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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 773
(Ano IX)
(04/01/2017)
ISSN- -
BRASÍLIA ‐ 2017
Boletim
Conteú
doJu
rídico-ISSN
–-
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1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57796
Boletim Conteúdo Jurídico n. 773 de 04/01/2017 (ano IX) ISSN
‐ 1984‐0454
ConselhoEditorial
COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.
Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário
Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.
Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.
Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.
País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. SHN. Q. 02. Bl. F, Ed. Executive Office Tower. Sala 1308. Contato: editorial@conteudojuridico.com.br WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
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Publicação
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SUMÁRIO
COLUNISTA DO DIA
04/01/2017 Eduardo Luiz Santos Cabette
» Novos meios operacionais de investigação de dados,
informações, cadastros e sinais trazidos pela Lei 13.344/16
que versa sobre o tráfico de pessoas
ARTIGOS
04/01/2017 Nathalia Lisboa de Aguilar » Assédio moral na relação de emprego e seus aspectos jurídicos
04/01/2017 Artur Lara Ferreira
» Tópicos especiais em concursos públicos
04/01/2017 Dark Blacker de Andrade
» Política e escorço histórico sobre o uso de drogas no Brasil
04/01/2017 Samuel de Jesus Vieira
» Estudo de caso: voto do Ministro Gilmar Mendes na suspensão de tutela
antecipada n. 175 e seus impactos no direito social à saúde pública
04/01/2017 Osvaldo de Oliveira Bastos Neto
» Novos Fundamentos Epistemológicos do Direito Penal e da Criminologia:
Ideologias, Hermenêuticas e os Dilemas das Liberdades
04/01/2017 Tauã Lima Verdan Rangel
» A recomendação CONSEA Nº 02/2015 em análise: o reconhecimento dos
riscos indiretos da transgenia em sede de segurança alimentar e
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NOVOS MEIOS OPERACIONAIS DE INVESTIGAÇÃO DE DADOS, INFORMAÇÕES, CADASTROS E SINAIS TRAZIDOS PELA LEI 13.344/16 QUE VERSA SOBRE O TRÁFICO DE PESSOAS
EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE: Delegado de Polícia,
Mestre em Direito Social, Pós ‐ graduado com especialização
em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal,
Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual
Penal Especial na graduação e na pós ‐ graduação da Unisal e
Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos
Fundamentais do Programa de Mestrado da Unisal.
A Lei 13.344, de 06 de outubro de 2016 dispôs sobre a prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas, bem como promoveu alterações importantes na legislação brasileira, seja na área penal, seja na processual penal.
Umas das principais alterações se deu no que tange à criação de novos procedimentos mais céleres para operacionalização de investigações por meio de obtenção de informações, cadastros, dados e sinais, especialmente quando o caso envolver o tráfico de pessoas, sequestro e cárcere privado, redução à condição análoga à de escravo, extorsão qualificada pelo sequestro, extorsão mediante sequestro e crime de envio irregular de criança ou adolescente para o exterior, este último previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente.
As novas regras estão dispostas nos artigos 13 – A e 13 – B do Código de Processo Penal Brasileiro, incluídos pela Lei 13.344/16.
O artigo 13 – A, CPP estabelece que nas investigações referentes aos crimes supra mencionados o “membro do Ministério Público ou Delegado
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de Polícia” poderão “requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos”.
O primeiro aspecto importante diz respeito ao fato de que, conforme já se vinha assentando, o acesso a simples dados e informes cadastrais, independe de ordem judicial e pode ser objeto de requisição direta pelo Ministério Público ou pelo Delegado de Polícia. A Lei de Interceptação Telefônica (Lei 9.296/96) nada diz acerca dessas informações e a Lei 12.830/13, que trata da investigação criminal realizada pelo Delegado de Polícia reitera o poder requisitório dessa autoridade, não somente para os casos elencados na Lei 13.344/16, mas para qualquer investigação, nos termos do artigo 2º. , § 2º., da Lei 12.830/13.
Essas disposições não conflitam com as normas constitucionais, pois que a Constituição Federal somente assegura a reserva de jurisdição para os casos de interceptação das comunicações telefônicas, nada dizendo sobre dados e informes cadastrais (inteligência do artigo 5º., XII, CF). Quanto à preservação da intimidade e da vida privada, conforme consta do artigo 5º., X, CF, há que ter em mente que a mera informação de cadastros não configura uma violação considerável da privacidade, tendo em conta a proporcionalidade ínsita à motivação que justificará a requisição, qual seja, a existência de uma investigação em andamento pelo Delegado de Polícia ou pelo membro do Ministério Público interessado.
Atente-se, porém, que a lei é bem clara quanto a quais autoridades podem se valer desse poder requisitório. São elas somente o membro do Ministério Público e o Delegado de Polícia (Autoridade Policial em sentido estrito). Não é viável que qualquer outro policial ou autoridade administrativa pretenda se valer dessa prerrogativa (v.g. policiais militares, policiais civis e federais em geral, policiais rodoviários federais, agentes da ABIN etc.). A interpretação ampliativa é inviável porque a prerrogativa importa em violação de informes sobre a vida das pessoas, sendo, portanto, restritiva de direitos fundamentais e somente comportando uma interpretação igualmente restritiva.
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Esses informes cadastrais poderão ser requisitados diretamente não somente de entidades privadas, mas também de órgãos do poder público e a negativa injustificada de fornecimento configura crime de desobediência, nos termos do artigo 330, CP.
A lei inclusive estabelece um prazo curto para o fornecimento das informações. Esse prazo é de 24 horas a partir do recebimento da requisição ministerial ou policial (artigo 13 – A, Parágrafo Único, CPP). O prazo previsto é impróprio, pois que sua dilação, ainda que indevida, não acarretará a invalidade dos dados obtidos, embora, como já dito, sujeite o infrator às penas por desobediência.
Os incisos I a III do artigo 13 – A, Parágrafo Único, CPP estabelecem o conteúdo mínimo da requisição ministerial ou policial. Ela deve conter: a) o nome da autoridade requisitante; b)o número do inquérito policial e c)a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação.
De acordo com o disposto nos incisos acima elencados há que haver Inquérito Policial devidamente instaurado para que se possa fazer a requisição. Não será possível fazê-la sem a instauração de Inquérito, com base em simples Ordem de Serviço, Apuração Preliminar ou Boletim de Ocorrência. Como a lei exige o Inquérito Policial e também a identificação da unidade de Polícia Judiciária responsável pela investigação, seria de se concluir que o Ministério Público somente poderia requisitar os informes em havendo Inquérito Policial instaurado e não com base em investigações diretas promovidas por aquele órgão, a nosso ver à margem da lei. No entanto, tendo em vista o posicionamento do STF sobre a validade das investigações diretas promovidas pelo Ministério Público, há que compreender que a lei disse menos do que queria. Portanto, haverá de existir ou Inquérito Policial instaurado ou Procedimento Investigatório Criminal (PIC) do Ministério Público, sendo fato que neste último caso a indicação será da unidade do Ministério Público responsável pela investigação e não da unidade de Polícia Judiciária.
A Lei 13.344/16 também incluiu no Código de Processo Penal o artigo 13 – B. Ali não se tratam de registros de dados cadastrais e informações
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pessoais constantes de empresas privadas ou órgãos públicos em geral. O acesso para fins de investigação agora diz respeito aos “meios técnicos adequados”, através de “sinais, informações ou outros” instrumentos para fins de localização “da vítima ou dos suspeitos do delito em curso”.
Na realidade, essa possibilidade de requisição já existia em decorrência do poder de investigação do Estado com relação às infrações penais. Ademais, já decorria naturalmente do disposto no artigo 4º., “caput” c/c artigo 6º, III., CPP , na medida em que a devida apuração dos fatos e determinação da autoria poderia depender dessas localizações. Além disso, a já mencionada Lei 12.830/13 vinha reforçar esse entendimento (artigo 2º., §§ 1º. e 2º.).
Por isso, embora o artigo 13 – B, CPP mencione tão somente essa possibilidade de requisição para os casos que versem sobre o “tráfico de pessoas”, não se enxerga qualquer motivo que impeça sua aplicação a outros casos de gravidade em que a diligência seja imprescindível. São exemplos os casos elencados no artigo 13 – A, bem como situações de roubo, tráfico de drogas entre outros.
Novamente quem poderá pleitear essa requisição de informações será o membro do Ministério Público ou o Delegado de Polícia, sendo a lei muito clara, não deixando qualquer margem para interpretação diversa a ampliar o rol de legitimados ativamente para o pedido. Porém, diversamente do artigo antecedente, o membro Ministério Público e o Delegado de Polícia não poderão (a não ser excepcionalmente, como se verá mais adiante) requisitar diretamente as informações. Há imposição de intermediação judicial. Ou seja, caberá ao Membro do Ministério Público ou ao Delegado de Polícia requerer ou representar, respectivamente, ao Juiz de Direito para a obtenção da devida ordem. Compreende-se essa restrição. No artigo 13 – A, CPP tratam-se de meros dados cadastrais estáticos. Já o artigo 13 – B, CPP se refere à dinâmica movimentação ou localização de uma ou várias pessoas, implicando num monitoramento que pressupõe uma invasão de privacidade bastante mais intensa. Por essa razão imprescindível a autorização judicial, não por força do disposto no artigo 5º., XII, CF, mas por causa do estatuído no artigo 5º., X, CF que tutela a vida privada e a intimidade das pessoas. Anote-se, porém, que não exige a lei, em caso de
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representação do Delegado de Polícia, a prévia manifestação ministerial, podendo o juiz decidir diretamente, embora a praxe forense seja a da prévia oitiva do Ministério Público. Seja como for, o magistrado não estará atrelado nem à representação do Delegado de Polícia, nem ao requerimento ou manifestação do Ministério Público.
A ordem judicial será então endereçada às “empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática”. O cumprimento do fornecimento das informações não tem prazo. Deve ser feito imediatamente, segundo a letra explícita da lei. Nada mais adequado, pois que se trata de diligência marcada pela extremada urgência, visando à localização de vítimas e suspeitos, muitas vezes implicando em risco de morte para os sujeitos passivos do crime de “tráfico de pessoas”, ou mesmo outros crimes similares, de que é exemplo, a extorsão mediante sequestro. [1] Obviamente que o descumprimento da ordem, sem justa causa, ensejará crime de desobediência.
A Lei 13.344/16, como não poderia deixar de ser, sob pena de inconstitucionalidade (inteligência do artigo 5º., XII, CF), consigna que o fornecimento de sinais e informações não implicará o acesso ao conteúdo de comunicações de qualquer natureza. Este depende de autorização judicial específica, conforme disposto na lei. Essa lei, é a Lei de Interceptação Telefônica (Lei 9.296/96). Ver-se- á que isso é relevante na medida em que, em situações excepcionais, tal requisição poderá dar-se sem intermediação judicial, sendo apenas posteriormente submetida à avaliação do judiciário. Isso, obviamente, de acordo com o artigo 5º., XII, CF c/c a Lei 9296/96 não é possível no que se refere ao conteúdo de comunicações telefônicas de qualquer natureza e/ou telemáticas, incluídas aí, conforme recentes decisões do STJ, as comunicações via dispositivo de whatsapp (HC 51.531 – RO (2014/0232367-7).
Corretamente a legislação estabelece uma devida proporcionalidade temporal nesse monitoramento investigativo. O artigo 13 – B, § 2º., II, CPP determina o fornecimento dos informes por período máximo de 30 dias, renovável uma única vez por igual período, ou seja, mais 30 dias no máximo. Portanto, o monitoramento somente poderá ocorrer por prazo improrrogável de 60 dias. Essa determinação legal expressa constitui um
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avanço em relação à redação da Lei de Interceptação telefônica (Lei 9296/96 – artigo 5º.) que determina o período de quinze dias renovável por igual período, mas não diz expressamente que essa renovação será de apenas uma vez. Essa indeterminação legal gerou insegurança jurídica e posições doutrinárias e decisões jurisprudenciais admitindo renovações reiteradas bem acima de 30 dias. Há notícias de interceptações que duraram anos a fio. No HC 76686, a 6ª. Turma do STJ afastou a tese da possibilidade legal das renovações indeterminadas, anulando um caso em que a Polícia Federal realizava interceptações por mais de 2 anos ininterruptos. Tal “decisum” marca uma mudança de paradigma na jurisprudência que tendia a acatar a tese da legalidade das renovações indeterminadas temporalmente. Não obstante, quanto aos sinais de localização previstos na Lei 13.344/16, não resta qualquer margem de dúvida: somente podem perdurar por 30 dias mais 30 dias de renovação no máximo. A única chance de que esse tempo seja excedido será o surgimento de fatos novos que impliquem, na verdade, em nova ordem para apuração de outras ocorrências surgidas no decorrer da investigação.
É preciso salientar que os prazos acima são penais, de modo que é contado o dia do início. Isso porque implicam em restrição de direitos fundamentais. Como já dito, a lei estabelece os prazos máximos, nada impedindo que a ordem judicial fixe prazos menores do que os previstos legalmente no caso concreto de acordo com a proporcionalidade. O que não pode ocorrer, é o deferimento de prazos extrapolantes do limite legalmente estabelecido. Isso fará com que haja abuso de autoridade (ao menos em tese) e levará à ilicitude da prova obtida, bem como de outras provas dela derivadas, nos estritos termos do artigo 157 e seu § 1º., CPP c/c artigo 5º. , LVI, CF.
O inciso III do artigo 13 – B, § 2º., CPP torna-se ininteligível e até contraditório com os demais dispositivos sob comento se não interpretado sistematicamente com o § 4º. do mesmo artigo.
Ocorre que o inciso III sobredito estatui que “para períodos superiores àquele de que trata o inciso II” (ou seja, 30 dias mais 30 dias no máximo), “será necessária a apresentação de ordem judicial”. Ora, mas não se acabou de ver que é sempre necessária ordem judicial de acordo com o disposto no
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artigo 13 – B, “caput”, CPP? E também que não é possível, em regra, extrapolar esses prazos? Como compreender isso?
Já foi mencionado neste texto que, excepcionalmente, a ordem de fornecimento dos sinais poderá emanar diretamente do membro do Ministério Público ou do Delegado de Polícia, independentemente de intermediação judicial. Esse é o caso previsto no § 4º., do artigo 13 – B, CPP. Ali consta que o magistrado ao receber o requerimento do Ministério Público ou a representação do Delegado de Polícia, terá um prazo máximo de 12 horas para proferir decisão. Ficando inerte acima desse prazo, abre-se a possibilidade, excepcional e urgente, de que o Ministério Público ou o Delegado de Polícia faça a requisição diretamente e somente comunique o juízo depois para a devida avaliação de legalidade postergada. Observe-se que somente pode ocorrer essa atuação emergencial do Ministério Público ou do Delegado de Polícia em caso de inércia judicial. Se o magistrado indefere a ordem não pode o Delegado de Polícia ou o Membro do Ministério Público violar a decisão judicial e atuar por conta própria, pois estará produzindo provas ilícitas e incidindo em abuso de autoridade crasso. Nesses casos de indeferimento judicial, somente restará ao Delegado de Polícia refazer o pedido quantas vezes necessário, procurando satisfazer as exigências judiciais. Quanto ao Ministério Público, a lei não menciona eventual recurso. Portanto, a nosso entender caberá impetrar Mandado de Segurança com pedido de liminar contra a decisão judicial e aguardar a manifestação jurisdicional de segundo grau. Inclusive poderá o Ministério Público fazer isso com relação a representação do Delegado de Polícia que tenha encampado.
A comunicação ao juiz nestes casos deverá ser imediata, podendo perfeitamente ocorrer que o magistrado revogue a requisição ministerial ou policial em caso de ilegalidade.
Numa interpretação sistemática percebe-se então que não há contradição entre o inciso III do artigo 13 – B, § 2º., CPP e o próprio artigo 13 –B. O inciso em comento se refere a casos em que a requisição tenha sido feita diretamente pelo Delegado de Polícia ou membro do Ministério Público, devido à inércia judicial no prazo de 12 horas. Esse prazo de 12 horas deve ser contado a partir da abertura de vistas ao magistrado.
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Não obstante, ainda resta uma incongruência entre os incisos II e III. Isso porque o segundo dá a entender que o prazo de fornecimento de sinais pode ser maior do que 60 dias, enquanto o primeiro é expresso em afirmar a renovação única não ultrapassando os 60 dias.
Vislumbram-se dois posicionamentos que podem emergir na doutrina e na jurisprudência:
a)O limite de 30 dias com apenas uma renovação de 30 dias será apenas para os casos de requisição direta sem intermediação judicial. Com ordem judicial o prazo de 30 dias poderá, fundamentadamente, ser renovado por igual período quantas vezes for necessário, dentro de um critério de proporcionalidade aberto.
b)O limite de 30 dias com apenas uma renovação de 30 dias vale tanto para a requisição direta (neste caso sem qualquer margem de dúvida), quanto para a requisição precedida de ordem judicial na forma do artigo 13 – B, “caput”, CPP. O inciso III serve como elemento de contenção para os casos de requisição direta ministerial ou policial, reforçando o já disposto no inciso anterior, bem como tem aplicabilidade para renovações excepcionais via judicial quando ocorrerem fatos novos, conforme já foi esclarecido neste texto, obedecendo-se critérios rigorosos de proporcionalidade. Um exemplo seria o seguinte: imagine-se que através de fornecimento de sinais por 60 dias com ordem judicial se tenha logrado localizar uma pessoa mantida em cativeiro para fins de tráfico de pessoas. No entanto, ouvida tal pessoa libertada, ela indica a existência de mais indivíduos vítimas do mesmo grupo criminoso, sendo necessário, adequado e proporcional a renovação até a libertação e todos os vitimados. Essas renovações, obviamente, deverão ocorrer por força de ordem judicial. Também fica claro, por meio do inciso III, que para renovações que tais, mesmo no caso de inércia judicial estará vedado ao Ministério Público ou ao Delegado de Polícia agir por conta própria, ainda que em ação emergencial. Essa atuação se reduz somente à primeira requisição e sua renovação.
Observe-se que quando for o caso de requisição direta emergencial, nos termos do artigo 13 – B, § 4º., CPP, será desejável que o membro do
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Ministério Público ou o Delegado de Polícia instrua sua requisição com o requerimento ou representação protocolados, comprovando a inércia judicial no prazo de 12 horas. Isso para que as empresas de telefonia ou telemática tenham maior segurança de estarem cumprindo uma requisição legalmente embasada. Inobstante, não cabe às referidas empresas questionar as requisições (que são “ordens”, não pedidos) do Ministério Público ou do Delegado de Polícia. Essas autoridades, se agirem à margem da lei, responderão por isso e não as pessoas ligadas à empresa fornecedora do sinal, eis que estas estarão acobertadas pela presunção de legitimidade dos atos de todo e qualquer funcionário público. Na mesma medida, não cabe às empresas discutir a ordem judicial pelos mesmos motivos.
Finalmente cabe lembrar que para o fornecimento dos dados cadastrais previsto no artigo 13 – A, CPP, mister se faz haver já instaurado Inquérito Policial ou Procedimento Investigatório Criminal do Ministério Público (Inteligência do artigo 13 – A, Parágrafo Único, II e III, CPP). Quanto ao fornecimento imediato de sinais para localização de vítimas ou suspeitos, a lei deixa claro que se prescinde da prévia instauração de Inquérito Policial ou PIC. Prevalece aqui a urgência da medida, eis que não se trata da mera obtenção de cadastros, mas da localização de vítimas, muitas vezes privadas da liberdade e em risco de morte, assim como de criminosos cuja conduta deve ser sustada o mais rápido possível. É por isso que o § 3º., do artigo 13 – B, CPP concede ao Delegado de Polícia o prazo de 72 horas, contado do registro da respectiva ocorrência policial, para a devida instauração do Inquérito Policial. O mesmo pode-se dizer do Ministério Público em relação do PIC. Em não sendo cumprido esse prazo, as provas obtidas serão ilícitas, pois que terá havido violação de norma constitucional afora a norma processual (artigo 13 – B, § 3º., CPP c/c artigo 5º., X, CF). Essas provas serão inadmissíveis (artigo 157, CPP c/c 5º., LVI, CF), razão pela qual deve haver grande zelo por parte do Delegado de Polícia e do membro do Ministério Público a respeito do cumprimento desse prazo crucial. Pode-se, portanto, afirmar que se trata de um prazo próprio, eis que sua infração gerará a invalidade das provas obtidas.
NOTA:
[1] Como já dito, entende-se que por aplicação extensiva do dispositivo e outras normas preexistentes a requisição é possível
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para vários casos de gravidade que a justifiquem dentro da proporcionalidade.
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ASSÉDIO MORAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO E SEUS ASPECTOS JURÍDICOS
NATHALIA LISBOA DE AGUILAR: Advogada e Juíza Leiga do TJ BA - Juizado Especial Cível. Concurseira. Aprovada no concurso de conciliador e juiz leigo do TJ BA 2014 e na Procuradoria do Município de Salvador (cargo: procurador).
RESUMO: Esta pesquisa tem por finalidade apresentar o estudo do
assédio moral na relação de emprego, fenômeno também chamado de
terror psicológico, que consiste numa conduta abusiva, cruel e
humilhante, repugnada pela sociedade, capaz de atentar contra a
dignidade física, psíquica e emocional do trabalhador. A pesquisa utilizará
subsídios de vários ramos da ciência, dado seu caráter multidisciplinar.
Neste aspecto, o presente trabalho foi realizado através da pesquisa
bibliográfica e monográfica, utilizando como método de abordagem o
dedutivo e como método jurídico o sociológico, trazendo uma vertente
metodológica de natureza qualitativa. A pesquisa quanto ao objetivo geral
é exploratória e, será utilizado como técnica de pesquisa a documentação
indireta. Apesar deste tema ser alvo de debates e reportagens
atualmente, trata‐se de uma prática bastante antiga e que sempre se fez
presente na relação de emprego. Diante da relevância que o assédio tem
alcançado na esfera jurídica, faz‐se necessário um estudo mais
aprofundado quanto à responsabilidade civil do
empregado/empregador na prática do assédio moral dentro da relação
empregatícia. Esse fenômeno deriva de o agente escolher uma vítima, por
motivos que vão desde a luta por uma melhor colocação na empresa, até
a própria discriminação, e a ataca pontual ou freqüentemente com
atitudes hostis objetivando anulá‐la moralmente. O psicoterror acarreta
conseqüências nocivas para a saúde física e mental do trabalhador. Cabe
frisar que o assédio moral pode ser praticado tanto pelo empregado
quanto pelo empregador. A confirmação do ato ilícito capaz de gerar
responsabilidade, deve preencher alguns requisitos fundamentais, quais
sejam, ação ou omissão do agente, a culpa, o nexo causal e o dano. Sendo
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comprovado o assédio, cabe a responsabilização civil do agente causador,
devendo ser reparado o dano sofrido, pois a conseqüência jurídica do ato
ilícito é a obrigação de indenizar. Como a dignidade da pessoa humana é
um princípio fundamental e constitucional, norteador de toda relação de
emprego, torna‐se possível pleitear uma indenização por danos morais
e/ou materiais como uma forma de compensação do assédio moral
sofrido. É imprescindível ressaltar que a partir da Emenda Constitucional
nº45/2004, em seu artigo 114, inciso IV, a Constituição Federal ampliou a
competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações de indenização
por danos morais decorrentes da relação de trabalho.
Palavras‐chave: Assédio Moral. Responsabilidade Civil. Dano.
INTRODUÇÃO
O processo da globalização, bem como a universalização dos Direitos Humanos são exemplos de metamorfoses, que causaram a origem de novos problemas a serem desvendados pelos operadores do direito em todas as esferas jurídicas, e não é por acaso que as mudanças no que concerne às atitudes dentro ambiente de trabalho foram conseqüências de tais transformações.
A presente monografia tem por finalidade demonstrar a forte incidência do fenômeno do assédio moral no âmbito do direito do trabalho brasileiro. Mesmo se tratando de uma violência psicológica antiga contra o trabalhador, ainda é um tema com pouca expressão na legislação brasileira.
Tendo em vista, a proteção constante feita ao trabalhador, tanto no seu aspecto físico quanto psíquico-emocional, tornou-se um tema com ampla discussão entre os profissionais de diversas áreas da ciência, envolvendo desde o campo da medicina do trabalho até os Tribunais de nosso país, sendo estes confrontados diariamente com casos concretos, todos envolvidos com uma forte preocupação social.
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O assédio moral pode ser identificado como um fenômeno capaz de atormentar e depreciar as relações humanas no ambiente de trabalho. As vítimas, normalmente, são aqueles trabalhadores com alta capacidade profissional e competência, pois, são indivíduos alvos de inveja e cobiça, que se vêem envolvidos em todo um processo degenerativo e aniquilador do meio ambiente laborativo saudável. Já o agressor, por vezes, age na surdina, de forma discreta, sendo imperceptível suas práticas abusivas, apesar de existirem casos em que o assédio é absolutamente visível, já que o agressor faz questão que a vítima seja alvo de chacota.
É imperioso consignar que a situação apresentada possui uma escassa doutrina, pois os debates e jurisprudências só ganharam vigor e propulsão recentemente, sendo assim, propõe-se a caracterizar o assédio moral na relação de emprego e esclarecer sobre a responsabilidade civil dos empregados/empregadores diante da prática de tal ato. Ainda vale ressaltar que, existe apenas um projeto de lei federal que pretende qualificar o assédio moral como crime, apesar disso, causa inquietação verificar as sanções no âmbito civil que poderão ser aplicadas ao assediador.
A vertente metodológica da pesquisa será de natureza qualitativa. Isso porque tem-se como objetivo abordar situações complexas e estritamente particulares, ou seja, não se pretende numerar ou medir unidades ou categorias homogêneas, mas sim, tão somente, descrever pormenorizadamente o que diferentes especialistas no tema defendem, e após isso, estabelecer uma correlação para expor uma conclusão. Desta forma, a presente pesquisa não poderia deixar de ter outro tipo de abordagem, estando voltada para o lado social e tendo sua base estrutural no estudo de diversos especialistas.
O método de abordagem desta pesquisa será o dedutivo. A pesquisa partirá de uma premissa geral para uma específico, iniciando com as definições de relação de emprego e de assédio moral até chegar à responsabilidade civil do empregado/empregador que pratica o assédio moral na relação de emprego.
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O método jurídico de interpretação será o sociológico. Este critério trata o direito como um fenômeno cultural, um processo que se desenvolve no espaço e no tempo, estando em constante mutação em conseqüência de fatores exógenos e endógenos, considerando o direito como objeto e conteúdo da cultura. Assim, não se poderia utilizar outro método jurídico, pois será demonstrado que o fenômeno do assédio moral apesar de ser antigo, só teve seu reconhecimento recente, quando o direito do trabalho passou a proteger e se preocupar também com a saúde e o aspecto psíquico-emocional do trabalhador.
A classificação da pesquisa quanto ao objetivo geral será a exploratória, uma vez que possui uma idéia de reflexão e ampliação de conceitos. Será realizada uma exposição do assédio moral e sua incidência na relação de emprego, refletindo sobre os motivos que levam um empregado a sofrer humilhações e as possíveis conseqüências na integridade física e psíquica do mesmo.
Ter-se-á também uma pesquisa bibliográfica, no que se refere à classificação quanto aos procedimentos técnicos utilizados, já que se trata do levantamento de toda bibliografia publicada e que tenha relação com o tema em estudo. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo aquilo que foi escrito sobre determinado assunto. Serão utilizadas obras analíticas para uma melhor compreensão do tema abordado, uma vez que se preparou a presente monografia utilizando como fonte livros, artigos doutrinários, revistas jurídicas e artigos veiculados na internet, com a opinião de renomados juristas e especialistas no assunto, bem como na jurisprudência pátria, caracterizando uma técnica de pesquisa a ser seguida por documentação indireta.
Destaque-se que, na pesquisa, antes de se adentrar efetivamente na responsabilidade civil da conduta do assediador e suas conseqüências jurídicas, far-se-á uma abordagem geral dos assuntos que certamente estão inteiramente interligados ao assédio moral, em cujos passos analisar-se-á de forma sucinta os aspectos principais dos capítulos.
Preliminarmente, no primeiro capítulo, relatam-se as noções gerais do assédio moral no tempo, esclarecendo as primeiras
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pesquisas e os primeiros estudiosos que abordaram o assunto. Apresenta-se uma visão geral e as variadas definições do tema, mencionando as diferentes denominações em outros países para o mesmo fenômeno, e os seus elementos caracterizadores.
Ademais, explicar-se-á a importância da proteção ao princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que quando o assediador comete o assédio moral perante uma vítima, fere um princípio constitucional.
No segundo capítulo, tratar-se-á de outro aspecto imperioso, pois será definida a relação de emprego e seus elementos caracterizadores, mostrando os sujeitos desta relação. Após, apresentar-se-ão os tipos de assédio moral, classificação feita a partir dos sujeitos que cometem o assédio, explicando ainda, os perfis do agressor e da vítima, desse processo cruel de violência psicológica, caracterizando suas condutas e finalidades.
No terceiro e último capítulo, expor-se-ão os pressupostos e tipos da responsabilidade civil, fazendo uma correlação com a ação do assediador ou a omissão dos seus colegas.
Merece destaque que ao abordar-se este aspecto, busca-se esclarecer que os requisitos fundamentais da responsabilidade civil também serão aplicados ao assédio moral para a busca de uma futura indenização por dano moral, sendo analisado de acordo com os sujeitos da relação de emprego.
Explicar-se-á que a vítima, devido às conseqüências emocionais e físicas acarretadas pela violência psicológica, terá um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, de pleitear indenização contra o assediador ou até mesmo contra a empresa em que labora.
Mais adiante, será analisado o foro competente para ajuizar uma ação de indenização por danos morais, competindo à vítima recorrer perante a Justiça do Trabalho, de acordo com a mudança da competência trazida pela nova emenda constitucional nº 45/2004, em seu artigo 114, inciso VI, da Constituição Federal.
Desta forma, fez-se o máximo para desvendar os aspectos jurídicos que norteiam a prática do assédio moral na relação de emprego, apesar de não ser nossa intenção esgotar o tema, vez
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que sua dimensão é vasta, ter-se-á como objetivo atribuir uma visão mais ampla, buscando abordá-lo nas questões que mais possam interessar ao operador do Direito, o qual necessitará conhecer o fenômeno e seus reflexos dentro da relação de emprego, para poder proferir um julgamento baseado na justiça e atribuir um valor eficaz a respeito de reparação.
CAPÍTULO I
NOÇÕES GERAIS DO ASSÉDIO MORAL
. Aspectos Conceituais
O assédio moral é considerado um fenômeno social com grande relevância nos dias atuais, todavia, não se caracteriza como um fenômeno novo, pois, sempre foi praticado em vários países. A novidade reside na intensificação, gravidade, amplitude e banalização do fenômeno que atualmente é destaque tanto no Brasil, quanto no plano internacional.
O assédio moral é tão antigo quanto a própria atividade laboral, mas, somente no início, em meados de 1970, que foi realmente identificado como sendo um fenômeno destruidor do ambiente de trabalho, acarretando sintomas prejudicais à saúde física e mental da vítima.
