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Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
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Atuação da mulher libertária no trabalho, no jornalismo, na arte e na cultura.
Esmeralda Rizzo1 Ines M. Minardi2
As mulheres libertárias desejavam uma transformação completa da sociedade,
com solidariedade, liberdade, fim da violência, das religiões, dos governos, dos
parlamentos, das polícias, dos exércitos, de todas as instituições consideradas
autoritárias. Modificações que não poderiam ser impostas pela violência, mas sim,
desejadas e alcançadas pela vontade dos anarquistas.
1 ESMERALDA RIZZO Graduada em Ciências Econômicas (1986), Mestrado (1995) e Doutorado (1998) em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie . Atuou no mercado empresarial, em empresas de grande, médio e pequeno porte como, Secretária Executiva, Chefe de Recursos Humanos e Gerente Administrativo/Financeiro e Secretária Executiva de ONG. Vinculada ao Mackenzie desde 1992, desenvolve atividades docentes, na graduação em diversos cursos, na UATU e em alguns cursos de especialização Lato Sensu. Administrativamente percorreu as coordenações de Estágio da Universidade e nas Unidades (FCECA E FCA), coordenação de TGI na FCA, Chefe do Departamento de Propaganda, Publicidade e Criação na FCA, Coordenadora de Pesquisa e Extensão da UPM eventual substituta, Diretora da FCA- Faculdade de Comunicação e Artes- hoje CCL Centro de Comunicação e Letras, formado pelos cursos de graduação de Comunicação Social - habilitação Jornalismo, Propaganda, Publicidade e Criação, Letras e habilitações e os cursos de Mestrado de Educação, Artes e História da Cultura e Mestrado e Doutorado em Letras. Atualmente atua como Decano Acadêmico da UPM.Tem pesquisas desenvolvidas nas áreas de Comunicação, Mercadologia, Terceiro Setor, Gestão, Plano Mercadológico, Gestão Educacional, Marketing de massa e one to one marketing, Empresa Familiar, Gênero, Globalização, Qualidade Total e Marketing de Serviços. É especialista em Didática do Nível Superior, em Metodologia Científica, em Administração e Marketing. Atualmente está desenvolvendo pesquisa na área de Comunicação Empresarial e de Genero. É líder de pesquisa com registro do grupo no CNPq, certificado pela instituição. Avaliadora do SINAES (curso e instituição). Assessora Científica e parecerista Ad-hoc da FAPESP. Como pesquisadora, foi premiada com a sua equipe com o Premio Planeta Casa 2006, com o projeto Quebra-Coco de Babaçu, na categoria Ação Social- Pesquisa com fomento do Mackpesquisa. Orienta trabalhos de Graduação Interdisciplinar e Iniciação Científica. Como orientadora e co-orientadora de TGI teve dois prêmios.A partir de março de 2011 ocupa o cargo de Decano Acadêmico na UPM 2 INES MINARDI Doutora em Ciência Política pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1996), Graduada em Administração de Empresas pela Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas de Araraquara (1972), em Pedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1973). Professora Adjunto III da Universidade Presbiteriana Mackenzie, membro da Comissão de Ética da UPM. Experiências em pesquisas e docência nas áreas de filosofia, economia, cultura barsileira e ciência política. Pesquisadora do CNPq de Gênero. Possui diversos artigos, livros e pesquisas premiadas. Orienta trabalhos de conclusão de cursos em publicidade e propaganda e jornalismo. Membro do Núcleo de Estudos da Muher da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Núcleo de Estudos de Gênero, Raça/Etnia da UPM e do Núcleo de Estudos e/imigrações:histórias, culturas, trajetórias da UPM.
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
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Caberia fundamentalmente ás mulheres a longa e árdua tarefa de transformar a
humanidade, por meio da desconstrução de comportamentos burgueses3.
No Brasil, o movimento teve início com a imigração européia que desembarcou
com tradições, valores culturais e determinação para definir sua própria identidade. O
movimento operário em São Paulo, no fim do século XIX e início do século XX, não
pode ser reduzido ao movimento anarquista, considerando-se que a experiência dos
trabalhadores paulistas envolveu comportamentos e ideários políticos diferentes.
Podem-se citar os anarquistas, os socialistas, mais tarde os comunistas e o sindicalismo
revolucionário. Este último funcionou como um movimento operário autônomo em
relação aos demais. Consistiu em uma evolução em defesa do sindicato, tido como o
único órgão capaz, para garantir as conquistas dos trabalhadores. Defendeu a luta de
classes, a autonomia operária associada à autonomia sindical e, sobretudo, a
neutralidade política do sindicato. O critério para participar do sindicato, consistia em
ser trabalhador e não, socialista, anarquista, ou de qualquer outra tendência. Para os
anarquistas, o sindicato era para ser combatido, ou instrumentalizado como espaço de
propaganda anarquista que no futuro desapareceria juntamente com as instituições
burguesas. Ao que se convencionou chamar anarco-sindicalismo ou sindicalismo
libertário,
o sindicato deveria ser o espaço da resistência e da luta pela emancipação social da classe trabalhadora. Representava para seus seguidores uma forma associativa de viver e de lutar...Para os adeptos de outras correntes anarquistas, no entanto, a associação do anarquismo e sindicalismo .era alvo de inúmeras polêmicas e discussões. Temia-se o rompimento de alguns preceitos básicos do anarquismo, tais como a negação das lideranças e das hierarquias e o enfraquecimento da idéia de revolução diante das melhorias das condições de trabalho e de vida das classes trabalhadoras.4
3 RAGO, Margareth. Do Cabaré ao Lar: A utopia da cidade disciplinar – Brasil 1980-1930. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997. 4MARTINS, Angela Maria Roberti. Pelas Páginas Libertárias: Anarquismo, Imagens e
Representações.Tese de Doutorado em História Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2006 p.29
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
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Enquanto os sindicalistas sonhavam com uma federação de sindicatos, os
anarquistas idealizavam uma federação de indivíduos5.
