apostila de direito tributÁrio - esmeg.org.br · organização do sistema político...
Post on 07-Nov-2018
219 Views
Preview:
TRANSCRIPT
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 1
APOSTILA
DE
DIREITO
TRIBUTÁRIO
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 2
Caro aluno,
Apresento-lhe a apostila de direito tributário e informo-lhe que o presente trabalho não
pretende esgotar os temas relacionados a esta disciplina, carecendo o estudo de
complementação doutrinária e jurisprudencial.
Esta apostila visa, apenas, a auxiliá-lo na busca constante do conhecimento, munindo-
lhe com um roteiro e com a primeira reserva de oxigênio para sua viagem individual.
Reputo importante destacar que o estudo jurídico eficaz exige leituras variadas e
constantes, bem como muita firmeza e concentração no objetivo que se deseja atingir.
Lembro-lhe que o operador do direito deve manter-se vigilante, evitando que a inércia
tome conta de seus pensamentos e ações.
A inércia é como a pulga da fábula de Esopo (A pulga e o Homem): importuna o
homem, alimentando-se vagarosamente de seu sangue e retirando-lhe as forças. Parece
inofensiva, mas deve eliminada ao menor sinal, pois não é bom deixar o mal crescer, por mais
insignificante que pareça.
Portanto, mãos à obra!
E, no decorrer da caminhada, não deixe que os lances adversos do destino lhe retirem o
ânimo e a coragem de seguir em frente, altivo.
Grave em sua memória as palavras do Professor Adhemar Ferreira Castilho, que
lecionava Direito das Sucessões na Faculdade Mackenzie de São Paulo, falecido em 21/04/08:
“Sorte é quando o preparo e a oportunidade se encontram. Portanto, estudem e se
preparem, pois a oportunidade surgirá. Saibam que o único bem que não entra em
inventário é o Saber, este você leva. O saber torna a crise amena, pois você sabe que
sabe, e isso lhe transmitirá segurança.”
Peço a você que contribua com o trabalho de aprimoramento desta apostila, sugerindo
temas, questionando posicionamentos, investigando as informações e tecendo críticas.
Por fim, prezado aluno, permaneça curioso e busque novas paradas, continue a
trajetória, lembrando que o professor, parafraseando o mestre Luis Roberto Barroso, deve ser
janela e não espelho.
Um abraço afetuoso,
Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 3
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO RESUMIDO
DE DIREITO TRIBUTÁRIO
TÍTULO I - Introdução ao Direito Tributário - DO SISTEMA TRIBUTÁRIO
1) Teoria Geral do Direito Tributário.
2) Fontes do Direito Tributário.
3) Norma tributária: hermenêutica (vigência, aplicação e interpretação).
4) Limitações ao Poder de Tributar.
TÍTULO II - DA RELAÇÃO TRIBUTÁRIA
1) Obrigação tributária (fato gerador, sujeitos ativo e passivo e critério quantitativo).
2) Crédito tributário e o ato de lançamento.
3) Suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário.
4) Prescrição e Decadência em matéria tributária.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
Obrigatória
Constituição Federal e Constituição Estadual
Código Tributário Nacional e Código Tributário Estadual
Legislação tributária extravagante (leis instituidoras de tributos)
Disponível
BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Ed. Forense.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. Editora
Saraiva.
CAIS, Cleide Previtalli. O processo tributário. Ed. RT.
CAMPOS, Dejalma de. Direito Processual Tributário. Editora Malheiros.
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. Editora RT.
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 4
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Editora Saraiva.
CASSONE, Vittorio. Direito Tributário. Editora Atlas.
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Forense.
ICHIHARA, Yoshiaki. Direito Tributário. Editora Atlas.
JUNIOR, Humberto Theodoro. Lei de Execução Fiscal. 5ª edição, Ed. Saraiva.
MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. Ed. Atlas Jurídico.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sistema Tributário na Constituição de 1988. Editora
Saraiva.
MELO, José Eduardo Soares. Curso de Direito Tributário. Ed. Dialética.
MORAIS, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. Editora Forense.
NOGUEIRA, Ruy Barbosa Nogueira. Curso de Direito Tributário. Ed. Saraiva.
SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Processo Tributário. Ed. Saraiva.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Editora Renovar.
VALÉRIO, Walter Paldes. Programa de Direito Tributário. Editora Sulina.
Sugerida pela Professora
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. Editora Saraiva.
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. Editora Atlas.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Ed. Malheiros.
PAULO, Marcelo Alexandrino e Vicente. Manual de Direito Tributário. Ed. Método.
ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário.
Editora Renovar.
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 5
TÍTULO I - Introdução ao Estudo do Direito Tributário –
DO SISTEMA TRIBUTÁRIO
1) Teoria Geral do Direito Tributário
1.1 - O fenômeno da tributação
A tributação existe desde os tempos mais remotos. Alguns autores, especialmente Rui
Barbosa Nogueira, contam que no início eram doações, depois confiscos e, após, com a
evolução do constitucionalismo e a democracia, a tributação transformou-se em relação
jurídica. Outros informam que sempre foi imposta a cobrança de tributo.
O fenômeno da tributação possui três aspectos:
a) aspecto financeiro: obtenção de recursos pelo Estado (arrecadação)
b) aspecto econômico: intervenção no sistema econômico
c) aspecto social: redistribuição de renda
O Direito Tributário tem por escopo promover a arrecadação de recursos para a
Administração Pública, por intermédio de norma jurídica e sempre submetido aos princípios
do Estado de Direito.
1.2 - Sistema Tributário
Sistema segundo o Dicionário Aurélio é: disposição das partes ou dos elementos de
um todo, coordenados entre si, e que funcionam como estrutura organizada.
Assim, sistema tributário é “o conjunto ordenado e lógico dos tributos e das relações
dele decorrentes, com o complexo econômico e com os fins fiscais e extrafiscais da imposição
estatal”.
1.3 - Classificações e Sistema Tributário Brasileiro
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 6
O sistema tributário pode ser:
a) histórico: quando a coordenação dos institutos advém da evolução histórica (Constituição
histórica ou costumeira);
b) racional, político ou teórico: quando a coordenação deriva da vontade do legislador ou da
organização do sistema político (constituição dogmática ou escrita).
i) rígido: o legislador ordinário não dispõe de discricionariedade, sendo que a constituição
estabelece as normas essenciais do Sistema, por completo.
ii) flexível: o legislador ordinário goza de faculdades amplas, podendo através da lei alterar os
conceitos e institutos básicos.
De acordo com a sistemática tributária brasileira - eminentemente rígida - somente o
que estiver em lei é permitido ao Fisco, restando desobrigado o contribuinte em relação a tudo
aquilo que da previsão legal escapar.
Logo, resta-nos ao alcance de compreensão que o rígido e normativamente estruturado
sistema tributário pátrio deve nortear-se por princípios e institutos próprios do Direito
Tributário, os quais podemos apontar insculpidos sobretudo nos artigos 150 a 152 da atual
Carta Magna, consagrando as limitações ao poder de tributar.
O sistema tributário pode ser ainda:
Tendo em vista a intensidade da pressão fiscal:
oneroso – alta carga tributária
leve - baixa carga tributária
Tendo em vista a natureza dos impostos dominantes:
- regressivo – em sua maioria compreendendo impostos indiretos
- progressivo – em sua maioria compreendendo impostos diretos
Tendo em vista critérios de formação:
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 7
- sócio-políticos: vinculação à estrutura política do Estado
- liberal
- autoritário
- sócio-econômicos: vinculação à estrutura econômica (os fatos tributáveis são de natureza
econômica)
países industrializados – alto rendimento, estrutura diversificada e equilibrada, impostos
diretos e administração fiscal sofisticada.
países em via de desenvolvimento - fraco rendimento, estrutura mal equilibrada, fundados
em impostos indiretos (sistema regressivo), forte fiscalidade exterior e má administração
tributária.
países socialistas - sistemas tributários indolores, pois, nas economias socialistas, o tributo
desempenha papel secundário (a serviço da planificação econômica).
