base integradora da tv escola
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2PROPOSTA PEDAGÓGICA
DIÁLOGOS CINEMA E ESCOLA
LAURA MARIA COUTINHO1
APRESENTAÇÃO
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Antes do cinema, você olhava para a sua vida da mesma forma
que um despreparado ouvinte de um concerto ouve a orquestra
executando uma sinfonia. O que ele ouve apenas é a melodia
principal, enquanto que todo o resto se confunde num ruído
geral. Somente os que conseguem distinguir a arquitetura dos
contrapontos de cada trecho da partitura é que podem real-
mente entender e apreciar a música. E é assim que vemos a
vida: só a melodia principal chega aos olhos. Mas um bom filme,
com seus close-ups, revela as partes mais recônditas de nossa
vida polifônica, além de nos ensinar a ver os intrincados deta-
lhes visuais da vida, da mesma forma que uma pessoa lê uma
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partitura orquestral.2
Você entra numa sala de cinema, apagam-se as luzes, ilumina-se a
tela. Uma sucessão de imagens, cores, luzes, sombras e sonoridades
preenche o espaço e você, junto aos personagens que compõem a história
que se desenrola à sua frente, reconstrói aquela narrativa cinematográfica.
Um filme é sempre visto como se fosse a primeira vez, mesmo que você o
tenha visto antes, ou ainda que o veja depois. A linguagem cinematográfica
conduz o espectador a um tempo inaugural, sempre no presente. Primeiro
1 Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Doutora em Educação na área �Educação, Conhe-cimento, Linguagem e Arte� pela UNICAMP. Consultora desta série.
2 Balázs, Bela. A face das coisas. Em: Xavier, Ismail. (org.) A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal/Embrafilme,1983, p. 90.
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a escuridão, minutos depois a luz se faz. Tudo se passa, então, como se o
filme, ao apreender determinado tempo, pudesse transformá-lo em um
eterno presente. E é para esse presente que o espectador é transportado a
cada nova projeção. As pessoas vão ao cinema em busca do tempo, do tempo
perdido da história, do tempo das muitas histórias que os filmes contam.
Este, talvez, seja o maior poder do cinema: o de enriquecer a experiência
viva e presente de uma pessoa3.
Por isso, posso dizer que o filme está sempre no presente, mesmo
quando procura retratar histórias acontecidas em tempos remotos. Assim,
o cinema inaugura uma maneira nova de estar e de olhar para o mundo e,
mais ainda, estabelece uma nova forma de inteligibilidade. Depois do cinema,
as pessoas passaram a contar com um instrumento poderoso de
conhecimento do mundo, de si próprias, do comportamento humano, de
lugares, de situações, da história. Jamais o homem esteve tão exposto com
todas as suas virtudes e mazelas como no cinema.
Pela força que a imagem visual adquiriu, as narrativas do cinema são
aquelas que, em quantidade e intensidade, povoam a imaginação de um
número significativo de pessoas; personagens de filmes passam a compor
certo imaginário coletivo, de tal forma que transcendem o universo ficcional
e, como figuras exemplares de virtudes ou de vícios, transitam pela vida de
quem anda pela cidade, pela escola, pela academia e institutos de pesquisa,
de quem vê televisão.
É, sobretudo, por meio do aparato televisivo – emissoras com canais
abertos e por assinatura e, ainda, com o videocassete – que o cinema, os
filmes e seus personagens expandiram as possibilidades de exposição,
alcançando níveis antes inimagináveis. Se por um lado o cinema perdeu o
requinte da projeção em tela branca na sala escura, com acústica apropriada,
com um número reduzido de lugares, por outro ganhou a rua, a escola, a
casa, o ambiente de trabalho, a sala de espera.
Depois dessa pequena digressão, retomo a reflexão que fazia sobre a
linguagem do cinema, que tem como elemento essencial a realidade, ainda
que esta seja, quase sempre, criada em estúdios. Algumas cenas de filme são
rodadas em ambientes naturais que não foram criados originalmente para o
3 Ver o livro de Andrei Tarkoviski. Esculpir o tempo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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CINEMA E ESCOLA
cinema, mas servem como locais onde a narrativa se desenrola. São as
filmagens feitas em locações que podem estar a quilômetros dos locais onde
se passa a história que o filme quer contar. As locações e os cenários artificiais
dos estúdios cinematográficos procuram reproduzir a realidade com toda a
verossimilhança possível. Mais do que uma realidade composta de elementos
reconhecidos, identificados, verdadeiros, o cinema cria imagens e sons que
possam construir para o espectador uma sensação de realidade. Assim, o
cinema cria uma linguagem que expressa o real, com toda a multiplicidade
de aspectos que o compõem. Muitos destes aspectos não são vistos ou ouvidos
objetivamente, são apenas sugeridos. Alguns podem ser encontrados no
espaço que Gilles Deleuze chamou de extra-campo ou espaço-off4.
Para Pier Paolo Pasolini, “o cinema não evoca a realidade como a língua
da literatura; não copia a realidade como a pintura; não mima a realidade
como o teatro. O cinema reproduz a realidade: imagem e som! E reproduzindo
a realidade, que faz o cinema então? Expressa a realidade pela realidade.”5 E é
ainda a Pasolini, já em outro texto, que recorro para falar desse novo olhar que
o cinema cria: “Nada como fazer um filme obriga a olhar as coisas. O olhar de
um literato sobre uma paisagem, campestre ou urbana, pode excluir uma
infinidade de coisas, recortando do conjunto só as que o emocionam ou lhe
servem. O olhar de um cineasta – sobre a mesma paisagem – não pode deixar,
pelo contrário, de tomar consciência de todas as coisas que ali se encontram,
quase as enumerando. De fato, enquanto para o literato as coisas estão
destinadas a se tornar palavras, isto é, símbolos, na expressão de um cineasta
as coisas continuam sendo coisas: os signos do sistema verbal são portanto
simbólicos e convencionais, ao passo que os signos do sistema cinematográfico
são efetivamente as próprias coisas, na sua materialidade e na sua realidade.”6
O cinema é feito de imagens e sons em seqüência e, embora se
expressando por meio da realidade, convencionou uma linguagem que revela
um modo de ver completamente artificial, criado através do olhar ciclópico
4 O extra-campo pode ter duas naturezas distintas: �um aspecto relativo, através do qual um sistema fechado remete noespaço a um conjunto que não se vê e que pode, por sua vez, ser visto, com o risco de suscitar um novo conjunto visto,ao infinito; um aspecto absoluto, através do que o sistema fechado se abre para uma duração imanente ao todo douniverso, que não é mais um conjunto e não pertence à ordem do visível�. Deleuze, Gilles. Cinema: a imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985, p.29.
5 Pasolini, Pier Paolo. Empirismo Hereje. Lisboa: Assírio e Alvim, 1982, p. 107.6 Pasolini, Pier Paolo. Gennariello: a linguagem pedagógica das coisas. In: Os jovens infelizes: antologia de ensaioscorsários. São Paulo: Brasiliense, 1990.
5PROPOSTA PEDAGÓGICA
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CINEMA E ESCOLA
das câmeras e de todo o aparato tecnológico que está presente desde o
momento da captação das imagens até o instante em que surgem,
iluminando as telas e contando todos os tipos de dramas, comédias,
tragédias, reais ou fictícias. As inúmeras possibilidades do olhar que câmera
criou, as múltiplas formas de aproximação e distanciamento que vão dos
enormes planos gerais ao close-up7, os enquadramentos e movimentos que
as novas tecnologias de captação de imagens permitem, quando percorrem
grandes distâncias indo de um ponto de vista a outro na mesma tomada,
deram origem à linguagem cinematográfica atual e, ao mesmo tempo
alteraram irreversivelmente a própria percepção visual das pessoas e por
isso a própria realidade em que vivem.
Tudo isso acontece no mesmo espaço 4x3 das telas, que permanece
inalterado enquanto coisas, pessoas, detalhes aumentam ou diminuem à
frente do espectador, que está acostumado com a forma de expressar que o
cinema inventou, pois já nasceu mergulhado nesse universo de imagens
criadas pela linguagem cinematográfica. As cabeças decepadas do início
do cinema já não surpreendem mais8. Porque o espectador aprendeu, cedo,
como todas as pessoas com as quais convive, a decifrar os códigos do cinema
que perpassam as relações da sociedade contemporânea.
Todo espectador é capaz de perceber, identificar e reconstituir, por
inteiro, a imagem que se apresenta fragmentada na tela, um big close é
hoje tão natural quanto qualquer figura que aparece inteira na tela. Posso
dizer que é natural apenas no cinema, pois essa não é uma experiência que
as pessoas possam ter sem contar com os aparatos de captação e tratamento
de imagem – câmera, lentes, gravadores, editores. A linguagem
cinematográfica é o resultado de um processo de elaboração que envolveu
muitas escolhas e precisou de certo tempo para tornar-se a linguagem global
que é hoje. Jean-Claude Carrière9 conta que, no início do cinema, para que
7 Plano para a linguagem cinematográfica pode significar duas coisas: primeiro a composição de cada imagem que, deacordo com enquadramento e distância do assunto, pode ser classificada em: plano geral, plano de conjunto, planoamericano, primeiro plano, plano detalhe; e, ainda, o espaço-tempo contido em uma única tomada.
8 Massimo Canevacci, citando Béla Balàzs diz que este �usa palavras cheias e comoção para descrever a �descoberta� doprimeiro plano, por ele atribuída a D.W. Griffith, que inventou também a montagem alternada. Graças à fisionômica, ocinema exalta a correspondência entre os sentimentos interiores até os mais escondidos do homem e os traços do rosto:os movimentos da alma impressos, �marcados� no código facial que, de tal modo, se torna a máscara da tela. (...) Noprimeiro plano freqüentemente está a dramática revelação daquelo que realmente se esconde na aparência do ho-mem.� Antropologia da comunicação visual. São Paulo: Brasiliense, 1990.
9 Carrière, Jean-Claude. A linguagem secreta do cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
6PROPOSTA PEDAGÓGICA
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CINEMA E ESCOLA
espectadores entendessem a narrativa, havia a figura do explicador, uma
pessoa que, postada ao lado da tela, ia fazendo a relação entre as imagens e
contando a história.
Ninguém vê enquadrado, ou mesmo se aproxima de tal maneira de
coisas e pessoas para captar determinados detalhes que compõem muitas
narrativas fílmicas. São lentes especiais que realizam esse trabalho. Essa
naturalização da linguagem faz que não haja uma maior preocupação com
ela. Ver um filme é algo trivial para alguém que nasceu no século passado.
O olhar enquadrado é parte essencial e corriqueira do viver contemporâneo,
mas requer uma infinidade de técnicos e profissionais e movimenta uma
indústria poderosa que lança, no mercado dos consumidores de histórias,
uma profusão cada vez maior de narrativas, procurando atender a todos os
gêneros e gostos.
Um filme é feito de tudo o que vemos estampado na tela e ouvimos
pelas caixas de som, mas também por tudo o que os cortes que conduzem o
olhar do espectador de uma para outra cena evocam. Os vazios entre os
planos supõem uma supressão temporal e abrem o espaço para a imaginação
do espectador. Por isso, talvez, o procedimento da montagem do filme é
chamado de específico fílmico, ou seja, aquilo que faz do cinema, cinema.
Traduz a essência da linguagem cinematográfica e diferencia o cinema da
realidade da qual se destaca e se separa.
A realidade, diz Pasolini, seria um plano-seqüência infinito e o filme,
ao contrário, um plano-seqüência finito; começa, desenvolve e termina10. O
filme é feito de tudo o que se oferece à visão e, igualmente, do que não será
visto. Algumas coisas serão apenas sugeridas e irão compor os vazios, os
intervalos que, no cinema, são tão significativos quanto o que as imagens e
sons explicitam. É nesse intervalo que os sentidos conversam: o sentido do
filme que o diretor quis expressar e o sentido acrescido de quem vê. Assim,
posso dizer também que o filme é sempre uma obra aberta. Não se presta a
uma única interpretação. Pode ser visto e revisto de várias maneiras, tudo
fica a depender do contexto, da capacidade, do interesse, das expectativas
de quem vê.
O cinema cria uma linguagem específica, portanto, uma
inteligibilidade peculiar. Assim, ao pensar o cinema, a escola pode também
10 Pasolini, Pier Paolo. Empirismo Hereje. op.cit.
7PROPOSTA PEDAGÓGICA
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CINEMA E ESCOLA
refletir sobre a educação que realiza, os métodos, o programa e até mesmo
a sua organização. Como os filmes – e com eles a linguagem cinematográfica
–, chegam à escola, à sala de aula, aos ambientes educacionais? Esta é a
questão básica que permeia esta série de programas em que vamos discutir
as possíveis relações do cinema com a educação. Nesta série, vamos nos
dedicar, prioritariamente, aos filmes produtos da cultura, manifestações
estético-culturais, obras abertas e que, portanto, não foram pensadas para
a escola ou para a educação. Filmes dessa natureza são realizados para um
público muito amplo, para a massa heterogênea de pessoas que vão ao
cinema, vêem televisão e assim consomem os produtos da indústria cultural.
Como produtos dessa indústria, os filmes não foram pensados para
atender a determinados requisitos que a educação realizada pela escola
exige: a adequação a um conteúdo predeterminado, à seriação, às
especialidades, às disciplinas, aos horários. A educação escolar ainda está,
em grande parte, centrada na escrita e na oralidade das aulas expositivas
que os professores ministram. Assim o filme – imagem e som – chega ao
ambiente escolar como ilustração, anexo, acessório do texto que, ainda, é o
mais forte referencial para a escola, mesmo com todo o vigor que a linguagem
audiovisual adquiriu na sociedade contemporânea.
O cinema já nasceu com certa vocação científico-educacional para além
dos espetáculos e curiosidades dos vaudevilles do início do século XX11. O
cinema documentário e a tradição dos filmes etnográficos confirmam essa
tendência. No Brasil, o diálogo cinema e escola tem o seu mito de origem:
Humberto Mauro e o Instituto Nacional do Cinema Educativo – INCE, criado
em 1936 por Roquette Pinto. Nada como um filme que se leve para a sala de
aula nos obriga a olhar para a escola. Posso dizer que era essa a preocupação
dos criadores do INCE: que educação é essa que estamos promovendo, no
cinema, na televisão, na sala de aula? Como o cinema pode, em realidade e
magia, penetrar o universo educacional da sala de aula? Como seria uma
escola que também pudesse se expressar na língua do cinema e não somente
na língua dos livros? Essas questões parecem persistir depois de tanto tempo
e de tantas experiências. A TV Escola não tem fugido a essas questões, pelo
contrário, as vem recolocando de novas maneiras, buscando sempre sob
novos enfoques que esse diálogo se concretize.
11 Ver Costa, Flávia Cesarino.O primeiro cinema: espetáculo, narração, domesticação. São Paulo: Scritta, 1995.
8PROPOSTA PEDAGÓGICA
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CINEMA E ESCOLA
O cinema, com o seu aparato tecnológico apropriado para
documentar, encenar e narrar histórias, construiu uma nova maneira de
olhar para o mundo e, com isso, estabeleceu uma forma peculiar de
inteligibilidade e conhecimento. Esta série, que será apresentada de 3 a 7
de junho, no programa Salto para o Futuro, da TV Escola, constitui-se de
cinco programas dedicados a refletir as relações possíveis entre o cinema e
a escola, entre a linguagem cinematográfica e a educação.
Esta reflexão deverá acontecer, prioritariamente, em salas de aula.
