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Volume 1, Número 1
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
Análise discursiva da música “Urgentemente adeus” de Edigar Mão Branca
Páginas 20 a 37 20
ANÁLISE DISCURSIVA DA MÚSICA "URGENTEMENTE ADEUS" DE
EDIGAR MÃO BRANCA
Irisvanda Maria Oliveira Matos1
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo realizar uma análise discursiva na
música “Urgentemente Adeus” de Edigar Mão Branca, dando foco a três aspectos: a
ideologia empregada, sujeito e discurso. O discurso da música possui um sujeito que sai
da condição de assujeitado para a de assujeitamento ou divulgador de um discurso
constituído por uma instituição a um sistema político cheio de falhas. É um sujeito que
reflete seu papel dentro das suas dimensões institucionais, sendo parte importante como
expressão comunicativa do conjunto de relações histórico-sociais. A análise deste
trabalho será realizada a partir dos pressupostos teórico-marxista do filósofo russo
Mikhail Bakhtin. Este artigo é apresentado como pré-requisito para o término do curso
de Especialização do Ensino de Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Português.
PALAVRAS-CHAVE: Ideologia. Discurso. Sujeito.
INTRODUÇÃO
Sendo à música um veículo de transferência ideológica muito utilizada por
vários seguimentos sociais, a Análise do Discurso tem um particular interesse no
estudo desse gênero discursivo, pois os compositores se utilizam de estratégias
linguísticas que possibilitam, muitas vezes até de maneira implícita, transferir sua
ideologia. Surge então, a ideia de trabalhar este campo, analisando a identidade do
1 Acadêmica de Letras, filósofa (IESCO) e especialista em Ensino da Língua Portuguesa IBRAED.
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Análise discursiva da música “Urgentemente adeus” de Edigar Mão Branca
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sujeito da letra da música “Urgentemente Adeus” de Edigar Mão Branca, tomando
como base as teorias do filósofo Bakhtin.
Partimos da hipótese de que o discurso de qualquer gênero discursivo, para ser
internalizado vai depender do conhecimento do receptor da mensagem (ideologia a ser
transferida) acerca do discurso que foi divulgado.
A música apresentada possui um discurso ideológico, construído de sentidos,
de valores, relações sociais que diz respeito à imagem do povo brasileiro, do nordestino
e principalmente do homem do campo. Nosso principal objetivo é analisar o sujeito por
trás da letra da música, e ainda, mostrar a importância da música como meio de
materialização do discurso.
A análise do discurso que trabalharemos no presente artigo será a da linha
francesa que foi elaborado de acordo com a leitura feita em textos sobre a Análise de
Discurso, organizados por Beth Brait onde se reflete as ideias de Bakhtin, bem como,
outros livros e textos citados na referência ao final do artigo. Temos uma questão a ser
respondida: “Qual a intenção do discurso do sujeito da música?”.
Para a realização do nosso objetivo, iniciaremos com uma reflexão sobre a
concepção bakhtiniana do discurso, onde tentaremos expor os termos mais utilizados
pela teoria; no segundo momento, faremos uma análise da música, onde observaremos
os aspectos acerca do discurso. Finalmente apresentaremos as considerações finais
acerca do discurso da música.
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Análise discursiva da música “Urgentemente adeus” de Edigar Mão Branca
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A CONCEPÇÃO BAKHTINIANA DO DISCURSO:
Mikhail Bakhtin era um filósofo que se preocupava com as formas de estudar
linguagem, literatura e arte, e tinha um fascínio pelo discurso e suas categorias. Seu
pensamento inovador revolucionou os estudos linguísticos do século XX.
Para refletir sobre a concepção bakhtiniana do discurso é necessário entender
conceitos como enunciação, tema, gênero do discurso, réplicas do diálogo, sujeito ativo,
assujeitamento, sujeito discursivo, intertextualidade, interdiscursividade e dialética.