Segundo Hirigoyen (2002), em 1972 um médico sueco Peter Heinemann, publicou o primeiro livro sobre mobbing, o qual tratava da violência de um grupo de crianças.
O termo mobbing vem do verbo inglês to mob, cuja tradução é maltratar, atacar, perseguir, sitiar. As primeiras pesquisas sobre o assédio moral no trabalho iniciaram no campo da Medicina e da Psicologia do Trabalho.
No início de 1984 o psicólogo Heinz Leymann, de origem alemã, publica num pequeno ensaio científico, demonstrando as conseqüências do mobbing, sobretudo na esfera neuropsíquica, relatando sobre a pessoa exposta a um comportamento humilhante no trabalho durante certo período de tempo, seja por parte dos superiores, seja por parte dos colegas.
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Heinz estabeleceu que, para caracterizar a ação como mobbing, era necessário que as humilhações se repetissem pelo menos uma vez na semana e tivessem a duração mínima de seis meses. O autor citado por Hirigoyen (2002, p.77) explica que mobbing “consiste em manobras hostis, que sejam freqüentes e repetidas no ambiente de trabalho, objetivando sistematicamente a mesma pessoa.”
Com a difusão de seu estudo em meados dos anos 90, Leymann acabou por difundir o resultado de suas pesquisas por toda Europa. Após isso, a Alemanha adotou medidas de atendimento médico específico para amenizar o sofrimento das vítimas, e introduziu aspectos que envolvem o assédio moral em disciplina de estudo universitário, como parte da cadeira de Psicologia do Trabalho.
Na França, a vitimologia passou a ser especialidade na área médica, e consiste em analisar as razões que levam um indivíduo a tornar-se vítima, os processos de vitimação, as conseqüências a que induzem e os direitos que podem pretender.
Segundo Hirigoyen (2002), Heinz Leymann continuou a fazer levantamentos estatísticos na Suécia e participou da formação de pesquisadores nos países de língua alemão. Em 1990, por exemplo, calculou que 3,5% dos assalariados suecos foram vítimas de assédio.
Essas pesquisas de Heinz Leymann consolidaram uma lei em 1994 sobre condições de trabalho, completada sobre um decreto específico referente à vitimação no trabalho que caracterizava o assédio como sendo ações repetidas e repreensíveis dirigidos contra o empregado de uma maneira ofensiva.
. Conceito
É sabido que a palavra trabalhar vem do latim vulgar tripaliare, que significa torturar e é derivado do latim clássico tripallium, antigo instrumento de tortura.
Através dos tempos, o vocábulo “trabalho” veio sempre significando fadiga, esforço, sofrimento, cuidado, encargo; em suma, valores negativos, dos quais se afastam os mais afortunados.
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A evocação dessa etimologia e desse passado se faz bastante prudente porque guarda consonância com o cenário em que se descortina o assédio moral, um quadro de violência no ambiente organizacional donde emerge um fenômeno, que apesar de invisível muitas vezes, vem merecendo especial atenção das organizações, dos funcionários e da sociedade, como um todo devido aos danos que provoca.
Compreende-se pelo termo assediar, perseguir com insistência, importunar, molestar com perguntas ou pretensões insistentes.
Já o termo, moral vem da raiz latina mores que significa costumes, conduta, comportamento, modo de agir. Ainda pode ser definido como sendo o conjunto de costumes e opiniões que um indivíduo ou um grupo de indivíduos possuem relativamente ao comportamento humano ou o conjunto de regras de comportamento consideradas como universalmente válidas.
O assédio moral não é um fenômeno exclusivo do ambiente de trabalho, podendo desenvolver-se nas relações familiares, nas escolas, quartéis, enfim, em qualquer contexto de convívio humano.
No universo laboral, o assédio moral nasce inicialmente como algo
aparentemente inofensivo e difunde‐se insidiosamente, pois as pessoas
envolvidas se esquivam e acabavam levando os maus‐tratos e
desentendimentos na brincadeira.
Com isso, o assédio moral é considerado como aquela conduta que,
de forma intencional e freqüente, seja capaz de ferir a moral de uma
pessoa, chegando a por em risco seu emprego ou até mesmo degradar o
ambiente de trabalho.
As pressões por produtividade e o distanciamento entre de superior
hierárquico para o seu inferior, resultam na falta de comunicação direta,
desumanizando o ambiente de trabalho, aumentando a competitividade
e dificultando que o espírito de cooperação e de solidariedade surja entre
os trabalhadores.
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Observa‐se que normalmente o psicoterrorismo, como também é
chamado o assédio moral, no ambiente de trabalho, para Vilja Marques
(2004, p.819) se “origina na ganância pelo lucro e no abuso de poder.”
Até o momento, os estudiosos não chegaram a uma exata definição do tema, pois esse fenômeno pode der abordado sob diversos ângulos, seja social, psicológico ou jurídico, porém faz-se necessário mencionar um conceito da estudiosa Hirigoyen (2002, p.17):
O assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.
O assédio moral pode constituir uma maneira para atingir o terror
psicológico contra a vítima e a conseqüente degradação moral desta.
Isso porque inicialmente ocorre à prática de um ato que viole a
dignidade do trabalhador, sejam desde atitudes humilhantes até mesmo
ao isolamento, passando pela desqualificação profissional e acaba no
terrorismo, visando à destruição psicológica da vítima.
Em tal fenômeno, constata‐se que a violência isolada não é
verdadeiramente grave, o efeito destrutivo está nos microtraumatismos
freqüentes, repetidos e incessantes, em um certo lapso de tempo.
No mesmo diapasão, o conceito elaborado por Sônia Nascimento
(2004, p. 922) afirma que:
(...) assédio moral se caracteriza por ser uma
conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta
contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e
prolongada, e que expõe o trabalhador a situações
humilhantes e constrangedoras, capazes de causar
ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade
psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do
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empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de
trabalho, durante a jornada de trabalho e no
exercício de suas funções.
Vale ressaltar que não pode ser confundido o estresse com o
assédio moral, pois aquele além de ser um estado biológico, é gerado por
situações sociais e sócio‐psicológicas.
O estresse apenas se torna destruidor pelo excesso, mas o assédio
já é destruidor por si só.
O conceito de assédio moral é bem mais amplo, pois envolve duas
fases distintas: a primeira aparece quando o isolamento é moderado e a
agressão fica restrita às condições de trabalho, e a segunda acontece
quando a vítima já percebe ser alvo da má intenção do agressor.
Impende destacar pormenorizadamente essas duas etapas.
Preliminarmente, a violência é destilada em doses homeopáticas, paralisa
a vítima por meio de procedimentos de dominação, fazendo com que não
consiga mais se defender. Após isso, um indivíduo ou um grupo de
indivíduos exercem seu poder sobre a vítima.
Segundo o estudioso Heinz Leymann (apud HIRIGOYEN, 2002), psicólogo do trabalho, entende que o fenômeno é a deliberada degradação das condições de trabalho, por meio do estabelecimento de comunicações anti-éticas, que se caracterizam pela repetição por longo tempo de duração de um comportamento hostil que um superior ou colega desenvolve contra um indivíduo que apresenta, como reação, um quadro de miséria física, psicológica e social duradoura.
Sabe‐se, todavia, que, na raiz dessa violência no trabalho,
existe um conflito mal resolvido ou uma incapacidade da direção do local
de trabalho de administrar aquele e gerir adequadamente o poder
disciplinar.
Por fim, cabe aqui destacar que a jurisprudência começa a se manifestar a respeito da temática, cuja ementa dispõe:
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Dano Moral. Assédio moral. Contrato de inação.
Indenização por dano moral. A tortura psicológica,
destinada a golpear a auto estima do empregado,
visando forçar sua demissão ou apressar a sua
dispensa através de métodos que resulte em
sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis,
sonegar‐lhe informações e fingir que não o vê, resulta
em assédio moral, cujo efeito é o direito à
indenização por dano moral, porque ultrapassa o
âmbito profissional, eis que mina a saúde física e
mental da vítima e corrói a sua auto‐estima. No caso
dos autos, o assédio foi além, porque a empresa
transformou o contrato de atividade em contrato de
inação, quebrando o caráter sinalagmático do
contrato de trabalho, e por conseqüência,
descumprindo a sua principal obrigação que é a de
fornecer o trabalho, fonte de dignidade do
empregado. Recurso improvido. (TRT 17ª Região,
2001)
Observe que a jurisprudência já começa a definir os casos em que houve o assédio moral e a sua respectiva indenização.
1.2.1 Elementos do conceito
Como foi analisado, é difícil definir juridicamente e de forma objetiva o assédio moral, todavia observa-se que alguns doutrinadores enfatizam alguns elementos, dos quais serão analisados de forma sintética.
O primeiro diz respeito à intensidade da violência psicológica. Ela não deve ser analisada sob uma percepção subjetiva e particular do afetado, mas sim uma concepção objetiva que seja realmente grave.
Outro elemento muito importante, é o prolongamento no tempo, pois se for um episódio esporádico, não configura o assédio moral.
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O terceiro elemento seria a finalidade de ocasionar um dano psíquico ou moral ao empregado, para marginalizá-lo no seu ambiente de trabalho.
Como último elemento, tem-se pela efetividade do dano psíquico, os quais se reveste de índole patológica. Este dano poderá ser permanente ou transitório, e depende de um diagnóstico clínico que possa comprovar.
Segundo Barros (2006, p.890) “o último elemento é dispensável, pois acredita que o conceito de assédio moral deve ser definido pelo comportamento do assediador e não pelo resultado danoso à vítima.” Este entendimento possui grande relevância, pois se preocupa preventivamente, caracterizando não pelo resultado, mas sim pela ação.
1.2.2 Diferentes nomenclaturas
O fenômeno do assédio moral sempre existiu em toda parte, mas por haver uma diversidade de contextos e culturas, possui várias denominações diferentes.
A expressão mobbing surgiu nos Estados Unidos e origina-se do inglês “to mob”, que significa maltratar, atacar, agredir. Márcia Guedes (2003) relata que o mobbing indica literalmente, o tipo de agressão praticada por algum animal que, circundando ameaçadoramente um membro do grupo, provoca a fuga deste pelo pavor de ser atacado e morto.
Nas relações de trabalho, mobbing significa todos aqueles atos e comportamentos provindos do patrão, gerente ou superior hierárquico, ou até mesmo dos colegas, que traduzem uma atitude contínua e ostensiva perseguição que possa acarretar danos relevantes às condições físicas, psíquicas e morais da vítima.
O termo bullying vem do verbo inglês to bully que significa tratar com grosseria e desumanidade. A autora Hirigoyen (2002, p.79) esclarece que anteriormente a palavra bullying descrevia situações humilhantes, vexames e ameaças que algumas crianças ou grupos de crianças que infligiam as outras. Posteriormente, o termo foi estendido às agressões sofridas nos exércitos, no
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ambiente familiar, contra as pessoas idosas e no mundo do trabalho.
Existe uma diferença básica entre o termo bullying e mobbing é que o primeiro possui uma acepção mais ampla, pois vai de chacotas e isolamentos até condutas abusivas ou agressões físicas, prevalecendo a violência individual do que a organizacional.
Para Dieter Zapf (apud HIRIGOYEN, 2002, p.80) o bullying é originário majoritariamente de superiores hierárquicos, enquanto o mobbing é um fenômeno mais de grupo.
Já o termo whistleblowers ocorre quando alguém inserido no âmbito laboral detecta problemas no funcionamento normal da empresa e denuncia, conseqüentemente sofre represálias em virtude de não ter obedecido à regra do silêncio.
Nesse caso, vislumbra-se uma forma específica de assédio moral, pois tem como objetivo tão somente calar quem não obedece à regra de ficar em silêncio. Na maior parte dos países de origem anglo-saxônica como Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Austrália foram tomadas medidas para proteger os denunciadores.
Também existe o ijime, cuja origem é japonesa, e significa assédio moral. Esse fenômeno visa suprimir a individualidade, ou seja, o trabalhador deve ser padronizado, sem ser individualista ou mesmo sem ter uma personalidade marcante.
. Distinção entre o Assédio Moral e o Assédio Sexual
Não se deve confundir o assédio sexual com o assédio moral, existem diferenças substanciais entre um e outro.
O assédio sexual é um tipo penal introduzido pela Lei n. 10.224, de 15.5.2001, que se encontra descrito no rol dos crimes contra os costumes, inserido no capítulo que trata dos delitos contra a liberdade sexual.
Considera‐se o assédio sexual como toda conduta de natureza
sexual nãodesejada que, embora repelida pelo destinatário, é
continuadamente reiterada, cerceando‐lhe a liberdade sexual.
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Por outro lado, caracteriza‐se o assédio moral por um terror
psicológico, expondo a vítima em situações humilhantes e
constrangedoras, que sejam repetitivas e prolongadas, durante a sua
jornada de trabalho e no exercício de suas funções.
A definição legal de assédio sexual está prevista no artigo 216‐A, do
Código Penal Brasileiro (PINTO; WINDT; CÉSPEDES, 2006, p.562), incluído
pela Lei nº10.224/01:
Art. ‐A. Constranger alguém com o intuito de
obter vantagem ou favorecimento sexual,
prevalecendo‐se o agente da sua condição de
superior hierárquico ou ascendência inerentes ao
exercício de emprego, cargo ou função. Pena
detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Veja‐se que o assédio sexual é uma forma de abuso de poder no
ambiente de trabalho, já caracterizado como um delito penal, sujeitando
o assediador a uma pena. Já o assédio moral, apesar de ser um fenômeno
de acarreta grandes conseqüências psicológicas, não é considerado um
crime.
Impende esclarecer que existe um projeto de Lei de nº 4.742/2001,
que pretende introduzir ao Código Penal Brasileiro, um artigo 146 – A que
tipifica o crime de assédio moral.
Neste aspecto, também existe diferença entre o assédio sexual
e o assédio moral, uma vez que este não ocorre obrigatoriamente do
superior hierárquico para o inferior. Podem acontecer casos, mesmo
sendo raro na prática, de existir um inferior hierárquico assediando
moralmente o seu superior.
Veja‐se que o assédio sexual normalmente é caracterizado como
uma violência vertical, de cima para baixo, em que o agressor ocupa
posição hierarquicamente superior ou detém posição privilegiada.
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Já o assédio moral, como menciona Guedes (2003, p.163), “é uma
violência multilateral, pois, pode ser tanto vertical, horizontal ou misto,
sendo continuada e visando excluir a vítima do local de trabalho.”
Não se pode esquecer que o assédio sexual no ambiente de trabalho provoca, também, perdas à própria organização, em razão da deturpação de critérios de admissão, promoção e demissão, além da perda da motivação por parte de funcionários e a mácula da imagem institucional.
No assédio moral, o agressor pode utilizar-se de gestos obscenos, palavras de baixo escalão para agredir a vítima, detratando sua auto-estima e identidade sexual, diferentemente do assédio sexual cujo objetivo é dominar sexualmente a vítima.
1.4 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Destaque-se que os princípios expressam uma diretriz, já que não possuem regular situação jurídica específica, nem se reportam a um fato particular, prescrevendo o agir humano em conformidade com os valores jurídicos.
Diante de um maior grau de abstração, irradiam-se os princípios pelos diferentes setores da ordem jurídica, embasando a compreensão unitária e harmônica do sistema normativo.
A inobservância de um princípio ofende não apenas um específico mandamento obrigatório, mas a todo um complexo de comandos normativos.
Vale ressaltar que Eros Grau (2002, p. 170) menciona que
(...) enquanto as regras estabelecem o que é devido e o que não é devido em circunstâncias nelas próprias determinadas, os princípios estabelecem orientações gerais a serem seguidas em casos, não predeterminados no próprio princípio, que possam ocorrer.
O princípio da dignidade da pessoa humana é considerado como um princípio geral da Constituição Brasileira de 1988. Entende-se por princípios gerais do Direito, de acordo com Bastos (1997, p.144):
(...) as idéias fundamentais sobre organização jurídica de uma comunidade,
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emanados da consciência social, que cumprem funções fundamentadoras, interpretativas e supletivas, a respeito de seu total ordenamento jurídico.
Na Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana foi elevado ao patamar de fundamento do Estado Democrático de Direito, integrando a categoria dos princípios fundamentais.
O princípio da dignidade da pessoa humana está inserido no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna:
Art. º A República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui‐se em
Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
III ‐ a dignidade da pessoa humana(...).(PINTO;
WINDT; CÉSPEDES, 2006, p.7)
Rizzatto Nunes (2002, p.45) acentua que a “dignidade é o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos individuais.”
Com isso, a Carta Magna de 1988 garante ao trabalhador o direito de ter respeitada a sua dignidade como pessoa, sendo portanto, o assédio moral, um ato que viola este princípio.
Ainda mais específico, com relação ao trabalhador, a Constituição menciona em seu artigo, 5º, inciso III, no Capítulo II, correspondente às garantias e os direitos fundamentais individuais e coletivos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
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III ‐ ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante; (PINTO;
WINDT; CÉSPEDES, 2006, p.7)
O princípio da dignidade da pessoa humana neste aspecto possui duas dimensões que lhe são constitutivas: uma negativa e outra positiva. Aquela significa que a pessoa não venha ser objeto de ofensas ou humilhações.
Por outro lado, a dimensão positiva presume o pleno
desenvolvimento de cada pessoa, que supõe, de um lado, o
reconhecimento da total autodisponibilidade, sem interferências ou
impedimentos externos, das possibilidades de atuação próprias no seu
trabalho; de outro, a autodeterminação que surge da livre projeção
histórica da razão humana.
A estudiosa Barros (2006, p.886) afirma que “é exatamente a necessidade de proteção à dignidade do empregado que justifica a punição do assédio moral”.
Foi visto que o terror psicológico no local de trabalho se caracteriza exatamente pela exposição da vítima a situações humilhantes e degradantes, que se prolongam ao longo do tempo.
Observe que o agressor ao praticar o assédio moral na relação de emprego viola um princípio geral do direito, pois o trabalho é considerado uma fonte de dignidade do trabalhador.
Amauri Mascaro (2004) acrescenta que a dignidade é um valor subjacente a várias regras do direito.
A Consolidação das Leis Trabalhistas reza no seu artigo 483 (CARRION, 2006), os casos em que o empregador atenta contra a dignidade do empregado. Observe as seguintes hipóteses legais da dispensa indireta, por ofender a dignidade da pessoa do empregado:
a) a exigência de serviços superiores às suas forças, defesos por lei,
contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato (art. 483, a, da CLT).
A expressão engloba as acepções de força muscular, aptidão para a tarefa,
capacidade profissional. Serviço defeso em lei, envolve as atividades
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proibidas pela lei penal ou que oferecem risco à vida do trabalhador ou do
próximo. Trabalho contrário aos bons costumes, é aquele ofensivo a moral
pública. Serviços alheios ao contrato, representam a realização de tarefas
exigidas pelo empregador, que estão contrárias aos serviços pelos quais o
trabalhador foi contratado;
b) o tratamento pelo empregador ou por seus superiores
hierárquicos com rigor excessivo (art. 483, b, da CLT). Essa figura legal
compreende a presença de repreensões ou medidas punitivas
desprovidas de razoabilidade, configurando uma perseguição ou
intolerância ao empregado;
c) perigo de mal considerável (art. 483, c, da CLT), o qual ocorre
quando o empregado é compelido a executar suas tarefas sem que a
empresa faça a adoção das medidas necessárias para que o local de
trabalho esteja dentro das normas de higiene e segurança do trabalho;
d) quando o empregador ou seus prepostos praticarem contra o empregado ou pessoa de sua família ato lesivo a boa fama, honra ou ofensas físicas. (483, e, da CLT);
Conforme assinala Ingo Sarlet (2001, p.41), “a dignidade se afigura
como a qualidade integrante e irrenunciável da condição humana,
devendo ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida”.
Neste aspecto, impende ressaltar que o artigo 22, da Declaração
Universal dos Direitos Humanos (In: MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006),
aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro
de 1948, preconiza também como princípio fundamental o respeito à
dignidade da pessoa humana, caracterizando como um valor ético, in
verbis:
Artigo ‐ Todo o homem, como membro da
sociedade, tem direito à segurança social e à
realização, pelo esforço nacional, pela cooperação
internacional e de acordo com a organização e
recursos de cada Estado, dos direitos econômicos,
sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e
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ao livre desenvolvimento de sua personalidade.
(grifo nosso)
Conclui-se que o respeito à dignidade da pessoa humana, há muito tempo, já vigora como um princípio fundamental norteador de toda e qualquer relação, inclusive a de emprego.
Ademais, importante trazer à baila uma jurisprudência que considerou um atentado à dignidade da pessoa humana, contra o trabalhador exposto ao assédio moral:
Eleição do “Empregado Tartaruga”. Ato Patronal
Constrangedor e Ofensivo a Dignidade Da Pessoa
Humana ‐ Exposição do Empregado a Ridículo e a
Vexame. Reparação Por Dano Moral. Viabilidade.
Afronta a dignidade da pessoa humana a instituição,
pela empresa, de “eleição” mensal de “empregado
tartaruga”, para assim designar pejorativamente
aquele trabalhador que cometeu atrasos no horário
de entrada nos serviços, expondo o empregado
“eleito” ao ridículo, além de colocá‐lo em situação
vexatória perante os demais colegas de trabalho.
Louvável seria o empregador instituir mecanismos
para estimular ou incentivar os seus empregados à
assiduidade e à maior produtividade, sem causar‐
lhes constrangimentos no ambiente de trabalho.
Pedido de reparação por dano moral que se acolhe.
Recurso ordinário do empregado a que se dá
provimento. (TRT 15ª Região, 2001)
Portanto, o assédio moral atento contra um princípio fundamental,
pois o assediador ao praticar uma conduta abusiva, repetida e prolongada,
de natureza psicológica, atenta contra a dignidade psíquica do
trabalhador, expondo a situações constrangedoras, capazes de causar
ofensa à sua personalidade ou à sua integridade psíquica.
CAPÍTULO II
ASSÉDIO MORAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO
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. Relação de Emprego
Antes de comentar sobre a relação de emprego, convém destacar
inicialmente um pouco de sua história perante a humanidade.
Na Antiguidade, o trabalho, em grande parte era executado por
escravos cuja condição não era a de pessoa, mas de coisa. Só existiam
direitos para uns, os proprietários dos escravos, e deveres para os outros,
os escravizados. A ilimitação de poderes dos primeiros sobre segundos,
por conseguinte, era a característica desse período histórico.
Durante a Idade Média, a servidão da gleba difundiu‐se como a
principal instituição trabalhista. Os trabalhadores eram considerados os
servos da gleba, adstritos à área de cultivo a qual pertenciam, vivendo com
sua família e pagando uma renda, o chamado feudo, em troca de proteção
militar do senhor feudal.
No final da Idade Média surge as corporações de ofício que eram
órgãos privados ou públicos, conforme variações de espaço e tempo,
agrupavam mestres, companheiros e aprendizes, cabendo à corporação
impor as diretrizes fundamentais a que os cooperados estavam
submetidos.
De acordo com Amauri Mascaro (2004), o absolutismo corporativo
foi suprimido pela Revolução Francesa por meio da Lei de Chapelier, de 17
de junho de 1791, que considerou as corporações incompatíveis com o
ideal de liberdade do homem, fixando jornada de trabalho e salário, sem
a interferência das corporações.
As corporações de ofício foram extintas, e os empregados e
empregadores começaram a pactuar diretamente acordos trabalhistas,
fixando condições de trabalho sem qualquer interferência exterior,
surgindo com isso, a locação de serviços.
A locação de serviço foi a primeira forma jurídica de relação
trabalhista, que dava total liberalidade na vontade do trabalhador e
empregador, onde o primeiro prestava serviços e o segundo pagava
salários, sem interferência estatal. Havia plena autonomia da locação de
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serviços na ordem econômica, jurídica e social. Como o absolutismo das
corporações foi substituído pelo próprio arbítrio patronal, surgiu o
proletariado e a questão social.
A força de trabalho considerada uma mercadoria, pela economia
liberal, estava sujeita à lei da oferta e da procura, suscetíveis, portanto a
própria autonomia contratual e das disponibilidades do mercado.
O declínio da liberdade contratual, com o intervencionismo jurídico,
trouxe a figura do contrato de trabalho, possuindo características do
contrato de adesão.
Na fase contemporânea, para o autor Amauri Mascaro considera
que a regulamentação individual do trabalho:
(...) é o resultado de uma multiplicidade de
influências e de acontecimentos baseados no
pressuposto da necessidade de atribuir ao
trabalhador um estatuto que permita antepor‐se aos
eventuais arbítrios do empregador. Numa sociedade
plural e democrática, o papel desempenhado pelo
contrato de trabalho é de fundamental importância,
e os próprios fins a que se destina acham‐se em
consonância com a estrutura mesma da comunidade
política na qual é encontrado e se realiza. (MASCARO,
2004, p.496)
Assim, pode‐se observar a importância do contrato de trabalho
para reger as relações empregatícias numa sociedade democrática, uma
vez que expressa o acordo de vontades entre as partes contratantes.
2.1.1 Definição
Busca‐se nesta pesquisa o melhor entendimento sobre a prática do
assédio moral na relação de emprego, para isso definir‐se‐ão este vínculo
empregatício que forma um elo entre os sujeitos desta relação.
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A relação de emprego se trata de uma espécie da relação de
trabalho. “Existem relações de trabalho lato sensu que não podem ser
confundidas com a relação de emprego, esta considerada relação de
trabalho stricto sensu. “(MELGAR, 2003, p.35)
A relação de trabalho é mais abrangente, pois envolve não apenas
os empregados e empregadores, mas também os trabalhadores
eventuais, autônomos, avulsos, entre outros.
Há de se distinguir relação de emprego (também conhecida como
relação jurídica de trabalho), que pressupõe contrato, com relação de
trabalho de fato. Esta é uma manifestação da tendência do direito de fazer
efeitos jurídicos das situações de fato, já aquela pressupõe o contrato de
trabalho.
É admissível a seguinte distinção terminológica: relação jurídica de
trabalho é a que resulta de um contrato de trabalho, denominando‐se
relação de emprego e quando não haja nenhum contrato, será uma
simples relação de trabalho (de fato)
O vínculo entre empregado e empregador é de natureza contratual, ainda que no ato que lhe dê origem nada tenha sido ajustado, ou seja, desde que a prestação de serviço tenha se iniciado sem oposição do tomador, será considerado existente o contrato de trabalho. De certo que ninguém será empregado ou empregador senão em virtude de sua própria vontade, mesmo assim, se uma pessoa começar a trabalhar para outra sem que nada haja sido previamente combinado, mas haja o consentimento de quem toma o serviço em seu benefício (contrato tácito), pode se originar um contrato de trabalho. Ainda que não exista documento formal de contrato, ou mesmo seja o contrato nulo por motivos diversos, mas daquela prestação de fato podem resultar conseqüências jurídicas para as partes.
Para o estudioso Délio Maranhão (1993) o contrato de
trabalho stricto sensu é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa física
(empregado) se obriga, mediante o pagamento de uma contraprestação
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(salário), a prestar trabalho não eventual em proveito de outra pessoa,
física ou jurídica (empregador), a quem fica juridicamente subordinado.
Veja‐se, portanto, os elementos caracterizadores da relação de
emprego, quais sejam, pessoa física do obreiro, prestando trabalho de
forma contínua, mediante subordinação e recebendo uma
contraprestação.
O contrato de trabalho é, ainda, intuito personae em relação à pessoa do empregado, que não poderá ser substituído na execução das suas tarefas por quem quer que seja.
Ainda é de se destacar que, apesar da pessoalidade do empregador não ser elemento essencial para a caracterização do contrato de trabalho - pode haver sucessão de empresa, com alteração jurídica de sua constituição e funcionamento, sem que com isso reste afetado o contrato de trabalho, art. 10, da CLT – (CARRION, 2006), quando se tratar de empregador pessoa física, sua morte acarreta conseqüências para o contrato de trabalho, posto que nesse caso, ainda que prossigam as atividades, é facultada ao empregado a rescisão contratual sem que lhe recaiam ônus (art. 485, da CLT). Tal previsão é resquício do Direito Civil na legislação trabalhista (obrigação personalíssima).
É, ainda, sinalagmático, uma vez que dele resultam obrigações contrárias e equivalentes (ao empregado cabe efetuar os serviços e ao patrão efetuar o pagamento do salário combinado). É consensual; sucessivo; oneroso e que pode vir acompanhado de outros contratos acessórios, como, por exemplo, o de depósito (ex: o empregado é depositário de instrumentos de trabalho pertencentes ao empregador, como amostras de vendas, ferramentas de trabalho etc.)
A relação de emprego, segundo o entendimento do ilustre Mascaro
(2004, p.500), argumenta que “a relação jurídica de natureza contratual
tendo como sujeitos o empregado e o empregador e como objeto o
trabalho subordinado, continuado e assalariado.”
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Neste aspecto, existe uma causa e um objeto existentes na relação
de emprego. A causa pode ser entendida como um fim aparentemente
desejado pelas partes por meio do contrato, para o empregado, o salário
e outras garantias trabalhistas, e para o empregador, o trabalho e os
resultados das atividades do empregado.
A causa não deve ser confundida com o objeto, pois este é o modo
pelo qual o trabalho é prestado, ou seja, na relação de emprego o objeto
é trabalho subordinado e não eventual. Impende que o objeto seja lícito e
moral, caso não seja, a conseqüência será a sua ineficácia, como ocorre
com qualquer ato jurídico.
Todavia não é válida para o contrato de trabalho, a máxima do
Direito Civil, isto é, se o contrato é nulo nenhum efeito será produzido,
pois os efeitos gerados pelo trabalho são vários, como os salários
contraprestativos que lhe são devidos, além de outras vantagens
trabalhistas, sendo melhor aplicar a anulabilidade do que a nulidade, uma
vez que o Direito do Trabalho formou uma teoria quanto a este a assunto,
chamada irretroatividade das nulidades. (MASCARO, 2004).
2.1.2 Sujeitos
Existem dois pólos na relação de emprego: De um lado os
empregadores e do outro os empregados.
A Consolidação das Leis do Trabalho em seu artigo
segundo, caput, conceitua: “Art. 2.º Considera‐se empregador a
empresa, individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade
econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal do
serviço.”(CARRION, 2006, p.27).
Carrion (2006, p.28) entende que “empresa é o conjunto de bens
materiais, imateriais e pessoais para obtenção de certo fim”.
Considera‐se empresa individual, a pessoa física que não se
constituiu em sociedade. Já a empresa coletiva, pode ser de direito público
ou privado.
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O empregador reúne em sua empresa os diversos fatores de produção. Esta, precisamente, é sua função social. Desses fatores, o principal é o trabalho. Assumindo o empregador, como proprietário da empresa, os riscos do empreendimento (art. 3º, CLT), claro está que lhe é de ser reconhecido o direito de dispor daqueles fatores, cuja reunião forma uma unidade técnica de produção.
A pessoa do empregador pode dispor da força de trabalho do empregado (um dos fatores de produção que dispõe), no interesse do empreendimento cujos riscos assumiu.
