisados. A
exemplo deste:
Em diversos Estados e no Distrito Federal já existiam serviço de inspeção especializada, ou de orientação de ensino supletivo, embora não completamente organizados. Atendendo, porém, às necessidades impostas pela execução do plano de educação de adolescentes e adultos, a quase totalidade das Unidades da Federação possuem hoje serviços do gênero, sob variadas denominações, como Delegacia, Inspetoria, Superintendência, Divisão, Comissão Estadual, Serviço e Secção. Apenas dos Territórios Federais e Estados do Amazonas, Pará, Rio Grande do Sul e Mato Grosso não há notícia da existência de órgãos assim especializados, e o contato daquelas Unidades com o Serviço de Educação deste Departamento tem sido mantido diretamente pelos Secretários ou Diretores de Educação (CAMPANHA, 1948, p.19) (grifo nosso).
Aqueles Estados que não possuíam um serviço especializado de ensino supletivo
imediatamente criaram os seus, como é o caso de Minas Gerais, segundo pesquisa realizada
por Soares (1995), onde afirma que logo em março de 1947 fora criado o Serviço de
Educação de Adultos, que ficou encarregado pelo desenvolvimento da Campanha em todo o
Estado de Minas Gerais. Neste sentido, Soares informa que:
No interior do Serviço de Educação de Adultos, cinco funcionários se dividiam para coordenar a Campanha em todos os municípios do Estado, fazendo as designações dos professores, recebendo e enviando material didático, detectando alguma irregularidade ocorrida, verificando os boletins mensais e as informações anuais sobre os resultados das turmas, organizando dados estatísticos sobre o movimento da Campanha nos municípios e etc (SOARES, 1995, p. 106).
88
A partir desses dados, percebe-se a grande importância da criação de um Serviço
de Educação de Adultos, em cada Estado, voltado especialmente para a mobilização de
recursos materiais e humanos para o bom desenvolvimento da CEAA. Essa medida era vista
pelo Setor de Planejamento e Controle do SEA como uma grande demonstração de uma
administração descentralizada, pois, desta forma, os Estados teriam mais liberdade para
desenvolver os trabalhos da Campanha e, ainda, agir de forma rápida e eficiente na
viabilização do bom funcionamento das classes de alfabetização. Daí constatar-se que para o
Estado de Mato Grosso a não criação deste Serviço de Educação de Adultos prejudicou de
certo modo o desenvolvimento dos trabalhos da Campanha, e isso pode ser evidenciado nas
informações contidas na Mensagem do Governador Arnaldo Estevão de Figueiredo à
Assembléia Legislativa, já citada anteriormente, e também, na última afirmação que fez nesta
mesma Mensagem sobre a situação do Ensino Supletivo para Adultos Analfabetos, quando
diz: “Até o momento ainda não foram reunidos todos os materiais da Campanha, apesar das
constantes solicitações daquele Departamento” ( FIGUEIREDO, 1948, p. 60).
Em 31 de dezembro de 1947, o SEA do Departamento Nacional realizou um
balanço de todo o material de controle da CEAA enviado pelas Unidades da Federação. Esse
balanço tinha como objetivo avaliar o desenvolvimento dos serviços regionais em relação à
Campanha, e proceder com a liberação da 3ª cota de auxílio federal às Unidades da Federação
que tivessem comprovado as despesas efetuadas por conta do auxílio já enviado. Entretanto,
para Setor de Planejamento e Controle do SEA, o envio desse material não estava sendo feito
com a pontualidade desejada. Enfim, o balanço feito em 31 de dezembro de 1947, apresentava
a seguinte situação:
a) enviaram material em quantidades satisfatórias: Acre, Alagoas, Paraíba, Rio de Janeiro e Sergipe; b) enviaram grande parte do material: Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais e Pernambuco; c) enviaram parte do material: Amapá, Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Piauí e Santa Catarina. As demais Unidades da Federação não enviaram nenhum material de controle, até o fim do exercício. Durante a primeira quinzena de janeiro de 1948, no entanto, começou a chega o material do Pará, Rio Grande do Norte e São Paulo, e novas remessas procederam do Acre, Alagoas, Amapá, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, e Santa Catarina (CAMPANHA, 1948, p. 27).
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Segundo indicam os dados, o Estado de Mato Grosso, até a primeira quinzena de
janeiro de 1948, não havia enviado o material de controle das atividades da CEAA, conforme
estava previsto no “Termo de Acordo Especial”. Conclui-se, ainda, que o SEA do
Departamento Nacional, até o final do exercício do primeiro ano de Campanha, não possuía
informações que pudessem avaliar o desenvolvimento dos trabalhos relativos à CEAA em
Mato Grosso, e também não tinha como providenciar a liberação da 3ª cota do auxílio federal,
já que o Estado não havia comprovado a aplicação do auxílio federal, anteriormente enviado.
Tendo como base os dados até aqui expostos, pode-se inferir que a Campanha de
Educação de Adolescentes e Adultos Analfabetos não era compreendida pelas autoridades
mato-grossense como uma necessidade imediata para seu povo, devido à falta de agilidade,
empenho e esforço na execução das atividades relativas à mesma.
No ano de 1949, o Governador de Mato Grosso, Arnaldo Estevão de Figueiredo,
apresentou à Assembléia Legislativa um breve resumo sobre as atividades do Ensino
Supletivo deste Estado:
Com os resultados crescentes e confirmadores dos auspícios sob que, em boa hora, se instituiu esse tipo de ensino, as escolas noturnas para alfabetização de adultos, tem funcionado com a devida regularidade em todos os recantos da terra Matogrossense. No ano 1948, o seu número elevou-se a 161 com 4.163 matriculados (FIGUEIREDO, 1949, p. 25).
De acordo com os dados apresentados, o segundo ano da Campanha teria sido bem
sucedido, na opinião deste Governador. Entretanto, observa-se que ele optou por uma
avaliação do tipo quantitativa e não qualitativa o que nos faz desconfiar dessa avaliação,
porque nem sempre um indicador quantitativo consegue refletir a verdadeira realidade dos
fatos.
No ano seguinte, o mesmo Governador, em Mensagem à Assembléia Legislativa
por ocasião do início da Legislatura de 1950, não mencionou nenhum resultado obtido pela
Campanha no ano de 1949, apenas cita que o ensino de adultos era uma das prioridades de
envio de recurso do então Presidente Eurico Gaspar Dutra.
Se é certo, Excelentíssimo Senhor Presidente da República, General Eurico Gaspar Dutra, encarando o problema com decisão e descortínio, houve por
90
bem lançar os marcos de uma nova era, distribuindo por todos os Estados recursos para contrução de prédios escolares, material escolar e ensino de adultos; não e menos certo, contudo, que o Estado de Mato Grosso soube encarar o problema pelo seu verdadeiro aspecto, lançando uma autentica cruzada em prol de educação de seus habitantes (FIGUEIREDO, 1950, p. 44).
O mesmo procedimento acontece no ano seguinte, o Governador do Estado,
Fernando Corrêa da Costa, em Mensagem à Assembléia Legislativa, também não relatou
nenhum resultado da Campanha referente ao ano de 1950. Contudo, essa ausência de
informação pode ser justificada pelo que mencionou o Governador nesta mesma Mensagem:
“O nosso Serviço de Instrução Pública, nos seus diversos graus, está requerendo imediata
recuperação, pela decadência em que jaz, especialmente pela ausência de diretrizes
pedagógicas” (COSTA, 1951, p. 29).
3.4.1 Condições de Atuação do Corpo Docente nas Classes de Ensino Supletivo
A falta de formação profissional dos membros do magistério no Estado de Mato
Grosso sempre se configurou como um grande problema para o seu desenvolvimento
educacional. Segundo o Diretor Geral da Instrução Pública, Sr. Francisco Ferreira Mendes, o
problema do ensino mato-grossense está na dependência da formação profissional dos
professores, pois sem esses, bem educados e bem formados, de nada adiantaria toda a
organização e empenho que se desse ao ensino, pois ele nunca atingiria a eficiência
(MENDES, 1942). Sem dúvida alguma, um dos fatores preponderantes que contribuiu para a
evolução desse quadro foi a extinção do Curso Normal, em 1937, através do Decreto nº 112,
pelo Interventor Júlio Muller, que alegava ter o Estado número suficiente de professores
diplomados. O que discorda Alves (1998) quando diz: “Este argumento era incompatível com
a realidade escolar em Mato Grosso, pois um dos maiores problemas destacados pelos
Presidentes do Estado era justamente o despreparo dos professores e das pessoas responsáveis
pela fiscalização do ensino” (ALVES, 1998, p.112-3). Assim, o Estado de Mato Grosso
passou onze anos sem o Curso Normal, o que caracterizou um grande atraso para o ensino.
Sobre isso Alves comenta:
91
Os professores passaram a receber habilitação para o magistério em cursos oferecidos de forma precária, deixando grandes lacunas na formação dos docentes mato-grossenses. Apesar de ter desagradado a maioria dos educadores, a extinção dos Cursos Normais foi aceita sem maiores questionamentos, devido ao regime ditatorial em vigor (ALVES, 1998, p. 113).
Desta forma, levando em consideração as mensagens governamentais daquela
época e a composição do corpo docente já existente no quadro efetivo da educação em Mato
Grosso, torna-se possível definir o perfil daquele professor que proveu as vagas do magistério
das classes de alfabetização localizadas para a Campanha.
O corpo de professorado muito deixa a desejar, pela deficiência que apresenta na sua preparação pedagógica e mesmo intelectual. Para isso concorreu grandemente a intervenção manifesta do partidarismo político na sua composição. Em matéria de ensino, diante da desorganização imperante, estamos na estaca zero, como podemos afirmar, valendo-nos de uma expressão em voga (COSTA, 1951, p. 29).
O procedimento de nomear professores através de favorecimento político era uma
herança que vinha sendo legada através de sucessivos governos desse Estado. A influência
nociva da política no setor de educação já era matéria de crítica nas mensagens
governamentais de décadas passadas.
O que faz mal ao ensino público não é essa dependência em que ele está ainda do governo; o que, todavia, lhe faz grandíssimo dano é o contágio da politicagem, fazendo do professor público o servidor de um partido, o galopim eleitoral, que escreve a ata e é o agente da cabala eleitoral. O que faz mal ao ensino é essa intromissão malsã do patronato nos cursos para provimento dos logares do magistério; o que faz mal à instrução popular é essa ausência de dedicação e de vocação sincera para a profissão eminente, de tão alta dignidade, ausência que transforma o magistério em um meio de vida, tirando-lhe essa finalidade tão digna e alevantada que interessa à grandeza da Pátria, por dizer de perto com o seu futuro político-econômico (ALBUQUERQUE apud MARCÍLIO, 1963, p. 144).
Sem dúvida alguma ao longo dos anos essa interferência política contribui, em
muito, para que professores sem formação nenhuma fossem efetivados sem concurso público.
92
Aliado a isso, tem-se a grande lacuna existente pela extinção das Escolas Normais por um
longo período, o que dificultava qualquer ação em prol da melhoria da qualidade profissional
do magistério mato-grossense. Neste sentido, em 1951, o então Governador do Estado de
Mato Grosso, Fernando Corrêa da Costa, em Mensagem à Assembléia Legislativa, reportou-
se da seguinte forma:
Fechadas as Escolas Normais que funcionavam no Estado, por deliberação do Governo Interventorial Júlio Müller, e que somente foram reabertas no Governo Arnaldo de Figueiredo, ficaram as escolas primárias privadas de normalistas. Entregou-se o ensino a leigos desprovidos de conhecimentos imprescindíveis ao exercício do magistério e, em muitos casos, semianalfabetos. Caiu por essa forma o nível do ensino, pela inferioridade ressaltante do professorado, enquanto, por outro lado, subiram as despesas com a disseminação de escolas em lugares de nula população estudantil (COSTA, 1951, p. 29).
A situação ainda ficará mais crítica com o passar dos anos, o que levou o então
Diretor do Departamento de Educação e Cultura de Mato Grosso, Sr. Antonio de Arruda
Marques, no ano de 1951, realizar minucioso estudo sobre a real situação do ensino neste
Estado, chegando a seguinte conclusão:
A conclusão deste estudo está a reclamar a necessidade do planejamento da distribuição das escolas em função da população escolar, retificando-se a desigualdade registrada, fruto de transitórias conveniências, em que as menores foram as do ensino, com encargo para o erário estadual e sacrifício da nossa infância entregue, criminosamente, a incapacidade, à negligência de indivíduos que só se preocupam em ser pensionistas do Estado, com o título de professor. Para conhecer-se o grau de capacidade dos professores em exercício, quer diplomados, quer leigos, planejou-se e realizou-se um concurso, mediante exames escritos – tipos test – na conformidade do processo usado pelo DASP, nos concursos federais. O resultado registrado foi o seguinte: a) Candidatos examinados,........................643 b) Aprovados,............................................489 c) Reprovados,...........................................154 O maior número de candidatos foi oferecido por Cuiabá, com 74 aprovados e 45 reprovados (COSTA, 1952, p.28). (grifo do autor)
93
Esse esboço bem reflete a precariedade da formação profissional dos professores, a
incompetência dos gestores educacionais com vista a solucionar este grave problema e, por
fim, a qualidade do ensino que era oferecido pelo Estado naquele período. E foi a partir desse
contexto histórico que se constituíram os quadros docentes das classes de alfabetização da
CEAA em Mato Grosso, com a nobre missão de resolver o problema dos elevados índices de
analfabetismo nesse Estado.
Para a regência das classes de alfabetização da Campanha em Mato Grosso, foram
designados, em grande maioria, professores da rede pública de ensino (COSTA, 1955, p.45).
Esses professores receberiam uma gratificação de Cr$ 300,00 mensais, por um período de oito
meses, conforme “Termo de Acordo Especial”.
O Setor de Orientação Pedagógica do SEA elaborou para a Campanha, como já
apontei, um material com instruções metodológicas, destinados aos docentes das classes de
alfabetização, com base no sistema “Laubach” processo de “silabação”. Esse sistema de
alfabetização fora escolhido pelos organizadores da campanha por diversas razões: a) na
prática do ensino de adultos, ele tem se revelado como mais produtivo; b) compreendido o
processo pelo aluno, desde as primeiras lições, com auxílio das “palavras chaves” que em
cada lição se apresentam, e que aparecem repetidas, nas lições seguintes, ele caminharia por
si, dominando facilmente novas palavras; c) sendo esse processo perfeitamente conhecido da
totalidade do magistério, seria de mais fácil emprego pelos professores e, ainda, por
voluntários individuais, que , em sua maioria, aprenderam por ele; d) seria também praticável
pelos próprios alunos, que poderiam se animar a ensinar outros analfabetos em suas casa, ou
na vizinhança, lição por lição (CAMPANHA, 1948, p. 30). A elaboração desse material tinha
como objetivo subsidiar o trabalho docente ante ao material produzido para os alunos, pois o
mesmo deveria ser interessante e adequado ao vocabulário do adulto.
Lembrai-vos de que os alunos vêm às aulas depois de um dia todo de trabalho e, portanto, fatigados. As explicações devem ser atraentes e vivas, com indicação de casos concretos, historietas, casos pitorescos. O aluno deve sentir-se atraído para o trabalho escolar, percebendo que nele emprega bem as suas horas disponíveis e que elas lhe são agradáveis (CAMPANHA, 1952 apud SOARES, 1995, p. 95).
Neste sentido, o “Primeiro Guia de Leitura”, material elaborado para o aluno,
apresentava temas simples sobre educação da saúde, higiene da alimentação, vida social,
94
princípios de economia individual, incitamento ao trabalho, direitos e deveres do cidadão.
Além disso, eram incluídos textos de poesias de boa qualidade, quadrinhas populares e
anedotas (CAMPANHA, 1948). Por outro lado, ao avaliar o material didático da Campanha,
Beisiegel (1974) afirma que o “Primeiro Guia de Leitura” em nada diferenciava, em seu
conteúdo, das demais cartilhas de alfabetização do ensino infantil. Ainda sobre isso, o mesmo
autor afirma que “quaisquer que fossem os conteúdos propostos para o movimento, o alcance
dos trabalhos ficava limitado às precárias possibilidades do pessoal docente engajado”
(BEISIEGEL, 1974, p. 128).
Em relação a essa questão, a localização de exames finais de alunos de três Escolas
Supletivas de Mato Grosso possibilitou, de certa forma, conceber que procedimentos
metodológicos e conteudistas foram utilizados nas classes de alfabetização neste Estado e,
ainda, constatar que tais procedimentos não eram compatíveis com as práticas pedagógicas
pensadas pelo Departamento Nacional para o ensino supletivo neste período. Em outras
palavras, foi possível perceber que a metodologia de trabalho e os conteúdos desenvolvidos
nas Escolas de Ensino Supletivo eram em tudo semelhante aos desenvolvidos no ensino
infantil. Tal fato, segundo Moura (2004), deve-se a resistência de um grupo de educadores
que insistiam em desenvolver suas práticas a partir de modelos, cartilhas e outros recursos
utilizados na alfabetização infantil, o que pode ser observado nos documentos abaixo:
Figura 5: Exame final da Escola Supletiva do “Bairro do Baú”, Cuiabá, 1947. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT.
95
Figura 6: Exame final da Escola Supletiva do “Bairro do Baú”, Cuiabá, 15 de dezembro de 1947. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT.
Outros estudos seriam necessários para uma análise mais aprofundada sobre a
metodologia e a forma de avaliar apresentadas nesses documentos o que , neste momento, não
é de grande relevância no âmbito desta pesquisa. Entretanto, ao observar estes documentos
surge a necessidade de refletir como foram pensados a alfabetização, o analfabeto e o
alfabetizador naquele contexto histórico.