Vários jornais operários foram fundados por grupos articulados de libertários e
socialistas, com intuito de estimular a resistência nos locais de trabalho, fazendo
denúncias de exploração e registros dos avanços e recuos na luta diária. Em 1908, o
único jornal libertário, em São Paulo, era o Terra Livre; nele, o redator esclareceu que o
objetivo dos anarquistas no Brasil, era o despertar das consciências e não de
organização dos trabalhadores, visto que a nossa única organização possível é aquela
que resulta da publicação de jornais. 6
Alguns desses periódicos tornaram-se mais conhecidos e perduraram por mais
tempo, mas todos refletiram o mesmo sonho: mudar a vida, transformando o universo
do trabalho humilhante e embrutecido em um mundo, não só justo estimulante, como
também feliz. Para alcançar o intento, as estratégias usadas iam da sabotagem de
produção à destruição de equipamentos, quando não terminavam numa greve geral.
Essa luta cotidiana, liderada pelos homens, contava inicialmente com a participação das
trabalhadoras operárias, fascinadas pelos discursos libertários defensores dos direitos da
mulher iguais aos do homem, do amor livre, da maternidade voluntária e de uma
sociedade mais justa. 7
Os anarquistas denunciaram a condição de subordinação e de exploração da
mulher, propondo sua emancipação para libertá-la da força de um imaginário que
5 PASCAL, Maria Aparecida:A pedagogia Libertária, um resgate histórico. In:Educar para o trabalho: estudos sobre os novos paradigmas. São Paulo, Editora Arauco, 2006. pp.101-110 6 TOLEDO, Edilene: Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. p.79 7 Idem, p.85
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alimentava a moral cristã e os valores burgueses em ascensão, para que ela pudesse
combatê-los e ajudar a superá-los.8
Mesmo representando uma minoria, as mulheres eram combativas, participativas
e se expunham em manifestações públicas ao lado dos homens. Entretanto, havia um
número reduzido de prontuários policiais de mulheres, na participação feminina
anarquista, explicável provavelmente por constituírem junto com as crianças, a maioria
nas fábricas têxteis e por oferecerem dificuldades para serem organizadas. Em
contrapartida, a sociedade burguesa tentava instituir novos hábitos e valores - no povo
considerado incivilizado, imoral, sujo e promíscuo - a partir das fábricas, passando pela
higienização das moradias e dos papéis sociais:
a família nuclear, reservada, voltada sobre si mesma, instalada numa habitação aconchegante, deveria exercer uma sedução no espírito do trabalhador, integrando-o ao universo dos valores dominantes.9
À nova mulher, estava reservado o sagrado papel de esposa devota, dona de casa
impecável e mãe extremosa. Se rica, deveria ser educada e formada para as prendas
domésticas; quando pobre, o trabalho fora de casa não deveria ultrapassar os limites
impostos pela moralidade da burguesia que valorizava radicalmente a virgindade.
Esse caldo social, se por um lado inibia os movimentos femininos, reduzindo o
espaço público para sua atuação, principalmente o trabalho noturno considerado imoral,
por outro, incentivou algumas ativistas a enveredar para política partidária e política
sindical. O movimento feminista não se circunscreveu às operárias e trabalhadoras
despreparadas; os poucos registros da época demonstram a participação de mulheres
socialmente privilegiadas que deixaram assinaladas suas lutas em cartas, diários, livros,
artigos, campanhas influentes junto aos políticos, na busca de soluções para a
8ROBERTI, Angela Maria Martins. Pelas Páginas Libertárias: Anarquismo, Imagens e
Representações.Tese de Doutorado em História Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2006 p.143. 9 RAGO, Margareth: Do cabaré ao Lar. A utopia da cidade Disciplinar, Brasil 1890-1930, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997 (p.61)
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disparidade de direitos entre os sexos10. A luta pelos direitos femininos contou com a
participação do deputado Alcindo Guanabara, com um projeto de lei apresentado à
Câmara dos Deputados, sobre a constituição da família brasileira, especificando o papel
da mulher no matrimônio, declara:
A família no Brasil como em muitos outros países, transformou-se apenas em uma exterioridade, uma forma qualquer, ou melhor, uma entidade puramente econômica. Na realidade ela desapareceu completamente. Numa sociedade em que cada pai de família pode ter e tem extraordinariamente uma ou mais famílias extralegais; na qual, quem não pode dar-se ao luxo de uma família extralegal procura os seus minutos de prazer às escondidas; na qual, qualquer pessoa de espírito se sente no dever de criticar e lançar escárnios contra o matrimônio, o divórcio vem apenas arrombar portas abertas. A indissolubilidade matrimonial não existe, já desapareceu.11
Antecipando a luta de décadas do senador Nélson Carneiro, autor do projeto para
aprovação do divórcio. Ainda que a motivação básica da burguesia e do proletariado
num primeiro momento pareça similar, a análise à distância nos remete à luta por
demandas diferentes; as operárias eram impelidas por condições aviltantes e desumanas
de trabalho, enquanto as mulheres da classe socialmente favorecida, ligadas à Revista
Feminina, buscavam o direito político e o de poder ocupar o espaço público com
oportunidades iguais às dos homens.12
A condição de opressão da mulher em geral foi tema da imprensa anarquista por
jornalistas, escritoras e educadoras que se destacaram pela atuação em defesa da causa
feminina. No início do século XX, Ernestina Lesina, anarquista, dedicada à defesa das
mulheres operárias, foi uma das fundadoras do jornal operário Anima Vita em São
Paulo. Considerada uma brilhante oradora junto aos trabalhadores, defendeu a
emancipação das mulheres e da classe operária. Participou da formação da Associação
10 Idem 11 HECKER Alaxandre.Um Socialismo Possível:a atuação de Antonio Picarolo em São Paulo. São Paulo: T.A. Queiroz, 1998. p.154-155. 12 PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2003.