1.4 - Conceito: O direito tributário estuda as relações jurídico-tributárias, isto é, aquelas
existentes entre o Fisco (Administração Pública) e o sujeito passivo (ou contribuinte em
sentido amplo, i.e., aquele que deve prestação tributária de qualquer espécie).
Para Ricardo Lobo Torres1, “o Direito Tributário é o conjunto de normas e princípios
que regulam a atividade financeira relacionada com a instituição e cobrança de tributos” e
subdivide-se em direito tributário material e formal.
Já Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.2 conceitua Direito Tributário como “ramo do direito
público que rege as relações jurídicas entre o Estado e os particulares decorrentes da
atividade financeira do Estado, no que se refere à obtenção de receitas que correspondam ao
conceito de tributos”.
Luciano Amaro3 conceitua direito tributário sinteticamente, como sendo “a disciplina
jurídica dos tributos”.
1 “Curso de Direito Financeiro e Tributário”, 7ª edição, Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2000.
2 “Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário”, 15ª edição, Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2001.
3 “Direito Tributário Brasileiro”, 7
a edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2001.
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 8
1.5 - Natureza jurídica: ramo do direito público, embora importe conceitos e institutos de
direito privado, principalmente do direito civil e econômico.
1.6 - Autonomia do Direito Tributário: o direito tributário é disciplina autônoma, estando
atualmente deslocado dos universos do direito administrativo, do direito constitucional ou do
direito financeiro. Isso porque possui institutos, conceitos e princípios próprios, exclusivos e
específicos (autonomia científica) e é estudado individualmente (autonomia didática).
1.7 - Relações do Direito Tributário com outras disciplinas: embora autônomo, o direito
tributário mantém diálogo permanente com diversas disciplinas científicas
(interdisciplinaridade), como: direito constitucional, financeiro, civil, administrativo,
processual civil, penal, internacional, previdenciário, sociologia, economia, psicologia,
história, dentre outros.
1.8 - Tributo
a) Conceito de tributo: legalmente determinado (art. 3º, CTN).
i) prestação pecuniária
ii) compulsória
iii) moeda ou cujo valor nela se possa exprimir
iv) que não constitua sanção de ato ilícito
v) instituída em lei
vi) cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada
b) Classificação dos tributos:
i) quanto à espécie: impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e
empréstimos compulsórios.
- imposto (arts. 145, I, 153, 154, 155, 156, CF; art. 16, CTN) – não há contraprestação direta e
imediata da Administração; não se vincula à destinação da arrecadação; está ligado à
capacidade econômica do contribuinte (auferição de renda, uso gozo e fruição de propriedade
e bens etc)
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 9
- taxa (art. 145, II, CF; arts. 77/80, CTN) – há contraprestação direta e imediata de serviço
público, utilizado (efetiva ou potencialmente) ou colocado à disposição, ou exercício de poder
de polícia (tributo vinculado). Poder de polícia (art 78, CTN) e serviço público (art 79, CTN).
Súmula 670 do STF (outubro de 2003) – o serviço de iluminação pública não pode ser
remunerado mediante taxa (isso porque é imensurável quanto cada um necessita de
iluminação pública – falta requisitos de divisibilidade e especificidade das taxas). Ver, ainda,
contribuição de iluminação pública – art. 149-A, CF.
Taxa de coleta domiciliar de lixo é constitucional (Súmula Vinculante nº 19). A de
limpeza urbana (varrição etc) não.
Ver Súmula Vinculante nº 29 (base de cálculo do valor da taxa e art. 145, §2º, CF).
Diferenças entre taxa e tarifa (preço público)
TAXA TARIFA (PREÇO PÚBLICO)
Receita derivada – é tributo Receita originária – não é tributo
Regime jurídico legal - direito tributário Regime jurídico contratual – direito
administrativo
Compulsoriedade (não há autonomia de
vontades)
Facultatividade (autonomia de vontades)
Não que se falar em rescisão da relação admite rescisão da relação
Cobrança autorizada ainda que a utilização do
serviço seja potencial
Somente utilização efetiva autoriza cobrança
Inexistência de proporcionalidade entre
utilização e cobrança
existência de proporcionalidade entre
utilização e cobrança
Sujeita aos princípios tributários Não sujeito aos princípios tributários
Pessoas jurídicas privadas não podem ser
sujeito ativo da relação
Concessionárias do serviço público podem ser
sujeitos ativos da relação
pedágio: controvérsia. Dependendo do regime legal pode ser taxa ou tarifa. Exame
casuístico.
- contribuição de melhoria (art. 145, III, CF; art. 81, CTN) – a obra deve causar efetiva
melhora no imóvel (valorização). O custo da obra é o limite global e máximo da cobrança
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 10
(repartição individual relacionada à valorização do imóvel da pessoa, não podendo ser
cobrado mais do que a valorização do imóvel). Veja Decreto-lei nº 195/1967, recepcionado
pela CF/88. O STF tem rejeitado cobrança de contribuição de melhoria sem que o Poder
Público faça prova da valorização do imóvel, que entende ser pressuposto da exigência (RE
115.863; 116.147; 116148-5-SP-1993).
- contribuições especiais (arts. 149, 149-A, 177, §4º, 195, 212, §5º, 239, CF) – subdivididas
em:
a) contribuições sociais (para a seguridade social – PIS/PASEP, COFINS, CSLL etc);
b) contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE);
c) contribuições de interesse de categoriais profissionais ou econômicas (sistema “S”,
CREA, CRM etc);
d) contribuição para a iluminação pública.
o FGTS não é tributo (Súmula 353 do STJ).
a contribuição sindical é tributo (parte final do art. 8º, IV, da CF), decorrente do art. 149.
A contribuição confederativa não é tributo (art. 8º, IV, CF), por isso, a Assembléia que fixa e
não a lei.
a anuidade da OAB é caso peculiar, devendo ser consultada, durante o estudo, a
jurisprudência recente do STF e do STJ.
- empréstimos compulsórios (art. 148, CF) – possui aplicação vinculada à despesa que o
fundamentou (§ único do art. 148 – garantia do contribuinte). Competência exclusiva da
União. Necessidade de lei complementar. Atentar para a observância do princípio da
anterioridade (Art. 148, inciso I – exigibilidade imediata e Art. 148, inciso II – atendimento ao
princípio da anterioridade).
ii) quanto à competência: federais, estaduais e municipais;
iii) quanto à vinculação à atividade estatal: vinculados (taxas, contribuições de melhoria,
algumas contribuições especiais e os empréstimos compulsórios) e não vinculados (impostos
e algumas contribuições especiais);
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 11
iv) quanto à função: fiscais (arrecadação de recursos para o Estado), extrafiscais (interferência
na economia), e parafiscais (arrecadação de recursos para entidades ligadas ao Estado -
paraestatais).
2) Fontes do DIREITO TRIBUTÁRIO
2.1) Teoria Tridimensional do Direito:
- Fato: acontecimentos com relevância jurídica e econômica. Relação fática concreta.
- Norma: lei. A norma possui o antecedente (fato) e o conseqüente (efeito - valoração). A lei
transforma o fato – relação fática em relação jurídica. Estabelece a hipótese de
incidência e permite a verificação da ocorrência do fato gerador.
- Valor: valorar é subsumir o fato à norma, e é, também, antes de tudo, tipificá-lo (estabelecer
a hipótese de incidência e o fato gerador - cf. art. 114, CTN)
IMPORTANTE TER EM MENTE A VINCULAÇÃO DOS ELEMENTOS DE FATO
E DE DIREITO, COMPONENTES DO DENOMINADO “FATO GERADOR”.
2.2) FONTES REAIS OU MATERIAIS: constituem o suporte de fato da imposição tributária
(ex: patrimônio, renda, serviços, doação, venda, operações de transferência etc). São
chamados de pressupostos de fato da incidência ou fatos imponíveis. Sem as fontes reais não
surge, nem a hipótese de incidência, nem o fato gerador, nem a obrigação tributária.