Neste sentido, pode-se dizer que a visão que se tinha da alfabetização, neste
período, era que esta seria capaz de eliminar o fenômeno da ignorância. Acreditava-se ainda
96
que a alfabetização pudesse transformar os analfabetos em pessoas produtivas e capazes de
servir aos interesses das classes dominantes, ou seja, deveria contribuir para a transformação
da realidade social. Desse modo, o problema da alfabetização passou a ser uma questão de
mobilização mundial, incentivada principalmente pela UNESCO, que logo concluiu que
somente o desenvolvimento de um processo educativo poderia estimular o desenvolvimento
social e econômico de uma nação e assim, promover a melhoria das condições de vida da
população. Nesta perspectiva, a UNESCO sugere que a alfabetização fosse pensada como:
[....] um processo global e integrado, de formação técnica e profissional do adulto – em sua forma inicial – feito em função da vida e das necessidades do trabalho; um processo educativo diversificado, que tem por objetivo converter os alfabetizados em elementos conscientes, ativos e eficazes na produção e no desenvolvimento em geral. Do ponto de vista econômico, a alfabetização funcional tende a dar aos adultos iletrados os recursos pessoais apropriados para trabalhar, produzir e consumir mais e melhor. Do ponto de vista social, a facilitar-lhes sua passagem de uma cultura oral a uma cultura escrita, a contribuir para sua melhoria e do grupo [...] (BEISIEGEL, 1974, p. 83).
Esse conceito foi rapidamente absorvido no Brasil, que passou a refletir sobre a
necessidade de ampliar os serviços educacionais oferecidos aos jovens e adultos analfabetos
através de um programa de alfabetização em massa.
Quanto ao analfabeto este era visto como um ser marginal e incapaz, privado de
seus direitos e deveres de cidadão ou seja, aquele que não exercia a sua cidadania, “era um
brasileiro frusto: um brasileiro pela metade”40. A incapacidade do analfabeto não era
simplesmente política era também um problema de definição social. Ele não estaria preparado
para as atividades apropriadas à vida adulta e, por isso, deveria viver à margem como
elemento sem significação e incapaz de tomar decisões, ou seja, era um “adulto-criança”41.
Quanto ao alfabetizador, esse teria a missão de refazer a estrutura moral de seus
alunos, dar-lhe outra mentalidade. Essa missão deveria ser enfrentada pelo professor como
uma tarefa cívica, o que justificaria o recebimento de uma gratificação tão irrisória.
Entretanto, para muitos, o corpo de professorado neste período deixava muito a desejar, era
40 Termo utilizado pelo Professor Cândido Jucá (Filho), na Tese apresentada no I Congresso Nacional de Educação de Adultos, sob o título de :”Uma Mística a Serviço da Alfabetização”, In: Anais do I Congresso Nacional de Educação de Adultos, 1947 – 1950, p.54. 41 RUDOLFER, Noemy Silveira, Psico-pedagogia do adolescente e do adulto analfabeto. In: Fundamentos e Metodologia do Ensino Supletivo apud PAIVA ,1987, p.186.
97
ineficiente, sem preparação pedagógica e de nível intelectual baixo e, por causa disso o ensino
no Estado estava na estaca zero42.
A partir dessa compreensão, pode-se perguntar: como este professor, fruto de um
sistema educacional deficitário, poderia desempenhar suas atividades docentes sem reproduzir
o que lhe fora transmitido? Por isso, recuo diante de uma possível crítica negativa sobre o
desempenho deste professor, visto que é difícil de entender por que num determinado
contexto, com um determinado público, ensina-se uma coisa e não outra. Além disso, a
prática pedagógica deste professor fora fundamentada em uma educação obtida em alicerce de
bases fracas. Por isso, hesito em acreditar que estes professores, que participaram da
Campanha, em sua singular condição de educadores, não tenham dado o melhor de si diante
das condições que lhe foram oferecidas naquele contexto histórico, pois “ensinar e aprender
supõe esforços, custos, sacrifícios de toda a natureza. Por isso é preciso que no sentido
próprio da palavra, aquilo que se ensina valha a pena” ( FORQUIN, 1992, p.44).
O documento que apresento a seguir – “Folha de Pagamento 43 - testemunha uma
parte da história da Campanha. Dele pode-se deduzir que em fevereiro de 1948, pelo menos,
quinze professores atuaram com a alfabetização de jovens e adultos neste Estado, sendo, por
isso, “devidamente” remunerados.
42 Era a opinião de vários Governadores do Estado de Mato Grosso, quando se reportavam através de Mensagens à Assembléia Legislativa. 43 Havia de minha parte um grande desejo em localizar sujeitos que tivessem vivenciado esse momento histórico e estivessem dispostos a compartilhar dessa experiência. Por isso, quando localizei o documento “Folha de Pagamento”, referente aos professores que atuaram na Campanha em Mato Grosso, tive a esperança de concretizar esse desejo. Então, a partir desse documento iniciei uma busca pela localização dos 15 professores que constavam naquela lista, o que não obtive sucesso, pois dos 15 professores listados, só consegui localizar 3, porém , os mesmos já haviam falecidos e, suas famílias não quiseram prestar nenhuma declaração
98
Figura 7: Folha de Pagamento de Professores do Estado de Mato Grosso, referente ao mês de outubro de 1947. Arquivo Público de Mato Grosso - APMT, Caixa 1947 E.
A localização desses sujeitos representaria para esta pesquisa a possibilidade de
confronto entre fontes e dados institucionais com as narrativas de sujeitos que fizeram parte
desse contexto histórico. Nesta perspectiva, o levantamento de fontes orais justifica-se pela
necessidade de compreender determinados fatos que muitas vezes são filtrados ou dificultados
pelas versões oficiais e, ainda, poder conhecer a consciência individual e coletiva que fizeram
parte desse momento passado. A história oral de vida é uma alternativa de visão de mundo, já
bastante usada em pesquisa do tipo histórica, porque se interessa pela história dos silenciados
e de todos aqueles que aparentemente não têm história. Por isso, a simples possibilidade de
poder nomear esses sujeitos, saber em que escolas trabalhavam, quanto ganhavam e para
quem prestavam contas, contribuiu para uma melhor compreensão das normatizações e
concretizaçãoes que foram legitimadas no âmbito da CEAA em Mato Grosso. A não
99
localização desses sujeitos me obriga a reconhecer que uma parte interessante da história da
CEAA em Mato Grosso não foi contada, que foi a história desses professores, que para esta
pesquisadora foram silenciados pelo tempo passado.
3.4.2 A Segunda Fase da Campanha
As atividades da CEAA até o final da década de 50 conseguiram manter um ritmo
de ascensão e de entusiasmo. Os resultados conseguidos nesses primeiros anos haviam sido
positivos: a Campanha de Educação de Adultos havia instalado com recursos federais, 10.416
classes de alfabetização, 416 a mais do que fora previsto para o primeiro ano; em 1948 foram
instaladas 14.110 classes; em 1949, foram instaladas 13.880 classes de alfabetização um
número um pouco abaixo do que havia sido previsto para esse ano; em 1950 o número de
classes instaladas totalizou 15.384, também abaixo do que havia sido previsto, porém não
comprometia a dimensão do sucesso quantitativo obtido pela CEAA44. Além disso, o índice
de analfabetismo reduziu de 55% na década de 40, para 49,3% na década de 50.
Contudo, a partir de 1951 o aspecto de seriedade técnica da Campanha fora
enfraquecendo, também surgem críticas relacionadas à qualidade de ensino oferecida, à falta
de professores que não queriam assumir as classes de alfabetização por uma remuneração tão
irrisória, ao desinteresse do voluntariado e a desorganização dos serviços estaduais
encarregados da implementação da Campanha (PAIVA, 1987). De certa forma, essas críticas
já haviam sido prenunciadas anteriormente por ocasião do Seminário Interamericano de
Educação de Adultos, em 1949, realizado no Brasil sob o patrocínio da UNESCO. Este
Seminário tinha como objetivo encontrar uma solução segura para o problema do
analfabetismo a partir das experiências vivenciadas por diversos países além do Brasil, que
estavam desenvolvendo Campanhas de Alfabetização, como: México, Venezuela, e
Guatemala. Na Opinião de Paiva,
O Seminário, entretanto, não se restringiu ao exame dos problemas específicos da educação dos adultos, voltando-se também para os problemas de inadequação e insuficiência da escola primária, responsáveis pelos elevados
44 Sinopse Retrospectiva do Ensino no Brasil – 1871/1956. Serviço de Estatística da educação e Cultura, Rio de Janeito,1958 apud BEISIEGEL, 1974, p. 123.
100
índices de analfabetismo no continente. Manifestavam seus participantes a consciência de que as campanhas de alfabetização não resolveriam o problema, que se faziam necessários verdadeiros sistemas de educação de adultos ao lado de uma atenção especial a ser dada aos problemas do ensino primário comum. Entretanto, reconheciam eles que o problema da educação das massas eram de ordem social e não estritamente pedagógicas (PAIVA, 1987, p.195-6)
Esta orientação estaria vinculada ao desenvolvimento comunitário que deveria ser
disseminado através de missões educativo-culturais que tivessem penetrabilidade na zona
rural, onde os índices de analfabetismos eram mais alarmantes. Por este motivo, a Educação
de Adultos estava vinculada diretamente à solução dos problemas rurais. Esta orientação foi
efetivada em um Manual de Educação dos Adultos saído do Seminário, onde fora sugerida a
criação de uma Missão Rural de Educação de Adultos.
As Missões Rurais seriam uma extensão da CEAA, que pretendia instrumentalizar
a população rural para que esta pudesse se organizar socialmente e economicamente, e com
isso impulsionar o desenvolvimento no interior do país. Para isso, o Ministério da Educação e
Saúde em ação conjunta com o Ministério da Agricultura, montaram uma equipe de
especialistas em diferentes áreas de atividades, como: medicina, enfermagem, educação
sanitária, agronomia, educação doméstica, administração e logística – para desenvolverem
através de cursos, devidamente adaptado para cada realidade local, um programa educacional
com base nas técnicas de ação individual e comunitária. Os conteúdos desses programas
deveriam proporcionar a essa população rural novas tecnologias para que pudessem
acompanhar a evolução e a modernização da sociedade. Para isso os programas educacionais
foram assim definidos:
Na área da economia doméstica, por exemplo, incluiriam a discussão de noções relativas à qualidade, ao preparo e à conservação higiênica dos alimentos e a demonstração práticas de técnicas de plantio de hortaliças e de ‘criação de galinha’ etc. O grupo setorial da agropecuária, por sua vez, além de difundir conhecimentos relativos ao setor, realizaria demonstrações práticas de procedimentos racionais de defesa e conservação do solo, de combate à broca do café, aos carrapatos e às pragas diversas, de irrigação, plantação de novas espécies de vegetais mais produtivos, preparação de fertilizantes com recursos locais e etc. O setor médico sanitário incluiria, em seus programas de atuação, entre outros aspectos e além da difusão de noções relativas à preservação da saúde, a demonstração prática de procedimentos relativos à construção de privadas higiênicas e aos cuidados a serem adotados no consumo de água, frutas e verduras (BEISIEGEL, 1974, p,102)
101
Mesmo não tendo um prazo definido de duração, as Missões Rurais deveriam atuar
nas comunidades até que estas criassem autonomia e pudessem solucionar sozinhas seus
problemas. Na verdade, o objetivo das Missões Rurais era valorizar o homem do campo,
aproveitando o seu potencial e melhorando sua condição de vida local através de um trabalho
educativo em todos os setores (médico-sanitário, econômico, intelectual, moral e cívico) e
ainda estimular a formação de um espírito comunitário.
Na avaliação de Paiva (1987, p. 200), “embora os resultados da experiência não
possam ser considerados altamente positivos, sua influência se fez sentir de modo marcante
sobre a evolução da estratégia adotada para a grande arte da educação de base no meio rural
brasileiro”. Neste sentido, as missões rurais seriam a continuidade e o aprofundamento de um
processo de “educação de base” que teve seu início com a oferta de cursos do ensino supletivo
para todos os adolescentes e adultos (BEISIEGEL, 1974).
Lançada experimentalmente em Itaperuna, município do Rio de Janeiro, a Missão
Rural teve seu início em 1950 e deu origem à Campanha Nacional de Educação Rural, dos
anos de 1952 até 1963. As atividades desenvolvidas pela Campanha Nacional de Educação
Rural (CNER) tinham dois pontos de apoio fundamentais: As Missões Rurais, cuja
metodologia derivava da experiência de Itaperuna e os Centros de Treinamento destinado a
professores leigos além de cursos especiais para capacitação de pessoal da própria campanha.
Como afirma Paiva:
Pretendia a CNER contribuir para acelerar o processo evolutivo do homem rural nele despertando o espírito comunitário, a idéia de valor humano e o sentido de suficiência e responsabilidade para que não se acentuassem as diferenças entre a cidade e o campo em detrimento do meio rural onde tenderiam a enraizar-se a estagnação das técnicas de trabalho, a disseminação de endemias, a consolidação do analfabetismo, subalimentação e o incentivo às superstição e crendices (PAIVA, 1987, p. 197.).
Pode-se dizer que a CNER desenvolveu suas atividades de forma semelhante a das
Missões Rurais, procurou promover entre as populações rurais a consciência do valor da
entre-ajuda para que os problemas locais pudessem ser resolvidos e seu trabalho se
consolidava e institucionalizava através da criação de Centros Sociais de Comunidade.
Contudo, os resultados da Campanha não foi o esperado, mesmo mantendo 18 missões em
funcionamento, sua rentabilidade era escassa, pois, quando as missões eram retiradas das
102
comunidades, essas não tinham autonomia suficiente para dar continuidade aos trabalhos
desenvolvidos pelas missões, o que obviamente significava o fracasso da Campanha. Feita
esta constatação, a CNER começou a ter seus recursos reduzidos pelo Ministério da Educação
e Saúde e com isso suas atividades foram reduzindo progressivamente até sua extinção em
1963, justamente com as demais campanhas do MEC.
A partir de 1954 era visível o enfraquecimento dos trabalhos desenvolvidos pela
CEAA, as atividades da Campanha começaram a sofrer interferências de novas orientações
imprimida à política educacional da União por novas administrações (BEISIEGEL, 1974).
Preocupado com o enfraquecimento das Campanhas, o DNE busca novas soluções
para o problema do analfabetismo no Brasil. Foi, portanto, nesse contexto que em janeiro de
1958 foi criada a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA), que previa a
ampliação da rede escolar, atendendo crianças de 7 a 11 anos de idade, a população com mais
de 11 anos e menos de 15 anos de idade e oferecer classes de alfabetização para os maiores de
15 anos de idade. “A ação da Campanha, embora previsse inicialmente o combate ao
analfabetismo em todas as faixas etárias, acabou limitando-se ao ensino infantil, em uma
expansão do sistema regular de ensino” (SOARES, 1995, p. 122). “Sob esse aspecto as
experiências da CNEA eram conclusivamente contra as campanhas de massa, enfatizando o
papel da escolarização primária das crianças como solução para o problema do
analfabetismo” (PAIVA, 1987, p. 217).
Na segunda metade da década de 1950, o Brasil entra numa nova fase política, o
que possibilitava uma maior reflexão sobre os problemas educacionais e principalmente sobre
o ainda tão elevado índice de analfabetismo no país. Com mais liberdade, vários grupos se
organizaram no sentido de promover novos programas de educação de adultos, visto que, os
programas de educação de massa lançados após a queda do Estado Novo, não mais se
configuravam como um movimento de mobilização nacional. Em resposta a isso, o governo
federal convoca em 1958 o II Congresso Nacional de Educação de Adultos, onde,
oficialmente fora reconhecido o fracasso da Campanha. Nesta perspectiva argumenta Paiva:
Dez anos após o seu lançamento, a CEAA já não oferecia uma orientação aceitável para a solução do problema da educação dos adultos. Ela demonstrava, entretanto, que o caminho da campanha de massa não parecia muito adequado e seu fracasso era um estímulo para que novos grupos buscassem novas soluções para o problema, tal como era solicitado pelo governo federal ao convocar o Congresso (PAIVA, 1987, p. 192).
103
O II Congresso Nacional de Educação de Adultos realizou-se no Rio de Janeiro,
entre 09 e 16 de julho de 1958, sob a coordenação do Diretor Geral do Departamento
Nacional de Educação Heli Menegale. Seu objetivo seria o estudo do problema da educação
dos adultos em seus múltiplos aspectos, visando seu aperfeiçoamento. Também seriam
analisados formas e aspectos sociais da educação de adultos, seus problemas de organização,
administração, métodos e processos pedagógicos (II CONGRESSO apud PAIVA, 1987, p.
207). O II congresso marcou a mudança do pensamento pedagógico brasileiro por enfatizar a
necessidade de uma melhor abordagem metodológica e pela reflexão em favor da educação
da população adulta capaz de intervir na vida política do país.
Durante o Congresso, quatro grandes temas foram discutidos entre os congressistas
com base nas 210 teses inscritas para esse encontro.
A primeira temática discutida dizia respeito ao “Levantamento e análise da
evolução e da situação atual da educação no Brasil”. Durantes os debates foi enfatizada a
necessidade de discutir com profundidade algumas questões: o papel do voluntariado na
Campanha, que a essa altura já não era tão entusiasta; a baixa freqüência e a evasão escolar; a
péssima estrutura física em que se encontravam os prédios em que funcionavam as classes de
alfabetização; a falta de experiência das pessoas encarregadas pelos cursos e Campanhas; o
caráter puramente alfabetizador dos cursos e a inadequação do material didático (II
CONGRESSO apud SOARES, 1995).
A segunda temática discutida foi “A educação de adultos: suas finalidades, formas
e aspectos sociais”. Sobre essa temática a comissão chegou a seguinte conclusão: a educação
de adulto não pode se limitar apenas na alfabetização pura e simples e promover a
qualificação profissional do adulto. Foi para essa comissão que Paulo Freire apresentou um
relatório intitulado “A Educação de Adultos e as Populações Marginais: Problema dos
Mucambos”, durante os debates sobre a educação de adultos e as populações marginais. As
novas concepções trazidas nos estudos de Paulo Freire seriam posteriormente a base do
sistema de ensino e à teorização de Paulo Freire na próxima década (II CONGRESSO apud
SOARES, 1995).