Como direitos do empregador, que inegavelmente geram subordinação ao empregado, destaca-se: os de direção (ou comando); os de controle (verificar o exato cumprimento da prestação do trabalho); os de aplicar penas disciplinares (em razão do inadimplemento do contrato de trabalho por parte do empregado). O poder disciplinar se constitui em possibilidade de aplicar as sanções disciplinares, é o meio de que dispõe o empregador para a imediata tutela de seus direitos em caso de violação das obrigações assumidas pelo empregado. O dever de obediência é limitado ao conteúdo do contrato de trabalho e em razão do tempo, ou seja, somente durante o tempo de vigência da contratação e nos limites do que ficou combinado.
De outro lado, tem-se a obrigação do empregado de se deixar dirigir pelo empregador, segundo os fins a que se propõe a alcançar no campo da atividade econômica, exatamente porque o trabalho é um dos fatores de produção, colocado à disposição do empregador mediante o contrato de trabalho.
Decorrente desse contrato, implica uma certa indeterminação do conteúdo de cada prestação e, conseqüentemente, o direito do empregador de definir, no curso da relação contratual e nos limites do contrato, a modalidade de atuação concreta do empregado. A subordinação é uma conseqüência desse direito. Mas saliente-se que o empregado não se obriga a prestar qualquer trabalho, mas sim aquele determinado.
O empregado, segundo entendimento da autora Barros (2006,
p.241) explica que “pode ser considerado como uma pessoa física que
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presta serviço (técnico, intelectual ou manual) de natureza não‐eventual
a empregador mediante salário e subordinação jurídica.”
Desta maneira, observa‐se que os pressupostos para ser
empregado são pessoalidade, não‐eventualidade, salário e subordinação.
A pessoalidade exige que o empregado trabalhe pessoalmente, não
podendo ser substituído, salvo com a aquiescência do empregador e em
situações esporádicas.
Com relação à não‐eventualidade, entende‐se pela exigência dos
serviços serem de natureza não eventual, ou seja, a força do trabalho deve
corresponder às necessidades normais da empresa, pois de outro modo,
se fosse eventual só seria contratado em circunstância excepcionais e
transitórias ao estabelecimento.
O salário é a contraprestação devida e paga diretamente pelo
empregador ao empregado em virtude de um contrato de trabalho,
constitui o caráter oneroso da relação de emprego, uma vez que a
prestação de trabalho não ocorre a título gratuito.
E por fim, tem‐se subordinação jurídica que seria como um estado
de dependência real criado pelo direito de o empregador comandar, dar
ordens, ou seja, não é um status que tem o empregador sob o empregado,
mas uma subordinação decorrente da atividade exercida pelo obreiro.
Segundo Martins (2003, p.145) “ (...)a subordinação e a obrigação
que o empregado tem que cumprir as ordens determinadas pelo
empregador em decorrência do contrato de trabalho.”
Assim, o empregado é toda pessoa física que com ânimo de
emprego trabalha subordinadamente, de forma não‐eventual para
outrem, de quem recebe salário.
. Espécies de Assédio Moral
O assédio moral pode ser cometido tanto pelo empregado quanto pelo empregador.
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A humilhação no trabalho envolve fenômenos vertical, horizontal ou misto. O vertical se caracteriza por relações autoritárias e desumanas, predominando os desmandos, a manipulação do medo e a competitividade. Pode ser vertical descendente quando o assédio vem do superior hierárquico contra o seu subordinado, já no vertical ascendente é o subordinado quem submete seu superior hierárquico ao sofrimento.
Também existe o assédio moral horizontal, hipótese esta que se dá entre os pares, ou seja, no mesmo nível de hierarquia dentro das corporações.
Ainda, pode acontecer o assédio misto, ou seja, vertical e horizontal ao mesmo tempo.
Analisar-se-á adiante, pormenorizadamente, as espécies de assédio moral dentro do ambiente de trabalho.
2.2.1 Assédio vertical descendente
Este fenômeno ocorre quando os subordinados são agredidos pelos empregadores ou superiores hierárquicos, e levados a crer de que tem que aceitar tudo o que é imposto se quiserem manter seu emprego. Importante destacar, a comparação de Hirigoyen (2002,p.112):
A experiência mostra que o assédio moral vindo de um superior hierárquico tem conseqüências muito mais graves sobre a saúde do que o assédio horizontal, pois a vítima se sente ainda mais isolada e tem mais dificuldade para achar a solução do problema.
As razões que levam a tal perseguição são, por vezes, o medo que um superior tem de perder o controle, ou quando este tem a necessidade de rebaixar os outros para engrandecer-se. Em alguns casos, a empresa está consciente de que o superior dirige seus subordinados de forma tirânica, e consente com tal medida.
Guedes (2003, p.36) entende o mobbing descendente de forma a conceituá-lo como vertical e o define:
A violência psicológica é perpetrada por um superior hierárquico (...) pode este contar com a cumplicidade dos colegas de trabalho da vítima
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e através destes a violência pode ser desencadeada. (...) o grupo tende a se alinhar com o perverso, creditando à vítima a responsabilidade pelos maus-tratos.
Portanto, o assédio vertical descendente é, assim, o tipo de assédio mais preocupante de todos, pois a vítima fica mais desamparada e desprotegida, tendo piores conseqüências psicológicas ou físicas.
2.2.2 Assédio horizontal Este tipo de assédio é freqüente, e ocorre quando dois
empregados disputam entre si um mesmo cargo ou uma promoção. Há também a agravante de que os grupos tendem a nivelar seus indivíduos e têm dificuldade de conviver com diferenças. Por exemplo, a mulher em grupo de homens, homem em grupo de mulheres, homossexualidade, diferença racial, religiosa, entre outras.
Aqui, o conflito é horizontal, e ocorre quando um colega agride moralmente o outro e a chefia não intervém, recusando-se a tomar partido do problema, só reagindo no momento que uma das partes interfere na cadeia produtiva da empresa (quando falta seguidamente ao trabalho).
O conflito tende a recrudescer pela omissão da empresa em não intervir. Guedes (2003, p.36) conceitua e caracteriza esse tipo de assédio da seguinte forma:
(...) a ação discriminatória é desencadeada pelos próprios colegas de idêntico grau na escala hierárquica. Os fatores responsáveis por esse tipo de perversão moral são a competição, a preferência pessoal do chefe porventura gozada pela vítima, a inveja, o racismo, a xenofobia e motivos políticos. (...) a vítima pode ser golpeada tanto individual como coletivo.
Observe que o entendimento da autora afirma que o assédio pode partir tanto de um colega como de vários. A inveja e inimizades pessoais aparecem também como causadores do conflito. Nestes casos, a empresa deve intervir de maneira justa, ou seja, agir de
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maneira educativa, aplicando sanções a ambos os empregados, pois do contrário, havendo o apoio de um superior a um dos colegas, isto poderia reforçar o processo de assédio moral.
2.2.3 Assédio vertical ascendente
Este tipo de assédio acontece poucas vezes, mas pode existir quando, por exemplo, um superior recém contratado não alcança um nível de empatia e de adaptação, ou possui métodos que são reprovados por seus subordinados, e também quando não dispende nenhum esforço no sentido de impor-se perante o grupo. Isso pode levar a um nível de descrédito que tende a desencadear o assédio moral.
Ainda, vale consignar o que sustenta Guedes (2003, p.37) sobre esse tipo de assédio:
A violência de baixo para cima geralmente ocorre quando um colega é promovido sem a consulta dos demais, ou quando a promoção implica um cargo de chefia cujas funções os subordinados supõem que o promovido não possui méritos para desempenhar (...) tudo isso é extremamente agravado quando a comunicação interna inexiste entre superiores e subordinados.
Cabe referir aqui que, por ser um tipo de assédio mais raro que os demais, não deixa de ser menos repugnante para as relações laborais.
Hirigoyen (2002) relata que pode haver diversas formas desta hipótese de assédio moral, dentre as quais a falsa alegação de assédio sexual com o objetivo de atentar contra a integridade e reputação moral do superior, e reações coletivas de grupo, ou seja, existe uma cumplicidade de um grupo para se livrar do superior hierárquico que não é aceito ou lhe foi imposto, sucede freqüentemente em fusões ou compra de empresa por outra, as quais utilizam somente critérios estratégicos sem prévias consultas aos subordinados.
2.2.4 Assédio misto
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Com relação a este tipo, pode acontecer quando a vítima é atacada tanto pelos colegas de mesma linha hierárquica, como pelo superior hierárquico ou empregador.
Ocorre, geralmente, em empregos onde há alta competitividade interna e em locais de trabalho onde impera a gestão por estresse, em que o chefe ou o patrão imprime um nível elevadíssimo de exigência.
A estudiosa Hirigoyen (2002, p.114) se posiciona da seguinte maneira:
Mesmo se trate de uma história muito particular, é raro um assédio horizontal duradouro não ser vivido, depois de algum tempo, como assédio vertical descendente, em virtude da omissão da chefia ou do superior hierárquico. (...)Quando uma pessoa se acha em posição de bode expiatório, por causa de um superior hierárquico ou de colegas, a designação se estende rapidamente a todo o grupo de trabalho. A pessoa passa a ser considerada responsável por tudo que dê errado.
Sendo assim, a agressão pode iniciar do próprio superior ou chefe, e daí, se alastrarem e partirem dos próprios colegas da vítima, por medo de represálias futuras do chefe assediador. Há, na realidade, a uma tomada de posição dos colegas da vítima coadunada com o comportamento tirânico do superior.
. Características do Assédio Moral
Foi analisado que o terror psicológico caracteriza‐se pela
degradação das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e
condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados,
constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e
emocionais para o trabalhador e a organização.
A vítima do assédio moral é violentada no conjunto de direitos que compõem a sua personalidade. Como essa violência moral
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desenrola-se muitas vezes silenciosamente, o assediado geralmente fica sem nenhuma reação perante o assediador, acarretando sérios problemas psicológicos e sociais.
Não existe uma caricatura pronta e acabada de cada perfil. É um equívoco afirmar que todo assediador é simplesmente malvado e que toda vítima é sempre pobre e desprotegida. O comportamento de um dos protagonistas pode alterar o do outro, pois a patologia do dirigente é tolerada, todavia a dos empregados não é tão compreendida.
Esclarece-se que não há diferença entre a violência ocorrida no âmbito privado, seja entre o casal, ou no seio familiar, ou no contexto profissional, entre empregados e empregadores. Uma vez que havendo a violência moral, ela assume proporções relativas e generalizantes à diversidade de sua manifestação.
Observar-se-á adiante que não há um perfil fixo, mas sim características pessoais tanto para a vítima como para o assediador. O que torna um agressor em potencial é a busca pelo poder e o medo de perdê-lo, ocorrendo uma notável insegurança frente ao seu subordinado.
2.3.1 Da vítima
A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a
ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada
diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e a vergonha de serem
também humilhados, associado ao estímulo constante da
competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e,
freqüentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no
ambiente de trabalho, instaurando o pacto da tolerância e do silêncio no
coletivo, enquanto a vítima vai gradativamente se desestabilizando e
perdendo sua auto‐estima.
Ao contrário do que se imagina, as vítimas não são empregados
desleixados ou, até mesmo, negligentes, mas são “justamente os
empregados com senso de responsabilidade quase patológico” (GUEDES,
2003, p.63). A autora esclarece que a vítima é ingênua no sentido em que
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acredita nos outros e naquilo que fazem, além de normalmente ser pessoa
bem educada e possuidora de valiosas qualidades profissionais e morais.
A mesma autora afirma que apontar as características da vítima não
é uma tarefa fácil, pois há fatores sócio‐culturais que têm significativa
preponderância sobre o fenômeno.
Assim, definir o perfil da vítima é uma tarefa complexa, porquanto
está intimamente ligado ao ambiente de trabalho, à personalidade do
agressor e à capacidade de resistência do próprio assediado. Pode‐se
afirmar, então, que este perfil é multifacetado.
Euler Sinoir (2004) afirma que a vítima do assédio não é uma pessoa
pacata, sem opinião própria, que fique apenas executando as tarefas que
lhe foram dadas ou trabalhando no seu canto para receber o salário no
fim do mês, pois o agressor não se preocupa com essas pessoas, já que
não há ameaça de se perder o cargo nem existe um perigo de potencial.
Entende‐se por uma vítima em potencial que ameace o agressor, in
verbis:
A vítima é, normalmente, dotada de
responsabilidade acima da média, com um nível de
conhecimento superior aos demais, com uma auto‐
estima grande e, mais importante, acredita
plenamente nas pessoas que a cercam. Tais
qualidades juntas em uma única pessoa leva o
agressor a usar de todos os meios legais ou não com
o objetivo de reduzir‐lhe a auto estima, o senso de
justiça, levando a sua destruição profissional e
psicológica.
Normalmente a vítima pode ser uma pessoa
sozinha no grupo, por exemplo uma única mulher no
escritório, um único médico de um corpo clínico ou
feminino, ou alguém que se comporte diferente aos
demais (...). Ou alguém que faz sucesso, recebe
elogios dos clientes e ganha promoção causando
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uma certa inveja no agressor e até mesmo ciúme nos
colegas. Ou, ainda, uma pessoa nova no cargo antes
ocupado por outra mais popular, que tenha alguma
qualidade a mais do que a maioria, provocando um
mal estar e insegurança aos demais do grupo.
(OLIVEIRA, 2004, p. 7)
O que ocorre efetivamente é que o perfil do assediado estará de acordo com o do agressor, uma vez que escolhe uma determinada pessoa na qual proteja suas próprias fraquezas e medos, para poder enfraquecê-la cada vez mais.
O terror psicológico acarreta para as vítimas conseqüências, que estão diretamente ligadas com fatores que se relacionam com a intensidade e a duração da agressão.
As conseqüências específicas, em curto prazo, pelas vítimas do assédio moral são o estresse e a ansiedade, combinado com um sentimento de impotência e humilhação. Destes prejuízos decorrem perturbações físicas, como cansaço, nervosismo, distúrbios do sono, enxaqueca, distúrbios digestivos, dores na coluna, etc. Diga-se que “tais perturbações seriam uma autodefesa do organismo a uma hiperestimulação e a tentativa de a pessoa adaptar-se para enfrentar a situação.” (HIRIGOYEN, 2002, p.77)
Já em longo prazo, as conseqüências tornam-se mais graves, e a confusão, começa a se tornar um choque, transformando-se em ansiedade, perturbações psicossomáticas, ou a um estado depressivo. Segundo a vitimóloga Hirigoyen:
Esses estados depressivos estão ligados ao esgotamento, a um excesso de estresse. As vítimas sentem-se vazias, cansadas, sem energia. Nada mais lhe interessa. Não conseguem mais pensar ou concentrar-se, mesmo na atividade mais banais. Podem, então, sobrevir idéias de suicídio. O risco é ainda maior no momento em que elas tomam consciência de que foram lesadas e que nada lhes dará a possibilidade de verem reconhecidas suas razões. Quando há um suicídio, ou tentativa de
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suicídio, isso conforta os perversos em sua certeza de que o outro era fraco, perturbado, louco, e que as agressões que lhe eram infligidas eram justificadas. (HIRIGOYEN, 2002, p.77)
Alguns distúrbios também são diagnosticados nas vítimas do assédio moral em estágio mais avançado com conseqüências fisiológicas ocasionando problemas digestivos (gastrites, colites, úlceras de estômago), ganho ou perda de peso, doenças cardiovasculares, doenças de pele, entre outras.
Assim, pode-se afirmar que qualquer pessoa pode estar sujeita as hipóteses de assédio, todavia, algumas situações propiciam o ocorrimento destes casos, como por exemplo, a questão de pertencer a minorias sociais, de serem pessoas que resistem à padronização de comportamentos, pessoas excessivamente competentes, ou ainda aquelas que não estão ligadas à rede de relacionamento “certa”, ou seja àquela “oposta” ao assediador.
2.3.2 Do assediador
Pode‐se destacar aqui as características mais marcantes do
agressor, uma vez que não há como definir um perfil fixo.
O agressor é um sujeito perverso, pois possui este comportamento
como regra de vida. Segundo Guedes (2003, p.57) “na realidade, a
perversidade implica estratégia de utilização e depois de destruição do
outro, sem a menor culpa”.
Um dos principais objetivos do assediador é de livrar‐se da vítima e
fazê‐la desistir do emprego.
O assediador, que também pode ser qualquer pessoa, sempre será dotado de comportamento com características de narcisismo ou perversidade, e considerarão sempre as outras pessoas como se inimigos fossem, vivendo numa interminável competição, na qual terá de sair vencedor, não importando os métodos que utilize.
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A estudiosa Hirigoyen (2002) traça o perfil esclarecedor do agressor
narcisista, dependente dos outros para viver, uma vez que sente‐se
impotente diante da solidão. O perfil narcisista é movido pela inveja e seu
objetivo é roubar a vida de suas vítimas. Alimenta‐se da energia dos que
se vêem seduzidos pelo seu charme, além de sentir profunda inveja
daqueles que parecem possuir coisas que lhe faltem ou que,
simplesmente, sabem extrair prazer da vida. São críticos ferinos e sentem
prazer em criticar os outros. Assim, provam‐se onipotentes, diante da
nulidade dos outros.
Nutre por si próprio um sentimento de grandeza, exagerando sua própria importância. Tem excessiva necessidade de ser admirado e aprovado, é arrogante, egocêntrico, evita qualquer afeto, acha que todas as coisas lhe são devidas.
O agressor critica todos que o cercam, mas não admite ser questionado ou censurado. Está sempre pronto a apontar as falhas. É insensível, não sofre, não tem escrúpulos, explora, e não tem empatia pelos outros. É invejoso e ávido de poder.
Muitas vezes a finalidade do assediador é massacrar alguém mais fraco, cujo medo gera conduta de obediência, não tão somente da vítima, como também daqueles empregados que se encontram ao seu lado no meio de trabalho.
Nota‐se que, por esse perfil, o narcisista continua sendo o espelho,
ou seja, todos devem seguir seu comportamento, suas atitudes, pois
precisam saber que ele é o melhor.
Ainda pode‐se observar que, quando acontece algo de errado, esse
agressor atribuirá a responsabilidade aos outros, não interessando quem,
desde que continue sendo o melhor, na visão de seus superiores
hierárquicos.
Euler Sinoir (2004, p. 6) afirma que normalmente
“ (...) o agressor é uma pessoa que está
aparentemente muito satisfeita com ela mesma e
raramente se questiona sobre suas atitudes.
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Enquanto não for descoberta sua forma de agir,
continuará perseguindo seus objetivos.”
O mesmo autor enfatiza que não existem diferenciações no
comportamento do agressor, mas sim uma mudança de comportamento
dentro de cada descrição. Uns agem com calma analisando friamente o
terreno em que pisam, dosando cada gesto; outros são mais histéricos,
mais senhores de si, agindo sem si preocuparem com que os demais
pensam, pois têm a certeza de que estão certos e nada vai demovê‐los
dessa idéia.
Cada qual tem uma forma própria de agir, mas o objetivo será
sempre o mesmo, qual seja, humilhar, destruir e sugar a vítima, levando‐
a a tomar atitudes que afetam a sua saúde física e mental, desencadeando
no pedido de demissão ou, até mesmo, no extremo da tentativa de
suicídio.
Guedes (2003, p.59) leciona que “os verdadeiros perversos, muitas
vezes, passam ao largo das características elencadas pelos estudiosos,
porque são indivíduos que fogem a qualquer esquematização.“
É certo que a pessoa que assedia a outra é insegura e está demonstrando que é incompetente.
Vale observar também que existem casos específicos de pessoas paranóicas, que gostam de se fazer de vítimas, não aceitam a menor crítica e facilmente se sentem rejeitadas. São pessoas que têm problemas de relacionamento com os que os cercam e normalmente não assumem suas culpas. Essas são potencialmente agressoras e não vítimas. O fato de existirem esses paranóicos não deve encobrir a existência de vítimas reais de assédio moral.
Cabe exemplificar algumas atitudes tomadas pelo assediador para
com a vítima: impedir de se expressar e não explicar o porquê; fragilizar,
ridicularizar, inferiorizar, menosprezar em frente aos pares,
responsabilizar publicamente, podendo os comentários de sua
incapacidade invadir, inclusive, o espaço familiar; desestabilizar
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emocional e profissionalmente. A vítima gradativamente vai perdendo
simultaneamente sua autoconfiança e o interesse pelo trabalho.
No momento oportuno, serão analisadas as conseqüências jurídicas do ato que pratica o assediador, ou seja, aquela conduta capaz de ensejar uma responsabilidade civil para com a vítima.
Ademais, restringe‐se por ora, a mencionar as atitudes mais
freqüentes tomada pelo assediador contra a vítima do assédio moral.
2.4 Assédio Moral como Dano Pessoal O assédio moral ataca os direitos essenciais da pessoa.
Nesse aspecto, o dano moral e o dano pessoal possuem estreita relação, de acordo com a doutrina do professor Vieira de Oliveira, “se entendermos, pois, que o dano moral tem a mesma compreensão que o dano pessoal, isto é, que ele se verifica pela lesão à integridade física, psíquica, intelectual, ética e social da pessoa humana, ambos se identificam.” (2000, p.19)
Observe o que Guedes menciona: "no terror psicológico são precisamente os direitos essenciais da pessoa, aqueles que compõe a medula da personalidade e que resultam da entrada do ser humano no mundo jurídico, que são atacados". (2003,p.113)
Desta forma, o dano sofrido pela vítima do assédio moral é pessoal, porquanto são atacados tanto atributos psíquicos que se compõe de direitos à liberdade, à intimidade, à integridade psíquica e ao segredo, quanto os direitos morais propriamente ditos, formados pelo direito à identidade, à honra, ao respeito, à dignidade, ao decoro pessoal e às criações intelectuais.
Interessante observar que o termo tecnicamente correto, porque melhor exprime o conceito jurídico do instituto, é dano pessoal ou dano à personalidade, tomando o termo pessoa em toda sua ampla dimensão, compreendendo a integridade psicofísica, a intelectual, a afetiva, a moral e a social.
O assédio moral está inserido em uma espécie de dano moral e, por conseqüência, um dano pessoal, pois tal fenômeno pode transgredir diferentes faculdades da pessoa humana, seja moral, intelectual ou social.
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O dano pessoal atinge a pessoa humana enquanto ser portador de
uma dignidade, como preceitua o artigo 1º, inciso III, da Constituição
Federal. Sendo assim, encontra‐se resguardado o princípio do artigo 5°, X,
da Constituição Federal:
Art. º ‐ Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo‐se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...)
X ‐ são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação; (PINTO; WINDT;
CÉSPEDES, 2006, p.7)
O dano moral “consiste no prejuízo ou lesão de direitos, cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro” (PAMPLONA FILHO, 2002, p.52), como é caso dos direitos da personalidade, a saber, o direito à vida, à integridade física, à integridade psíquica e à integridade moral, como a honra, imagem e identidade.
Desta forma, como foi exposto anteriormente, o dano moral provindo do mobbing, caracteriza-se como um dano pessoal, podendo gerar para as vítimas o justo ressarcimento que lhe são devidos, com base no artigo 5º, inciso X, da Carta Magna.
CAPÍTULO III
RESPONSABILIDADE CIVIL DA CONDUTA
3.1 Conceito
A tarefa de definir objetivamente a responsabilidade civil não é fácil, isso porque o tema possui natureza interdisciplinar, ou seja, refere-se a todos os Direitos.
Sabe-se que a vida em sociedade exige que os indivíduos respondam por seus atos, atitudes e reações ou por atos de
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terceiros a que possam estar ligados moralmente como seus auxiliares ou prepostos.
Assim, todo indivíduo tem o dever de não praticar atos lesivos, danosos e prejudiciais à outra pessoa, dos quais resultem ou possam resultar-lhe prejuízos.
É de suma relevância o estudo da teoria da responsabilidade no âmbito civil frente à conduta do assediador moral, pois, sabe-se que a principal conseqüência é o assédio sofrido.
No campo da responsabilidade civil encontra-se a indagação sobre o dano experimentado pela vítima deve ou não ser reparado, por quem o causou, em que condições e de que maneira deve ser estimado ou ressarcido.
Stoco (1999, p.62) afirma que a responsabilidade civil “envolve, antes de tudo, o dano, o prejuízo, o desfalque, o desequilíbrio ou descompensação do patrimônio de alguém”. Prossegue o autor, mencionando que sem a ocorrência do dano, não há responsabilidade.
Em regra, o objetivo desta teoria é de recolocar o lesado na situação anterior ao fato que ocasionou o dano, em cumprimento ao princípio da restitutio in integrum.
Cumpre lembrar que o termo responsabilidade tem sua origem no latino respondere, que significa a obrigação de alguém em assumir com as conseqüências jurídicas de sua atividade. O Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas (1995, p.679) define no seguinte verbete:
RESPONSABILIDADE. S.f. (Lat., de respondere, na acep. de assegurar, afiançar.) Dir. Obr. Obrigação, por parte de alguém de responder por alguma coisa resultante de negócio jurídico ou de fato ilícito.
Para que surja a obrigação de indenizar, faz-se necessária à existência de determinados fatores, denominados pressupostos ou elementos da responsabilidade civil.
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Há grande importância da teoria citada com relação ao assédio moral, pois para a reparação do dano é necessário que ela seja comprovada. Observe a jurisprudência abaixo, que revela a importância da existência da responsabilidade civil na prática do psicoterror, para a configuração do dano moral:
Responsabilidade Civil - Indenização Por Danos Morais - Ofensa A Direitos De Personalidade. Não havendo nos autos comprovação de que a atitude da empresa tenha agredido direitos de personalidade do trabalhador, com honra, dignidade, boa fama, etc., não resta caracterizado o assédio moral, não havendo como subsistir pedido de indenização por danos morais. (TRT 20ª Região, 2006).
Apesar de ser bastante difícil utilizar um critério taxativo para a caracterização de tais pressupostos, necessários à configuração da responsabilidade civil, uma vez que as conclusões dos doutrinadores são bastante divergentes a respeito desse tema, conclui-se que os requisitos fundamentais são, a conduta do agente, a culpa deste, o dano sofrido, que pode ser material ou moral e a relação de causalidade.
3.2 Requisitos Fundamentais
3.2.1 Ação ou omissão do agente
Não restam dúvidas de que o elemento primário de todo ilícito é uma conduta humana e voluntária no mundo exterior.
A responsabilidade civil é gerada a partir de uma conduta contrária ao ordenamento jurídico vigente. Esta conduta pode ser através de uma ação ou de uma omissão.
Por isso, o ato humano pode ser, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.
A indenização pode derivar de uma ação ou omissão individual do agente, sempre que, agindo ou se omitindo, infringe,
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um dever contratual, legal ou até mesmo social, gerando o direito à indenização.
Importante destacar que para Pamplona Filho (2002, p.27) é preciso que haja o ato comissivo ou omissivo capaz de gerar o dano:
Para que alguém seja responsabilizado civilmente por um dano, é preciso que algum ato tenha sido praticado ou deixado de praticar, seja pelo próprio agente ou por terceiro de que ele seja responsável. Essa conduta (comissiva ou omissiva) deve ser – em regra genérica cuja exceção dependerá sempre de previsão normativa explícita – um ato ilícito do próprio responsável ou de um terceiro, sob sua guarda ou fiscalização (...).
Neste diapasão, pode-se caracterizar o terror psicológico como uma conduta comissiva repetitiva, prolongada e abusiva, que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica.
Com relação ao ato omissivo, será observado mais detalhadamente adiante, que pode haver casos em que a empresa responda pelos atos de seus empregados ou prepostos, quando age omissivamente, diante da prática no ambiente laboral do assédio moral.
Demonstrados os malefícios empregados às vítimas do assédio moral, bem como os danos de natureza pessoal (moral), o assediado poderá buscar à devida reparação no âmbito civil, cabendo questionar quem será compelido a reparar os prejuízos sofridos, visto haver empregado e empregador sujeitos e vítimas do assédio moral.
Entende-se que preliminarmente para a reparação, deve buscar a identificação dos sujeitos, ou de quem parte a agressão, pois, foi analisado que a ação comissiva ou omissiva é um pressuposto fundamental para responsabilizar civilmente.
3.2.2 Culpa
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No nosso ordenamento jurídico vigora a regra geral da culpa como fundamento da responsabilidade civil, apesar de existirem alguns casos que não se faz necessário a comprovação da culpa.
De modo geral, o dever ressarcitório pela prática de atos ilícitos resulta da culpa, ou seja, da reprovabilidade ou censurabilidade da conduta do agente.
O art. 159 do Código Civil (PINTO; WINDT; CÉSPEDES, 2006) estabelece o ato ilícito como fonte da obrigação de indenizar os danos causados à vítima. Como se vê, é de ordem pública, o princípio que obriga o autor do ato ilícito a se responsabilizar pelo prejuízo ou dano que causou.
A culpa está caracterizada no Código Civil em seu artigo 186 (PINTO; WINDT; CÉSPEDES, 2006, p.177), in verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Entende Stoco (1999, p.66) que a culpa, de forma genérica, “é um fundo animador do ato ilícito, da injúria, ofensa ou má conduta imputável.”
O ato ilícito é o praticado culposamente em desacordo com a norma jurídica, destinada a proteger interesses alheios; é o que viola direito subjetivo individual, causando prejuízo à outrem, originando o dever de reparar tal lesão.
A culpa pode ser lato sensu ou strito sensu. A primeira acontece quando existe uma intenção deliberada de ofender o direito, ou de ocasionar prejuízo a outrem, havendo o pleno conhecimento do mal e direto propósito de o praticar. Já a segunda, só existe quando não houve um intento deliberado, proposital, mas o prejuízo veio a surgir por negligência ou imprudência (STOCO, 1999).
Após essas breves ponderações, pode-se, então, chegar-se a uma definição de culpa.
A culpa caracteriza-se como violação de um dever jurídico imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreendendo o dolo (culpa lato sensu), que é a violação intencional de dever jurídico, e a culpa em
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sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência, ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever.
O dolo pode ser direto, quando o agente almejava deliberadamente alcançar o resultado e eventual, quando a vontade do agente não era dirigida à obtenção do resultado, querendo ele algo diverso, porém assumindo o risco de causar com seu comportamento um dano a outrem.
Já a culpa stricto sensu, por sua vez, apresenta-se sobre três modalidades, quais sejam, a imperícia, que é a falta de habilidade ou inaptidão para praticar certo ato; a negligência, a qual consiste na inobservância de normas que nos ordenam agir com atenção, capacidade, solicitude e discernimento, e finalmente a imprudência, que é a precipitação ou o ato de proceder sem cautela.
Ao cabo de Rui Stoco (1999), culpa em sentido estrito possui a seguinte classificação:
a) in committendo ou in faciendo, se o agente praticar um ato positivo (imprudência);
b) in omittendo, caso o agente cometa uma abstenção (negligência);
c) in eligendo, a qual advém da má escolha daquele a quem se confia à prática de um ato ou o adimplemento da obrigação (Súmula 341 do STF);
d) in vigilando, que decorre da falta de atenção com o procedimento de outrem, cujo ato ilícito o responsável dever pagar.
3.2.3 Nexo de causalidade
Para existir a obrigação de indenizar, faz-se necessário que o prejuízo suportado pela vítima (dano) advenha da ação ou omissão do ofensor, que existindo entre ambos uma perfeita relação de causa e efeito. Não havendo tal relação, inexiste a obrigação de indenizar.