2.3) FONTES FORMAIS: conjunto das normas (disposições legislativas e complementares)
que compõem o Sistema Tributário.
Constituição Federal
- norma fundamental / - ato normativo originário e inicial
Emendas constitucionais - atos normativos derivados
Constituições estaduais - atos normativos decorrentes
Lei Complementar - normas gerais e casos especiais constitucionais
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 12
Lei Ordinária/ Medida Provisória/ Tratados Internacionais
- atos normativos primários gerais
Decreto legislativo/ Resolução legislativa
- atos normativos primários particulares
Decretos/ Regulamento
- atos normativos secundários
Normas complementares
Instruções ministeriais e secretariais/ decisões normativas
Portarias/ Ordem de serviço
- atos normativos secundários específicos do Direito Tributário (art. 100, CNT)
3) Norma tributária: hermenêutica (vigência, aplicação e interpretação)
A teoria geral do direito distingue os planos de existência, de validade, de eficácia e de
aplicabilidade das normas jurídicas.
Assim, após aprovada pelo Poder Legislativo, sancionada pelo Chefe do Poder
Executivo e publicada, regra geral, a lei ganha existência e uma eficácia mínima.
Não havendo outro prazo expressamente previsto no texto da lei, ela começa a vigorar
45 dias após a sua publicação oficial (vacatio legis - art. 1º, da Lei de Introdução ao Código
Civil, Decreto-Lei nº 4657/42), ganhando vigência.
Vigente a lei, a eficácia e a aplicabilidade são imediatas (art. 6º, da LICC). Tais regras
são aplicáveis ao Direito Tributário, modo geral (art. 101, do CTN). Mas não se pode
esquecer das regras constitucionais, como o princípio da anterioridade e a espera nonagesimal.
3.1 - EXTRATERRITORIALIDADE DAS LEIS LOCAIS (art.102, do CTN)
A legislação da União obviamente vigora em todo o território brasileiro e, em certas
circunstâncias, fora dele (tratados internacionais).
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 13
Os Estados, o DF e os Municípios legislam para os seus respectivos territórios, e, em
alguns casos, tal legislação tem valor fora deles (convênios ou lei complementar federal que
lhes dê o alcance).
3.2 - VIGÊNCIA DAS NORMAS COMPLEMENTARES (art. 103, do CTN)
As regras de Introdução ao Código Civil não se aplicam às normas complementares do
art. 100, porque o art. 103 estabelece a vigência na data da publicação para os atos
administrativos; a de 30 dias após a publicação para as decisões dos órgãos jurisdicionais
administrativos; e, no tocante aos convênios, deixa que estes fixem o dia de início de sua
eficácia.
3.3 - A PROIBIÇÃO DA SURPRESA TRIBUTÁRIA: O PRINCÍPIO DA
ANTERIORIDADE E O PERÍODO DOS 90 DIAS.
Primeiramente, mister ressaltar que a regra da anualidade não mais vigora, entre nós,
no sentido de autorização da lei orçamentária para a criação de tributos.
As leis tributárias, uma vez publicadas, vigentes e eficazes, não estão sujeitas, ano a
ano, a uma prévia autorização contida na lei orçamentária, para que possam surtir os efeitos.
Após a Constituição de 1988, logo, o princípio da anualidade inexiste no sistema tributário,
sendo relevante apenas para o direito financeiro.
Por outro lado, o princípio da anterioridade, que se limita a adiar a eficácia e a
ampliação da lei que institui tributo novo, ou majora um já existente, para o exercício
financeiro subseqüente ao de uma publicação, este sim, deve ser observado por determinadas
leis, em casos específicos, como dispõe a CF/88.
A regra da anterioridade do art. 104 do CNT, também instituído pelo art. 150, inciso
III, letra “b”, da CF, aplica-se a todos os impostos, taxas e contribuições, regra geral. As
exceções ao principio da anterioridade estão contempladas na Constituição (§1º, art. 150 – ver
quadro abaixo, item 4.1, letra “i”).
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 14
Importante destacar que o inciso III do art. 150 da CF sofreu modificação pela EC nº
42, de 19 de dezembro de 2003, que acrescentou a alínea “c”, vedando a cobrança de tributos
“antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu
ou aumentou, observado o disposto na alínea b”. A mesma Emenda Constitucional introduziu
novas exceções ao §1º do art. 150, relacionadas à nova alínea “c” (ver quadro abaixo, item
4.1, letra “i”).
As contribuições sociais, destinadas ao custeio da seguridade social, submetem-se,
também, a uma regra específica, diferente da anterioridade, mas também garantidora da não-
surpresa.
As leis que regulam as contribuições sociais vinculam-se à regra de que, entre a data
da publicação que criou ou modificou o tributo e a data que gere efeitos, medeie o espaço de
90 dias, sendo irrelevante que esse período de espera nonagesimal transcorra no mesmo ou em
períodos financeiros diferentes (art. 195, §6º, da CF).
3.4 - VIGÊNCIA DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA
Exceto as regras dos arts. 102 e 104, o CTN regula a vigência da legislação tributária
pelas as disposições legais aplicáveis às normas jurídicas em geral. Isso importa reconhecer
que, salvo disposição em contrário, as leis e regulamentos tributários seguem a disciplina dos
arts. 1º, 2º, 6º e outros de Dec.- Lei nº 4.657/42, que deu nova introdução ao Código Civil
brasileiro.
Em geral, as leis tributárias, no Brasil, contêm dispositivo no final do texto, segundo o
qual entram em vigor na data de sua publicação.
A Constituição de 1988, em seu art. 150, III, alíneas “b” e “c”, veda à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos “b) no mesmo exercício
financeiro em que haja sido publicada a lei que os institui aumentou” e “c) antes de
decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou
aumentou, observado o disposto na alínea b”.
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 15
O art. 195, § 6º, dispõe que as contribuições sociais, destinadas ao custeio da
seguridade social “...só poderão ser exigidas após decorrida noventas dias da data da
publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se aplicando o, disposto no art.
150, II, b.”
Logo, a Carta Magna proíbe a surpresa tributária, aponta em direção ao planejamento,
ao conhecimento antecipado, reforçando, de forma significativa, o valor máximo que é o da
segurança jurídica.
Como já foi dito, supra, as contribuições sociais devem seguir a regra do insterstício
nonagesimal. Outras contribuições, no entanto, quer socias gerais (salário educação do art.
212, §5º, da CF, por exemplo), quer de intervenção no domínio econômico, ou ainda
corporativas, submetem-se rigidamente ao princípio da legalidade e da anterioridade, sem
qualquer atenuação.
3.5 - APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA
Agiu corretamente o legislador tributário ao tratar em capítulos distintos da vigência a
aplicação, a interpretação e a integração da legislação tributária. São, definitivamente,
institutos diversos.
A aplicação da lei é a atividade de enquadramento do caso concreto na norma jurídica.
Diz o art. 105, do CTN, que a legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos
geradores futuros e aos pendentes.
Não há dificuldade para compreender que os fatos geradores futuros (aqueles que
ocorrerem após a edição da lei) estarão submetidos à ordem legal vigente. Esse é, afinal, o
papel da lei, via de regra.
Entretanto, o dispositivo determina que a legislação tributária aplicar-se-á aos fatos
pendentes, entendidos estes como os que ainda não se completaram.
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 16
A regra remete-se aos tipos de fato gerador (simples ou instantâneo – cuja ocorrência
se dá em um momento de tempo – e de outro lado, periódico ou complexivo, que tem um
ciclo de formação dentre de um período de tempo). O fato gerador pendente seria o
complexivo, cujo ciclo iniciou-se, mas quando do advento da nova lei ainda não se completou
(condição suspensiva).