Sobretudo após a apresentação dos filmes. Pouquíssimas escolas podem
contar com salas apropriadas para sessões de cinema. Tampouco as escolas
têm se organizado para a recepção de novas linguagens. O tempo recortado
das aulas quase sempre não permite que os filmes sejam vistos na sua
integralidade. Há uma incompatibilidade temporal entre o cinema e a escola
que talvez pudesse ser superada com um pouco de boa vontade e
determinação.
Os filmes, na escola, chegam, em geral, por meio do videocassete e da
televisão, sendo vistos em telas menores. Mas, se perde em tamanho e
concorre com as imagens da própria sala, pois os ambientes nem sempre
podem ser escurecidos, ganha em público que se amplia a cada nova
projeção. Muitas pessoas somente terão acesso a certos filmes se eles
estiverem presentes nas salas de aula. Ademais, o videocassete permite,
para o bem ou para o mal, que o filme seja “decupado” a critério de quem o
assiste. As imagens podem ser facilmente vistas e revistas. Ver filmes e as
imagens que eles propõem deve ser um exercício de liberdade, uma fruição.
Sem isso o cinema estará reduzido à mera ilustração de conteúdos
curriculares e pouco dirá ao aluno. Cinema é a arte da vida e talvez possa se
constituir em um grito que desperte professores e alunos para uma nova
visão educativa, na qual os tradicionais e os modernos métodos de ensinar
e aprender possam fundir-se em novas possibilidades expressivas.
ESTES SÃO OS TEMAS A SEREM DEBATIDOS DOS PROGRAMAS:
PGM 1 � CINEMA E REALIDADE
Apresentar o cinema documentário como construção estética de uma visão
sobre o real. As múltiplas possibilidades educacionais deste gênero. Esta-
belecer algumas conexões entre os inúmeros filmes documentários que a
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CINEMA E ESCOLA
TV Escola veicula e as diferentes formas e abordagens pedagógicas que
permitem.
PGM 2 � CINEMA E HISTÓRIA
Apresentar as potencialidades do cinema como revelação e ocultação da his-
tória. A força da imagem como formadora de um entendimento do mundo. A
ficção e a realidade dos filmes históricos, sejam ficcionais ou documentários.
Como os filmes baseados em fatos históricos chegam na escola.
PGM 3 � CINEMA E LITERATURA
O objetivo deste programa é o de apresentar uma reflexão que permita
estabelecer relações entre a linguagem escrita e a linguagem audiovisual,
enfocando, sobretudo, o potencial pedagógico de cada uma dessas lingua-
gens. Discutir a tradução de uma linguagem para outra, com exemplos de
filmes que foram baseados em obras literárias. Indicar algumas possibilida-
des educativas que possam auxiliar o trabalho do professor em sala de aula.
PGM 4 � CINEMA NA ESCOLA
Apresentar a história do cinema educativo brasileiro com a criação do Insti-
tuto Nacional do Cinema Educativo- INCE. A importância de Humberto Mauro
para o cinema brasileiro.
PGM 5 � ESCOLA NO CINEMA
Discutir, a partir de alguns filmes comerciais, a visão que o cinema apre-
senta da escola, e de que forma esta visão pode concorrer para conformar
uma percepção e uma memória das relações ocorrentes no interior desta
instituição educacional.
BIBLIOGRAFIA
Almeida, Milton José de. Imagens e sons: a nova cultura oral. São Paulo: Cortez, 1994.
O livro trata as linguagens audiovisuais do cinema e da televisão como
produtos de uma nova cultura e suas relações com a educação. Em um
primeiro momento, aborda a linguagem audiovisual do ponto de vista da
sua constituição na moderna sociedade oral e, depois, a sua tradução em
alguns filmes contemporâneos.
Canevacci, Massimo. Antropologia da comunicação visual. São Paulo: Brasiliense, 1990.
Aborda a sociedade contemporânea com o estranhamento próprio dos an-
10PROPOSTA PEDAGÓGICA
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CINEMA E ESCOLA
tropólogos. Busca mostrar, de maneira singular, as imbricadas relações
entre a linguagem audiovisual, a cultura e a sociedade moderna.
Carrière, Jean-Claude. A linguagem secreta do cinema. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1995.
Desvela com muita propriedade a linguagem do cinema da perspectiva do
roteirista, ou seja, de quem escreve o que será filmado. Constrói uma
narrativa que leva o leitor a uma compreensão profunda da linguagem
cinematográfica.
Costa, Flávia Cesarino. O primeiro cinema: espetáculo, narração, domesticação.
São Paulo: Scritta, 1995.
Focaliza os primórdios do cinema, um período muito pouco conhecido.
Procura desvelar as suas origens, situando os processos que constituíram
a linguagem cinematográfica.
Pasolini, Pier Paolo. Empirismo Hereje. Lisboa: Assírio e Alvim, 1981.
O livro no qual Pasolini constrói as suas teorias sobre linguagem, mais
especificamente a linguagem cinematográfica.
Tarkoviski, Andrei. Esculpir o tempo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
O livro é uma reflexão poética do cineasta sobre o cinema, o ato de filmar,
as imagens, os sons, o tempo, o espaço. A realização cinematográfica e os
elementos que a constituem.
Viany, Alex. Humberto Mauro: sua vida, sua arte, sua trajetória no cinema. Rio de
Janeiro: Artenova/Embrafilme, 1978.
Trata-se de uma coletânea de textos e imagens da vida do cineasta
Humberto Mauro.
Xavier, Ismail. (org.) A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal/Embrafilme,
1983.
Trata-se de uma antologia que reúne os principais estudiosos da lingua-
gem cinematográfica. Introduz o leitor a diferentes concepções de cinema.
SITES
www.cineduc.org.br – Site com rica produção na área do cinema e educação,
abrangendo aspectos da história do cinema e de atualidades. Instituição que
se dedica a ensinar linguagens audiovisuais para crianças e adolescentes.
www.kinedia.hpg.ig.com.br – Divulga informações gerais sobre cinema.
www.cenaporcena.com.br - Apresenta links de entrada para várias institui-
ções e assuntos relativos a cinema.
11PROPOSTA PEDAGÓGICA
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CINEMA E ESCOLA
www.revbravo.com.br – Site da Revista Bravo que trata dos múltiplos aspectos
do audiovisual, com ênfase no cinema e na televisão.
www.classicvideo.com.br - Site onde é possível encontrar para encomenda
filmes que não existem em muitas locadoras.
www.casacinepoa.com.br – Site que divulga as atividades da Casa de Cinema
de Porto Alegre e, ainda, artigos e sinopses de filmes.
www.studium.iar.unicamp.br – Site do Instituto de Artes da Unicamp. Divulga
atividades e artigos sobre arte, incluindo audiovisual, cinema e televisão.
12BOLETIM
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CINEMA E ESCOLA
PGM 1 � CINEMA E REALIDADE
O MUNDO ATRAVÉS DAS LENTES
MARCOS DE SOUZA MENDES1
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“Para o documentarista, nada é adquirido para sempre. A realidade
é sempre mais forte, ela impõe sua ordem e é com ela que é necessá-
rio se medir. Posso dizer que não existiu um filme durante o qual eu
não tivesse aprendido alguma coisa, de uma maneira ou de outra. Até
hoje, após cinqüenta anos de prática, ainda não cheguei a definir, de
uma vez por todas, um método de me aproximar dos homens e de os
filmar. É porque esse método não existe: a cada vez é diferente.”
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Joris Ivens
Ao longo do século XIX, foram inú-
meras as experiências humanas para
registrar e captar as imagens da vida
real. Em paralelo ao desenvolvimento
técnico e industrial da fotografia, cien-
tistas e fotógrafos se interessaram, par-
ticularmente, pela análise do movimen-
to em sua progressão no tempo. Esta
análise seria possível pela obtenção de
imagens sucessivas do mesmo corpo, o
que realizaria o tão sonhado desejo hu-
mano de reproduzir o movimento, de re-
ter a vida em sua passagem, de perdu-
rar as ações dos seres animais em suas
várias manifestações no mundo: corrida
de cavalos, caminhadas, danças, banhos
de mar e gestos banais como os da ali-
mentação de um bebê.
Em 1879, o fotógrafo inglês Eadweard
James Muybridge, radicado nos Estados
1 Cineasta. Professor de cinema da Universidade de Brasília. Doutorando emMultimeios no Instituto de Artes da UNICAMP.
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13BOLETIM � PGM 1 - CINEMA E REALIDADE
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CINEMA E ESCOLA
Unidos, dispôs 24 câmeras fotográficas
que, ao serem disparadas sucessivamen-
te, possibilitaram imagens fixas do galo-
pe de um cavalo, fotografias que foram
determinantes das diferentes posições
de suas patas durante o movimento. O
tempo, no entanto, ainda não chegara a
ser restituído.
Contemporâneo de Muybridge, o
fisiologista francês Etienne Jules Marey
– que já estudara a locomoção animal
em 1873 com um gráfico de tempo e
movimento, a cronografia – criou, em
1882, um aparelho capaz de reter os vá-
rios movimentos do vôo de um pássaro:
o fuzil fotográfico. Esta câmera cinema-
tográfica ancestral deu origem, pouco
tempo depois, ao Cronofotógrafo em pe-
lícula ( em filme de celulóide, inventado
em1887). O aprimoramento do Cronofo-
tógrafo de Marey deu origem ao Kinetos-
cópio, dos inventores Thomas Edison e
Laurie Dickson, que permitia o visio-
namento de imagens em movimento. Em
1895, finalmente, com a criação do
Cinematógrafo dos irmãos Lumière –
Louis e Auguste, industriais franceses –
o cinema veio à luz. A vida real em seu
tempo e movimento se projetou nas te-
las. Trens chegando à estação, operári-
os saindo da fábrica, pedestres e ciclis-
tas nas ruas, crianças brincando na neve
e saltando sobre o mar. O movimento e
o tempo real eram o espetáculo; os se-
res humanos em suas vidas cotidianas a
essência desses primeiros filmes2.
Nascido como registro da vida, logo
o cinema tornou-se documento e teste-
munho da história. Os cinegrafistas de
Lumière percorreram vários países e re-
gistraram acontecimentos sociais e polí-
ticos, trágicos acidentes, paisagens exó-
ticas, o que deu origem aos filmes de atu-
alidades, de exploração e de reportagem.
No início do século XX, inúmeros
pioneiros percorreram terras distantes
e inóspitas para filmar guerras, batalhas,
expedições e povos desconhecidos. En-
tre nós, por exemplo, o fotógrafo e
cinegrafista Luís Tomás Reis (1878-
1940) do Serviço de Proteção aos Índios,
percorreu entre 1914 e 1916 centenas
de quilômetros do Brasil Central e da
Amazônia para documentar as viagens
da comissão Rondon e aspectos da cul-
tura dos povos indígenas contactados3.
De curtos registros para filmes de
longa metragem, estas imagens de não
ficção se constituíram em memória dos
povos e sociedades. Seus realizadores –
cinegrafistas, diretores, montadores –
transformaram-se em cineastas do real
– repórteres, historiadores, sociólogos,
pintores, etnólogos, poetas, enfim, ho-
2 A Chegada do Trem na estação ( � L� arrivée d�un train à la gare de la Ciotat� ) , de Louis Lumière, 1895. A saída dosoperários da fábrica ( � La sortie des usines Lumiére�), Louis Lumiére, 1895. Referências: Filmoteca do consulado daFrança, Rio de Janeiro, Cinemateca do Museu de Arte Moderna, R.J., Sr. Hernani Hefner; UNB-Filmoteca da Faculdadede Comunicação; Filmoteca da Embaixada da França, Brasília.
3 Ao redor do Brasil, Luís Tomás Reis, 1938. (FUNARTE, Decine, CTAV: Renato Costa e Vanda Ribeiro � 21.25803631).
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14BOLETIM � PGM 1 - CINEMA E REALIDADE
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CINEMA E ESCOLA
mens comprometidos com seu tempo e
com a vida, uma “presença no mundo”
(parafraseando o educador Paulo Freire),
“presença que se pensa a si mesma, que
se sabe presença, que intervém, que
transforma, que fala do que faz mas tam-
bém do que sonha, que constata, com-
para, avalia, que decide, que rompe (...)
a ética se torna inevitável e sua trans-
gressão possível é um desvalor, jamais
uma virtude.”
O Cinema Documentário, que teve
seu nome cunhado na década de 20 do
século passado, foi definido por John
Grierson, grande produtor e documen-
tarista britânico, como “o tratamento cri-
ativo da realidade”; já para o cineasta
francês Jean Vigo, documentário era um
“ponto de vista documentado”. Podería-
mos acrescentar também “o conhecimen-
to do outro”, pensamento do realizador
brasileiro Eduardo Coutinho – o outro e
seu patrimônio de cultura vivida (seus
valores espirituais, éticos e sua tradição
oral, não apenas sua cultura material).
Todas essas definições apontam o
documentarista como um artista
revelador da vida, vida já tão rica em gran-
des e pequenos assuntos, em dramas hu-
manos e sociais, tão rica em cinema. Este
Cinema se oferece em luz de naturezas,
direções e intensidades diferentes; se
oferece em lentes que abrem espaços de
paisagens, campos, cidades e ruas; len-
tes que descobrem o espaço do próprio
corpo do homem em toda plasticidade
de seus movimentos, em toda nobreza
de suas ações de trabalho e em suas lu-
tas trágicas nesse mundo.
Essas lentes, essas câmeras, que tra-
zem em si um coração e uma moral, ora
são fixas e contemplativas; ora são mó-
veis e participativas e correm leves e qua-
se voam para “seguir os seres e as coisas
na totalidade de seu percurso”, para di-
alogar com outros pensamentos e olhar
e ver o mundo mais em profundidade.
Sem a objetividade excessiva e o oportu-
nismo do repórter, o documentarista
deixa o mundo se apresentar.
Alguns documentaristas, como Dziga
Vertov (1896-1954), principal cineasta
soviético dos anos 20, não negociaram
seu cinema engajado – no caso de Vertov,
compromissado com os ideais da revolu-
ção bolchevique de outubro – não nego-
ciaram o cinema do real, do homem vivo,
sem encenação, nem o cinema da cria-
ção e da experimentação (principalmen-
te em som e montagem)4.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
(...) De uma montagem de fatos visíveis e
fixados na película (Kino-Glaz), cinema-
olho, a uma montagem de fatos visíveis-
audíveis pelo rádio (Rádio-Glaz). A uma
4 Kino Glaz. Dziga Vertov, URSS, 1929.O homem da câmera. Dziga Vertov, URSS, 1924.
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montagem de fatos simultaneamente visí-
veis-audíveis-palpáveis-respiráveis,etc...
A uma filmagem de improviso dos pen-
samentos humanos e, finalmente a
uma grandiosa tentativa de organiza-
ção direta do pensamento por conse-
qüência, das ações) de toda a huma-
nidade (...) Dziga Vertov,Kiev, 06/11/
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
1928.
Cada vez mais lírico e poético em seus
documentários de longa metragem “Cine-
Poemas”, como ele chamou alguns filmes,
entre os quais, Três Cantos sobre Lênin e
Canção de Embalar (“Kolibelnaya”),
Vertov sofreu com a burocracia e a cen-
sura artística dos produtores e críticos.
Outros cineastas abraçaram o mun-
do com a alma. Conviveram com a reali-
dade sem a (pré)-concepção de roteiros
e narrativas fáceis de sucesso comercial.