Assim, não basta que o agente haja procedido contra o ordenamento jurídico, ou seja, não se define a responsabilidade pelo fato de ter cometido um erro de conduta, mas é necessária uma relação de causalidade entre a injuricidade da ação e o mal cometido.
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Portanto, o vínculo entre o prejuízo e o ato ilícito designa-se nexo causal, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua conseqüência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de modo que essa é tida como sua causa e aquele como seu efeito.
Percebe-se que a questão do nexo causal é uma quaestio facti e não quaestio iuris. Importante destacar que deve se estabelecer uma relação de causalidade entre a injuricidade e o mal causado.
É imprescindível provar a existência do elo de causalidade entre o ato de assediar moralmente o empregado ou empregador e o dano sofrido, uma vez que se trata de requisito fundamental para a responsabilização civil.
3.2.4 Dano
Constitui-se o dano no abalo sofrido pela vítima, o qual pode ocasionar-lhe um prejuízo de ordem econômica, consistindo no dano patrimonial, ou pode acarretar-lhe repercussão apenas de ordem psíquica, consubstanciando-se, então, no dano moral.
Não se pode cogitar obrigação de indenizar sem a existência de um dano, já que a admissão de tal idéia ensejaria um enriquecimento sem causa àquele que receberia a indenização.
Com relação ao assédio moral também não é diferente, pois, para a vítima responsabilizar o assediador deve provar a existência do dano, que é na verdade o próprio assédio sofrido. Veja-se abaixo, uma ementa do acórdão proferido pela segunda Turma, do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, em que o empregado provou a existência do dano sofrido em conseqüência do assédio moral:
DANO MORAL ‐ VENDEDOR QUE NÃO ATINGE
METAS ‐ SUBMISSÃO A SITUAÇÃO VEXATÓRIA NO
AMBIENTE DE TRABALHO. Demonstrando a prova
testemunhal que o empregado ‐ vendedor ‐ quando
não atingia as impostas metas de venda, era
obrigado a usar um chapéu cônico, contendo a
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expressão "burro", durante reuniões, na frente de
todos ‐ vendedores, gerente, supervisores ‐
oportunidade em que era alvo de risadas e chacotas,
indubitáveis o vexame e a humilhação, com
conotação punitiva. O aborrecimento, por certo,
atinge a saúde psicológica do empregado e, estando
sujeito a tal ridículo e aflição, por óbvio estava
comprometido em seu bem estar emocional. Tal
procedimento afronta diretamente a honra e a
dignidade da pessoa, bens resguardados pela Carta
Maior. Iniciativas absurdas e inexplicáveis como esta
têm que ser combatidas com veemência,
condenando o empregador ao pagamento de
indenização por dano moral. (TRT 9ª Região, 2002).
Assim, cabe à vítima, em regra, provar que sofreu um dano. Isso porque sem prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado civilmente.
Com relação à prova de existência do assédio moral, destaca-se a observação feita por Barros (2006), mencionando que incumbe à vítima apresentar indícios que levem a uma razoável suspeita, aparência ou presunção da figura em exame, e o demandado assume o ônus de demonstrar que sua conduta foi razoável, isto é, não atentou contra direito fundamental.
É imperioso destacar, para um melhor entendimento da matéria, quais são os requisitos à configuração do dano, segundo a doutrina de Pamplona Filho (2002), a saber:
a) efetividade ou certeza do dano; b) subsistência ou atualidade do dano no momento da reclamação do lesado; c) pessoalidade do dano; d) causalidade entre o dano e o fato; e) legitimidade do autor para pleitear a indenização; f) ausência de causas excludentes de responsabilidade.
Com relação aos requisitos do dano face à prática do assédio moral, veja-se a ementa de um acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região:
Dano Moral. Requisitos. Para o deferimento de indenização por dano moral, mister, se faz
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estarem presentes os seguintes requisitos: comprovação da materialidade do ato do empregador, prejuízo manifesto por parte do empregado e nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo sofrido. In casu, restando sobejamente provada a prática do ato lesionador - assédio moral, deve ser mantida a sentença que deferiu o pleito de dano moral. (TRT 20ª Região, 2006)
Sendo assim, para que haja a reparação do dano, como o produto da responsabilidade civil, ou seja, uma sanção imposta ao responsável pelo prejuízo em favor do lesado, tem-se que, em regra, os danos devem ser ressarcíveis, todavia para que ele seja efetivamente indenizável faz-se necessário à concorrência de alguns dos requisitos anteriormente mencionados.
3.3 Tipos de Responsabilidades
3.3.1 Objetiva
A existência fática do dano, sem indagar a existência de culpa, como
acontece na teoria subjetiva, é a característica da responsabilidade
objetiva. Ou seja, não é necessária a presença da culpa a estabelecer o
nexo causal entre a conduta do agente e o prejuízo por ele causado. O
agente responsável por um ato lesivo, que colocar em risco algum bem
jurídico de outrem, através desse ato, será, pois, considerado o elemento
gerador de um dever de indenizar o dano que, porventura, causar ao
lesado.
Torna‐se necessário, apenas, um nexo causal entre o ato do agente
e o dano causado ao lesado. Em essência essa teoria está vinculada à idéia
do risco – quem provoca uma lesão ao valor alheio, responsável pelo
ressarcimento do lesado. Essa obrigação pela recomposição do prejuízo
independerá da verificação – comprovação – de culpa na conduta do
agente lesante.
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A culpa é presumida pela legislação ou simplesmente é dispensada
a sua comprovação. É suficiente ter ocorrido o dano e sua associação à
conduta que o causou, para haver a responsabilidade.
Com o intuito de melhor esclarecimento, deve-se citar o ensinamento de Rodrigues (2002, p.10):
Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente. (...)
A teoria do risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele.
Portanto, a responsabilidade objetiva se caracteriza por ser
independente da presença de culpa, no agir de quem ocasionou a lesão,
mas prescinde da presença dos demais elementos da responsabilidade
civil.
Tem que haver nexo causal adequado entre a atividade do que
causou o dano e a lesão. Essa teoria é conhecida como responsabilidade
sem culpa. No nosso Código Civil, a excepcionalidade da presença da
teoria objetiva é evidente.
Como exemplo típico, aparece a responsabilidade que cabe aos
empregadores ou comitentes em caso de atos praticados por seus
empregados e prepostos, que está expressa no Código Civil, em seu artigo
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932 (PINTO; WINDT; CÉSPEDES, 2006, p. 226): “São também responsáveis
pela reparação civil: (...) III – o empregador ou comitente, por seus
empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes
competir, ou por razão dele.”
Por isso, a responsabilidade objetiva também é denominada
responsabilidade pelo risco (teoria do risco), isso porque teria o seu
suporte em um risco específico, de perigo geral, produzido pela atividade
do homem, de tal sorte que incidiriam em seu campo de ação tão somente
os riscos imprevisíveis ou excepcionais. Na responsabilidade objetiva o
fundamento da indenização decorreria da existência de um evento lesivo
ligado ao agente por um nexo de causalidade.
Para minimizar questões mais de ordem bizantina do que técnico‐
jurídica, a doutrina passou a empregar o termo responsabilidade sem
culpa para abarcar todas as hipóteses que escapassem da órbita da
responsabilidade subjetiva.
3.3.2 Subjetiva
Nesta teoria, a responsabilidade civil está embasada, em todos os
casos, na presença certa de culpa por parte do agente do ato que causou
o dano. Chama‐se de subjetiva, em virtude de estar caracterizado na
pessoa um aspecto volitivo interno, ou, pelo menos, revelar‐se, mesmo de
uma maneira tênue, uma conduta antijurídica.
O agente do prejuízo quer o resultado danoso ou assume o risco de
que ele ocorra, ou ainda atua com imprudência, negligência ou imperícia.
Ocorreria, no primeiro caso, dolo e no segundo caso, culpa. A legislação
admite‐os, na prática, como equivalentes, com o nome comum de culpa.
De acordo com Pamplona Filho (2002, p.31) a responsabilidade civil
subjetiva “é a decorrente de dano causado diretamente pela pessoa
obrigada a reparar, em função de ato doloso ou culposo.”
A conduta do agente responsável pelo dano estaria sempre viciada
pela culpa. Está, assim, esse agente obrigado a ressarcir o prejuízo quando
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seus atos ou fatos sejam lesivos a direito ou interesse alheio, desde que
possa ser considerado culposo o seu modo de agir.
A teoria subjetiva fundamenta a responsabilidade na culpa provada
presumida. Por esse motivo, a princípio, a responsabilidade civil surgirá da
comprovação de culpa, incidindo em todos aqueles que, de um ou outro
modo, estejam ligados ao prejuízo causado.
Segundo esta teoria, para que haja a obrigação de indenizar é
necessário que seja demonstrada a culpa do suposto violador do direito
da vítima, sendo desta última a incumbência de provar tal situação para
que tenha direito à indenização.
A essência da responsabilidade subjetiva vai assentar,
fundamentalmente, na pesquisa ou indagação de como o comportamento
contribui para o prejuízo sofrido pela vítima. Assim procedendo, não
considera apto a gerar o efeito ressarcitório um fato humano qualquer.
Somente será gerador daquele efeito uma determinada conduta, que a
ordem jurídica reveste de certos requisitos ou de certas características.
Desta forma, a teoria da responsabilidade subjetiva erige em
pressuposto da obrigação de indenizar, ou de reparar o dano, o
comportamento culposo do agente, abrangendo no seu contexto a culpa
propriamente dita e o dolo do agente.
A culpa em um dado episódio danoso pode ser do lesante, do
lesado, ou de ambos. Se houve uma parcela de culpa de cada um na
ocorrência do prejuízo, pela teoria subjetiva aplicada ao caso, será
atribuído proporcionalmente o ônus da recomposição, na medida exata
da contribuição de cada um no resultado final danoso.
3.3.3 Contratual
A responsabilidade contratual se origina da inexecução contratual. Pode ser de um negócio jurídico bilateral ou unilateral. Resulta, portanto, de ilícito contratual, ou seja, de falta de adimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação. É uma infração a um dever especial estabelecido pela vontade dos
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contratantes, por isso decorre de relação obrigacional preexistente e pressupõe capacidade para contratar.
Com efeito, para caracterizar a responsabilidade civil contratual, norteada pelo princípio da pacta sunt servanda, faz-se mister que a vítima e o autor do dano já tenham se aproximado anteriormente e se vinculado para o cumprimento de uma ou mais prestações, sendo a culpa contratual a violação de um dever de adimplir, que constitui justamente o objeto do negócio jurídico.
Assim, a culpa é presumida, em regra, invertendo-se o ônus da prova, cabendo a vítima provar, apenas que a obrigação contratual foi descumprida, restando a outra parte o onus probandi, por exemplo, de que não agiu com culpa ou que ocorreu alguma causa excludente.
Cabe frisar que, como foi mencionado no Capítulo II desta monografia, a relação de emprego advém de um contrato de trabalho, daí a relevância de explicar o conceito desse tipo de responsabilidade.
3.3.4 Extracontratual
Esta responsabilidade também chamada de aquiliana, se resulta do inadimplemento normativo, ou seja, da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz (art. 180, do Código Civil), da violação de um dever fundado em algum princípio geral de direito, visto que não há vínculo anterior entre as partes, por não estarem ligadas por uma relação obrigacional.
A fonte desta inobservância é a lei, basta a lesão a um direito sem que entre o ofensor e o ofendido preexista qualquer relação jurídica. Aqui, ao contrário da contratual, caberá à vítima provar a culpa do agente.
Entretanto, para que alguém tenha o dever de indenizar outro, alguns pressupostos têm que estar presentes, quais sejam: ação ou omissão do agente; relação de causalidade entre a ação do agente e o dano causado; existência de dano moral ou material, pois a responsabilidade civil baseia-se no prejuízo para que haja uma indenização; e, dolo ou culpa.
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Ensina Pamplona Filho (2002, p. 35) que “na culpa aquiliana, viola-se um dever necessariamente negativo, ou seja, a obrigação de não causar dano a ninguém.”
Tais considerações sobre os tipos de responsabilidade civil serão de grande valia para o desenvolvimento do presente capítulo, uma vez que a hipótese do dano decorrente da relação de emprego, como em qualquer outro tipo de relação jurídica, podem ocorrer de danos decorrentes de violações contratuais ou de deveres gerais de condutas.
3.4 Responsabilidade Civil do Empregado/Empregador
Foram demonstrados os malefícios empregados às vítimas do assédio moral, devendo haver a devida reparação no âmbito civil, cabendo o questionamento sobre quem será compelido a reparar os prejuízos sofridos, visto haver empregado e empregador sujeitos e vítimas do assédio moral.
Preliminarmente, cabe extrair da agressão os elementos principais para buscar a reparação. Primeiro, a identificação dos sujeitos, ou de quem parte a agressão e a quem é dirigida. Trazendo os sujeitos elencados na segunda parte deste trabalho, verifica-se que a agressão pode partir de: empregado, superior hierárquico ou colega de mesma linha hierárquica. Podendo ser dirigida, da mesma forma a empregado, colega ou superior hierárquico. Após, verifica-se os outros elementos pré-requisitos ensejadores da responsabilidade civil, quais sejam o dano, a existência de culpa, dolo ou risco, e o nexo de causalidade.
3.4.1 Empregado que assedia superior hierárquico ou empregador
Como já foi mencionado, esse caso é bem mais difícil de acontecer, porém não impossível, caracterizando-se pelo ataque do empregado ou empregados ao superior hierárquico ou o próprio empregador, também denominado assédio vertical descendente. De acordo com a legislação trabalhista, a empresa ao identificar a agressão, deve dispensar o empregado naquelas hipóteses que incidam sobre a justa causa, elencados no artigo 482 da CLT (CARRION, 2006, p. 379), in verbis:
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Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
(...) b) incontinência de conduta ou mau procedimento;(...)
h) ato de indisciplina ou de insubordinação; (...)
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;(...) (grifo nosso).
Dentre as hipóteses do referido artigo, notam-se que podem ser interpretadas como assédio moral do empregado: o mau procedimento; a indisciplina e o ato lesivo da honra praticado contra o empregador e superiores hierárquicos.
De uma maneira geral, considera-se mau procedimento o comportamento incorreto do empregado, através da prática de atos que firam a discrição pessoal, as regras do bem viver, o respeito, o decoro e a paz; atos de impolidez, de grosseria, da falta de compostura, que ofendem a dignidade.
Neste aspecto, cumpre mencionar a jurisprudência acerca da hipótese de justa causa por mau procedimento:
É motivo bastante para a dispensa por justa causa a iniciativa do empregado de criticar o seu superior hierárquico de forma contundente e com uso de expressões desairosas e deselegantes, demonstrando menosprezo à sua hierarquia que deve operar numa empresa organizada. (TRT 15ª Região, 2006)
Indisciplina, segundo o mestre Valentin Carrion (2006, p. 383), é o "descumprimento de ordens gerais do empregador dirigidas impessoalmente ao quadro de empregados.”
Enquanto que o ato lesivo contra a honra do empregador e superiores hierárquicos, Almeida (2003, p.233) ensina que:
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As ofensas podem ser dirigidas ao empregador ou a superiores hierárquicos, assacando contra eles fatos extremamente ofensivos a sua dignidade pessoal e que, sabidamente, não são verdadeiros. Entendemos que, sobretudo em relação ao empregador, irrelevante que tais ofensas tenham sido proferidas fora do local de serviço; pois se alcançada repercussão na comunidade, caracterizada está a falta nominada.
Assim, também cabe a hipótese de demissão por justa causa “quando o empregado atente contra honra e boa fama, ou seja, calúnia, injúria ou difamação no local da empresa ou onde esta exerce sua atividade.” (CARRION, 2006, p.384).
Se a agressão não for alguma daquelas elencadas nas hipóteses, e também não se enquadrar em mau procedimento ou ato lesivo à honra, pode o empregador promover a dispensa sem justa causa, indenizando o empregado, suposto assediador.
Cumpre salientar, que após este trâmite, pode o empregador promover ação com vistas a responsabilizar subjetivamente o empregado-agressor, devendo ser comprovado, pelo empregador ou superior hierárquico, a culpa, a ação ou omissão, o dano e o nexo causal.
No caso de ser superior hierárquico o assediado, a alternativa do remanejamento da vítima para outro setor de trabalho é resolução paliativa para o problema, pois tal alternativa não tem o condão de coibir futuras agressões por parte do empregado agressor ou empregados agressores.
3.4.2 Empregado que assedia empregado
O assédio moral horizontal é um dos casos mais comuns e consiste quando o agressor é o próprio colega de trabalho na mesma linha hierárquica que o agredido. Acontece freqüentemente na concorrência por cargos melhores, e ainda mais em empresas com uma gestão de competição interna voltada especificamente ao lucro sem limites.
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O empregado que assedia moralmente outro colega no ambiente de trabalho, responderá subjetivamente, ou seja, para garantir uma reparação do dano sofrido o assediado deve-se provar a ação ou omissão, a culpa, o dano e o nexo causal.
Apesar do comportamento de todo e qualquer empregado exigir um dever de conduta, o elemento anímico da culpa deverá ser comprovado, evitando abusos que importariam na transferência do risco da atividade econômica (teoria objetiva) para o empregado.
Há que se verificar se o agredido busca uma solução no decorrer do contrato de trabalho, seja alertando superiores sobre as agressões sofridas, seja buscando ajuda de médico da empresa, ambas atitudes com a intenção de solucionar o problema. Surtindo efeitos, e a empresa colaborar com a vítima no sentido de dispensar o agressor ou remanejá-lo, cabe à vítima buscar a indenização que entender possível junto à Justiça do Trabalho contra o agressor.
E ainda, mesmo que a empresa tenha ajudado a vítima, poderá incluí-la no pólo passivo da demanda, por força da teoria objetiva imposta pelo Código Civil, art. 932, inciso III (PINTO; WINDT; CÉSPEDES, 2006), o qual prevê que são também responsáveis pela reparação civil, o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir.
Verificada a culpa in vigilando e in eligendo por parte do empregador, já que houve desídia deste em cuidar dos atos de seus prepostos, bem como elegeu mal o empregado que assediou, torna-se responsável objetivamente pelo ato de seu preposto.
Se a empresa não colaborar com o empregado agredido, este poderá rescindir o contrato de trabalho e pleitear uma indenização pelo assédio moral dos agressores e da empresa, por força das alíneas "c" e/ou "e", do artigo 483 da CLT (2006, p. 385):
Art. 483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: (...)
c) correr perigo manifesto de mal considerável;(...)
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e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família ato lesivo da honra e boa fama; (...)
O risco de mal considerável, como ensina a doutrina, é aquele mal originado da inércia da empresa em prover aos empregados um ambiente de trabalho saudável, cumprindo com normas de segurança e medicina do trabalho.
A inércia da empresa na busca de resoluções para o conflito e na melhora constante do ambiente do trabalho implicará em um nível de culpa na relação contratual. Quanto aos atos lesivos da honra e da boa fama, estes também compreendem a calúnia, difamação ou a injúria.
Com relação ao empregado assediador pode aplicar a demissão por justa causa, com base neste artigo da Consolidação das Leis do Trabalho (2006 p.379).
Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;(...)
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama
praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; (...) (grifo nosso).
Ressalta-se que poderá perseguir a indenização durante o contrato de trabalho, mas, na realidade, isso é quase humanamente impossível. Hirigoyen (2002, p.345) se posiciona da seguinte forma:
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Quando as ocorrências de assédio moral provêm de colega ou de pertinentes à hierarquia, será necessário, se forem graves, processar o autor diretamente, da mesma maneira que o empregador. (...) A responsabilidade do empregador deve ser por ele assumida a partir do momento em que toma ou deveria tomar conhecimento, mas não adota as providências necessárias para coibir tais comportamentos. As empresas são responsáveis por seus empregados, sendo, pois, absolutamente normal que sejam condenadas juridicamente se um de seus empregados adotar um comportamento inadmissível.
Desta maneira, o empregado-assediado pode pleitear perante o empregado assediador e a empresa a indenização devida do dano moral causado.
3.4.3 Superior hierárquico ou empregador que assedia empregado
Deste tipo de assédio moral (vertical descendente), a empresa responde objetivamente por força da nova legislação cível. O preposto não deixa de ser o representante hierárquico da empresa, exprimindo seu poder de chefia.
Por vezes, os responsáveis recebem poder que extrapola e como demonstrado, faz crescer o descontrole das pessoas que exercem a liderança no ambiente do trabalho.
De acordo com o novo ordenamento jurídico, a responsabilidade civil do empregador ou superior hierárquico por ato causado por empregado, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele, deixou de ser uma hipótese de responsabilidade civil subjetiva, com presunção de culpa, para se transformar em uma hipótese legal de responsabilidade civil objetiva.
Cabe destacar que tal entendimento foi ratificado pelo Supremo Tribunal Federal de acordo com a Súmula 341(2006): “É
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presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do seu em pregado ou preposto.”
Nessa coerência de idéias, o superior que dolosamente assedia trabalhador, incorre objetivamente com a intenção de lesar, bem como a empresa que coaduna com atos que tendem a incorrer em lesões, responde objetivamente ao caso específico do artigo 932, III, do novo Código Civil (PINTO; WINDT; CÉSPEDES, 2006, p.226), o qual reza que são "também responsáveis pela reparação civil: (...) o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele".
Há responsabilidade desde que o trabalho tenha propiciado ao preposto a oportunidade de causar o dano. Também há responsabilidade do patrão mesmo no caso de abuso das funções por parte do empregado, desde que os terceiros estejam de boa-fé, ignorando que o preposto tinha ultrapassado os limites das suas atribuições.
Em qualquer hipótese, porém, para que se subsista a responsabilidade do patrão, por ato culposo do empregado, preciso será que este se encontre a serviço, no exercício do trabalho, ou por ocasião dele. Sem demonstração dessa circunstância, não é lícito concluir pela responsabilidade do preponente. Entretanto, para a caracterização dessa responsabilidade, pouco importa que o ato lesivo não esteja dentro das funções do preposto. Basta que essas funções facilitem sua prática.
Assim, ambos são responsáveis, sendo coerente que o agredido pleiteie o ressarcimento somente da empresa, por serem os atos do agressor tirano, aqueles representados pela política empresarial, podendo reaver o que pagar, por força do que reza o artigo 934 do Código Civil (PINTO; WINDT; CÉSPEDES, 2006, p.226): “Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.”
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Parece-nos, porém, ser medida de extrema justiça resguardar-se, sempre, a possibilidade da ação regressiva do empregador, pelos atos de seus empregados.
Vale ressaltar, inclusive, que alguns ordenamentos jurídicos, no Direito Comparado, albergam previsões, por exemplo, de responsabilidade patrimonial do empregado assediador, independentemente da responsabilidade patrimonial da empresa.
3.4.4 Superior hierárquico ou empregador juntamente com empregados que assediam outro empregado
É o caso do assédio misto, onde as agressões podem partir do chefe ou superior hierárquico e se alastrar, fazendo com que os colegas da vítima também lhe dirijam agressões. Ou ainda, as agressões partem dos colegas e o chefe é parcial com tal atitude.
Importa, aqui, verificados os sujeitos, observar a inserção da responsabilidade objetiva e subjetiva a ambos os casos. Ao primeiro caso, o qual as agressões partem do chefe ou superior, geralmente acontece, por parte do empregado tomada de posição, ou seja, o grupo toma o partido do chefe.
Cabe analisar o nível de participação dos colegas, até que ponto eles contribuíram para as agressões, pois, responderão subjetivamente pelos seus atos. Não se pode negar, que há aqueles que concordam com o chefe e o auxiliam a pisotear e agredir a vítima. Mas também não se pode olvidar daquelas pessoas que, por estar em grupo, e por medo de represálias ou de perder o emprego, aplicam a tomada de posição, porém sem desferir agressões.
Assim, tem-se que no primeiro caso onde as agressões partem do chefe, para que haja a reparação do dano, aplica-se a teoria objetiva, sem verificação da culpa, enquanto, no segundo caso, onde os empregados agem com cumplicidade aos superiores, incorre na teoria subjetiva.
3.5 Direito à Indenização por Dano Moral
Considerado o texto constitucional, que admite a qualquer pessoa indenização moral, independentemente da indenização material, cabe ao trabalhador reclamar por dano moral em razão das relações de trabalho.
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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (PINTO; WINDT; CÉSPEDES, 2006, p.8)
A indenização em decorrência do dano moral se fundamenta na restauração da moral. Todavia, resta-nos esclarecer como indenizar pecuniariamente algo que é inviolável, como a dignidade e a honra.
Não restam dúvidas de que cabe perfeitamente a vítima pleitear o seu direito à indenização decorrente da prática do assédio moral, pois este não pode ser caracterizado como um mero dissabor do dia-a-dia.
Para isso, é insofismável que a quantificação do valor que visa a compensar a dor da pessoa, requeira por parte do julgador grande bom-senso e sensibilidade, uma vez que o artigo 944, do Código Civil (PINTO; WINDT; CÉSPEDES, 2006, p.227) menciona que: “A indenização mede-se pela extensão do dano.” E mais, a sua fixação deve-se pautar na lógica do razoável, a fim de se evitar valores extremos (ínfimos ou vultosos).
Na fixação do valor, o julgador normalmente subordina-se a alguns parâmetros procedimentais, considerando a extensão espiritual do dano devido à prática do psicoterror, a imagem do lesado e a do que lesou, a intenção do autor do fato danoso, tudo isso como meio de ponderar o mais objetivamente possível, direitos
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ligados à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.
Confirmando o entendimento de que o assediado tem pleno direito à indenização, impende citar a seguinte ementa:
Danos Morais ‐ Assédio Moral Configurado ‐
Devida Indenização Reparatória ‐ Constitui assédio
moral a tortura psicológica atual e continuada a que
é submetido o empregado, consubstanciada no
terror de ordem pessoal, moral e psicológico,
praticado no âmbito da empresa, podendo ser
exercitado pelo superior hierárquico, por grupo de
empregados do mesmo nível e pelos subordinados
contra o chefe, isto é, pode ocorrer no sentido
vertical, horizontal e ascendente. Tem por objetivo,
via de regra, tornar insuportável o ambiente laboral,
obrigando o trabalhador a tomar a iniciativa, por
qualquer meio, do desfazimento do vínculo
empregatício. O "mobbing" caracteriza‐se pela
prática atual e freqüente de atos de violência contra
a pessoa do empregado, dos quais participam,
necessariamente, o ofensor, o ofendido e
espectadores (grupo de empregados), uma vez que
tem por finalidade promover a humilhação, o
constrangimento perante os demais colegas de
trabalho. Marie‐France Hirigoyen define o
psicoterror como sendo "toda e qualquer conduta
abusiva, manifestando‐se, sobretudo, por
comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos,
que possam trazer dano à personalidade, à dignidade
ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa,
pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente
de trabalho" (in "assédio moral a violência perversa
do cotidiano"). In casu, ficaram comprovados, à
saciedade, a humilhação e o constrangimento a que
era submetido, rotineiramente, o empregado, na
presença dos demais colegas de trabalho, por ato do
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superior hierárquico, por não ter atingido a meta de
produção, consubstanciados na atribuição da pecha
de "irresponsável", "incompetente", "fracassado",
dentre outros. Cabível, destarte, a indenização por
danos morais. Recurso ordinário improvido, no
particular.(TRT 6ª Região, 2005)
Diante da exposição feita acerca do assédio moral, nota-se que este pode gerar perfeitamente um direito de indenização perante o assediador ou empresa, uma vez que ficou claramente demonstrada a conseqüência absolutamente prejudicial à saúde e integridade da vítima.
3.6 Juízo Competente
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, em 08 de dezembro de 2004, e sua posterior publicação no Diário Oficial da União de 31/12/2004, ampliou-se expressivamente a competência material destinada à Justiça do Trabalho. Trata-se, sem dúvida, de alteração que marca um novo momento histórico vivido pela Justiça do Trabalho, momento cuja importância só não supera aquela verificada em 1946, quando de sua integração ao Poder Judiciário.
A Constituição Federal estipulou em seu artigo 114, inciso VI a competência material da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho: "Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...)VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;” (PINTO; WINDT; CÉSPEDES, 2006, p.42):
A Constituição de 1988 erigiu a direito constitucional, o direito à indenização moral, e me parece não haver campo mais fértil para aplicação de tal direito do que o do Trabalho, nem haver outra justiça mais competente para dirimir os conflitos derivados dessa indenização moral do que a própria justiça trabalhista.
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Ratificando o entendimento de que a competência, nos casos de
indenização por danos morais, decorrente de relação de trabalho, seja da
Justiça do Trabalho, relevante trazer à baila a seguinte jurisprudência:
Dano Moral e Material – Competência da Justiça do Trabalho – Com o advento da atual Carta Magna, a matéria referente ao dano moral e material está respaldada pelas disposições contidas no artigo 5º, V e X, em particular na Justiça do Trabalho. A argumentação mais freqüente encontrada na doutrina e na jurisprudência pátria é de que, em se tratando de ofensa à moral do empregado ou do empregador, desde que oriunda do contrato de trabalho, é competente esta Justiça Especializada para dirimir tal conflito. Inteligência do art. 114/CF.(TRT 23ª Região, 1999).
A competência passa a ser definida, efetivamente, com base na
natureza da relação de direito material e, portanto, tendo em conta a
origem do conflito (ou a causa de pedir próxima), sendo irrelevante, em
princípio, a natureza da pretensão objeto da ação.
Ademais, a Súmula 736 do STF (2006) na qual afirma que "compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores."
Desta forma, Justiça do Trabalho é competente para julgar as ações de indenização por danos morais decorrentes do assédio moral na relação de emprego.
3.7 Legislação
Na verdade, não existe uma legislação específica sobre o conceito de assédio moral, suas sanções ou penalidades. Todos os embasamentos jurídicos foram de acordo com a jurisprudência Pátria dominante, juntamente com o pensamento majoritário da doutrina.
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Contudo, a preocupação com este fenômeno vem aumentando cada vez mais, e prova disso, é que já está tramitando no Congresso Nacional um projeto de lei Nº 4742/2001 para incluir o assédio moral no Código Penal, caracterizando-o como crime.
Inicialmente esse projeto foi elaborado pelo deputado federal do Estado de Pernambuco Marcus de Jesus (2001), preceituando o seguinte:
Introduz artigo 146-A, no Código Penal Brasileiro - Decreto-lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940 - , dispondo sobre o crime de assédio moral no trabalho. O Congresso Nacional decreta:
Artigo 1º - Art. 1º O Código Penal Brasileiro - Decreto-lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940 - passa a vigorar acrescido de um artigo 146 A, com a seguinte redação:
Assédio Moral no Trabalho
Art. 146 A. Desqualificar, reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou atitudes, a auto-estima, a segurança ou a imagem do servidor público ou empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral.
Pena: Detenção de 3 (três) meses a um ano e multa.
Artigo 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Foi feita uma análise pela Comissão de Constituição Justiça e de Redação, e com o voto do relator deputado Aldir Cabral (2001) aprovou o projeto de lei, pela constitucionalidade, juridicidade, boa técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação do Projeto de Lei nº 4.742, de 2001, e de seu apenso, Projeto de Lei nº 4.960 de 2001, na forma do substitutivo abaixo transcrito:
SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI Nº 4.742, DE 2001.
Acrescenta o art. 136-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal
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Brasileiro, instituindo o crime de assédio moral no trabalho.
