biografia rosa elfi kurten
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7/25/2019 Biografia Rosa Elfi Kurten
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Poder Judicirio do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Cmara Cvel
Apelao Cvel n 0180270-36.2008.8.19.0001
Secretaria da Segunda Cmara CvelRua Dom Manuel, 37, 5 andar Sala 513 Lmina III
Centro Rio de Janeiro/RJ CEP 20020-000Tel.: + 55 21 3133-6002 E-mail: 02cciv@tjrj.jus.br
Tmp950F.doc
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Apelantes: VViillmmaaGGuuiimmaarreessRRoossaaeeEEddiittoorraaNNoovvaaFFrroonntteeiirraaSS//AAApelada: LLGGEEEEddiittoorraaLLttddaa..Relatora: DDeess..EElliissaabbeetteeFFiilliizzzzoollaa
A C R D O
APELAO. DIREITO AUTORAL. ALEGADO EXCESSO DE
CITAES
DESAUTORIZADAS
A OBRA DE TERCEIRO.
CARTER COMPROVADAMENTE ACESSRIO: LICITUDE.
LEI 9.610/98. INTELIGNCIA. VIOLAO DE DIREITO
AUTORAL: INOCORRNCIA. CIVIL. CONSTITUCIONAL.
BIOGRAFIA NO AUTORIZADA: JOO GUIMARES
ROSA. LICEIDADE. BALIZAS DOUTRINRIAS. DANOS
IMAGEM DO BIOGRAFADO: MANIFESTA INEXISTNCIA.
PECULIARIDADE A LATERE: VIDA PRIVADA
INTOCADA. VAZIA INTENO DE CALAR MERAS
OPINIES, SEQUER DIFAMATRIAS, COM O NTIDO FIM
DE MONOPOLIZ-LAS. LIBERDADES DE EXPRESSO E
DE PENSAMENTO. IMPROCEDNCIA DO PEDIDO.
I)DIREITO AUTORAL. DANOS PATRIMONIAIS. SUPOSTOEXCESSO DE CITAES LEGTIMASA OBRA DA FILHADE GUIMARES ROSA. INOCORRNCIA. Conquantodependa de autorizao prvia e expressa do autor autilizao da obra, por quaisquer modalidades, taiscomo a reproduo parcial ou integral (art. 29, I, Lei9.610/98), certo que no constitui ofensa aosdireitos autorais a citao em livros de passagens dequalquer obra, para fins de estudo, crtica oupolmica, na medida justificada para o fim a atingir,indicando-se o nome do autor e a origem da obra(art. 46, III), bem como a reproduo, em quaisquerobras, de pequenos trechos de obras preexistentes, dequalquer natureza sempre que a reproduo em si noseja o objetivo principal da obra nova e que no
prejudique a explorao normal da obra reproduzidanem cause um prejuzo injustificado aos legtimosinteresses dos autores (art. 46, VIII), hipteses quebem contemplam o caso dos autos. Laudo pericialcategrico em atestar o ntido cunho acessrio e,portanto, lcito das citaes realizadas, ao assinalarque a obra de Alaor Barbosa, Sinfonia Minas Gerais,se sustenta e til ao conhecimento da vida dobiografado e tambm como obra literria mesmo semas referncias obra de Vilma Guimares Rosa.II) DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. DANOS MORAIS.BIOGRAFIA NO AUTORIZADA. ABALO IMAGEM DOBIOGRAFADO. FLAGRANTE INEXISTNCIA. O candente
debate nacional acerca das biografias noautorizadas, que, na atual conjuntura, se projeta assim
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LISABETE FILIZZOLA ASSUNCAO:000006320 Assinado em 08/10/2014 18:21:54Local: GAB. DES(A). ELISABETE FILIZZOLA ASSUNCAO
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sobre o plano legiferante como sobre o mbitojurisdicional de controle de constitucionalidade denormas, no abrange, propriamente, o peculiar casodos autos, em que, alm de a obra chegar a sercriticada pelo excessivo cunho laudatrio pessoa deJoo Guimares Rosa, sequer desce a aspectosdelicados, polmicos, com nfase na vida pessoal entima do biografado, o que, a rigor, constitui a maiordificuldade em matria de ponderao entre asliberdades de expresso e de pensamento e aproteo imagem e intimidade do biografado.III) Espcie em que a irresignao da herdeira do
renomado escritor, ao lado da editora com a qual temcontrato de edio, se limita ao teor de parcas emeras opinies externadas pelo bigrafo a respeito davida literria sequer pessoal do biografado, nocombatendo nem mesmo a veracidade de qualquerfato veiculado na obra impugnada. Percepo pessoaldo escritor cuja exteriorizao, a toda evidncia, nopode ser tolhida, mxime por no encerrar aimputao de nenhum fato inverdico oupotencialmente desonroso ao objeto de sua obra.IV)Pretenso que no esconde a real tese advogada,com fincas na faceta interpretativa mais claramenteinconstitucional do art. 20 do Cdigo Civil: a
necessidade de autorizao prvia para se abordartodo e qualquer aspecto a respeito da vida de algum,independentemente at do teor da abordagem. Desejode pura e simples filtragem preliminar de contedoque, claramente, no se coaduna com as liberdadesde expresso e de pensamento constitucionalmenteasseguradas, constituindo indisfarvel censuraprivada.V)H incongruncia lgica, teleolgica, dogmtica esistemtica entre as liberdades de expresso e depensamento e a escolha de fatos a serem admitidosem obras biogrficas. A ponderao prvia e inabstracto entre o direito fundamental informao eas liberdades de expresso e de pensamento, de umlado, e, de outro, a proteo imagem, honra,privacidade e intimidade do biografado no podeimportar em sacrifcio das primeiras, sob pena de seconsagrar censura privada e a extino do gnerobiografia. Doutrinacontempornea.VI) De mais a mais, a proteo imagem deve serponderada com outros interesses constitucionalmentetutelados, especialmente em face do direito de amploacesso informao e da liberdade de imprensa. Emcaso de coliso, levar-se- em conta a notoriedade doretratado e dos fatos abordados, bem como a
veracidade destes e, ainda, as caractersticas de suautilizao (comercial, informativa e biogrfica),privilegiando-se medidas que no restrinjam a
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Em seu trabalho, ALAOR BARBOSA, alm de tecer consideraes
sobre o contato pessoal que tivera com o renomado escritor aprofundando,
cronologicamente, a vida literria deste , procedeu a diversas citaes da obra
intitulada Relembramentos: Joo Guimares Rosa, meu pai, de autoria de VILMA
GUIMARES ROSA, primeira autora e filha do renomado escritor, publicada
inicialmente em 1983 e em vias de ser relanada pela EDITORANOVA FRONTEIRA
quando do ajuizamento da presente demanda.
Esta, basicamente, a dinmica dos fatos, perquirindo as autoras
indenizao por danos materiais e morais, bem assim a suspenso da
comercializao da obra impugnada, o que fora deferido em sede de tutela
antecipada (fls. 228/235 e-JUD originais 209/216).
A despeito, porm, de versarem os autos acerca de candente
debate tocante s biografias no autorizadas, sobre o que pende inclusive aodireta para questionar a constitucionalidade de dispositivos do direito privado, a
questo aqui posta, a rigor, no guarda a mesma complexidade que
emblemticos e rumorosos precedentes usualmente citados neste campo caso
Garrincha, caso Roberto Carlos, caso vedete Luz del Fuego, v.g.
Em casos tais, discutiram-se os limites da liberdade de expresso
luz dos eventuais excessos cometidos, porque se levantavam, sobretudo,
questes delicadas, polmicas, com grande nfase na vida pessoal e ntima dos
biografados, muitas vezes com aspectos incmodos aos prprios ou aos
familiares, qui desabonadores, por exporem fatos socialmente tidos como
pouco nobres relacionados conduta daqueles; avultou, pois, o debate sobre a
importncia da tutela davida privada.
E nesse ponto, a meu sentir, em que reside a grande dificuldade
em tema de biografias no autorizadas, no que diz com o cotejo e com a
ponderao das garantias fundamentais constitucionaisenvolvidas.
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Aqui, no.
Como se analisar, a biografia impugnada , em sua essncia,
extremamente encomistica figura do biografado.
Demasiadamente elogiosa, chegou a censurar a crtica
especializada, referida, inclusive, em alguns artigos jornalsticos (cf. fls. 206 e-JUD
originais 190):
Triste. Alaor no cometeu crime algum. O que ele fez foiexaltar, com mritos, a figura e o talento de GuimaresRosa, a ponto de ser criticado por alguns especialistas porter feito um livro que s contm elogios.