Bakhtin considerava a enunciação é o emprego da língua, que poder ser oral ou
escrita; considera ainda que o enunciado é concreto e único (Bakhtin, 2011, p. 262). É
um fator primordial da interação social, pois a enunciação ou fala, tem “sua natureza
social, não individual: a fala está indissoluvelmente ligada às condições da
comunicação, que, por sua vez, estão sempre ligadas às estruturas sociais” (Bakhtin,
2010, p. 14), é a unidade de base da língua, trate-se de discurso interior (diálogo consigo
mesmo) ou exterior, não existe fora de um contexto social, portanto é ideológica, já que
seu locutor tem um “horizonte social”, que pensa e se exprime para um auditório social
bem definido, está voltada a uma realidade social (Bakhtin, 2010, p. 16).
A noção de tema, na teoria de Bakhtin, implica nos elementos não verbais da
situação da produção do enunciado, é “individual e não reiterável”, se apresenta como
“a expressão de uma situação histórica concreta que deu origem a enunciação”
(Bakhtin, 2010, p.133).
O gênero do discurso em Bakhtin emprega uma noção de gênero do discurso
como tipos relativamente elaborados a partir das especificidades de um determinado
campo da comunicação; cada enunciado particular é individual, mas “cada campo de
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utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis do enunciado”; é também
extremamente heterogênio, se dá de diversas formas, pois a atividade humana também é
multiforme, e são várias as modalidades de diálogo (Bakhtin, 2011, p. 262).
“moldamos o nosso discurso por determinadas formas de gênero, às vezes
padronizadas e estereotipadas, às vezes mais flexíveis, plásticas e criativas (a
comunicação cotidiana também dispões de gêneros criativos)” (Bakhtin,
2011, p.282)
Os gêneros do discurso podem ser de tipo primário e secundário: o primário é
aquele em que há réplica entre os interlocutores (um debate político, um julgamento); já
o gênero secundário não há a ocorrência da réplica (atividade artística e científica). No
primeiro caso, ocorrem as relações dualidade das réplicas. No segundo tipo, o que
ocorre é uma individualidade, o autor “se baseia de outras obras da mesma corrente, das
obras das correntes hostis combatidas pelo autor, etc.” (Bakhtin, 2011, p. 279).
O autor em sua teoria pontua o fenômeno das réplicas do diálogo, que implica
na alternância dos locutores do discurso (parceiros do diálogo), ou seja, alternância dos
sujeitos falantes, mudança de posição dos falantes dentro do diálogo, que suscita uma
relação de dualidade, são os traços fundamentais do diálogo, ou seja, de pergunta-
resposta, afirmação-objeção, afirmação-concordância, proposta-aceitação, proposta-
recusa, ordem-execução etc. e no segundo caso não existe tais relações (Bakhtin, 2011,
p.274).
De acordo com a teoria bakhtinana o sujeito ativo é aquele que participa do
processo discursivo, interferindo e aprimorando ou modificando o discurso social, ele
não é somente um divulgador de um discurso presente. (Strogenski, 1999).
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Entende-se por assujeitamento quando o sujeito assume uma postura de uma
instituição, se apropriando não só do discurso preexistente, mas também do vocabulário
e estruturas próprias dela, faz uso de suas estratégias comunicativas a partir de regras
também preexistentes inerentes a ela (Strogenski, 1999).
Aparece no discurso um sujeito discursivo, que é o sujeito que usa a linguagem
como ferramenta de transferência de discurso(s). É aquele que faz escolhas lexicais,
integra e participa de um conjunto de sujeitos cuja natureza ideológica revela-o como
solidário, se opõe ideologicamente a outro conjunto de sujeitos dispersos no âmbito
social, contrario a esses movimentos, que utilizam o lexema escolhido. (Fernandes,
2008, p. 26).