Sentiram o mundo como poetas maio-
res, com o único compromisso de res-
peitar o cotidiano das pessoas que parti-
ciparam das filmagens e também de res-
peitar seu próprio sentimento. Robert
Joseph Flaherty (1884-1951) foi, talvez,
o mais romântico, o mais sensível des-
ses documentaristas. Pai do filme antro-
pológico, este fotógrafo, diretor e
montador norte-americano trouxe à hu-
manidade três testemunhos inesquecí-
veis sobre o ser humano em luta contra
a natureza ou em harmonia com o mun-
do: Nanook of the North (1920-1921), fil-
me sobre o cotidiano de uma família es-
quimó do nordeste da Baía de Hudson,
no Ártico5; Moana - a romance of the
Golden Age (1923-1926), rodado no Pa-
cífico Sul, Polinésia, com os habitantes
de Samoa em suas vidas diárias de ale-
grias e danças; Man of Aran (1932-1934),
sobre a pesca, o preparo da terra vegetal
e a luta contra o selvagem mar das ilhas
de Aran, na costa oeste da Irlanda.
O cinema de Flaherty foi, antes de
tudo, um cinema de amor ao próximo.
Um cinema generoso para com o huma-
no das relações da família, trabalho e
amizade. Talvez até um cinema utópico,
peça de resistência do poético em uma
cinematografia mundial cada vez mais
voltada ao consumo.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
“(...) Hoje, mais que nunca, testemunhou
Robert Flaherty, o mundo precisa pro-
mover a mútua compreensão entre os po-
vos. A via mais rápida, a mais segura
para aí chegar é oferecer ao homem em
geral, ao homem da rua, como se diz, a
ocasião de se tomar consciência dos pro-
blemas que afligem seus semelhantes (...).
O drama está na vida real e especialmen-
te na vida primitiva. O homem, nas lutas
5 Nanook, o esquimó (Nanook of the North), Robert Flaherty, USA, 1920-22..O homem de Aran. (Man of Aran), RobertFlaherty, EUA, 1932-34. (Cinemateca Brasileira; Embaixada dos EUA; Cinemateca do MAM; UNICAMP/Instituto deArtes.)
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contra a ameaça natural, forma o mais po-
deroso conflito do mundo. Nos meus fil-
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
mes eu tento evocar este conflito(...).
Flaherty, sem abrir mão de seu es-
pírito humanista e de seus métodos de
realização, sofreu com os poderes finan-
ceiros: Moana foi mal distribuído pela
Paramount e teve seus negativos perdi-
dos; White Shadows of the South Seas
(1927-1928) foi abandonado por Flaherty
no início das filmagens, pelo fato de o
mesmo não aceitar as interferências da
Metro Goldwyn Mayer; The Land (1939-
1942), produzido pelo Departamento de
Agricultura dos EUA, foi interditado pela
censura política.
Outro grande documentarista do sé-
culo XX, “trabalhador da luz”, constru-
tor do tempo, foi Joris Ivens, o holandês
voador. Ubíquo, documentarista da liber-
dade, Ivens atravessou o século docu-
mentando a luta de emancipação dos
povos. Filmou na Espanha em 1936 (Ter-
ra de Espanha, sobre a Guerra Civil Es-
panhola)6; filmou nos Estados Unidos, na
Indonésia, na Tchecoslováquia e na
Polônia nos anos 40; filmou na França,
na China (Before Spring e 600 milhões
com vocês) e na Itália, nos anos 50; fil-
mou em Cuba, no Chile e no Vietnã
onde, de corpo fechado, aos 67 anos de
idade, realizou O 17º- Paralelo, sob os
atrozes bombardeios norte-americanos.
Entre 1971 e 1976 retornou à Chi-
na e “pintou” com Marceline Loridan,
sua companheira, o mural cinematográ-
fico Como Yukong deslocou as monta-
nhas, doze horas de filme sobre diver-
sos aspectos da vida cotidiana durante a
Revolução Cultural.
Nonagenário, novamente voltou à
China para, com sua câmera de jovem
poeta, filmar o vento. “Quando a terra
respira, isto chama-se o vento ...”, (se-
gundo um provérbio chinês). “ Penso,
como cineasta, que é preciso ousar “no
no man’s land” entre a realidade e o
imaginário – disse Ivens, em entrevista
a Jean Pierre Sergent, durante lança-
mento do filme –, entre o documentário
e a ficção”. (...) “A poesia, além da reali-
dade, eu já havia encontrado rodando
meus filmes de guerra. Desta vez, eu a
quis filmar. Enquanto artista, senti a
necessidade de ir mais longe”. Uma his-
tória do Vento (1988) foi o último filme
de Joris Ivens.
E assim como Ivens, Flaherty e
Vertov, foram tantos que se arriscaram e
permaneceram fiéis à sua arte: Jean
Vigo, Alberto Cavalcanti, Basil Wright,
Humberto Mauro, Jean Rouch, Roman
Karmen...
Ao acompanhar a dialética do tem-
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6 Terra de Espanha. Joris Ivens, EUA, 1936. (UnB/Faculdade de Comunicação; Cinemateca do MAM; Cinemateca Brasi-leira; cineasta Guido Araújo � 71.347,5489, filmes de Joris Ivens).
17BOLETIM � PGM 1 - CINEMA E REALIDADE
D I Á L O G O S
CINEMA E ESCOLA
po, o documentarista resgata a história,
a memória, e registra identidades cultu-
rais em extinção no mundo moderno7.
Flexível, curioso, vigilante, ele acompa-
nha a vida em seu processo e por ela é
roteirizado e dirigido. Pesquisa muito, faz
e refaz estruturas narrativas, intui his-
tórias do próprio lugar da filmagem. Fil-
ma, aparentemente, ao léu, mas respei-
tando caminhos nascentes para a des-
coberta de seu filme – e como é difícil
explicar aos burocratas de plantão que
o roteiro (ou não-roteiro) do documen-
tário é dinâmico, que seu orçamento é
flexível, que segue urgências que só o
imponderável do processo criativo sabe
explicar. Depois, na montagem, ainda se
atendo à espinha dorsal do roteiro ou à
estrutura do guia de filmagem, o do-
cumentarista lida com tempos e espa-
ços impensáveis, o que o leva a uma mon-
tagem criativa, independente de de-
cupagens preestabelecidas – tão distan-
te, no entanto, da montagem irrespon-
sável, tão comum nos trabalhos que pre-
conizam: “a gente filma e na montagem
a gente resolve”.
O auge da montagem e do ritmo vi-
sual como expressão máxima do filme
ocorreu no final dos anos 20 (do século
passado), no final do período silencioso.
Com o advento do cinema sonoro, o
Documentário se enriqueceu com as ex-
periências da vanguarda soviética e as
inovações técnicas da escola britânica
dos anos 308. Ruídos, músicas, poemas
foram incorporados à narrativa, o que
ampliou os horizontes artísticos do gê-
nero.
Nos anos 60, as câmeras leves de
16mm – em sincronia com gravadores
portáteis de captação do som direto da
realidade – revolucionaram, ainda mais,
a dramaturgia documentária9. O tempo
real, em toda sua plenitude e duração,
reapareceu e trouxe, desta vez, a voz
humana, viva, de um ator natural, per-
sonagem do real, sem maquiagem, sem
texto decorado e comportamento este-
reotipado. Trouxe a oralidade, com a be-
leza de seus timbres, seus sotaques, suas
cadências e seu vocabulário10. O sonho
antigo de Vertov se realizava: o cinema
do som e imagem da vida e desvelador
da verdade.
Nessa nova dimensão, na qual o
Documentário ganhou novos nomes e
horizontes – Cinema Verdade, Cinema
Direto – a montagem também se modifi-
cou. Tornou-se mais fluida ao privilegiar
o tempo do nascimento de pensamen-
tos e ações; tornou-se menos expressiva
7 Jango. Sílvio Tendler, 1984. (Caliban, 21.254.35645/5086871)Memória do cangaço. Paulo Gil Soares, 1965.8 The song of Ceylon. Basil Wright, Inglaterra, 1934-35. Night mail, Basil Wright e Harry Watt, Inglaterra, GPO, 1936.Coal Face, Alberto Cavalcanti. Inglaterra, 1936. British Council (RJ); UNICAMP/Instituto de Arte.
9 Crônica de um verão. (Chronique d�un été) Jean Rouch e Edgar Morin, França, 1960. (Consulado/Filmoteca daEmbaixada da França, UNICAMP/Instituto de Arte).
10 Nelson Cavaquinho, Leon Hirszman, Brasil, 1966. Cabra marcado para morrer, Eduardo Coutinho, Brasil, 1984.Conterrâneos Velhos de Guerra, Vladimir Carvalho, Brasil, 19. Uma questão de terra, Manfredo Caldas, Brasil, 19.
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CINEMA E ESCOLA
e mais interna, ao respeitar a conjuga-
ção das movimentações de câmera dian-
te de improvisos e imprevistos – sem,
contudo, perder a noção de síntese, ob-
jetividade, ritmo, experimentação e cri-
ação artística11.
Há vinte anos atrás, já octogenário,
o mestre Joris Ivens abordou a questão
da criação artística no Documentário com
tamanha lucidez e bom senso que, ain-
da hoje, em plena era das novas
tecnologias digitais, seu pensamento
continua atual.
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“(...) Existe uma falsa idéia que é preci-
so combater, esta velha idéia de que
documentário é reportagem, que nada tem
a ver com a arte, que o filme de ficção é
a única maneira artística de se fazer ci-
nema(...). Em alguns casos, o documen-
tário e a ficção se entrecortam, se enri-
quecem mutuamente. Eu acredito que o
documentário é uma boa base para uma
evolução autenticamente cinematográfica
do filme. No documentário, a influência
do teatro e da literatura é menor; é a
imagem fílmica que comanda bem mais
que em uma narrativa dialogada (...). Lutei
durante cinqüenta anos para que se re-
conhecesse ao filme documentário a
mesma importância e a mesma necessi-
dade para a arte cinematográfica que o
filme de ficção... Para mim, não existe
contradição nem oposição entre o cine-
ma documentário e o cinema de ficção.
Nos documentários onde se utiliza me-
nos o diálogo, a liberdade e os recursos
de montagem são bem mais considerá-
veis. Em um segundo, pode-se passar
do microcosmo ao macrocosmo. Pode-se
fazer malabarismos com o tempo e o es-
paço. Este gênero de filme é mais próxi-
mo da poesia, enquanto que o filme de
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ficção se aparenta à prosa.”
Os aparatos tecnológicos de capta-
ção e edição de imagens e sons estão
cada vez mais práticos e sofisticados. Im-
buídos dessa modernidade, muitos crí-
ticos e cineastas discutem a ausência de
novas linguagens nos Documentários. O
novo, entretanto, não será proporciona-
do por uma câmera de ponta. O novo virá
da própria vida – vida que muda e se
transforma a cada momento – e da ética
que todo cineasta trará em si. A ética é
que definirá a tão ansiada forma. Um fil-
me novo não nasce de uma moldagem,
de um verniz tecnológico que se aplica
sobre um tema ou que coloca uma obra
a seu serviço. Um filme novo nasce de
dentro para fora, como um todo. Da alma
da própria vida e da responsabilidade
que todo cineasta deve ter.
11 Futebol, João Moreira Salles e Arthur Fontes. Santo Forte, Eduardo Coutinho.(Vídeo Filmes, RJ; CTAV-FUNARTE, RJ).
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D I Á L O G O S
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PGM 2 : CINEMA E HISTÓRIA
A REALIDADE FICCIONADA
SÍLVIO TENDLER1
LAURA MARIA COUTINHO 2(DIÁLOGOS)
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Para discutir cinema e história”, nesta série, proponho primeiro
que adotemos o livro A história vai ao cinema, de Mariza de
Carvalho Soares e Jorge Ferreira, uma publicação da Editora Record
de 2001.
E, depois, que estabeleçamos um diálogo com o livro, tomando como
referência o prefácio de Sílvio Tendler. É mais ou menos isso que
professores e alunos fazem quando levam para a sala de aula tex-
tos, livros, filmes. Ou, pelo menos deveriam fazer. Os textos e os
filmes são feitos para tratar de assuntos objetivos, mas apresentam
sempre um ponto de vista construído também pelas subjetividade
dos autores e, igualmente, de leitores e espectadores. Talvez não
seja demais lembrar que os produtos culturais dessa natureza são
dinâmicos: só se realizam na interação entre pessoas. O filme preci-
sa ser visto. O livro precisa ser lido. E é justamente neste aspecto
que, acredito, está a grande riqueza da produção intelectual e cultu-
ral. Além do que, o mesmo fato mostra-se de variadas maneiras. E a
visão de uma pessoa traz sempre a possibilidade de enriquecer a
visão de todos e a de cada um.
Assim inicio o nosso diálogo com este texto precioso chamando a
atenção para alguns aspectos que Sílvio Tendler coloca no final, ou
seja, o papel do professor diante das imagens. É claro que as ima-
1 Cineasta. Professor de cinema da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.2 Professora da Faculdade da Educação da Universidade de Brasília. Doutora em Educação na área �Educação, Conhe-cimento, Linguagem e Arte� pela UNICAMP.
21BOLETIM � PGM 2 - CINEMA E HISTÓRIA
D I Á L O G O S
CINEMA E ESCOLA
gens nos fascinam a todos. É justamente esta a grande força da
linguagem cinematográfica que, em estética, realidade e magia, cria
e recria universos ficcionais de todas as ordens, sejam eles basea-
dos em fatos reais ou fictícios. Mas nos ambientes educacionais, na
escola, na sala de aula, é possível ir além do filme e das imagens e,
principalmente, estabelecer uma relação histórico-temporal entre pas-
sado e presente. Repito aqui o que vocês vão ler mais adiante: “uma
abordagem do passado muitas vezes é mais rica quando analisada
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
sob a luz do conhecimento e das angústias do tempo presente.”
Ouçamos, então, Sílvio Tendler:
Nos idos dos anos 60, estudante que
se prezasse e quisesse jogar pedras na
ditadura deveria buscar fundamentos
teóricos em Historia da riqueza do ho-
mem, e Leo Huberman. Logo na abertu-
ra, o autor para falar de dinheiro, usa
uma cena de cinema como exemplo;
Georges Duby, um dos mais importan-
tes medievalistas, abre um de seus en-
saios sobre a Idade Média escrevendo:
“Imaginemos”. Desde sempre, imagem e
imaginação fazem parte do conhecimento
da história.
Quando, em 1974, Jacques Le Goff
e Pierre Nora coordenaram a publicação
de Faire de l’Histoire3, estavam eviden-
ciando novos horizontes para a história,
que saía então da dicotomia factual
versus interpretativa para buscar novas
relações com seu objeto de estudo. Nos
rescaldos pós-maio de 1968, uma série
de históriadores franceses discutiam
novos problemas, novas abordagens, no-
vos métodos. Marc Ferro participa desta
coletânea com seu artigo “O filme: uma
contra-análise da sociedade”, no qual
aborda a questão do cinema como fonte
da história. Mais do que introduzir, esse
artigo servirá para legitimar uma rela-
ção que já vinha se desenvolvendo havia
muitos anos e que Ferro transforma em
seminário, com o nome de Cinema e His-
tória.
Por outro lado, desde o nascimento
do cinema, a história é sua fonte. O nas-
cimento de uma nação, de David Griffith,
nos Estados Unidos e O encouraçado
Potemkin, de Sergei Eisenstein, na União
Soviética, são alguns dos muitos filmes
em que, através de cowboys, carruagens,
reis e rainhas, a história está presente.