A terceira temática tinha como título “A educação de adultos e seus problemas de
organização e administração”. Essa temática proporcionou mais uma vez um aprofundamento
nas reflexões sobre problemas enfrentados pela CEAA, como: a precariedade dos prédios
escolares; os problemas de freqüência e rendimento escolar; inadequação dos métodos de
ensino; dificuldades pessoais enfrentadas pelos alunos, ajustamento familiar e profissional;
problemas com o alcoolismo, êxodo e migrações; a falta de qualificação profissional do
104
professor de adulto; o baixo salário recebido pelos professores e o despreparo desses para
lidar com os adultos. Como sugestão a comissão propõe que o professor passe por um
processo seletivo mais rígido, que seja avaliada sua personalidade e seus conhecimentos
específicos (II CONGRESSO apud SOARES, 1995).
A última temática era sobre “Os métodos e processos da educação de adultos”.
Esse tema basicamente direcionou as discussões para os problemas relativos à ineficiência do
material didático utilizado com os adultos; questões metodológicas e uma melhor adequação
do material de acordo com cada região. Com base nessas discussões a comissão anunciou a
publicação de um novo guia de leitura “Deca, o pescador vitorioso”, e guias especiais para o
sexo feminino e masculino (II CONGRESSO apud SOARES, 1995).
Todas as questões debatidas durante o Congresso mostravam claramente que a
CEAA estava agonizante, pois suas bases e suas concepções haviam sido frágeis e seus
objetivos não mais satisfaziam os anseios de uma sociedade desenvolvimentista. A convicção
de que o país passava por grandes transformações políticas foi incorporada nos vários
discursos de autoridades durante o Congresso. Neste sentido, Paiva destaca alguns trechos do
discurso do Presidente Juscelino Kubitschek, por ocasião do Congresso:
Ele diria ‘preparo intensivo, imediato e prático aos que, ao se iniciarem na vida, se encontram desarmados dos instrumentos fundamentais que a sociedade moderna exige para a completa integração nos seus quadros: a capacidade de ler e escrever, a iniciação profissional técnica, bem como a compreensão dos valores espirituais, políticos e morais da cultura brasileira’. [....] ‘O Governo espera deste Congresso não somente o exame crítico dos processos e métodos e dos resultados dos planos de educação de adolescentes e adultos levados a efeito pelo MEC, pelos Estados, municípios e entidades privadas e religiosas, mas também, e principalmente, a formulação de uma doutrina sobre a matéria, que deverá orientar governo e particulares no planejamento e na condução dos programas de educação de adultos, em face das condições do país, em rápida e contínua transformação’ (PAIVA , 1987, p.207 -208).
Era marcante em todos os discursos proferidos por autoridades durante o
Congresso o papel da educação de adultos no processo de desenvolvimento econômico do
país, principalmente em termos de formação de recursos humanos.
105
A formação de mão de obra qualificada para a indústria passa a definir toda a preocupação desencolvimentista com a política educacional. Sua base é a educação voltada para o trabalho, tendo no mercado de trabalho o seu ponto básico de referência. A pretensão é torná-la técnica, especializada na medida do esforço técnico necessário para o tipo de desenvolvimento que se busca. Isto é, trata-se de uma educação que tem por finalidade adequar as novas gerações ao projeto de desenvolvimento em curso, com ela completando os elementos constitutivos do seu suporte na estrutura social (CARDOSO, 1978, p.429).
A idéia de se investir nos chamados recursos humanos tem como base os conceitos
defendidos por Schultz em sua obra “O Capital Humano”, que defendia a idéia de que as
pessoas compõem o capital de cada país, e que a educação é um investimento que nele se faz:
Proponho, por isso mesmo, tratar a educação como um investimento e tratar suas conseqüências como uma forma de capital. Dado que a educação se torna parte da pessoa que a recebe, referir-me-ei a ela como capital humano [...]. A principal hipótese que está subjacente a este tratamento da educação é a de que alguns aumentos importantes na renda nacional são uma conseqüência de adições a esta forma de capital (SCHULTZ, 1973, p.79).
Em síntese, a Teoria do Capital Humano fundamenta-se na crença de que a melhor
capacitação do trabalhador aparece como fator de aumento de produtividade. A "qualidade"
da mão-de-obra obtida graças à formação escolar e profissional potencializaria a capacidade
de trabalho e de produção. Na opinião de Frigotto (1995), essa teoria teve um impacto
expressivo no Terceiro Mundo, sendo considerada uma alternativa para se alcançar o
desenvolvimento econômico, para se reduzirem as desigualdades sociais e para se aumentar a
renda dos indivíduos. Ainda esse mesmo autor afirma que a Teoria do Capital Humano liga-se
a perspectiva tecnicista e com isso:
A visão do capital humano vai reforçar toda a perspectiva da necessidade de redimir o sistema educacional de sua ‘ineficiência’ e, por sua vez, a perspectiva tecnicista oferece a metodologia ou a tecnologia adequada para constituir o processo educacional como investimento – a educação geradora de um novo tipo de capital – o capital humano. A educação, para essa visão, se reduz a um fator de produção (FRIGOTTO, 1993, p. 121).
106
O II Congresso pode ser considerado um marco histórico para a educação de
adultos, por repercutir uma grande preocupação dos educadores em torno de novas
concepções e novos objetivos para a alfabetização de adultos.
[...] marcava o Congresso o início de um novo período na educação dos adultos no Brasil, aquele que se caracterizou pela intensa busca de maior eficiência metodológica e por inovações importantes nesse terreno, pela reintrodução da reflexão sobre o social no pensamento pedagógico brasileiro e pelos esforços realizados pelos mais diversos grupos em favor da educação da população adulta para a participação na vida política da Nação ( PAIVA,1987, p. 213).
Toda essa movimentação em prol da educação de adultos estava atrelada a um
novo processo político, que redefinia um novo cenário econômico e social no Brasil e que
deveria servir de base para o crescimento industrial do País. Nesse contexto, a concepção da
educação como instrumento de transformação da estrutura social ganha força. Não mais se
admitia pensar no adulto analfabeto como um ser imaturo e incapaz, impossibilitado de
interferir na vida política do país. Não mais interessava desenvolver atividades de educação
de adultos que reproduzissem um eleitorado acrítico e, sim, desenvolver um processo
educativo capaz de promover a conscientização política dos setores populares e incentivar a
sua organização e autonomia, possibilitando aos alunos o seu engajamento no processo de
transformação social. Nesse contexto, é possível observar que no final da década de 50 e
início da década de 60 era marcante o interesse de intelectuais e estudantes no processo
político-cultural do país.
Pretendiam todos a transformação das estruturas sociais, econômicas e políticas do país, sua recomposição fora dos supostos da ordem vigente; buscavam criar a oportunidade de construção de uma sociedade mais justa e mais humana. Além disso, fortemente influídos pelo nacionalismo, pretendiam o rompimento dos laços de dependência do país com o exterior e a valorização da cultura autenticamente nacional, a cultura do povo (PAIVA, 1987, p.230).
Entretanto, toda essa euforia em torno da participação política das massas no
processo político do país, questão tão defendida durante o II Congresso não mereceu a devida
107
atenção dos redatores da Carta de Princípios45, solicitada pelo Presidente da República e que
deveria servir de diretrizes para a atuação do governo em matéria de educação de adultos.
Elementos conservadores, presentes no congresso, predominaram na comissão de redação da
Carta de Princípios solicitada pelo Presidente da República, pois não foram as conclusões do
congresso que orientaram sua redação (PAIVA, 1987, p.212). Ainda na avaliação desta
autora,
[...]ao contrario, a Carta demonstra uma excessiva preocupação com os efeitos da mudança social, afirmando que o povo deve ser preparado ‘para o cumprimento dos novos deveres e gozo de justos direitos, sem sacrifício dos valores sociais e morais a preservar, pois, em caso contrário, a sociedade corre perigo de abismar-se no caos’. Ignorando as claras referências à inoperância da CEAA, encontradas na maioria das teses apresentadas ao Congresso, a Carta assinala o esforço já realizado; quando muitos representantes estaduais haviam reclamado por ajuda federal, devido aos escassos recursos de algumas unidades da federação, a Carta recomendava ao governo o condicionamento da ajuda ao cumprimento do preceito constitucional de ‘gratuidade e universalidade’ da instrução da instrução primária (PAIVA, 1987, p. 212).
Ao final do documento a comissão redatora conclui que:
O II Congresso reafirma os seus ideais baseados na educação extensa do povo para a produtividade, sem, no entanto, o esquecimento dos valores morais e espirituais que o devem sempre inspirar E relembra que, já em 1920, o historiador inglês H.G. Wells escrevia: ‘A humanidade contempla, cada vez mais, o espetáculo de uma desabalada corrida entre a educação e a catástrofe’. Os educadores que firmam este documento têm a certeza de que a Nação brasileira saberá escolher (CARTA DE PRINCÍPIOS in: REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS, 1958, p.23-24).
A incoerência entre as conclusões do que foi defendido durante o Congresso e a
Carta de Princípios comprova uma intensa disputa por hegemonia de tematizações e
normatizações. Isso significava que coexistiam nessa época duas concepções de educação:
uma que concebia a educação como formadora da consciência nacional e instrumentalizadora
de transformações políticos-sociais profundas na sociedade brasileira; e outra que a entendia
45 A Carta de Princípios foi transcrita na integra na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos Rio de Janeiro, INEP, nº 71, p.22-24, julho/setembro 1958.
108
como preparadora de recursos humanos para as tarefas da industrialização, modernização da
agropecuária e ampliação dos serviços. A falta de unanimidade dentro do próprio governo em
relação ao projeto desenvolvimentista fez com que, de um lado, grupos e movimentos que
defendiam a primeira concepção, a que mais se aproximava do projeto desenvolvimentista,
objetivassem a hegemonia de suas tematizações. Por outro, aqueles que defendiam a segunda
concepção que concebiam a questão da educação a partir de uma abordagem mais técnica, o
que acontecia dentro do próprio MEC, lutavam pela hegemonia de suas normatizações.
Pode-se dizer que essa disputa entre tematizadores e normatizadores foi marcante
no final da década de 50 e início da década de 60, entretanto, essa disputa não inibiu a
atuação de movimentos realizados pela sociedade em parceria ou não com o Estado, na
organização e execução de experiências educativas de alfabetização e conscientização. Essas
experiências e as disputas ideológicas que as envolviam representaram um marco na história
da educação brasileira, que ficou conhecido como o período (1960 a 1964) de educação
popular.
Paralelamente a isso, o governo tenta ressuscitar a CEAA e toma uma série de
medidas com esse objetivo: diversificação do material didático; publicação do “Manual do
Professor Voluntário”; criação de “Centros Sociais de Trabalho”, com atividades para ocupar
o tempo livre dos jovens como: fotografia, trabalhos em metal e madeira, conserto e
montagem de aparelhos de rádio e televisão – para rapazes – e educação doméstica, arte
culinária, costura, primeiros socorros, decoração – para as moças (SOARES, 1995).
Apesar das novas medidas, a Campanha Nacional de Educação de Adolescentes e
Adultos não conseguiu mais se reestruturar e sobrevive de forma precária até o ano de 1963,
quando todas as Campanhas são extintas pelo governo federal.
3.4.3 A Segunda Fase da Campanha em Mato Grosso
Faz-se necessário ter uma visão global das condições do ensino público mato-
grossense nesse contexto, porque de certa forma elas irão balizar nosso entendimento sobre as
condições em que foram desenvolvidas as atividades da Campanha nessa segunda fase.
Em Mato Grosso, o início da década de 1950 traz consigo os velhos problemas do
setor educacional mato-grossense. Ainda era grave o problema do corpo docente,
principalmente na zona rural; era preocupante o problema da falta de fiscalização; a estrutura
109
dos prédios escolares deixava muito a desejar, e, ainda, a ausência de diretrizes pedagógicas.
E foi destacando esses problemas que o Governador Fernando Corrêa da Costa pronunciou-se
à Assembléia Legislativa, em 1951:
[...] o problema do ensino tem aspectos difíceis para nós, na zona rural, a começar pela obtenção do professor, [..] Mas por outro lado se observa, como dificuldade a acrescer às que existem, a resistência dos professores em aceitar o exercício do magistério na zona rural. Realmente, para o citadino, a vida rural é profundamente desagradável pela carência das atrações a que está afeiçoado, requerendo-se uma readaptação que a muitos constrange sobremaneira. Assim constantemente se verifica que, obtida a nomeação que porfia em conseguir, o nomeado busca em seguida transferir-se para os centros urbanos. Para corrigir-se essa situação, pensamos que, obrigatoriamente, o ingresso no magistério primário devia começar pela zona rural. [...] Os professores na zona rural, sem a menor fiscalização, como presentemente se encontram, negligenciam no cumprimento da sua tarefa. Dessa falta de fiscalização também se ressente o ensino nas cidades. Faz-se mister a criação de um quadro de inspetores itinerantes (COSTA, 1951, p. 29-30).
Em relação à falta de estrutura dos prédios escolares, o Governador Fernando
Corrêa da Costa, assim se expressa:
O desconforto dos prédios e a falta de equipamento para o funcionamento das classes, como seja a carência de carteira, quadros negros, mapas, etc.., desestimula os professores e afastam também os alunos da freqüência.[...] Nos núcleos coloniais de Paulista e Lageadinho, as crianças sentavam-se em pilhas de adôbos ou em bancos que também serviam de mesa, havendo a diferença de 10cms de altura entre essas duas espécies de bancos utilizados, de sorte que o aluno, para escrever, encolhia-se sobre o que servia de mesa, numa curvatura de mais de 90º, tornando-se um verdadeiro castigo a tarefa da escrita (COSTA, 1951, p. 30).
As dificuldades eram tão grandes no setor educativo, nesse início de década, que o
Governador Fernando Corrêa solicitou ao Ministério da Educação que fosse posto a
disposição do estado um técnico para assumir a direção do Departamento de Educação e
Cultura, de modo que pudesse orientar e dirigir o ensino neste estado (COSTA, 1951).
Analisando esse contexto, percebe-se que a falta de estrutura do ensino mato-grossense
transcendia os aspectos técnicos e metodológicos da questão e se concentravam basicamente
110
nos aspectos relacionados a recursos humanos, ou seja, a falta de profissionais capacitados
para administrar e imprimir um ensino de qualidade neste estado.
Contudo, a chegada do novo diretor para o Departamento de Educação e Cultura,
Professor Antônio de Arruda Marques, trouxe novo ânimo para este setor, principalmente no
que se refere à reorganização administrativa desse departamento. Ao assumir o cargo, o
Professor Antônio Arruda Marques fez um balanço geral da situação do ensino e, logo em
seguida, instituiu um curso de férias intensivo para professores:
Para adestrar leigos nos conhecimentos pedagógicos e atualizar os dos diplomados, foram instituídos cursos de férias, que se iniciaram em julho passado na Capital, Campo Grande e Dourados e prosseguiram nas férias de fim de ano em Cuiabá, Campo Grande, Corumbá, Cáceres, Três Lagoas, Aquidauana, Ponta Porá, Dourados, Amambaí, Coxim, Guiratinga, Poxoreu, Poconé e Rosário do Oeste. Neste segundo período a freqüência subiu a 300 professores. Ministraram-se ensinamentos de português, aritmética, geografia, história, higiene etc. O encerramento, com a entrega dos competentes diplomas, teve caráter festivo (COSTA, 1952, p. 27).
A partir desses dados, foi possível presumir que houve realmente uma grande
preocupação desta administração em qualificar o seu professorado. Entretanto, a insuficiência
de dados não nos permitiu analisar de que forma essa qualificação aconteceu, qual era a
formação desses profissionais que ministraram esses cursos e nem o que o que estes cursos
representaram para os professores participantes. Contudo, ao longo deste trabalho, será
possível encontrar alguns indícios que confirmem se houve uma mudança na atuação
pedagógica desses professores.
Outro grande desafio para o Professor Antonio Arruda Marques foi reorganizar a
estrutura administrativa do Departamento.
O departamento de Educação e Cultura ressente-se de aparelhamento adequado ao desempenho de sua alta missão, tanto de pessoal como de material e instalações. Os seus serviços burocráticos se estruturavam em processos anacrônicos e complicados, originando acanhado rendimento nos seus trabalhos. Graças aos esforços do seu atual diretor, professor A. Arruda Marques, que trouxe do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos os conhecimentos de que se forma o cabedal técnico, os serviços do Departamento se atualizaram e tomaram feição pragmática (COSTA, 1952, p, 27).
111
A partir dessas informações, foi possível deduzir que a falta de dados sobre a
CEAA, observada nos relatórios anteriores, poderia ser explicada pela desorganização desse
Departamento, como relatou o Governador do Estado na mensagem acima citada.
Ainda, neste mesmo relatório, o Governador Fernando Corrêa da Costa fez um
esboço dos empreendimentos feitos para a CEAA nos primeiros quatro anos de sua existência.
Ano Auxílio atribuído Auxílio entregue Comprovação feita
Saldo a favor do Ministério
1947 240.000,00 160.000,00 100.600,00 59.400,00 1948 437.500,00 332.500,00 269.248,38 63.259,62 1949 490.000,00 330.000,00 305.301,40 24.658,60 1950 440.000,00 189.000,00 167.641,20 21.658,80
1.608.500,0 1.011.500,0 842.782,98 168.717,02 Fonte: Mensagem apresentada pelo Governador Fernando Corrêa da Costa à Assembléia Legislativa. 1952, p.32. Arquivo público de Mato Grosso – APMT – Livro nº. 79
Analisando a situação exposta no quadro acima, foi possível concluir que o
Ministério da Educação estava cumprindo com o que fora estabelecido nos termos de “Acordo
Especial” celebrado entre o Ministério e o Governo de Mato Grosso. Contudo, a falta de
comprovação das despesas efetuadas pelo Estado por conta do auxílio federal ocasionou o não
recebimento desta cota em sua totalidade.
Como já havia mencionado em capítulo anterior, fazia parte do termo de “Acordo
Especial”, “remeter mensalmente, ao Serviço de Educação de Adultos do Departamento
Nacional de Educação, na forma estabelecida, os dados estatísticos do movimento escolar dos
cursos de ensino supletivo, juntamente com os documentos de comprovação das despesas
efetuadas por conta do auxílio federal”46. Para Beisiegel essa medida visava acima de tudo
garantir ao Ministério da Educação a realizações de suas metas.