A editora-r reproduz uma dessas crticas atribuda a Fbio Silvestre, em
artigo publicado no jornal Rascunho de Curitiba a tal biografia exageradamentelaudatria (fls. 167 e-JUD originais 151):
PERDIDO EM ELOGIOS
Entende-se, pela leitura, que Alaor Barbosa teveinteressante contato com Guimares Rosa. Logo nasprimeiras pginas, o autor faz questo de ressaltar algunsdetalhes desse convvio com o escritor mineiro, partindo,principalmente, de certa afinidade intelectual at cpiade uma carta de Guimares Rosa para Alaor Barbosa estpresente no livro. Nada disso, no entanto, capaz de
esconder o tom quase oficial, chapa-branca, de louvor ehonras personagem de Joo Guimares Rosa. Chama aateno a quantidade de elogios que o bigrafo despejaem pouco mais de 350 pginas de texto - sendo que orestante das pginas traz um bom ndice onomstico, almda bibliografia (consistente, diga-se) de apoio utilizada. otexto, porm, que corrompe as boas intenes de AlaorBarbosa. Que fique claro, contudo: no se pretende aquidesmerecer a qualidade da prosa do autor. Antes, trata-sede observar de que forma a inegvel afeio do bigrafopelo biografado impossibilitou a Alaor Barbosa odistanciamento minimamente necessrio para que o textono tivesse uma carga demasiadamente pesada demenes elogiosas ao escritor e ao homem Guimares
Rosa. Em sntese, o autor optou por uma obra carente de
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aspectos contraditrios acerca do biografado como seefetivamente tais contradies no existissem.(g.n.)
Organizando-se, de logo, as ideias, note-se que est a demanda
fundada em dois pilares fundamentais: i)o alegado excesso de citaesda obra
da primeira demandante, o que traria danos patrimoniais a ambas as autoras; e
ii) a imputao de opinies supostamente equivocadas ao biografado,
deturpando-lhe a imagem, a ensejar danos morais primeira demandante.
Avalia-se, em primeiro lugar, o fundamento mais objetivo, atinente
ao quantitativode citaesrealizadas pelo bigrafo a obra da primeira autora.
Sustentam as apelantes em que a presena de cento e trs
referncias obra da primeira demandante, no trabalho aqui discutido, causaria
prejuzo material a ambas, tanto porque ultrapassado o limite das citaes
legtimas (fls. 336 e-JUD originais 307), quanto porque a obra citada acabade ser
relanada, com pesados investimentos em divulgao, impresso e distribuio,
investimentos que so colocados em risco quando grande parte da obra
reproduzida, sem qualquer autorizao, em livro publicado por outra editora (fls.
14 e-JUD originais 14).
verdade que a Lei 9.610/1998 dispe que depende de
autorizao prvia e expressa do autor a utilizao da obra, por quaisquer
modalidades, tais como a reproduo parcial ou integral (art. 29, I).
Nada obstante, a mesma lei excetua a regra, estabelecendo
diversas condies no caracterizao de violao dos direitos autorais, seno
confira-se:
Art. 46.No constitui ofensa aos direitos autorais:
I
a reproduo:
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a)na imprensa diria ou peridica, de notcia ou de artigoinformativo, publicado em dirios ou peridicos, com ameno do nome do autor, se assinados, e da publicaode onde foram transcritos;
b)em dirios ou peridicos, de discursos pronunciados emreunies pblicas de qualquer natureza;
c) de retratos, ou de outra forma de representao daimagem, feitos sob encomenda, quando realizada peloproprietrio do objeto encomendado, no havendo aoposio da pessoa neles representada ou de seusherdeiros;
d) de obras literrias, artsticas ou cientficas, para usoexclusivo de deficientes visuais, sempre que a reproduo,sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Brailleou outro procedimento em qualquer suporte para essesdestinatrios;
II - a reproduo, em um s exemplar de pequenostrechos, para uso privado do copista, desde que feita poreste, sem intuito de lucro;
III -a citao em livros, jornais, revistas ou qualquer outromeio de comunicao, de passagens de qualquer obra,
para fins de estudo, crtica ou polmica, na medida
justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do
autor e a origem da obra; (g.n.)
IV o apanhado de lies em estabelecimentos de ensinopor aqueles a quem elas se dirigem, vedada suapublicao, integral ou parcial, sem autorizao prvia eexpressa de quem as ministrou;
V a utilizao de obras literrias, artsticas ou cientficas,fonogramas e transmisso de rdio e televiso emestabelecimentos comerciais, exclusivamente parademonstrao clientela, desde que essesestabelecimentos comercializem os suportes ouequipamentos que permitam a sua utilizao;
VI
a representao teatral e a execuo musical, quandorealizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamentedidticos, nos estabelecimentos de ensino, no havendoem qualquer caso intuito de lucro;
VII a utilizao de obras literrias, artsticas ou cientficaspara produzir prova judiciria ou administrativa;
VIII a reproduo, em quaisquer obras, de pequenostrechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, oude obra integral, quando de artes plsticas, sempre que areproduo em si no seja o objetivo principal da obra
nova e que no prejudique a explorao normal da obra
reproduzida nem cause um prejuzo injustificado aos
legtimos interesses dos autores. (g.n.)
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evidncia, do tamanho total da obra e, como citado, precipuamente de seu
carter acessrioem relao obra criada.
E, mais uma vez, a percia refutou por completo a tese das
apelantes, que consideravam extrapolado o (subjetivo) limite das citaes
legtimas(cf. fls. 336 e-JUD originais 307)
No se verifica em Sinfonia Minas Gerais a utilizao demais de 10% da obra de Vilma Guimares Rosa,Relembramentos. Uma contagem dos trechos citadosrevela a existncia de aproximadamente 1.043 linhas detexto referentes obra da autora do processo, em um totalde 11.288 linhas, tambm em mdia. Isso resulta em umpercentual inferior a 9,5%. (g.n.)(fls. 288 e-JUD originais 262).
No restam dvidas, portanto, de que a obra impugnada procedeu
s adequadas referncias obra da primeira apelante, que, ostentando carter
indiscutivelmentesecundrio, estavam respaldadas pela legislao de regncia(n/t do art. 46, III), no se malferindo o citado art. 29, I.
A propsito, registre-se a improcedncia do inconformismo das
apelantes com a aluso inexistncia de plgio, propriamente dito, no
trabalho examinado (fls. 346 e-JUD originais 317).
que, como bem respondeu a perita impugnao ao seu laudo, o
termo utilizado inteiramente desinfluente ao resultado de seu trabalho, razo
pela qual reiterou a concluso do laudo sobre no ter havido violao dos
direitos autorais, editoriais e de imagem (fls. 303 e-JUD originais 274). E, de fato,
importam apenas as conclusesacerca da quantidadee do carterdas citaes
realizadas, conforme excertos j reproduzidos supra.
No colhe, igualmente, o paralelo estabelecido pelas apelantes
entre a quantidade de citaes realizadas em obra literria(que correspondem a 10%
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da obra referenciada e 9,5% da obra em voga) e determinado julgado que reconhecera a
ilegalidade da citao de refro musicalem ensaio fotogrfico.
Ora, as circunstncias so de todo distintas, na medida em que, no
precedente pretensamente favorvel, consignou-se que o caso no se enquadra
nas normas permissivas estabelecidas pela Lei n. 9.610/1998, tendo em vista
que o refro musical inserido no ensaio fotogrfico e de cunho ertico de forma
indevida , tem carter de completude e no de acessoriedade(REsp 1.217.567/SP,
Rel. Min. Lus Felipe Salomo, Quarta Turma, DJe 05/06/2013), ou seja, justamente o
contrriodo que se constatou na espcie.
De mais a mais e apenas em reforo, no desarrazoado gizar que
significativa parte das referncias ao livro da autora, to veementemente
combatidas, tocaram a trechos por ela atribudos a terceiros ou ao prprio
biografado, no sendo, portanto, sequer produto de sua criao intelectual
direta.
So fragmentos, e.g., de Otto Lara Resende (p. 117 da obra impugnada),
alm, claro, de tantas expresses do renomado escritor (p. 98, 239, 243, 265, 305
etc.), entre outros.
Assim, objetivamente desconstrudaa argumentao no sentido de
que as citaes exageradas seriam hbeis a causar prejuzos s demandantes,
passa-se ao aspecto mais subjetivo da demanda, respeitante aos danos
supostamente advindos do contedo, propriamente dito, da biografia em voga,
cujo autor no teria, ao ver das apelantes, autoridade intelectual e histrica
suficiente para escrever sobre a pessoa de Joo GUIMARES ROSA.
Note-se que a alegada superficialidade do contato pessoal entre
bigrafo e biografado, bem como a dita escassez de encontrosde ambos (cf. fls.