Em 1937, o documentarista holan-
dês Joris Ivens, ao filmar a Guerra Civil
Espanhola em parceria com Ernest
Hemingway, registra nos créditos do fil-
3 Jacques Le Goff e Pierre Nora. História: novos objetos. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1976.
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22BOLETIM � PGM 2 - CINEMA E HISTÓRIA
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CINEMA E ESCOLA
me Terra esponhola a produção da
Contemporary Historians Inc. Neste caso,
o cineasta define-se como historiador e,
mais do que um documentário de de-
núncia da ascensão do fascismo ao po-
der na Europa, sente-se fazendo histó-
ria.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
A essa altura abro um parêntese para
relatar brevemente uma experiência re-
cente que, de alguma forma, se insere
na situação em que, penso, o cineasta e
sua obra podem ser definidos como his-
toriador e história. Silvio Tendler inicia
seu texto falando dos anos 60. Talvez
os mais pulsantes dos últimos séculos.
Ainda ontem, numa livraria, folheando a
biografia de Paul MacCartney “Many
year from now”, uma frase me chamou
a atenção. Paul dizia mais ou menos as-
sim: “não vejo os anos 60 como passa-
do, mas como futuro, como alguma coisa
que ainda não se realizou”. Acho que é
mais ou menos esse sentimento que
aflorou durante a semana em que a Fa-
culdade de Educação da Universidade
de Brasília promoveu a exibição do fil-
me Barra 68 de Vladimir Carvalho e
que “monta” perfeitamente com a idéia
de que a história é mais rica à luz do
presente. Foram 18 exibições seguidas
de debates emocionados com o cineas-
ta, professores, alunos e personagens
do filme e da história que não estavam
no filme. No Barra 68 estão presentes
as principais personalidades da histó-
ria da UnB à epoca, Darcy Ribeiro, o
reitor José Carlos Azevedo, alunos...
Quase todos em imagens passadas e
presentes. E o que gostaria de ressaltar
aqui é a sensação de incompletude que
o filme suscita, não do filme em si, mas
da própria história. Assim quero dizer
vendo Sílvio, Vladimir, Paul, que talvez
o mais importante da história que vai ao
cinema seja não o resgate dos fatos, mas
das possibilidades que os fatos susci-
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tam e que ainda estão por se realizar.
Voltemos ao texto.
A coletênea de artigos que compõe
este livro segue na trilha original apon-
tada por Marc Ferro: o estudo de filmes
como fonte de conhecimento e o que
Ferro chama de contra-análise da socie-
dade. Em seu artigo, considera que o
estudo da imagem pode fornecer elemen-
tos de análise que ultrapassem os limi-
tes das intenções do autor ou de quem
as captou. A “leitura” dos filmes não se
restringe a uma interpretação “colada”
na obra.
No caso deste livro, os autores fize-
ram uma releitura da obra cinematográ-
fica, relacionando com uma abordagem
histórica, confrontando filme e história.
Esta coletânea de ensaios chega em
boa hora. A história do século XX será
contada com recursos audiovisuais e a
partir da produção audiovisual do sécu-
lo XX. O conjunto de artigos é de alto
nível, merecedor de leitura, exercendo
importante função didática que aponta
mais um território a ser explorado pelo
historiador.
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23BOLETIM � PGM 2 - CINEMA E HISTÓRIA
D I Á L O G O S
CINEMA E ESCOLA
Alguns limites foram estabelecidos
nos critérios de seleção dos filmes: ape-
nas filmes nacionais, e o corte temporal
foi determinado pelo período de produ-
ção dos filmes, que foi de meados dos
anos 70 ao final dos anos 90. Os temas
são os mais diversos, nem sempre tra-
balhando a história de forma direta, mas
refletindo a formação brasileira ao longo
dos séculos. Diversos historiadores divi-
diram entre si a missão de esmiuçar a
produção cinematográfica, o que trans-
forma este livro num raro painel que re-
trata a pluralidade e a diversidade de
nossa produção.
Por não ser obra de um autor, mas
uma coletânea de textos com enfoques
diferenciados, torna-se mais rico ainda
devido à variedade de olhares que se pro-
jetam sobre a diversidade das obras.
Tem, além disso, o mérito de registrar a
fecundidade do cinema brasileiro nes-
ses anos 70/80/90 e, sobretudo, sua
importância cultural, tornando-se o me-
lhor arrazoado em defesa do cinema bra-
sileiro, de sua pluralidade, diversidade
e criatividade.
Em sua maioria, os estudos aqui de-
senvolvidos servem também como uma
aula de história, uma vez que são acom-
panhados de citações que transcendem
a obra abordada para situá-la em seu
tempo, descrevendo suas fontes, influ-
ências ou precedências. Esse universo
que circunscreve a obra faz com que este
livro se torne objeto de consulta essen-
cial para quem estuda ou quer conhecer
mais profundamente as obras e o tempo
abordados dentro do trinômio cinema/
Brasil/história.
Aqui estão sendo analisados filmes
que retratam a migrantes e imigrantes,
a mulher, o negro, as circunstâncias
históricas, os acontecimentos e as per-
sonalidades. Filmes de João Batista de
Andrade (O homem que virou suco, o
migrante massacrado), Tizuca Yamasaki
(Gaijin, a imigração japonesa), Eduardo
Coutinho (Cabra marcado para morrer),
o meu (Jango, a reconstrução da histó-
ria ), Norma Bengell (Pagu, a mulher
libertária que foi contra a corrente de
seu tempo mas a favor da história). O
Brasil dissecado pela literatura e o in-
crível desafio de transformar letras em
imagens: Mário de Andrade, Jorge Ama-
do, Graciliano Ramos imaginados pelo
cinema, livros que se tornaram filmes
pelos olhos de Nelson Pereira do San-
tos, Joaquim Pedro, Eduardo Escorel,
Bruno Barreto.
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Quero ressaltar aqui outra temática des-
ta série “Diálogos Cinema e escola”, ex-
pressa no texto “Literatura e Cinema:
uma sintaxe transitiva”. A autora, Rosalia
de Ângelo Scorsi, trabalha seu escrito
buscando desvelar não o universo his-
tórico em que os filmes acontecem, como
aborda Silvio Tendler, mas o universo
expressivo das linguagens cinematográ-
fica e literária. Lembremos que esses
dois pontos de vista complementam-se
na perspectiva das multiplicidades das
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24BOLETIM � PGM 2 - CINEMA E HISTÓRIA
D I Á L O G O S
CINEMA E ESCOLA
visões que as linguagens audiovisuais
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podem suscitar.
A pluralidade registrada pelos filmes
e os estudos correspondentes aos anos
de chumbo, observados não apenas pelo
viés da política, mas com ampla visão da
época do “seja marginal, seja herói”, gri-
to de rebeldia do artista plástico Hélio
Oiticica sobre a imagem do bandido Cara
de Cavalo, marca dos anos 70: o cinema
mostra, com Lúcio Flávio, o passageiro
da agonia, o marginal necessário para
apontar as mazelas da polícia (“Polícia é
polícia, bandido é bandido”), transpas-
sado das reportagens literárias de José
Louzeiro para as imagens de Hector
Babenco; o mito registrado em Xica da
Silva ou o país trocando de pele em Bye
bye Brasil, filmados por Carlos Diegues.
Em Eles não usam black-tie, de Leon
Hirszmann, a classe operária vai ao ci-
nema e o Brasil caipira em A marvada
carne, de André Klotzel.
Este livro também supre uma lacu-
na: como a crítica cinematográfica prati-
camente desapareceu, e a cada dia tor-
nam-se mais raras as publicações
especializadas, e por conseguinte a aná-
lise e o debate em torno da produção
cinematográfica , transferiu-se para o
historiador a tarefa da crítica, o que va-
loriza ainda mais o presente livro. A abor-
dagem diferenciada do historiador – pro-
funda e analítica – foge da superficiali-
dade da informação jornalística, neces-
sária para divulgar a existência da obra
mas insuficiente para informá-lo sobre
a obra.
Mesmo quando a análise é favorável
ao filme, ainda assim é melhor a publi-
cação, que abre o caminho para a dis-
cussão e a polêmica, do que condená-lo
ao silêncio e ao esquecimento. Nos anos
50, época de nacionalismo na política (“O
petróleo é nosso”) e das “chanchadas” no
cinema, em sua defesa foi cunhada a fra-
se: “Falem mal, mas falem do cinema
nacional”, logo sintetizada no bordão “O
abacaxi é nosso”. “Avacalhar” (expressão
própria da época) era a forma de prote-
ger e divulgar. Logo, este livro ajuda a
resgatar nossos filmes, rompendo o cer-
co do silêncio e do esquecimento.
O filme torna-se matéria de sala de
aula, servindo como objeto de estudo e
conhecimento. Em hipótese alguma o fil-
me substitui o professor. Sua “leitura”
correta está condicionada a um conhe-
cimento prévio, sujeita à orientação do
professor. Confrontar veracidade com ve-
rossimilhança – real versus aparência do
real – é uma das responsabilidades do
professor, que evitará a trilha de um ca-
minho equivocado e cuja ausência po-
derá induzir a erros de abordagem di-
ante do fascínio e da facilidade da histó-
ria recriada em imagens. Quanto a pas-
sado versus presente, é bom dizer que o
filme de tema histórico geralmente tem
mais a ver com a época em que é produ-
zido do que com a época abordada. As-
sim, por exemplo, uma abordagem do
passado muitas vezes, é mais rica quan-
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25BOLETIM � PGM 2 - CINEMA E HISTÓRIA
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CINEMA E ESCOLA
do analisada sob a luz do conhecimento
e das angústias do tempo presente.
Um grito de alerta: querem apagar
a história. Jovens de 20 anos não sa-
bem o que foi a Guerra do Vietnã, como
foi a descolonização da África, as lutas
populares por liberdade, contra a dita-
dura, a tortura. E o mais grave: livros,
filmes, peças de teatro, pensamentos e
personalidades que escreveram um pro-
jeto de Brasil são apagados da história.
Em tempos que privilegiam o efêmero,
o volátil e o descartável, este livro é peça
essencial na “guerra santa” que trava-
mos contra a amnésia histórica que que-
rem nos impor.
Bibliografia
Soares, Mariza de Carvalho. A história vai
ao cinema. Rio de Janeiro: Record,
2001.
Ramos, Fernão Pessoa. Estudos de cine-
ma. Porto Alegre: Sulina, 2001.
Bernadet, Jean-Claude. Brasil em tempo
de cinema: ensaio sobre o cinema bra-
sileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1978.
Gerber, Raquel. O mito da civilização atlân-
tica: Glauber Rocha, cinema, política e
estética do inconsciente. Petrópolis: Vo-
zes, 1982.
Gomes, Paulo Emílio Salles. Cinema: traje-
tória no subdesenvolvimento. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1980.
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26BOLETIM
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CINEMA E ESCOLA
PGM 3 � CINEMA E LITERATURA
UMA SINTAXE TRANSITIVA
ROSALIA DE ÂNGELO SCORSI*
* Dra. em Educação pela Universidade Estadual de Campinas � Unicamp. Pesquisadora do Lab. de Estudos AudiovisuaisOLHO � Faculdade de Educação - Unicamp.
1 Em A Experiência do Cinema (org. Ismail Xavier) � �O Cinema e as Letras Modernas�, p. 269.2 Extraído de publicação feita pela Embrafilme, Lição de Amor, p. 5.
“A literatura moderna está saturada
de cinema. Reciprocamente, esta arte mis-
teriosa muito assimilou da literatura1 .”
Com estas palavras, Jean Epstein inicia
seu ensaio, de 1921, sobre o intercâm-
bio entre as estéticas do cinema e da li-
teratura moderna, mostrando-nos a for-
te influência de uma arte sobre a outra.
Podemos confirmar essa declaração
de Epstein em Amar, Verbo Intransitivo,
romance moderno de Mário de Andrade,
que se constrói com perceptível diálogo
com o cinema, tanto nas referências que
faz a este, como nas “técnicas” utiliza-
das que lembram aquelas utilizadas pelo
cinema. O livro foi escrito em 1923 e
publicado em 1927. O próprio Mário de
Andrade escreve a Sérgio Milliet sobre o
romance, em 1923, chamando-o de ci-
nematográfico: “Atualmente escrevo
Fräulein - romance. É possível que fique
no meio, como todas as grandes emprei-
tadas que tomo. Cinematográfico. Man-
do-te do prefácio (curto) as duas idéias
que contém 2 .”
“Amar, Verbo Intransitivo não pos-
sui capítulos, conforme a norma aceita,
numeração de seqüências ou títulos para
elas. É um texto de ficção construído pelas
cenas que fixam diretamente momentos,
‘flashs’, resgatando o passado, ou cenas
que são apresentadas pelo Narrador. Às
cenas, contrapõem-se as digressões do
Narrador que compete freqüentemente,
dando grandes demonstrações de conhe-
cimento teórico, com a visão que a heroína
tem do mundo e do amor. As digressões
são, de fato, sua interpretação. A separa-
ção dos episódios, a mudança de cená-
rio, de espaço, a passagem do tempo, os
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27BOLETIM � PGM 3 - CINEMA E LITERATURA
D I Á L O G O S
CINEMA E ESCOLA
cortes desviando a atenção do leitor, são
marcados apenas pelo espacejamento
padronizado que, graficamente, acentua
a idéia de seqüência solta e divisão da
narrativa em flagrantes3 .” Já nesse tre-
cho do prefácio ao romance, de Telê Porto
Ancona Lopez, percebe-se o uso de uma
terminologia própria à gramática do cine-
ma: flash, cena, seqüência, corte. Seguin-
do o prefácio mais à frente, lê-se: “O
Narrador, que capta a cena no que ela
tem de essencial, freqüentemente nos faz
lembrar a representação cinematográfica:
a câmera que segue os passos, foco isen-
to, olhando por detrás, ou foco comprome-
tido que faz às vezes dos olhos da perso-
nagem. Narrar cinematográfico de roman-
ce moderno, combinado com a reflexão
literária, machadiana, metalingüística, e
com a capacidade do Narrador de se fun-
dir às manifestações do mundo interior de
suas personagens4 .”
Na forma que o romance toma, muito
desse “narrar cinematográfico” é produzi-
do com a oralidade da prosa que o texto
escrito reproduz; com a técnica das “cenas”
que substituem os convencionais capítu-
los, como já foi dito; e por muitos outros
recursos formais, dos quais cito alguns:
Frases telegráficas. Nomeação
abundante. Enumeração: Procedimen-
to, na prosa, equivalente ao processo
descritivo-narrativo da linguagem cine-
matográfica expresso através da contigüi-
dade de planos. “(...) O quartinho é escu-
ro. Maria embala no bercinho pobre o
filho recém-nascido. Janelas abertas,
dando para a grande noite azulada, fa-
cilmente mística. Nascem do chão, saem
pelas janelas as duas colunas inclina-
das do luar. Verão. Silêncio. Murmúrio
em baixo, longe, das águas sagradas do
Reno.”(Amar, verbo intransitivo - AVI5 , p.
65.) (Esse trecho refere-se a uma diva-
gação de Fräulein, cuja representação
sugere as tomadas e movimentos de
câmera, um certo tipo de luz, de som e
até o silêncio significativo.)
Maiúsculas destacando alguns
enunciados: O uso das maiúsculas aqui
corresponde, se pensarmos na lingua-
gem cinematográfica, à técnica do Close-
up e/ou Detalhe, que vão além da su-
perfície das aparências para tocar em
revelações dramáticas: “A cidade é uma
invasão de aventureiras agora! Como
nunca teve! COMO NUNCA TEVE, Laura
(...) Por isso! Fräulein prepara o rapaz. E
evitamos quem sabe? até um desastre!...