A realização das metas quantitativas programadas para os quatro primeiros anos de existência da Campanha de Educação de Adultos dependia diretamente da plena utilização dos recursos materiais e humanos das administrações dos Estados, Territórios e Municípios. Por isso mesmo, a primeira atribuição dos serviços de educação de adultos consistia em articular o aproveitamento dos recursos regionais para a instalação das novas escolas do ensino supletivo (BEISIEGEL, 1974, p. 113).
46 Relatório do Serviço de Educação de Adultos para o exercício de 1947, p. 21.
112
Apesar dos dados comprovarem que o Departamento de Educação de Mato Grosso
não realizava as prestações de contas como havia sido previsto no termo de “Acordo
Especial”, este não foi o único problema herdado da administração passada:
A desorganização imperante na administração anterior trouxe como conseqüência o desvio de apreciável parcela do fundo recebido e a recusa do Ministério em enviar novas cotas sem a demonstração da aplicação das entregues. Ficou o Estado havido como relapso perante o Ministério, na execução dos compromissos assumidos, e no conceito dos professores desembolsados dos seus salários. O Sr. Secretário das Finanças, avançando a si a solução desse grave problema, passou a realizar minuciosas investigações que levaram a localizar a quantia de Cr$ 160.000,00 depositada no Banco do Brasil, agência de Campo Grande, em nome do falecido diretor do Departamento Sr. Ulisses Cuiabano. Requerido o levantamento judicial, foi a referida quantia recuperada e posta à disposição do cumprimento dos acordos, sem prejuízo monetário para o Estado, eis que os juros vencidos do depósito cobrem a diferença de Cr$ 8.717,02 (COSTA, 1952, p. 32). (grifo nosso)
Em relação à forma como o Governador Fernando Corrêa da Costa avaliou a
questão acima mencionada, considerei simplista demais visto a gravidade do problema.
Conforme suas palavras, o Estado não teve prejuízo monetário, mas em meu entendimento
teve prejuízo social, cultural e econômico, visto que, a Campanha tinha como objetivo elevar
os níveis educacionais da população e, com isso, melhorar as condições de produção e de vida
desses cidadãos. Por isso, o desvio desta verba não poderia ser visto apenas como uma
improbidade administrativa, mas sim, como uma forma inconsciente de se pensar a educação
de um povo.
Diante desse fato, pude inferir que o problema causado pelo Sr. Ulisses Cuiabano,
em sua administração, impossibilitou que centenas de jovens e adultos mato-grossenses
tivessem acesso à educação, causando grande prejuízo no processo de desenvolvimento
cultural, social e econômico desse Estado.
Entretanto, esse tipo de irregularidade relacionado à má utilização dos recursos
financeiros da Campanha não foi exclusivamente uma peculiaridade da administração mato-
grossense. Neste sentido, Paiva (1987) comenta:
O representante do Amazonas no Congresso afirmava que ‘somos daqueles que crêem ser, e adiantamos não ser pessimismo ou exagero nosso, 70% das
113
informações constantes dos boletins mensais da Campanha, provenientes do interior do Estado, de natureza fictícia, em virtude da falta de fiscalização desses cursos como também a outros fatores que, por falta de dados comprobatórios, nos furtamos a declarar’. Sugeria, assim que a probidade dos recursos da Campanha nem sempre existia (PAIVA, 1987, p.193-194).
A falta de fiscalização no ensino mato-grossense sempre foi colocada como uma
das preocupações constantes de seus governantes. Entretanto, de forma concreta observamos
que pouco ou nada havia sido feito para solucionar esse problema. Neste período, o Estado de
Mato Grosso contava com apenas seis Inspetores Escolares, para fiscalizar aproximadamente
mil escolas, nesta vastidão territorial.
Na opinião do Governador Fernando Corrêa da Costa, um dos fatores que
contribuíam para a ineficiência do aparelho fiscalizador era a instalação de escolas afastadas
dos centros urbanos, em virtude dos contingentes migratórios. Partindo dessa avaliação, o
Governador explicava que “as distâncias em que esses estabelecimentos se situam e a carência
de vias de comunicação tornam-no ilhado do contato, da orientação e da fiscalização dos
inspetores do ensino” (COSTA, 1954, p.23).
A ineficiência do aparelho escolar fiscalizador em Mato Grosso também afetou
diretamente o desenvolvimento da CEAA, conforme relato do Governador Fernando Corrêa
da Costa à Assembléia Legislativa, em seu último ano de mandato:
O ensino supletivo é mantido com verba – federal, distribuída por intermédio do INEP. Para regência dessas escolas são designados, em quase todos os casos, os professores públicos, pela facilidade da existência de prédio e material escolar do Estado. Vence cada professor de escola supletiva uma gratificação de Cr$ 350,00 mensais, durante 6 ou 7 meses do ano. Há falta de fiscalização dessas escolas, cujo horário de funcionamento é das 19 às 21 horas, e por esse motivo muitas deixam de funcionar o que levou o Sr. Diretor do Departamento de Educação e Cultura a transcrever no seu relatório o seguinte: ‘ Não são devidamente fiscalizadas e seu funcionamento fica entregue exclusivamente ao bom senso e escrúpulo do professor no cumprimento do dever. Temos porém absoluta certeza de que 60% dessas escolas não funcionaram ou se funcionaram é de forma irregular, não chegando a haver durante o mês aulas no espaço de uma semana. Aliás, foi-me declarado textualmente, por ilustre deputado à Assembléia Legislativa do Estado, que as Escolas Supletivas localizadas na região de um município do Leste não funcionaram no ano findo, mas a gratificação pro labore deveria ser paga, pois que, era um manjar caído do céu para ajudar o professor mal pago’ (COSTA, 1955, p.45).
114
Esses dados refletiam a total desorganização reinante no setor educacional do
Estado de Mato Grosso e também, revelavam a falta de consciência das pessoas que estavam
à frente da CEAA. As denúncias feitas sobre o funcionamento das classes de ensino supletivo
apontavam o baixo rendimento que a CEAA estava tendo no Estado, a falta de empenho do
Estado em cumprir com os acordos firmados com o Governo Federal e a ausência de uma
avaliação mais rigorosa das autoridades municipais. Todos esses fatores sinalizavam o
enfraquecimento da Campanha e a necessidade de revitalizar o sistema educacional vigente
nesse Estado.
No ano de 1956 assumiu o Governo o Sr. João Ponce de Arruda que logo propôs
um levantamento da real situação do ensino no Estado. Após esse levantamento, o
Governador afirmou que era “sumamente árdua e praticamente inexeqüível, a tarefa de uma
exposição completa da situação em que se encontra, no momento, a Instrução Pública em
nossa terra” (ARRUDA, 1956, p. 83). Ressaltou ainda que a desorganização em que se
encontrava a Secretaria de Educação Cultura e Saúde, herança deixada pela administração
passada, dificultava uma exposição correta das atividades administrativas desenvolvidas por
esta Secretaria no ano de 1955.
De forma recorrente, a desorganização da Secretaria de Educação afetou
diretamente o desenvolvimento das atividades da Campanha.
Com referência a arquivos de documentos, tais como dizem respeito a contratos, convênios, etc... encontramo-los bastante incompletos e desordenados, especialmente os da Divisão do Ensino Supletivo, datando este fato de muitos anos, o que está prejudicando o bom andamento desse importante setor do ensino e possivelmente irá criar dificuldade para que possa o Estado firmar novos contratos e convênios com a União (ARRUDA, 1956, p.84).
A partir das críticas realizadas, algumas questões devem ser refletidas: A
impressão que se tem é que essa desorganização da Secretaria de Educação afetava muito
mais o setor de ensino supletivo do que os outros segmentos da educação. Isso porque, desde
os primeiros anos da Campanha, a falta de documentação e comprovação das despesas sempre
fora utilizada pelos governantes para justificar o não desenvolvimento das atividades da
campanha em sua totalidade. O que parece duvidoso e quase intencional que, após nove anos
de implantação da Campanha, esse problema não tenha sido resolvido, visto que, a falta de
115
comprovação das atividades desenvolvidas pela CEAA implicava no não recebimento dos
recursos Federais. Outra questão que causa incômodo é a ausência nos relatórios de medidas
oriundas do Governo Estadual destinadas exclusivamente ao ensino supletivo, o que nos faz
pensar que o ensino supletivo só existia para o Estado, apenas e exclusivamente, na condição
de um empreendimento da União. Como se pode verificar nos relatórios, todas as informações
a respeito do ensino supletivo sempre soavam unicamente como uma prestação de contas e
nunca como uma preocupação do Governo Estadual com este segmento de ensino. Isso fica
ainda mais evidente quando comparamos o volume de informações contidas nos relatórios
sobre o ensino supletivo e de outros segmentos educacionais. O que se observa, nitidamente,
nos relatórios governamentais é que as questões relacionadas sobre o Ensino Supletivo
sempre apareciam timidamente nas mensagens governamentais, apenas com a finalidade de
explicar o inexplicável. A impressão que se tem de toda essa situação é que os recursos
financeiros enviados para a CEAA não eram “um manjar caído do céu” somente para os
professores.
Na opinião de Paiva (1987), a desorganização dos serviços encarregados da
implementação da CEAA nos estados era um dos aspectos mais criticados:
A desorganização reinante, por outro lado, podia ser observada através das declarações do Secretário de Educação do Pará que, ao assumir o cargo, encontrou classes instaladas, mas ‘cuja relação não foi encontrada’, afirmando que ‘nada existe nos arquivos da Secretaria que nos proporcione elementos para podermos fazer um histórico, uma análise, uma narrativa que possa demonstrar o que foram os serviços realizados [...]. As informações foram quase sempre imprecisas, incompletas e muitas não chegaram’ (PAIVA, 1987, p.194)
Em 1957, ainda na administração do Governador João Ponce de Arruda, foram
instaladas 51 classes de alfabetização de jovens e adultos em Mato Grosso, que representou
como resultado positivo a alfabetização de 1098 alunos de ambos os sexos. Já no ano seguinte
o número de classes aumentou para 52, entretanto o número de alunos alfabetizados caiu para
873 alunos. Esses foram os únicos dados disponíveis sobre o ensino supletivo apresentados
pelo Governador em mensagem à Assembléia Legislativa nos anos de 1957 e 1958, o que de
certa forma impossibilitou a avaliação da Campanha em seus aspectos mais gerais.
Contudo, Paiva explica que “o declínio da Campanha chega ao auge em 1958
quando é convocado o II Congresso Nacional de Educação de Adultos, onde se reconhece de
116
público o fracasso do programa do ponto de vista propriamente educativo” (1987, p. 192).
Entretanto, o Governo Federal após este Congresso acreditava que novas diretrizes poderiam
revitalizar as atividades da Campanha, o que de certa forma não aconteceu, tendo em vista a
sua extinção em 1963.
O período que sucede o II Congresso Nacional de Educação de Adultos em Mato
Grosso, aparentemente, oscilou entre o desinteresse e a tentativa de revitalizar as atividades da
Campanha. Essa afirmação tem como base os relatórios que foram apresentados pelos
Governadores João Ponce de Arruda e Fernando Corrêa da Costa à Assembléia Legislativa,
no período de 1958 a 1963, considerado o período de declínio da Campanha.
No relatório de 1959 o Governador João Ponce de Arruda destacou o bom
funcionamento do Departamento de Educação; a criação de mais 133 Escolas; a elevação do
quadro de professores que foi para 5000, dos quais 3562 estavam preenchidos; a distribuição
de material para as escolas primárias de todo o Estado; e o bom funcionamento da Faculdade
de Direito. Em relação ao Ensino Supletivo o Governador informou que:
De conformidade com o convênio firmado com o Ministério de Educação, instalaremos, neste ano, 70 cursos para alfabetização de adultos, assim distribuídos: Cuiabá, 11; Campo Grande, 11; Corumbá, 11; Dourado, 11; Três Lagoas, 5; Aquidauana, 5; Alto Paraguai, 2; Cáceres, 2; Guiratinga, 2; Itaporã,2; Rondonópolis, 2; Arenápolis, 1; Jardim, 1; Ládario, 1; Nortelândia, 1; Terenos, 1; e Várzea Grande 1 (ARRUDA, 1959,p.99).
Pela primeira vez um relatório governamental informava onde seriam instaladas as
classes de alfabetização da Campanha. Contudo, não temos dados suficientes para afirmar se
essas classes foram realmente instaladas, como funcionaram e nem quantos alunos
freqüentaram essas classes de alfabetização. Entretanto, esses dados poderiam revelar indícios
de uma nova postura do Governo Estadual em relação ao Ensino Supletivo. Pois, o simples
fato desse relatório oferecer informações mais detalhadas sobre a possível instalação de 70
classes de alfabetização, justamente num período em que na maioria dos Estados a CEAA
estava agonizante e a verba destinada pelo Governo Federal para custeá-la havia diminuído,
poderia configurar-se em um novo olhar dessa administração para o sistema de Ensino
Supletivo neste Estado. Além disso, a certificação do fracasso da Campanha fez com que
alguns Estados tentassem recuperar seus antigos sistemas de Ensino Supletivo, o que também
poderia estar acontecendo em Mato Grosso. Porém, essas hipóteses não foram sustentadas nos
117
relatórios dos dois anos subseqüentes (1960 e 1961) onde não constaram nenhuma informação
sobre o Ensino Supletivo.
Nos últimos anos da Campanha, encontrava-se a frente da administração do
Estado, o Governador Fernando Corrêa das Costa, que cumpria seu segundo mandato. Foram
destaques em sua administração a realização do I Congresso Mato-grossense de Educação e
Saúde e a instalação do Centro de Treinamento e Aperfeiçoamento de Professores.
O I Congresso Mato-grossense de Educação e Saúde realizou-se nos dias 13, 14 e
15 de janeiro de 1963, nos salões do Palácio da Instrução, e contou com a participação de 59
prefeitos municipais, 21 médicos, mais de uma centena de professores, 15 inspetores regionais
e várias autoridades (MARCÍLIO, 1963). Durante o Congresso, várias temáticas foram
discutidas em relação ao progresso da educação e da saúde no Estado, o que despertou
grandes interesses nos participantes que, após os debates, apresentaram como síntese dos
trabalhos as seguintes recomendações pertinentes ao setor educacional:
- O desenvolvimento do sistema educacional, procurando dar uma efetiva assistência às comunas, observando-se os preceitos legais, e fiel ao princípio de descentralização do Ensino, já consagrado pela lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; - O afastamento das interferências político-partidárias nos setores de ensino e saúde; - A obtenção, na própria comunidade, das soluções para os problemas educacionais, procurando auscultá-las através de simpósios e mesas redondas, e prestigiando as recomendações que dos mesmos resultarem; - A observação das condições ecológicas e das realidades sócio-econômica do Estado, no planejamento do Ensino Superior, enfim; - Uma política de cooperação mútua, no levantamento das necessidades, deficiências e disponibilidades regionais, para conjugação dos esforços e recursos federais, estaduais e municipais, em favor de um objetivo comum, que é o desenvolvimento equilibrado de Mato Grosso, dentro da Federação Nacional (MARCÍLIO, 1963, p. 213-214).
O Centro de Treinamento e Aperfeiçoamento do Magistério foi instalado no prédio
do Educandário dos Menores Abandonados, no dia 16 de agosto de 1963. O objetivo dessa
iniciativa era solucionar o problema do magistério primário que tinha em seu quadro efetivo
mais de 60% de professores leigos que precisavam receber conhecimentos mais específicos da
profissão para exercerem integralmente suas funções de mestres. O problema do professorado
leigo sempre fora considerado um dos aspectos que contribuíam para o atraso do ensino em
Mato Grosso, na opinião de seus representantes. Ao longo dos anos algumas medidas foram
118
tomadas pelas administrações anteriores na tentativa de aperfeiçoar e atualizar esses
professores. Contudo, essas medidas se mostraram ineficazes e a solução desse problema
ainda era um desafio para o Governo do Estado. Por isso, a criação do Centro de Treinamento
e Aperfeiçoamento do Magistério foi a solução encontrada por essa administração para
encarar os velhos problemas do magistério primário, de nova maneira de modo que tal
solução pudesse efetivamente reabilitar o ensino público estadual.
Em relação ao Ensino Supletivo, o Governador Fernando Corrêa das Costa
informou que “os cursos de Alfabetização de Adultos funcionaram em 1962 não menos de 45
cursos com uma matrícula aproximada de 990 alunos (COSTA, 1963, p. 156). Não há muito o
que dizer sobre este relato, senão o fato de que esses dados são completamente imprecisos o
que dificulta qualquer análise sobre a questão, visto que, tentar definir com exatidão um
número não menos de 45 é infinitamente impossível. Em relação ao número de alunos
matriculados, esses dados também não revelavam o que considero ser um dado importante
para essa pesquisa que era saber o número de alunos alfabetizados com o empreendimento da
CEAA neste Estado. Desta forma, só nos restou refletir se o nível de informações
disponíveis sobre este setor de ensino refletiam a atenção que a ele era dispensada
No último ano de funcionamento da CEAA, o Governador Fernando Corrêa da
Costa, em seu relato apresentado à Assembléia Legislativa, fez uma profunda reflexão sobre a
situação do ensino no Estado, chegando a seguinte conclusão:
Cada matogrossense deve ter ao seu alcance uma escola primaria gratuita, nenhum matogrossense pode ser analfabeto, todos os matogrossenses têm direito de receber a melhor instrução e não somente instrução. A mais moderna metodologia os mais arrojados técnicos pedagógicos, os mais eficientes recursos didáticos usados nos Centros mais adiantados do mundo serão adaptados e implantados em nosso Estado (COSTA, 1964, p.106).
Além disso, o Governador reconhecia que todas as providências tomadas, até
então, para solucionar os problemas educacionais do Estado, tinham sido feitas de forma
tradicional e repetitiva que só reeditavam os mesmos problemas, as mesmas ações, os mesmos
programas e o mesmo tipo de escola. Por isso, esperava encontrar novas soluções para esses
problemas de modo que pudessem recuperar o tempo perdido e que as atuais e futuras
gerações de mato-grossense pudessem se beneficiar dos progressos científicos aplicados à
instrução e à educação (COSTA, 1964).