06 e-JUD originais 06) parece conflitar com o teorde mensagens (dedicatria, carta)
enviadas por este quele: a ALAR BARBOSA, irmo mais moo com vivo
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abrao do GUIMARES ROSA (p. 67 da obra impugnada);Voc notvel, de sada; j
era. Gois produtora de gente assim, de quem gosto e sou amigo (p. 387 da obra
impugnada).
De fato, bigrafo e biografado no eram ntimos, como, em digno
respeito verdade, aquele fez questo de consignar:
Mas eu sentia, mais do que pensava, que a amizade delea mim no era seno uma amizade literria.
[...]
Nunca, no meu ntimo, cobrei ou esperei dele uma atitudede ampliao das nossas relaes pessoais para alm dosnossos dilogos privilegiadamente, para mim, longos no seu gabinete de diplomata no Itamaraty.(pp. 28/29, da obra impugnada).
Fato que, no campo do contedo da obra combatida, est o
captulo mais sensvel do conflito de interesses judicializado, muito embora,como adiantado, no se vislumbre a espinhosa complexidade prpria do debate
contemporneo acerca das biografias no autorizadas.
O que pode o b igrafo escrever sobre o objeto de seu trabalho?
No ponto, o sentenciante consignou que o patrimnio cultural
formado pelas formas de expresso, pelos modos de criar, fazer e viver, pelas
criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas, pelas obras, pela arte do povo e
este patrimnio motivado pela vivncia social e no pode ficar recluso,
devendo retornar ao mbito social, sendo inadmissvel que tenha dono (fls. 325 e-
JUD originais 296). Alis, por isso no h falar em omisso do decisummonocrtico
quanto ao tema, como chegaram a alegar as apelantes.
Cabe expor perfunctrio panorama positivo-doutrinrioa respeito da
tormentosa indagao.
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Art. 21.A vida privada da pessoa natural inviolvel, e ojuiz, a requerimento do interessado, adotar asprovidncias necessrias para impedir ou fazer cessar atocontrrio a esta norma.
Parece ntido o choque entre as normas, no custando lembrar que,
como cedio, a estrutura da lei civil em vigor foi concebida na dcada de 1970,
conquanto s tenha sido apresentada ao ordenamento jurdico no incio do sculo
XXI.
por isso que ebulem discusses em sede legislativaejurisdicional
a respeito de temas nesta seara, havendo, assim, tanto projetos de lei visando
reforma dos polmicos dispositivos civis, quanto ao direta questionando sua
constitucionalidade, sendo oportuno citar breve e representativo excerto da
respectiva inicial (ADI 4.815/DF):
[...] os dispositivos legais em questo, em sua amplitudesemntica , no se coadunam com a sistemticaconstitucional da liberdade de expresso e do direito informao. Com efeito, a dico que lhes foi conferidaacaba dando ensejo proliferao de uma espcie decensura privada que a proibio, por via judicial, dasbiografias no autorizadas.
A doutrina, ento, em tempos de inflamados debates acerca das
biografias no autorizadas, vem propondo as balizas que entende razoveis
aferio de abusos eventualmente cometidos, mais ou menos conservadoras.
Diz-se:
Em se tratando de fatos pblicos, envolvendo a vidaprivada de pessoas pblicas, parece razovel admitir apublicao de biografias, por conta da liberdade deexpresso. A falta de autorizao do biografado (ou dosseus herdeiros, no caso de uma biografia pstuma) noseria empecilho, em face do carter pblico dos fatos. Noentanto, em se tratando de detalhes particulares da vidaprivada de uma pessoa pblica, no parece se justificar apublicao, uma vez que a liberdade de expresso no absoluta.
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(FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, Cursode Direito Civil, vol. 1, 11 ed., 2013, JusPodivm , p.192).
Mas at com relao abrangncia do que se entende por honrae
privacidadedo biografado h dissenso:
Esses parmetros [quanto ao significado de ser atingidona honra e intimidade] no reduzem a avaliao dasbiografias no autorizadas a uma frmula matemtica,
mas ajudam a trazer segurana aos dois lados em disputa.O Projeto de Lei n 393/2011, que se tem debatido comopinies inflamadas de um lado e de outro, no resolvero problema das biografias no autorizadas no Brasil. Aproposta erra o alvo, j que, mesmo se restar aprovada noCongresso, os tribunais continuaro retirando biografiasno autorizadas de circulao ao argumento de que houveleso honra e privacidade do biografado, avaliao quecontinuar a ser puramente subjetiva e guiada no raropelos valores individuais do magistrado.
O que deveria estar ganhando destaque nos jornais no a guerra de opinies entre celebridadesque j ameaareduzir um tema to importante a chamadas
sensacionalistas, que consistem justamente no grandetemor dos biografados e tambm dos bigrafos , mas simos critrios objetivos para identificar leso honra ou privacidade das pessoas retratadas em biografias. Urgeredirecionar o debate para identificar, a partir dos valores
jurdicos e culturais da sociedade brasileira, queparmetros especficos devem ser seguidos nessa disputa,em que no h espao para solues absolutas, j que, arigor, os dois lados tm razo. (g.n.)(SCHREIBER Anderson, in Valor Econmico, 25/10/2013).
Tudo porque, como dito, o contraste entre a Carta de 1988 e odiploma civil manifesto, de maneira que a interpretao deste em
conformidade com aquela medida de rigor, recomendando-a a academia:
Embora o art. 20 exija,em regra, a autorizao da pessoapara a divulgao da sua imagem, da sua voz e de seusescritos, o prprio dispositivo reconhece que h excees,s quais os tribunais acrescentam outras tantas,
especialmente no exerccio das liberdades constitucionais
de informao e de expresso artstica ou intelectual.
Em outras palavras: basta interpretar o art. 20 luz daConstituio para perceber que a ausncia de autorizao
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no impede juridicamente a edio de biografias, domesmo modo que no impede a circulao de jornais. Amelhor jurisprudncia j caminha nesse sentido, limitando-se a impedir a circulao naquelas hipteses em queverificada efetiva violao privacidade, imagem ou honra do biografado.(idem ,Direitos da Personalidade, Atlas, 2011, p. 142).
O mesmo autor, em peridico, sustentou:
A tese de que biografias s podem circular se foremprecedidas da autorizao do biografado uma teseinconstitucional porque faz com que o direito privacidadeprevalea, a priori e em abstrato, sobre a liberdade deexpresso. Entretanto, a tese de que uma biografia podetratar de todo e qualquer aspecto da vida privada dobiografado, sendo eventuais conflitos resolvidos por meiode indenizao posterior ao biografado, tambm umatese inconstitucional. Pelo erro oposto: faz com que aliberdade de expresso prevalea a priori e em abstratosobre a privacidade. A tese da indenizao, note-se, norepresenta um meio-termo porque, em ltima anlise,permite que a privacidade seja violada por quem quer quese disponha a pagar o preo da violao.
(idem , inJornal Carta Forense, 05/12/2013).
H, na atualidade, uma profuso de celeumas judiciais a respeito da
qustio. Para indeferir, e.g., a tutela antecipada pleiteada por Joo Gilberto, o
juzo paulista de primeira instncia invocou duas importantes lies doutrinrias,
cuja transcrio se mostra apropriada, colhidas do decisum proferido na
Reclamao 14.448/SP, Rel. Min. Crmen Lcia:
Tambm so lcitos os resumos biogrficos e as prpriasbiografias de pessoas da histria contempornea, feitos apartir de documentos de acesso pblico, de declaraespblicas do biografado e das pessoas que com eleprivaram ou contraditaram, de factos ocorridospublicamente e mesmo de acontecimentos e decircunstncias privadas. (g.n.)(SOUSA, Capelo de, O Direito Geral de Personalidade,Coimbra Editora, 1995, nota 860, p. 342).
As pessoas de certa notoriedade, assim como no podemopor-se difuso da prpria imagem, igualmente no
podem opor-se divulgao dos acontecimentos de suavida. O interesse pblico sobreleva, nesses casos, ointeresse privado; o povo, assim como tem interesse em
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conhecer a imagem dos homens clebres, tambm aspiraconhecer o curso e os passos de sua vida, as suas aes eas suas conquistas; e, de facto, s atravs de talconhecimento pode formar-se um juzo sobre o seu valor.Mesmo nestes casos, por outro lado, as exigncias dopblico detm-se perante a esfera ntima, e, alm disso, asmesmas exigncias so satisfeitas pelo modo menosprejudicial para o interesse individual. Ser, portanto, lcitaa biografia, mas ilcita a narrativa romanceada oudramatizada, que no necessria para a exposio dosfactos pessoais. (g.n.)(DE CUPIS, Adriano, Os Direitos de Personalidade , trad. deAdriano Vera JARDIM e Antonio Miguel CAEIRO, Livraria
Morais, Lisboa, 1961, p. 146).