UM DESASTRE!” (AVI, p. 77).
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
“NÃO EXISTE MAIS UMA ÚNICA PES-
SOA INTEIRA NESTE MUNDO E NADA
3 Em �Uma Difícil Conjugação�, prefácio a Amar, Verbo Intransitivo, escrito por Telê Porto Ancona Lopez, p.13.4 idem, p.15.5 AVI é abreviatura de Amar, Verbo Intransitivo.
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28BOLETIM � PGM 3 - CINEMA E LITERATURA
D I Á L O G O S
CINEMA E ESCOLA
MAIS SOMOS QUE DISCÓRDIA E
COMPLICAÇÃO” (AVI, p. 80)
“Meu Deus! UM FILHO. (...) ... um
FILHO...”(AVI, p.135)
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
“FIM” (AVI, p. 140)
Uso de Onomatopéias e Neologis-
mos: Espécie de dimensão auditiva que
complementa significativamente as ce-
nas textuais:
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
“A bulha dos passarinhos arranhava
o corredor. De repente fogefugia as-
sustado sem motivo colibri: Pleque-
leque, pleque... pleque... pleque...”
(AVI, p. 51)
“Carlos abaixou o rosto, brincabrin-
cando com a página.” (AVI, p. 56)
“Pum! Taratá! Clarins gritando, baio-
netas cintilando, desvairado matar,
hecatombes, trincheiras, pestes, ce-
mitérios...” (AVI, p.61)
“Chiuiiii... ventinho apreensivo. Gran-
des olhos espantados de Aldinha e
Laurita. Porta bate. Mau agouro?...
Não... Pláaa... Brancos mantos... E
ilusão. Não deixe essa porta bater!
Que sombras grande no hol... Por
ques? Tocainado nos espelhos, nas
janelas. Janelas com vidros fecha-
dos... que vazias! Chiuiii... Olhe o si-
lêncio. Grave.”(AVI, p. 88)
“O murmulho das águas gargalhou um
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
‘brekekekex’ fanhoso.”(AVI, p. 120)
O cinema está presente no roman-
ce, não só pelos recursos lingüísticos
utilizados que o mimetizam, mas tam-
bém através de citações ao cinema, afir-
mando o hábito já entranhado no con-
texto urbano onde o romance se passa
de freqüentá-lo e sua influência no ima-
ginário dos freqüentadores:
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
“Dona Laura ficava ali, mazonza, numa
quebreira gostosa quase deitada na
poltrona de vime, balanceando manso
uma perna sobre a outra. Isso quando
não tinham frisa, segundas e quintas,
no Cine República.” (AVI, p. 59)
“Depois do almoço as crianças foram
na matinê do Royal. (...) E como são
juntinhas as cadeiras do Royal! (...)
O certo é que o corpo dela ultrapassa
as bordas da cadeira todo mundo se
queixa das cadeiras do Royal.” (AVI,
p. 69)
“De primeiro era o dia inteirinho na
rua, futebol, lições de inglês, de geo-
grafia, de não-sei-que-mais e nata-
ção, tarde com os camaradas e inda
por cima, depois da janta, cinema.”
(AVI, p.71)
“Quando ele sentiu sobre os cabelos
uma respiração quente de noroeste,
principiou a imaginar e criticar. Cri-
ticar é comparar. Que gosto que teri-
am esses beijos de cinema?” (AVI,
p.91)
“Laurita pensava que havia uma his-
tória triste. Fräulein com Carlos.
Talqual na fita de Glória Swanson.”
(AVI, p.137)
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29BOLETIM � PGM 3 - CINEMA E LITERATURA
D I Á L O G O S
CINEMA E ESCOLA
“E se não quer gastar os cem, o cine-
ma AVENIDA cerra aos poucos os olhos
elétricos, gente que sai, gente na por-
ta, bulha de empregados apressados.”
(AVI, p.143)
“Na avenida Higienópolis o telefone-
ma avisou que ele almoçava com o
Roberto. Mais um companheiro se
juntava a eles. Passaram a tarde no
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
cinema.” (AVI, p.145)
Lição de Amor é a adaptação de
Eduardo Escorel, para o cinema (1976),
do livro de Mário de Andrade.
Podemos averiguar, a partir das ce-
nas iniciais do filme, como a linguagem
do cinema, na condução de Eduardo
Escorel, traduz esse romance que já em
sua raiz é cinema.
Quero me fixar no que estou cha-
mando de a poética de Fräulein (perso-
nagem essencial do livro e filme, vivida
pela atriz Lílian Lemertz), em grande
parte nascida do discurso indireto livre
presente no romance, e indagar de que
modo e com que recursos técnicos/
estilísticos o cinema a traduz, já que o
cinema optou por prescindir da podero-
sa voz narrativa literária e, conseqüen-
temente, de todos seus malabarismos
discursivos.
Algumas cenas6 iniciais marcam a
apresentação e chegada de Fräulein na
mansão. Tomando a parte inicial em que
Souza Costa contrata o trabalho de
Fräulein e sua chegada de táxi à man-
são, quero buscar nesses acontecimen-
tos a solução estética encontrada para
sua tradução ao cinema. E ainda inda-
gar que densidade ontológica de
Fräulein o cinema, com as soluções es-
téticas assumidas, torna visível.
Eduardo Escorel optou por ficar
rente aos fatos e imagens narrados no
texto, na produção do filme Lição de
Amor. O filme mantém-se obediente ao
texto. É difícil fugir de um texto em que
fatos e imagens estão lá, nítidos, ofere-
cendo-se a serem reproduzidos. A mai-
or parte das falas das personagens es-
tão no filme, tal qual estão no texto. Po-
rém, o filme terá de lidar com a ausên-
cia do narrador, figura expressiva e atu-
ante no romance que garante a densi-
dade dramático-poética da narrativa.
Uma opção do filme foi não sair das cer-
canias da mansão de Souza Costa, es-
paço fundamental da ação dramática,
6 V.Pudovkin distingue Cena de Seqüência: �O roteiro de filmagem completo é dividido em seqüências, cada seqüênciadividida em cenas e, finalmente, as cenas mesmas são construídas a partir de séries de planos, filmados de diversosângulos (...) esses pedaços ou planos, são trabalhados de maneira a dotar as cenas de uma ação que as interligue, ascenas separadas são agrupadas de forma a criar seqüências inteiras. A seqüência é construída (montada) a partir dascenas. Suponhamos que temos a tarefa de construir a seguinte seqüência: dois espiões se arrastam sorrateiramente emdireção a um paiol de pólvora, no intuito de explodi-lo; no caminho, um deles perde um papel com as instruções.Alguém acha o papel e avisa o guarda que chega a tempo de prender os espiões e evitar a explosão. Neste caso, oroteirista tem que lidar com a simultaneidade das várias ações acontecendo em lugares diferentes.� , em A Experiênciado Cinema (org. Ismail Xavier) - �Métodos de Tratamento do Material (Montagem estrutural), p.57/65.
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30BOLETIM � PGM 3 - CINEMA E LITERATURA
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CINEMA E ESCOLA
diferente do livro que fotografa cenas e
costumes do centro urbano paulistano.
Logo no início do filme, deparamo-
nos com uma câmera ou um foco com-
prometido, como se fizesse às vezes dos
olhos da personagem. O ponto de vista
assumido logo no início conduzirá o es-
pectador pelo resto do filme. Vejamos
como isso ocorre.
O filme abre-se com os primeiros
créditos, em fundo vermelho. Nessa tela
vermelha vemos o esboço, em linhas on-
duladas brancas, de um livro onde se lê:
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Lição de Amor
Adaptado do romance Amar,Verbo
Intransitivo
de Mário de Andrade
Roteiro: Eduardo Coutinho e Eduardo
Escorel
A imagem é mostrada em silêncio e dura
l5 segundos aproximadamente. A lição
de amor terá somada ao seu aprendiza-
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
do uma cor quente – a cor vermelha.
CORTE7
A primeira cena passa-se no quar-
to de pensão de Fräulein, com apenas
uma tomada de câmera. Iluminação dis-
creta, acentuando a modéstia das aco-
modações. São utilizados plano ameri-
cano e plano médio e a câmera movi-
menta-se seguindo o movimento dos
personagens. Souza Costa e Fräulein
dialogam sobre os acertos finais do con-
trato de trabalho de Fräulein. O quar-
to, embora pequeno, está muito bem
organizado. Fräulein veste um conjun-
to simples, blusa de manga longa, saia
e colete. O cabelo está preso. Seu ar é
profissional e suas falas são seguras e
decididas, revelando uma mulher que
não se intimida diante do homem e que
tem clareza quanto aos seus desejos, no
plano profissional. O diálogo é muito
próximo ao diálogo do livro e a cena dura
aproximadamente l minuto e 20 segun-
dos.
Os dois estão sentados junto à mesa,
finalizando o chá:
SC: Então, estamos entendidos, srta. Elga. São
oito contos pelo serviço. Pagos no final, quando
tudo estiver concluído.
F: Perfeitamente, Sr. Souza Costa.
Levantam-se e dirigem-se à porta e
no trajeto:
SC: Está frio!
FFFFF: Estes fins de inverno são perigosos em São
Paulo.
7 Corte=> passagem direta de uma cena para outra. Ver Doc Comparato, Da Criação ao Roteiro, p.276.
31BOLETIM � PGM 3 - CINEMA E LITERATURA
D I Á L O G O S
CINEMA E ESCOLA
Fräulein abre a porta do quarto. Sou-
za Costa estende a mão em despedida.
Antes de oferecer sua mão:
F: E... Senhor, sua esposa está avisada?
SC: Não, a srta. compreende... ela é mãe.
Esta nossa educação brasileira... Além do mais,
com três meninas em casa...
FFFFF: Peço-lhe que avise sua esposa, senhor. Não
posso compreender tantos mistérios.
SC: Mas, senhorita...
F:Desculpe insistir. Nãome agradaria ser tomada
por uma aventureira. Certamente não irei, se sua
esposa não souber o que vou fazer lá.
SC: Muito bem. Se é assim que a srta. deseja,
pode ficar tranqüila. Estaremos à sua espera,
senhorita.
Souza Costa sai, Fräulein fecha a
porta, encosta-se nela, com olhar alon-
gado e perdido, ouve-se, então, sua voz,
numa espécie de monólogo interior:
F:Mais oito contos. Se a situação na Alemanha
melhorasse... Mais um ou dois serviços e posso
partir. E casar. Ter uma casa sossegada. Um
rendimento certo.
Ao mesmo tempo em que se ouve o
pensamento de Fräulein, começa a cres-
cer um som musical que se funde ao seu
pensamento. A música tem uma estru-
tura melódica que aflora sentimentos
nostálgico-melancólicos. É somente or-
questrada com destaque ao som do pia-
no. Essa composição de Francis Hime
tornar-se-á uma espécie de tema de
Fräulein e será um centro de força na
criação da subjetividade da personagem,
construída pelo cinema. A música atra-
vessará as duas cenas seguintes, de for-
ma que o final da segunda cena coinci-
de com o final da música. Como se subs-
tituísse a voz narrativa, a música, além
de ligar as cenas, introduz com sua car-
ga dramática a personagem Fräulein.
(Quero chamar atenção para a atmosfe-
ra romântico-sentimental que a música
sugere, pois ela se fixará à imagem de
Fräulein.) Fräulein não é apenas uma
imagem visual, mas a imagem visual so-
mada a uma imagem auditiva.
CORTE
A próxima imagem retoma aquela
primeira – livro sobre fundo vermelho –
continuando a apresentação da equipe
de atores, de produção, de direção etc.
É uma imagem longa com 2 minutos e
10 segundos de duração. Durante essa
apresentação, a música que havia come-
çado baixa, na seqüência do quarto, jun-
to com o pensamento de Fräulein, as-
cende e atravessa toda essa tomada, con-
tinuando na cena seguinte, abrandan-
do, agora, sua altura de som. O especta-
dor, enquanto lê os créditos vai sendo
enredado nessa narrativa musical muda
de palavras.
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32BOLETIM � PGM 3 - CINEMA E LITERATURA
D I Á L O G O S
CINEMA E ESCOLA
CORTE
A cena que se segue focaliza, em giro
de travelling-panorâmico lento
ascensional, o amplo espaço onde se lo-
caliza a grande casa branca dos Souza
Costa, plantada em meio a uma extensa
área verde, com grades e jardins. A cena
é externa e a luminosidade do dia opõe-
se àquela interna do quarto. Os olhos
do espectador movimentam-se nesse giro
panorâmico, são levados a apreciar a ma-
jestosa residência. Se o espectador tiver
retido na memória a fala de Souza Cos-
ta: “estaremos à sua espera senhorita”,
logo ligará a casa à figura masculina da
cena inicial. Se retomarmos as falas e
imagens da cena do quarto, veremos
como é rica em informações de apresen-
tação do quadro sócio-cultural-brasilei-
ro, no qual Fräulein fará intervenção. A
música, que tivera início há duas cenas
anteriores, invade também toda essa
cena, que dura aproximadamente 50
segundos.
CORTE
A cena seguinte mostra, em close-
up8 , uma outra Fräulein, agora elegan-
te, de chapéu negro, blusa branca de
gola alta, broche na gola, luvas, colete e
casaco negros, olhando obliquamente.
Uma luz suave e impressionista acentua
a atmosfera criada pelo olhar e trajes de
Fräulein. Diferente daquela do quarto de
pensão, vemos uma mulher que olha
com uma curiosidade suspensa no olhar.
Os últimos acordes da música encerram-
se sobre sua figura.
CORTE
Em plano geral e câmera alta, vemos
um carro parado em frente ao portão de
ferro, ouvimos o ruído do motor, indi-
cando o carro ligado, malas sobre o capô,
um empregado vindo apressado abrir o
portão. Sem que soubéssemos vimos
todo o giro em torno da mansão da cena
anterior, da perspectiva de Fräulein que,
de dentro do carro, observava o lugar
para onde estava indo. Será o seu olhar,
o seu ponto de vista, a sua subjetividade
que nos guiará até o final do filme. Sua
presença ativa orientará o desvenda-
mento dos outros personagens e o
surgimento da atmosfera sócio-cultural
em que vivem. E se a primeira cena em
que Fräulein faz o acordo de trabalho
com Souza Costa nos mostra a mulher
dividida entre o homem-da-vida e o ho-
mem-do-sonho — alemão — como faz o
romance, essa Fräulein de chapéu ne-
gro irá, no decorrer do filme, muito por
causa da música que a tematiza, recor-
8 �A figura humana é enquadrada de meio busto para cima.� Em A . Costa, Compreender o Cinema, p. 181.
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33BOLETIM � PGM 3 - CINEMA E LITERATURA
D I Á L O G O S
CINEMA E ESCOLA
tando-se aos nossos olhos mais como
mulher-do-sonho, já delineada pelo
olhar da mulher que se encosta na por-
ta, quando Souza Costa sai, pela esco-
lha de seus trajes e seu jeito de olhar,
quando se apresenta na casa.
Uma mulher-imagem, mulher-som,
mulher-luz, irá se recortando ao espec-
tador. Quase uma realidade onírica. Ci-
nema. Mais audiovisual do que escrita.
Justa aos movimentos da criação cine-
matográfica. Fato revelador de que, em-
bora literatura e cinema construam sin-
taxes transitivas, cada linguagem sem-
pre traçará suas específicas rotas de cria-
ção artística.