119
Entretanto, para alcançar esses objetivos, o Governador teria que transpor muitos
obstáculos, principalmente, no setor de Ensino Supletivo que apresentava muitas dificuldades
para atingir a meta estabelecida de não ter nenhum mato-grossense analfabeto. Para entender
melhor esse raciocínio, transcrevo na integra a parte que se refere ao Ensino Supletivo do
último relatório do período de vigência da CEAA neste Estado.
Quatrocentos e sete (407) Cursos de Alfabetização de adultos deveriam entrar em funcionamento mas devido a tantas dificuldades de ordem geográfica e técnica ainda não atingimos essa média que alfabetizaria 12 mil adultos. O nosso esforço continua e em todas as cidades, vilas e povoados instalaremos tantos cursos quantos necessários para atender a nossa população (COSTA, 1964, p.121).
A exemplo dos relatórios apresentados no início da Campanha, observei que,
basicamente, as mesmas justificativas utilizadas para o não funcionamento das classes de
alfabetização foram reeditadas, dezessete anos passados, no relatório acima transcrito. Daí
constatar-se que todas as atividades desenvolvidas pela Campanha no período de sua
existência no Estado aconteceram de forma precária, dado a persistência dos mesmos fatores
que impediram seu desenvolvimento nos primeiros anos.
Outro aspecto a ser considerado neste relatório diz respeito ao número de cursos de
alfabetização (407) que deveriam funcionar e ao número de pessoas que deveriam ser
alfabetizadas (12 mil). O que não fica claro neste relatório é se estes números representavam
as metas fixadas somente para o ano de 1963 ou se estes números representavam o total de
cursos que deveriam estar funcionando nos últimos anos. Esta dúvida tem como base os
números fixados pelo Serviço de Educação de Adultos do Ministério da Educação que previa
a distribuição de 100 classes para o ano de 1947, 200 para o ano de 1948, 200 para o ano de
1949 e 180 para o ano de 1950. Além disso, a partir de 1951 o ritmo da Campanha foi
enfraquecendo e a partir de 1958 tivera sua verba diminuída. Por isso, os números
apresentados no referido relatório são imprecisos ou até mesmo incoerentes com o contexto
apresentado.
Entretanto cumpre observar que, embora a educação tenha sido matéria de grande
preocupação dos governantes mato-grossenses nesta segunda fase da CEAA, a alfabetização
de jovens e adultos não se configurou em um empreendimento primordial para o Governo
Estadual, visto que, as atividades desenvolvidas pela Campanha de Educação de Adultos e
120
Adolescentes em Mato Grosso não conseguiram minimizar o problema do analfabetismo no
período em que foi empreendida neste Estado.
121
4.0 MOVIMENTO BRASILEIRO DE ALFABETIZAÇÃO
4.1 Antecedentes: Movimentos de Educação e Cultura Popular e Campanhas nos anos
60
O período (1960 a 1964) que antecedeu a implantação do Mobral foi considerado
como o “período das luzes para a educação de jovens e adultos”47. Esse momento histórico da
Educação de Jovens e Adultos foi marcado intensamente pelos debates políticos, pelo
estímulo à participação política das camadas populares, e por uma profunda reflexão
pedagógica. E foi neste cenário que surgiram vários movimentos e programas no campo da
Educação de Jovens e Adultos.
No início dos anos 60 surgem no país os programas de alfabetização e cultura
popular que concebiam a educação como conscientizadora e libertadora das classes populares.
Esses programas foram empreendidos por intelectuais, estudantes e católicos engajados numa
ação política junto aos grupos populares. Surgiu então o MEB – Movimento de Educação de
Base, ligado a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); o Centro Popular de
Cultura (CPCs), organizado pela UNE – União Nacional dos Estudantes e os Movimentos de
Cultura Popular, que reuniam artistas e intelectuais e tinham apoio de administrações
municipais. Esses programas de alfabetização e cultura popular foram as experiências mais
expressivas ocorridas no Brasil no período que antecedeu o golpe militar.
O Movimento de Educação de Base (MEB) surgiu em 1960 sob a responsabilidade
da CNBB, que trazia como experiência o sistema de educação radiofônica, realizada no
Nordeste brasileiro. Somente a partir do decreto presidencial de 21 de março de 1961 (nº
50.370) é que o governo federal passou a patrociná-lo, fornecendo recursos para a criação de
uma educação de base que seria vinculada às emissoras católicas, conveniadas ao MEC e
outras instituições federais, no Norte, Nordeste e Centro Oeste do país (PAIVA, 1987).
O MEB era um movimento voltado para a população rural e tinha como objetivo
cooperar com a formação do homem adulto nas áreas em desenvolvimento do Brasil, através
da conscientização, da mudança de atitude e da instrumentação das comunidades. De forma
mais ampla Mendonça (1985) explica que:
47 Segundo afirma HADDAD, S; DI PIERRO, M.C. Escolarização de Jovens e Adultos. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 1, p. 108-130, maio/jun/jul/ago, 2000.
122
O MEB se colocava como movimento que existia ‘em função de uma realidade nacional que necessita de transformações urgentes porque, subjugando o homem, priva-o de sua atividade criadora e o coloca à margem do processo histórico’. Essas transformações eram ‘urgentes e profundas, de ordem estrutural’ (APECTOS DO MEB, 1979 apud MENDONÇA, 1985, p.36).
A estrutura de funcionamento do MEB contava com professores, supervisores,
locutores e monitores que preparavam os programas que seriam vinculados nas escolas
radiofônicas. As aulas eram transmitidas pelas emissoras católicas espalhadas nos 14 estados
em que o movimento se estabelecera. O MEB conseguiu atender 108.571 alunos e foi o único
movimento de cultura popular que resistiu ao golpe de 1964.
O CPC da UNE, criado em 1961, nasceu da preocupação de jovens intelectuais e
artistas em difundir o teatro político entre as classes populares e, por meio deste, contribuir
para a formação política e cultural da população. Os CPCs da UNE logo se expandiram por
todo o país de forma autônoma, mas, mantendo entre eles um objetivo comum que era
“contribuir para o processo de transformação da realidade nacional principalmente através de
uma arte didática de conteúdo político” (PAIVA, 1987, p.233). Além do teatro, o CPC da
UNE promoveu cursos (teatro, cinema, artes plásticas, filosofia), realizou filmes e exposições.
Durante o I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, algumas
posições teóricas, estéticas e conceituais de cultura popular foram revistas pelos participantes
do CPC que logo perceberam que havia necessidade de realizar um trabalho educativo voltado
para a alfabetização de jovens e adultos. Desta forma, “a alfabetização aparece, então, como o
núcleo central do trabalho educativo a ser realizado, tal como era defendido por vários
Centros nos diversos Estados e por outros movimentos voltados para a promoção da cultura
popular (PAIVA, 1987, p. 235).
Entretanto, a alfabetização e a educação de base já era compreendida como
instrumento de cultura popular por um grupo formado de estudantes universitários, artistas e
intelectuais que criaram em maio de 1960 o Movimento de Cultura Popular em Recife.
O MCP estava vinculado à Prefeitura de Recife, na época sob a administração de
Miguel Arraes, juntos pretendiam combater o analfabetismo e elevar o nível cultural e
intelectual do povo. Para isso, organizaram núcleos de cultura popular, centros e parques de
cultura, galerias de arte popular, divulgaram também o teatro, as artes plásticas e o artesanato
e somando-se a isso, desenvolviam atividades educativas relacionadas à alfabetização e à
123
educação de base. Na opinião de Fávero (1983), todas essas atividades são instrumentos
utilizados para o trabalho de cultura popular, visto que:
A cultura popular utiliza instrumentos e métodos próprios de trabalho, instrumentos que se estruturam e se definem a partir das necessidades da comunidade à qual se destinam, numa preocupação de atender às suas solicitações, utilizando motivações adequadas à realidade (FÁVERO, 1983, p.24).
Ainda este mesmo autor afirma que “um movimento de cultura popular deverá
promover a elaboração da cultura com o povo, fazendo-o participante da comunidade cultural,
e não criar uma cultura para o povo” (FÁVERO, 1983, p. 24). Com esse intuito, o MCP
considerou a alfabetização de jovens e adultos, como tarefa prioritária, desde que servisse
como meio de conscientização e politização do povo.
Foi nesse contexto que Paulo Freire, no Movimento de Cultura Popular do Serviço
de Extensão Cultural da Universidade do Recife, conseguiu consolidar suas experiências com
alfabetização de adultos, que serviu de base para a concretização de seu método de
alfabetização. Segundo Moura, o objetivo de Paulo Freire com seu método de alfabetização
era:
[...] propiciar formas de ajudar a população analfabeta a organizar reflexivamente o pensamento de maneira a superar o seu pensamento ‘mágico’, ingênuo, passando para um pensamento lógico, abstrato, que pudesse ajudar no processo de construção de consciência crítica, no entendimento do que ocorreria na sociedade em ‘fase de transição’ e das possibilidades que os homens conscientes e organizados teriam na ‘rachadura’ da sociedade (MOURA, 2004, p.56-57).
Diferentemente de outras práticas de alfabetização, que priorizavam o aprendizado
instrumental, a proposta de alfabetização de Paulo Freire enfocava o educando como sujeito
de sua aprendizagem. Para tanto, defendia a idéia de buscar os conteúdos da educação do
povo nas condições reais de existência do homem comum. Mesmo já tendo sido apontada por
outros educadores a necessidade de adequar o processo educativo às características do meio,
somente Paulo Freire “encontrara o modo de realizar esta associação, necessariamente, como
característica intrínseca do processo educativo” (BEISIEGEL, 1974, p. 165).
124
A partir do resultado positivo, da experiência de alfabetização de adultos realizada
por Paulo Freire em Anginos, no Rio Grande do Norte, onde alfabetizou 300 alunos em 45
dias, seu método de alfabetização foi assimilado pela maioria dos movimentos de educação de
adultos neste período. Além disso, o “método Paulo Freire”, como ficou conhecido, também
seduziu o governo populista pelo pequeno número de horas (40hs) utilizadas para a
alfabetização de grande número de pessoas.
Em 21 de janeiro de 1964, o governo federal instituiu pelo Decreto nº. 53.465 o
Programa Nacional de Alfabetização (PNA), que adotou legalmente o sistema de
alfabetização de Paulo Freire. O PNA pretendia alfabetizar em dois anos 5 milhões de
brasileiros, tendo o próprio Paulo Freire como coordenador do Programa. Segundo Paiva, “o
PNA representava a incorporação, a nível ministerial e em termos práticos, da orientação
indicada pelos grupos que desde 1962 desenvolviam atividades ligadas à educação dos
adultos” (PAIVA, 1987, p.258). Entretanto, o PNA despertou a cobiça de muitos políticos que
viam na alfabetização de massa a possibilidade de aumentar o seu eleitorado.
Contudo, meses depois, com o golpe civil-militar, o PNA foi extinto, porque seu
material didático foi considerado subversivo. Com o regime político da ditadura civil-militar,
a maioria dos programas de educação popular que vinham se desenvolvendo desde 1960
foram extintos. O único grande movimento que sobreviveu ao golpe civil-militar foi o MEB
que teve que rever seus pressupostos teóricos e metodológicos para continuar tendo o apoio
do governo e, para isso, abandonou o seu papel de conscientizador e assumiu o papel de
evangelizador.
A educação brasileira da mesma forma que outros setores da vida nacional, foram
vítimas do autoritarismo que se instalou no país, após o golpe militar. Sobre este momento
político, Paulo Freire (1979), assim refletiu:
O que aprendi, refletindo sobre o Golpe de 1964, foi sobretudo uma lição sobre os limites globais da educação. [...] após 1964, tornei-me mais consciente dos limites da educação na transformação política da sociedade. Entretanto, através da educação, podemos de saída compreender o que é o poder na sociedade, iluminando as relações de poder que a classe dominante torna obscuras. Também podemos preparar e participar de programas para mudar a sociedade (FREIRE, 1986, p.44).
O sistema político no Brasil em 1964, com a instituição do regime militar,
caracterizou-se pela falta de democracia, supressão de direitos constitucionais, censura,
125
perseguição política e repressão aos que eram contra o regime militar. No decorrer desse
processo Paulo Freire foi considerado subversivo, foi preso, foi exilado e teve seu método de
alfabetização proibido. Entretanto, essa proibição não impediu que suas idéias pedagógicas e
seu método de alfabetização se tornassem paradigmas educacionais para muitos educadores
nos anos subseqüentes. Além disso, a proposta teórico-metodológica desenvolvida por Paulo
Freire para a educação de jovens e adultos nas décadas de 60 e 70 constitui-se no único
referencial teórico que definiu explicitamente a conceitualização de alfabetização de adultos
e, por isso, suas idéias e proposições foram consideradas a “pedra angular” da história da
educação e particularmente da alfabetização de adultos (MOURA, 2004, p.29).
Com o regime militar instaurado, os Movimentos de Educação e Cultura Popular
foram reprimidos, seus dirigentes perseguidos, suas idéias censuradas. Em conseqüência, o
problema da educação de adultos foi abandonado pelo novo governo, durante dois anos.
Somente em 28 de fevereiro de 1966, com o Decreto nº. 57.895, o governo manifestou-se em
relação a educação de adultos e determinou que os saldos não aplicados dos Fundos Nacionais
do Ensino Primário e Médio deveriam ser aplicados pelo MEC a fim de atender, entre outros
objetivos, ao ensino fundamental de analfabetos com mais de 10 anos de idade e apoiar
alguns programas educativos de caráter conservador, como a Cruzada de Ação Básica Cristã
(ABC).
A Cruzada ABC surgiu em Recife recebendo apoio financeiro do Estado e,
posteriormente, foi financiada pelo Governo Federal, pela Fundação Norte Americana Agnes
Erskine e (USAID). No ano de 1967, a Cruzada ABC firmou um convênio com o MEC e um
compromisso de alfabetizar 2 milhões de adultos analfabetos, num prazo de 5 anos, atendendo
todos os objetivos políticos do governo militar sem desenvolver atividades que fossem
contrarias aos interesses do Brasil, o seu regime político e os valores éticos da civilização
cristã. Nesta perspectiva, Paiva (1987) argumenta que:
As características da Cruzada ABC nos permitem identificá-la como um programa comprometido com a sedimentação do poder político e das estruturas sócio-econômicas. As características do programa indicam que a Cruzada deve ser compreendida como um esforço no sentido de anular os efeitos ideológicos dos movimentos anteriores e de reorientar, através da educação, as massas populares do Nordeste. Os pressupostos teóricos sobre os quais a Cruzada calcava suas atividades opunham-se inteiramente aos movimentos do período anterior (PAIVA, 1987, p. 270).
126
Entretanto, a Cruzada ABC apresentou pouca rentabilidade e recebeu várias
críticas sobre a inadequação do material didático, sobre o caráter assistencialista e,
principalmente quanto ao recebimento de verba pública sem controle ou devida fiscalização.
Aos pouco a Cruzada ABC foi perdendo o apoio do governo até ser extinta, em 1971, pela
portaria nº. 237, que revogava toda a legislação anterior.
Segundo Haddad e Di Pierro (2000, p.114) “a escolarização básica de jovens e
adultos não poderia ser abandonada pelo aparelho do Estado, uma vez que tinha nele um dos
canais mais importantes de mediação com a sociedade”. Neste sentido, para afirmar sua
legitimidade perante as forças políticas nacionais e internacionais, o governo federal propõe a
elaboração de um programa intensivo de erradicação do analfabetismo, sob a responsabilidade
do Departamento Nacional de Educação e aprova a Lei 5.379, de 15 de dezembro de 1967,
que institui o MOBRAL.
4.2 As Ações Educativas do MOBRAL
O Movimento Brasileiro de Alfabetização – o MOBRAL, apesar de ter sido criado
em 1967, só iniciou suas atividades em 1969. Entre o período de sua criação e o início de suas
atividades, uma equipe interministerial realizou o estudo e o levantamento de recursos
financeiros necessários à execução do Plano de Alfabetização Funcional e Educação
Continuada de Adultos, que era prioridade entre as demais atividades a serem realizadas pela
nova Fundação. Os recursos obtidos para o financiamento das atividades do MOBRAL viriam
de 24% da renda líquida da loteria esportiva e 1% do imposto de renda de empresas
voluntárias. Com volumosa dotação de recursos, o MOBRAL lançou em 1969 uma campanha
massiva de alfabetização que pretendia erradicar o analfabetismo no Brasil até 1980. A opção
por uma campanha de massa era a resposta do regime militar à ainda grave situação do
analfabetismo no país que era considerado pelo governo um fator de impedimento para o
desenvolvimento sócio-econômico da nação. Por outro lado, Paiva acrescenta que:
Politicamente, o programa de massa poderia contribuir para modificar ainda o equilíbrio eleitoral no interior e orientar os novos eleitores no que concerne à reorganização da vida política do país, através dos novos partidos. Poderia ainda demonstrar a muitos setores da população que não havia desaparecido o interesse federal pelo problema, servindo para formar uma nova imagem do governo junto a algumas camadas (PAIVA, 1987, p. 295).
127
Neste sentido, pode-se afirmar que a proposta de educação do MOBRAL era toda
voltada para os interesses políticos vigentes na época que visavam o fortalecimento
hegemônico de um regime político e, por isso, era fundamental que o governo tivesse o
controle do saber para a manutenção do poder. Além disso, havia grande preocupação em
neutralizar os reflexos ideológicos deixados pelos movimentos de cultura popular anteriores a
1964.
Entretanto, o MOBRAL tinha como base para seus objetivos, sua filosofia e seu
plano de ação, uma visão econômica da educação e soluções técnicas para os problemas
educacionais, ou seja, a educação deveria ser usada para “criar condições para que o homem
brasileiro aumentasse sua produtividade e, conseqüentemente, sua renda também fosse
influenciada pela maior mobilidade ocupacional” (CORRÊA, 1979, p.54). Em outras
palavras, o MOBRAL assume a educação como um investimento capaz de produzir mão-de-
obra qualificada ao mercado de trabalho e por conseqüência impulsionar o desenvolvimento
econômico do país.