O Congresso Nacional decreta: Artigo 1º - O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940, Código Penal Brasileiro, fica acrescido do art. 136-A, com a seguinte redação:
Art. 136-A. Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente a imagem ou o desempenho de servidor público ou empregado, em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou tratá-lo com rigor excessivo, colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica.
Pena - detenção de um a dois anos. Artigo 2º - Esta lei entra em vigor na data de
sua publicação. Este projeto foi um grande avanço do Poder Legislativo, diante
das práticas reiteradas do assédio moral, prova disso, são as jurisprudências constantes a respeito do fenômeno.
Recentemente foi aprovada pelo Congresso, a lei do assédio sexual, que busca coibir comportamento que tem estritas relações de semelhança com o crime que pretende-se catalogar (Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001). Essa manifestação do Legislativo demonstra sua disposição inequívoca de coibir atos aos quais, até bem pouco tempo, não era dada a devida importância.
Com relação ao âmbito estadual, o assédio moral também já alcançou sua relevância, demonstrando uma preocupação dos Estados em coibir esta prática, como Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Ceará, Espírito Santo, e Pernambuco e Rio Grande do Sul.
No âmbito municipal já existem diversas leis aprovadas contra a prática do assédio moral, observe alguns: Americana – SP, Campinas –SP, Cascavel – PR, Guarulhos –SP, Iracemápolis – SP, Jaboticabal – SP, Natal – RN, São Gabriel do Oeste – MS, São Paulo – SP, Sidrolândia – MS e muitas outras cidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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O assédio moral na relação de emprego, apesar de ser um fenômeno social antigo, teve seu reconhecimento recentemente, estando presente na vida dos trabalhadores, ferindo sua integridade física, psíquica e emocional, colocando em perigo sua qualificação e capacitação em seu ambiente de trabalho, fato que tem despertado grande interesse entre estudiosos de diversos campos profissionais e pela própria sociedade, que repugna com veemência essa conduta.
A prática do assédio moral na relação de emprego é derivada de
uma conduta vexatória, constrangedora e reiterada do agressor, por
motivos diversos, acarretando sérios danos à saúde física e mental da
vítima. As pressões por produtividade e o distanciamento do superior
hierárquico para o seu inferior, resultam na falta de comunicação direta,
desumanizando o ambiente de trabalho, aumentando a competitividade
e dificultando que o espírito de cooperação e de solidariedade surja entre
os trabalhadores.
A Constituição Federal de 1988 erigiu a categoria de direito fundamental o princípio da dignidade da pessoa humana. De igual forma, a Declaração Universal dos Direitos Humanos preconiza a dignidade como fundamento de uma sociedade. Contudo, ao praticar o terror psicológico na relação de emprego, o agente fere a dignidade de todo e qualquer empregado. A Consolidação das Leis do Trabalho também preconiza a dignidade do trabalhador em seu artigo 483.
O agressor ataca de forma pontual e freqüente com atitudes hostis, humilhantes e prolongadas objetivando anular a vítima moralmente e torná-la incapacitada para o exercício da sua função. No entanto, esse fenômeno, muitas vezes, é disfarçado e sutil, de forma que sua constatação e percepção tornam-se difíceis, fazendo com que passe a ser notório apenas quando a vítima já adquire doenças psíquico-emocionais ou chegue a um estado depressivo.
O agente assediador, ao contrário do que se possa imaginar, não escolhe vítimas desleixadas, mas exatamente aquelas que se sobressaiam no seu ambiente laboral, sejam por qualidades profissionais ou morais.
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A prática do assédio moral pode ser cometida tanto pelo empregado quanto pelo empregador. Assim, quanto ao sujeito, o terror psicológico classifica-se como vertical descendente, quando o assédio vem do superior hierárquico contra o seu subordinado, vertical ascendente que constitui a forma mais rara, sendo que neste caso é o subordinado quem submete seu superior hierárquico ao sofrimento, horizontal, quando o assédio acontece entre os empregados de mesma linha hierárquica, e por fim, o misto, que ocorre quando o superior hierárquico e empregado praticam assédio contra outro empregado.
Merece destaque que, devido à dificuldade da configuração do assédio moral, deve ser observada com cautela no tocante a sua caracterização jurídica, devendo sempre analisar a gravidade da violência psicológica, o prolongamento no tempo da conduta, a finalidade de ocasionar um dano e que este seja efetivo.
Pode-se asseverar que o assédio moral acarreta um dano pessoal para a vítima. Com isso, ao cometer essa prática insidiosa, não deve o agente ficar impune.
Neste aspecto, existe o instituto da responsabilidade civil capaz de fazer com que o indivíduo assuma a obrigação e as conseqüências jurídicas de sua atividade.
Sabe-se que para responsabilizar civilmente um indivíduo, fazem-se necessários alguns requisitos fundamentais, quais sejam, a ação ou omissão, a culpa, o nexo causal e o dano. A responsabilidade do empregador e do empregado que assediam moralmente é objetiva e subjetiva, respectivamente.
Apurados os elementos caracterizados da responsabilidade civil, gera para a vítima um direito de pleitear em juízo uma correspondente indenização. Apesar da dificuldade em valorar essa reparação, ela não pode ser dispensada, uma vez que possui um caráter compensatório e punitivo, devendo, portanto, ser atribuído um valor que pese ao agressor e assim, venha a prevenir todas as conseqüências nocivas para o ambiente laboral e principalmente, para a vítima.
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Com a Emenda Constitucional nº 45/2004, a competência, para os casos de indenização por dano moral decorrente da relação de trabalho, passou a ser da Justiça do Trabalho, previsto no artigo 114, inciso VI, da Carta Magna.
Hodiernamente, não existe uma lei federal específica que possa punir o assediador. Mas, a preocupação com este fenômeno já vem sendo bastante discutida em jurisprudências e já foram até mesmo aprovadas algumas leis no âmbito estadual e municipal, com a finalidade de coibir esta prática. Vale ressaltar que a ausência de lei federal, não pode servir de incentivo para a conduta do terror psicológico.
Deveras claro, reconhece-se que o legislador acertadamente já progrediu muito, prova disso é que já foi aprovado um projeto de lei federal objetivando caracterizar o assédio moral como um crime.
Mediante o exposto, indubitavelmente pode-se asseverar que é de fundamental importância à colaboração dos operadores de direito para coibir a prática do assédio moral no país, construindo, pois uma jurisprudência embasada e pacificada na defesa da dignidade da pessoa humana, punindo de maneira exemplar os agressores, bem como aqueles que se mostrarem coniventes com tal comportamento, facilitando ou encorajando a ação dos perversos.
REFERÊNCIAS
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execução e suas questões polêmicas. 2.ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000.
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TÓPICOS ESPECIAIS EM CONCURSOS PÚBLICOS
ARTUR LARA FERREIRA: Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro- PUC-Rio, pós-graduado em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes (UCAM) e advogado.
Resumo: Contemporaneamente, os concursos públicos têm atraído a atenção de milhões de brasileiros nos últimos anos. Além disso, a ‘‘indústria dos concursos’’ movimenta bilhões de reais a cada ano. Do ponto de vista jurídico, o tema também vem ganhando extrema relevância, visto que cada vez mais o Poder Judiciário vem decidindo polêmicas e pacificando entendimentos relativos aos concursos e aos direitos dos candidatos. Apesar disso, ainda hoje é comum nos depararmos com cláusulas editalícias de duvidosa legalidade. Diante de tamanhos problemas, o primeiro tópico do presente trabalho focará seus estudos em diversos pontos polêmicos, tais como: as limitações editalícias relativas ao sexo, altura mínima e idade máxima dos candidatos. Ao final destacaremos o atual entendimento dos tribunais superiores quanto ao direito dos candidatos aprovados dentro do número de vagas. Para tanto, é fundamental destacar que, em cada um desses tópicos, abordaremos as principais posições doutrinárias e jurisprudenciais.
Palavras-chave: Concurso Público. Requisitos. Idade máxima. Altura Mínima. Candidatos Aprovados. Direito subjetivo à posse.
INTRODUÇÃO
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Concurso Público consolidou-se como o processo administrativo por meio do qual a Administração Pública seleciona os melhores candidatos para preencher os
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cargos e empregos públicos na administração pública direta e indireta, na forma do artigo 37 da CRFB.
A sua exigência na atual ordem constitucional decorre dos princípios constitucionais da isonomia, da moralidade e da eficiência. Além de justificarem a exigência de realização de concursos públicos, tais princípios devem ser observados em todas as fases do certame, sob pena de inconstitucionalidade.
O presente trabalho abordará a natureza e os principais tópicos relativos ao enquadramento jurídico dos concursos públicos na jurisprudência dos tribunais superiores e na doutrina.
I- DOS REQUISITOS À INVESTIDURA EM CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS
A atual redação constitucional indica que cabe ao legislador estabelecer os requisitos para o preenchimento de cargos e empregos públicos na administração direta e indireta (Artigos 37, I, II CF). Todos os requisitos à investidura em cargos e empregos públicos devem estar previstos diretamente em lei. O Supremo Tribunal Federal possui entendimento no sentido da impossibilidade de fixação, por exemplo, de limite de idade ou de altura exclusivamente no edital.
Além da necessária previsão legal, os requisitos de acesso aos cargos e empregos públicos devem possuir vinculação direta com a função que será exercida pelo candidato em caso de aprovação. Do contrário, estaríamos diante de clara afronta aos princípios da isonomia, da moralidade e da razoabilidade.
Os requisitos podem ser divididos em duas espécies de acordo com o momento de apresentação:
- Os requisitos de inscrição são todas aquelas exigências que devem ser cumpridas no momento de inscrição como condição para participação no certame. Ex: pagamento de inscrição, apresentação de documentos, entre outros.
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- Os requisitos do cargo possuem relação direta com a função a ser exercida. Como exemplo, podemos citar a comprovação de regular inscrição no respectivo conselho fiscalizador, escolaridade, entre outros.
Por guardarem relação direta com as funções a serem exercidas, os tribunais têm entendido que os requisitos do cargo só devem ser exigidos no momento da posse do candidato já aprovado.
Nesse sentido, o enunciado de súmula 266 do Superior Tribunal de Justiça:
‘‘ O diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público.’’
Apesar do apresentado, é curioso perceber que o STJ e o STF entendem que o requisito constitucional de 3 anos de atividade jurídica para o ingresso na magistratura e no Parquet deve ser comprovado já no momento de inscrição no concurso.
Por conta disso, encontramos algumas críticas importantes por parte da doutrina. Entre os autores, podemos destacar José dos Santos Carvalho Filho[i] e Rafael Oliveira[ii].
Nesse sentido, o já citado Rafael Oliveira[iii] afirma que: ‘‘Entendemos, contudo, que a comprovação
do requisito temporal deve ser exigida somente no momento da posse, pois as citadas normas constitucionais exigem os requisitos para ‘‘ingresso na carreira’’, o que efetivamente pressupõe aprovação prévia no concurso.’’
II DOS REQUISITOS DE IDADE, ALTURA E SEXO EM CONCURSOS PÚBLICOS
Conforme visto anteriormente, os requisitos para a aprovação no cargo ou emprego público dependem de expressa previsão legal, não sendo possível se falar numa ‘‘reserva do edital’’. Além disso, vimos que tais requisitos por serem, a princípio,
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ilegítimos por restringirem a participação de todos os interessados podem ser justificados sob a luz da proporcionalidade.
Nesse ponto veremos a interpretação dos tribunais superiores sobre questões tormentosas como a idade máxima, a altura mínima e o sexo.
Quanto à idade, o Supremo Tribunal Federal considera possível a limitação de idade para a participação em concursos públicos quando a mesma possa ser justificada pela natureza das atividades a serem desenvolvidas no cargo ou emprego público a ser preenchido. A doutrina costuma citar os exemplos de cargos policiais e militares. Nesse sentido, o enunciado de súmula 683 do STF:
‘‘O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da , quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.’’
O Conselho Nacional de Justiça já possui entendimento no sentido não ser legítima a restrição de idade máxima em 45 anos para o ingresso na magistratura. Nesse sentido:
‘‘Procedimento de Controle Administrativo. Concurso Público para Magistratura. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Exigência de idade máxima menor que 45 anos. Impossibilidade. – “I) A limitação de idade para ingresso na Magistratura afronta os princípios da isonomia, razoabilidade e legalidade, pois não há previsão constitucional desta natureza e a maturidade elemento importante para o exercício da judicatura. II) O argumento referente ao tempo de aposentadoria é inconsistente, não podendo ser vedado o acesso do candidato ao concurso com base na suposta data em que ele se aposentaria’’[iv]
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Importante ressaltar que, por conta do artigo 40, I, §1º, da CF, não é possível o ingresso na administração pública após os setenta anos de idade.
Além da idade, o requisito de altura mínima também costuma ser cobrado em certos editais para ingressos na carreira militar ou policial.
O Supremo Tribunal Federal já entendeu que tal requisito é legítimo desde que necessário à atribuição da função, devendo ser avaliado de acordo com a proporcionalidade.
Nesse sentido:
‘‘RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NA CARREIRA DE DELEGADO DE POLÍCIA. ALTURA MÍNIMA.REQUISITO. RAZOABILIDADE DA EXIGÊNCIA. 1. Razoabilidade da exigência de altura mínimapara ingresso na carreira de delegado de polícia, dada a natureza do cargo a ser exercido. Violação ao princípio da isonomia. Inexistência. Recurso extraordinário não conhecido.’’[v]
Cumpre observar que o requisito deve estar previsto em lei. Nesse sentido:
‘‘AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. ALTURA MÍNIMA. PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. 1. Somente lei formal pode impor condições para o preenchimento de cargos, empregos ou funções públicas. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.’’[vi]
Outra questão muito debatida pela doutrina diz respeito ao afastamento de indivíduos de um determinado sexo de um concurso. Como exemplo, a doutrina costuma citar a contratação de pessoal para trabalhar em penitenciárias femininas.
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Nesses casos, a exigência, a meu entender mostra-se perfeitamente razoável, tendo em vista que atividades como a revista íntima de presidiárias só poderá ser realizada por profissionais do sexo feminino, sob pena de violação da dignidade da pessoa humana das presidiárias.
III- DA POSIÇÃO ATUAL DOS TRIBUNAIS QUANTO AOS DIREITOS DOS CANDIDATOS APROVADOS
Avaliados alguns pontos relevantes no que concerne aos requisitos e restrições presentes em concursos públicos, avaliaremos a questão dos candidatos já aprovados.
Preliminarmente, é importante destacar que a doutrina e a jurisprudência tradicionais apontam no sentido da mera expectativa de direito à nomeação. Segundo tal entendimento, apenas com a nomeação, o candidato passaria a ter direito à posse.
Mais tarde, com a evolução da jurisprudência, passou-se a defender que o candidato aprovado tem direito à nomeação e à posse, dentro do prazo de validade do concurso, se a administração inobservar a ordem de classificação.
Nesse sentido, o enunciado de súmula 15 do Supremo Tribunal Federal:
‘‘DENTRO DO PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO, O CANDIDATO APROVADO TEM O DIREITO À NOMEAÇÃO, QUANDO O CARGO FOR PREENCHIDO SEM OBSERVÂNCIA DA CLASSIFICAÇÃO.’’
Da mesma forma, os candidatos teriam direito à nomeação em caso de realização de contratações precárias para o exercício da mesma função para qual se realizou o concurso.
Recentemente, a jurisprudência dos tribunais superiores evoluiu ainda mais, prevalecendo o entendimento no sentido de que os candidatos
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aprovados dentro do número de vagas teriam o direito subjetivo à nomeação e à posse dentro do prazo do concurso.
Tal tese é no sentido que de que ao definir o número de vagas para o cargo ou emprego público, a Administração Pública se autovincularia com base nos princípios da boa-fé e da confiança legítima. Com isso, o ato de nomeação de aprovados dentro do prazo de validade do concurso deixa de ser discricionário, passando a ser vinculado.
Nesse sentido:
‘‘DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NOMEAÇÃO DE APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO. EXISTÊNCIA DE VAGAS PARA CARGO PÚBLICO COM LISTA DE APROVADOS EM CONCURSO VIGENTE: DIREITO ADQUIRIDO E EXPECTATIVA DE DIREITO. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO EM PROVER CARGOS VAGOS: NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. ARTIGOS 37, INCISOS II E IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Os candidatos aprovados em concurso público têm direito subjetivo à nomeação para a posse que vier a ser dada nos cargos vagos existentes ou nos que vierem a vagar no prazo de validade do concurso. 2. A recusa da Administração Pública em prover cargos vagos quando existentes candidatos aprovados em concurso público deve ser motivada, e esta motivação é suscetível de apreciação pelo Poder Judiciário. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento.’’[vii]
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Apesar disso, diante da crise fiscal que assola os entes federados, é preciso se interpretar tal entendimento com parcimônia.
Há que se reconhecer que todos os diretos são relativos e portanto, estão sujeitos à ponderação diante das particularidades de determinados casos concretos.
Rafael Oliveira é um dos autores que destaca a possibilidade de se reconhecer a legitimidade da ausência de nomeação quando a Administração comprovar que, por fatos supervenientes e relevantes, as finanças se mostram seriamente afetadas. Em alguns casos, a eventual nomeação poderia acabar por impactar na violação dos limites de gastos com pessoal impostos pela Constituição (Artigo 169) e pela LRF (Artigo 19 da LC 101/2000). Diante de hipóteses excepcionais e devidamente constatadas, essa parece, ao meu ver, ser a melhor solução para compatibilização dos dispositivos constitucionais e legais em análise.
No entanto, é preciso se reconhecer que a regra continua sendo no sentido de que os candidatos aprovados dentro do número de vagas teriam o direito subjetivo à nomeação e à posse dentro do prazo do concurso. É preciso que se tenha cuidado para evitar que os eventuais administradores tentem erroneamente tratar a exceção como regra, vindo a frustrar a legítima expectativa dos candidatos.
IV- CONCLUSÃO
Através do presente estudo visualizamos a consolidação do concurso público como o processo administrativo por meio do qual a Administração Pública seleciona os melhores candidatos para preencher os cargos e empregos públicos na administração pública direta e indireta. Além disso, abordamos algumas das muitas polêmicas relativas a exigências editalícias.
Nesse aspecto verificamos que a jurisprudência atual dos tribunais superiores é no sentido de exigir a expressa previsão legal de tais requisitos, não bastando a previsão no edital. Além da previsão legal, exige-se uma pertinência entre os requisitos e as funções a serem exercidas pelo futuro detentor daquele cargo ou emprego público. Com base nessa linha raciocínio, e utilizando-se do princípio da proporcionalidade, o Supremo
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Tribunal Federal possui importantes precedentes em matéria de idade máxima, altura mínima e restrições quanto ao sexo do candidato.
No capítulo final abordamos outra matéria extremamente atual em matéria de concursos públicos. Trata-se da situação dos candidatos aprovados. Nesse ponto, vimos que a doutrina e a jurisprudência inicialmente apontavam para uma mera expectativa de direito dos candidatos. A seguir, foi destacada uma gradativa mudança da jurisprudência, de modo que os atos de nomeação e posse dos candidatos aprovados dentro do número de vagas passaram a ser vinculados, salvo em casos excepcionais, citados pela doutrina, como os que importem na violação dos limites de gastos com pessoal.
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-DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 20ª ed., São Paulo: Atlas 2007
-OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo- 3ª ed.- São Paulo: MÉTODO, 2015
NOTAS
[i] CARVALHO FILHO, José dos Santos Manual de direito- 23. ed. rev., ampl. e atualizada até 31.12.2009. – Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010 p. 702
[ii] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo- 1ª ed.- São Paulo: Método, 2013 p. 657
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[iii] Ibidem, p. 657
[iv] PCA 347- Rel. Cons. Ruth Carvalho- Julgado em 14.3.2007- DJU 23.3.2007
[v] RE 140889- Rel. Maurício Corrêa- Julgado em 30.05.2000
[vi] AI-AgR 627586-BA Relator: Ministro Eros Grau Julgado em: 27.11.2007
[vii] RE 227.480 Relator: Ministro Menezes Direito Julgado em: 16.09.2008
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POLÍTICA E ESCORÇO HISTÓRICO SOBRE O USO DE DROGAS NO BRASIL
DARK BLACKER DE ANDRADE: Advogado, formado na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC); Pós-graduado em ciências criminais.
RESUMO: O tema criminalização da conduta de portar/adquirir drogas para consumo pessoal, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, apesar de não acarretar prisão nos dias atuais, continua sendo considerado crime pelos Tribunais Superiores. O regramento jurídico da matéria sofreu com o passar do tempo influências transnacionais de combate às drogas, tendo como pilares as teorias de Movimento de Lei e Ordem, a Ideologia de Defesa Social e a Ideologia de Segurança Nacional. Dessa maneira, reunidas, se tornaram em uma arma poderosa em face dos princípios norteadores do Estado Democrático de Direito. A história no Brasil sobre a temática remonta as Ordenações Filipinas, perpassando por momentos em que o usuário de drogas era apenado de forma igualitária ao traficante de drogas, até os dias atuais. Hodiernamente não há possibilidade de prisão ao agente que adquira ou porte drogas para consumo pessoal, não obstante ser concebível a aplicação de penas alternativas como a advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade, medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, admoestação verbal e multa.
PALAVRAS‐CHAVE: POLÍTICA DE DROGAS – TRANSNACIONALIZAÇÃO DO CONTROLE – LEGISLAÇÃO SOBRE DROGAS – LEI 11.343/2006.
ABSTRACT: The subject of criminalization of the conduct of porting / purchasing drugs for personal consumption, in disagreement with legal or regulatory determination, despite not imprisonment these days, continues to be a crime by the Superior Courts. The juridical rule of the subject has suffered with the passing of time transnational influences of fight against drugs, having as pillars the theories of Law and Order Movement, the Ideology of Social Defense and the Ideology of National
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Security. In this way, together, they have become a powerful weapon in the face of the guiding principles of the Democratic State of Law. The history in Brazil on the subject goes back to the Philippine Ordinations, going through moments in which the drug user was equally distressed to the drug trafficker, to this day. There is currently no possibility of imprisonment for the agent who acquires or carries drugs for personal consumption, although it is conceivable to apply alternative penalties such as warning about the effects of drugs, providing services to the community, educational measure of attendance at a program or educational course, verbal admonition and fine.
KEYWORDS: DRUG POLICY ‐ CONTROL TRANSNATIONALIZATION ‐ DRUG LEGISLATION ‐ LAW 11.343 / 2006.
INTRODUÇÃO
O Direito Penal possui a função de tutelar os bens jurídicos mais importantes para convivência harmoniosa dos seres humanos, devendo ser a ultima ratio devido à ingerência agressiva em um dos bens jurídicos mais importantes para os indivíduos que é a liberdade. Neste ponto, resta evidente o caráter “mínimo intervencionista” do estatuto repressivo, possuindo a incumbência de reprimir condutas quando os outros ramos do direito forem insuficientes para tal regulamentação.
O presente trabalho perquirirá os fundamentos da criminalização do uso/porte de drogas no Brasil, delineando as principais ideologias por detrás de tal ingerência Estatal. Para isso também será traçado o escorço histórico no Brasil sobre a criminalização, chegando aos dias atuais em que a Lei n.° 11.343/2006, em seu artigo 28, mantém o discurso político‐criminal proibicionista com esteio em teorias como a da defesa social.
A importância desse trabalho é contribuir para a quebra de paradigmas dos quais transformam o Direito Penal em uma ferramenta deletéria para alguns acontecimentos sociais de grande relevância, em que deveriam ser tratados por outros ramos institucionais como políticas públicas voltadas ao tratamento do usuário.
POLÍTICA E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
. O Discurso e a Transnacionalização do Controle
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Para iniciarmos a exposição de motivos desse tópico, inevitável asseverar o entendimento que, no Brasil, existe uma política criminal das drogas. Inobstante, igualmente verdadeira é a afirmação de que o exercício desta função por intermédio do Estado está dissociado dos anseios Constitucionais. Trata‐se de um sistema repressivo em consonância com o discurso criminalizador transnacional, onde, principalmente as camadas sociais mais vulneráveis são violadas em seus direitos e garantias fundamentais.
Digno de nota, não constitui nosso objetivo transcrever de forma inexorável os contornos históricos e ideológicos legitimadores do contexto atual que estamos insertos, até porque constitui tarefa inalcançável. A complexidade encontra‐se na questão axiológica que permeia cada contexto histórico que se perfaz analisado, mormente em temas políticos‐criminais e, igualmente, por entendermos que a regulamentação pelo direito penal das drogas consubstancia produto moralizador.
Enfim, pode parecer entranho, mas há aproximadamente 100 anos substâncias que hoje são proibidas eram permitidas, a cocaína, heroína, morfina, maconha, são exemplos de drogas que eram legais ao redor do mundo. Acontece que, com o passar do tempo, motivações políticas e sociais influenciaram na segregaram de várias substâncias.
A questão religiosa é determinante, o Cristianismo, cujas principais vertentes são o Catolicismo, a Ortodoxia Oriental e o Protestantismo, estabelece uma espécie de tolerância ao álcool, passando a ser utilizado não só para situações festivas, mas também em rituais sagrados. Não obstante, no século XIX há uma inversão de valores quando a doutrina Metodista, umas das vertentes do Protestantismo, fundada por John Wesley na Inglaterra, começa a instituir a ideia de que o álcool é em si mesmo pecaminoso.
Essa ideologia influência sobremaneira os Estados Unidos da América, vai ganhando espaço e se permeando na política quando, em 1920, é instituída a denominada Lei Seca, proibindo‐se o comércio de qualquer tipo de substância alcoólica. Nesse ínterim, surgem pelas cidades americanas os chamados speakeasies[1],bares clandestinos que comercializavam destiladas fortíssimas, frequentados por pessoas
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influentes da sociedade o que gerou assaz dificuldade no cumprimento da lei.
O que aconteceu é o retrato atual da sociedade, surgiram pessoas que se beneficiavam com o contrabando das bebidas, os traficantes, a ilicitude aumentou a corrupção e a violência, os custos da política proibicionista cresceram significativamente. Em decorrência desse contexto social, a economia americana entrou em crise em 1929 e, depois disso, em 1933 a proibição do álcool foi abolida.
Apesar da legalização do consumo de álcool, a política belicista teve seus contornos delineados. Nessa senda, a prática e o uso relacionado a outras substâncias foram consideradas ilícitas, o aparato destinado à repressão foi revertido para estas drogas. Em 1945 é instituída a Organização das Nações Unidas e, como veremos adiante, três convenções sob o seu comando determinaram a linha de controle internacional das drogas.
Reportando‐se à década de 50, apesar de se iniciar o discurso da periculosidade dos usuários de drogas, constituía arrefecida a importância dispensada à temática. De fato, a consumição se vinculava aos grupos marginais da sociedade e, por conta disso, estas pessoas foram vinculados às questões referentes à violência, pobreza e principalmente à delinquência. Em linhas gerais, Rosa Del Olmo (1990, p. 30) explica que inicia o discurso ético‐jurídico, pois “havia o temor de que as drogas se tornassem atraentes. Difundia‐se seu discurso em termos de “perversão moral” e os consumidores eram considerados degenerados ou criminosos viciados dados a orgias sexuais”.
Logo depois, na década de 60, o uso das drogas se vincula aos movimentos de contestação, aumentando a utilização da maconha e do LSD. Contra legem, ganha força o consumo de substâncias ilícitas o que provoca uma maior visibilidade internacional sobre o assunto, como resultado se instaura o pânico moral conducionista de diversas legislações penais. Surge, nesse ínterim, a Convenção Única sobre Estupefacientes em 1961, aprovada em Nova Iorque, representando a construção temerária da realidade quanto ao assunto, comprometendo‐se muitos países no combate ao tráfico ilícito. Segundo Maria Lúcia Karam:
A Convenção Única de 1961, com suas quatro listas anexas em que elencadas as substâncias e
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matérias primas proibidas, embora ressalvando expressamente a reserva do que disposto na Constituição de cada uma das Partes, impôs a criminalização, inclusive de atos preparatórios, nas regras postas em seu artigo 36 (KARAM, 2009, p. 4).
O consumo nesse período já não é próprio dos guetos, mas também dos jovens brancos de classe média, o que faz insurgir uma guerra maniqueísta, ao passo que as drogas assumem o perfil do mal que atingira as pessoas benévolas. Com o discurso da transnacionalização do controle social, os países centrais buscam resolver o problema da entrada clandestina das substâncias proibidas por intermédio de suas fronteiras, logo, os países menos desenvolvidos, a exemplo do México, eram vistos como inimigos.
Nesse contexto, caracterizado pela figura vampiresca das drogas, maxime pela influência das superpotências mundiais, surge o Movimento de Defesa Social. Essa ideologia, nos dizeres de Rosa Del Olmo, corresponde:
[...] a uma ideología caracterizada por uma concepción abstracta y ahistórica de la sociedad donde se desacan fundamentalmente los principios del bien y del mal y la culpabilidad, necesaria em ese momento como centralizadora y unificadora de lãs normas universales que debían imponerse (OLMO, 1984, p. 90)[2].
Por conseguinte, o direito de escolha dos indivíduos e a peculiaridade de cada localidade passam a ser derrogados por interlúdio da repressão. É estabelecida a ideologia da diferenciação, sendo a toxicomania um perigo social e econômico para a humanidade. Nas lições de Salo de Carvalho:
Com a incorporação dos postulados da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) no sistema de seguridade pública a partir do Golpe de 1964, o Brasil passa a dispor de modelo repressivo militarizado centrado na lógica bélica de eliminação/neutralização de inimigos. A estruturação da política de drogas requeria, portanto,
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reformulação: ao inimigo interno político (subversivo) é acrescido o inimigo interno político‐criminal (traficante). Categorias como geopolítica, bipolaridade, guerra total, adicionadas à noção de inimigo interno, formam o sistema repressivo que se origina durante o regime militar e se mantém no período pós‐transição democrática (CARVALHO, 2010, pp. 21‐22).
Novos inimigos públicos não econômicos foram criados pelas agências repressivas, ad exemplum, a heroína e a cocaína na década de 70, valendo‐se da ideia de repressão máxima e alargamento das leis incriminadoras (ideologia de lei e ordem). Nesse último período, merece registro a instituição em 1971 da Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas em Viena, momento em que ganha forma a mutabilidade do discurso quanto aos usuários de drogas, vejamos as explicações de Rosa Del Olmo:
No início da década de setenta, e em parte como consequência da perseguição à maconha, surge a epidemia da heroína, a ponto de o presidente Nixon qualificá‐la de primeiro inimigo público não econômico. Surge assim o estereótipo político‐criminoso, que é reforçado pelo discurso jurídico‐político ao lado do discurso médico que criou com maior ênfase o estereótipo da dependência, pelo lugar destacado que tem na época o problema do consumo (OLMO, 1990, p. 78).