A rigor, mais importante do que o posicionamento, em si, dos
Tribunais a respeito da viso mais ou menos conservadora sobre o tema, a
exteriorizao dos mais minudentes critriosutilizados para a soluo de cada
caso concreto, tendo em vista que o casusmo parece incontornvel neste campo
e sendo mesmo de se repudiar frmulas ou conceitos fechadosa priori.
Em breve, mas aprofundado artigo acerca das biografias no
autorizadas, Rebeca GARCIA, colhendo subsdios doutrinrios, elencou
interessante e no exaustivo rol de critrios bsicosao exerccio de ponderao,
necessrio a tal espcie de julgamento, no sem antes criticar o imprevisvel
cenrio jurdico atualbrasileiro, em que biografados ou seus herdeiros invocam a
literalidadedo art. 20 do Cdigo Civil para combater toda e qualquerpublicao
que contraste com suas concepes pessoais acerca do objeto da obra, a
respeito do qual se colocam como soberanos formadores de opinio:
Pode-se dizer que ainda predomina, no cenrio atual, oque se identificou como cultura da autorizao; na faltadesta, prefere-se no arriscar a publicar qualquer coisa.No raro, contudo, a negativa exercida sem qualquer
justificativa razovel por vezes, pode-se dizer, mesmo
de forma abusiva , sobretudo por parte dos herdeiros,quando se trata da biografia de pessoa j falecida ouausente. A postura acaba desencorajando a pesquisa e adivulgao de obras biogrficas, sedimentando o referidoefeito paralisante.
Parece mais do que razovel sustentar que a meraausncia de autorizao, em regra, no caracterizaria, por
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si, ofensa aos direitos de personalidade do biografado. Aopropsito, basta interpretar o art. 20 luz da Constituiopara perceber que a ausncia de autorizao no impede
juridicamente a edio de biografias, do mesmo modo queno impede a circulao de jornais. Sob esse prisma, aautorizao representaria no um obstculo ou condioprvia essencial (hoje, por vezes intransponvel), mas,mais propriamente, sinal de colaborao e mesmo ummaior compromisso, por parte da pessoa autorizada. Poroutro lado, deve-se lembrar que mesmo a concesso deautorizao no exime o autor da biografia do dever deresponsabilidade.(g.n.)(Biografias No Autorizadas Liberdade de Expresso ePrivacidade na Histria da Vida Privada
,
in
Revista de
Direito Privado, vol. 52/2012, p. 05, Out/2012).
Esmiuando o balizamento proposto que ser examinado mais
frente , assinala a autora:
Conjugando-se essas diferentes contribuies, possvelapontar alguns critrios bsicos de ponderao: a)notoriedade da pessoa e do fato; b) forma de obtenodas informaes; c) local do fato; d)veracidade do fato.
Antes de passar ao breve exame de cada um deles, preciso sublinhar a importncia no apenas da ponderaoem si, mas do recurso a mltiplos critrios, que no seexcluem; antes, complementam-se. Permite-se, assim,apreciar com mais coerncia e realismo as diversasfacetas do caso.(op. cit., p. 06).
Finalmente, tambm digna de nota a relevante contribuio do
Centro de Estudos Judicirios da Justia Federal ao arcabouo de concepes
acerca do thema, lembrando-se que suas conhecidas Jornadas de Direito Civil
buscam promover a discusso aprofundada de matrias de vulto, como a aqui
agitada.
Nesse contexto, editou-se o enunciado n 279, alusivo ao art. 20 do
Cdigo Civil:
Enunciado 279 Art. 20): a proteo imagem deve serponderada com outros interesses constitucionalmente
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tutelados, especialmente em face do direito de amploacesso informao e da liberdade de imprensa. Em casode coliso, levar-se- em conta a notoriedade do
retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade
destes e, ainda, as caractersticas de sua utilizao
comercial, informativa e biogrfica), privilegiando-se
medidas que no restrinjam a divulgao de informaes.
Bem exposto o panorama doutrinrio, cumpre perscrutar as
nuanas do caso concreto, examinando-se o que foi, precisamente, considerado
ofensivo ao pai da primeira demandante (cf. fls. 331/334 e-JUD originais 302/305).
Eis, portanto, o cerne da ofensa, devidamente destacado pelas
autoras (fls. 07/08 e-JUD originais 07/08):
[...] No me agrada a linguagem mstica e religiosa deGuimares Rosa (Deus, anjos, fadas). Alis, devo diz-lo,essa linguagem dele me parece muito mais uma atitudeliterria do que real na sua vida e personalidade.
No gosto da palavra e conceito destino, a que ele muitose refere. Desde menino que, instintivamente, abomino assupersties que Guimares Rosa considerava a epidermeda sensibilidade. Superstio, para mim, manifestaode medo, no do medo til, produzido pelo instinto deauto-proteo e sobrevivncia, mas do medo irracional eatormentador. Sou um homem poltico. Penso na questoda nacionalidade brasileira, que eu defendo e quero ajudara preservar, e na justia social, em favor da qual gosto deme manifestar.
Nunca me deparei, nos textos de Guimares Rosa, comalguma preocupao com o presente e o futuro do Brasil.Como modelo de escritor, ele est sujeito a essa ressalva.Sou nacionalista. Joo Guimares Rosa (e nisso ele tinha acompanhia de outro grande escritor brasileiro, MonteiroLobato) julgava a lngua portuguesa uma lngua inferior, aponto de preferir as verses italiana e alem de seuslivros. Amo a lngua portuguesa (que tambm a minhaptria), e respeito-a, e luto em favor dela,conscientemente.
O Brasil, igual a toda nao, precisa de seus melhoresvalores humanos, e de promov-los e defend-los.Monteiro Lobato disse que "um pais se faz com homens elivros". (ele devia ter dito nao em lugar de pais). Por issotambm que eu penso que o Brasil necessita deste livrosobre Joo Guimares Rosa e sua poderosa obra literria.(grifos no original)
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Dizem as autoras/apelantes que uma biografia sria no faria juzo
de valor sobre o biografado, no traria trechos que permitem interpretao dbia
ou maliciosa, nem faria comparaes de seu corpo de valores e ideias com os do
biografado, muito menos deixando transparecer que suas posies que seriam
corretas (fls. 331 e-JUD originais 302).
Aduzem, ainda, que ALAOR BARBOSA imps a GUIMARES ROSApensamentos e palavras que no prova ter sido pronunciadas. evidentemente
absurdo que se afirme que um dos maiores escritores da lngua portuguesa a
considerava uma lngua inferior (fls. 09 e-JUD originais 09), sendo certo, ainda,
que nunca antes foi o renomado escritor acusado de no se preocupar com o
futuro do Brasil; de no ser patriota; nem muito menos, de desprezar a lngua
portuguesa, como fez ALAOR BARBOSA (fls. 334 e-JUD originais 305).
Portanto e em suma, dois so os nicos aspectos supostamenteofensivoslevantados pelas autoras: i segundo o bigrafo, o biografado julgaria a
lngua portuguesa inferior, preferindo verses estrangeiras de seus livros; e ii
ele no seria patriota, por no se preocupar com o presente e com o futuro do
Brasil.
Analisemo-los.
No que tange ao olhar do escritor sobre seu idioma ptrio, bem de
ver que ambas as partes tm razo quanto s suas assertivas, apenas
apresentando visesa partir de legtimosprismas distintos.
A propsito, de todo descabida a crtica segundo a qual o bigrafo
no teria comprovado as opinies atribudas ao biografado. Confiram-se os
teores das cartas remetidas pelo biografadoaos tradutores de suas obras para o
italiano e para o alemo, reproduzidas na pea de bloqueio (fls. 175/176 e-JUD
originais 159/160):
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Rio, 11 de setembro de 1963.
Sem piada, mas sincero: quem quiser realmente ler eentender G. Rosa, depois, ter de ir s edies italianas.
Rio, 4 de dezembro de 1963.
Assim, quando me retraduzem para outro idioma, nuncasei, tambm, em casos de divergncia, se no foi oTradutor quem, de fato, acertou, restabelecendo a verdade
do original ideal, que eu desvirtuara...No se prenda estreito ao original. Voe por cima, e adapte,quando e como bem lhe parecer.Veja como o grande tradutor comea por influir no autor.Obrigado.
Rio, 16 de dezembro de 1964.
Basta dizer que, pelo menos duas das estrias (a de Llioe Lina e a do Cara-de-Bronze) me parecem agora, sim,verdadeiramente escritas, levadas, fiel e muito, acima dooriginal. Mas, o livro inteiro, apresenta-se-me em outra luz,represtigiado.
Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 1959.