Se o cinema está impregnado da li-
teratura, a literatura moderna sorve os
ritmos e modos do fazer cinematográfi-
co. Linguagens convergentes, cinema e
literatura são linguagens do nosso viver
urbano, contemporâneo, que se fixam em
nossa memória e nos educam cotidiana-
mente.
Obviamente, a arte literária narrati-
va com séculos de elaboração estilística,
constitui-se em uma referência ao ci-
nema. Interessante é notar o caminho
inverso: a estética do cinema, aos pou-
cos, invadindo e interagindo com a esté-
tica literária. Pasolini, autor de obras li-
terárias e cinematográficas, reconhece
em sua literatura, o modo de criação do
cinema: Minha paixão pelo cinema está
intimamente ligada à minha formação,
a tal ponto que, quando releio hoje cer-
tas obras literárias minhas, produzidas
bem antes de meu primeiro filme, elas
me parecem ter sido escritas com a des-
crição dos travellings, seqüências etc.
É preciso repetir que essas duas lin-
guagens da arte influenciam-se mutua-
mente e participam da educação do ho-
mem contemporâneo. Educação que se
processa de forma espontânea, natural
ou formalizada nas instituições educa-
cionais.
Educação espontânea, pois a litera-
tura e o cinema estão ao alcance de quem
estiver interessado em ler um livro ou
assistir a um filme dentro de casa ou nos
lugares que se freqüentam diariamente.
Um garoto de sete anos sabe ler um filme
através de sua montagem, nos diz
Marguerite. Duras. E se o livro supõe um
acesso a ele para que nos tornemos lei-
tores, o cinema requer uma prática para
que nos tornemos espectadores.
Educação formal, quando essas lin-
guagens, migradas para as instituições
educacionais, passam pelo crivo de uma
equipe ou de um professor que planeja
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34BOLETIM � PGM 3 - CINEMA E LITERATURA
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CINEMA E ESCOLA
uma metodologia de abordagem tanto a
um livro programado para leitura, quan-
to a um filme.
Walter Benjamin, já em 1931, diz
em sua Pequena História da Fotografia
que o analfabeto do futuro não será
aquele que não sabe escrever, e sim quem
não sabe fotografar, pois sejamos de di-
reita ou de esquerda, temos de nos habi-
tuar a ser vistos. Temos de nos educar a
ver os outros, em close-up, em plano ge-
ral, em câmera lenta e em tantas outras
técnicas de captação das imagens. Te-
mos de nos educar a ver a realidade
construída e mediada pelas tecnologias
de reprodução das imagens e dos sons.
Uma realidade montada de forma nada
inocente dentro dos estúdios do cinema
e da televisão.
Se a Escola já carrega uma tradição
de alfabetização da linguagem literária,
tem, agora, o desafio de alfabetizar-se e
alfabetizar na linguagem das imagens e
sons em movimento. Aprender a vê-las
demoradamente, quadro a quadro,
interagindo com sua sintaxe. Se nós
olhamos as imagens, elas também nos
observam e nos perguntam: “Trouxeste
a chave?”.
E, quando a Escola realiza um tra-
balho, conjugando harmoniosamente
a linguagem literária com as imagens
e sons em movimento do cinema, é o
aluno/leitor/espectador quem ganha.
Tanto o leitor-espectador de literatu-
ra poderá ver iluminadas e animadas
as cenas e imagens descritas no texto
escrito, quanto o espectador-leitor de
cinema poderá imaginar em palavras
as imagens e sons materializados na
tela.
Referências biblio-filmográficas:
Andrade, Mário de. Amar, Verbo Intransitivo,
BH/RJ, Villa Rica, 1995.
Costa, Antonio. Compreender o Cinema,
coleção dirigida por Umberto Eco, 2ª
ed., SP , Globo, 1989.
Comparato, Doc. Da Criação ao Roteiro, Lis-
boa, Editora Pergaminho, 1993.
Lição de Amor, direção de Eduardo
Escorel, baseado na obra de
Mário de Andrade, Amar, Verbo
Intransitivo, Brasil, 1976.
Xavier, Ismail (org.). A Experiência do Ci-
nema, Rio de Janeiro, Edições Graal:
Embrafilme, 1983.
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35BOLETIM
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PGM 4 � CINEMA NA ESCOLA
CINEMA NA ESCOLA: A VOCAÇÃO EDUCATIVA DOS FILMES
MARIALVA MONTEIRO1
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“O ideal é que o cinema e o rádio fossem, no Brasil, escolas
dos que não têm escolas.”
(Roquette Pinto, 1936)
“A nossa televisão tem 50 anos de existência. Nesse tempo,
ela poderia ter alfabetizado todo o nosso povo, contado a nossa
história, criando um sentimento de nacionalidade.”
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
(Fernando Barbosa Lima, 2002)
Para se esboçar a história do Cinema
Educativo entre nós, é importante
remetermo-nos à Lei nº 378, que cria o
Instituto Nacional de Cinema Educativo,
que refere, na Seção III – Dos serviços re-
lativos à educação – item 2) Instituições
de educação escolar - Art. 40: “Fica creado
o Instituto Nacional de Cinema Educativo,
destinado a promover e orientar a utili-
zação da cinematographia, especialmen-
te como processo auxiliar do ensino, e
ainda como meio de educação popular em
geral”. Assinavam a lei o então Presiden-
te Getúlio Vargas e o Ministro da Educa-
ção e Saúde Gustavo Capanema, na data
de 13 de janeiro de 1937.
Neste mesmo ato, ficou “o Poder Exe-
cutivo autorizado a despender, no exer-
cício de 1937, com despesas de material
necessário ao Instituto Nacional de Ci-
nema Educativo a importância de qua-
trocentos mil reis (400:000$)”. É curioso
observar que, neste mesmo ano, a mes-
ma lei destinava às “despesas necessári-
as ao desenvolvimento do theatro nacio-
nal a quantia de seiscentos mil reis”!
No Brasil, o início do emprego do ci-
nema no ensino e na pesquisa científica
1 Coordenadora do Cineduc e do Projeto �A escola vai ao cinema�.
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36BOLETIM � PGM 4- CINEMA NA ESCOLA
D I Á L O G O S
CINEMA E ESCOLA
pode ser datado de 1910, quando foi cri-
ada a Filmoteca do Museu Nacional. Em
1912, o professor Roquette Pinto trazia,
da atual Rondônia, os primeiros filmes
dos índios nambiquara. A partir de en-
tão, o cinema educativo começou a apa-
recer em diversos pontos do país.
Em 1933, foi criada, no então Distri-
to Federal, a Biblioteca Central de Edu-
cação, com uma Divisão de Cinema
Educativo, para fornecer filmes às esco-
las públicas do Rio de Janeiro.
É bom lembrar que a criação do
INCE, oficializada através da lei citada
anteriormente, deve-se à figura de
Roquette Pinto, que levou ao Ministério
de Educação e Saúde a exposição de
motivos para a criação do referido insti-
tuto, aprovada em 10 de março de 1936.
Competia ao INCE editar filmes
educativos populares (standard, 35mm)
e escolares (substandard, 16mm). Pará-
grafo único: Para desempenhar sua fi-
nalidade, o Instituto manterá uma
filmoteca; divulgará os filmes de sua pro-
priedade, cedendo-os por empréstimo ou
por troca às instituições culturais e de
ensino, oficiais e particulares, nacionais
e estrangeiras.
Como seu primeiro diretor, Roquette
Pinto dotou o INCE de uma filmoteca vol-
tada para a preservação dos filmes bra-
sileiros, e que já continha em seu acer-
vo, no ano de 1943, 587 filmes em 16 e
35mm em permanente contato com es-
colas (232 escolas registradas). Contan-
do com a colaboração do Instituto Nacio-
nal de Estudos Pedagógicos e das Se-
cretarias de Educação dos estados, um
prêmio, sugerido pelo diretor do INCE e
instituído pelo Ministro de Educação,
doava quatro filmes a toda escola que
possuísse um projetor sonoro de 16mm.
Foi Roquette Pinto que escolheu
Humberto Mauro para chefiar a seção
técnica do INCE. Nessa função,
Humberto Mauro realizou 230
documentários de curta-metragem.
Em 1966, criou-se o Instituto Nacio-
nal de Cinema – INC - que absorveu as
atribuições do INCE. Dentro do INC, ha-
via o Departamento do Filme Educativo
que, nos seus dez anos de existência,
apresentou algumas modificações. Nes-
sa época, foi instituída a compra de di-
reitos de contratipagem de produções in-
dependentes (20 filmes por ano), o que
dava ao INC o direito à distribuição de
várias cópias no circuito não comercial
de escolas e demais entidades.
Após a fusão do INC com a
Embrafilme, em 8 de fevereiro de 1976,
o cinema educativo ficou a cargo do De-
partamento de Filme Cultural – DFC -,
subordinado à Diretoria de Operações
não-Comerciais. Em 1978, o DFC pos-
suía um total de 721 títulos, tendo, às
vezes, até 5 cópias de cada um. De ja-
neiro a maio de 1978, o número de aten-
dimentos foi de 980, com 2.257 cópias
emprestadas.
Em 1990, o quadro que se apresen-
tava era bem diferente. Os custos para
produção, copiagem e distribuição pas-
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37BOLETIM � PGM 4- CINEMA NA ESCOLA
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CINEMA E ESCOLA
saram a ser alarmantes, o que fez mu-
dar os rumos da Diretoria de Operações
Comerciais da Embrafilme.
Paulatinamente, foram sendo
abolidas as exibições gratuitas, perma-
necendo apenas em casos de projetos
específicos pagos pelo agente patrocina-
dor do evento. O realizador passa a ser
o proprietário do seu filme, e a Embra-
filme a se ressarcir do investimento na
produção pela retenção prioritária das
rendas do filme.
Com a extinção da Embrafilme no
governo do então presidente Fernando
Collor de Mello, a produção de filmes, que
até então tinha um grande apoio do go-
verno, foi praticamente inviabilizada. A lei
de obrigatoriedade de projeção de um
curta-metragem antes do longa no cine-
ma deixa de existir, o que faz diminuir a
produção também daquele formato.
Entrei na Embrafilme em 1980, e
comecei a trabalhar na Assessoria Edu-
cacional ligada ao Departamento de As-
suntos Culturais. Desde 1970, já traba-
lhava no CINEDUC - Cinema e Educa-
ção - de onde me desliguei por não po-
der acumular as duas funções. O traba-
lho com as filmotecas regionais da
Embrafilme “fez a minha cabeça”. A
Embrafilme doou para vários estados um
acervo de filmes 16mm, formando
filmotecas regionais em universidades,
centros culturais etc. Para aproveitar a
minha experiência do CINEDUC, come-
cei a viajar para formar animadores cul-
turais nestes locais, levando-lhes técni-
cas e alguns elementos que os ajudas-
sem a utilizar os filmes recebidos. Os
filmes poderiam, então, ser usados para
discutir a realidade de suas regiões e os
problemas que os temas dos filmes sus-
citassem para um trabalho educacional
e cultural. Por outro lado, quando esta-
va no Rio, atendia às escolas que nos
procuravam para programar filmes liga-
dos a temas curriculares. Todos os em-
préstimos eram gratuitos. Cheguei a or-
ganizar um catálogo pedagógico com os
110 títulos mais adequados às temáticas
solicitadas. No mês de setembro, por
exemplo, sempre apareciam professo-
res querendo programar algo para o dia
7 - dia da Independência do Brasil. Tí-
nhamos apenas o episódio do filme In-
dependência ou Morte de Carlos
Coimbra, com Gloria Meneses e Tarcísio
Meira, considerado fraco pela crítica es-
pecializada. Era preciso “quebrar a ca-
beça” para descobrir outros filmes que
pudessem se adequar ao assunto. Pas-
sei a sugerir Mão Mãe, um desenho ani-
mado de Marcos Magalhães. O filme
mostra uma mão imensa diante de um
jovem que deve obedecer-lhe. Ela vai se
transformando: ora é a mão da autori-
dade paterna, ora é a da religião, ora é a
do Exército. Em resumo, o filme falava
de vários tipos de poder e de liberdade e
independência. Os professores ficaram
satisfeitos.
Foi aí que comecei a entender que
os filmes de ficção também poderiam ser
úteis e educativos, tanto quanto os “fil-
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38BOLETIM � PGM 4- CINEMA NA ESCOLA
D I Á L O G O S
CINEMA E ESCOLA
mes educativos”, no sentido didático e
educacional.
Em 1990, defendi, na Fundação Ge-
tulio Vargas, a minha dissertação de
Mestrado.: “A recepção da mensagem
audiovisual pela criança”, na qual pro-
curei relatar minha experiência no
CINEDUC. Entrevistei 109 alunos de 1o
grau de escolas para pessoas de alta e
de baixa renda, pesquisando suas rea-
ções diante de dois filmes: um
documentário e um de ficção. Percebi
que a identificação com os filmes depen-
de, em grande parte, de valores indivi-
duais, da cultura, do meio, da história
de vida e das experiências e leituras dos
alunos/espectadores com os recursos
audiovisuais.
Era comum, na época em que reali-
zei a pesquisa, denominar-se “educativo”
somente o filme cuja temática se relaci-
onasse com conteúdos e habilidades
transmitidas pela escola, e era conside-
rado importante que ele tivesse inten-
ções formativas, didáticas. Era freqüen-
te, também, a utilização da nomencla-
tura de “filme educativo” para filmes
instrucionais, que objetivavam auxiliar
e/ou substituir total ou parcialmente a
função exercida pelo professor ou trei-
nador. Por tais motivos, não usei “filmes
educativos” na minha pesquisa. O filme
de ficção enfatiza a emoção. Ele conta
uma história, tem uma estrutura narra-
tiva e desenvolve uma ação.. As crianças
percebem um flash-back (volta ao pas-
sado), uma elipse, uma passagem de tem-
po mais complicada? Era isto que eu
queria pesquisar e entender.
Outra descoberta: embora a minha
preocupação se centrasse na capacida-
de de percepção da imagem, fui levada a
fazer uma comparação entre as respos-
tas dos alunos das diferentes escolas em
relação ao domínio do código lingüístico
(ou seja, da palavra).
Depois de fazer uma reflexão mais
demorada sobre o material recolhido em
todas as respostas escritas pelos alunos,
percebi que existia uma estreita relação
entre o código linguístico e o icônico. Os
padrões ambientais e educacionais po-
dem favorecer, ou não, a assimilação do
código icônico?
A questão da competência icônica ou
lingüística parece estar diretamente li-
gada às oportunidades ambientais e cul-
turais que o aluno recebe. É a educado-
ra Ana Maria Poppovic quem explica: “A
falta de diversidade e de quantidade de
simples objetos domésticos com conteúdo
de significação para a criança, aliada
à impossibilidade de um treinamento in-
dividual, impede as oportunidades de
manipulação e organização das propri-
edades visuais do meio ambiente e, as-
sim, prejudica o desenvolvimento da per-
cepção e discriminação visuais, que, por
sua vez, vão dar bases para funções –
como relacionamento figura-fundo e or-
ganização espacial – necessárias para
a aprendizagem da leitura e da escrita.”
(Ana Maria Poppovic. “Atitude e cognição
do marginalizado cultural” – Comunica-
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39BOLETIM � PGM 4- CINEMA NA ESCOLA
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CINEMA E ESCOLA
ção feita aos voluntários do Movimento
de Promoção Humana. Mimeo. São Pau-
lo, 1972).2
Em minha pesquisa, o elemento de
avaliação utilizado para as respostas dos
alunos, foi o código lingüístico. Posteri-
ormente, refletindo sobre isto, tenho
uma questão: este elemento de avalia-
ção pode ter prejudicado a pesquisa?