Segundo a regra legal, tal fato seria submetido ao novo comando. Porém, a matéria é
objeto de intensa polêmica. A doutrina diverge, entendendo uns que a regra permanece válida,
inclusive por estar abarcada pela Súmula nº 584 do STF. Outros, posicionam-se no sentido de
que a regra do art. 105 do CTN, relativamente aos fatos pendentes, não possui assento
constitucional, isto é, não foi recepcionada pela CF/88. Essa é a opinião de Hugo de Brito
Machado e Luciano Amaro, dentre outros.
Com efeito, o art. 150, III, a, da CF firma o princípio da irretroatividade da lei
tributária. O próprio STF decidiu, na ADI nº 513-DF (RTJ 141/739), pela
inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.134/90, que instituiu aumento
de Imposto de Renda para fatos geradores pendentes. Mas importa ressaltar que a
jurisprudência do STJ admite a retroatividade mínima.
3.6 - LEI INTERPRETATIVA (art. 106, do CTN)
Diz-se interpretação autêntica a que resulta do próprio órgão legislativo. Nos países
como o Brasil, em que a irretroatividade da lei assume caráter de direito e garantia individuais
da Constituição, a interpretação autêntica há de ser limitada à sua função específica: esclarecer
e suprir o que foi legislado, isto é, interpretar outra lei, no sentido de lhe espancar as
obscuridades e ambigüidades.
Embora vigore no sistema tributário brasileiro o princípio da irretroatividade, o inciso I
do art. 106 do CTN dá força retrooperante à lei em qualquer caso, quando seja expressamente
interpretativa.
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 17
A doutrina de direito constitucional entende que este dispositivo encontra-se revogado,
por não ter sido recepcionado pela Constituição de 1988, dada à afronta ao princípio da
irretroatividade.
3.7 - RETROATIVIDADE BENIGNA
O inciso II do art. 106 do CTN estabelece três casos de retroatividade da lei mais
benigna aos contribuintes e responsáveis, desde que se trate de ato ainda não definitivamente
julgado. A interpretação do Código Penal é aplicável às letras a e c do art. 106, II, do CTN.
CONCEITO DE PENALIDADE: O conceito de penalidade é decisivo para a aplicação
correta do art. 106 do CTN.
Multa, qualquer que seja a adjetivação que lhe dê o legislador, é sanção de ato ilícito,
penalidade. Aliás, o Código Tributário Nacional não distingue. Corretamente, chama de
penalidades inclusive as multas moratórias, conforme o parágrafo único do art.134, do CTN.
3.8 - INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA
O CNT elegeu o elenco de regras de interpretação e integração, nos arts. 107 a 112. O
texto reporta-se à “legislação tributária”, tal como definida no art. 96.
Interpretar a lei é definir o sentido de suas palavras e delimitar o alcance de seu
texto, através de métodos lógicos. A norma necessita de interpretação pois “é obra humana e
aplicada pelos homens; portanto imperfeita na forma e no fundo” (Carlos Maximiliano).
Integrar a lei é completá-la, preencher as lacunas que impedem a aplicação em
determinado caso concreto.
No tocante à interpretação (arts. 107, 110, 111 e 112), o CTN expressamente refere-se
às interpretações literais e benignas. Quanto à integração, a enumeração do art. 108 é ampla,
impõe uma ordem de preferência aos intérpretes e aplicadores e abrange os princípios de
Hermenêutica do Direito em geral.
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 18
Cada regra é aplicada somente após esgotada a anterior (analogia, princípios gerais de
direito tributário, princípios gerais de direito público e eqüidade).
Vale lembrar que a analogia não pode ser utilizada pelo Fisco para a exigência de
tributos, dada a disposição expressa do parágrafo primeiro do art. 108, do CTN.
Acerca da eqüidade, vale transcrever as sábias palavras de Pontes de Miranda, para
quem “a eqüidade é apenas a palavra-válvula, com que se dá entrada a todos os elementos
intelectuais ou sentimentais que não caibam nos conceitos primaciais do método de
interpretação”. A eqüidade é uma solução de justiça para o caso concreto. Segundo a famosa
expressão de D’argenté : “juiz segundo a lei e não juiz da lei”.
Atente-se para a obrigatoriedade da interpretação literal dos dispositivos que
concedam suspensão ou exclusão do crédito tributário, bem como qualquer modalidade de
renúncia de receita (art. 111, do CTN). Lembre-se que nesses casos o CTN afasta a aplicação
dos incisos I e II do art. 108.
O in dubio pro reo (na dúvida, decide-se a favor do réu) do Direito Penal está
subjacente no art. 112 do CTN (interpretação benigna), exclusivamente para os casos de
infrações e penalidades.
Observação: a aplicação do “in dubio pro reo” não deve ocorrer na interpretação das leis
tributárias fora das hipóteses de infrações e penalidades. Nos demais casos, não há, no direito
tributário, interpretação a favor ou contra o contribuinte ou o Fisco, em razão de dúvida.
Alguns doutrinadores afirmam que, em caso de dúvida, deve-se interpretar a favor da
Administração, em virtude do interesse público. Entretanto, tal posicionamento é equivocado.
A lei tributária deve ser interpretada de modo a verificar a ocorrência ou não do fato gerador,
através da subsunção de todos os seus elementos aos termos legais. A exigência de tributo
resultará desta operação.
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 19
Por fim, destaca-se que não só se pode invocar as regras da Lei de Introdução ao
Código Civil, mas também os processos consagrados de Hermenêutica, desde que estes não se
choquem com os dispositivos do CTN ou com os princípios em que se fundamentou.
3.9 - INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO DIREITO TRIBUTÁRIO:
O art. 110 do CTN proíbe ao legislador tributário a modificação de conceitos e
institutos do direito privado, quando aplicados à competência tributária. O art. 109 do CTN
determina que os princípios gerais do direito privado não podem utilizados para a definição
dos efeitos tributários.
A análise de tais dispositivos levou alguns doutrinadores a defenderem a aplicação da
interpretação econômica do fato no enquadramento tributário, através da flexibilização do
enquadramento do fato gerador à hipótese de incidência, atribuindo maior relevância aos
efeitos econômicos dos atos ou negócios jurídicos praticados pelo sujeito passivo do que à sua
forma e aos seus efeitos jurídicos típicos decorrentes.
A interpretação econômica no direito tributário é, para o Professor Aurélio Seixas
Pitanga Filho,
“[...] uma forma da autoridade fiscal, no exercício de sua potestade administrativa de
exigir o pagamento do tributo, efetivar o lançamento tributário com base na real ou
verdadeira atividade econômica praticada pelo contribuinte, que teria sido encoberta
(disfarçada ou fingida), por uma norma jurídica, diferente da normal, que resultasse
um pagamento menor do tributo ou sua anulação” (A Interpretação Econômica no Direito Tributário, a Lei Complementar nº 104/2001 e os
Limites do Planejamento Tributário. O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104.
Coordenador Valdir de Oliveira Rocha. São Paulo: Dialética, 2001, p. 9).
O mestre Luciano Amaro também a define, nos seguintes termos:
“De acordo com essa doutrina exegética, não se deveria considerar, na referência
feita pela lei tributária a um negócio jurídico regulado pelo direito privado, a forma
jurídica por ele revestida, mas sim seu conteúdo econômico. Heinrich Beisse, na
Alemanha, expõe a consideração econômica do direito tributário como uma aplicação
do método teleológico, pelo qual se deve buscar o significado econômico das leis
tributárias, logrando-se uma interpretação mais livre de conceitos jurídicos,
principalmente daqueles que têm significado flexível, para abranger estruturações
„iguais‟.” (Direito tributário brasileiro. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 224).
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 20
Em outras palavras, por meio da interpretação econômica do Direito Tributário, a
Administração observa os efeitos econômicos do negócio celebrado pelo sujeito passivo
(ainda que seja atípico) e, sendo estes efeitos equivalentes aos de fato típico, tributa o negócio
como se assim fora.