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de Costureiras de Sacos, em 1906, lutando pela redução da jornada de trabalho e pela
organização sindical. Este fato de as mulheres trabalhadoras terem tido um papel
decisivo nas greves de 1901 a 1917, denunciando os maus tratos e exploração das
costureiras e têxteis, foi digno de registro. Outra mulher de destaque na luta dos
trabalhadores foi Maria Lopes; operária paulista, juntamente com outras anarquistas,
como Teresa Carini e Teresa Fabri, assinaram, em 1906, um Manifesto às
Trabalhadoras de São Paulo, publicado no jornal anarquista A Terra Livre, incentivando
as costureiras a denunciarem as condições degradantes de vida, as longas jornadas de
trabalho e os baixos salários.13 Das mais familiares, foi Olga Benário, ativista
comunista alemã, nascida em Munique, em 1908; presa algumas vezes em seu país,
refugiou-se em Moscou onde conheceu Luis Carlos Prestes, do Partido Comunista
Brasileiro (PCB), do qual se tornou companheira mais tarde. Em 1934, veio para o
Brasil com Prestes, com orientação do partido, para zelar por sua segurança. O Partido
organizou a Aliança Nacional Libertadora (ANL), como movimento antifascista que, a
partir 1935, promoveu revoltas e levantes armados. Com a repressão ao Movimento,
ambos foram presos, Olga grávida foi deportada para a Alemanha e entregue aos
nazistas. Na prisão de Berlim, teve a filha Anita Leocárdia, salva por uma campanha
internacional liderada pela avó Leocárdia Prestes, que passou a cuidar da neta a partir
dos quatorze meses. Olga percorreu diversos campos de concentração, sendo morta em
1942.14
As feministas que mais se destacaram, no exercício de conscientização da
mulher de todas as classes, por organizar palestras, cursos educativos e a fundação da
Federação Internacional Feminina, foram: Maria Lacerda de Moura, Josefina Stefani
Bertacchi, Matilde Grassi, Maria de Oliveira, Maria S. Soares, dentre outras.
13 MATOS, Maria Izilda. Trama e poder. São Paulo, Edusp, 2003. 14 MORAES, Fernando. OLGA: A vida de Olga Benário Prestes, judia, comunista entregue a Hitler pelo governo Vargas.São Paulo Editora Companhia das Letras, 2002
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Propuseram a emancipação do papel da mulher na sociedade, para a transformação da
realidade cotidiana. Ao rebater as concepções masculinas sobre a inferioridade
biológica da mulher, Maria Lacerda de Moura afirmou que a mulher não nasceu
exclusivamente para ser mãe, para o lar, para brincar com o homem, para diverti-lo, 15
enquanto Matilde Grassi propôs instrução à mulher operária, como arma contra a
exploração das classes dominantes, do capital e do poder da Igreja.
No jornal A Plebe, de 20/11/1920, Isabel Cerrutti ou Isa Rutti, asseverou que a
mulher...
deve fazer uso do seu raciocínio para se despir dos vãos temores, dos tolos preconceitos e dos ridículos escrúpulos que lhe incutiu a falsa moral de Deus e da Pátria, para assim obter o seu pensamento emancipado.16
No mesmo jornal, Isabel deu uma estocada nas feministas ligadas à Revista Feminina:
Qualquer reforma nas leis vigentes que venha a conferir-lhe direitos políticos iguais aos homens, não a põe a salvo das chacotas e humilhações, não a livra de ser espezinhada pelo sexo forte e prepotente, enquanto perdurar a moral social que constrange e protege a prostituição.17
Com o pseudônimo Isa Rutti, foi fichada no DEOPS (pront. n°195), como
partícipe do Comitê Feminino de Educação, identificada como anarquista e
colaboradora de jornais, como A Plebe. Como Isabel Cerrutti, foi fichada no (pront.
n°2599), como professora, partícipe de uma reunião na sede da Liga Lombarda em São
Paulo, na qual compareceram cerca de quinhentas pessoas. Nesta reunião, Isabel
Cerrutti, conhecida também como Isa Rutti (Pront.n°195), prestou homenagem a um
comunista vítima de um acidente, enquanto colocava uma bandeira vermelha em um fio
de alta tensão da Light. Homenageou também comunistas que seriam fuzilados na
Alemanha. O público presente na reunião era composto por anarquistas, comunistas e
antifascistas.
Em defesa da condição feminina, Maria Lacerda de Moura assim se expressou:
Até aqui, temos vivido a civilização uni-sexual, a mulher não passou de espectador no cenário da vida”... “E o homem
15 RAGO, Margareth, Op.cit.,1997 p.97 16 ibdem, Op.cit, 1997. p.98 17 ibdem, Op.cit, 1997. p.99
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continua a querer entravar-lhe os movimentos e, portanto, a cercear-lhe o progresso. A mulher só tem direito de sair, de se locomover se vai trabalhar, ganhar dinheiro. Continua dando conta ao homem de todos os seus passos e até do seu salário. É outra espécie de exploração. É o cafetismo em família.18
Maria Lacerda de Moura constou, nos arquivos do DEOPS (pront. n°857), como
professora que administrava o Comitê Antiguerreiro e teve intensa atuação política em
defesa dos direitos da mulher. Costumava proferir conferências na federação operária de
São Paulo e União dos Operários em Fábricas de Tecidos, mantendo boas relações,
tanto com os grupos anarquistas, quanto com os comunistas. Durante uma conferência
sua, em 1933, estiveram presentes representantes do Socorro Vermelho da Federação
Sindical Regional e da Juventude Comunista. Anexado ao prontuário, encontra-se um
panfleto sem data, convidando os trabalhadores, e, especialmente as mulheres, para uma
conferência de Maria Lacerda, cujo tema era anti-semitismo. Este evento foi promovido
pelo jornal A Plebe.19
Outra anarquista fichada (pront. n°327) foi Maria Alles, espanhola, operária,
freqüentadora de reuniões subversivas, mantendo estreitas relações com os anarquistas
de São Paulo. Em agosto de 1922, várias operárias da Fábrica Santa Branca foram
despedidas por reclamarem contra o controle do tempo de ir ao banheiro. Indignadas,
um grupo de operárias resolveu entrar em greve no dia 27 de agosto. Registrou-se um
conflito nos portões da fábrica entre as operárias em greve e as demais que se opunham
a esse grupo. No prontuário, acha-se anexado um recorte do jornal O Combate,
referindo-se ao caso.20
As radicalizações encontraram uma posição intermediária com Josefina S.