A traduo e publicao em alemo me entusiasma, porsua alta significao cultural, e porque julgo esse idioma omais apto a captar e refletir todas as nuances da lngua edo pensamento em que tentei vazar os meus livros.
Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 1962.
O que penso, porm, que a lngua alem permitir,seguramente, verso mais bela e completa, cingindo muito
mais estreitamente o texto original, e assim no duvido deque suas tradues vo ser as primeiras, as mais vivas.Lendo, por exemplo, o Darandina cheguei a comover-meem muitas pginas. Desde j, posso dizer-lhe, gosto maisdo texto alemo, seu, do Darandina, do que do meuoriginal.
Tambm convm transcrever trecho de artigo no qual determinado
jornalista abordou justamente a relao crtica que GUIMARES ROSAmantinha
com sua lngua natal (fls. 222 e-JUD originais 203):
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Guimares Rosa no era de freqentar as rodas jovens,mas sabia o que acontecia em derredor. Dedicava-seintensamente aos estudos, ou de Medicina, ou de lnguas,a sua grande paixo. Manteve-se independente, distncia, e foi assim que construiu o seu cabedal interior.
Numa extensa carta de 1947, ele formula conceitos eprincpios para escrever. Explicava: Quando escrevo, noestou pensando em obter tal ou tal efeito cultural oueducativo. O artista uma autarquia, sente, pensa e cria,em termos absolutos, dando expresso a sua necessidadentima, realizando a sua arte.
Para ele, o artista deve ser humilde, independente,corajoso, profundamente sincero, infinitamente paciente. frente, comenta: A lngua portuguesa, aqui no Brasil, estuma vergonha e uma misria. Est descala edespenteada; mesmo para andar ao lado da espanhola,ela no tem roupa.
Empobrecimento de vocabulrio, rigidez de frmulas eformas, estratificao de lugares-comuns, como caroosnum angu ralo, vulgaridade, falta do sentido de beleza,deficincia representativa.[...](Manoel Hygino dos Santos, para o Jornal Hoje em Dia deBelo Horizonte, em 30/11/2007).
Como se percebe, este olhar crtico de GUIMARES ROSA lanado
sobre seu idioma ptrio, conquanto inescondvel, antes parece reforar uma
paixodo que lhe sugerir menosprezo. Isso porque o notvel escritor critica o
trato dispensado ao vernculo quela poca (a lngua portuguesa, aqui no Brasil, est
uma vergonha e uma misria, v.g.). Ele no se conformava justamente com os rumos
que to nobreidioma estaria tomando.
E, no que toca s cartas remetidas por GUIMARES ROSA aos seus
tradutores, o que se v so registros de entusiasmo com a traduo para outros
idiomas, muita vez enaltecendo tambm o prprio tradutor, como lembrado
pelas autoras em rplica (fls. 245 e-JUD originais 225).
Seja como for, o fato que o escritor via muita beleza no contedo
dos textos traduzidos por vezes mais at que na lngua original, no se podendo
olvidar de que ele tambm era diplomata, tendo sido vice-cnsul na Alemanha, o
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que certamente, entre tantos outros fatores, o aproximou muito do universo
lingustico aliengena.
Inclusive, como bem ressaltado por sua filha em sua obra prpria:
Meu pai iniciou-se no francs e no alemo, que maistarde conheceria por plano e profundeza, lnguas edialetos. Relacionou-se em amizade com o espanhol, oitaliano, o ingls, o sueco, o dinamarqus, o holands, o
russo, o polons, o lituano, o hngaro, o tcheco, o romani,o rabe, o hebraico, o japons, o grego. E com o snscrito,me de tantas lnguas. E tambm com o esperanto e otupi.
Gostava de conhecer ao menos um membro de cadalinhagem lingustica, para, progressivamente, entender-secom alguns outros da famlia.(GUIMARES ROSA, Vilma, Relembramentos: JooGuimares Rosa, meu pai 3 ed. 2008 p. 122).
Ele prprio recomendara que seu genro o lesse em ingls, dada sua
dificuldade de compreender sua difcil linguagem:
Ele e o Peter, meu marido nascido no Brasil de paisingleses , conversavam em ingls e de vez em quando eletirava do bolso o caderninho, seu inseparvelcompanheiro, e anotava termos usados pelo Peter. Este,ao comear a ler um das obras do papai, confessou-lhe uma coragem que muitos no ousavam e no ousam ter no estar entendendo aquela linguagem difcil.
Ento, l a traduo para o ingls, Peter, assim sermais fcil.
Peter leu e gostou, comunicando ao sogro as suasimpresses.(idem, ibidem , p. 62).
O prazer do poliglota GUIMARES ROSA com o aprofundamento do
estudo de diversos outros idiomas, o que lhe rendia fascinantes descobertas
acerca de suas riquezas singulares, tambm marcante:
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Queria uma linguagem livre das garras do convencional,desenvolta sintaxe alforriada, transferindo emoes,transportando-as sem desvio ou descaminho.
Na apresentao que fez um verdadeiro estudo daAntologia do conto hngaro , coordenada pelo professor
Paulo Rnai e que denominou Pequena Palavra papai
define a lngua hngara como a ideal:
... molgvel, moldvel, digerente assim e no merefiro em espcie s lngua literria ela mesmase ultrapassa; como a arte deve ser, como oesprito humano: faz e refaz suas formas. Sem
cessar, dia a dia, cedendo constante presso davida e da cultura, vai-se desenrolando, se destorce,se enforja e forja, maleia-se, faz m do montono,vira dinmica, vira agente, foge esclerose torpedos lugares-comuns, escapa viscosidade, sonolncia, indigncia; no se estatela.
(idem, ibidem , p. 119).
Nessa ordem de ideias e diante de tais fatos, no ilgico,
inverdico nem absurdo dizer, como fez o bigrafo, que aquele escritor
considerava a lngua portuguesa uma lngua inferior, a ponto de preferir as
verses italiana e alem de seus livros.
Cuida-se, pois, singelamente, de uma incensurvel impresso
pessoal, uma concluso sua, uma opinio particular, com base em dados
concretos sobejamente demonstrados. Afinal, como em qualquer trabalho
intelectual humano, o autor da biografia deixou externar, de maneira explcita,
algumas de suas prprias percepes acerca do biografado, que, no entanto,
nunca deixaram de ser estritamente respeitosas, serenas e, o que primordial,embasadas, mesmo porque no se olvide no restam dvidas quanto ao
convvio pessoal do bigrafo com GUIMARES ROSA, apesar das sistemticas
tentativas de desqualific-lo, por parte das autoras.
Frise-se: pode-se at discordar, pura e simplesmente, de tal ponto
de vistado bigrafo, interpretando-se doutra forma o olhar de GUIMARES ROSA
sobre o vernculo, mas nenhum abuso ou inverdade se vislumbra em seu
trabalho, questionado pelas autoras; nada que justifique calar-lhe a opinio.
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A outra tese das apelantes tambm no se sustenta.
Veem imputao de antipatriotismo ao renomado escritor, por
dizer o bigrafo, verbis: nunca me deparei, nos textos de Guimares Rosa, com
alguma preocupao com o presente e o futuro do Brasil.
Ocorre que as prprias recorrentes assinalam que durante suavida, Joo Guimares Rosa sempre optou pela discrio, tendo preferido evitar
entrevistas sobre sua vida privada e posies polticas (fls. 334 e-JUD originais 305),
o que, como se nota, confirma, com cirrgica preciso, exatamente o que
asseverara a biografia em tela, at porque, obviamente, no se confunde com
antipatriotismo a conduta apenas reservada com relao a ideologias,
bandeiras polticasetc.
Por tudo isso, no colhe a assertiva de que as conjecturas dobigrafo seriam opinativas, inconsistentes, desprovidas de fundamento, e, acima
de tudo, ofensivas, causando evidente dano moral ao escritor e sua famlia (fls.
334 e-JUD originais 305). Alis, opinativas elas at podem ser, e mal algum h
nisso, mormente por estar clarssimo nas passagens citadas de quem so as
opinies.
Mas as autoras combatem atessas opinies:
evidente que o eventual comprador de uma obradivulgada como biografia de JOO GUIMARES ROSA noestar interessado na comparao entre o pensamento doescritor e o do bigrafo, mormente da forma como foi feitano livro Sinfonia de Minas Gerais: A Vida e a Literatura de
Joo Guimares Rosa, onde ALAOR BARBOSA visivelmentebusca impor suas posies ideolgicas e religiosas comocorretas e superiores s de JOO GUIMARES ROSA.(fls. 08 e-JUD originais 08).
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emblemtico este inconformismo com o simples e inofensivo fato
de o bigrafo dono de sua criao intelectual, poisapenasTER
seu juzo prprio,
como se lhe fosse defeso pontuar suas diferenas, suas impresses, seus
sentimentos a respeito do objeto de seu estudo.