A interpretação econômica do Direito Tributário ganhou força no início do século XX,
na Alemanha Nazista, através das mãos de Enno Becker, culminando com a edição do Código
Tributário alemão em 1919 (reiterada pela Lei de Adaptação Tributária de 1934). Segundo o
ilustre Professor Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, em 1935, a Suprema Corte dos Estados
Unidos da América julgou o caso Gregory v. Helvering (293, U. S. 465), fixando o modelo de
interpretação econômica do Direito Tributário naquele país, com a aplicação da doutrina do
propósito negocial (business purpose) e da substância sobre a forma (substance over form).
Naquele julgado prevaleceu que a substância negocial e não a forma jurídica do negócio
realizado é que ensejaria a incidência fiscal.
No Brasil, a discussão novamente ganhou relevo com a edição da Lei Complementar
nº 104/2001, na qual o legislador tentou criar um dispositivo no CTN (parágrafo único do
artigo 116) nos moldes do modelo francês (Art 1.741 do Code Général des Impôts e artigo 64
do Livre des Procedures Fiscales), aproveitando o conteúdo econômico para fins tributários.
A doutrina nacional diverge, embora a maioria rejeite a tese. A interpretação
econômica encontrou o seu maior defensor em Amílcar de Araújo Falcão e o seu maior algoz
em Alfredo Augusto Becker. Ricardo Lobo Torres entende que o art. 109 do CTN permite a
interpretação econômica do direito tributário. Luiz Emygdio leciona que o art. 110 do CTN
autoriza, timidamente, a interpretação econômica. Luciano Amaro, Sacha Calmon, Heleno
Torres e Hugo de Britto posicionam-se contra a interpretação econômica, aduzindo que tal
modalidade fere a Constituição (art. 150, I) e o próprio Código, pois usa a analogia e os
costumes para criar obrigação tributária, bem como enfraquece a legalidade material e a
própria democracia.
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 21
À guisa de exemplo, vale citar julgado do STJ, quanto à descaracterização de negócio
jurídico firmado de forma lícita (leasing) pelo Fisco, entendendo configurar-se outro negócio
(compra e venda):
“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. LEASING. DESCARACTERIZAÇÃO DO
CONTRATO PELO FISCO.
1. A jurisprudência tem entendido que o contrato de leasing deve ser respeitado como tal, em
nome do princípio da liberdade de contratar.
2. Somente quando o leasing estiver contemplado em uma das situações de repúdio, pela Lei
6.099/74 (artigos, 2º, 9, 11, § 1º, 14 e 23), é que se tem autorização legal para a
descaracterização e imputação das consequencias.
3. Recurso especial improvido.”
(STJ, 2ª Turma, REsp nº 229.986/SC, REl. Min. Eliana Calmon, DJ 01/10/2001, p. 185)
Ainda no que tange ao leasing, o Superior Tribunal de Justiça em recentes decisões
(RESPs 443.143-GO e 470.632-SP, na sessão de 27/08/2003), revogou a Súmula nº 263
daquela Corte, cuja redação assim dispunha:
“Súmula 263. A cobrança antecipada do valor residual (VRG) descaracteriza o contrato de
arrendamento mercantil, transformando-o em compra e venda a prestação.”
3.10 – ELISÃO E EVASÃO FISCAL
Temas conexos com a interpretação econômica são os institutos da elisão e da evasão
fiscal, com seus tipos: abusos de forma, abuso de direito e simulação.
A doutrina clássica entendia que a evasão (não pagamento de tributos) poderia ser
lícita (elisão) ou ilícita (evasão em sentido estrito).
Atualmente, entende-se que a elisão fiscal corresponde à economia lícita de tributos e
a evasão fiscal à sonegação (absoluta - simulação ou relativa - dissimulação).
A elisão fiscal é a economia de tributos através da prática de atos lícitos, anteriores à
incidência tributária (seja impedindo a ocorrência do fato gerador, seja excluindo o sujeito
passivo do âmbito da abrangência da norma, seja reduzindo o montante de tributo devido).
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 22
A evasão fiscal constitui-se na economia ilícita de tributos, concomitantemente ou
posterior à incidência tributária, através da prática de atos de fraude, sonegação, simulação ou
dissimulação.
Há, ainda, segundo o Professor Heleno Tôrres, a elusão tributária, que seria “o
fenômeno pelo qual o contribuinte, mediante a organização planejada de atos lícitos, mas
desprovidos de “causa” (simulados ou com fraude à lei), tenta evitar a subsunção de ato ou
negócio jurídico ao conceito normativo do fato típico e a respectiva imputação da obrigação
tributária” (Direito Tributário e Direito Privado, RT, 2003). E continua o doutrinador, “é
imperioso registrar, contudo, que o termo “elisão” não poderia ser usado para significar a
postura lícita do contribuinte na economia de tributos, devendo, por rigor linguístico, ser
abandonado. Para evitar confusões no uso da linguagem e por melhor representar as
condutas enfocadas, preferimos o termo “elusão”. “Elisão”, do latim elisione, significa ato
ou efeito de elidir; eliminação, supressão. “Eludir”, do latim eludere, significa evitar ou
esquivar-se com destreza; furtar-se com habilidade ou astúcia, ao poder ou influência de
outrem. Elusivo é aquele que tende a escapulir, furtar-se (em geral por meio de argúcia); que
se mostra arisco, esquivo, evasivo. Assim, cogitamos da „elusão tributária‟ como sendo o
fenômeno pelo qual o contribuinte usa de meios dolosos para evitar a subsunção do negócio
praticado ao conceito normativo do fato típico e a respectiva imputação dos efeitos jurídicos,
de constituição da obrigação tributária, tal como previsto em lei.” (Limites ao Planejamento
Tributário – Normas Antielusivas (Normas Gerais e Normas Preventivas). LC 104/01: uma
Norma Anti-Simulação (não publicado) apud MOREIRA, André Mendes. Elisão e Evasão
Fiscal – limites ao planejamento tributário. Revista da Associação Brasileira de Direito
Tributário, Belo Horizonte, vol. 21, mar.abr 2003, pp 11-17).
Entende-se, modo geral, que o indivíduo tem liberdade para escolher, entre dois
caminhos lícitos, aquele que fiscalmente seja menos oneroso. Porém, seu comportamento
deverá ser analisado e interpretado conforme a extensão da legislação fiscal e não de forma
objetiva.
Vale destacar, contudo, que atualmente a tese da ilicitude da elisão (planejamento
tributário) encontra-se em curva ascendente, isto é, parte da doutrina e a Administração
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 23
Tributária têm atacado o planejamento tributário, pretendendo convencer que o indivíduo não
possui a liberdade de escolha quanto às obrigações tributárias, devendo ele optar, sempre e
para o bem da coletividade, pelo caminho mais oneroso, sem a utilização de qualquer
subterfúgio jurídico, mesmo que previsto no direito.
A escolha legítima configura a elisão tributária (economia de tributos utilizando-se do
planejamento tributário). Entretanto, há os roteiros ilegais, configuradores da evasão (fraude,
abusos de forma e de direito, simulação e dissimulação).
A doutrina estabeleceu dois critérios para a diferenciação dos institutos, a serem
avaliados em conjunto:
a) Critério cronológico: a elisão ocorre sempre antes da realização do fato gerador. A evasão
se dá juntamente com a ocorrência do fato gerador ou após.
b) Legitimidade dos meios utilizados: licitude dos atos praticados pelo sujeito passivo. Na
elisão fiscal são utilizados meios lícitos. Na evasão empregam-se meios ilegítimos, como a
fraude (adulteração e falsificação de documentos, por exemplo); sonegação (ocultação de
rendimentos, por exemplo); simulação (fingir o que não existe); e dissimulação (ocultar a
realidade).