Bertacchi que concebia a mulher de uma forma mais equilibrada quando afirmava que:
18 RAGO, Margareth ,Op.cit.,1997. p.100-101 19 PARRA, Lucia S. Jornal A Plebe. 20 Idbem, Op.cit.p 164.
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Entre a (feminista ultra), forma híbrida sexual e a (massaia), no sentido romano da palavra: Stetti in casa e filó lana, existe o justo meio: a verdadeira mulher. A mulher, nem patroa, nem escrava, nem feminina nem angelica, nem asséptica nem messalina; mas a mulher amante e amada, que, recebendo no seu seio o novo gérmen, maturando-o na dor, consagrando-o com seu sangue, dá à humanidade o milagre da vida para ela, nela e com ela, eternamente se renovando até ao infinito. (...) Se de um lado nós condenamos a (feminista ultra) (...) doutro lado não queremos tão pouco a mulher máquina, a mulher besta de carga, a chamada governadeira. 21
O universo das lutas libertárias não se limitou apenas à defesa dos direitos no
campo do trabalho, mas também ao uso do raciocínio feminino, do amor de livre
escolha, da preservação das mulheres e crianças fora do trabalho estafante e humilhante
das fábricas, da alienação perante os padrões sociais e morais impostos pela classe
dominante. As lutas incluíram a condenação das atividades festivas por suas
implicações com o fumo, bebidas, farras, freqüência a bordéis, jogo, como forma de
preservar o trabalhador lúcido, do desgaste físico e moral para a causa anarquista, que
buscava de maneira ferrenha a realização de sua utopia de construção de um mundo
melhor, mais humano e mais justo, no qual todos pudessem viver mais felizes.
Curiosamente, sob este aspecto, o discurso anarquista se confundia com o discurso da
burguesia que via, na condenação dessas práticas, a possibilidade de enquadramento aos
métodos de moralização, organização e higienização do proletariado. Higienistas
sociais e alguns industriais defendiam, como solução para o controle físico, moral e
ideológico da população trabalhadora, a construção de casas confortáveis e baratas por
acreditarem que os operários se apegariam mais ao desempenho de seu trabalho e às
suas casas nos momentos de lazer. Nessa concepção, foram construídas as vilas
operárias.22
21 RAGO, Margareth, Op. Cit.1997. p.102 22 PETRONE, Maria Tereza S.Imigração In: O proletariado Industrial na Primeira República. (Cap.III)s/d
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Cada uma das classes, na busca da realização de suas próprias utopias, somou,
ao longo do tempo vitórias e derrotas concomitantes, na medida em que os
trabalhadores se acomodaram aos valores da classe burguesa e esta cedeu às exigências
dos proletários.
De acordo com a análise de Céli Regina Jardim Pinto, o desenvolvimento do
feminismo no Brasil apresentou três vertentes distintas. A primeira, considerada a mais
forte por ser a mais organizada e abrangente, foi liderada por Berta Lutz que defendia a
incorporação da mulher aos direitos políticos, sem, contudo alterar a posição do
homem; foi apreciada como a face bem-comportada do feminismo da época. A segunda
vertente, denominada pela autora como feminismo difuso, o menos comportado,
expressou-se na imprensa feminista alternativa, composta por mulheres cultas, com
vidas públicas excepcionais, na grande maioria professoras, escritoras e jornalistas...
defendem a educação da mulher e falam na dominação dos homens e no interesses
deles em deixar a mulher fora do mundo público, bem como abordam o grande tabu da
época, a sexualidade e o divórcio. A terceira vertente, a menos comportada de todas,
composta por anarquistas e socialistas, defendeu a liberação da mulher, condenou a
exploração do trabalho e teve, na liderança, a já citada Maria Lacerda de Moura.23
Figura controvertida, distante da unanimidade quando se trata de analisar o perfil,
construído ao longo de sua vida. Foi professora nas Escolas Modernas e nas
Universidades Populares, mineira, conferencista e escritora. Em 1925, escreveu um
livro, Lições de Pedagogia no qual preconizava a guerra ao analfabetismo: eduquem a
Mulher, despertem sua consciência, iluminem sua clarividência moral e ela reformará
o mundo24 Seus outros títulos: Em torno da Educação, em 1918; A Mulher é uma
degenerada? de 1924; Religião do Amor e da Beleza, de 1926; Clero e Estado, de 1921;
23 PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2003 pp.14-15 24 http://mail_b.uol.com.br/cgi-bin/webmail :Uma face do anarquismo feminista no Brasil (p.4)
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Amai e não vos multipliqueis, de 1937; Han Ryner e o Amor no Plural, de 1933;
Serviço Obrigatório para mulher? recuso-me, denuncio!, de 1933. Lançou ainda,
Renascença, uma revista mensal, na qual dava evasão a todas as preocupações nas
diversas áreas. Sua base de apoio foi cultural e intelectual, como pilar de alteração das
condições sociais. Pregou Guerra ao analfabetismo, sim, porém, guerra sem tréguas à
ignorância presumida, à tibieza de caráter, ao orgulho tolo, à vaidade vulgar, à
pretensão, à ambição pessoal, ao egoísmo sórdido, à intolerância, ao sectarismo
absorvente, aos preconceitos de uma civilização que desmorona e mais: guerra à
mediocridade, à vulgaridade e à prepotência asseguradas pela autoridade do diploma,
do bacharelado incompetente, nulo e jactancioso. Atacava, de um lado, a moral e os
costumes burgueses; de outro, vários militantes anarquistas e operários, não tão
convictos quanto aos ideais libertários criticados pelas posturas antiéticas e
desvirtuadas. A crítica era endereçada principalmente aos anarquistas que, em suas
manifestações orais e escritas, não mencionavam o nome das companheiras de luta. A
falta de citação da importante contribuição das mulheres por vários autores, intelectuais
e até anarquistas, foi uma falha considerada comum, que revelou a incongruência do
discurso libertário em relação à prática.