Despiciendo lembrar que quem julga a procedncia ou a
improcedncia de opinies o leitor. Quem deve discordar das posies
ideolgicas e religiosas de quem quer que seja o pblico, aderindo ou no aospensamentos expostos na obra literria. ele o maior juiz da qualidade do
trabalho, o que no se confunde com a falsidade no relato de fatos, este sim,
passvel de impugnaopelo lesado.
E registre-se que at mesmo o relato de fatos no inteiramente
correspondentes realidade pode chegar a ser protegido, de acordo com o maior
ou menor grau de cautelana investigao das informaes.
Isso porque a tendncia, ao menos no Direito Comparado, avaliar
eventual negligncia do pesquisador ao coletar os dadospara o seu trabalho, de
maneira que dever ser tida por ilcita somente a divulgao das informaes
sabidamente inverdicas ou cuja falsidade lhe era possvel conhecer, isto ,
avaliando-se o dolo do autor ou a falta da diligncia necessria, por agir com
descasoem relao melhor apurao dos fatos; cuida-se da chamada reckless
disregard.
Mas aqui, no caso concreto, o que realmente incomoda as herdeiras
o fato de outrem apenas formar opinies pessoais sobre seu pai, como se
monoplio de sua figura houvesse.
Chega-se, ento, a surpreendente ponto em que cabem as
seguintes indagaes: em que momento se vilipendiou a memria de Joo
GUIMARES ROSA com estas singelssimas consideraes acerca de seu perfilcomo escritor (quanto ao gosto pelos idiomas estrangeiros e discrio poltica)?Em que
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medida se adentrou sua vida privada? Quais os detalhes alheios vida
estritamente funcional/literria do biografado foram abusiva ou levianamente
expostos? Que tipo de meno desabonadora foi feita vida pessoal de
GUIMARES ROSA?Que fatonarrado tido como falso?Ou, ainda, que opinio ou
viso ultrajantefoi falsamentecolocada na boca ou na pena do escritor?
Concretamente, nada trouxeram as autoras nesse sentido.
Inclusive, vale observar o contextoem que foi inserida a pretensa
ofensa perpetrada pelo bigrafo, at para que se possa ter a dimenso do grau
de quase deificao da figura do biografado na obra combatida. Ressalta seu
autor:
Escrevi este livro com indizvel satisfao ntima, comiterativas sensaes de novas descobertas, verificaesesclarecedoras, constataes iluminadoras. Tudo isso,repito, significando valiosssimo aprendizado instrumental
para a minha prpria criao literria meu escopoprincipal em todos os estudos literrios que tenho feito.
Escrevi este livro tambm e o que vou dizer vale paratodos os outros que escrevi at agora por uma razo deordem poltica importantssima: a necessidade de defendera cultura nacional brasileira e, com ela, a nacionalidadeameaada de dominao e absoro. Sabemos todos um lugar-comum que se invoca sempre que se discute aquesto das nacionalidades que o poema Os Lusadas,por ser o poema da nacionalidade, ajudou a preservar aalma de Portugal independente durante os sessenta anosque durou sua incorporao ao reino de Espanha. O Brasiltambm haver de resistir assimilao estrangeira,
fundamentalmente pela fora e consistncia da sualiteratura. Machado de Assis, Joo Guimares Rosa e CarlosDrummond de Andrade claro que faloexemplificativamente que vo defender o Brasil doaniquilamento da sua nacionalidade.
Outro fato, importantssimo, que Joo Guimares Rosafoi um escritor modelar e exemplarmente fiel literatura ea si mesmo: um homem que se sacrificou por amor criao literria. Foi um escritor srio e responsvelperante si mesmo e perante a Arte tanto quanto umhomem pode s-lo. Alm disso, quanto mais tenho meinformado sobre a personalidade e a vida de JooGuimares Rosa, mais e mais tem ele granjeado o meu
respeito intelectual e moral. Ocorreram na sua vidanumerosos atos de grandeza humana. Um deles, a suaatuao na Alemanha em favor de judeus perseguidos;
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outro, o asilo que prestou, em seu apartamento, aoescritor Franklin de Oliveira, em abril de 1964. Essas suasaes solidrias tm o valor de lhe simbolizar a alma: ele,um homem avesso poltica, que dela se defendia,praticou aes polticas em defesa da vida e daliberdade.(g.n.)(BARBOSA, Alaor, p. 83 da obra contestada).
Ilustrativa abordagem acerca dos limites da liberdade de expresso
esta Cmara teve a oportunidade de fazer e, malgrado dspares os contextos,
cabe lembrar as peculiaridades do caso julgado na Apelao Cvel n 0260433-
61.2012.8.19.0001, de minha relatoria, em 02 de julho de 2014.
Assinalou-se, a respeito de caricaturade determinada personalidade
do meio artstico, com cunho inequivocamenteofensivo, veiculada em programa
televisivo:
Nada justifica, nem mesmo a liberdade de expresso
constitucional, a deliberada agresso e este o termoadequado contra o indivduo, abordando, de formaverdadeiramente hostil (pseudo-humorstica), talvez umdos aspectos mais sensveis de sua vida; mxime se forconsiderada sua conhecida discrio no meio social.
[...]
Uma caricatura que exacerbe certo trao fsico desomenos, ou mesmo algum trejeito qualquer no tem igualpeso ao daquela que superdimensione a sexualidade dapessoa, porque, com isso, adentra-se universo peculiar,que abrange valores caros e sensveis pessoa humana,sendo certo que no dado a ningum explor-lo de
maneira a exp-la ao ridculo, propiciando o escrnioincontido e generalizado pela capilaridade decorrente daampla audincia nacional do programa em voga,altamente lucrativa, diga-se de passagem.
Legitimar o Poder Judicirio um bullying coletivo
deliberado e, sobretudo, aleatrio, imotivado e at
homofbico, o mesmo que se dar carta-branca aos
veculos de comunicao para que decidam quemdever
ser impiedosamente ridicularizado e quandoisso ocorrer,
sem limites, freios ou responsabilidades, recrudescendo,
em ltima anlise, todo o preconceito que ainda insiste
em se instalar em uma espcie de anacrnica
conscincia coletiva qual concebida por DURKHEIM
referente justamente a um aspecto que se luta para se
superar, qual seja: a intolerncia relacionada s minorias .
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Em tal julgamento, entendeu-se que o humor em discusso se
distanciara sobremaneira das balizas propostas pela doutrina, com vistas
preservao da dignidade da pessoa humana. Houve franco e indispensvel
exerccio de ponderao dos valores e interesses em jogo.
Aqui, porm, nada sequerparecidoocorreu;nenhuma intimidade
verdadeira ou falsa
comprometedora, desabonadora, caluniosa, difamatria foi
exposta. Nada que fosse sequer capaz de colocar, na balana, o direito
preservao da honra ou da privacidade do retratado, em contraponto
liberdade de expresso e de informao do bigrafo.
Uma vez mais, saliente-se: a grande dificuldade em tema de
biografias no autorizadas toca, em geral, a revelaes ntimas da vida do
biografado, detalhes de sua vida pessoal, cuja razoabilidadeda divulgao deve
ser ponderada em cada caso concreto, luz dos j referidos parmetrosfornecidos pela doutrina e jurisprudncia, mngua de positivao da matria.
In casu, a viso do bigrafo diz muito mais respeito prpria obra
de GUIMARES ROSA, em si; isto , suas anlises pelo menos quanto quilo que foi
aqui impugnado, que limitara a abrangncia da demanda miraram o aspecto
eminentemente literrio da vida do biografado (seu amigo literrio) e sem
qualquer inverdade acerca de suas opinies; da que, a fortiori, no se pode
conceber, em hiptese alguma, a esdrxula e descabida tentativa de se censurar
sua expresso artstica.
Um rpido confronto do caso dos autos com os principais critrios
objetivos sugeridos pela doutrina j capaz de comprovar a irrefrevel
improcedncia da pretenso inicial.
Cabe, assim, colacion-los, com espeque no aludido artigo de
Rebeca GARCIA:
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NOTORIEDADE
A notoriedade da pessoa e do fato constitui elemento aque os tribunais normalmente se atm nos casos em quese reconhece maior peso liberdade de expresso e aoacesso informao. Mas essas decises em geral selimitam a asseverar que o fato, por ser de conhecimentopblico, no teria qualquer contedo novo, ou que, por sernotria a pessoa, no haveria problema na publicao defatos a ela pertinentes a menos que a obra se revelasseofensiva a sua honra.
[...]