A estrutura organizacional do MOBRAL apresentou três características: “o
paralelismo em relação aos demais programas de educação, com recursos financeiros
independentes; organização operacional descentralizada, através de comissões municipais; e a
centralização de direção do processo educativo, através da gerência do MOBRAL central”
(HADDAD; DI PIERRO, 2000, p.115). As comissões Municipais (ou células básicas)
constituídas nos municípios que estabeleciam convênio com o MOBRAL “eram encarregadas,
de modo voluntário e patriótico, do recrutamento de analfabetos e da mobilização dos
recursos humanos e físicos” (CORRÊA, 1979, p. 88-89).
As Comissões Municipais seriam as executoras do programa em nível local,
recrutando os alunos, constituindo as turmas e definindo seus locais de funcionamento,
propiciando toda a infra-estrutura à implementação das ações e ainda deveria convocar os
alfabetizadores. Fazia parte da Comissão Municipal um presidente, cuja função era a
representação e as atividades administrativas; um secretário-executivo, responsável pelos
aspectos operacionais e pelo auxílio ao presidente; encarregados, responsáveis pela
mobilização local e suporte em diferentes áreas: pedagógica, cultural, e profissionalizante; e
encarregados de supervisão global, responsáveis pelo treinamento, orientação, supervisão dos
encarregados das diferentes áreas. Toda essa estrutura empregada pelo MOBRAL para
desenvolver seu programa de alfabetização reeditava de certa forma algumas ações já
empregadas na Campanha de 1947.
128
O material didático do MOBRAL em muito se inspirou no material didático
utilizado por Paulo Freire. Tanto o MOBRAL como o método Paulo Freire usavam a “palavra
geradora” como marco inicial de seu processo de alfabetização. A diferença é que no método
Paulo Freire a “palavra geradora” era subtraída do universo vivencial do alfabetizando,
enquanto que no MOBRAL a “palavra geradora” não precisava ser selecionada em função da
vivência do aluno, bastava que exprimisse as necessidades básicas do homem e, por isso
mesmo seria única, para todo o país. Metodologicamente as técnicas eram semelhantes entre o
método proposto por Paulo Freire e o MOBRAL, a diferença é marcada pelo referencial
ideológico contido numa prática e noutra. Para Paulo Freire, a educação deveria ser vista
como prática de liberdade, de conscientização política e de transformação social, já o
MOBRAL não priorizava uma consciência crítica em relação à realidade social, ou seja,
alfabetizar restringia-se a ler e escrever. Desta forma, pode-se dizer que o método Paulo
Freire foi “refuncionalizado como prática, não de liberdade, mas de integração ao Modelo
Brasileiro ao nível das três instâncias: infra-estrutura, sociedade política e sociedade civil”
(FREITAG, 1986, p. 93).
Fazendo uma análise sobre as práticas de alfabetização de adultos utilizadas
durante a ditadura militar, Moura (2004) conclui que:
[...] a conceituação de alfabetização de adultos e a definição de seus objetivos são fundamentados em concepções filosóficas positivistas de caráter pragmático-características dos modelos econômicos liberal e neo-liberal; concepções psicológicas empiristas-associacionistas que considerem o adulto analfabeto como um ser inferior do ponto de vista das capacidades superiores de inteligência; e uma visão antropológica de um indivíduo pobre culturalmente. A partir dessa perspectiva, não poderia resultar outra abordagem metodológica que não seja o ecletismo entre formas analíticas, sintéticas e mistas, centradas nas exposições verbalistas e autoritárias e auxiliadas por recursos didáticos transplantados de experiências com alfabetização infantil. Os resultados dessas práticas não poderiam ser outros que não, obter-se, no máximo, adultos instrumentalizados para assinar o nome e quando muito registrar algumas letras e palavras soltas e sem significado para eles e para suas práticas sociais (MOURA, 2004, p.31-32).
Durante a década de 70 o MOBRAL expandiu-se por todo o país, “o movimento
estava presente em todos os municípios e somente o correio ganhava da presença do
MOBRAL” (GOUVEIA apud SOARES 1995, p. 161). Contudo, ao longo da década de 70, o
MOBRAL buscou novas alternativas para garantir sua continuidade e para isso diversificou
129
sua atuação lançando vários programas, em média um por ano. Neste sentido, foi criado o
Programa de Educação Integrada (PEI), correspondente ao antigo primário, que seria a
continuidade do curso de alfabetização. Também foram criados o Programa MOBRAL
Cultural, o Programa de Profissionalização, o Programa de Educação Comunitária para a
Saúde, o Programa Diversificado de Ação Comunitária, o Programa Autodidatismo e
inclusive um programa destinado à população infantil que foi o Programa de Atendimento
Pré-Escolar. Na verdade, a criação desses programas seria uma forma de desviar as atenções
dos resultados insatisfatórios obtidos com a campanha de alfabetização que até então não
havia conseguido superar o analfabetismo no país. Entretanto, nem todo esse esforço impediu
que o MOBRAL recebesse várias críticas, tanto do segmento político como do educacional e
fosse submetido a uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, instaurada pelo Senado
Federal.
Paralelamente a isso, outra parcela significativa do projeto educacional do regime
militar foi efetivada através do Ensino Supletivo. Pela primeira vez, uma legislação organizou
o ensino de jovens e adultos em capítulo próprio. Sua regulamentação foi incorporada na Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 5.692/71, de 11 de agosto de 1971.
Entretanto, somente no ano seguinte, 1972, dois documentos estabeleceriam seus
fundamentos e suas características: o Parecer do Conselho Federal de Educação nº 699,
publicado em 28 de julho de 1972 e o documento “Política para o Ensino Supletivo, entregue
ao Ministro da Educação em 20 de setembro de 1972. Na opinião de Haddad e Di Pierro
(2000), o parecer 699 foi considerado,
[...] ‘o maior desafio proposto aos educadores brasileiros na Lei 5.692’, o Ensino Supletivo visou se constituir em uma ‘nova linha de escolarização não formal, pela primeira vez assim entendida no Brasil e sistematizada em capítulo especial de uma lei de diretrizes nacionais’, e, segundo Valnir Chagas, poderia modernizar o Ensino Regular por seu exemplo demonstrativo e pela interpretação esperada ente os dois sistemas (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p. 116).
Outra importante determinação contida na Lei 5.692/71 foi a extensão da educação
básica obrigatória de quatro anos para oito anos, unificando o antigo ensino primário e o
antigo ensino ginasial e criando o ensino de 1º grau.
130
A regulamentação do Ensino Supletivo tinha como finalidade suprir a
escolarização regular para jovens e adultos que não haviam concluído seus estudos na idade
regular e, ainda, formar mão-de-obra para o mercado de trabalho. Este aspecto amplo de
atendimento estava previsto no Art. 25 que propunha desde o ensino de ler, escrever e contar,
passando pela formação profissional, até o estudo intensivo de disciplina do ensino regular e a
atualização de conhecimentos. Para cumprir esses objetivos o Ensino Supletivo foi organizado
em quatro funções: Suplência, Suprimento, Aprendizagem e Qualificação.
Segundo Haddad e Di Pierro (2000), “o Ensino Supletivo foi apresentado à
sociedade como um projeto de escola do futuro e elemento de um sistema educacional
compatível com a modernização socioeconômica observada no país nos anos 70” (HADDAD;
DI PIERRO, 2000, p.117). Neste sentido, foram criados os Centros de Estudos Supletivos em
todo o país, solução encontrada para atender um grande número de pessoas, mediante um
baixo custo operacional e empregando uma metodologia adequada. Contudo, os Centros de
Estudos Supletivos não conseguiram oferecer um ensino de qualidade devido à falta de apoio
político, administrativo, financeiro e pedagógico.
Mesmo assim, a implantação do Ensino Supletivo foi um marco para a história da
educação no Brasil. Diante desse contexto pode-se dizer que o regime militar oferecendo o
MOBRAL e o Ensino Supletivo, buscava reconstruir, através da educação, sua mediação com
os setores populares (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p.118).
O MOBRAL chega à década de 80 com sua imagem bastante abalada pelas
inúmeras críticas feitas sobre sua atuação. Dentre elas destaca-se: o elevado índice de evasão
nas classes de alfabetização; a divulgação de falsos números de alfabetizados; o fenômeno da
regressão de ex-alunos que desaprendiam a ler e escrever e por isso não se interessavam pelos
programas de pós-alfabetização; e crítica sobre sua meta inicial ou prioritária que era
“combater/erradicar” o analfabetismo no país. Na verdade o MOBRAL havia alfabetizado
muito pouco, o nível de instrução da população economicamente ativa, com menos de um ano
de estudo, continuava sem alterações significativas. No documento intitulado Proposta para a
educação no meio rural, elaborado pela SUDENE, informava que pouco mais de 10% dos
nordestinos tinham o curso primário em 1980 e, no meio rural, a situação era ainda mais
grave, com 66% da população acima de 10 anos de analfabetos. Na faixa de 15 a 19 anos, a
taxa de analfabetismo chegava a 77%. Todavia, o MOBRAL contestou os dados contidos no
documento elaborado pela SUDENE o que para Lemme (2004) mereceu o seguinte
comentário:
131
O único comentário que cabe fazer em face dessa manipulação de números e percentagens, a que nos acostumamos durante os anos da ditadura, é que fracassou completamente o combate ao analfabetismo, iniciado com tantos toques festivos de fanfarras, e mais: o problema vem se agravando no decorrer desses anos de arbítrio, autoritarismo, centralização e demagogia. E o Mobral foi sendo sorrateiramente desviado para outras funções. (LEMME, 2004, p.184 -5).
O Censo de 1980, divulgado pelo IBGE, evidenciou ainda mais a ineficiência do
movimento. O número de pessoas analfabetas no país registrado pelo IBGE era de 25% o que
demonstrava que o MOBRAL não havia conseguido em dez anos atingir sua meta que era
reduzir o analfabetismo do país de 33,6% em 1970 para menos de 10%. Em relação ao índice
de redução do analfabetismo conseguido pelo MOBRAL, o estudo feito por Paiva comentado
por Fávero em entrevista a TVE Brasil explica melhor essa questão:
Agora Vanilda Paiva, que se dedicou a estudar seriamente o MOBRAL, imediatamente antes da extinção dele, consegue provar que ele só conseguiu diminuir 7% da taxa de analfabetismo no Brasil, durante 10 anos de sua atuação maciça e massiva [...]. Que é mais ou menos o que a campanha também deve ter conseguido: de 7% a 10%. O MOBRAL fala de 12%. O MOBRAL teria dito que teria reduzido o índice de analfabetismo, da ordem de 30 a 40%, para até 10 ou 12%. Na verdade, não é bem assim, a coisa é meio complicada, provavelmente na alfabetização de jovens e adultos, não alcançou mais que 7%. E essa é uma das críticas que a gente faz a campanha hoje. (FÀVERO, 2003, p. 7).
De fato, o MOBRAL não havia conseguido executar com eficiência a tarefa que
lhe foi confiada e, diante das dificuldades e do fracasso cada vez mais evidente, o MOBRAL
foi extinto em 1985.
A extinção do MOBRAL marcou simbolicamente a ruptura com a política
educacional imprimida pelo governo militar que, neste novo contexto político, não era mais
compatível com o clima de redemocratização da “Nova República”. Para substituir o
MOBRAL foi criado a Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos – Educar, com
a finalidade de articular a política nacional de educação de jovens e adultos, em conjunto com
o subsistema de ensino supletivo, fomentando o atendimento das séries iniciais do ensino de
1º grau, promovendo a formação e o aperfeiçoamento dos educadores, produzindo material,
supervisionando e avaliando as atividades.
132
Segundo Haddad e Di Pierro (2000, p. 120), “em muitos sentidos a Fundação
Educar representou a continuidade do MOBRAL, devem-se computar como mudanças
significativas a sua subordinação à estrutura do MEC e a transformação em órgão de fomento
e apoio técnico, em vez de instituição executora”. Desta forma, a Fundação Educar passa a
apoiar financeiramente e tecnicamente as iniciativas de governos, entidades civis e empresas a
ela conveniadas.
Apesar dos esforços, a Fundação Educar teve dificuldades para cumprir os
convênios firmados com os Estados e Municípios, a falta de recursos financeiros e a
irregularidade no envio de material eram as principais causas da paralisação de alguns
projetos de alfabetização de jovens e adultos mantidos, principalmente, pelas prefeituras.
Nesta ocasião, a maioria dos municípios brasileiros não possuía recursos próprios para manter
projetos de alfabetização de adultos sem a ajuda dos convênios firmados com a Fundação
Educar e, como esses convênios eram mantidos de forma descontinua, os projetos não tinham
vida longa, o que efetivamente não resolvia o problema da erradicação do analfabetismo
pretendido pelo governo federal.
Contudo, a partir dos anos 90 a Educação de Jovens e Adultos começa a sofrer um
processo de esvaziamento das políticas públicas no âmbito do governo federal e com a posse
do Presidente Fernando Collor, a Fundação Educar foi extinta, sob o argumento de
enxugamento da máquina administrativa. A partir de então, a responsabilidade de desenvolver
atividades relacionadas à educação de jovens e adultos foi transferida para os Estados e
Municípios.
4.3 O MOBRAL em Mato Grosso
Embora o MOBRAL tenha durado quase vinte anos, reconstituir sua trajetória em
Mato Grosso apresentou certo grau de dificuldade pela falta de preservação de fontes
documentais relativas a esse período histórico. Na pesquisa feita no Arquivo Público de Mato
Grosso (APMT), que comporta o mais expressivo acervo documental produzido pelos
governos de Mato Grosso, poucas foram as referências encontradas em fontes documentais
sobre as atividades do MOBRAL. Outro fato curioso que me deixou intrigada foi a ausência
de relatórios e mensagens governamentais no período de 1964 a 1970. Não sei se este fato
poderia estar relacionado ao regime político da ditadura militar, mas causou estranhamento
133
visto que a preservação destes documentos no período anterior ao regime militar apresentou
certa regularidade. Além disso, os relatórios e mensagens governamentais, encontrados a
partir de 1971, não fazem nenhuma referência sobre o desenvolvimento do MOBRAL.
Segundo relato dos professores e dos ex-coordenadores entrevistados, toda a documentação
utilizada por eles, referente ao MOBRAL, era enviada para a Secretaria de Estado de
Educação, que também não preservou essas fontes documentais. Porém, cabe lembrar que os
documentos escritos não são considerados as únicas fontes de uma pesquisa. Por isso, a
elaboração deste item teve como base as fontes orais, que no caso desta pesquisa, foram
obtidas através de entrevistas, com ex-professores e ex-coordenadores do MOBRAL no
Estado de Mato Grosso. Desse modo, acredito que mesmo de forma lacunar foi possível
reconstruir parte da trajetória desta campanha neste Estado.
O MOBRAL tinha objetivos político-ideológicos bastante definidos, que
mostravam a urgência na consecução de objetivos políticos e de impacto sobre a opinião
pública para combater o analfabetismo. Para isso, era necessário que a sociedade fosse
convocada a participar desse desafio, e segundo o documento básico do MOBRAL: “o desafio
pode virar realidade: depende muito da cooperação entusiasta de todos os que nele se
envolvem [...]. Depende muito de sua participação” (MOBRAL, 1973, p. 61). Este texto era o
título de uma tabela contida no Documento Básico do MOBRAL48, que apresentava o número
de pessoas a serem alfabetizadas, a meta para o ano de 1973 e o ano previsto para erradicação
do analfabetismo em cada Unidade da Federação. Para o Estado de Mato Grosso a tabela
apresentava os seguintes números: existiam 251.748 pessoas a serem alfabetizadas; a meta
para o ano de 1973 era alfabetizar 80.000 pessoas e o ano previsto para a erradicação do
analfabetismo no Estado era 1978.
De fato o programa de alfabetização do MOBRAL buscou provocar bastante
entusiasmo na população e, principalmente, nos gestores estaduais e municipais. Segundo
Paiva (1987, p.297), “o entusiasmo manifestava-se através de alguns documentos que falavam
em ‘erradicar a chaga social da existência de analfabetos’ ou da consideração do
analfabetismo como causa do desemprego [....]”. Para saber se esse entusiasmo fez parte do
contexto da campanha em Mato Grosso, os relatos orais fornecidos pelos sujeitos
entrevistados foram de fundamental importância. De acordo com a professora Joana49:,
alfabetizadora do MOBRAL na cidade de Acorizal:
48 Este documento foi encontrado na Biblioteca Digital, Domínio Público, mantida pelo Governo Federal 49 Joana Júlia de Oliveira foi professora alfabetizadora do MOBRAL no Município de Acorizal - MT, localizado a 58 km de Cuiabá, mais informações remeto ao quadro da página 28 desta pesquisa.
134
Acho que houve sim interesse das autoridades [....] Vereadores de Acorizal, Prefeito de Acorizal, eles se esforçavam muito para que isso acontecesse, até os nossos treinamentos tinha ajuda da Prefeitura (professora Joana Júlia de Oliveira, 2006).
Com uma visão mais política do movimento, o ex-coordenador do MOBRAL no
município de Várzea Grande, Sr JFA50 relatou que “era época de ditadura militar,
compromisso não era brincadeira, o Brasil inteiro estava engajado nesta campanha. O que não
havia era recursos para os municípios”. O relato do ex-coordenador demonstra de forma sutil
a rigidez do regime político instalado no Brasil em 1964.
O ponto de vista político do MOBRAL sempre era manifestado explicitamente por
seus administradores que expunham claramente seus interesses apenas com os ganhos
percentuais, o que na verdade não refletiam a realidade educacional do país e, por isso, era
alvo de severas críticas. Na tentativa de justificar perante a opinião pública a existência do
MOBRAL, um de seus presidentes fez a seguinte indagação:
[...] se a expansão do quadro eleitoral, ‘hoje composto de 46,8 milhões de pessoas das quais cerca de 20% representados por pessoas que passaram a ter o direito de participar graças ao MOBRAL, não seria um fenômeno da mais alta relevância, que justificaria, por si só, a existência do órgão, em contribuição à causa democrática?’ (CORRÊA apud MENDONÇA, 1985, p. 59).