Importante, pois, destacar os seguintes conceitos:
a) ABUSO DE FORMA: utilização pelo contribuinte de uma forma jurídica atípica ou
desnecessária para a realização de um negócio jurídico, visando a economizar o pagamento do
tributo. O foco da questão não é a legalidade da forma, mas a normalidade de sua utilização;
b) ABUSO DE DIREITO: utilização de procedimentos previstos abstratamente na lei, mas
para outros fins que não aqueles normalmente decorrentes de sua prática. O foco da questão
não é o da existência do procedimento na lei, mas o fim para o qual está sendo utilizado (obter
vantagem fiscal que de outro modo não se teria);
c) SIMULAÇÃO ou DISSIMULAÇÃO: desconformidade entre o negócio efetivamente
praticado (realidade) e formalizado (aparência). A Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 24
de 2001, introduziu o parágrafo único no art. 116 do CTN, posicionando a dissimulação
como forma de evasão, autorizando a Administração a desconsiderar o negócio aparente. A
simulação e a dissimulação são comportamentos idênticos, pois, segundo Luciano Amaro,
“dissimula-se o positivo (ocorrência do fato gerador), simulando-se o negativo (não-
ocorrência do fato gerador).”
4 – LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR
O rígido e normativamente estruturado sistema tributário pátrio deve nortear-se por
princípios e institutos próprios do Direito Tributário, os quais podemos apontar insculpidos
sobretudo nos artigos 150 a 152 da atual Carta Magna, consagrando as limitações ao poder de
tributar.
As limitações ao poder de tributar constituem-se em verdadeiros freios ao poder estatal
de instituir tributos, visando a estabelecer um equilíbrio entre o poder impositivo e a
cidadania, protegendo o cidadão-contribuinte e reafirmando os as bases em que se funda o
Estado Brasileiro, quais sejam:
República federativa
Estado Democrático de Direito
Embora a doutrina assim não o faça, preferimos dividir as limitações ao poder de
tributar em cinco categorias, sendo elas: valores, princípios constitucionais, vedações
constitucionais, características específicas de alguns tributos e imunidades.
Importante destacar que, embora boa parte da doutrina batize todas as limitações ao
poder de tributar de princípios, alguns juristas chegando ao ponto de chamar as imunidades de
princípios, não concordamos com tal posicionamento.
4.1 – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS
Segundo Ricardo Lobo Torres (in “Curso de Direito Financeiro e Tributário”, p. 79),
os princípios dão enunciados genéricos, que quase sempre se expressam em linguagem
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 25
constitucional ou legal, e estão entre os valores e as normas na escala de concretização do
direito.
Com efeito, os princípios são os mandamentos nucleares de um sistema, alicerces que
compõem o espírito e servem de critérios para a compreensão e a inteligência dos institutos
tributários.
A seguir, arrolamos os princípios constitucionais aplicáveis ao Direito Tributário:
a) PRINCÍPIO DA LEGALIDADE e Reserva Legal ou legalidade estrita ou específica:
(art. 5º, caput, e art. 150, I, da CF, art. 150, §6º, da CF) – Ninguém está obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, especialmente cumprir a obrigação
tributária, pois não há tributo sem prévia disposição legal. O princípio da legalidade, no
direito tributário, exerce importante papel de concretização da democracia, porquanto
embasa a origem do Estado de Direito, e fundamenta a imposição feita à sociedade, por
ela mesma, através do Estado, de contribuir com as finanças públicas, para a realização
do bem comum. Ao instituir que ente federativo competente somente pode instituir ou
aumentar tributo através da lei (art. 97 do CTN – legislação tributária), a Constituição limita o
poder de tributar, que atinge a esfera da liberdade e da patrimonialidade individual.
Segundo o Professor Heleno Tôrres, “São Tomás de Aquino, escrevendo sobre
tributos, considerou que estes, para ser legitimamente cobrados, em virtude do poder
soberano, devem ser exigidos exclusivamente para atender necessidades do bem comum. E
os escolásticos sintetizaram o pensamento tomista, entendendo que o imposto, para ser lícito,
deve ser justificado, em primeiro lugar, pela soberania (causa eficciens) e também por um
objetivo de utilidade geral (causa finalis), por uma justa relação entre o encargo e o
resultado útil (causa formalis) e por uma eqüitativa escolha das pessoas e das coisas sobre as
quais recaía (causa materialis).” (grifo nosso).
Não há exceções à legalidade, em sentido amplo, mas à exceções à reserva legal: 1)
deveres instrumentais acessórios constantes de regulamento (embora haja divergência
doutrinária a respeito); 2) art. 153, §1º da CF (alteração de alíquotas - base de cálculo não
pode mais - pelo Poder Executivo dos impostos de importação, exportação, produtos
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 26
industrializados e sobre operações de crédito, mas sempre observando os padrões legais –
caráter extrafiscal); 3) art. 177, §4º, I, “b”, da CF (alteração da alíquota da CIDE –
contribuição de intervenção no domínio econômico sobre petróleo e derivados, gás e
derivados e álcool combustível – caráter extrafiscal).
Observação: Lembre-se que o princípio da legalidade no direito tributário assume,
ainda, três funções importantes que merecem destaque:
1 – atender à CF (legalidade, reserva legal, eleição do instrumento legislativo, como lei
complementar para normas gerais e lei ordinária para instituir tributos);
2 – atender à tipicidade (tipificação exaustiva dos critérios da hipótese de incidência – regra
matriz);
3 – vincular todos os atos administrativos ao império da vontade legislativa (atividade
administrativa plenamente vinculada - lançamento).
b) PRINCÍPIO DA ISONOMIA ou DA IGUALDADE (justiça fiscal): (art. 3º, III e IV; art.
5º, caput; arts. 150, II; 151, II e 152, CF) – todos os sujeitos passivos são iguais na lei
(criação), preferencialmente, e perante a lei (interpretação). A Administração tributária não
pode conferir tratamento desigual a quem se encontre em situação equivalente, bem como não
pode estabelecer privilégios ou discriminações odiosos (por ex., art. 173, §2º, CF). Lembrar
que, para cumprir o caráter extrafiscal de determinados tributos, a tributação pode tratar
situações iguais de forma desigual, sem ofensa ao princípio, como a tributação exacerbada de
certos produtos nocivos à saúde, ou conceder benefícios fiscais para desenvolvimento de
certos setores produtivos em detrimento de outros. Vale citar que a Administração Tributária e
os sujeitos passivos devem figurar em situação de igualdade na relação jurídico-tributária
(igualdade formal).
- Sub-Princípio do non olet: o tributo deve incidir sobre qualquer atividade, inclusive as
ilícitas ou imorais, pois o dinheiro “não cheira”, isto é, não importa a procedência do
rendimento ou da riqueza. Trata-se de justiça fiscal tratar igualmente os rendimentos do
trabalhador e do autor de ilícitos.
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 27
c) PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA: (art. 5º, XXXV e XXXIV, CF) – processo
tributário - os sujeitos passivos têm o direito de discutir no âmbito do Poder Judiciário todas
as questões tributárias. Ver Súmula 667 do STF.
d) PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL: (art. 5º LIV e LV, CF) – processo
tributário - a cobrança do tributo, além de derivar de uma atividade administrativa plenamente
vinculada à lei, deverá orientar-se pelo devido processo legal tributário e suas garantias:
d.1 – da ampla defesa;
d.2 – do contraditório;
d.3 – do duplo grau de jurisdição.
Veja:
ADI 1074 / DF - DISTRITO FEDERAL
Relator(a): Min. EROS GRAU
Julgamento: 28/03/2007 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
REQTE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - CNI
REQDO. : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
REQDO. : CONGRESSO NACIONAL
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 19, CAPUT, DA
LEI FEDERAL N. 8.870/94. DISCUSSÃO JUDICIAL DE DÉBITO PARA COM O INSS.
DEPÓSITO PRÉVIO DO VALOR MONETARIAMENTE CORRIGIDO E ACRESCIDO
DE MULTA E JUROS. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 5º, INCISOS XXXV E
LV, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O artigo 19 da Lei n. 8.870/94 impõe condição à
propositura das ações cujo objeto seja a discussão de créditos tributários. Consubstancia
barreira ao acesso ao Poder Judiciário. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada
procedente.