Embora se possa reconhecer que no caso de pessoasfamosas acaba assumindo maior relevo, na prtica, uminteresse do pblico no acesso a informaes a elasrelativas, no se pode afirmar que a celebridade implicasupresso da privacidade. No toa, Schreiber consideraeste um falso parmetro.
No se quer com isso dizer que o carter mais ou menosnotrio da pessoa irrelevante para a ponderao. Mas menos decisivo do que primeira vista pode parecer.
[...]
No h nenhuma dvida quanto notoriedade de Joo GUIMARES
ROSA, um dos maiores e mais estudados escritores de todos os tempos, no Brasil
e no exterior, assim como j est muito claro que, no caso examinado, no
houve a menor invaso da privacidade do biografado.
FORMA DE OBTENO DAS INFORMAES
Aqui, ser relevante indagar, em termos gerais, se o
bigrafo utilizou-se de meios admitidos em direito para teracesso ao substrato informativo acerca do biografado.Nessa linha, importante considerar se o bigrafo teveacesso devidamente franqueado s informaes, ou se,por exemplo, interceptou correspondncia do biografado,ou se utilizou cmeras, microfones ou outros dispositivosescondidos. Importante verificar, tambm, se asinformaes esto disponveis em arquivos e registrospblicos, ou se foram obtidas de maneira abusiva, e assimpor diante.[...]
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Inexistindo violao da vida privada do biografado e sendo
conhecidos e lcitos todos os subsdios para a montagem da cronologia feita pelo
bigrafo, reputa-se legtima a coleta dos dados.
LOCAL DO FATO: OU A EXPECTATIVA DE PRIVACIDADE
O que releva considerar no o mero carter pblico ouprivado, aberto ou fechado, do ambiente.Deve-se apurar, mais propriamente, se, no local, era de sesupor que houvesse, por parte da pessoa, uma expectativade privacidade.
[...]
Aplicam-se as mesmas consideraes supra: se os trechos
considerados violadores dos direitos do falecido escritor no passaram de
comentrios prpria obra publicada, no h, por bvio, falar em fontes ilcitas
ou expectativa de privacidade, porque o material circulava, publicamente.
Ademais, muito das impresses pessoais do bigrafo a respeito deGUIMARES ROSA foi fruto do contato pessoal direto de ambos, no gabinete do
diplomata, sem intermediao de terceiros.
VERACIDADE DO FATO
O critrio da veracidade no deve ser entendido comoequivalente de verdade mas, talvez, apenas de umaverdade submetida a um juzo de plausibilidade. Istoporque o conceito pode revelar-se enganoso,especialmente quando se recorda que a biografia , porexcelncia, uma narrativa literria, ainda que no ficcional.
[...]
Mais uma vez: se no se est diante sequer de fatoscontrovertidos,
mas de simples opinies, fica prejudicada a anlise e adoo de um critrio
quelesvoltado.
Veja-se que a dificuldade de subsuno da espcie s hipteses
concebidas pela doutrina reside justamente na circunstncia de que, na verdade,
o que as autoras combatem o pensamento muito singelo do bigrafo. No
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impugnam, como dito, a veracidade de qualquer FATOrelatado. isso, outrossim,
que colore com tintas de abuso do direitoo pleito das apelantes.
Seja como for, ainda que coliso houvesse entre a proteo da
imagem de GUIMARES ROSA e a garantia de acesso informao, i) a sua
notoriedade, ii) a veracidade dos relatos acerca de sua obra, bem assim, iii) o
nobre objetivo da biografia em questo conduziriam natural preponderncia do
direito sua manutenono mercado, enriquecendo a cultura em torno da vidae obra do escritor, independentemente da alta ou baixa qualidade do trabalho
sobre ele desenvolvido, cujo julgamento deve ficar a cargo da crtica.
Afinal, devem ser privilegiadas medidas que no restrinjam a
divulgao de informaes (cf. E. 279, CJF), sendo de extrema relevncia que se
lance mo da tcnica de ponderao dos interesses e valores em jogo, luz,
sempre, da mxima observncia e mnima restrio dos direitos e liberdades
constitucionalmente assegurados.
Por todo o exposto, tendo em vista a inexistncia de qualquer
combate a fatosdescritos na biografia por possvel descompasso com a realidade, v.g.
, e diante da absoluta ausncia de exposio ilcita (alis, nem mesmo lcita!) da
intimidade de GUIMARES ROSA na biografia, conclui-se que, a rigor, as
demandantes disfaram mal a real tese advogada, com fincas na faceta
interpretativa mais inconstitucional do art. 20 do Cdigo Civil, j referida : a
necessidade de autorizao prvia para se abordar todo e qualquer aspecto a
respeito da vida de algum, independentemente at do teorda abordagem.
dizer: na verdade, a artificial ideia de que a biografia fustigada
teria abalado a imagem de GUIMARES ROSA (por supostamente t-lo considerado
antipatriota e crtico do vernculo) tenta, sem nenhum xito, esconder o verdadeiro
objetivo da demanda, que impor a filtragem prvia de TUDO o que se
pretender publicar ou produzir a respeito da vida e obra do escritor. Os censores
seriam seus descendentes.
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Isso porque lembre-se, segundo a literalidade da norma de direito
privado, a utilizao da imagem alheia, na atividade econmica dos meios de
comunicao s resultaria possvel em duas hipteses excepcionais: i) quando
houvesse expressa autorizao do titular; ii) ou quando a exibio fosse
necessria manuteno da ordem pblica ou administrao da justia,
resultando de tal exegese o confronto direto com a Constituio da Repblica (cf.
TEPEDINO, Gustavo et al., Cdigo Civil Interpretado..., vol. I, Renovar, 2004, p. 52).
Quer a primeira autora nesta demanda apenas subjugar sua
prpria tica a verdade acerca de uma figura que, para alm do seu
parentesco, constitui notrio patrimnio da nao brasileira.
Ou seja, no , como visto, difcil entrever a tentativa de submeter
qualqueropinio acerca da pessoa pblica de Joo GUIMARES ROSAao seu crivo
sintomticotermoutilizado pelas autoras.
A prevalecer a concepo das apelantes, OUa(s) filha(s) aprova(m)
o que quer em) que seja dito sobre seu pai, OU, ento, o mundo no o
conhecer.
Uma frase das recorrentes, em negrito e sem constrangimento, bem
resume a essncia do seu pensamento: evidente que a famlia no deseja
que a interpretao de Alaor Barbosa seja divulgada, j que no coerente com
a boa imagem que ele conquistou, em vida(fls. 335 e-JUD originais 306).
Na inicial, j haviam dito: Ora, no interessa famlia de JOO
GUIMARES ROSA que nenhuma biografia dele seja publicada sem que,
antecipadamente, seu texto seja submetido ao crivo de seus entes queridos
[...] (fls. 03 e-JUD originais 03). Na mesma esteira, a notificao antes enviada
editora (fls. 62 e-JUD originais 61):
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No interessa famlia de JOO GUIMARES ROSA quenenhuma biografia dele seja publicada sem que,antecipadamente, seu texto seja submetido ao crivo deseus entes queridos, razo pela qual eles no tm intenode autorizar, nem posteriormente, a publicao da obrapublicada pela Notificada.
Ainda: alegam que o bigrafo vem inculcando, em suas
manifestaes na imprensa, a ideia de que a oposio das filhas de JOO
GUIMARES ROSA referida obra constituiria injusta censura, mas
inquestionvel que a ordem constitucional brasileira permite que elas se
oponham a uma obra que, em seu entendimento, no est altura de seu pai
(fls. 18 e-JUD originais 18).
Eis o indisfarvel vcio da sua natimorta pretenso, que a fulmina
em definitivo.
Ora, como e com que fundamento vedar que quaisquer pessoas que no s os herdeiros de GUIMARES ROSAemitam opinies, inclusive crticas,
sobre sua vida, sobretudo a literria?
Isto a genuna censura, mas agora na modalidade privada, na
contramo da disciplina constitucional que se instaurou em 1988,
Dela decorre o que o Professor e Procurador do Estado Gustavo
BINENBOJM, em palestra proferida na Escola da Magistratura Federal do Tribunal
Regional Federal da Segunda Regio, em 14 de agosto do ano corrente, chamou
prejuzo invisvel, por conta do efeito silenciadorgerado pelo temor de autores
e editores de serem seriamente atacados pelos pretensos detentores do
monoplio das informaes e mesmo OPINIES sobre determinada pessoa
pblica. Assim, exigir-se autorizao elaborao de biografias condenaria a
sociedade a uma espcie de ditadura monoltica acerca de sua prpria histria.
So malefcios realmente nefastos.