Um exemplo citado por Moura, quanto à falta de reconhecimento masculino, da
importante contribuição feminina, na experiência anarquista da Colônia Cecília –
Paraná - onde as mulheres dedicaram seu trabalho físico na cozinha, nas casas e no
campo; incentivaram os homens na luta diária, comparecendo a todas as reuniões,
algumas abdicando do conforto da cidade e até doando suas jóias para a aquisição de
ferramentas e sementes.
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Em livro de memórias Città di Roma, Zélia Gattai narrou a experiência de sua
família, integrante do grupo pioneiro fundador da Colônia Cecília com
aproximadamente cento e cinqüenta pessoas:
(...) homens das mais diversas condições sociais e profissionais, verdadeiros heróis, empunhando a chama revolucionária partiu para fundar uma colônia experimental socialista no Brasil, a Colônia Cecília, em terras do Paraná doadas pelo Imperador PedroII : nesta leva, partiu a família Gattai, em fevereiro de 1890. Esses homens iam cheios de entusiasmo e esperança, dispostos a reformar o mundo, começando do Brasil. As mulheres, ao contrário dos maridos, partiam resignadas, cheias de dúvidas, mortas de preocupação(...).25
Durante a travessia Pedro II foi deposto, e os republicanos não reconheceram o que havia sido
prometido pelo Imperador. Os pioneiros da Colônia Cecília sem perder o otimismo levaram em
frente a experiência confiantes que tudo daria certo. Dessa primeira experiência anarquista não
há registro, o que restou para a historiografia foi um simples poço e a promessa da prefeitura de
Palmeira de erguer um memorial na região.26
Edgar Rodrigues ressalta que Maria Moura teria sido uma militante femista,
representando a deturpação máxima da luta pela emancipação feminina: o feminismo. A
femista não luta pela igualdade dos sexos; luta pela abolição do sexo masculino. Outra
crítica, a de que ela se colocava acima das massas populares e considerava o
proletariado como selvagem, ignorante, incapaz de conduzir-se à auto-emancipação;
posição dos marxistas (stalinistas ou leninistas) que até hoje desprezam o poder de auto-
emancipação das massas, tornando-se necessário haver uma vanguarda, uma elite
cultural que guiará as massas para sua emancipação. Entretanto, nas palestras pregava a
necessidade de
abster-se de toda função pública, de ordem administrativa, judiciária, militar, não ser prefeito, juiz, polícia, oficial político ou carrasco. Não aceitar funções que possam prejudicar a terceiros, não ser banqueiro, intermediário em negócios, explorador de mulheres, advogado, explorador de operários, não ser operário de fábrica de munição ou armas de guerra,
25 GATTAI, Zélia. Cittá di Roma, Rio de Janeiro, Editora Record, 2000. 26 Idem.
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não ser operário de jornais clericais ou fascistas, sacrificar o corpo para não sacrificar a razão, a liberdade interior ou a consciência. Não denunciar, não julgar, não reconhecer nenhum ídolo, nem reacionário nem revolucionário, não matar,
por fim, preconizava com veemência a
resistência ativa, a ação direta e a não violência, que segundo Maria Moura, representaria a nova tática revolucionária de suprema resistência. A lista enumerada lhe custou dois rompimentos com os anarquistas. O primeiro, em 1923, por fazer apologia à educação do governo soviético; o segundo, em 1935, por inconsistência teórica e política e por estar ligada a grupos esotéricos.27
Outras personalidades feministas não menos interessantes, pertencentes à outra
linha de ação, em 1910, a professora Leolinda Daltro e a poetisa erótica Gilka Machado,
fundaram o Partido Republicano Feminino, quando os direitos políticos das mulheres
ainda não haviam sido reconhecidos, constando, no Regimento, a preocupação central
com a emancipação da mulher, o despertar do sentimento de independência, patriótico
e solidário; o reconhecimento e incorporação nos dispositivos constitucionais de seus
direitos de cidadania e o combate de toda e qualquer exploração relativa ao sexo; a
antecipação do movimento feminista que só veio a ocorrer meio século mais tarde. O
Partido Republicano Feminino desapareceu no final da década em que foi criado,
ocasião em que Bertha Lutz retornou de Paris, em 1918, influenciada pelas feministas
do hemisfério norte, organizou a Federação Brasileira para o Progresso Feminino. Este,
considerado a célula mater do feminismo da época, vindo a se multiplicar pelo país na
década de 20. Formada em Biologia na Sorbonne, filha do cientista Adolfo Lutz e de
uma enfermeira inglesa, ocupou o cargo de bióloga por concurso público, no Museu
Nacional. Em 1934, formou-se em Direito no Brasil, vindo a destacar-se nesta área.
Contribuiu em vários jornais, representou o Brasil na Europa e nos Estados Unidos, no
Conselho Feminino da Organização Internacional do Trabalho e na I Conferência Pan- 27 RODRIGUES, Edgar. A nova aourora libertária. 1945-1948. Rio de Janeiro, Achiamé, 1992.