Seguindo o mesmo raciocínio de que através do MOBRAL seria possível
fortalecer as bases eleitorais, o deputado Gastão Muller (ARENA-MT) elaborou um projeto
onde defendia a idéia de que durante a entrega de diplomas aos alfabetizados pelo MOBRAL
fosse simultaneamente entregue o titulo de eleitor. Sugeria também que os gastos com o
MOBRAL passassem de 15% para 20%, objetivando com isso o custeio de todas as despesas
com a documentação necessária para a qualificação do novo eleitor. O deputado afirmava
ainda que a qualificação dos eleitores através do MOBRAL seria isenta de qualquer influência
político-partidária, o que é difícil de acreditar tendo em vista o próprio objetivo político do
50 Este entrevistado não aceitou ter seu nome divulgado na pesquisa por isso optei por chamá-lo de Sr. AFJ.
135
movimento. O projeto do deputado Gastão Muller foi divulgado pelo jornal Correio
Brasiliense no dia 19 de setembro de 1971, como pode ser conferido abaixo:
Figura 8: Jornal Correio Brasiliense de 19 de setembro de 1971. Arquivo Público de Mato Grosso -APMT –
sem localização.
136
No entanto, a interferência política também era refletida na escolha de cargos,
postos de chefias e até mesmo dos professores do MOBRAL, como foi comentado pelos
sujeitos da pesquisa:
[...] um senhor um dia ofereceu uma vaga para eu trabalhar, sempre no tempo da política, o político falou: “por que a senhora não trabalha, aqui tem os alunos”. Aí eu fiquei pensando.... ah eu acho que não dou conta, aí ele falou :”não a senhora dá conta sim, tudo que nos queremos fazer nós damos conta” (professora Diva Silveira de Oliveira51, 2006). [...] os Prefeitos eram sempre coordenadores. Eles tinham grande interesse em desenvolver as atividades, pois a verba que vinha era boa . Já naquela época tinha sanguessuga ( professora/coordenadora Neide Benta Pinheiro Arruda52, 2006).
A interferência política sempre fez parte do contexto educacional mato-grossense,
o que já foi comentado nesta pesquisa em capítulos anteriores. Percebe-se, no entanto, nos
relatos das professoras Diva e Neide que o combate ao analfabetismo no Estado continuava a
ser utilizado como instrumento político-ideológico, no sentido de atender às exigências do
grupo político no poder. Outro indício dessa manipulação política enraizada no contexto
educacional mato-grossense pode ser confirmado pelo grande número de portarias
encontradas no Arquivo Público de Mato Grosso, colocando professores à disposição do
MOBRAL. O documento abaixo exemplifica esse procedimento:
51 A professora Diva Silveira de Oliveira, trabalhou no MOBRAL no município de Jangada durante três anos, estava hospitalizada no dia em que foi feita a entrevista. 52 A professora Neide Benta Pinheiro Arruda foi alfabetizadora e coordenadora do MOBRAL no município de Poconé.
137
Figura 9: Portaria colocando a disposição do MOBRAL a professora Dilair Novais Rocha, 1973. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT – lata 1973.
Para ser professor do MOBRAL não era necessário ser profissional da educação,
bastava ser alguém da comunidade que soubesse um pouco mais para ensinar aos que sabiam
138
menos. Além disso, esses professores não tinham vínculo empregatício com a Instituição, o
que era justificado pelo fato de não serem profissionais. O salário que recebiam era simbólico
e estava vinculado ao número de alunos conseguidos pelo professor. Em relação a isso,
Mendonça explica que:
O pagamento por aluno programa, segundo o MOBRAL, é uma forma de tornar mais vivo o interesse do alfabetizador para que o aluno freqüente as aulas até quase o final do programa, pois dessa freqüência dependerá também a sua gratificação. Quando o recrutamento dos alunos se torna difícil pela rarefação da clientela ou por sua resistência em freqüentar as classes de alfabetização, há, forçosamente, uma baixa gratificação do alfabetizador, daí a opção em termos uma gratificação fixa, que, entretanto, nunca superior ao pagamento por aluno-programa do alfabetizador que conta com mais de 25 alunos no final do convênio (MENDONÇA, 1985, p. 131).
Em relação ao salário recebido pelos professores do MOBRAL em Mato Grosso, o
ex-coordenador, Sr. AFJ, informou que “os professores recebiam baixos salários, não tinham
direito a férias e nem 13 º salário”. Esclareceu ainda, que “como coordenador não recebia
nada, era voluntário”. Ainda sobre esta questão, as professoras declararam:
[...] nós recebíamos era pouco, mas ele era bom para pagar. Eu não lembro se era salário, eu sei que nós recebíamos dinheiro limpo, mas não lembro se assinávamos alguma coisa. [...] naquele tempo não tinha cheque, não tinha banco, não tinha nada53 (professora Diva Silveira de Oliveira, 2006). [...] sim era por aluno, tinha que ter 25 alunos na sala de aula só que não lembro quanto era que recebia ( professora Epifânia Maria da Costa54, 2006). [...] nós recebíamos uma gratificação, eu creio como gratificação, pelo número de alunos que tinha na época em sala de aula (professora Adenir Rodrigues de Souza55, 2006). [..] ele prometeu que eu iria receber uma gratificação por número de alunos matriculados, era simbólico, mas na época ...[...] Como coordenadora recebia
53 A professora Diva quando diz dinheiro limpo, queria dizer dinheiro vivo, porque naquela época não havia rede Bancária na cidade de Acorizal. 54 A professora Epifânia Maria da Costa foi alfabetizadora do MOBRAL no município de Várzea Grande. 55 A professora Adenir Rodrigues de Souza foi alfabetizadora do MOBRAL no município de Várzea Grande
139
um bom salário [...] (professora/coordenadora Maria do Rosário Oliveira56, 2006).
De certo modo, o depoimento dessas professoras demonstrou que elas não se
sentiam insatisfeitas com o salário que recebiam. Porém, devemos levar em consideração que
essas professoras começaram a trabalhar muito jovens, a maioria ainda não havia terminado
seus estudos, provavelmente esse era o seu primeiro emprego. Considerando todos esses
aspectos é possível entender os motivos que essas professoras tinham para não se sentirem
insatisfeitas com o baixo salário oferecido pelo MOBRAL. Contudo, é importante ressalvar
que o MOBRAL não criou grandes expectativas salariais, muito pelo contrário:
Nós sempre lhes dissemos que lhes daríamos uma pequena gratificação, mas que na verdade eles estariam sempre nos dando uma parte de seu tempo gratuitamente. Essa gratificação era, e é, quase simbólica. Então nós temos uma rede de recursos humanos, de pessoas de boa vontade, disponíveis, querendo ajudar à população e ao país e trabalhando essa estrutura a um custo muito baixo57 (CORRÊA, 1980 apud MENDONÇA, 1985, p. 131).
Na realidade, ser professora do MOBRAL no interior de Mato Grosso era
desenvolver um trabalho que ia muito além da mística pela educação. As histórias dessas
professoras foram marcadas por muitas superações de situações adversas.
Nós professoras, quando nós íamos fazer o curso nós íamos de charrete, quando saíamos da minha casa à noite, chegávamos na outra noite. Tinha que parar pro animal comer, dar ração, era uma noite e um dia. ............................................................................................................................ Eu trabalhei na minha casa Mobral por três anos, não tinha nem onde sentar. [...] nós ficamos quinze dias em Acorizal fazendo um curso. Passando de canoa na maior dificuldade pra fazer o curso e eu chorava porque naquele tempo eu larguei a Maria e o Dito pequenininho, então eu chorava de lembrar deles. Nós fazíamos o curso bem na beirinha do Rio Cuiabá e eu olhava aquela água e chorava porque pensava que não ia nunca mais ver minhas crianças. [...] Era um perigo, nos arriscávamos muito e quem deixava criança pra trás vai preocupado. [...] E deu tudo certo, parecia que eu nem ia gostar, mas
56 A professora Maria do Rosário Oliveira foi alfabetizadora e coordenadora do MOBRAL no município de Poconé. 57 Declaração feita pelo Presidente do MOBRAL à imprensa em 07/03/80.
140
comecei a trabalhar e fui gostando [...] (professora Diva Silveira de Oliveira, 2006).
Como coordenadora ia em sala de aula incentivar os alunos as vantagens de ler e escrever tinha lugar que não tinha luz, tinha que levar lampião[...]. Tinha lugares que só ia de três em três meses e passava 15 dias, já em Cárceres ia todo mês. (professora Neide Benta Pinheiro Arruda, 2006).
Certamente a imagem abaixo exemplifique um pouco das dificuldades que a
professora Diva relatou que passava durante seu deslocamento para participar do curso de
capacitação para professores do MOBRAL.
Foto 1: Documento Básico do Mobral, Rio de Janeiro, 1973.
A capacitação dos alfabetizadores no início do MOBRAL era feita pelos técnicos
do MOBRAL Central, pautava-se na idéia de:
141
Treinamento repetido na metodologia de alfabetização, a todos os monitores; fornecimento de um bom material didático ao aluno e de um excelente manual ao professor, capaz de servir- lhe de apoio em todas as dificuldades; estabelecimento de um sistema de supervisão, com pessoas de ótimo nível educacional, bem treinadas e selecionadas (CORRÊA, 1979, p.38).
A partir de 1972, a capacitação dos professores foi realizada também pelo rádio, de
forma a preservar o conteúdo a ser transmitido que partia de um modelo único para todos os
Estados. Com o passar do tempo, o MOBRAL Central passou a oferecer outras alternativas
para a capacitação dos alfabetizadores, as coordenações regionais ficariam responsáveis para
decidirem qual seria o melhor meio para capacitar seus alfabetizadores. Segundo as
professoras entrevistadas, todas receberam capacitação para atuarem como alfabetizadoras do
MOBRAL:
Fazia curso todo ano em julho e no começo do ano, sempre tinha. Vinha gente de Cuiabá pra fazer esse curso. Sempre largava meus filhos e ia fazer os cursos e quando não ia grávida para atravessar o rio (professora Diva Silveira de Oliveira, 2006).
Teve um treinamento sobre como seria trabalhar com esse projeto e depois o coordenador só fazia visitas na sala pra ver a quantidade de alunos, se tava tudo certinho, e quando chegava o material, trazia para o professor trabalhar (professora Epifânia Maria da Costa, 2006).
A fotografia abaixo ilustra um desses momentos:
142
Foto 2: Curso de capacitação para professoras do MOBRAL, ente 1971 a 1975. Acervo particular do ex-coordenador do MOBRAL em Várzea Grande.
Por meio desses relatos, foi possível concluir que, mesmo não tendo formação
específica para serem alfabetizadoras de adultos, essas professoras fizeram o possível para
superar suas deficiências e oferecer àqueles que não puderam estudar na época adequada uma
nova oportunidade. Contudo, se foram ou não bem sucedidas, não cabe a nós julgarmos, pois
o êxito de um professor não depende exclusivamente de seu esforço individual, mas sim de
todo o contexto em que apóia sua prática pedagógica.
A orientação presente no material didático oferecido pelo MOBRAL era bem
definida ideologicamente e consistia no incentivo ao esforço individual para vencer na vida,
ao estímulo à adaptação a padrões de vida modernos e ao conhecimento de novas formas de
consumo (PAIVA, 1987, P.296). Esse material era composto de conjunto de cartazes, que
podem ser visto no anexo 2; livro de leitura; livro de exercícios de linguagem; livro de
exercícios de matemática e roteiro do alfabetizador. Em relação ao recebimento deste
material, as professoras informaram que recebiam livros, cartazes e cadernos.
Tinha cartilha, livro didático para os alunos estudarem e eles ficavam tão contente. Eles ficavam todos alegres quando chegava livro ou cartilha nova, iam ver o desenho. O que estava escrito, ver os versinhos que tinha no livro (professora Diva Silveira de Oliveira, 2006).
143
Eu me lembro de cartilhas... os cartazes, porque tinha que trabalhar com as famílias, então você tinha que seguir, era como um roteiro (professora Adenir Rodrigues de Souza, 2006).
Sobre o ritual pedagógico desenvolvido por essas professoras para a prática em
sala de aula, perguntei como planejavam suas aulas, se recebiam alguma orientação
pedagógica, se havia fiscalização e se estavam preparadas para alfabetizarem.
Não me sentia preparada para ensinar, na época a gente nem fazia plano de aula, trabalhava conforme aquilo que achávamos, porque era só português e matemática Nós recebíamos sim orientação, mas não lembro como era.(Joana Júlia de Oliveira, 2006). Sempre gostei de fazer meus planinhos de aula pra quando chegar na sala de aula estar preparada, porque hoje e antigamente o aluno interroga o professor então se o professor não entra preparado ela passa vergonha (Diva Silveira de Oliveira, 2006). [..] em cima do livro que era fornecido, em cima dos cartazes, a gente tinha que seguir o projeto, o conteúdo adequado com aqueles alunos, [...]. Não era ensino regular, era um projeto, então de acordo com o nível da turma. A atividade era preparada para dar para adultos, que não é a mesma coisa que para uma criança. Era assim que eu preparava minhas aulas, de acordo com o material do projeto. Eu me sentia preparada para ensinar porque sempre gostei de trabalhar com jovens e adultos. [...]. O coordenador que era ligado à prefeitura na época e ele vinha fazer visita pra ver se tinha evasão ou comparecimento de professores, porque todo projeto tem fiscalização (Epifânia Maria da Costa, 2006).
O comentário que se pode fazer em relação à prática dessas professoras é que elas
reproduziam o que Paulo Freire chamava de Educação Bancária, ou seja: o professor é o que
educa; os alunos, os que são educados; o professor é o que sabe; os alunos, os que não sabem;
o professor é o que pensa; os alunos, os pensados; o professor é o que opta e prescreve sua
opção; os alunos os que seguem a prescrição (FREIRE, 1983, p.68). Certamente, a concepção
de educação para essas professoras era fruto de um sistema educacional deficitário do qual
144
faziam parte e no qual receberam suas bases, pois como afirma a professora Carlinda58, “eu
ensinava o que eu aprendi”.
Em relação à fiscalização, as professoras foram unânimes ao responder que havia
pessoas que iam fiscalizar seus trabalhos, entretanto, fica evidente em seus relatos, que a
ênfase dessa fiscalização estava muito mais focada no caráter quantitativo do que qualitativo,
ou seja, interessava muito mais saber a quantidade de alunos atendidos pelo programa do que
a qualidade de ensino que esses alunos estavam recebendo. O importante, segundo a ex-
coordenadora Neide “era ensinar a fazer o nome e as quatro operações”. Cabe aqui esclarecer
que tanto a orientação pedagógica quanto a fiscalização, geralmente, eram atribuições dos
coordenadores regionais ou de área.
Finalmente, perguntei aos sujeitos entrevistados se a campanha havia conseguido
atingir seus objetivos e se havia proporcionado mudança de vida naquelas pessoas que foram
alfabetizadas. Sobre isso os entrevistados ressaltaram que:
Sim, a campanha conseguiu atingir seus objetivos, só pela grande quantidade de alunos que concluíram o curso dirá que já foi válido. [..] com certeza houve mudança na vida dessas pessoas, algumas foram para a universidade (ex-coordenador Sr. AFJ, 2006). Eu acho que sim, porque o objetivo das pessoas que me convidaram na época para dar aula era que os adultos deveriam ser alfabetizados. Eu acho que foram alfabetizados, [...]. Aqueles jovens que estudaram naquela época, que foram meus alunos eu acho que ficaram parados, não continuaram. Eu conheço um pouco deles, eles lembram de mim, me olham com carinho...eu tenho muita saudades deles [...] (professora Joana Julia de Oliveira, 2006). Eu creio que a campanha conseguiu atingir seus objetivos, porque eles sentiam-se realizados quando conseguiam escrever o nome....diziam até que já sabiam ler o letreiro de ônibus e que já sabiam votar. [...]. Com certeza houve mudança na vida deles, porque eles ficavam contentes quando conseguiam ser alfabetizados (professora Epifânia Maria da Costa, 2006). Muitos foram alfabetizados, mas aquilo era só um começo. Quem tinha força de vontade dava continuidade, uns saiam lendo e escrevendo outros apenas assinando o nome e conhecendo algumas palavras (ex-coordenadora/professora Maria do Rosário Oliveira, 2006).
58 A professora Carlinda Benedita da Silva foi alfabetizadora do MOBRAL dava aula na fazenda tanto para adultos como para crianças.
145
De modo geral, na opinião das professoras e dos ex-coordenadores entrevistados, a
campanha de alfabetização implementada pelo MOBRAL havia conseguido atingir seus
objetivos e havia também conseguido mudar a vida desses alfabetizandos. Contudo, esses
objetivos aos quais os entrevistados se referiam tinham como base um conceito pobre de
alfabetização e um conceito pobre sobre o alfabetizando59, pois pelo simples fato de saber
assinar seu nome e ter conhecimento de algumas palavras, já seria suficiente para que esse
aluno se sentisse satisfeito, porque a visão que se tinha deste educando era de um ser limitado
em sua capacidade de aprendizado. Por isso, e em decorrência disso, era presumível que se
acreditasse que a condição de alfabetizado já era em si uma mudança de vida para essas
pessoas.
Por outro lado, embora o MOBRAL apregoasse oficialmente objetivos mais
amplos para a alfabetização de adultos, ideologicamente esses objetivos eram esvaziados em
detrimento aos objetivos político-partidários do movimento, que se preocupava muito mais
em manter o controle das classes sociais do que com a erradicação do analfabetismo. Neste
sentido, a ex-coordenadora Neide relatou que ao término do curso de alfabetização tinha
formatura e vários políticos compareciam à cerimônia. Nesta ocasião, os alunos recebiam
diplomas de conclusão do curso, faziam exposição de trabalhos feitos por eles e as professoras
recebiam certificado de colaboradoras do curso de alfabetização. A ex-coordenadora Neide
informou ainda que “os alunos pediam para fazer o nome de fulano (político) para votar
nele.no fundo, no fundo aquilo era eleitoreiro”.
Foto 3: Cerimônia de entrega de certificado dos alunos do MOBRAL, na cidade de Poconé. Acervo pessoal da professora Maria do Rosário Oliveira
59 Maior aprofundamento sobre essas concepções, consultar MOURA, Tânia Maria de Melo. A prática pedagógica dos alfabetizadores de jovens e adultos: contribuições de Freire, Ferreiro e Vygotsky. Maceió . 3 ed. EDUFAL, 2004.