A intertextualidade representa o cruzamento de textos em que cada palavra tem
múltiplas significações, tendo em vista que evocam outras palavras (vozes), quando um
texto possui no seu interior outros textos (intertexto), ou seja, que aparecem
implicitamente e que podem ser percebidos pelo leitor (Bakhtin apud Brait, 2012).
Essas vozes (polifonia), diferentes vozes oriundas de diferentes discursos (Fernandes,
2008, p. 26).
A interdiscursividade é quando um discurso é transpassado por outros
discursos, isso significa que um discurso remete ou responde a outros discursos. São
discursos que se entrecruzam (interdiscursos), que dialogam entre si (Bakhtin apud
Brait, 2012).
Na concepção de Bakhtin, “o discurso sempre está fundido em forma de
enunciado pertencente a um determinado sujeito do discurso, e fora dessa forma não
pode existir” (Bakhtin, 2011, p. 274).
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De acordo com Bakhtin, não existe um discurso que nunca tenha sido dito,
portanto, não há um discurso original, e que os discursos se modificam de acordo com a
mudança histórica, pois o discurso é histórico, heterogêneo, mutável e múltiplo. Ele
afirma que não existe um discurso acabado, os discursos são responsivos. Todas as
atividades humanas estão ligadas ao uso da linguagem e os elementos básicos do
enunciado são: o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional (Bakhtin,
2011, p.261).
“Cabe salientar em especial a extrema heterogeneidade dos gêneros do
discurso (orais e escritos), nos quais devemos incluir as breves réplicas do
diálogo do cotidiano (saliente-se que a diversidade das modalidades do
dialogo do cotidiano é extraordinariamente grande em função do seu tema, da
situação e da composição dos participantes), o relato do dia a dia, a carta (em
todas as suas diversas formas)” (Bakhtin, Estética da Criação Verbal, 2011,
p. 262).
O discurso implica uma exterioridade à língua, ou seja, se utiliza da língua,
encontra-se no social e envolve questões de natureza não estritamente linguística, mas
sim a aspectos sociais e ideológicos empregados nas palavras quando elas são
pronunciadas. É um conjunto de enunciados com escolhas lexicais que revelam
presença de ideologias, que expressão a posição de grupos de sujeitos acerca de um
mesmo tema que são produzidos em decorrência da ideologia dos sujeitos em questão.
Discursos são práticas sociais de produção de textos (orais ou escritos). Os discursos
não são fixos, estão sempre se movendo e sofrem transformações, acompanham as
transformações sociais e políticas de toda natureza que integra a vida humana (ação
social) (Fernandes, 2008, p.13 - 14).
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Em cada lugar onde o discurso é produzido ele terá um efeito de sentindo, pois
depende de suas condições e lugar de produção. É a forma como compreendem a
realidade política e social na qual os sujeitos estão inseridos; é histórico e sofre
mudanças. Mudadas as condições de produção do discurso, seu sentido muda e também
sua configuração semântica (Fernandes, 2008, p. 15-19), ou seja, é social e histórico.
Na concepção de discurso de Bakhtin, para que o enunciado seja entendido
pelo receptor, o emissor/falante ao produzir um discurso leva em conta o
ouvinte/receptor, pois suas escolhas são em relação a um interlocutor/receptor,
conforme:
“Ao construir o meu enunciado, procuro defini-lo de maneira ativa; por outro
lado, procuro antecipá-lo, e essa resposta antecipável exerce, por sua vez,
uma ativa influência sobre o meu enunciado (dou resposta pronta às objeções
que prevejo, apelo para toda sorte de subterfúgio, etc.). Ao falar, sempre levo
em conta o fundo aperceptível da percepção do meu discurso pelo
destinatário: até que ponte ele está a par da situação, dispõe de
conhecimentos especiais de um dado campo cultural da comunicação; levo
em conta as suas convicções, os seus preconceitos (do meu ponto de vista), as
suas simpatias e antipatias – tudo isso irá determinar a ativa compreensão
responsiva do meu enunciado por ele.” (Bakhtin, 2011, p. 303)
O processo de significação é resultado da interação social, pois a linguagem é
um produto social e ideológico, é produto de um sujeito que também é parte atuante do
meio social, e conferir:
“A palavra é o fenômeno ideológico por excelência. A realidade toda da
palavra é absorvida por sua função de signo. A realidade toda da palavra é
absorvida por sua função de signo. A palavra não comporta nada que não
esteja ligado a essa função, nada que não tenha sido gerado por ela. A palavra
é o modo mais puro e sensível de relação social” (Bakhtin, 2010, p.36).