Verificamos, é certo, uma dificuldade em
traduzir em palavras o sentimento e a
reação diante da película. No filme
Meow, de Marcos Magalhães, essa difi-
culdade se verificou na insuficiência de
dados na descrição da roupa dos dois
donos do gato, na caracterização da gata,
na especificação do cenário onde se pas-
sa a história. No filme documentário, a
carência de informações culturais pode
ter prejudicado o reconhecimento de al-
guns animais da floresta, como a capivara
(confundida com um urso), Se, por um
lado, a pouca capacidade na utilização
do código escrito oferece uma barreira
na comunicação, as frases analisadas,
embora insuficientes em quantidade,
mostram um vocabulário rico de signifi-
cações do cotidiano das crianças. A aná-
lise das frases mostrou ainda a capaci-
dade criativa para a invenção de novas
palavras como o termo fiumista para de-
signar o cineasta. E frases elucidativas,
como a do aluno que respondeu à per-
gunta “Por que o gato vai assistir à TV?” ,
escrevendo: “para se distrair um pouco
e ver se passa a fome”.
Ao iniciar a pesquisa para a disser-
tação, imaginava o cinema e a lingua-
gem audiovisual como grandes auxilia-
res da aprendizagem pela facilidade de
absorção de sua linguagem pelos espec-
tadores, em contraposição à linguagem
escrita, que exigia um aprendizado es-
pecial.
Ao terminar a pesquisa, tive de reco-
nhecer o meu equívoco e concordar com
o professor Sergio Guimarães (1984), que
explica muito bem essa questão no livro
Sobre Educação (Diálogos), quando dia-
loga com o educador Paulo Freire sobre
a relação entre os ensinamentos da es-
cola e os dos meios de comunicação. Diz
ele: “À primeira vista, a impressão que
se tem é a de que , com relação à ima-
gem, não haveria problema nenhum,
porque, sendo parecida com o real, ela
não teria propriamente um código; a lin-
guagem visual não demandaria, de
quem fosse ler imagens, aprendizagem
nenhuma, enquanto a leitura da pala-
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2 Nesta pesquisa, Ana Maria Poppovic analisa a questão da memória, ressaltando a importância da quantidade e daqualidade de informações verbais recebidas pela criança, por parte do adulto. A autora assinala que, em geral, ascrianças das classes menos favorecidas têm um enfoque muito mais voltado para o presente, sentindo dificuldade emrelacionar seqüências passado-presente. Se isto realmente se dá, a recepção cinematográfica, que tem na memória umdos elementos facilitadores, ficará enormemente prejudicada. As questões relativas à noção de tempo são necessáriasao entendimento da montagem na construção de uma frase cinematográfica e a toda a pontuação da narrativa damensagem audiovisual.
40BOLETIM � PGM 4- CINEMA NA ESCOLA
D I Á L O G O S
CINEMA E ESCOLA
vra exigiria todo um processo de alfabe-
tização.” Em seguida, o prof. Sérgio con-
clui o contrário: que a leitura de um fil-
me ou de um programa de televisão im-
plica um necessário entendimento das
pessoas sobre a maneira como se relaci-
onam as imagens. E conclui: “Ora, não
é natural que qualquer pessoa de qual-
quer cultura entenda logo de cara a foto-
grafia aumentada do real”.
Uma alfabetização audiovisual faz-se
necessária, mas ela não pode estar afas-
tada de uma cuidadosa atenção quanto
ao contexto cultural do receptor e suas
próprias necessidades e desejos. Embo-
ra o aprendizado seja uma meta funda-
mental, é preciso ter presente que a
criança não é uma folha em branco. Ela
possui uma história de vida que deve ser
levada em conta.
Por outro lado, imagens diversas de-
vem enriquecer e colorir o imaginário da
criança. Para enfrentar o “He-Man”, a
imagem do Saci, com sua astúcia e sa-
bedoria, pode ser um bom contraponto.
Hoje, restabelecida a produção do
cinema nacional, em parte graças à Lei
de Incentivos Fiscais (Lei Rouanet, de
1991), trabalho no projeto A ESCOLA VAI
AO CINEMA, que tem me ajudado a co-
laborar com a exibição de filmes brasi-
leiros, como contraponto às exibições de
filmes americanos oferecidas pela TV.
Com isso, questões como identificação,
empatia, projeção e rejeição podem ser
agora melhor analisadas e aprofundadas
do que na época da dissertação.
A minha experiência com a assesso-
ria pedagógica ao projeto A ESCOLA VAI
AO CINEMA, desenvolvido pela Riofilme
e pelas Secretarias das Culturas e de
Educação do Município do Rio de Janei-
ro, tem me ajudado a ver a importância
do oferecimento da diversidade de ima-
gens para o aluno. O projeto só exibe
filmes brasileiros. São mais de 20 filmes
desde 1996 até agora.
Trabalhamos só com as escolas mu-
nicipais de 1ª a 8ª séries do Ensino Fun-
damental, procurando atingir a todas as
regiões. A partir do ano 2000, nos con-
centramos mais nas Zonas Norte e Oes-
te pela maior necessidade de lazer cul-
tural destas regiões.
Em muitas escolas, verificamos que
vários alunos nunca tinham ido ao cine-
ma. Isto satisfaz uma das finalidades do
projeto que é levar os alunos à sala de
cinema, oferecendo o prazer que este ato
proporciona - e não levar o filme à sala
de aula.
Os alunos estão muito mais habitu-
ados a ver televisão do que a ir ao cine-
ma. “O cinema é uma TV de 200 polega-
das.” – diz Airton, aluno da 1ª série de
uma Escola Municipal da Zona Oeste do
Rio de Janeiro.
A dinâmica do projeto pretende cri-
ar o hábito de freqüentar o cinema. Nada
substitui a sensação da sala escura. e o
poder de concentração que ela oferece
diante da imagem. Mas o referencial do
aluno continua sendo o da TV. Ele con-
funde muitas vezes o projetor cinemato-
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41BOLETIM � PGM 4- CINEMA NA ESCOLA
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CINEMA E ESCOLA
gráfico com o aparelho de TV. Ele mistu-
ra as palavras filmar com gravar. Ele
chama a filmagem de filmação e o fotó-
grafo de filmador. Ele tem dificuldade
de entender como se processa o movi-
mento no cinema, pois o máximo que
ele conhece é uma fita de vídeo que pode
ser alugado numa locadora – uma caixa
que contém uma fita toda preta, onde
não dá para ver os fotogramas como num
pedaço de filme.
Quais elementos da linguagem cine-
matográfica são melhor assimilados e
quais os que dificultam a compreensão?
Por que alguns filmes agradam mais?
É na segunda fase da dinâmica do
projeto – a ida à escola (depois da exibi-
ção do filme, a Secretaria de Educação
seleciona algumas escolas que deverão
ser visitadas pela equipe do CINEDUC) –
que tais perguntas podem ser respondi-
das, cumprindo o objetivo principal do
projeto: a formação de platéia. O conta-
to com o aluno, com suas opiniões, re-
jeições e adesões a algumas cenas dos
filmes enriquece a nossa atividade no
projeto, ajudando-nos a identificar quais
os filmes preferidos e quais os que não
são bem aceitos.
As questões relacionadas aos ele-
mentos estruturais da linguagem cine-
matográfica, como a montagem, os
enquadramentos, a fotografia, o roteiro
são explicadas neste momento a partir
das cenas do filme visto. No diálogo es-
tabelecido com os alunos, percebe-se,
por exemplo, que uma montagem mais
elaborada, com alguns flash-back (volta
ao passado) ou elipses no tempo narra-
tivo dificultam a compreensão. Por ou-
tro lado, os atores conhecidos das tele-
novelas facilitam a identificação dos per-
sonagens e a maior adesão ao filme. As
histórias de príncipes e princesas onde
os “mocinhos” terminam ricos e felizes
são sempre bem aceitas.
O ideal é que esses resultados obti-
dos pela relação produção – recepção sir-
vam de subsídios para a escolha de no-
vos filmes a serem usados no projeto,
bem como a realização de novas produ-
ções. Uma nova política de incentivos à
indústria cinematográfica brasileira vol-
tada para o público em idade escolar se
faz necessária no sentido de ampliar o
oferecimento de opções de filmes de boa
qualidade adequados ao público infanto-
juvenil.
Bibliografia comentada
Gutierrez, Francisco. Linguagem Total, uma
pedagogia dos meios de comunicação.
São Paulo,Summus Editorial, 1978.
Comentário: este é um livro mais
antigo, porém fundamental, pois foi
Gutierrez quem primeiro entendeu
que os métodos tradicionais de ensi-
no não atendiam às formas
massificantes e atraentes oferecidas
pelos meios de comunicação.
Barbero, Jesus-Martin. Dos Meios às Me-
diações. Rio de Janeiro, Editora
UFRJ, 1997.
Comentário: Conheci os textos do
Barbero nas entrevistas que deu na
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42BOLETIM � PGM 4- CINEMA NA ESCOLA
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CINEMA E ESCOLA
revista da FASE. Finalmente chegou
seu livro ao Brasil. Ele é fundamen-
tal, porque fala das mediações, e do
receptor latino-americano. Não trata
só de comunicação, mas de antropo-
logia, sociologia, política e sociologia.
Machado, Arlindo. Máquina e Imaginário.
São Paulo, Ed. da Universidade de
São Paulo (Edusp), 1996.
Arlindo Machado fala de produção de
arte e novas tecnologias. Isto signifi-
ca uma decadência da arte? Para ele,
não. E explica: o problema é a ques-
tão da liberdade na sociedade
informatizada.
Amorim Garcia, Claudia e outros (Cole-
ção Escola de Professores). Infância,
Cinema e Sociedade. Rio de Janeiro,
Ravil, 1997.
Comentário: é um livro interessan-
te, porque reúne professores e cine-
astas. Traz o resumo de um ciclo de
debates sobre alguns filmes e ques-
tões da infância e adolescência.
Freire, Paulo e Guimarães, Sérgio. Sobre
Educação (Diálogos)- vol. 2. Rio de
Janeiro, Ed Paz e Terra, 1984.
Comentário: é um livro gostoso de ler,
porque usa a forma de diálogo. Paulo
Freire e Sergio Guimarães discutem
assuntos importantes da educação,
inclusive o uso dos meios de comu-
nicação na sala de aula.
Berger, John. Modos de ver. São Paulo,
Livraria Martins Fontes, 1987.
Comentário: gosto muito deste livro.
Li primeiro em inglês e fiquei feliz
quando apareceu traduzido no Bra-
sil. Frase que sempre repito e copio
do livro: “A vista chega antes das pala-
vras. A criança olha e vê antes de fa-
lar”. É sobre a percepção visual.
Kauamura, Lili. Novas Tecnologias e Edu-
cação. São Paulo, Ed Ática, 1990.
Comentário: é um livro pequeno (79
páginas), mas resume algumas polí-
ticas governamentais de educação
diante da indústria cultural, que na
realidade não funcionam.
Santaella, Lucia e Winfried, Nöth. Ima-
gem - Cognição, Semiótica, mídia. São
Paulo, Ed. Iluminuras, 1997.
Comentário: é um livro mais comple-
xo. Mas vale para aprofundar algu-
mas questões.
Barbosa, Ana Mae. A Imagem no ensino da
arte. São Paulo, Ed Perspectiva, 1994.
Comentário: é sempre bom ler o que
a Ana Mae escreve. Ela não trata do
cinema, mas da arte em geral. Sua
metodologia triangular para leitura
da obra de arte deve ser conhecida
por todos os professores.
Ferrés, Joan. Televisão e Educação. Porto
Alegre, Ed. Artes Médicas, !996.
___________. Vídeo e Educação. Porto Ale-
gre, Ed. Artes Médicas, 1996.
Comentário: dois livros fundamentais.
Ferrés escreve de maneira simples e
levanta questões válidas. Sugere ati-
vidades práticas para quem trabalha
com vídeo e televisão na sala de aula.
Virilio, Paul. A Máquina de Visão. Rio de
Janeiro, Ed. José Olympio, 1994.
Comentário: a “máquina de visão” é
o nosso olho ou a câmera? É disto
que trata o livro. Paul Virilio é muito
citado pelos teóricos de nossa era da
informática.
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43BOLETIM � PGM 4- CINEMA NA ESCOLA
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CINEMA E ESCOLA
Moran, José Manuel. Como ver Televisão.
Ed Paulinas, 1991.
Comentário: não é um livro teórico.
Traz alguns exercícios práticos que
podem ajudar o professor que traba-
lha com os meios de comunicação.
Azzi, Riolando. Cinema e Educação. vol 1 e
2 – Ed Paulinas, 1996.
Comentário: é uma orientação para
o uso de alguns filmes já disponíveis
em vídeo. Tem de tudo: desde filmes
bem comerciais como Alien, o oitavo
passageiro até filmes mais “cabeça”
como Lanternas Vermelhas.
Aumont, Jacques. A Imagem. Campinas,
Ed Papirus, 1993.
Comentário: o livro trata de questões
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bastante importantes, como a relação
do espectador com a imagem, como a
imagem representa o mundo real, etc
Baudrillard, Jean. Tela Total, Mito- Ironias
da Era do Virtual e da Imagem. Porto
Alegre, Ed. Sulina, 1997.
Comentário: coletânea de textos publi-
cados pelo autor em jornal sobre ques-
tões importantes ligadas ao mundo
moderno e à comunicação de massa.
Babin, Pierre. A Era da Comunicação. São
Paulo, Ed. Paulinas, 1989.
Comentário: Pierre Babin é um pa-
dre que há muito tempo mantém cur-
sos para quem se preocupa com os
meios de comunicação e valores hu-
manos.
44BOLETIM
D I Á L O G O S
CINEMA E ESCOLA
PGM 5 � ESCOLA NO CINEMA
A CONSTRUÇÃO ESTÉTICO-CULTURAL DE UM ESPAÇO
LAURA MARIA COUTINHO1
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“As primeiras lembranças da vida são lembranças visuais. A vida,
na lembrança, torna-se um filme mudo. Todos nós temos na
mente a imagem que é a primeira, ou uma das primeiras, da
nossa vida. Essa imagem é um signo, e, para sermos mais exa-
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tos, um signo lingüístico, comunica ou expressa alguma coisa2.”
Assim como a primeira imagem da
vida, a que se refere Pasolini na epígrafe
acima, cada um de nós traz consigo a
imagem da sua primeira escola ou ain-
da a primeira imagem de uma escola,
ainda que esta nem tenha sido a nossa.
O primeiro professor, ou professora –
geralmente as mulheres atuam mais
nesses anos iniciais de escolarização –,
também compõe nosso banco pessoal de
imagens escolares ou não. Os primeiros
colegas... a turma, a fotografia da turma
– quando isso fosse possível. Todas es-
sas imagens ensinam e conformam a
idéia que vamos ter dos lugares sociais
por onde transitamos. É assim com a
escola, a família, o trabalho, a cidade, os
hospitais, os hospícios, as prisões...
O que faz o cinema, então? Cria ima-
gens que são, ao mesmo tempo que as
vemos como reais, expressão de coisas e
pessoas com as quais convivemos em
nossas lembranças. E as lembranças têm
origem em muitos lugares e situações:
1 Professora da Faculdade de Educação da UnB. Consultora desta série. Participaram de uma discussão na disciplina�Imagem e educação�, de onde se originou este texto, os professores Maria Madalena Torres, Cristiane Terraza, NeusaDeconto, Paula Miranda, Mário Maciel-Marel.