Com o discurso transnacional de banimento das substâncias psicotrópicas na década de oitenta, o principal objetivo é controlar o comércio ilegal de drogas que se alastra pela sociedade, além disso, os usuários passam a ser considerados clientes dos traficantes e consumidores das substâncias ilícitas. O marco regulatório desse momento sociopolítico foi a Convenção de Viena de 1988 que, conforme delineia Maria Lúcia Karam:
A Convenção de Viena de 1988 nitidamente se inspira na política de guerra às drogas, lançada na década anterior e aprofundada naqueles anos 80 do século XX. Essa guerra, como já pude ressaltar,
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naturalmente, não é uma guerra apenas contra as drogas, dirigindo‐se sim, como quaisquer guerras, contra pessoas, aqui contra as pessoas dos produtores, distribuidores e consumidores das substâncias e matérias primas proibidas (KARAM, 2003, pp. 4/5).
Os Estados Unidos da América passa a transferir a responsabilidade pelo alto consumo em seu território aos países marginais, potencializando a repressão bélica. Dessa maneira, na América latina, e, mas especificamente no Brasil, a Lei n.° 6.368/76 corrobora o modelo oficial jurídico‐político belicista, prevendo no artigo 16 pena privativa de liberdade de 06 meses a 02 anos de detenção ao usuário.
Consoante expõe Denis Russo, os EUA, cujo presidente naquela época era Ronald Reagan, pronunciaram‐se da seguinte forma:
A guerra contra as drogas não podia ser lutada apenas dentro de casa – cocaína era produzida na América do Sul, heroína vinha da Ásia, maconha chagava do México. Só seria possível acabar com as drogas se o mundo colaborasse. Em 1989, meses após o fim do governo Reagan, o Muro de Berlim caiu e os Estados Unidos viraram a única superpotência do mundo. O governo americano ameaçava com sanções econômicas os países que não colaborassem com aquela guerra justa (RUSSO, 2011, pp. 21/22).
Em artigo dedicado a análise do inimigo no Direito Penal, afirma Raúl Eugenio Zaffaroni:
La administración norteamericana también presionó a estas dictaduras para que declararan la guerra a la droga, en una primera versión vinculada estrechamente a la seguridad nacional: el traficante era un agente que pretendía debilitar la sociedad occidental, el joven que fumaba marihuana era un subversivo, se confundían e identificaba a los guerrilleros con los narcotraficantes (la narcoguerrilla), etc. A medida que se acercaba la caída del muro de Berlín, se necesitaba otro enemigo
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para justificar la alucinación de una nueva guerra y mantener niveles represivos altos. Para ello se reforzó la guerra contra la droga[3].
Na década de 1990 muitos países ampliaram os gastos orçamentários de seus órgãos repressivos. Sem dúvida, com o auxílio financeiro dos americanos, buscou‐se erradicar as drogas do planeta e, com o fim de colocar em prática esse planejamento, direitos fundamentais foram violados, mormente o das partes mais vulneráveis da sociedade. Repisando as ilações precedentes, Vera Malaguti Batista (2003, p. 54) aduz que “o sistema penal está estruturalmente montado para que não opere a legalidade processual e para exercer seu poder com o máximo de arbitrariedade seletiva dirigida aos setores vulneráveis”.
Para entendermos o que a citada autora explica, basta nos recordarmos em 2011, quando começaram a ser instaladas no Rio de Janeiro as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s). Esse modelo de segurança pública, supostamente repressor do delito de trafico de drogas, legitimou o devassamento da intimidade das camadas mais pobres daquela cidade, a exemplo da entrada autoritária de diversos policiais nas residências dos moradores das favelas em busca de traficantes, ferindo flagrantemente o direito constitucional à privacidade.
Inquestionavelmente, observa‐se empiricamente que no modelo de Segurança Pública ocorre um constante desenvolvimento da logística militarizada. Em outras palavras, existe uma constate reafirmação dos pseudoinimigos da sociedade, isso, é claro, com a imprescindível ajuda da sistemática de controle penal e o valioso papel da mídia. Nesse sentido, leciona Salo de Carvalho:
Dessa forma, a partir do final da década de setenta e início da década de oitenta ocorrerá a fusão de dois modelos ideológicos diferenciados (mas não dicotômicos ou exclusivos), cujo efeito será a formação do modelo repressivo que sustentará o proibicionismo nacional. No que diz respeito a estrutura normativa, a ideia de Defesa Social permeará o imaginário legislativo, adquirindo forte impacto em sua aplicação judicial; quanto ao sistema de segurança pública, o modelo de Segurança Nacional determinará lógica militarizada, a qual será
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transferida às agências civis de controle do desvio punível (CARVALHO, 2010, p. 23).
Logo, como resultado desses movimentos voltados pura e simplesmente à segurança nacional, as políticas armamentistas repressoras atingem seu ápice, estabelecendo, em segundo plano, a proteção dos direitos e garantias fundamentais. Além disso, Eugenio Zaffaroni (2011, p. 317) explica que “os atores políticos, procurando clientela eleitoral, elaboram leis repressivas, longe de qualquer contexto ideológico coerente, mesclando argumentos moralistas, perigosistas e de segurança nacional”.
Diante do exposto, denotam‐se três pilares imprescindíveis para a manutenção da sistemática proibicionista relativo às drogas: o Movimento de Lei e Ordem, a Ideologia de Defesa Social e a Ideologia de Segurança Nacional. Dessa maneira, reunidos, se tornam em uma arma poderosa em face dos princípios norteadores do Estado Democrático de Direito.
A Ideologia de Defesa Social possui o objetivo de servir de esteio a disseminação de teorias consistentes na interpretação e tratamento do crime e da criminalidade. Seus princípios fundamentais caminham no sentido de que o Estado, como representante da sociedade, possui legitimidade de combater os fatos delitógenos por intermédio de suas instâncias oficiais.
Corrobora a ideia do bem e o mal (maniqueísmo), com o propósito de, quando da prática de um delito, este seja a expressão da culpabilidade dos indivíduos que atentam contra os valores e princípios sociais. Deveras, maquia os reais anseios de controle social por intermédio do penal, alicerçando o discurso de que a pena previne a prática de novos desvios (prevenção geral e especial), discurso evidentemente dissociado da realidade, onde o consumo de drogas cresce diariamente.
Constrói falsamente a concepção de que a lei penal se dirige a todos de uma forma igualitária, em sua vertente material. Na realidade, sabe‐se que ocorre justamente o contrário do que se afirma, impõem‐se o controle social dos grupos minoritários desviantes diante de uma ordem econômica vigente.
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Em relação à Ideologia de Segurança Nacional, influenciada pelo Movimento de Defesa social, são reproduzidas ações rigorosas de combate aos fenômenos criminais. Assim sendo, Salo de Carvalho (2010, p. 38) explica que esses modelos pautados no sistema repressivo bélico “moldam intervenções punitivas que invertem os postulados legitimadores do Estado de Direito”.
Esta expansão do poder punitivo deságua no terceiro pilar do discurso proibicionista da política criminal de drogas no Brasil consistente no Movimento de Lei e Ordem. Esta ideologia enxerga o transgressor das leis como doença infecciosa para o convívio social, causador de perigo constante e iminente, apenas excluído pelas ferramentas do Estado e pelo Direito Penal Emergência.
Ocorre que tais teorias legitimam o chamado direito penal do autor. Conforme explica Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 110) “é uma corrupção do direito penal, em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma forma de ser do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva”.
Quando a pessoa está adquirindo ou portando algum tipo de substância estupefaciente para consumo pessoal está lesando a própria saúde, colocando em risco sua autodeterminação em face de prazeres momentâneos. O Estado, por interlúdio de suas instituições oficiais, resolveu reprimir tal conduta com a utilização de sua ferramenta mais deletéria, isto é, o Direito Penal, obnubilando alternativas menos gravosas e mais eficazes de enfrentamento do tema.
. Escorço Histórico Brasileiro
Traçar o histórico da criminalização do uso de substâncias entorpecentes não é tarefa fácil. Devido às mudanças no tratamento da matéria ao longo dos anos e os valores que permeavam cada época em que se produziram os diplomas legislativos, inevitável são desvios em qualquer tentativa de tracejar uma linha reta na história brasileira sobre as drogas.
Delinear com precisão os caminhos percorridos pelo homem em um dado momento histórico é tarefa inalcançável. As dificuldades sobre a missão de reconstruir o passado são tratadas por Francesco Carnelutti ao afirmar:
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Quando se fala em história, o pensamento logo se detém nas dificuldades que envolvem a reconstrução do passado, mas, guardadas as devidas proporções, entre a grande e a pequena história, essas mesmas dificuldade são enfrentadas e precisam ser superadas no Processo Penal (CARNELUTTI, 2010, p. 66).
Deste modo, partindo da premissa de que o processo de criminalização da conduta em comento foi construído em decorrência da transnacionalização do controle de princípios moralistas, buscar‐se‐á sua historiografia sem austeridade. Como explica Salo de Carvalho (2010, p. 04), “se o processo criminalizador é invariavelmente processo moralizador e normalizador, sua origem é fluída, volátil, impossível de ser adstrita e relegada a objeto de estudo controlável”.
De fato, verificamos que a legislação brasileira que criminaliza o portar/adquirir drogas para uso pessoal remonta as Ordenações Filipinas. Em matéria penal este foi o estatuto que mais vigeu, ultrapassou mais de 200 anos no tempo, sendo criado pelo Rei Filipe II em 1603, vigendo até 1830.
O assunto era tratado no livro V do Código Filipino em seu Título LXXXIX que prescrevia: “que ninguém tenha em sua caza rosalgar, nem o venda, nem outro material venenoso”[4]. Deste modo, naquela época a conduta de usar, portar e vender rosalgar, ou seja, sulfeto de arsênio, salvo se tivesse licença para tanto, constituía crime.
Em relação ao Código Penal Brasileiro do Império de 1930 que foi instituído por força do mandamento constitucional de 1824 (art. 179, § 18), nada foi tratado a respeito da proibição do consumo ou comércio de substâncias entorpecentes, retornando a proibição na Constituição da República.
No período republicado foram promulgados basicamente dois diplomas penais, o de 1890 e o de 1940. No primeiro, conforme explica Salo de Caravalho:
[...] passou‐se a regulamentar os crimes contra a saúde pública, previsão que encontrou guarita no Título III da Parte Especial (Dos Crimes contra a
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Tranqüilidade Pública). Juntamente com a incriminação do exercício irregular da medicina (art. 156); da prática da magia e do espiritismo (art. 157); do curandeirismo (art. 158); do emprego de medicamentos alterados (art. 160); do envenenamento das fontes públicas (art. 161); da corrupção da água potável (art. 162); [...] o artigo 159 previa como delito “expor à venda, ou ministrar, substâncias venenosas sem legítima autorização e sem as formalidades prescriptas nos regulamentos sanitários”, submetendo o infrator à pena de multa (CARVALHO, 2010, p.11).
Extrai‐se do excerto acima uma lacuna legislativa sobre o assunto, pois, até então, não havia previsão expressa da criminalização da conduta de portar/adquirir substâncias entorpecentes ilícitas para consumo pessoal. Após a publicação do diploma na década de noventa, ocorreram muitas alterações e leis esparsas regulando a matéria, em face disso, teve origem a Consolidação das Leis Penais em 1932, ocorrendo nova disciplina da temática e o acréscimo de doze parágrafos ao artigo 159 do Código Penal de 1890.
Não obstante, é com a edição do Decreto 780/36, modificado pelo Decreto n.° 2.953/38 e o Decreto‐Lei n.° 891/38, que verdadeiramente o Brasil se insere na política proibicionista relativa às substâncias entorpecentes. Assim, tratando do assunto, expõe Salo de Carvalho que:
A edição do Decreto‐Lei 891/38, elaborado de acordo com as disposições da Convenção de Genebra de 1936, regulamenta questões relativas à produção, ao tráfico e ao consumo, e, ao cumprir as recomendações partilhadas, proíbe inúmeras substâncias consideradas entorpecentes (CARVALHO, 2010, p.12).
É de se notar, que no final da década de trinta a política criminal de drogas adquire uma verdadeira roupagem repressiva. Dessarte, o legislador ordinário se abstém de tipificar condutas pontuais e ingressa com mais afinco no modelo internacional de repressão às drogas, tipificando a conduta de adquirir drogas para consumo pessoal.
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Conforme descreve Vicente Greco e Rassi:
[...] foi criada a Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes, pelo Decreto‐Lei n. 3.114, de 13 de março de 1941, alterado pelo Decreto‐Lei n. 8.647, de 1946, com atribuições de estudar e fixar normas gerais sobre fiscalização e repressão em matéria de entorpecentes, bem como consolidar as normas dispersas a respeito (VICENTE; RASSI, 2008, p. 02).
Merece registro que o Decreto‐Lei n.° 891/38 surge por imperativo da Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes, inspirado pela Convenção de Genebra de 1936, trazendo em seu bojo a relação das substancias consideradas ilegais. Igualmente restringiam a produção, tráfico e o consumo de drogas, vejamos os delitos definidos no art. 33 do Decreto‐Lei supramencionado:
Facilitar, instigar por atos ou por palavras, a aquisição, uso, emprego ou aplicação de qualquer substância entorpecente, ou, sem as formalidades prescritas nesta lei, vender, ministrar, dar, deter, guardar, transportar, enviar, trocar, sonegar, consumir substâncias compreendidas no Art.1 ou plantar, cultivar, colher as plantas mencionadas no Art.2, ou de qualquer modo proporcionar a aquisição, uso ou aplicação dessas substâncias ‐ penas: um a cinco anos de prisão celular e multa de 1:000$000 a 5:000$000. § 1 ‐ Se o infrator exercer profissão ou arte, que tenha servido para praticar a infração ou que tenha facilitado ‐ penas: além das supra indicadas, suspensão do exercício da arte ou profissão, de seis meses a dois anos. § 2 ‐ Sendo farmacêutico o infrator ‐ penas: dois a cinco anos de prisão celular, multa de 2:000$000 a 6:000$000 ‐ além da suspensão do exercício da profissão por período de três a sete anos. § 3 ‐ Sendo médico, cirurgião‐dentista ou veterinário o infrator ‐ penas: de três a dez anos de prisão celular, multa de 3:000$000 a
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10:000$000 ‐ além da suspensão do exercício profissional de quatro a dez anos[5].”
A propósito, o novel disciplinamento das drogas no Brasil passa a possuir um sistema punitivo autônomo, além da pena de multa que já era aplicada, há imposição da prisão celular após o devido processo legal caso o agente fosse condenado. Com efeito, a expressão “substâncias entorpecentes” passar a substituir a palavra “veneno” que antes era utilizada no tipo legal.
Por outro lado, com a entrada em vigor do Código Penal de 1940 há uma recodificação da matéria, tipificando no artigo 281 o ilícito de comercializar, possuir ou usar entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica. Inobstante, posteriormente é publicado o Decreto‐Lei n.° 4.720/42 que trata do cultivo de plantas entorpecentes e para extração, transformação e purificação de seus princípios ativo‐terapêuticos, e a Lei n.° 4.451/64 que introduziu modificações no artigo 281 do Código Penal de 1940, acrescentando a conduta de plantar. Há, como se observa, uma descodificação da matéria, passando a ser regulamentada por leis extravagantes.
Com a Ditadura Militar há o ingresso definitivo do Brasil na ideologia internacional de combate às drogas, havendo a edição do Decreto‐Lei n.° 54.216/64 que aprovara a Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961, diploma estabelecedor de medidas de controle e fiscalização no plano nacional contra o tráfico ilícito de entorpecentes e cooperação internacional. A Portaria de 08 de maio de 1967 do Serviço Nacional de Fiscalização de Medicina e Farmácia (SNFMF) adotou a lista de entorpecentes da referida convenção que era mais completa que a do Decreto‐Lei n° 891/38.
Por conseguinte, instalou‐se o discurso oficial ético‐jurídico de combate aos produtos e substância determinados ilícitos. Sobressai, nesse ínterim, o estereótipo do usuário de drogas como um grupo desviante, degenerado, perturbador da paz e ordem social. Conforme preconizado pela Convenção Única o toxicômano constitui perigo social e econômico para convivência humana.
No ano de 1967 entra em vigor o Decreto‐Lei n.° 159, ato normativo de suma importância para repressão do uso de substâncias que causem dependência física e/ou psíquica, trazendo em seu bojo outras substâncias
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capazes de determinar subordinação química ou física para fins de controle e fiscalização. Explicando os contornos históricos da matéria, Vicente Greco e Rassi expõem que:
Em 30 de janeiro de 1968, o SNFMF regulamentou a extração, produção, fabricação, transformação, preparação, manipulação, purificação, fracionamento, embalagem, importação, exportação, armazenamento, expedição, compra, venda, troca, oferta, cessão, prescrição e uso das substâncias capazes de determinar dependência física ou psíquica, trazendo em anexo a tabela com o rol das substâncias (VINCENTE; ROSSI, 2008, p. 03).
Com a publicação do Decreto‐Lei n.° 385 em 1968, foi alterada a redação do artigo 281 do Código Penal igualando a pena do usuário ao do traficante. Posteriormente há nova regulamentação do artigo por intermédio da Lei n.° 5.726/71, restabelecendo a diferenciação entre traficante e usuário. Esse novo disciplinamento é considerado a iniciativa mais completa e válida na repressão aos tóxicos no âmbito mundial, trazendo medidas como internação em estabelecimento hospitalar para tratamento psíquico pelo tempo necessário à sua recuperação.
A Portaria do Ministério da Saúde n° 131 de 06 de abril de 1972 é publicada para aprovar o regulamento interno da Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes (CONFEN), órgão orientador e disciplinador da fiscalização e controle de substâncias entorpecentes e equiparadas, com o fito de reprimir o tráfico e utilização ilícita. Esse órgão foi criado pelo Decreto n° 780 de 28 de abril de 1936, e mantido pelo Decreto‐Lei n.° 891 de 1938.
A Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes constituiu órgão consultivo do Ministério da Saúde para orientar o Governo em suas relações com a ONU e outras autoridades internacionais ou estrangeiras, visando o cumprimento de acordos e convenções sobre a matéria, sobretudo como instrumento de política sanitária relativa aos fármacos.
É mantido o discurso médico‐jurídico com a publicação das Leis n.° 6.368/76 (substituindo a Lei 5.726/71) e n.° 10.409/2002, diferenciando o consumidor do traficante, mas ainda estabelecia a pena de prisão celular.
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A Lei nº 10.409/02 é promulgada com o fim de substituir aquela integralmente, contudo, tal diploma legislativo foi confeccionado de péssimo modo, sendo vetado integralmente o Capítulo III, “Dos Crimes e das Penas”. Vetou‐se também o artigo 59 que previa a revogação por inteiro da n.° Lei 6.368/76, permitindo a vigência simultânea dos dois diplomas no que eram compatíveis.
Nessa feita, as substâncias consideradas ilícitas passaram a ser reguladas pelas Portarias da denominada Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), especialmente a Portaria SVS/MS n° 344, de 12 de maio de 1988. O Decreto n° 85.110 de 02 de setembro de 1980 instituiu o chamado Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização, e Repressão de Entorpecentes, integrante do Conselho Federal de Entorpecentes (órgão central).
No dia 22 de dezembro de 2000 entra em vigor o Decreto n.° 3.696 (substituindo o Decreto n° 85.110/80) que tratou do artigo 3° da Lei n.° 6.368/76, norma esta que dispunha sobre o Sistema Nacional Antidrogas (SISNAD). Doravante, o Decreto n.° 3.696/00 foi substituído pelo Decreto n° 5.912 de 27 de setembro de 2006, passando a regulamentar o SISNAD, criado posteriormente pela atual Lei Antidrogas.
Impende salientar que a Constituição Federal de 1988 ampliou o rol das penas (rol não taxativo), prevendo em seu inciso XLVI que “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos”[6]. Dessa forma, abriu espaço para uma nova regulamentação legislativa, estabelecendo ainda a criação dos Juizados Especiais Criminais para a conciliação, julgamento e execução de infrações de menor potencial ofensivo (Lei n.° 9.099 de 1995).
Na sequência evolutiva da legislação, o Projeto n° 7.134 de 2002 do Senado Federal ‐ que lhe foi apensado o Projeto n° 6.108/2002 do Poder Executivo ‐ foi reeditado pelo Senador Romeu Tuma e recebeu substituição na Câmara, voltando ao Senado onde recebeu emendas e se converteu na Lei n.° 11.343 de 2006. Com a entrada em vigor desse diploma, deixa‐se de ser aplicada a pena de prisão ao usuário de drogas, não podendo em nenhuma hipótese o usuário ser submetido à prisão.
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É de bom alvitre salientar que, sendo o agente incurso no artigo 28 da Lei n.° 11.343 de 2006 poderá ser submetido às penas alternativas de advertência sobre os efeitos das drogas, prestar serviço à comunidade ou medida socioeducativa. Caso seja reincidente, poderá sofrer admoestação verbal e/ou multa, conforme § 6°, do artigo 28 da Lei sobre Drogas, mas nunca ser conduzido à prisão.
. Artigo da Lei n.° . de
Tema de grande relevância no perímetro do Direito Penal e que merece ser tratado, mesmo que de forma sucinta, diz respeito ao conceito de crime. Para inteligibilidade dos contornos atinentes ao artigo 28 da Lei Antidrogas, imprescindível trazer à baila os elementos caracterizadores do delito e, doravante, perscrutarmos sobre o tipo legal ora em comento.
A doutrina, com o passar do tempo, foi amadurecendo e fornecendo elementos mais seguros sobre as condutas humanas consideradas desviantes, desenvolvendo‐se teorias unitárias e estratificados (vários planos analíticos) acerca dos fatos delituosos. Conforme é cediço, uma das principais funções do Direito Penal consiste na sua finalidade preventiva, tentando, por intermédio de normas proibitivas e suas respectivas sanções, dissuadir as pessoas de cometerem transgressões ao ordenamento jurídico.
Basicamente, até chegarmos à moderna teoria geral do crime perpassamos por três fases distintas que não se excluem: o conceito clássico de delito, o conceito neoclássico de delito e o conceito finalista de delito. Dessa forma, espargindo brilhantismo, assenta Cesar Roberto Bitencourt em seu tratado de Direito Penal que:
A atual concepção quadripartida do delito, concebida como ação, típica, antijurídica e culpável (essa concepção pode ser definida como tripartida, considerando somente os predicados da ação, tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade), é produto de construção recente, mais precisamente, do final do século XIX. Anteriormente, o Direito comum conheceu somente a distinção entre imputatio facti e imputatio iuris. Como afirma Welzel, “a dogmática do Direito Penal tentou compreender, primeiro (desde 1884), o conceito do
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injusto, partindo da distinção: objetivo‐subjetivo. Ao injusto deviam pertencer, exclusivamente, os caracteres externos objetivos da ação, enquanto que os elementos anímicos subjetivos deviam constituir a culpabilidade (BITENCOURT, 2007, p. 205).
Hodiernamente, como apontado pelo preclaro doutrinador, o critério majoritariamente circundado no Brasil se refere ao conceito “analítico de crime” que, nos dizeres de Francisco de Assis:
[...] dentre as várias definições analíticas que têm sido propostas por importantes penalistas, parece‐nos mais aceitável a que considera as três notas fundamentais do fato‐crime, a saber: ação típica (tipicidade), ilícita ou antijurídica e culpável (culpabilidade). O crime, nessa concepção que adotamos, é, pois, ação típica, ilícita e culpável (TOLEDO, 1994, p. 80).
Sobre o tema continua Cezar Roberto ao afirma:
O próprio Welzel, na sua revolucionária transformação da teoria do delito, manteve o conceito analítico de crime. Deixa esse entendimento muito claro ao afirmar que “o conceito de culpabilidade acrescenta ao da ação antijurídica – tanto de uma ação dolosa como não dolosa – um novo elemento, que é o que a converte em delito”. Com essa afirmação Welzel confirma que, para ele, a culpabilidade é um elemento constitutivo do crime, sem a qual este não se aperfeiçoa (BITENCOURT, 2007, p. 210).
Desses entendimentos acima esposados podemos inferir que, em relação à concepção analítica, para a existência de um fato criminoso se faz necessária uma conduta típica, antijurídica e culpável. Sem a existência desses três elementos o crime, em sua vertente jurídica, pode não existir. Como a proposta desse tópico é analisar a conduta de trazer consigo ou adquirir drogas para consumo pessoal, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, ou seja, a figura prevista do art. 28 da Lei n.° 11.343
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de 2006, nos ateremos a perquirir as nuances do elemento denominado de “fato típico”.
. . O Tipo Criminoso
O Direito Penal regula as condutas humanas que se ajustam aos seus dispositivos legais, ou seja, ações ou omissões especificadas nos denominados tipos penais. Destarte, por interlúdio dessas descrições normativas, busca‐se tutelar os valores mais nobres dos seres humanos, a exemplo da liberdade, à vida, dentre outros bens jurídicos.
Nessa senda, os elementos insertos nos textos normativos possibilitam a diferenciação entre os atos de vontade proibidos dos permitidos, isto é, quando uma pessoa pratica uma ação ou omissão que se ajuste a um desses comandos descritivo‐normativos, diz‐se que fora praticada um fato típico. Consoante explicita Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 387), “obtivemos já duas características do delito: uma genérica (conduta) e outra específica (tipicidade), ou seja, que a conduta típica é uma espécie do gênero conduta”.
Assim sendo, são modelos absortos de comportamentos que, se forem realizados, haverá responsabilização penal. Ainda sobre o tema, expõe Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 388) que “os tipos penais são instrumentos legais, logicamente necessários e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de condutas humanas penalmente relevantes”.
A conduta que ora se analisa e seus demais delineamentos estão expressos no artigo 28 da Lei de Drogas, segue a redação:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1° Às mesmas medidas submeti‐se quem, para consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de
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substâncias ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. § 2° Para determinar se a droga destinava‐se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. § 3° As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses. § 4° Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. § 5° A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas. § 6° Para garantia das medidas a que se refere o caput, nos incisos I, II, III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê‐lo, sucessivamente a: I – admoestação verbal; II – multa. § 7° O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado[7].
Merece ser dito que essa norma pode ser visualizada de acordo com os seus elementos: os objetivos‐descritivos, os normativos (expressões que necessitam de uma verificação cognitiva para extrair seus sentidos) e os subjetivos. É preciso verificar cada uma dessas informações para entendermos de forma clara e precisa quais comportamentos humanos que se amoldam ao tipo em comento.
Os verbos ‐ elementos objetivos ‐ são os núcleos do tipo penal alocados no texto, consubstanciando em ações penalmente relevantes. Pela redação do artigo retrotranscrito, verifica‐se que foi promovido um alargamento na criminalização do usuário de drogas. Antes, o artigo 16 da Lei n.° 6.368 de 1976 previa apenas as condutas de adquirir, guardar e ter
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em depósito, sendo acrescido pela nova lei os verbos transportar ou trazer consigo substâncias ou produtos proscritos pela lei brasileira, ocorrendo à chamada novatio legis incriminadora.
Praticar a conduta constante no verbo adquirir significa comprar, angariar mediante o pagamento ou de forma gratuita. Em relação à expressão guardar, possui o sentido de conservar para utilização em curto período, proteger. Ademais, trazer consigodenota a ideia de ter junto ao corpo, na carteira, bolso, ou outro meio. Ter em depósito significa maior perpetuidade e quantidade relacionada às substâncias psicotrópicas. Por fim, transportarsignifica levar de um lugar para outro por intermédio de veículos, sacolas, malas, e etc.
A posteriori, em seu parágrafo primeiro, o artigo também prevê os comportamentos de semear (propalar), cultivar (amanhar) ou colher (recolher) substâncias ou produtos que possam causar dependência física ou psíquica, não havendo maiores controvérsias quanto ao sentido desses verbos.
Importante destacar que as condutas de usar ou consumirnão configuram ilícito penal por falta de previsão normativa (em consonância com o princípio da legalidade). Basta imaginarmos uma pessoa sendo flagrada após a utilização de alguma substância estupefaciente, a saber, a maconha, a cocaína, o crack, dessa forma, terminantemente este indivíduo não terá praticado qualquer conduta ilícita (ou antijurídica).
Em outro giro, o elemento subjetivo do crime se consubstancia no dolo, ou seja, na vontade livre e consciente de praticar alguma conduta descrita como delito. Traçando os contornos do tema, Moraes e Capobianco afirmam que o crime doloso:
É aquele praticado pelo agente que objetiva o resultado ou que, no mínimo, assume o risco de produzi‐lo, isto é, tem consciência da conduta que pratica. Dolo é a vontade livre e consciente de praticar a ação ou omissão, de executar o fato definido como crime pela letra da lei (MORAIS; CAPOBIANCO, 2010 p.150).
In casu, seria a vontade livre e consciente de adquirir ou trazer consigo substância entorpecente na forma prevista no artigo 28 da Lei de
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Drogas. Não menos importante, porém, que a assunção do risco de produzir o resultado desejado (dolo), é impreterível à vontade “específica” de obter a droga para uso pessoal. Sem a presença desse elemento específico da redação legal, o autor terá praticado crime diverso ou o fato será irrelevante para o Direito Penal.
Corroborando o exposto, verbi gratia, na hipótese de alguma pessoa trazer consigo algum tipo de substancia estupefaciente (o crack, por exemplo) com o objetivo de vendê‐la, ao invés de consumi‐la, estará inserto na figura prevista no art. 33 da Lei n.° 11.343 de 2006, praticando o tráfico ilícito de drogas.
Nesse ponto, com o fito de diferenciar o usuário do traficante de drogas ‐ isso porque as cinco condutas que estão previstas no artigo 28 da Lei n.° 11.343 de 2006 também aparecem em seu artigo 33 que dispõe sobre a figura do tráfico de drogas ‐ o § 2° traz critérios objetivos e subjetivos de diferenciação. Desta maneira, os operadores do direito como os Delegados de Polícia, Promotores e Juízes deverão se atentar à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoas, bem como à conduta e aos antecedentes do agente[8].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações acerca do tema “uso de drogas” e seus consectários à sociedade não é tarefa simples, pois envolve vários seguimentos sociais como religião, sistemas oficiais de controle social, a moralidade, dentre outros. Observa‐se um grande empreendimento de esforços por parte dos países para buscar uma fórmula que chegue perto de arrefecer os transtornos que envolvem a dependência química.
No passado o Brasil na tentativa de solucionar o tráfico social de substâncias proibidas e o seu consumo, aplicou ao consumidor sanção penal semelhante à estabelecida ao traficante, impondo‐lhe ao final do devido processo legal pena de prisão. Com a densificação do constitucionalismo no século XX, altera‐se a perspectiva de interpretação do ordenamento jurídico, com a Constituição Federal servindo de filtro a produção legislativa infraconstitucional.
Com o objetivo de respeitar os valores expressos na constituição federal, principalmente os princípios da privacidade e intimidade, a Lei
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11.343 de 2006 em seu artigo 28 deixou de prever a prisão celular para usuário, e a Política Nacional de Drogas advém com um viés sanitarista. Deste modo o Brasil chega perto dos principais sistemas mundiais de combate ao uso de drogas, em que o agente é visto como alguém que precisa das mãos do Estado para se livrar do vício que assola sua saúde.
Não obstante o adquirir/portar drogas para consumo pessoal ainda é considerado crime pelo Supremo Tribunal Federal, ressaltando que a Corte Superior se debruça sobre o Recurso Extraordinário (RE) 635659 em que se discute a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas. Pedido de vista do ministro Teori Zavascki suspendeu o julgamento do Recurso Extraordinário com repercussão geral.