SÚMULA VINCULANTE Nº 28
É INCONSTITUCIONAL A EXIGÊNCIA DE DEPÓSITO PRÉVIO COMO REQUISITO DE
ADMISSIBILIDADE DE AÇÃO JUDICIAL NA QUAL SE PRETENDA DISCUTIR A
EXIGIBILIDADE DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO.
Além disso, deve-se atentar para o devido processo legal substantivo (princípio da
proporcionalidade), que analisa o conteúdo (materialidade) da norma, por ocasião de sua
edição.
e) PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE: art. 5º, XXXVI; art. 150, III, “a”, CF – A lei
tributária não retroage para atingir fatos geradores ocorridos antes de sua vigência, ou seja,
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 28
aplica-se a lei vigente quando da ocorrência do fato gerador. Esse princípio visa a garantir a
estabilidade das relações jurídicas, através da inviolabilidade do passado. Exceções:
retroatividade benigna e retroatividade de lei expressamente interpretativa, esta última objeto
de polêmica doutrinária (art. 106 do CTN).
Há forte discussão doutrinária acerca da mitigação do princípio, ou seu
amesquinhamento, produzida pela Administração Tributária, com apoio do Poder Judiciário
(ex: fato gerador pendente, casos do imposto de importação, declaração de
inconstitucionalidade da lei tributária).
f) PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE ou Razoabilidade: (princípio implícito ou,
para alguns doutrinadores, princípio do devido processo legal substantivo – art. 5º, LV, CF) –
tributário – destinado ao legislador tributário - consiste no bom senso e na adequação do uso
do poder de tributar, dentro de patamares razoáveis - , e ao administrador tributário, que
deverá aplicar a lei conforme os critérios de necessidade, adequação e razoabilidade para a
exigência fiscal.
g) PRINCÍPIOS DA LIBERDADE DE TRÁFEGO: art. 150, V, CF – é vedado aos entes
federativos estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos,
ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização das vias conservadas pelo Poder Público.
h) PRINCÍPIO DO SIGILO DE DADOS: art. 5º, XII, CF – engloba os sigilos fiscal,
bancário e profissional. O sigilo dos dados individuais do contribuinte é garantia
constitucional, especialmente no que respeita aos dados fiscais. Atualmente, este princípio
encontra-se mitigado pelos arts. 198 e 199 do CTN e pela Lei Complementar nº 105, de 10 de
janeiro de 2001.
i) PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE (não surpresa e previsibilidade): (art. 150, III,
“b”, da CF) – é vedada a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em haja sido
publicada a lei que os instituiu ou aumentou. O exercício financeiro coincide com ano civil (1º
de janeiro a 31 de dezembro), por força da Lei nº 4.320/64, já citada neste trabalho. O CTN
faz idêntica previsão (art. 104). Vale destacar duas garantias decorrentes do princípio da
anterioridade ou não-surpresa, que alguns doutrinadores trazem como exceção: 1) período
nonagesimal das contribuições sociais (art. 195, §6º, da CF); 2) instituição ou majoração de
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 29
impostos por medida provisória (art. 62, §2º, da CF, por conta da redação dada pela EC nº
32/2001). Exceções: 1) art. 150, §1º da CF – 148, I; 153, I, II, IV e V; 154, II (não aplica
anterioridade) e 148, I; 153, I, II e III; 154, II; fixação da base de cálculo dos impostos
previstos no 155, III (IPVA) e 156, I (ITR) não têm que atender os 90 dias da alínea “c” – EC
42/2003 (impostos de importação, exportação, produtos industrializados e sobre operações de
crédito e imposto extraordinário de guerra); 2) art. 148, I, CF (empréstimo compulsório para
atender despesas extraordinárias); 3) art. 177, §4º, I, “b”, CF (CIDE – contribuição de
intervenção no domínio econômico sobre petróleo e derivados, gás e derivados e álcool
combustível); 4) art. 155, §4º, IV, “c”, CF, com a redação dada pela EC nº 33/2001 (alteração
de alíquotas do ICMS sobre combustíveis e lubrificantes).
Importante destacar que o constituinte derivado foi sensível à crítica ao princípio da
anterioridade quanto à utilização abusiva e acrescentou ao inciso III do art. 150 a alínea “c”
(EC nº 42/2003), que determina outra regra de vigência, no sentido de que não se pode cobrar
tributo antes de decorridos 90 dias da data em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou
aumentou, observada a alínea “b” (anterioridade). A mesma Emenda Constitucional
introduziu novas exceções ao §1º do art. 150, relacionadas à nova alínea “c”.
Assim, temos:
QUADRO DE EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE
E AO PERÍODO NONAGESIMAL (art. 150, §1º, CF)
TRIBUTO ANTERIORIDADE 90 DIAS
Art. 148, I – empréstimo compulsório
Não observa Não observa
Art. 153, I – imposto de importação
Não observa Não observa
Art. 153, II – imposto de exportação
Não observa Não observa
Art. 153, III – IR
Observa Não observa
Art. 153, IV – IPI
Não observa Observa
Art. 153, V – IOF
Não observa Não observa
Art. 154, II – impostos extraordinários (guerra)
Não observa
Não observa
Art. 155, III – fixação da base de cálculo do Observa Não observa
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 30
IPVA
Art. 155, §4º, IV, “c” – redução e
restabelecimento de alíquotas do ICMS sobre
combustíveis e lubrificantes
Não observa
Observa
Art. 156, I – fixação da base de cálculo do IPTU
Observa Não observa
Art. 177, §4º, I, “b” – redução e restabelecimento
de alíquotas da CIDE, por ato do Poder
Executivo, na importação ou comercialização de
petróleo e seus derivados, gás natural e seus
derivados e álcool combustível
Não observa
Observa
Art. 195, §6º - contribuições sociais
Não observa Já observava
j) PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA (Pessoalidade ou Personalização):
(art. 145, §1º, CF) – Fundamenta-se na Justiça Fiscal (Estado Liberal) e na (Justiça
Distributiva – solidariedade social - Estado Social). Cada um, sempre que possível, deverá
pagar o imposto segundo a sua capacidade econômica de contribuição (e não financeira).
Atentar que, quanto à justiça tributária, é aplicável a todos os tributos, não somente impostos
(STF – RE 177.835/PE). Quanto à pessoalidade, a expressão “sempre que possível” exclui os
impostos indiretos e os reais (patrimônio).
l) PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO CONFISCO: (art. 150, IV, CF) – o tributo não pode ter
o efeito de confiscar o patrimônio do contribuinte, absorvendo o valor de sua propriedade ou
onerando-lhe de tal forma que cause empobrecimento ou impeça o exercício livre de suas
atividades. O Poder Público tem o dever de conservar e não destruir a capacidade econômica
dos cidadãos. Assim, a taxação não pode ser extorsiva (ver posicionamento do STF em
ADIMC 2010-DF, Rel. Min. Celso de Mello). Sobrevivência da propriedade privada e do
capital. O STF já se posicionou pela caracterização do efeito do confisco decorrente do total
da carga tributária suportada pelo contribuinte (ADIn 2010 – voto do Min. Carlos Velloso –
total do contracheque do servidor) e de apenas um tributo considerado (ADIn 1015). Ainda,
vale ressaltar que em alguns casos o STF negou a verificação de afronta ao princípio
entendendo que seria necessário o exame de provas e em outros casos aceitou a análise da
inconstitucionalidade a partir do exame de diplomas legais.
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 31
m) MÍNIMO EXISTENCIAL: trata-se da reserva do mínimo necessário para a dignidade da
existência humana (liberdade, saúde, moradia, alimentação, vestuário, educação, segurança), e
condições para o exercício da liberdade, sendo vedada a tributação que atinja essa reserva.