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Portanto, dentro da perspectiva bakhitiniana, o discurso só expressa sentido
quando associado ao seu conjunto de significados; sua descrição e seu entendimento
dependem da palavra.
ANÁLISE
A partir da teoria de Bakhtin, é possível fazer um estudo a respeito do discurso
de Edigar Mão Branca, na música “Urgentemente Adeus”, viste que é um gênero do
discursivo, e é como o sujeito materializou seu discurso.
O discurso não é do autor, pois não é individual, o discurso que a música
transmite pertence à uma instituição política onde o sujeito está inserido, de acordo com
a concepção de Bakhtin, “o enunciado particular é individual, mas cada campo de
utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados”,
denominado de Gênero do Discurso (Bakhtin, 2011).
Utilizaremos a letra da música “Urgentemente Adeus” de Edigar Mão Branca,
para empregarmos a análise segundo a pela teoria de Bakhtin.
A letra pertencente ao cantor, compositor e interprete, Edigar Evangelista dos
Anjos, que é conhecido como Edigar Mão Branca, foi gravada em 2006 no CD “Deixa o
pau quebrar”, como podemos observar é uma música que retrata a indignação de um
sujeito.
A análise da música observará as estratégias utilizadas pelo autor como meio
de convencimento do receptor do enunciado, e também os seguintes aspectos: como a
condição do sujeito, os interlocutores (locutor e público alvo), temática, ideologia,
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sentido, linguagem, palavra, sentido, dialética, lugar discursivo, marcas institucionais,
intertextualidade, interndiscursividade, bem como, os artifícios de aproximação do
sujeito que diz para o sujeito que recebe o discurso.
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No diálogo da música notamos que não há a alternância real dos sujeitos do
discurso, denota que, apesar de ser um diálogo que pressupõe dois interlocutores ativos,
não há o movimento de pergunta-resposta, ou seja, não há uma réplica. Esse é um
gênero secundário.
Na música em análise, por meio da crítica, o sujeito pretende trazer a tona o
que está sob a máscara da censura. O locutor faz uma crítica à postura da imprensa, pois
a considera, descomprometida com o esclarecimento da sociedade. Os trechos a seguir,
ilustram uma intertextualidade com a época da ditadura militar brasileira, que deixou
sequelas no inconsciente, pois mesmo não sendo uma censura aberta, existe uma
censura velada. Existe uma polêmica no discurso da imprensa que serve ao propósito da
ideologia dominante e faz o papel de aparelho ideológico, formador da alienação social.
Esta cenografia esta nos seguintes trechos:
“A nossa imprensa de padrões comprometidos
Podia tanto educar “seja bezeira”
Tornando assim um povo sábio e destemido
Mais preparado pra enfrentar qualquer perigo
Enriquecer a nossa pátria brasileira”
Cumprindo a função estética e de reforço à poeticidade do estilo e da
espontaneidade própria da música nordestina, há a presença marcante de aliteração.