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O mesmo doutrinador, na Ao Direta n 4.815, cuja inicial
subscreve, destacou:
Do ponto de vista da construo da memria coletiva, osefeitos deletrios da interpretao ora combatida soainda mais graves. O Pas se empobrece pelo desestmuloa historiadores e autores em geral, que esbarraminvariavelmente em familiares que formulam exignciasfinanceiras cumulativas e, por vezes, contraditrias.
Ademais, so igualmente graves as distores provocadaspor uma histria contada apenas pelos seus protagonistas.Trata-se, como se v, de um efeito silenciador e distorcivodos relatos histricos e da produo cultural nacional.(g.n.)
Os leitores atentos j devem ter observado como asbiografias oficiais selecionam os fatos consideradosrelevantes, dando nfase aos momentos de glria esuprimindo ou amenizando as situaes menosabonadoras. Assim como ningum bom juiz de si prprio,ningum costuma ser um bigrafo isento de si mesmo.Como lembra o historiador Jos Murilo de Carvalho, oepteto de biografia autorizada confere obra uma
conotao de fraude, pois significa que o bigrafo reportouapenas o que passou pelo prvio crivo do biografado.
E, em reforo tese de inconstitucionalidade dos mencionados
dispositivos do Cdigo Civil de 2002, o percuciente parecer do Prof. Gustavo
TEPEDINO, acostado aos autos daquela demanda, cuja essncia pode ser
sintetizada no seguinte excerto:
Os arts. 20 e 21 do Cdigo Civil, ao tutelarem a imagem,a privacidade e a honra das pessoas, ho de serinterpretados em conformidade com a Constituio daRepblica, de modo a no sacrificar o direito fundamental informao e s liberdades de expresso e depensamento. Exclui-se, assim, por inconstitucional,qualquer interpretao daqueles dispositivos legais queproba as obras biogrficas, literrias ou audiovisuais, depessoas notrias, sem prvia autorizao dos biografadosou de seus familiares na hiptese de pessoa falecida. Asbiografias, com efeito, revelam narrativas histricasdescritas a partir de referncias subjetivas, isto , do pontode vista dos protagonistas dos fatos que integram ahistria. Tais fatos, s por serem considerados histricos,
j revelam seu interesse pblico, em favor da liberdade deinformar e de ser informado, da memria e da identidadecultural da sociedade.
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Os homens pblicos que, por assim dizer, protagonizam ahistria, ao assumirem posio de visibilidade, inseremvoluntariamente a sua vida pessoal e o controle de seusdados pessoais no curso da historiografia social, expondo-se ao relato histrico e a biografias. Qualquercondicionamento de obras biogrficas ao consentimentodo biografado, ou de seus familiares em caso de pessoasfalecidas, sacrifica, conceitualmente, o direito fundamental (livre divulgao de) informao, por estabelecer seleosubjetiva de fatos a serem divulgados, em sacrifcio dasliberdades de expresso e de pensamento e em censurade elementos indesejados pelo biografado. H
incongruncia lgica, teleolgica, dogmtica e sistemtica
entre as liberdades de expresso e de pensamento e a
escolha de fatos a serem admitidos em obras biogrficas.A ponderao prvia e in abstracto entre o direitofundamental informao e as liberdades de expresso ede pensamento, de um lado, e, de outro, a proteo imagem, honra, privacidade e intimidade do biografadono pode importar em sacrifcio das primeiras, sob penade se consagrar censura privada e a extino do gnerobiografia. Eventual dano causado pela informao de fatoconsiderado histrico no ressarcvel. Ainda queprejudicial personalidade do biografado, trata-se de danoque no pode ser considerado injusto e, portanto,indenizvel, por decorrer do exerccio regular e legtimodas liberdades de expresso, de informao e depensamento, asseguradas pelo Texto Constitucional.(g.n.)
Citando, alis, especificamente a disputaaqui judicializada, dentre
outras, comenta a j referida Dra. Rebeca GARCIA:
Atitudes, por exemplo, como a das herdeiras do festejadoescritor Guimares Rosa: Para publicar algo de papai, preciso pedir autorizao minha irm e a mim. () No
existem biografias dele e no damos licena para
ningum (MACHADO, Cassiano Elek. Dirio arquivado.Revista Piau, n. 3, p. 49). Ou ainda: tanta confuso paraconseguir autorizaes que as pessoas acabam mudandode ideia. Vilma Guimares Rosa reconhece que a ideia exatamente esta: dificultar a vida dos pesquisadores(idem, p. 50).
Com efeito, parece comum a tentao de querer ver atrajetria pessoal narrada sem aspectos negativos, ou semmatizes que possam ser negativamente vistos pelasociedade. Exemplo dessa postura se nota na declaraode Agnes, uma das herdeiras de Guimares Rosa: Se eupudesse fazer um expurgo e publicar s as coisas que
interessam do dirio, a publicaria. Mas as picuinhas, osdiz-que-me-diz, no (MACHADO, Cassiano Elek. Op. cit., p.49).
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(Op. cit., p. 20).
A ttulo de ilustrao, vale observar que a repercusso negativa da
postura das herdeiras de GUIMARES ROSA notria assim no mbito jurdico,
como no extrajurdico, verbi gratia:
bonito ver a famlia defender fervorosamente a
memria e os bens de seus mortos. Feio transformaressa defesa em ataques injustificados. o que VilmaGuimares Rosa, no af de justificar sua ao, declarou: anica bigrafa do papai sou eu. Ningum pode escreveruma biografia sem o consentimento das filhas, herdeirasdo nome e da imagem de Guimares Rosa. E, numaentrevista a O Estado de Minas, disse, de Alaor Barbosa:Ele cometeu um crime. Copiou trechos inteiros do meulivro, Relembramentos.
Triste: Alaor no cometeu crime algum. O que ele fez foiexaltar, com mritos, a figura e o talento de GuimaresRosa, a ponto de ser criticado por alguns especialistas porter feito um livro que s contm elogios.
(Luiz de Aquino, escritor e membro da Academia Goianade Letras, para o Jornal Dirio da Manh, em 28/09/2008,
fls. 206 e-JUD
originais 190).
O livro de Alaor Barbosa riqussimo em informaes,anlises, depoimentos, cruzamento de dados, minciasinteressantssimas sobre Rosa, seu mundo e universoliterrio.
[...]
Lamentvel que as filhas de Joo Guimares Rosa, por
problemas de ordem familiar e de esplio, tenham, viajudicial, proibido a circulao do livro, que estava naslivrarias (numa das quais, a Siciliano, aqui em Braslia,adquiri meu exemplar).
um absurdo, uma violao ao direito de expresso, liberdade de expresso. Guimares Rosa no pertencesomente sua famlia; ele pertence ao Brasil. Sua obragenial um patrimnio de todos os brasileiros, umorgulho nacional.
(Danilo Gomes, jornalista, escritor e membro da AcademiaMineira de Letras, para a revista da instituio, de abril,
maio e junho de 2008 fls. 217 e-JUD originais 201).
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Enfim, resumindo-se o que foi exposto a respeito da biografia no
autorizada, conclui-se pela absoluta improcedncia do pleito das apelantes,
notadamente porque, na peculiar espcie dos autos, sequer a intimidade da vida
privada do biografado chegou a ser colocada em risco na laudatria obra
vergastada, sendo certo, ademais, que no foi contestada a veracidade de fato
algum.
Tudo isso capaz de reposicionar a presente demanda no cenrio
jurdico atual, colocando-a num patamar diferente do lugar-comum dos demais
casos envolvendo a matria: aqui, o grau de censura obra literria
muitssimo mais gritante e agressivo, porque desprovida de qualquer
fundamento jurdico; alhures, os contornos so mais delicados, porque a
discusso tende a gravitar em torno das garantias constitucionais que tutelam a
intimidade e a privacidade do biografado que, in casu, permaneceram de todo
inclumes.
Repise-se, portanto, que, em regra, quem deve avaliar a qualidade,
profundidade e fidedignidade da biografia o pblico e a crtica em geral, isto ,
partindo-se do pressuposto de que a biografia esteja em livre circulao no
mercado, repudiando-se a censura prvia e, pior ainda, vazia de fundamento,
como no caso.
Afinal de contas, como dissera a prpria Vilma Guimares Rosa, a
propsito da deliberao fruto de uma conversa com sua irm, a respeito da
publicao de determinada obra do mestre literrio (Relembramentos..., p. 59):
Finalmente conclumos que as Obras de Joo Guimares
Rosa no pertencem somente a ns, suas herdeiras,
porm a toda a humanidade
Exatamente.
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7/25/2019 Biografia Rosa Elfi Kurten
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Poder Judicirio do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Cmara Cvel
Apelao Cvel n 0180270-36.2008.8.19.0001
Nega-se provimento ao recurso.
Rio de Janeiro, 08 de outubro de 2014.
Desembargadora ELISABETE FILIZZOLA
RReellaattoorraa
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