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
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Americana da Mulher, nos Estados Unidos. Reconhecida, respeitada fora e
internamente, com livre trânsito na elite política na qual contava com influentes aliados,
por sua forma elegante e bem comportada de reivindicação. Organizou, em 1922, o I
Congresso Internacional Feminista no Rio de Janeiro e contou com a colaboração de um
grupo de mulheres, não menos preparadas e posicionadas socialmente, como Jerônima
Mesquita, filha dos barões do Bonfim e Maria Eugênia Celso, filha do conde e
historiador, Afonso Celso e neta do visconde de Ouro Preto, dentre outras, que se
expuseram publicamente, por desafiarem os padrões da época. A maioria das mulheres
que tiveram uma atuação de destaque na representação de seus Estados e na Federação
Brasileira para o Progresso Feminino faziam parte da elite intelectual, social, econômica
e profissional com influência sobre a elite política. Grande parte constituída de
professoras, algumas advogadas, havia a primeira médica brasileira Francisca Frois,
uma engenheira Carmem Portinho e a primeira aviadora Anésia Pinheiro Machado.
Sómente em 1932, com o novo Código Eleitoral, as mulheres alcançaram finalmente o
direito de votar e ser votada; porém, na tentativa de ser eleita para a Constituinte de
1934, Bertha não obteve o sucesso esperado; a Federação continuou a fazer pressão
política no Congresso, para incluir novos direitos femininos, na Constituição de 1934.
O golpe de 1937 ceifou as pretensões da Federação, tirando dela qualquer possibilidade
de atuação, perdendo em decorrência o poder de influência nacional conquistado ao
longo de décadas.28
Nas primeiras décadas do século passado, quem tivesse a intenção de lutar por
mudanças sociais, procurava a imprensa, único meio possível de divulgação de suas
idéias. Certamente a profusa atividade jornalística contribuiu para a fundação de
numerosos jornais, pasquins, panfletos e periódicos, como as revistas femininas. Grande
28 PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2003.
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parte dessa imprensa não tinha vida longa. As primeiras publicações possuíam como
foco a moda, ganhando espaço para literatura, política, culinária e cultura geral.
Dulcília Buittoni, pesquisando a mulher na imprensa brasileira, citada por Céli
Regina Jardim Pinto, atestou que, a partir de 1850, surgiram, no Rio de Janeiro, várias
revistas femininas como a literária Novelista Brasileira, a de moda Revista Quinzenal e
o Jornal das Senhoras, este possivelmente redigido pela primeira mulher considerada
jornalista no Brasil, Candida do Carmo Souza Menezes. Ainda dentro da imprensa,
Francisca Senhorinha Motta Diniz fundou o primeiro jornal para divulgar a causa das
mulheres e alertou para os riscos da ignorância feminina sobre seus direitos no
casamento, aconselhando, como solução para emancipação, a educação das mulheres.29
Em Bagé, no interior do Rio Grande do Sul, em 1898, Andradina de Oliveira,
inaugurou um jornal com o sugestivo título Pela Mulher; durou nove anos, sendo
transformado numa revista. Tornou-se mais tarde uma escritora premiada na Exposição
Nacional do Rio de Janeiro.30
Não obstante a colaboração da mulher na imprensa anarquista fosse
significativa, o mundo masculino a incorporava ao espaço público apenas como
companheira, operária, revolucionária e não como feminista. Enquanto as comportadas
feministas lutavam pela inclusão política sem fazer acusações e denúncias aos homens,
as anarquistas dirigiam seus petardos contra a opressão, exploração e dominação
patronal, apontando o capitalismo como o grande responsável.31
No final dos anos 20, e início dos 30, houve um hiato no movimento libertário,
com o distanciamento do operariado do movimento anarquista, por conta da política
trabalhista de Getúlio Vargas. Ainda que considerado superado por outros movimentos
29 Idem. 30 Idem. 31 PASCAL, Maria Aparecida:A pedagogia Libertária, um resgate histórico. In:Educar para o trabalho: estudos sobre os novos paradigmas. São Paulo, Editora Arauco, 2006.
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de esquerda, os anarquistas não se deram por vencidos e continuaram ativos, criando em
1933, o Centro de Cultura Social de São Paulo. Este Centro, freqüentado por Tarsila do
Amaral, funcionou de 1933 a 1937, ocasião de seu fechamento em decorrência do
Golpe do Estado Novo. Reaberto em 1945, funcionou até 1969, quando por conta do
AI5, mais uma vez, foi compelido a suspender as atividades. Reabriu em 1985,
favorecido pela redemocratização do país. Durante o tempo de funcionamento, o Centro
esteve utilizando o jornal A Plebe para a divulgação de sua atuação, facilitada inclusive
por dividirem o mesmo endereço da Rua Quintino Bocaiúva, nº 80, no bairro do Brás.
Nos anos 30, o endereço passou a abrigar também a Federação Operária de São Paulo
(FOSP). As atividades divulgadas de 1933 a 1935 desses três núcleos libertários
procuravam atuar junto à sociedade, organizando reuniões sindicais, periódicos
libertários, panfletos e greves, visando ao preparo dos trabalhadores para uma ação
libertária. As atividades consistiam em palestras sociais gratuitas de esclarecimento
com listas de adesão para arrecadar fundos necessários à manutenção dos núcleos. As
temáticas dessas palestras educativas foram amplas e diversificadas, com títulos
sugestivos divulgados pela A Plebe: Sindicalismo de 7/01/33 ; Os Problemas Sociais e
Nova Sociedade de 14/01/33; Insurreição Espanhola de 17/01/33 ; O Perigo
Espiritualista de 4/02/33; Religião e Fascismo, Pela Emancipação da Mulher de
4/03/33. Além das palestras, havia os festivais libertários que consistiam em
apresentações do Grupo Teatral do Centro de Cultura formado por simpatizantes e
militantes do movimento anarquista. Essas apresentações constituíam poesia, palestras,
canto, mágica, peças teatrais cômicas e dramáticas com o intuito de confraternização
entre as famílias de camaradas e como alternativa aos espetáculos ligados às
instituições opressoras e exploradoras do operariado, segundo Geraldo Endrica. Em
1902, no teatro Andréa Maggi de propriedade do anarquista italiano, Giovanni Garg, foi
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representado em drama escrito por Giulio Sorelli, intitulado Il Giustiziere, uma alusão
aos movimentos de 1898 na Itália, seguidos de violenta repressão, numa das cenas, o
anarquista Gaetano Bresci, matou o rei Umberto I. A peça foi encenada várias vezes,
nos espaços culturais de São Paulo.