Podemos perceber a aliteração, empregada com a repetição da silaba, ia, e ainda causar
a no imaginário do leitor a penetração da imagem poética, pois os elementos
apresentados denotam características próprias de uma estrutura linguística, ou seja, as
várias possibilidades de usos da forma a serviço de uma mensagem poética. Percebemos
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nas frases abaixo, as sílabas que fazem a aliteração da letra, ou seja, sons idênticos ou
semelhantes:
“É Urgentemente Adeus, é Urgentemente Adeus
e muita gente aqui sem nADA
E ver tão poucos desfrutando desse chÃO
Porque tão caro assim um quilo de feijÃO
Vive tão longe da farmácia ou padarIA
Seu filho ausente de uma creche ou de uma escOLA
Predestinado a amanhã pedir esmOLA
Necessidade já marcou seu dia-a-dIA
Pois no doutor formado é plano bom ou caristIA
A fauna e a flora desse censo carecIA
Mas muito falam pouco fazem todo dIA
Todo país despeja esgoto em nossos rIOS
Eles são loucos, insensíveis são tão frIOS
Em cada esquina é uma igreja é sacolINHA
Nossa ciência, abandonaram a CoitadINHA”
Com relação sentido de “Urgentemente Adeus”, se analisado pela ótica de uma
criança, ela faria menção á um sujeito fantasiado com o rosto pintado, que faria coisas
engraçadas para divertir o público que o prestigia, mas na música tem outra conotação,
que é o sarcasmo do sujeito que anuncia. Para Bakhtin os sentidos são produzidos em
decorrência da ideologia dos sujeitos em questão, são produzidos face aos lugares
ocupados em interlocução. Depende do lugar socioideológico em que se encontram
aqueles que empregam a palavra, ou ainda, não tem valor fixo. A palavra se repete
como um reforço aos versos que têm um discurso direto, cuja intencionalidade e
estrutura constituem-se a partir de um reconhecimento de seus próprios direitos e
deveres, assim como os do outro.
A temática empregada na letra chama o sujeito receptor a um espaço discursivo
do “Pouca gente aqui tem muito, e muita gente aqui sem nada”, remete ao interlocutor a
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questionar-se a respeito da desigualdade econômica do povo brasileiro, é uma
provocação ao povo, para despertá-lo acerca desse desnivelamento na distribuição dos
recursos, das riquezas e da terra.
Os lugares discursivos ou campos discursivos, que seriam: escola, zona rural
(campo), as universidades (ciência abandonada). A universidade e a escola são locais de
formar opinião, apesar de ser direito de todos e obrigação do governo em fornecer e
prover, não são todos os que têm como se utilizar desse direito. Na zona rural, que
aparece como campo, os sujeitos que vivem da agricultura não têm tem terra para
produzirem o sustento de suas famílias, são colocados nestas condições, num pais com
tanta terra há tantos sem terra, como percebemos nos trechos a seguir:
Não admito minha terra ser tão fértil
E ver tão poucos desfrutando desse chão
Se és tão rica e a ninguém Deus a vendeu
Porque tão caro assim um quilo de feijão
Homem do campo tá provado que trabalha
Vive tão longe da farmácia ou padaria
Seu filho ausente de uma creche ou de uma escola
Predestinado a amanhã pedir esmola
Necessidade já marcou seu dia-a-dia
Quando adoece seu remédio é mato "brabo"
Pois no doutor formado é plano bom ou caristia
Quando adoece seu remédio é mato "brabo"
Pois no doutor formado é plano bom ou caristia
Nossa ciência, abandonaram a coitadinha
Ainda dentro da análise da composição da música, percebemos que esta tem
um discurso carregado de uma ideologia de oposição ao poder vigente, onde se fazem
presentes elementos constituintes de um discurso direto, cuja intenção é a persuasão do
sujeito receptor do enunciado, com o objetivo de um deslocamento do lugar cômodo, e
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levá-lo para um espaço onde seja produtor da história e não um produto social e
manipulável. È um discurso de um sujeito que se inquieta com a situação da nação.