146
Foto 4: Apresentação das produções dos alunos do Mobral. Da .Esq p/ direita: Ary Leite de Campos – Prefeito, Padre Luiz Maria Ghisoni, delegado Carmindo e o comerciante Ataídes da Silva
Figura 10: Certificado de colaboração como Alfabetizadora do MOBRAL, 1971. Acervo pessoal da Adenir Rodrigues de Souza.
O documento abaixo é mais um registro da importância político-social e até cívica
atribuída ao MOBRAL pelas autoridades mato-grossenses. O documento registrou todo o
entusiasmo e satisfação expressada pelo Coordenador Estadual do MOBRAL, Padre Pedro
Cometti, com os resultados obtidos pelo movimento na cidade Nossa Senhora do Livramento.
147
Figura 11: Ofício nº 718/72 enviado pelo Coordenador Estadual do MOBRAL, Padre Pedro Cometti ao Governado do Estado, Sr. Jose Manoel F. Fragelli, 1972. Arquivo Público de Mato Grosso – APMT – Lata 1972.
A década de 70 foi considerada o período de maior crescimento do MOBRAL e
também o de maior mobilização de recursos humanos, financeiros e materiais. Levando o
lema “Você também é responsável” o MOBRAL conseguiu mobilizar grande parcela da
população brasileira no sentido de reconhecer a importância da alfabetização para jovens e
adultos nas mais afastadas localidades do país. De forma otimista e com base nos primeiros
148
resultados de suas atividades, o MOBRAL acreditava ser possível atingir um índice de
alfabetização semelhante ao dos países mais desenvolvidos, até o final da década de 70.
Contudo, não foi isso que aconteceu. No início da década de 80 o enfraquecimento do
MOBRAL já era bastante visível e segundo a professora/coordenadora Maria do Rosário “a
filosofia havia mudado, houve novo treinamento, o material foi modernizado, mas as reuniões
diminuíram e o envio de material também e, depois, acabou o MOBRAL”. Ainda sobre os
últimos anos do MOBRAL em Mato Grosso, a professora/coordenadora Neide comenta:
Nos anos 80 foi decaindo, a verba foi acabando, foi ficando muito antipatizado usar o MOBRAL com fins eleitoreiros. As brigas e rivalidades eram constantes (Neide Benta Pinheiro Arruda, 2006).
De fato, no decorrer dos anos 80 o Brasil passou por importantes transformações
sócio-políticas como, o fim do governo militar, a retomada do processo de democratização, e
a exigência da sociedade por uma oferta de educação mais extensa que naquele momento não
era compatível com a filosofia do MOBRAL e por isso, em 1985 o Movimento Brasileiro de
Alfabetização foi extinto.
No período que compreendeu a extinção do MOBRAL e a extinção da Fundação
EDUCAR observou-se que o Estado de Mato Grosso buscou intensificar suas atividades de
ampliação do Ensino Supletivo, através da criação dos Centros de Estudos Supletivos em
vários municípios. Durante o levantamento de fontes documentais, não foi encontrada
nenhuma documentação que revelasse algum convênio firmado entre o Governo do Estado e a
Fundação EDUCAR, para o desenvolvimento de atividades relacionadas à educação de jovens
e adultos.
Porém, com a instituição da Fundação EDUCAR como órgão de fomento e apoio
técnico às atividades de educação básica para jovens e adultos, houve a necessidade de lançar
um Programa de Educação que pudesse substituir os Programas do MOBRAL e, assim, desta
forma, foi lançado o Programa de Educação Básica (PEB) que oferecia a educação básica
organizada em três módulos, com a duração de dois anos. A alfabetização correspondia ao
primeiro módulo e tinha a duração de um ano. O segundo e o terceiro módulo, com duração
de um semestre para cada, correspondiam às séries inicias do primeiro grau. Este programa
foi lançado em todo país através de convênios com as Prefeituras Municipais, entidades
filantrópicas, associações civis, empresas estatais e privadas. Contudo, a Fundação Educar
149
não conseguiu executar com eficiência os convênios firmados com as Prefeituras, tendo em
vista a limitação de verbas e de material didático e as irregularidades no envio de recursos.
Conseqüentemente, todos esse fatores contribuíram para o enfraquecimento da Fundação que
não tendo conseguido realizar as transformações por ela anunciada, foi extinta no ano de
1990, justamente no ano em que foi declarado pelas Nações Unidas como o Ano Internacional
da Alfabetização.
Mesmo de forma limitada, devido à ausência de alguns documentos emblemáticos
que pudessem fornecer dados orientadores para uma análise mais profunda sobre os
resultados da Campanha de Alfabetização do MOBRAL em Mato Grosso, ainda assim, foi
possível concluir que o MOBRAL conseguiu oferecer, pela primeira vez, uma oportunidade
de estudo àquelas pessoas que viviam em localidades nunca antes contempladas por nenhuma
oferta educacional, como foi o caso da Fazenda do Sr. Nereu60 e outras comunidades que nem
escolas tinham para serem instaladas as classes de alfabetização do MOBRAL, conforme
relato das professoras entrevistadas. Deste modo, e só por isso, já seria possível dizer que o
MOBRAL teve sua importância no contexto educacional deste Estado. Porém, outro fato que
deve ser levado em conta para esta análise diz respeito à situação do ensino no Estado naquele
momento histórico. Neste sentido, os estudos realizados nesta pesquisa sobre o contexto
educacional mato-grossense evidenciou que o sistema educacional do Estado era deficitário e
que a dificuldade de ampliação da oferta educacional era um dos fatores responsáveis pelos
elevados índices de analfabetismo. Por isso é possível afirmar que o MOBRAL contribuiu,
mesmo que não tenha sido de forma permanente, para ampliar a oferta educacional da
população mato-grossense, oferecendo a muitos a oportunidade de serem alfabetizados.
60 Segundo a professora Carlinda que trabalhou como alfabetizadora do MOBRAL durante nove anos nesta fazenda.
150
5.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema do analfabetismo no Brasil não é novo. Pelo contrário, ainda no final do
Império, tendo o Brasil uma taxa de 82,3% de analfabetos, a preocupação com esse fenômeno
aparece na esteira de um fato político: a proibição do voto do analfabeto em 1881/1882
(MORTATTI, 2004, p.53). Portanto, há anos se discute a questão do analfabetismo no país.
Mas somente a partir da década de 1940 essa discussão foi oficializada e adquiriu projeção
internacional. Um órgão do porte da UNESCO passa a estimular empreendimentos que
pudessem realmente resolver o problema do analfabetismo. A partir de então, a Educação de
Adultos passa a se firmar como um problema de política nacional, reclamando por um
tratamento diferenciado. Conseqüentemente, a partir desse período, as experiências
relacionadas com a alfabetização de adultos no Brasil se organizaram em torno de campanhas,
solução encontrada pelas autoridades governamentais para encarar de frente o grave problema
do analfabetismo no país. No entanto, essas experiências de alfabetização de adultos em
formato de campanha foram vivenciadas de maneiras diferentes por cada Estado da
Federação.
Deste modo, o estudo aqui realizado objetivou analisar como foram desenvolvidas
as Campanhas Oficiais de Alfabetização de Jovens e Adultos em Mato Grosso, no período de
1947 a 1990. O interesse em pesquisar a história da alfabetização de adultos em Mato Grosso
no contexto das campanhas deve-se ao fato de que ainda são poucos os estudos realizados no
Brasil que evidenciam aspectos históricos da alfabetização de adultos, principalmente, a do
Estado de Mato Grosso. Neste sentido, optei por uma pesquisa do tipo histórico buscando
refletir sobre o passado das campanhas de alfabetização de jovens e adultos em Mato Grosso,
não só privilegiando os mecanismos internos do processo educacional, mas também todo o
contexto sócio-histórico em que essas campanhas foram constituídas no seio da sociedade
mato-grossense.
A opção por abordar um longo período histórico justifica-se por este abranger as
grandes campanhas nacionais de alfabetização de adultos instituídas no Brasil,
especificamente a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) e o
Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), que neste contexto histórico foram
consideradas as maiores campanhas empreendidas no Brasil. Assim, por se constituir num
primeiro estudo privilegiou-se uma visão mais panorâmica.
Para reconstituir o percurso histórico das campanhas de alfabetização em Mato
Grosso procurei, criteriosamente, localizar, reunir e selecionar fontes documentais e orais,
151
analisando vestígios do passado que nos foram legados e que dão indícios do complexo
movimento histórico das ações políticas desenvolvidas em torno da alfabetização de adultos
no Brasil e em Mato Grosso.
Mesmo sabendo que em fragmentos do passado não se obtêm a plenitude do fato
histórico, ainda assim, arrisquei reconstruir a trajetória das Campanhas de Alfabetização em
Mato Grosso, amparada nos pressupostos teóricos da História Cultural e da História Oral e
ainda, tendo como base metodológica as contribuições da configuração textual.
Assim, diante do material pesquisado e ciente que o trabalho de historiar o
desenvolvimento das campanhas de alfabetização de jovens e adultos em Mato Grosso, não
deve ser considerado como um produto acabado e sim como um momento de reflexão e
constatação, me propus algumas questões. Devo retomá-las agora: A alfabetização de adultos
neste período (1947 a 1990) era vista como peça importante no processo de promoção
educacional de todo um povo? Como foi a atuação dos poderes públicos do Estado de Mato
Grosso ante as campanhas nacionais de alfabetização de jovens e adultos? Quais fatores
influenciaram positivamente/negativamente as campanhas oficiais de alfabetização de jovens
e adultos em Mato Grosso?
Foi possível verificar que a trajetória das campanhas de alfabetização de adultos
em Mato Grosso foi marcada por momentos de entusiasmo e outros de descaso,
descontinuidades e deficiências administrativas ao longo do período em que essas campanhas
foram desenvolvidas nesse Estado. A primeira campanha de alfabetização de adultos lançada
nacionalmente foi a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), lançada pelo
Ministério da Educação no ano de 1947. Esta Campanha foi considerada uma “autêntica
campanha de salvação nacional, uma nova abolição”. Seu objetivo era recuperar parte da
população analfabeta que era excluída do processo de desenvolvimento do país. Para isso, foi
criada uma estrutura que visava abrir dez mil classes de alfabetização em todo o país. Para
que a Campanha fosse implementada em cada Unidade da Federação o Governo Federal
disponibilizou recursos para as despesas, com material didático e pagamento de professores,
sendo que a outra parte do empreendimento ficaria a cargo das administrações regionais. Em
decorrência disso, as administrações regionais tiveram que utilizar a própria estrutura
educacional já existente como ponto de referência à execução direta e autônoma dos serviços
indispensáveis para o desenvolvimento da campanha.
Seguindo basicamente essa mesma estrutura, em 1969 foi lançada pelo Movimento
Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) mais uma campanha massiva de alfabetização de
adultos que pretendia erradicar o analfabetismo no Brasil até o ano de 1980. Novamente, a
152
opção por uma campanha de massa era a resposta do atual governo à ainda grave situação do
analfabetismo no país, o que nos faz concluir que a primeira campanha, mesmo com toda sua
estrutura, não havia conseguido atingir seus objetivos. A grande semelhança entre a CEAA e
o MOBRAL consistia em pensar a educação como um investimento capaz de produzir mão-
de-obra qualificada ao mercado de trabalho e por conseqüência impulsionar o
desenvolvimento do país. No entanto, a proposta de educação do MOBRAL era toda voltada
para os interesses políticos vigentes na época que visavam ter o controle do saber para a
manutenção do poder. Por outro lado, a proposta de educação da CEAA esteve vinculada ao
novo processo de redemocratização do país.
Vale ressaltar que no período compreendido entre 1960 a 1964 surgiram várias
experiências voltadas à promoção da cultura e da educação popular, como as experiências de
alfabetização de Paulo Freire no Movimento de Cultura Popular. Contudo, essas experiências
foram vitimas do autoritarismo que se instalou no país, após o golpe militar.
Em Mato Grosso a estrutura educacional já existente por ocasião das Campanhas
era preocupante, faltavam escolas, professores habilitados, fiscalização escolar, material
didático e principalmente uma política de modernização na estrutura pedagógica. Foi
necessário ter uma visão global das condições do ensino em Mato Grosso nesse contexto e,
ainda, em contextos anteriores, para melhor entender os meandros nos quais foram
desenvolvidas as campanhas de alfabetização de adultos neste Estado. Embora o Governo do
Estado tivesse estabelecido diversos acordos com o Ministério da Educação e Cultura, para
implementar as campanhas de alfabetização, muitos foram os fatores que contribuíram
negativamente para o não desenvolvimento dessas campanhas em sua totalidade. Dentre eles:
- a ineficiência do aparelho escolar fiscalizador que acabava viabilizando o não
funcionamento das classes de alfabetização;
- a má utilização dos recursos financeiros destinados às campanhas, alvo de várias críticas;
- as precárias condições da estrutura física dos prédios escolares - muitas classes de
alfabetização funcionavam em prédios mal conservados e sem mobiliário;
- o problema da falta de qualificação do professorado, que por um longo período desse
contexto, foi considerado “ineficiente” e sem preparação pedagógica;
- a má qualidade do material didático, aliado ao despreparo do professor e falta de orientação
pedagógica;
- a influência nociva da politicagem no setor educacional muitas vezes responsável pela
nomeação de professores leigos para compor o quadro do magistério mato-grossense;
153
- a concepção que se tinha do alfabetizando como sendo um ser ignorante, inculto e incapaz
de aprender coisas mais complexas;
- a concepção de que se tinha da alfabetização como apenas um simples processo de aquisição
de um sistema de código alfabético, capaz de transformar o analfabeto em pessoas produtivas.
De certo modo, estes fatores não só comprometiam o desenvolvimento das
atividades das campanhas, mas também comprometiam todo o processo de modernização do
ensino mato-grossense. O próprio governo reconhecia que todas as providências tomadas
para solucionar os problemas educacionais do Estado, por um longo período, tinham sido
feitas de forma tradicional e repetitiva que só reeditavam os mesmos problemas, as mesmas
ações, os mesmos programas e o mesmo tipo de ensino.
Contudo, nesse complexo movimento histórico em que foram desenvolvidas as
campanhas de alfabetização, alguns aspectos podem ser considerados positivos:
- o esforço individual de alguns professores que mesmo sem formação e diante de tantas
adversidades tentaram superar suas deficiências e alfabetizaram seus alunos;
- a campanha do MOBRAL conseguiu oferecer pela primeira vez uma oportunidade de estudo
àquelas pessoas que viviam em localidades nunca antes contempladas por nenhuma oferta
educacional;
- os resultados quantitativos dessas campanhas apontam para uma significativa redução do
analfabetismo no país: o índice de analfabetismo reduziu de 55% na década de 40 para 49,3%
na década de 50 e de 33,6% na década de 70 para 25% na década de 80.
Na verdade, a constatação que se chega, mediante estudo e análise da trajetória
dessas campanhas de alfabetização é a de que, embora o Estado de Mato Grosso tenha
desenvolvido as Campanhas Oficiais de Alfabetização de Adultos no período aqui estudado,
ficou muito aquém de resolver o problema do analfabetismo naquele contexto histórico. Além
disso, as Campanhas não conseguiram atingir percentagens de alfabetização elevadas e
duráveis que justificassem o investimento enorme de recursos financeiros.
Embora a educação tenha sido matéria de grande preocupação dos governantes
mato-grossense durante o longo período de vigência das Campanhas, a alfabetização de
adultos não se configurou como um empreendimento primordial para o Governo Estadual. O
grande problema estava na distância entre o discurso político e a prática, ou seja, a
alfabetização de adultos foi muito mais utilizada como instrumento político-ideológico do que
como um processo capaz de promover a elevação educacional de um povo.
Em suma, o que ficou claro diante do fracasso dessas campanhas, é que a
alfabetização de toda a população deve continuar sendo uma grande meta a ser conquistada
154
não por este ou aquele governo, mas por toda a sociedade. Diante de tantas campanhas com o
mesmo foco, é importante que se desenvolva um conjunto de conhecimentos sobre os
processos que as levaram ao fracasso, para que no futuro o Brasil não tenha que olhar para
trás e se deparar com derrotas cada vez mais familiares.
Enfim, o estudo aqui apresentado se constitui apenas em uma possibilidade
interpretativa do tema aqui pesquisado, já que muitos aspectos dessa temática merecem ser
aprofundados o que não foi possível neste trabalho, mas que pode ser feito em futuras
pesquisas.
Espero, portanto, ter conseguido recuperar uma parte do passado histórico das
campanhas de alfabetização e com isso ter contribuído cientificamente para a produção
historiográfica da educação em Mato Grosso.
155
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ANEXOS
Anexo I Roteiro de entrevista Dados pessoais e Profissionais:
• Nome:
• Endereço:
• Local e data de nascimento:
• Atividades atuais:
• Escolaridade:
• Profissão:
• Tempo de serviço:
• Área de atuação:
• Vínculo empregatício:
• Situação atual:
Memórias: • Você tem alguma informação sobre campanhas de alfabetização de jovens e adultos
no período de 1947 a 1880? Quais?
• De que forma você participou dessa(s) campanha (s)?
• Que tipo de material didático foi utilizado nas campanhas?
• Como foram divulgadas as campanhas?
• Tem alguma documentação (material didático, registros, certificados, material de divulgação, foto e etc...) que possa servir de registro histórico dessa(s) campanha (s)?
• Como era feito o processo de recrutamento de profissionais para atuarem na(s) campanha(s)?
• Havia alguma preparação para esses profissionais atuarem na(s) campanha(s)?
• Você sabe informar se esses profissionais recebiam algum salário?
• Durante o desenvolvimento da(s) campanha(s), você lembra quantas turmas foram formadas?
• Quantos alunos faziam parte dessas turmas?
• Você lembra o nome de algum aluno que foi alfabetizado em alguma dessas campanha(s)?
• Na sua opinião essa(s) campanha(s) conseguiram atingir seu(s) objetivo(s)?
• Na sua opinião houve um compromisso por parte das autoridades municipais e/ou estaduais para o desenvolvimento dessa(s) campanha(s)?
• Na sua opinião houve mudança na vida das pessoas que foram alfabetizadas por meio dessa(s) campanha(s)?
Anexo II Material Didático Fotos dos Cartazes que faziam parte do material didático distribuído pelo MOBRAL.
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas
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