No drama Bandeira Proletária, de Marino Spagnolo, encenaram um jovem
casal, ele escritor e ela uma lavadeira. Certo dia, ele foi preso injustamente e ela
indefesa acabou sendo seduzida por um velho, rico e poderoso. Quando ele recuperou a
liberdade, foi colocado a par do acontecido e a indigna companheira, caiu em desgraça,
menosprezada por todos os homens, inclusive os libertários. Fica claro que, até mesmo
nas peças anarquistas, a mulher foi representada dentro do imaginário prevalente
masculino, numa situação de subordinação ao homem; na comédia Pecado de Simonia,
de Neno Vasco, uma viúva de cinqüenta anos chamada Rosa atravessava grandes
dificuldades para sobreviver, vindo a ganhar no jogo do bicho. Resolveu contar sua
sorte para o padre, que a convenceu de que o dinheiro era pecaminoso e deveria ser
doado à Igreja; no entanto, graças à intervenção do libertário Ciro Leal, namorado de
sua filha Eva, a viúva percebeu as artimanhas do clérigo e desistiu da doação. Em
seguida, entregou o bilhete premiado para Ciro que passou a ter as responsabilidades de
administrar o dinheiro do prêmio e de cuidar do sustento da família.32 Evidencia-se a
posição subalterna da mulher ao homem, como se fosse ingênua, para a vivência
independente na sociedade e incapaz, para administrar seus bens sem a figura
masculina, contrariando o discurso libertário e igualitário do anarquismo.
Nas peças teatrais escritas por anarquistas,
destacava-se o ponto de vista do operário, expondo principalmente o cotidiano desses sujeitos históricos, como as organizações para as greves, as delações, as relações empregador-empregado e a
32MARTINS, Angela Maria Roberti. Pelas Páginas Libertárias: Anarquismo, Imagens e Representações.Tese de Doutorado em História Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2006 p.147-148.
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condenação de um estado de apatia da classe trabalhadora com relação às desigualdades sociais.33
Os grupos que mais se ressaltaram foram Valverde Dias e dos Cuberos ambos
amadores. Mais tarde, alguns grupos profissionais passaram a encenar temas ligados ao
universo anarquista. As apresentações ocorriam nos Centros de Cultura e teatros da
região, como o Teatro Colombo, o teatro da Sociedade de Beneficência Guglielmo
Oberdan e nos salões da Associação Auxiliadora das Classes Laboriosas, espaço criado
em 1891, por pedreiros e carpinteiros que se uniram na forma de cooperativa para a
formação de convênio médico, para os familiares de profissionais desses ramos. Não
obstante, em meio às ações dos anarquistas, houve o crescimento das salas de cinema e
a transformação de teatros em salas de exibição da nova arte, o Cinema.34
As peças teatrais escritas por anarquistas procuravam enfatizar os problemas
sociais e clericais,
apresentando um discurso anticlerical e irreligioso marcadamente violento, os militantes libertários no Brasil, implementaram práticas anti-religiosas e anti-clericais radicais e variadas, como, por exemplo, a fundação de jornais especificamente anticlericais, a criação de ligas anticlericais, a realização de conferências cujo teor era a crítica às crenças e ao clero, e a fundação de escolas racionais para combater a Igreja no campo da educação, espaço em que há muito se destacava..35
O significado da educação libertária reportava à ausência de dogmas, ao uso da
razão, à confiança do homem em si mesmo, sem recorrer a interpretações mágicas sobre
a existência.36 Para os libertários, a idéia de Deus implicava a anulação da liberdade
humana e
33 SCHWARTZ, Rosana.Cultura Anarquista.Instituto de Cultura Libertária.Caderno nº 8. São Paulo. 1999. 34Idem 35FREGONI.Olga Regina.Educação e resistência anarquista em São Paulo: a sobrevivência das práticas da educação libertária na Academia de Comércio Saldanha Marinho (1920-1945). Dissertação de Mestrado em Educação: História,Política, Sociedade.Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC-SP.2007. 36 Idem, p.15. In: TIANA,Alejandro Ferrer, 1987. Educacion libertária y revolucion social( Espana 1936-1939). Madrid: U.N.E.D.
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contestavam também outros postulados da Igreja presentes na tradição judaico-cristã, tais como a teoria criacionista , o pecado original, com toda a sua carga de culpas e medos, a maldade inata do homem e o menosprezo deste mundo, colocando a felicidade em uma vida ascética além da morte”...”A moral anarquista ao contrário da judaico-cristã, tinha fé no homem como responsável pelo seu próprio destino e pelo futuro da humanidade inteira, uma vez que o considerava bom, inteligente e livre...capaz de mobilizar suas energias e de construir um mundo cheio de possibilidades.37
Outro componente importante na concepção libertária era a educação integral,
considerada revolucionária por inserir o trabalho manual ao trabalho intelectual sem
hierarquização das tarefas.