Fazendo uma análise dos sujeitos, temos o locutor que é o autor da letra Edigar
Mão Branca, e o destinatário é o público alvo (o povo nordestino e pobre em geral), que
em sua grande maioria é constituído de indivíduos que vivem a realidade da letra. Que
está nesse processo de “Pouca gente tem muito, e muita gente aqui tem nada”. A
cronografia é toda a história do ano de composição da letra, ou seja, 2006.
O uso dos pronomes “Eu” “me” “minha” é uma inferência de ser também
produtor de um discurso, um sujeito da ação.
A música trás um sujeito que tem uma visão de si e do todo a sua volta, ele se
vê como parte de um grupo que sofre com os problemas sociais de um sistema político
corrupto e explorador. Assim, podemos perceber que o sujeito utilizou-se do gênero
música para materializar o seu discurso.
O sujeito discursivo se situa em determinado lugar sócio-histórico que é o
verão nordeste brasileiro de 2006, e tem como característica defender a causa do povo
do campo, em virtude disso, contestar o sistema sócio-político-econômico vigente.
Esse sujeito se mostra um sujeito atuante e participativo no meio comunicativo
institucional, conforme:
“A concepção bakhtiniana atribui ao sujeito responsabilidade pelo uso que
este faz da linguagem. O sujeito não é somente um divulgador de um
discurso preexistente, mas um agente dentro do processo discursivo, capaz de
interferir, aprimorar ou até modificar o discurso social”(Strongenski, 1999).
Dentro da perspectiva da interdiscursividade, podemos notar no interior da
letra a presença marcante do discurso político, portando, um discurso dentro do próprio
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discurso. O sujeito discursivo emprega uma linguagem com uma presença polifônica
com um alto índice de características de um discurso político de oposição ao poder
vigente, o que podemos ver no fragmento a seguir:
" Eu me chateio quando ouço tanta farsa
De governantes ou de órgãos que deviam ser mais sensíveis,
pois pra isso são bem pagos
muito falam pouco fazem todo dia ".
São assim, vozes constituintes do sujeito enunciador, que demonstra ter
conhecimento das desigualdades sociais e ser dono do seu dizer, são diversas vozes em
sua formação discursiva. É a voz um sujeito que não vê reconhecido seu valor social,
revoltado e a voz do sujeito consciente de sua importância e de sua exploração que
utiliza a música como uma forma de divulgação e resposta aquilo que recebe, e se
mobiliza para ver mudanças. Assim, temos um sujeito heterogêneo e não-individual.
Com o objetivo de demonstrar uma relação de contradição na prática do
brasileiro, o locutor faz uso de frases que enfatizam a relação dialética. Em termos
gerais: afirmação, a contradição e a negação da negação. Como podemos observar nas
frases:
“Todo país despeja esgoto em nossos rios
Mas na TV tão defendendo ecologia,
A dialética é a estrutura contraditória do real, que é constituída de três fases:
tese, antítese e síntese. A dialética busca elementos conflitantes entre dois ou mais fatos
para explicar uma nova situação decorrente desse conflito (Aranha e Matins, 2009,
p.322-323).
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Pontuamos esse movimento dialético na seguinte perspectiva: tese: no Brasil se
joga lixo e esgoto nos rios e se defende ecologia; antítese: não se pode defender a
ecologia e jogar esgoto nos rios; síntese: poderia ser algo como para defender ecologia
é preciso parar de jogar lixo e esgoto nos rios, criar estações de tratamento, ou ainda, a
sociedade cobra o que não faz na prática.
O sujeito tem como alvo (público do discurso) as classes menos privilegiada do
povo brasileiro, por exemplo, o homem do campo. Busca uma aproximação com esse
interlocutor/receptor, e para isso, faz uso de uma linguagem cotidiana desse público, o
que é configurado pelo uso de palavras: “brabo”, “bezeira”, “caristia”.