Conferir art. 5º, XXXIV (direito de petição, independentemente do pagamento de taxas);
LXXII e LXXIII (gratuidade da ação popular, habeas-corpus e habeas-data); LXXIV
(assistência jurídica gratuita – imunidade das taxas judiciárias); LXXVI (gratuidade do
registro de nascimento e certidão de óbito para os reconhecidamente pobres); art. 150, VI
(imunidade das entidades de educação e assistência social); art. 153, §4º (imunidade das
pequenas glebas rurais); art. 203 (a assistência social é prestada a todos, independentemente
de pagamento de contribuição à seguridade social). Este princípio está interligado aos
princípios da capacidade contributiva e vedação ao confisco, bem como a algumas
imunidades. Segundo Ricardo Lobo Torres (p. 59/62), o mínimo existencial, em alguns
momentos, se confunde com a própria pobreza, mas não se aplica somente aos
reconhecidamente pobres. A dignidade humana e as condições materiais da existência não
podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros, nem os portadores de
deficiência mental, nem os indigentes podem ser privados. O mínimo existencial gera
imunidades (previsão constitucional) e orientações para o legislador ordinário, como, por
exemplo, o Imposto de Renda não incide sobre um mínimo imprescindível à sobrevivência do
cidadão e dedução de seus dependentes; e a isenção de ICMS na venda de produtos da cesta
básica, e, ainda, na venda dos materiais de construção para as moradias de famílias carentes
(cheque-moradia em Goiás).
n) PROTEÇÃO DA CONFIANÇA LEGÍTIMA: O Estado deve respeitar a segurança dos
direitos fundamentais do contribuinte, agindo segundo a previsibilidade, a coerência e a
estabilidade da relação jurídica com o sujeito passivo.
4.2 – VEDAÇÕES CONSTITUCIONAIS
a) non bis in idem: o bis in idem ocorre quando um único ente tributante exige, do mesmo
contribuinte, dois ou mais tributos, com base no mesmo fato gerador, através de normas
jurídicas distintas. Tal comportamento encontra-se vedado.
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 32
As pessoas políticas de direito público interno, para quem a Constituição da República
atribuiu competência para legislar acerca de matéria tributária, não podem invadir o campo
uma das outras. A invasão gera inconstitucionalidade.
A bitributação ocorre quando duas entidades federadas, ambas com competência
constitucional para o exercício do poder impositivo, decretam, contemporaneamente, tributo
idêntico ao mesmo contribuinte, com fundamento no mesmo fato gerador.
A bitributação e o bis in idem são proibidos pela Constituição Federal. Alguns
doutrinadores apontam como cláusula de validade para tais vedações o art. 145, §2º da CF (as
taxas não podem ter base de cálculo própria dos impostos).
b) Vedação do art. 151, inciso II, CF;
c) Vedação do art. 151, inciso III (isenções heterônomas), CF;
d) Vedação do art. 152, CF;
e) Vedação do art. 173, §2º, CF.
4.3 – CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DE TRIBUTOS
a) GENERALIDADE: art. 153, §2º, I, CF – IR – o ente federativo deve exigir de todos os
membros da comunidade o pagamento do imposto sobre os rendimentos, tratando
desigualmente apenas o que se encontram em situação desigual.
b) PROGRESSIVIDADE: (art. 153, §2º, I – IR; art. 156, §1º - IPTU) à medida que a base
de cálculo se alarga, a alíquota poderá ser maior, criando a progressividade. Ver Súmulas
656 e 668 do STF.
c) SELETIVIDADE: (art. 153, §3º - IPI (obrigatória); art. 155, §2º, III - ICMS (facultativa))
relacionada à essencialidade do produto consumido. Quanto maior a essencialidade, menor a
tributação. Quanto menor a essencialidade, maior a tributação.
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 33
d) UNIFORMIDADE: aplicação uniforme em todo o território (nacional, estadual e
municipal), permitida a concessão de incentivos para o desenvolvimento de regiões.
e) NÃO CUMULATIVIDADE: o tributo devido em cada etapa da cadeia produtiva deverá
ser compensado com o tributo pago na etapa anterior, a fim de evitar o efeito cascata sobre os
preços.
4.4 - IMUNIDADES
Preliminarmente, importante estabelecer uma distinção entre IMUNIDADE,
ISENÇÃO, INCIDÊNCIA e NÃO-INCIDÊNCIA.
Há incidência tributária no campo ocupado pelos fatos que, por relacionarem-se a
eventos juridicamente relevantes e apresentarem conteúdo econômico, enquadram-se no
modelo abstrato previsto em lei (hipótese de incidência), dando nascimento à obrigação
tributária.
Os fatos que não sejam juridicamente relevantes ou não possuam conteúdo econômico
encontram-se fora da esfera da incidência, configurando o campo da não-incidência (sem
aptidão para gerar tributos).
Segundo alguns doutrinadores, o campo da não incidência pode ser completado com os
fatos que, embora pudessem integrar o rol das situações tributáveis, o legislador constituinte
ou ordinário preferiu excluir (imunidades ou isenções, nas quais os tributos não incidem).
Porém, a matéria não é pacífica, entendendo outros estudiosos que tais institutos encontram-se
na esfera da incidência, mas foram objeto de exclusão propositada (as imunidades porque são
regras constitucionais de não competência; as isenções porque são dispensa legal do
pagamento).
As isenções e imunidades são institutos jurídicos distintos.
A imunidade é norma de não-competência, instituída constitucionalmente, donde resulta
a impossibilidade de sua revogação, até mesmo por emenda constitucional, como ocorreu com
o julgamento do STF no caso do IPMF – EC nº 3/93 – na qual estava autorizada a incidência
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 34
do imposto sobre entes públicos (ADIN nº 939-7, Rel. Min. Sidney Sanches, RTJ 151/755),
ferindo a imunidade recíproca.
Assim, as IMUNIDADES também funcionam como limitação ao poder de tributar. Há
autores que falam em “princípio da imunidade”, mas a imunidade não é princípio e sim norma
de não competência ou proibição de competência, como bem ensinou Aliomar Baleeiro
(Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, Ed. Forense).
A imunidade pode ser genérica (abrangendo vários impostos – art. 150, VI) ou
específica (atingindo um tributo específico – como, por exemplo, o art. 149, §2º, inciso I (EC
33/2001); o art. 195, §7º; art. 155, §3º (EC 33/2001); art. 5º, XXXIV; e a imunidade da
revogada CPMF – art. 85 do ADCT, EC nº 37/2002).
As imunidades genéricas são: a) imunidade recíproca; b) dos templos; c) dos partidos
políticos, entidades sindicais, instituições de educação e assistência social (ver, quanto às duas
últimas, o art. 14 do CTN); d) livro, jornal, periódico.
Quanto à imunidade recíproca, importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal tem
entendido que ela alcança as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras
de serviços públicos obrigatórios. Vale mencionar que as empresas públicas e sociedades de
economia mista exploradoras de atividade econômica em sentido estrito não estão abrangidas
pela imunidade (art. 173 da CF).
A imunidade pode ser, ainda, objetiva (sobre bens ou operações – art. 150, VI, “d” –
livros, jornais e periódicos) ou subjetiva (pessoas – art. 150, VI, “b” e “c” – templos)
Observação: SÚMULAS DO STF sobre imunidades:
583 - promitente comprador de imóvel residencial transcrito em nome de autarquia é
contribuinte do imposto predial territorial urbano.
591 - a imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor,
contribuinte do imposto sobre produtos industrializados.
657 – a imunidade prevista no art. 150, VI, “d”, da CF, abrange os filmes e papéis
fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos.
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS Apostila de Direito Tributário/2011
Profª Heloísa Helena Antonacio Monteiro Godinho 35
724 – ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a
qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis
seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.
730 – a imunidade tributária conferida a instituições de assistência social sem fins lucrativos
pelo art. 150, VI, c, da Constituição, somente alcança as entidades fechadas de previdência social
privada se não houver contribuição dos beneficiários.
top related