Em voto‐vista apresentado ao Plenário, o ministro Fachin se pronunciou pela declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, que criminaliza o porte de drogas para consumo pessoal, restringindo seu voto à maconha, droga apreendida com o autor do recurso. O ministro explicou que, em temas de natureza penal, o Tribunal deve agir com autocontenção, “pois a atuação fora dos limites circunstanciais do caso pode conduzir a intervenções judiciais desproporcionais”.
O ministro Roberto Barroso também limitou seu voto à descriminalização da droga objeto do RE e propôs que o porte de até 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis plantas fêmeas sejam parâmetros de referência para diferenciar consumo e tráfico. Portanto, sinaliza a Suprema Corte em considerar inconstitucional o portar/adquirir drogas para consumo pessoal, seguindo uma tendência mundial em constatar a derrocada da guerra contra as drogas, causadora de milhares de mortes a cada ano no Brasil e no mundo.
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NOTAS:
[1] Expressão entendida como “fale baixo”.
[2] [...] a uma ideologia caracterizada por uma concepção abstrata e ahistórica da sociedade onde se destacam fundamentalmente os princípios do bem e do mal e da culpabilidade, necessária nesse momento como centralizadora e unificadora das normas universais que ser impostas.
[3] O governo dos EUA também pressionou essas ditaduras para declarar guerra à droga, em uma primeira versão intimamente ligada à segurança nacional: o comerciante era um agente que visaenfraquecer a sociedade ocidental, o jovem que fumou maconha era um subversivo, é confuso e identificou os guerrilheiros comtraficantes de drogas (narcoguerrilla), etc Quando ele se aproximou da queda do Muro de Berlim, um outro inimigo era necessário para justificar a alucinação de uma nova guerra emanter altos níveis de repressão. Isto foi reforçado pela guerra contra as drogas.
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[5] Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/legis/decreto_lei/891_38.htm>. Acesso em 28 Agost. 2012.
[6] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 30 Agost. 2012.
[7] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em 01 Set. 2012.
[8] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em 05 Set. 2012.
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ESTUDO DE CASO: VOTO DO MINISTRO GILMAR MENDES NA SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA N. 175 E SEUS IMPACTOS NO DIREITO SOCIAL À SAÚDE PÚBLICA
SAMUEL DE JESUS VIEIRA: Advogado atuante nas áreas Civel, Administrativo e Consumidor.
RESUMO: A presente pesquisa trata de analisar o voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes do supremo tribunal federal na STA 175 onde figuravam como partes interessadas a União e o município de Fortaleza – CE. A decisão tem especial importância por demonstrar a sedimentação da judicialização das políticas públicas, em especial as relacionadas à saúde pública, de especial interesse de toda a sociedade.
PALAVRAS – CHAVE: Políticas públicas. Direitos sociais. Saúde pública. Sociedade. Judicialização.
ABSTRACT: The present research examines the vote of Minister Gilmar Mendes of the Federal Supreme Court in STA 175 where the Union and the municipality of Fortaleza - CE appeared as interested parties. The decision is of particular importance for demonstrating the sedimentation of the judicialization of public policies, especially those related to public health, which are of particular interest to society as a whole.
KEYWORDS: Public policies. Social rights. Public health. Society. Judiciary.
1. CONCEITOS INICIAIS: DIREITOS SOCIAIS, POLITICAS PÚBLICAS E JUDICIALIZAÇÃO
A concretização de direitos fundamentais é sempre assunto importante quando se trata da prestação de serviços públicos, mais especificamente no que tange a analise de sua adequação as previsões constitucionais relativas ao tema.
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Os direitos fundamentais, ao longo do tempo, sofreram importantes mudanças no que se refere a sua interpretação. Foram inúmeras as fases até se alcançar, apesar de bastante óbvio atualmente, a idéia de direitos fundamentais coletivos, ditos direitos da sociedade ou sociais.
Na lição de Alexandre de Moraes (2016, p.202), os sociais “são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado Democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal”
A constituição federal tratou de alçar os direitos sociais a condição de direitos indisponíveis além de auto-aplicáveis, tudo com o objetivo de garantir máxima eficácia no momento de sua aplicação.
Interessante ainda notar que, em muitas situações os direitos sociais são entregues a sociedade através das chamadas políticas públicas, estas podem ser conceituadas, nas palavras do ilustre doutrinador José dos Santos Carvalho Filho como sendo:
Políticas públicas, por conseguinte, são as diretrizes, estratégias, prioridades e ações que constituem as metas perseguidas pelos órgãos públicos, em resposta às demandas políticas, sociais e econômicas e para atender aos anseios das coletividades. Nesse conceito tem-se que diretrizes são os pontos básicos dos quais se originara a atuação dos órgãos; estratégias correspondem ao modus faciendi, isto é, aos meios mais convenientes e adequados para a consecução das metas obtidas mediante processo de opção ou escolha, cuja execução antecederá à exigida para outros objetivos; e ações constituem a efetiva atuação dos órgãos públicos para alcançar seus fins. As metas constituem os objetivos a serem alcançados: decorrem na
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verdade, das propostas que nortearam a fixação das diretrizes. (CARVALHO FILHO, 2006, p.107)
Outro importante fator a ser informado inicialmente é que em muitos os casos o poder público se abstém de realizar determinadas ações que se constituem em verdadeiras obrigações sociais do Estado para com a sociedade, essa situação de abstenção estatal acaba gerando um conflito de interesses, de um lado o poder público alegando falta de receitas públicas suficientes para concretizar ações governamentais de caráter obrigatório, e, do outro os particulares lesados em seus direitos buscando, quase sempre judicialmente, a prestação estatal que lhe é devida.
Com o aumento desse problema e a constante busca da sociedade por uma prestação social através de uma decisão judicial positiva, surge na doutrina e jurisprudência a discussão a cerca desse fenômeno, o qual ficou batizado de judicialização das políticas públicas, que se constituem na busca ao judiciário como última alternativa para a obtenção da prestação de um dever estatal instrumentalizado em uma prestação social normalmente entendida como uma política pública.
O objeto do presente estudo é analisar a o voto do ministro Gilmar Mendes na STA 175 em que foi discutida justamente o tema da judicialização da saúde pública, tema este que se encontra em voga e cada vez mais vem tomando as rodas de debates acadêmicos pela sua essencial importância no contexto das políticas publicas relacionadas a saúde pública.
2. A STA 175
A suspensão de tutela antecipada 175 trata de um caso modelo em que o poder judiciário interveio em uma ação que versava sobre a prestação do direito à saúde pública, garantido assim que a tutela á esse direito social fosse satisfeita.
A lide versava sobre a entrega de medicamentos Zavesca (miglustat) à pessoa beneficiada na ação. Figurava como obrigados a União, o Estado do Ceará e o município de Fortaleza.
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Os entes públicos alegaram, como de praxe, a violação do principio da separação dos poderes, grave violação a ordem econômica e saúde pública para se abster de cumprir a obrigação que lhes é incumbida.
O que chamou a atenção no julgamento foram os apontamentos feitos pelo ministro Gilmar Mendes ao proferir seu voto, se posicionando favoravelmente ao direito à prestações estatais positivas em matéria de direitos sociais.
O que chamou mais atenção foi a quebra do argumento sempre corriqueiro em questões semelhantes em que o ente estatal alega violação do principio da separação dos poderes na atitude do judiciário em buscar obrigar o ente público a prestar de forma positiva o direito a saúde do individuo, mesmo alegando reserva do possível nesses casos, Como se vê abaixo no trecho extraído do voto do relator ministro Gilmar Mendes:
O fato é que a judicialização do direito à saúde ganhou tamanha importância teórica e prática que envolve não apenas os operadores do Direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo. Se, por um lado, a atuação do Poder judiciário é fundamental par o exercício efetivo da cidadania e para a realização do direito à saúde, por outro as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão perante os elaboradores e executores das políticas públicas, que se vêem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área da saúde e além das possibilidades orçamentárias. (...)
(...) A intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária
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determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas.
O ministro Gilmar Mendes, com isso, buscou afastar a possibilidade de qualquer argumento no sentido de impossibilidade da prestação pública de serviço à saúde em virtude haver quebra da autonomia dos entes estatais.
Importante destacar que o ministro Gilmar Mendes ainda aponta que reconhece um direito público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde, mas não há direito absoluto a todo e qualquer procedimento que recupere a saúde. Nesse sentido, o ministro constatou que muitos casos envolvendo o direito à saúde não configuram intervenção indevida do Judiciário na livre apreciação ou discricionariedade de formulação de políticas públicas pelos demais poderes. Isto se deve ao fato de muitas vezes o que se pede é o cumprimento de política já estabelecida, o que não caracteriza elaboração de políticas públicas pelo juiz.
Muitas vezes o que ocorre é somente a efetivação de políticas que já se encontram na esfera de obrigação do ente público, e que, o que ocorre é somente a imposição de seu cumprimento que não vem sendo prestado de forma regular ou se quer vem ocorrendo.
Esse entendimento, ampliado para os demais direitos sociais, leva a conclusão que a atuação judicial deve ser exceção, mas não impossível diante de omissões, sejam administrativas, sejam legislativas. Assim, quando não se têm obrigações específicas previstas na Carta Magna, diante da interpretação do art. 5, §1º, CF, não existem óbices a eventuais interferências judiciais para concretizar direitos sociais.
O poder judiciário não atua adentrando na competência, seja administrativa ou legislativa, dos demais órgãos e agentes públicos. O que se verifica na judicialização de direitos sociais como os em discussão, é tão somente a busca pelo poder judiciário em efetivar a prestação de serviços públicos. 3. REPERCUSSÕES DO JULGAMENTO DA STA 175
Muitas foram as discussões travadas em torno do julgamento da STA 175, a maioria no âmbito doutrinário onde se buscou traçar
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uma nova perspectiva na atuação do judiciário quando o assunto é o alcance de seus julgados.
O que se verificou foi que a judicialização de direitos se transformou em um debate sobre o papel do judiciário na sociedade. Há os que apontam que o mesmo deve se limitar a não interferir na esfera de competência de outros entes e também existem apontamentos que corroboram com a idéia de um poder judiciário social e atuante em matérias de cunho social.
Certo é que, a judicialização de matérias relacionadas a políticas públicas trás em si um desabafo da sociedade que em muitas situações se via de braços cruzados sem qualquer auxilio do poder público para que fossem efetivados seus direitos.
O judiciário ao instrumentalizar, de forma efetiva, a entrega de prestações positivas à sociedade mostra a obrigação dos entes púbicos de promover o bem social, mesmo que essa obrigação seja imposta ao ente público por outro ente estranho a entrega das prestações sociais positivas a que é incumbido.
A doutrina e jurisprudência nacionais ainda discutem a judicialização de políticas públicas acirradamente, estabelecendo limites e formas que tendem a evoluir muito, visto que a discussão apesar de grande ainda é jovem e tende a sofrer transformações.
4. CONCLUSÃO
Com isso, ficou clara a intenção do ministro Gilmar Mendes em deixar assentado que nem sempre se busca, pela via judicial, que o mesmo promova uma inovação em determinado plano de governo para que seja implementada determinada política social, muitas vezes essas políticas já existem e o que se busca é sua efetivação no campo social.
A própria constituição estabelece essa premissa quando assim expõe “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Fica ainda clara a necessidade de medidas sociais de caráter preventivo e de prestação eficiente que evitem a busca constante
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ao judiciário. Os entes públicos devem criar meios céleres e efetivos de concretização de direitos sociais.
Existindo o direito fundamental à saúde no ordenamento, há o correspondente dever do Estado (União, Estados, Distrito Federal e municípios) em prestá-lo. A questão da garantia mediante políticas sociais e econômicas, para o Ministro Gilmar Mendes necessita de formulação de políticas públicas que concretizem o direito à saúde por meio de escolhas alocativas. Essas políticas devem visar à redução do risco de doença e de outros agravos – caráter preventivo – e o acesso universal e igualitário a todos, a reforçar a responsabilidade solidária dos entes da Federação.
O problema a ser solucionado talvez não seja o judiciário interferindo na administração como costumeiramente apontado pelos entes públicos, quando judicializando determinadas matérias busca implementar políticas sociais em matéria de saúde, uma vez que, em muitas vezes o que está em voga são políticas já existentes. Analisando isso como critério para decisão, o Ministro Gilmar Mendes demonstra que a existência, ou não, de política estatal (formulada pelo SUS) que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte se mostra como um primeiro parâmetro a ser considerado. Porém, se esta não existir, deve-se distinguir entre três situações: se a não prestação decorre de uma omissão legislativa ou administrativa, de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma vedação legal a sua dispensa.
Com isso fica claro que a judicialização de políticas sociais, como por exemplo as voltadas a saúde pública, objeto do trabalho, nem sempre são obrigações impostas pelo judiciário à administração pública, e que interfiram nas metas e planos de governo que foram traçados. A judicialização busca trazer concretude a preceitos que já são deveres dos entes públicos e que são inerentes á própria atividade administrativa e em nada confronta o principio da separação dos poderes, visto que a todo poder é dada a obrigação de cumprir os preceitos que estão estabelecidos na Constituição Federal.
BIBLIOGRAFIA
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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, Gráfica do Senado, 2016.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Políticas públicas e pretensões judiciais determinativas. In: FORTINI, Cristiana; ESTEVES, Júlio César dos Santos; DIAS, Maria Tereza Fonseca (Org.). Políticas públicas: possibilidades e limites. Belo Horizonte: Fórum, 2006.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 2016.
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NOVOS FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DO DIREITO PENAL E DA CRIMINOLOGIA: IDEOLOGIAS, HERMENÊUTICAS E OS DILEMAS DAS LIBERDADES
OSVALDO DE OLIVEIRA BASTOS NETO: Bacharel em Direito - FBB; Bacharel em Ciências Sociais - UFBa; Mestre em Sociologia - UFBa; Professor universitário e de faculdades; Atualmente leciona em cursos de graduação: Direito e Serviço Social; Leciona em cursos de pós-graduação: Agência Brasileira de Análise Criminal - ABACRIM, Curso de Especialização em Segurança Pública - (CESP-PMBa), Curso de Especialização em Gestão Estratégica de Segurança Pública - (CEGESP-PMBa); Autor de Livros especializados, artigos acadêmicos e crônicas. Coordenador do Observatório de Estudos Criminais - Salvador - Ba.; Coordenador do Seminário em Direito Penal, Literatura e Hermenêutica: Coordenador Adj. do Curso de Especialização em Ciências Criminais e Sistemas Prisionais - Dom Petrum.
Resumo: Aponta para as novas transformações nos fundamentos do
Direito Penal e da Criminologia, ressaltando a perspectiva ideológica
revolucionária destes novos “fundamentos”. Salienta também a dicotomia
ente modernidade e pós‐modernidade e os seus reflexos no pensamento
jurídico. Além disso, retoma os fundamentos teológicos e filosóficos do
pensamento moderno para explicar as transformações no pensamento
jurídico pós‐moderno.
Capítulo I – Introdução: A Ideologia, Modernidade e Pós‐
Modernidade
A definição de modernidade sempre foi um desafio. Mas podemos
traçar alguns parâmetros básicos que sustentam a possibilidade de
entendermos tal fenômeno. Cabe, antes de tudo, apontar que deste
trabalho tenta‐se entender os fundamentos epistemológicos do Direito
moderno e agora, no mesmo sentido, os desafios do Direito pós‐moderno
em meio a um contexto de complexas mudanças paradigmáticas e
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discursivas. Nesse sentido, é tomado como parâmetro de análise de
fenômeno de “pensamento laico” que culmina no século XVIII com
aparecimento do conceito de “Ideologia”.
Diante de tantas possibilidades de traçarmos os caminhos da
Modernidade e, do Direito Moderno, como sua criação suprema é possível
partir do pressuposto de que a “era moderna” e nela o chamado
“pensamento moderno” surgem de um ambiente no qual está em
formação um universo muito mais amplo que costuma‐se chamar de
“civilização ocidental” ou “cultura ocidental”. Assim sendo, três pilares
formam essa cultura ocidental: a filosofia e a cultura greco‐romana; o
Direito Romano e a tradição judaico‐cristã. Ainda nesse último quesito,
algo que terá reflexo em toda a formação do “Pensamento Moderno” e,
por isso, do “Direito Moderno”, as “Questões Teológicas”, que tantas
vezes impregnaram as filosofias medievais e modernas, orientando,
mesmo quando se falou num suposto pensamento laico, debates que
resultaram num universo heterogêneo, mas que, com muito esforço,
podemos chamar de: “pensamento moderno”.
O Direito então passa a ser o universo aonde mais se refletem esses
debates e questionamentos. É neste universo, no qual teoria jurídica e
teoria política ainda se confundiam, que irá se buscar respostas para o
possível ordenamento de uma sociedade que, tida como um projeto, que
visava possibilitar a convivência entre os seres humanos, a tal sociedade
moderna. Dentre as “questões teológicas” o problema da “Queda” e da
origem do mal cobram respostas da Filosofia e em seguida de um Direito
que foi pensado e repensado como forma de sustentar um Contrato
Social. Ou seja, o homem sobre o qual se volta a Filosofia Moderna e toda
a sua trajetória laica é o homem da “Queda”, aquele que foi expulso do
paraíso. Essa questão vai ser fundamento para todo o universo Moderno
e agora Pós‐Moderno. A partir daí, outras dúvidas teológicas surgem e se
infundem na filosofia contribuindo para o sustento da tradição moderna,
tais como: “Deus existe?”, “Deus desistiu da humanidade ou perdeu o
controle?”, “Como explicar e conter o Mal?”. E agora, num mundo sem
Deus, como explicar o Ser?”. É a partir destes questionamentos básicos
que se sustentam todas as discussões política e jurídica, repletas de
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ideologias e suas respectivas utopias para as quais, o Direito e Estado
modernos, são chamados a ordenar e legitimar.
Em passagem ilustrativa, ensina e esclarece Daniel‐Rops:
O fascínio dos livros de viagens ‐ até,
paradoxalmente, o grande interesse pelas missões –
acabava por criar a famosa lenda do “Bom
Selvagem”, tão cheio de virtudes, tão superior ao
homem civilizado, e que não tivera necessidade do
Evangelho para ser perfeito... [...] Os “filósofos” do
século XVIII – Diderot, com a Enciclopédia, e Voltaire
– foram buscar ao Dicionário inúmeras armas para as
suas lutas anti‐religiosas. [...] Assim nasceu a querela
entre os antigos e os modernos, em que intervieram
os maiores nomes da literatura. (2001, p. 27 a 32)
A trajetória filosófica, discursiva e mesmo epistemológica que levou
ao aparecimento do conceito de Ideologia, tem entendimento pacífico na
literatura de referência (VINCENT, 1995; ARENDT, 1979; THOMPSON,
1990). Como consequência de uma trajetória intelectual na qual filósofos
e philosophes, buscaram encontrar explicações para o entendimento
humano que estivessem afastadas, cada vez mais, dos antigos paradigmas
medievais contrários a uma visão antropocêntrica da Razão. Em
esclarecedora lição, Adão Lara em “Caminhos da Razão no Ocidente”
(1986) afirma que:
Os medievais, quando queriam justificar os
valores fundamentais da civilização, recorriam às
letras divinas (a Bíblia). [...] Nos séculos da Idade
Média, o homem é olhado como uma criatura de
Deus. Ele se define, na relação com o absoluto, o
transcendente, o que está além deste cosmos
concreto e material, no qual vivemos. [...] A partir
dela toda a cultura se estrutura e toda a civilização se
organiza. [...] A racionalidade da convivência era
explicada pela teologia, articulação racional da Bíblia,
a qual contém a revelação divina e era
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institucionalizada pela Igreja. O medieval, antes de se
sentir membro de qualquer Nação ou Estado, sentia‐
se membro da cristandade. (p. 26, 27, 28)
A transição para o racionalismo moderno, como assim podemos
chamar, é por demais complexa e percorreu uma linha temporal
impossível de ser abordada em toda sua amplitude num trabalho
introdutório. Cabe aqui, apenas, pontuar passagens e conceitos
importantes para a construção do raciocínio que perpassa essa
monografia. Feito este esclarecimento, ainda baseado na lição de Adão
Lara (1986):
A cultura humanista, pelo contrário, parte de
outra premissa: é possível, urgente e proveitoso levar
até às últimas consequências a força da racionalidade
e da natureza humana, prescindido da revelação e da
graça divinas. Não se tratava de mandar Deus às
favas. Para a maior parte dos humanistas, tratava‐se
de pedir a Deus para esperar um pouco, na sala de
visitas, até que a razão acabasse o seu trabalho. Era
um novo mundo a ensaiar. (p.31)
Entendimento semelhante tem Gonçal Mayos (2004), que, em “O
Iluminismo Frente ao Romantismo no Marco da Subjetividade Moderna”,
afirma:
Em primeiro lugar devemos definir o que deve
ser compreendido como o projeto constitutivo da
Modernidade (presente em toda ela ao menos
implicitamente). O essencial do projeto moderno é a
assunção do desafio de que a humanidade se
colocasse totalmente a cargo de si própria a partir de
suas exclusivas potencialidades e faculdades. Ele
implicava a renúncia absoluta a toda instância ou
pretensão que não poderia ser validada a partir do
estritamente humano, superando: os ideais ou
preconceitos aceitos sem crítica, a autoridade
injustificada, toda tradição imposta, toda
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transcendência que não se desprendesse da
imanência, etc. Para isso, na Modernidade partia‐se
essencialmente do sujeito pensante, de sua
autonomia e das evidências que a ele eram dadas,
considerando‐se que só a partir do sujeito se
podia garantir sua certeza ou verdade em função de
um método rigoroso. E o objetivo central final era
a emancipação humana de todas as servidões
exteriores (da natureza, das inclemências e das
dificuldades para assegurar uma vida digna) ou
interiores (superando a barbárie, a escravidão,
o domínio e a violência aos quais os humanos se
submetem mutuamente) para então garantir a si
a liberdade, a felicidade e a paz. Para isto, em geral,
se reconhecia a necessidade de se levar a cabo uma
radical revolução ou regeneração – ao menos – da
sociedade, de suas intenções e inclusive, do próprio
ser da humanidade. (p. 133)
É nesse contexto, retratado em rápida síntese, que se desenvolvem as
buscas de um “pensamento humanista”, “pensamento laico”, de uma
“autonomia da razão”, de uma “compreensão do entendimento humano”,
que abrirá espaço para o surgimento da ideia e conceito de Ideologia no
século XVIII.
Segundo a literatura de referência as ideias e os fenômenos que
originaram o conceito de Ideologia transitaram por todo o período
moderno, podendo mesmo estar na origem da própria modernidade. O
conflito entre o Iluminismo e o Romantismo no século XVIII ilustra esta
questão. Foram ideologias em conflito que no Direito deram em geral
origem a um profícuo debate sobre as possibilidades do Direito tornar‐se
uma ciência, seguir subordinando o uso da Razão Prática (Kant, 1959) ou
às tradições dos costumes (Savigny, 2005). Foi daquele Iluminismo
revolucionário que surgiu a Ideologia, enquanto conceito e ensaio de
sistema de pensamento.
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Em esclarecedor estudo sobre as ideias modernas revolucionárias
Ostrensky (2006), observa que:
Na Inglaterra do século XVII, o conceito de
revolução remete quase sempre a dois conceitos
distintos, invariavelmente relacionados à astronomia
e ao que hoje intitulamos física. O primeiro é
sinônimo de circunvolução e designa o processo
cíclico de geração, corrupção e morte pelo qual
passam todos seres, mesmo os grandes corpos das
repúblicas. [...] Daí falar‐se também, não naquilo que
se transforma, mas no que alterna em algo já
conhecido, isto é, as repetições e os ciclos.
Revolucionar é revolver. [...] Apenas com a Revolução
Francesa o conceito se tornará um importante
instrumento de compreensão política, designando os
episódios históricos em que seres humanos haviam
produzido o colapso de uma ordem política, social ou
econômica e a emergência, em seu lugar, de novos
valores e regimes. [...] O mesmo tipo abordagem
pode se aplicar a outras questões, tais como o Direito
a expressar determinada opinião religiosa e o caráter
representativo do Estado. (2006, p. 27 a 31)
É nesse ambiente tumultuado em termos de ideias e propostas de
mudanças que filósofos se confundem com philosophes. Os philosophes
iluministas não criavam de fato, sistemas de pensamento, algo próprio dos
filósofos e, sim, ideologias revolucionárias e panfletárias que como
observa Robert Danton em “Poesia e Política: redes de comunicação na
Paris do século XVIII” (2010) usavam os recursos das músicas populares,
discurso em via pública ou jornais clandestinos para difundir os seus
discursos revolucionários.
Mas, a Ideologia, termo criado pelo francês Antonie Destutt de Tracy,
por volta de 1790, tinha como objeto formular um método de
pensamento que superasse a chamada metafísica daquele tempo. Nesse
sentido, Tracy é apontado tanto como filósofo quanto philosophes, isto
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porque a sua proposta de sistematização é revolucionária no sentido de
se opor à influência do cristianismo nas doutrinas jurídicas e políticas,
assim como suas instituições representativas. Por outro lado, ao propor
um novo modelo de ordem através de uma nova sistematização racional
do pensamento e compreensão humanas estaria na categoria do
“filósofo”.
Isso se torna mais claro na relação entre Tracy e Napoleão Bonaparte,
que bem esclarece Andrew Vicent em “Ideologias e Políticas Modernas”:
“Ideologia” foi um neologismo composto a partir
dos termos gregos eidos e logos. Pode ser definida
como “ciência das ideias”. [...] Tracy era
profundamente anticlerical e materialista. [...] Como
muitos philosophes iluministas e pensadores
enciclopedistas Tracy acreditava que todas as áreas
da experiência humana, muitas das quais haviam sido
previamente examinadas sob o ângulo da teologia,
deveriam ser agora examinadas pela razão. [...]
Bonaparte, também, de maneira profética,
denunciou os idéologues como um “Colégio de
Ateus”. [...] Bonaparte parecia sofrer de “ideofogia”.
[...] sentido pejorativo de ideologia, indicando
esterilidade intelectual, inépcia prática e, mais
particularmente, sentimentos políticos perigosos,
tendeu a perseverar. [...] Ideologia, assim, tornou‐se
uma esfera limitada, na França, equivalente a
“doutrina política”. [...] Marx usou o conceito no
título de uma das suas primeiras obras, A Ideologia
Alemã, como um rótulo pejorativo, referindo‐se
àqueles, principalmente aos jovens hegelianos, que
interpretam o mundo filosoficamente, mas que não
parecem capazes de transformá‐lo. (1992, p. 11 a 16)
A interpretação adotada por John B. Thompson em: “Ideologia e
Cultura Moderna”, segue viés análogo ao de Vicent (1992), Segundo
aquele:
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Por dois séculos, o conceito de ideologia ocupou
um lugar central e, às vezes, inglório no
desenvolvimento do pensamento social e político.
Introduzido, originalmente, por Destutt de Tracy,
como um rótulo para uma possível ciência das ideias,
o termo “ideologia”, rapidamente, tornou‐se uma
arma numa batalha política, travada no terreno da
linguagem (1998, p. 43).
Adotando uma perspectiva semelhante Frederick M. Walkins em “A
Idade da Ideologia”, entende que as ideologias ou mesmo o que chamou
de “a idade das ideologias” são credos seculares que atuaram de forma
direta nas revoluções dos séculos XVII e XVIII, depois de terem provocado
inúmeras reviravoltas e controvérsias religiosas com a Bíblia e o
cristianismo. Daí conquistaram importância e influência na conduta de
homens e grupos humanos. Mas é com a chamada revolução tecnológica,
mais conhecida como Revolução Industrial, que as Ideologias terão o seu
papel revolucionário profundamente acentuado. Ainda segundo o autor:
“Uma característica típica das modernas ideologias é a sua feição
militantemente revolucionária. É uma consequência natural, ainda que de
alguma maneira necessária, de suas íntimas relações com o processo de
inovação tecnológica” (1966, p. 13).
Em “Origens do Totalitarismo” (1998), Hannah Arendt buscou
entender o fenômeno do totalitarismo, tomando como referência o
problema da “questão judaica”. Ela obervou o quanto é perigosa a
construção de discursos que numa falsa apelação ao bom senso, difundem
ideias que aglutinam as massas em torno de certos ideais e utopias que
levaram ao massacre de milhões de seres humanos e a quase destruição
da sociedade ocidental. Nesse sentido, dois fenômenos são marcantes: o
socialismo nazista e a efetivação da experiência de um Estado totalitário
moderno. Empreendeu então encontrar os fundamentos históricos,
filosóficos e ideológicos que resultaram e se aglutinaram no fenômeno da
Segunda Guerra. Encontrou então na Ideologia o seu mais perigoso
instrumento de manipulação das massas para formar um ambiente de
terror. Segundo Atendt:
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Platão, em sua luta contra os sofistas, descobriu
que “a arte universal de encantar o espírito com
argumentos” (Fedro,261) nada tinha a ver com a
verdade, mas só visava a conquista de opiniões, que
são mutáveis por sua própria natureza e válidas
somente “na hora do acordo e enquanto dure o
acordo” (Teeteto, 172b). Descobriu também que a
verdade ocupa uma posição muito instável no
mundo, pois as opiniões, isto é “o que pode pensar a
multidão”, decorrem antes da persuasão da verdade.
A diferença mais marcante entre os sofistas antigos e
os modernos é simples: os antigos se satisfaziam com
a vitória passageira do argumento às custas da
verdade, enquanto os modernos querem uma vitória
mais duradoura, mesmo que às custas da realidade
(1998, 29).
Interessante notar que a formulação dos argumentos de Arendt
sobre ideologia quase se aproximam dos de Marx, mas parecem se
identificar com os de Napoleão que chamou a Ideologia de uma
“metafísica obscura”. Para Arendt a ideologia é um discurso manipulador
da verdade e da realidade em função de uma utopia a ser alcançada. Isso
gerou no século XX a tragédia dos massacres efetivados através dos
Estados totalitários nazifascistas e comunistas, mas que também
contaram com a participação de cidadãos que se imaginavam defensores
do bem. Como ela mesma afirma: “nos estágios finais do totalitarismo,
(absoluto, por que já não pode ser atribuído a motivos humanamente
compreensíveis)”, (1998, p. 13). Numa reflexão profunda e esclarecedora
afirma a autora:
As ideologias – os ismos que podem explicar a
contento dos seus aderentes, toda e qualquer
ocorrência a partir de uma única premissa – são
fenômeno recente, [...] As ideologias [...] pretendem
ser uma filosofia científica. [...] A Ideologia é bem
literalmente o que o nome indica: é a lógica de uma
ideia. O seu objeto de estudo é a história, à qual a
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ideia é aplicada. [...] A ideia de uma ideologia não é a
essência eterna de Platão, vislumbrada pelos olhos
da mente, nem o princípio regulador da razão, de
Kant, mas passa a ser instrumento de explicação
(1998, p. 520 e 521).