Observamos que o sujeito do resente discursoné um sujeito assujeitado, ele
assume todos os elementos institucionais para externar um discurso, marcado pela
presença de um vocabulário que remete a uma instituição política, com estruturas e
estratégias comunicativas preexistentes. É um assujeitamento a postura de oposição ao
sistema político vigente.
Em conformidade com a teoria de Bakhtin, podemos afirmar que Edigar Mão
Branca, é um sujeito atuante no meio social, e faz uso da linguagem como fator de
interação. O falante faz uso do seu discurso com o propósito de influenciar outros
sujeitos, para alcançar um objetivo e exercer um poder sobre esses sujeitos, ou seja, usa
o discurso como forma de exercer poder sob outros sujeitos que buscam um discurso
verdadeiro. Esse sujeito participa da mudança, ele se identifica com o discurso da
instituição, se colocando como divulgador e colaborador do discurso dessa instituição.
O autor utiliza-se da linguagem como instrumento de crítica à sociedade, ou
ainda, ele é um problematizador da realidade que o cerca, para isso tem uma atitude
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discursiva de crítica e combate aos males sociais (injustiças, privilégios dos poderosos e
a desigualdade econômica).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação discursiva do sujeito enunciador em questão é evidenciada pelo
caráter contestatório, crítico e denunciativo, pois parte do seu discurso é organizado em
torno da contestação ao poder vigente. Levando em conta elementos históricos, sociais e
ideológicos podemos dizer que a formação em questão trará aspectos como: um sujeito
que sai da sua condição de aceitação e alienação para uma um sujeito consciente, ou
seja ele sai da condição de assujeitado para um assujeitamento, onde participará
ativamente discurso institucional a qual pertence.
Através do discurso direto e ideológico da letra, podemos perceber a
intencionalidade discursiva, o que responde a indagação proposta: Qual a intenção do
sujeito da música? A intenção do autor/falante é a persuasão do leitor/ouvinte,
procurando exercer sobre seu receptor uma influência, o falante tenta motivar o
ouvinte/leitor através da sua enunciação, buscando gerar no outro um desejo de busca
dos seus direitos, levado o sujeito leitor a pensar, mudar de atitude e de escolha, ou seja,
causar um deslocamento do receptor de um lugar de acomodação social, para uma
mudança de atitude, o sujeito passa ser um produtor da história e não um produto social,
manipulável.
Só foi possível compreendermos o discurso todo texto, que é direto, porque
temos um conhecimento prévio do aspecto contextual (situação geral do país). E assim,
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o autor/locutor consegue passar sua proposta e intenção levar ao publico/receptor, que é
um chamado a se posicionar de forma ativa diante da situação política, social,
econômica e histórica do país.
Concluímos que o sujeito determina a escolha da forma do gênero na qual será
construído o enunciado, mas sua mensagem só será compreendida por aqueles que têm
conhecimento prévio do enunciado, pois o gênero é internalizado do mesmo modo que a
língua materna.
REFERÊNCIAS
ARANHA, Lúcia de A e MARTINS, Maria H. P. “Filosofando: Introdução à
Filosofia”. 4ª Ed. São Paulo: Moderna, 2009.
BAKHTIN, Mikhail. “Estética da Criação Verbal”. 6ª ed. São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2011.
BAKHTIN, Mikhail. “Marxismo e Filosofia da Linguagem”. 14ª ed. São Paulo: Editora
Hucitec, 2010.
BRAIT, Beth. “Bakhtin: conceitos-chave”. 4ª ed. São Paulo: Contexto, 2012.
FERNANDES, Claudemar Alves. “Análise do Discurso: Reflexões Introdutórias”. 2ª
ed. São Carlos - SP: Editora Claraluz, 2008.
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Análise discursiva da música “Urgentemente adeus” de Edigar Mão Branca
Páginas 20 a 37 37
STROGENSKI, Paulo J. R., “Linguagem e Sujeito”. www.dacex.ct.utfpr.edu.br/paulo.htm
1999.
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