As sessões comemorativas estavam ligadas a datas significantes para o
movimento libertário, e seus integrantes defendiam o comunismo anárquico de
Malatesta, em que cada um dá segundo sua capacidade e cada um recebe segundo suas
necessidades. Dentre os festivais, o de 1948 foi um grande sucesso com a apresentação
da peça em três atos, de Francisco Sobrado e atuação de Dorinha Valverde Dias que
representou um menino; entusiasticamente elogiada pelo jornal foi encenada pelo Grupo
Dramático do Centro, sob a direção de Pedro Catallo. No mesmo programa, constavam
números de canto, música e declamação. Em outra ocasião, numa festa com intuito de
arrecadar fundos para a Liga di Resistenza delle Sartine (Liga de Resistência das
Costureiras), houve a apresentação de um drama, Ribellioni, uma conferência de Sorelli
e outra de A. Penazzi, uma costureira socialista de quatorze anos, além do baile e da
loteria.38
O Centro oferecia cursos alternativos à educação oficial institucionalizada;
dentre os mais importantes, foram os de Esperanto (a pretensa futura língua da
humanidade) e de Higiene Mental (Psicologia), ministrados por simpatizantes da causa
37 MARTINS, Angela Maria Roberti. Pelas Páginas Libertárias: Anarquismo, Imagens e Representações.Tese de Doutorado em História Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2006 p.282-283. 38 ENDRICA, Geraldo. Práticas libertárias do centro de Cultura Social Anarquista de São Paulo (1933/35- 1947/51). São Paulo, Edusp Cad. nº 8/9 , 1998.
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libertária, ilustres médicos psiquiatras do Hospital do Juqueri com a finalidade de
desenvolver uma aproximação entre profissionais, intelectuais e os meios populares,
gratuitamente. Alguns títulos como: Higiene mental e desajustamentos, Higiene mental
e orientação profissional, Higiene mental e os assim chamados vícios sociais, Higiene
Mental e arte, Higiene mental e religião, Higiene mental e política, Higiene mental e
civilização deixaram clara a alavanca motivadora dos cursos, ou seja, a educação,
preparação e formação de uma nova sociedade libertária, apta para a organização
autônoma e para a ação direta (greve).39
A Plebe noticiou em 33 um dos festivais como verdadeira multidão de famílias
de camaradas, de amigos e simpatizantes” e registrou que centenas deles não puderam
entrar no salão e que apesar da lotação, as pessoas assistiram à apresentação de uma
hora, de Maria Lacerda de Moura, sobre os horrores da guerra.40
O Centro Cultural foi um instrumento que a militância conseguiu manter ativo, a
despeito das interrupções decorrentes da conjuntura política do momento, para as
práticas culturais, comuns aos libertários, visando à educação popular, e anteriores à
fundação do Centro. Dentre os anarquistas de destaque, a historiografia registrou Trento
Tagliaferri, Cerchiai e Ristori.
A cultura para os libertários sempre foi tida como instrumento que deveria ser
utilizado para a conquista da transformação social que levaria à constituição de uma
sociedade anárquica.41 Os anarquistas previram o desfecho dos regimes autoritários,
denunciaram a repressão e o terror; entretanto, foram lúcidos o suficiente para protestar
contra o autoritarismo de esquerda e a ditadura do proletariado, assim como manutenção
39 MATOS, Maria Izilda. Trama e poder. São Paulo, Edusp, 2003. 40 PARRA, Lucia S. Combates pela liberdade: o movimento Anarquista sob a vigilância do DEOPS/SP (1924/1945). São Paulo, Arquivo do Estado, Imprensa Oficial do Estado, 2003. 41ENDRICA, Geraldo. Práticas libertárias do centro de Cultura Social Anarquista de São Paulo ( 1933/35 1947/51). São Paulo, Edusp Cad. Nº 8/9 , 1998.
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do Estado no governo soviético. Igualmente relevante foi a luta contra o Integralismo no
Brasil, com a formação de algumas frentes antifascistas.
O Centro de Cultura Social Anarquista de São Paulo foi de grande importância
para a divulgação dos ideários anarquistas, bem como para a construção e preservação
de sua memória. Durante as décadas de 20 a 40, os anarquistas disputaram o espaço
com os socialistas e os comunistas, por vezes confundindo-se com os demais, no tocante
à defesa dos interesses dos operários; contrariando seus princípios filosóficos, partiram
igualmente para a luta.42
As críticas feitas aos anarquistas não foram poucas, nem mesmo superficiais. O
comissário de Segurança Pública do Consulado Italiano, em São Paulo, expressou o que
deveria ser o senso comum da burguesia, no final da primeira década do século passado,
como uma tendência dos militantes e intelectuais anarquistas italianos no Brasil
... a condição econômica, mais que de ânimo, pela qual passam; um anarquista que hoje se põe mais em vista, freqüentando com assiduidade o grupo ao qual está filiado... amanhã de repente se despe de tanto zelo, nada mais se propõe, nem incita mais a abater tronos, altares ou cadeiras presidenciais, não apregoa nos botequins contra o detestável patrão, contra o capitalista burguês...porque soube encontrar meios para montar um pequeno laboratório, uma oficina, uma venda.43
Da citação se depreende que a militância do anarquista no Brasil estava na
relação direta à sua penúria, e que uma vez superados os obstáculos para a ascensão
econômica e social, a filosofia de vida libertária cedia lugar à acomodação, em virtude
de algumas melhorias na condição de vida e de trabalho. Temática merecedora de maior
aprofundamento posterior.
42 PARRA, Lucia S. Combates pela liberdade: o movimento Anarquista sob a vigilância do DEOPS/SP (1924/1945). São Paulo, Arquivo do Estado, Imprensa Oficial do Estado, 2003. 43
HECKER Alaxandre.Um Socialismo Possível:a atuação de Antonio Picarollo em São Paulo. São Paulo: T.A. Queiroz, 1998. p.142.
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BIBLIOGRAFIA
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Prontuários DEOPS-SP:
n°195 : Isa Rutti. nº 327: Maria Alles nº 857: Maria Lacerda de Moura n° 2599: Isabel Cerrutti,.
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