2 Pasolini, Pier Paolo. �Gennariello: a linguagem pedagógica das coisas� em: Os jovens infelizes: antologia de ensaioscorsários. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 125.
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45BOLETIM � PGM 5 - ESCOLA NO CINEMA
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CINEMA E ESCOLA
nas histórias que ouvimos em casa, nas
experiências pessoais de cada um, na
televisão, nos filmes. Também por isso
gosto da idéia de que o cinema é uma
arte da memória3. As cenas que vemos
estampadas nas telas não dizem somente
daquelas personagens cuja história se
desenvolve à nossa frente, no tempo que
durar a projeção, mas remetem a todas
as outras histórias e personagens que
habitam as nossas lembranças. O cine-
ma, com alguns dos seus filmes, nos faz
até mesmo sentir saudade de lugares
aonde nunca pisamos e de pessoas com
as quais jamais estivemos. E o faz em
realidade e ficção.
No cinema, são os ambientes que
(re)-conhecemos claramente que suge-
rem ações, comportamentos, atitudes
que podem, além de nos fazer olhar para
o filme, olhar também para os lugares
onde vivemos e, igualmente, para a vida
que levamos em casa, na cidade, na es-
cola. Disse (re)-conhecemos, porque
embora possamos estar vendo os luga-
res ficcionados que o cinema apresenta,
pela primeira vez, os mecanismos de
construção da linguagem cinematográ-
fica ativam as lembranças e assim, ve-
mos as imagens na tela não somente com
o que objetivamente nos mostram, mas
também em reminiscências. Por meio da
linguagem do cinema, é possível ver tudo
o que as imagens nos sugerem. No mo-
mento da projeção, acontece sempre um
jogo entre a objetividade das imagens e
a subjetividade das lembranças de cada
um dos espectadores.
Por isso o cinema na escola pode ser
tão rico. Mais do que os conteúdos que
cada filme possa trazer, a presença do
cinema na escola pode se constituir em
momentos de reflexão que transcendam
os próprios filmes e incluam o olhar de
cada um à narrativa que o diretor pro-
pôs e nos ofereceu, em imagens e sons.
Quando vamos ao cinema, às salas es-
curas de projeção, ao final, as imagens,
as histórias, os personagens nos acom-
panham, solitárias, para além do filme,
às vezes, para sempre. Na escola, quan-
do o filme termina, é possível conversar
sobre ele e construir uma outra história
ou quantas histórias cada pessoa que viu
quiser acrescentar.
São muitas as razões que justificam
o cinema na escola. A sala de aula não é
uma sala de cinema. Talvez por isso
mesmo possa se constituir em um outro
ambiente, que não é nem um nem ou-
tro, nem a simples soma dos dois. Pode
se transformar em algo novo, tão ou mais
rico em possibilidades expressivas e re-
flexivas: os filmes, na escola, são
projetados em telas de tevê e o
videocassete proporciona outras formas
de ver. Pode-se parar o filme, voltar a fita,
ver novamente. Acontece uma outra re-
3 Ver Almeida, Milton José de. Cinema � arte da memória. Campinas: Autores Associados, 1999.
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46BOLETIM � PGM 5 - ESCOLA NO CINEMA
D I Á L O G O S
CINEMA E ESCOLA
lação com os filmes que, no cinema, uma
vez iniciados, seguem certo percurso es-
paço-temporal sem ser interrompido.
Ainda que o espectador possa levantar e
sair da sala, o filme prossegue, a menos
que falte luz. É bom lembrar, portanto,
que estamos falando de linguagens que
dependem de energia elétrica.
Professores e alunos podem utilizar
filmes por muitos motivos: para enrique-
cer o conteúdo das matérias, para intro-
duzir novas linguagens à experiência
escolar, para motivar os alunos para cer-
to tipo de aprendizagem, para o desem-
penho de determinada função, para en-
tretenimento. Não que o cinema chegue
na escola sem conflitos. Talvez o cinema
na escola deva mesmo se constituir em
oportunidades para a explicitação dos
conflitos com os quais a escola e a edu-
cação têm de lidar.
Milton José de Almeida diz que “o
filme é produzido dentro de um projeto
artístico, cultural e de mercado – um
objeto da cultura para ser consumido
dentro da liberdade maior ou menor do
mercado. Porém, quando é apresentado
na escola, a primeira pergunta que se
faz é: ‘adequado para que série, que dis-
ciplina, que idade etc.?’ Às vezes ouvi-
mos dizer que um filme não pode ser
passado para a 6ª série, por exemplo, e
no entanto ele é assistido em casa pelo
alunos, juntamente com seus pais.(...)
[A escola] está presa àquela pergunta
sobre a adequação, à idéia de fases, ao
currículo, ao programa. Parece que a es-
cola está em constante desatualização,
que é sublinhada pela separação entre
a cultura e a educação. A cultura locali-
zada num saber-fazer e a escola num
saber-usar, e nesse saber-usar restrito
desqualifica-se o educador, que vai ser
sempre um instrumentista desatualiza-
do.”4 Entendo a provocação proposta por
Milton Almeida como um desafio a to-
dos os educadores que estão nas esco-
las e encontram nos filmes e na lingua-
gem cinematográfica uma forma de ver
o mundo em seus múltiplos cenários.
Um dos múltiplos cenários que o ci-
nema contempla é a própria escola. Inú-
meros filmes tratam dela. Assim, direta ou
indiretamente, os filmes nos ajudam a
construir nossa imagem de escola, de pro-
fessores, de alunos e, até mesmo, da for-
ma como a educação escolarizada se inse-
re ou deve se inserir na sociedade. Convi-
do, então, a uma breve reflexão sobre como
a escola é vista pelo cinema, ou como al-
guns filmes tratam as relações que ocor-
rem nesse espaço social. Os personagens
que por ali transitam, os papéis que de-
sempenham, as tramas, os desafios, os
conflitos. Penso que a filmografia que tem
a escola como cenário principal da narra-
tiva não é tão extensa quanto a que tem
como cenário as prisões, por exemplo. Tal-
4 Almeida, Milton José de. Imagens e sons: a nova cultura oral. São Paulo: Cortez, 1994, p.8.
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47BOLETIM � PGM 5 - ESCOLA NO CINEMA
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CINEMA E ESCOLA
vez porque para haver um filme é preciso
algum tipo de conflito e os conflitos, nas
prisões, são mais evidentes do que nas
escolas, têm mais impacto visual. É bom
lembrar que estamos falando de filmes de
ficção e não de documentários.
Os campeões de audiência, ou os
sucessos de bilheteria, nas escolas, são
os filmes que tratam de situações esco-
lares-educacionais, ou de outras que
acontecem dentro delas, ou, ainda, que
têm as escolas como referência, pano de
fundo. Penso que o que professores e
alunos buscam, ao levar esses filmes
para a escola, são as situações exempla-
res que o cinema tão bem retrata. Não
quero aqui restringir o que chamo de
exemplar, a simples exemplo a ser se-
guido. Talvez fosse melhor dizer mode-
lar, como alguma coisa que pode confor-
mar a nossa imaginação e a nossa me-
mória e, até mesmo, a nossa maneira de
perceber o mundo e a sociedade que nos
cerca. Encontrei em muitos escritos, fil-
mes, programas de tevê, uma idéia so-
bre isso e que pode ser traduzida mais
ou menos assim: toda imaginação é uma
espécie de memória5.
Assim retorno ao que já expus no
início do texto: a linguagem cinemato-
gráfica, os filmes que vemos – na escola
ou fora dela –, as situações que imagi-
namos depois dos filmes, irão compor,
em estética e magia, a memória de cada
um. A idéia que cada um de nós tem de
escola transita, em realidade e ficção,
pelas imagens reais das escolas onde
estivemos e imagens ficcionais que co-
nhecemos através do cinema, da televi-
são. Recorremos às nossas lembranças,
sejam elas boas ou ruins, sempre que
queremos imaginar, projetar, criar algu-
ma coisa nova. Ensinar e aprender são
atos de criação; recorrer aos filmes pode
ser apenas parte desse esforço criativo.
O mundo visto pelo cinema tem ma-
tizes próprios, embora os filmes retra-
tem a vida como ela é, cheia de contra-
dições, as histórias apontam para a
transformação, a mudança. Talvez por-
que a escola seja mesmo um ambiente
propício às mudanças ou porque o filme
não se concretizaria sem que cumprisse
a sua estrutura narrativa: apresentação,
desenvolvimento, conflito, clímax, desen-
lace. “A narrativa parece ser o modo mais
simples e eficaz de nosso conhecimen-
to, o modo pelo qual apresentamos o
mundo e os homens de forma que, por
um momento, sejam inteligíveis para nós
mesmos. Conhecer pode ser apenas isto:
contar uma história onde o espaço e o
tempo do mundo se conjugam na suces-
são linear dos acontecimentos.”6
5 Esta frase encontrei no livro de Shirley Maclaine, (Dançando na luz, Rio de Janeiro: Record, 1987, p. 37.) que, talveznão por acaso, é atriz e roteirista, embora esse livro não trate de cinema.
6 Lázaro, André. Cultura e emoção: sentimento, sonho e realidade. In: Rocha, Everardo. (org.) Cultura & Imaginário. Riode Janeiro: Maud, 1998, p.151.
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48BOLETIM � PGM 5 - ESCOLA NO CINEMA
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CINEMA E ESCOLA
Muitas das escolas que conhecemos
nos filmes trazem a marca da sociedade
americana. Somos alfabetizados
audiovisualmente pelo cinema feito nos
Estados Unidos. Gosto da idéia de que o
cinema americano é o maior do mundo
porque retrata uma sociedade que acre-
dita no milagre. Talvez por isso mesmo
tenha se apropriado, como nenhuma
outra, da linguagem cinematográfica e
feito dela uma de suas mais poderosas
indústrias. Pequenos milagres se reali-
zam a cada filme. Como a redenção da
escola pobre, de bairro mais pobre ain-
da, no filme “Meu mestre, minha vida”
do diretor John G. Avildsen. Lá os alu-
nos estavam reféns de traficantes, vân-
dalos e toda sorte de bandidos e, pela
intervenção de um novo diretor com mé-
todos nada convencionais de ensinar e
administrar uma instituição escolar, con-
seguem vencer o exame estadual em tem-
po recorde.
Lembro que este filme deixa claro o
fato de basear-se em uma história real.
Uma vez mais realidade e ficção se fun-
dem para realizar o milagre de uma so-
ciedade estratificada, hierarquizada,
legalista, centrada no esforço individual
e na vida comunitária, qual seja, formar
vencedores. E o que é ser um vencedor?
A resposta a essa pergunta podemos
encontrar em quase todas a imagens do
filme, mas sobretudo num dos discur-
sos do diretor a seus alunos: precisamos
mudar esta escola, pois vocês estão mui-
to longe do sonho americano que vemos
na tevê. Mas uma vez vemos as narrati-
vas audiovisuais – do cinema e da televi-
são – constituindo a vida de uma nação,
ou pelo menos o seu imaginário.
São muitas as histórias que envol-
vem a escola que o cinema retrata, pos-
so citar algumas: A corrente do bem; Mr.
Holland, adorável professor; Conrak;
Sociedade dos poetas mortos, Perfume
de mulher (EUA), Adeus, meninos (Fran-
ça). Assistimos a histórias completa-
mente possíveis, não há nelas nenhum
efeito especial de linguagem. Os pro-
fessores sobretudo, os diretores, os alu-
nos, pais cumprem a sua função e seu
papel. Ora estão mais próximos do he-
rói redentor, ora do bandido mais pro-
saico. A magia do cinema ali, é o pró-
prio cinema, com a sua linguagem que
se expressa por meio da realidade, mes-
mo sendo ficção. Procurando os filmes
brasileiros que passam em escola, en-
contrei poucos. É bom lembrar que a
nossa filmografia não é mesmo muito
extensa por muitos motivos que não ca-
bem neste escrito. E escrevendo este
texto fiquei pensando que, talvez, dife-
rente dos americanos, sejamos um povo
que não acredita no milagre, mas na
vida como ela é. Talvez por isso não es-
tejamos cuidando o bastante do nosso
ensino público e tenhamos deixado o
cinema para os americanos e para al-
guns poucos obstinados conterrâneos
que, além de acreditar no milagre do
cinema, acreditam também neste país.
Para encerrar esta nossa reflexão,
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CINEMA E ESCOLA
recorro a Jean-Claude Carrière7 quan-
do diz que a nação que não produzir suas
próprias imagens está fadada a desapa-
recer. Por isso penso no cinema que vem
de países que se dão a conhecer por seus
filmes de forma completamente diversa
da que vemos nos noticiários da tevê. A
tevê nos revela imagens construídas por
um olhar estrangeiro. Os filmes por um
olhar próprio. São assim os filmes Os fi-
lhos do paraíso e Gabet; ambos tratam
com delicadeza e poesia situações esco-
lares. Muito diferentes do que vemos no
cinema americano, embora a educação
para todos os povos se constitua em um
processo de transformação. Talvez não
seja exagero dizer, e se o for, deixo como
forma de provocar o debate, que a nação
que não recorrer às suas próprias ima-
gens para educar suas crianças e seus
jovens estará fadada a desaparecer du-
plamente. Mas como lembra Manoel de
Barros, “o mundo não foi feito em alfa-
beto” e também não em linguagens
audiovisuais. Talvez possamos reunir to-
das as linguagens e construir, como ain-
da diz o poeta “uma didática da inven-
ção”8.
Bibliografia
Coutinho, Evaldo. A imagem autônoma: en-
saio de teoria do cinema. Recife: UFP/
Editora Universitária, 1972.
Lebel, Jean-Patrik. Cinema e ideologia. São
Paulo: Mandacaru, 1989.
Lugar Comum – Estudos de mídia, cultu-
ra e democracia. Núcleo de Estudos
e Projetos em Comunicação da Esco-
la de Comunicação da UFRJ, nº 9-10
set. 1999 abr. 2000.
Miguel, Antonio e Zamboni, Ernesta (org.)
Representações do espaço:
multidisciplinaridade na educação.
Campinas: Autores Associados, 1996.
Rocha, Everardo. (org.) Cultura & Imaginá-
rio: interpretação de filmes e pesquisa
de idéias. Rio de Janeiro: Mauad,
1998.
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7 Roteirista e escritor. Presidente da FEMIS, escola francesa de cinema, autor do livro A linguagem secreta do cinema. Riode Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
8 O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Record, 1998.
50BOLETIM
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CINEMA E ESCOLA
Presidente da RepúblicaFernando Henrique Cardoso
Ministro da EducaçãoPaulo Renato Souza
Secretário de Educação a DistânciaPedro Paulo Poppovic
e.mail: salto@tvebrasil.com.brJunho de 2002
Home page: www.tvebrasil.com.br/salto
MECSecretaria de Educação a Distância
Programa TV Escola – Salto para o Futuro
Diretora do Departamento dePolítica de Educação a DistânciaCarmen Moreira de Castro Neves
Coordenadora-Geral dePlanejamento eDesenvolvimento de Educação aDistânciaTânia Maria Magalhães Castro
Diretor de Produção eDivulgaçãode Programas EducativosAntonio Augusto Silva
Coordenadora-Geral de MaterialDidático-PedagógicoVera Maria Arantes
Supervisora PedagógicaRosa Helena Mendonça
Coordenadoras de Utilização eAvaliaçãoMônica Mufarrej e Leila AttaAbrahão
Copidesque e RevisãoMagda Frediani Martins
Programadora VisualNorma Massa
Consultoria PedagógicaLaura Maria Coutinho
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