Numa outra perspectiva, em “Interpretação e Ideologia” (1977), o
filósofo francês Paul Ricoeur buscou elaborar uma teoria da interpretação
do ser, tentando trazer respostas para o grande desafio moderno sobre o
sentido da existência. Para isso, Ricoeur desenvolve uma hermenêutica,
que como é próprio do século XX, busca o sentido da linguagem
desmistificando o processo de interpretação, deixando em suspenso as
grandes temáticas teológicas modernas do pecado original e da relação do
homem com Deus. Para entender a existência vivida desenvolve uma
“filosofia da vontade”, admitindo a falibilidade humana como algo natural
sem o remorso da “Queda” ou do “Pecado Original”. É nisso que consiste
a sua desmistificação da linguagem numa perspectiva da compreensão do
sentido da existência vivida. Afasta‐se de certo modo em sua obra do
problema da realidade do Mal para admitir a sua possibilidade e assim,
assumir o sentido da falibilidade humana. Admite o ser humano como um
ser dotado de “negatividade” no sentido de estar dessintonizado de si
mesmo.
Nesse ambiente desenvolve uma crítica às ciências humanas e,
principalmente uma crítica hermenêutica sobre os discursos ideológicos
que estariam sempre presentes em toda forma de conhecimento, por isso,
se afasta do conceito de ideologia em quando fenômeno relacionado às
classes sociais. Para Ricoeur, seguindo orientação weberiana, a ideologia
se manifesta das relações socialmente inte gradas por ações mutuamente
estabelecidas, dentro de um sistema de significações. Nas suas próprias
palavras:
A ideologia depende daquilo que poderíamos
chamar de uma teoria da motivação social. Ela é, para
a práxis social, aquilo que é para um projeto de
indivíduo um motivo. Um motivo é ao mesmo tempo
aquilo que justifica e compromete. Da mesma forma,
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a ideologia argumenta. Ela é movida pelo desejo de
demonstrar que o grupo que a professa tem razão de
ser o que é. [...] Mas como a ideologia consegue
preservar seu dinamismo? [...] Toda ideologia é
simplificadora e esquemática. [...] Sua capacidade de
transformação só é preservada com a condição de
que as ideias que veicula tornem‐se opiniões, de que
o pensamento perca rigor para aumentar sua
eficácia, como se somente a ideologia pudesse
mediatizar não somente os atos fundadores, mas os
próprios sistemas de pensamento (1977, p. 68 e
69).
A partir destas conceituações e reflexões sobre a Ideologia é
possível desenvolver, explicar e entender como vem ocorrendo a
influência de “novas ideologias” que vêm caracterizando o que será
chamado aqui, genericamente, de: “Relativismo Jurídico”. O problema em
questão aponta para um fenômeno que vem se expandindo de forma
genérica, em todo o universo jurídico e, mundialmente, a partir da forte
influência do Direito Internacional e suas instituições correlatas. Observa‐
se uma evidente penetração de novas doutrinas jusfilosóficas que trazem
no seu bojo um forte viés ideológico e revolucionário para a nova
hermenêutica jurídica, sedimentando novas interpretações que vão se
refletir desde a legitimação das novas causas de pedir, passando pela
interpretação do Direito, até a jurisprudência e novas leis
“revolucionárias”.
Esta “inversão paradigmática” conduz à necessidade de
entendimento dos novos suportes epistemológicos do Direito. Além disso,
reclama por identificar o sentido destas “novas doutrinas”. Em outras
palavras, os seus fundamentos jusfilosóficos e a relação de legitimidade
que tem sido utilizada, relacionando a ideia de “mudança do Direito”
como reflexo das mudanças no mundo das relações humanas.
Atentamos então para o fato de que tais mudanças, tanto no
mundo da vida, como no universo jurídico são oriundas de um Direito
Internacional, inteiramente direcionado por Agências, ONGs e Fundações
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que financiam estas mudanças, adotando as mais sofisticadas técnicas de
Engenharia Social ao mesmo tempo em que, atuam como grupos de
pressão, principalmente nas Casas Legislativas, no ambiente acadêmico e
mesmo no próprio poder judiciário e instituições correlatas através dos
adeptos e simpatizantes das novas ideologias jusfilosóficas.
A reprodução exata, por exemplo, do Plano Nacional de Diretos
Humanos – 3 (PNDH – 3), no ambiente jurídico, Agenda inclusive, muito
pouco citada pelos juristas, porém cuja efetivação das diretrizes
demonstra a forte influência deste novo Direito Internacional sobre o
Direito Pátrio. E, além disso, ao mesmo tempo, como fundamento
legitimador de uma nova compreensão dos direitos humanos
completamente distanciada dos antigos paradigmas modernos,
principalmente jusnaturalistas e kantianos/hegelianos e agora,
evidentemente neomarxistas revolucionários.
É neste atual cenário de intenso confronto ideológico, que o
principal herdeiro do Iluminismo racionalista, o Positivismo Jurídico, se
torna agora, o alvo predileto das doutrinas relativistas, cujo objetivo é
atingir toda e qualquer influência da tradição moderna no Direito,
conduzindo‐nos para um mundo e um Direito pós‐modernos. Não foi o
Positivismo Jurídico a única Escola do Direito a se preocupar e a buscar um
fundamento científico para o Direito. Mas, sem dúvida, foi a que levou
esta questão às últimas consequências. Por isso, atingir o Positivismo
Jurídico, tecendo‐lhes as mais variadas críticas é, antes de tudo, uma
estratégia política, pois enfraquecer o paradigma da segurança jurídica é
condição fundamental para uma penetração, cada vez maior, das
doutrinas relativistas de base completamente ideológicas, neomarxistas,
revolucionárias.
Capítulo II – Da Nova Epistemologia do Direito: modernidade e pós‐
modernidade
Em “Sexta‐Feira Negra” o escritor americano David Goodis aborda o
submundo de um grande centro urbano como a cidade de Filadélfia num
cenário pouco estimulante para atitudes honrosas. Onde a sobrevivência
tornar‐se a ordem do dia e por isso, muitas vezes, não há espaço para a
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soberania da moral. Nesta obra a personagem central é Hart, um
desocupado marginal comete crimes de acordo com as necessidades e
possibilidades.
Em meio a um ambiente de frio intenso, numa noite de inverno em
janeiro, aquele homem caminhava por uma avenida quando...:
“Ele continuou seu caminho, lutando contra o
frio. Passou por uma vitrine com moldura espelhada
e permaneceu em frente a ela, olhando para si
próprio. [...] Precisava de um corte de cabelo. [...] E
também precisava se barbear. [...] Estava
envelhecendo. Mais um mês e faria 34. [...]
Percorreu mais um quarteirão e parou em frente
a uma loja de roupas. Um cartaz na vitrine anunciava
uma liquidação. Um sujeito prematuramente careca
arrumava uns trajes na vitrine. Hart entrou na loja.
O vendedor sorriu avidamente para ele.
Hart disse:
‐ Gostaria de ver um sobretudo.
‐ Oh, sem dúvida – disse o vendedor. – Temos
vários muito bons.
‐ Quero apenas um – disse Hart. [...]
‐ Hart disse:
‐ Você está disposto a me vender um sobretudo?
‐ Oh, sem dúvida – disse o vendedor. – De que
tipo o senhor quer?
‐ Do tipo quente. [...]
‐ Hart vestiu o sobre tudo. Ficou perfeito.
‐ Aí está o seu casaco – disse o vendedor.
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Hart correu os dedos pela lã verde brilhante. E
perguntou:
‐ Quanto custa?
‐ Trinta e nove dólares e 75 centavos – disse o
vendedor‐, e é uma barganha. [...]
‐ Está certo disse Hart. – Vou levá‐lo. – Dirigiu‐se
para a porta.
‐ São 39,75 – disse o vendedor. Ele caminhava
atrás de Hart e começou a ficar nervoso assim que
Hart acelerou o passo, e gritou: ‐ Ei, escute...
Hart abriu a porta e caiu fora.
Havia três clientes no pequeno botequim da
Décima Segunda quase esquina com a Race. [...] Hart
dirigiu‐se ao banheiro, tirou o casaco e arrancou as
etiquetas com o tamanho e o preço do sobretudo.
[...] dirigiu‐se ao balcão e pediu uma cerveja. Já havia
bebido dois terços quando um policial entrou no
botequim [...] e então se encaminhou lentamente em
direção a Hart.
Hart encarou‐o, mantendo o copo próximo à
boca.
O policial apontou para o casaco verde brilhante:
‐ Onde você arranjou?
‐ Numa loja ‐ respondeu Hart.
‐ Onde?
‐ Acho que foi Atlantic City. Mas talvez tenha sido
em Albuquerque.
‐ Você está querendo bancar o esperto?
‐ Sim – disse Hart.
‐ Você roubou este casaco, não?
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‐ Claro – disse Hart, e jogou o resto da cerveja na
cara do policial e saltou para a frente, enquanto o
policial recuava com um grito, e caía fora, escutando,
enquanto fugia, a excitação que deixava atrás de
si.”(2007, p. 6,7,8, 9 e 10)
A cena descrita ilustra uma situação muito debatida atualmente no
universo jurídico. Qual deve ser a compreensão e tratamento dado pelo
Direito penal ao fenômeno criminal? Os crimes cometidos por Hart
compõem o perfil de criminalidade que assusta os grandes centros
urbanos, que torna a vida insegura e faz mobilizar todo aparato policial no
tal “combate à criminalidade”? Sendo a resposta afirmativa ou negativa
como o Direito Penal e a Criminologia estão sendo utilizados para dar
respostas a estes ou outros fenômenos criminais? Hart ilustra o perfil
típico de criminoso que alimenta a indústria da (in)segurança?
Como já foi visto não é novidade a incursão de ideologias nas chamadas
ciências humanas desde ao menos o século XVIII. De fato, o que
chamamos hoje de Ciências Humanas nascem como ideologias que
ganham escopo acadêmico‐científico a partir do século XIX. Não por acaso
durante os séculos XIX e XX o grande desafio foi encontrar um raciocínio
que merecesse o status de científico, livrando‐se do problema ideológico.
Aparece a ideia de pureza, ou seja, de um raciocínio científico puro.
Como exemplo deste dilema no século XIX a grande polêmica para o
Direito Penal e a Criminologia sobre o problema da imputação. Se o
homem é “predestinado” como imputar a culpa pelo crime? Este
comportamento criminoso já não faria parte desta predestinação? Por
outro lado, temos o “livre‐arbítrio”, que em aparente conflito com a
predestinação daria ao homem a mais completa responsabilidade pelos
seus pensamentos e atos. Transformar o pecado em crime e fazer a
punição não corresponder à vingança foram desde então complexos
desafios.
Tal fenômeno só pode ser entendido buscando‐se os fundamentos
filosóficos e ideológicos das doutrinas atuais. Dificuldade que é possível
identificar na literatura brasileira quando tal tema é abordado. As
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discussões epistemológicas sobre a Teoria Geral do Direito resvalam para
o problema dos resumos e dos manuais que inibem o aprofundamento
dos debates sobre o tema. Daí, porque a necessidade de recorrer a uma
literatura mais eclética, para melhor fundamentar as ideias. A visão de
Lenio Streck sobre o problema nos esclarece:
Pergunte‐se, por exemplo, a um filósofo se é
possível escrever sobre Aristóteles, Kant ou
Heidegger de “forma descomplicada” ou
“simplificada”...; pergute‐se a um cirurgião se é
possível fazer manual “descomplicado” acerca de
como se faz uma operação cardíaca ou um
transplante...; entretanto, parede que o direito se
tornou locus privilegiado das (ou dessas)
simplificações, como se o jurista não estivesse
inserido em um “modo de ser‐no‐mundo”, enfim em
um mundo que existe a partir de paradigmas de
conhecimento.
Olhando por este ângulo, a situação
hermenêutica da doutrina e da jurisprudência
de terrae basilis Não é nada animadora. [...]
A dogmática jurídica, entendida como senso
comum teórico (um saber não crítico‐reflexivo), vem
sofrendo novos influxos decorrentes da massificação
do Direito. Nem linha vem crescendo em importância
os setores ligados aos cursinhos de preparação para
concursos. É o que se pode denominar de
“neopentecostalismo jurídico”, em que juristas, à
semelhança de alguns pastores/pregadores que
podem ser vistos em congressos, sites e até mesmo
em televisão, fazem apologia da
estandartização/simplificação do Direito. (2013, p.
81, 82)
Temos então como hipóteses deste trabalho três pressupostos: a) que
a modernidade tem sólidos fundamentos judaico‐cristãos que levaram à
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construção de um modelo de ordem e, por isso, o objetivo das doutrinas
pós‐modernas é desmontar esta estrutura e criar o novo modelo de
ordem, ou seja, uma “nova ordem” político‐jurídica; b) que a influência da
ideologia é muito mais presente no ambiente acadêmico, dito científico,
do que é comumente aceito e identificado; c) e que, por isso mesmo, o
Direito e as demais Ciências Humanas, tornam‐se instrumentos
veiculadores, difusores e legitimadores destas transformações vinculadas
diretamente a movimentos revolucionários e partidos políticos.
Como exemplo, atualmente, estão em vigor, discursos “críticos” que
buscam de fato, por dúvida em tudo que esteve constituído. A
(des)construção de tudo. Ao mesmo tempo, apresentam‐se com
propostas salvacionistas de base neomarxista, empreendidas através do
gramscianismo e foucaultianismo, que tentam colocar para o Direito Penal
um ônus mal calculado. Pari passu, a criminologia é retomada como mero
condão legitimador de mudanças contra um Direito Penal. Agora, é a vez
de uma criminologia reduzida a um conjunto de ideologias
revolucionárias, determinadas a desconstruir o Direito Penal “burguês”.
Quais os fundamentos dos novos direcionamentos ideológicos que estão
sendo dados ao Direito em geral e, particularmente ao Direito Penal e à
Criminologia?
Então é exatamente isso, o discurso jurídico hoje é fundamentalmente
ideológico, travado no universo da linguagem, com o objetivo de inverter
todo o sentido semântico da linguagem jurídica de outrora. Como bem
esclarece Goyard‐Fabre:
Mesmo que a explosão crítica do mundo jurídico
às vezes se perca, hoje, nos dédalos das discussões
argumentativas e deliberativas, tornando‐se pesada
pelos excessos semânticos e obscuridades
linguísticas que a “pós‐modernidade” tanto aprecia,
ela recorre, de modo mais ou menos voluntário ou
mais ou menos consciente, a uma racionalidade não
metafísica que permite pensar o direito até na
imprescritibilidade de seus princípios fundadores
(2006, p. XIX).
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O conceito de crime, por exemplo, sempre foi um desafio para o Direito
Penal, mesmo quando fez recurso da criminologia desde o século XIX para
lhes dar fundamento. No seu trajeto da construção moderna as
tipificações do “crime” seguiram diretrizes diversas, mas, sempre esteve
orientado, tal como todo o Direito moderno, por parâmetros ético‐morais
de base greco‐romana e judaico‐cristãs. O primeiro grande rompimento
foi com o conceito de pecado, como parte do processo de afastamento
entre instituições cristãs, Estado, Direito, percorrendo o trajeto de uma
suposta laicização do “pensamento” ocidental. Logo em seguida, como
extensão, aparecem os dilemas da pena. O principal deles: como punir
sem vingar?
Entretanto, de acordo com as origens modernas judaico‐cristãs o
homem tem uma natureza pecadora que, por analogia e extensão, não
teria o homem também uma natureza violenta ou mesmo criminosa? Esse
tema, que transcorreu todo o debate jusnaturalista e, a própria Teoria do
Contrato Social, traz essa preocupação na sua essência. O desafio assim
proposto, expõe um leque de opções de como entender o certo e o
errado, a virtude e o pecado dentro de uma visão racionalizada e moderna
que tem na concepção de “crime” e punição a possibilidade de controlar,
em alguma medida, a conduta humana no convívio social.
São muitos os problemas colocados na dimensão jurídica e diversas são
a respostas desenvolvidas. A questão sobre a dúvida se existe um
comportamento criminoso como resultado de uma mente criminosa ou
se, o crime é, de fato, apenas uma construção moral e jurídica, foi também
tão influente no Direito Penal quanto na Criminologia.
Temos então a possibilidade de encontrar um conflito ideológico que
está sendo travado no interior do universo jurídico através do qual, esses
conteúdos ideológicos se travestem de Ciência Jurídica. Nesse ambiente,
o inimigo número um é exatamente o Direito de base cristã,
correspondendo à crítica que já vinha, ao menos, desde o período e
movimento Iluminista.
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Desde o início do Segundo Tratado de Governo, em intensa reflexão
com Bíblia, quando questiona autoridade de Adão sobre seus
descendentes e o as possibilidades do Direito Natural, J. Locke, afirma:
A Liberdade por tanto não corresponde a uma
liberdade para fazer o que lhe aprouver, viver como
lhe agradar e não estar submetido lei alguma. Mas a
liberdade dos homens sob um governo consiste em
viver segundo uma regra permanente, comum a
todos nessa sociedade e elaborada pelo poder
legislativo nela erigido (1998, p. 402 e 403).
Em o Leviatã, T. Hobbes, com reflexão semelhante, afirma:
Um crime é um pecado que consiste em cometer
um ato que a lei proíbe, ou em omitir um ato que ela
ordena. Assim, todo crime é um pecado, mas nem
todo pecado é um crime. A intenção de matar ou
roubar é um pecado desde que nunca se manifeste
através de palavras ou atos, porque Deus, que vê o
pensamento dos homens pode culpá‐los por ele (
1997, p.223).
Um século depois, Beccaria, já na condição de expoente do iluminismo
italiano, no opúsculo “Dos Delitos e das Penas”, em radical oposição as
discussões bíblicas no Direito, afirma:
Os juízes não recebem as leis dos nossos
ancestrais como uma tradição de família e como um
testamento que deixasse aos prósperos somente o
cuidado de obedecer. [...] Em cada delito o juiz deve
fazer um silogismo perfeito. [...] quando o juiz for
forçado a construir mais de um silogismo, ou queira
fazê‐lo, abre‐se a porta à incerteza.
Não existe coisa mais perigosa do que aquele
axioma comum que é preciso consultar o espírito da
lei. Seria um dique rompido ante à torrente de
opiniões (1979, p. 40 e 41).
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Isto posto, ficam mais claros os fundamentos da afirmação de que é no
Direito pós‐moderno, permeado por tantas ideologias em conflito, que se
observa a mais evidente ofensiva contra a moral judaico‐cristã. É neste
universo que está se desenvolvendo uma avalanche de doutrinas que
tentam extirpar dos Ordenamentos Jurídicos toda a influência do que
outrora foi sagrado. Isto porque a primeira e objetiva experiência de
“laicizar” o Direito, que já vinha ocorrendo como conteúdo da formação
do pensamento moderno, se radicaliza com o Iluminismo, tentando
afastar desde então, qualquer conteúdo supostamente “sagrado”. Para
Engels e Kautsky, tal fenômeno foi explicado da seguinte maneira:
A bandeira religiosa tremulou pela última vez na
Inglaterra no século XVII, e menos de cinquenta anos
mais tarde aparecia na França, sem disfarces, a nova
concepção de mundo, fadada a se tornar clássica
para burguesia, a concepção jurídica de mundo.
Tratava‐se da secularização da visão teológica. O
dogma e o direito divino eram substituídos pelo
direito humano, e a Igreja pelo Estado (2012, p. 18).
Como é possível perceber, não há nada de tão novo, nos atuais grandes
debates, que não tenha sido contemplado em outros tempos. O desafio
deste nosso tempo é entender como estas questões se manifestam agora.
Como são difundidas e, a facilidade como são internalizadas sem a devida
reflexão. Sobre isso, observa‐se o pouco interesse pela identificação de
ideologias políticas no suposto cientificismo acadêmico, num momento
em que mais penetra o “relativismo ideológico” no discurso dito
acadêmico‐científico.
Além disso, a única característica própria do nosso tempo é afastar
completamente a moral, como possibilidade de norma organizadora e
mantenedora da sociedade e, entregar esta responsabilidade, unicamente
ao Direito. Em nenhum momento da história ocidental houve tal
entendimento. É exclusivo do nosso tempo, tentar repudiar toda regra
moral como mero conjunto de preconceitos, ao tempo em que
substituímos o discurso religioso pelas ideologias revolucionárias. Por isso,
não é difícil perceber a substituição de uma moral por outra e a tentativa
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de deslegitimar o direito positivado, pondo em seu lugar a positivação das
novas ideologias revolucionárias.
Diante do exposto é possível ampliar a questão mostrando como tais
estratégias discursivas invadem as interpretações sobre o comportamento
criminoso. Nesta perspectiva de uma inversão de sentidos ou mesmo dos
esvaziamentos dos conceitos é estabelecida uma relação direta sobre o
crime ser apenas uma invenção jurídica. Desde então, desenvolveu‐se
bastante, teorias doutrinário‐ideológicas, que analisam a tal da violência
e em sequência, os crimes, como tendo origens em causas genéricas.
Desde as décadas de 60 e 70, do século XX, a O.N.U. vem construindo o
discurso do “problema social” através de uma série de Convenções e
outros instrumentos internacionais, colocando sempre, desde aquele
tempo, o crime como um problema que tem suas origens em questões
econômicas. Estava em andamento uma adaptação da teoria
rousseauniana‐marxista, através da qual, discretamente, foi se infiltrando
a lógica de que, se o crime tem origem em problemas socioeconômicos e,
uma vez que as economias são em sua maior parte capitalistas, logo, o
problema do crime estaria nas relações socioeconômicas capitalistas.
Nesse discurso, os países comunistas sempre foram poupados,
misteriosamente, de atenção e críticas. Nesse contexto, foi‐se então,
passando também a ideia de que, se o problema era o capitalismo, logo, a
solução seria o retorno do comunismo em novo estilo. Além disso, foi‐se
também, tentando anular a interpretação do crime como problema
psíquico, ou seja, anulou‐se pouco a pouco a concepção de “indivíduo
moderno” que, de origem greco‐romana e judaico‐cristã, foi tão
fundamental para a construção da concepção de “homem moderno” e
mesmo “cidadão moderno”.
Todos esses debates sempre foram alimentados pela expansão da
criminalidade que, em cada tempo e lugar, sempre causou espanto e
preocupação na seara penal. Agora constantemente reformulado por
ideologias em conflito novas críticas surgem apontado tanto problemas
como soluções.
Já no seu tempo, como observa Hungria:
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A criminalidade aumenta, condicionada pelo
processo de marginalização social, e provavelmente
continuará aumentando. [...] O mecanismo policial‐
judiciário não funciona, apresentando‐se como
sistema opressivo, desigual e injusto. As
investigações realizadas pela polícia são comumente
viciadas pela violência ou pela corrupção, atuando
seletivamente sobre pobres e marginalizados. A
justiça é demasiadamente lenta e
surpreendentemente ineficaz. O sistema
penitenciário, da maioria dos nossos países,
caracteriza‐se pela superpopulação em
estabelecimentos antigos e inadequados, onde
prevalece a ociosidade e a violência (HUNGRIA, 2015,
p. 05).
As agendas postas até o momento tratam de estabelecer critérios
de análise que vão do extremo da extinção do Direito Penal como defendia
Enrico Ferri (2006) ao aumento do rigor e expansionismo penal como já
denunciou Jesús‐María Silva Sánchez (2013). Ferri propôs a substituição
do Direito Penal pela Sociologia Criminal e as penas por políticas de
prevenção e ressocialização que ele chamou de “substitutivos penais”.
Segundo Ferri numa severa crítica à política criminal:
Esta justiça se mostra inoperante, não só para
defender a sociedade contra os delinquentes, senão
também para proteger suas vítimas. A reparação dos
danos causados pelo delito, não é hoje mais que uma
fórmula platônica adicionada à sentença de
condenação penal, e que, para produzir um efeito
formal, é enviada ante outro tribunal e sofre as
custosas lentitudes intermináveis da justiça civil. [...]
Não são, pois, somente as razões teóricas tiradas do
estudo científico do delito, são também as lições
práticas da experiência cotidiana as que impõem
uma nova orientação a administração da justiça
penal em suas diferentes engrenagens, substraindo‐
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a ao empirismo e ao espírito de expiação e de
vingança a vez, de que organiza‐la segundo dados
experimentais da antropologia e da sociologia
criminal (2006, p.263).
Por sua vez, Silva Sánchez (2013) já no nosso tempo, faz uma análise
mais ampla, porém com preocupações semelhantes às de Ferri (2006).
Silva Sánchez faz críticas severas aos abolicionismos originários de autores
que sofrem influência da Escola de Frankfurt. Contudo, sobre a polêmica
a respeito da “expansão do Direito Penal”, reconhece que há, de fato, uma
forte tendência ao aparecimento de novos tipos penais e o
recrudescimento de alguns já existentes. Na sua lição:
Nos últimos anos, a defesa do “minimalismo”
tem sido associada, sobretudo, às posturas
defendidas por alguns dos mais significativos autores
da denominada “Escola de Frankfurt”. Esses
voltando‐se para a defesa de um modelo ultraliberal
do Direito Penal, vêm propondo sua restrição a um
“Direito Penal básico” que tenha por objetivo as
condutas atentatórias à vida, a saúde, à liberdade e à
propriedade, com manutenção das máximas
garantias da lei, na imputação de responsabilidades e
no processo. Nessa ótica, caracterizam a evolução do
Direito Penal “oficial” como uma “cruzada contra o
mal”, desprovida de uma mínima fundamentação
racional.
Pois bem, ante tais posturas doutrinárias,
realmente não é nada difícil constatar a existência de
uma clara tendência claramente dominante em todas
as legislações no sentido da introdução de novos
tipos penais, assim como um agravamento dos já
existentes (2013, p. 27 e 28).
Temos então, como expoente do pensamento jurídico‐pena latino‐
americano e de viés socialista, o Eugenio Zaffaroni que, fortemente
influenciado pela Escola de Frankfurt alerta para a ineficiência do sistema
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penal, particularmente na América Latina, onde é exercido
fundamentalmente visando os interesses de classes. Para o autor:
Seria completamente ingênuo acreditar que o
verdadeiro poder do sistema penal seja exercido, por
exemplo, suas agências detêm, processam e
condenam um homicídio. Esse poder se exerce muito
eventualmente, de maneira altamente seletiva e
rodeada de ampla publicidade através dos meios de
comunicação social de massa. [...] Diante da absurda
suposição – não desejada por ninguém – de
criminalizar reiteradamente toda a população, torna‐
se óbvio que o sistema penal está estruturalmente
montado para que a legalidade processual não opere
e, sim, para que exerça seu poder com altíssimo grau
de arbitrariedade seletiva dirigida, naturalmente aos
setores vulneráveis (1989, p. 24 e 27).
Se por um lado é de extrema importância observar os usos políticos
do Direito Penal e, de fato, de toda a política criminal, temos também que
observar essa forte tendência, também política e ideológica, de perceber
o crime como decorrente de questões socioeconômicas. A anulação do
psiquismo individual para explicar a conduta delitiva tem implicado numa
tendência a enfatizar e demandar uma postura tuteladora por parte do
judiciário, frente aos novos desafios que a criminalidade crescente faz
apresentar. A dialética imposta a essa situação implica uma permanente
tensão entre “indivíduo versus coletivo” que, também, atende muito mais
a bandeiras políticas do que a resultados plausíveis em termos de redução
das diversas formas de crime.
Todo esse discurso está hoje fundamentado numa suposta
Criminologia e até mesmo numa suspeita Sociologia Jurídica que,
juntamente com o influente relativismo das Teorias da Argumentação,
consolidam no universo jurídico uma completa e radical relativização e
inversão conceitual.
Capítulo III – Filosofia Jurídica: modernidade e pós‐modernidade
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As questões ligadas ao que se chamou no final do século XX de a
crise dos paradigmas não era tão nova assim. Se atentarmos com cautela,
já era uma polêmica que se arrastava desde o século XIX. A busca de
certeza nas ciências naturais alcançou êxito desde logo. De resto a busca
de aperfeiçoamento dos métodos resultaram em permanente
aperfeiçoamento e, até mesmo, seguras mudanças de paradigmas. O
problema residiu com insistência nas “humanidades”. Atualmente
chamadas de ciências humanas, despontaram preocupadas com uma
semelhança com as ciências naturais, principalmente quando Augusto
Comte lançou a sua Filosofia Positivista.
Já no século XX, quando restou pacificada a ideia de que as ciências
humanas não poderiam ser exatas, o caráter científico apontou para a
“questão do método”. No vai e vem entre ciência e ideologia,
questionando permanentemente todos os paradigmas, o uso de um
método lógico fundamenta a possibilidade de um conhecimento seguro e
alguma certeza sobre as descobertas e afirmações. Como ensinou Thomas
Kuhn:
O significado das crises consiste exatamente no
fato de que indicam que é chegada a ocasião de
renovar instrumentos. [...] Já não se pode mais falar
em pesquisa sem qualquer paradigma. Rejeitar o
paradigma sem simultaneamente substituí‐lo por
outro é rejeitar a própria ciência. [...] Todas as crises
iniciam com o obscurecimento de um paradigma e o
consequente relaxamento das regras que orientam a
pesquisa normal. (1991, p. 105, 110 e 115)
No mesmo sentido argumenta Miguel Reale em “O Direito como
Experiência” ao entender que:
Toda pretensão de apresentar a Ciência do
Direito independente de quaisquer pressupostos
filosóficos, ou os subentende inadvertidamente, ou
equívoco agnosticismo filosófico que já equivale a
uma contraditória tomada de posição especulativa.
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Essa ponderação vem‐me à mente sempre que
se cuida de traçar uma linha demarcatória rígida
entre Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito,
concebendo‐se esta como algo de pleno e válido em
si e por si, com tal abstração, não só dos valores
metafísicos ou da cosmovisão que cada jusfilósofo
necessariamente possui, mas também dos princípios
condicionadores de qualquer tipo de conhecimento
dotado de rigor e certeza (1968, p.75).
Atualmente Filosofia Jurídica quase se confunde com Hermenêutica e
esta, vem cedendo lugar ao discurso único da Teoria da Argumentação.
Em geral os teóricos da argumentação adotam um forte relativismo
conceitual e se baseiam na possibilidade de democratizar o Direito
fazendo recurso dos “argumentos persuasivos” diante de situações reais.
Nos posicionamentos adotados por estas novas “hermenêuticas” sempre
a figura do juiz se torna central onde restam duas perspectivas: o texto
tem uma verdade que cabe ao juiz encontrá‐la e dar voz a esta verdade,
ou o juiz interpreta como ato de vontade podendo inclusive se afastar do
texto escrito. Em todos dois sentidos é dado ao juiz a responsabilidade e
o mérito de fazer a melhor escolha (DWORKIN 2002, 2005; ALEXY, 2011).
Daí porque atribui‐se a possibilidade da construção do entendimento
a partir de um estado de consciência suficiente para uma decisão ou
sentença, apenas baseado em titulações acadêmicas. A ideia de repudiar
a interpretação da lei, o texto escrito, como parâmetro para o
entendimento tornou‐se um dogma disfarçadamente utilizado para
implantar outro dogma, que é, exatamente, o relativismo dogmático.
Nesse sentido, esclarece Streck:
[...] deslocar o problema da atribuição de sentido
para a consciência é apostar, em plena era do
predomínio da linguagem, no individualismo do
sujeito que “constrói” o seu próprio objeto do
conhecimento. Pensar assim é acreditar que o
conhecimento deve estar fundado em estados de
experiência interiores pessoais, não se conseguindo
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estabelecer uma relação direta entre estes estados e
o conhecimento objetivo de algo para além deles.
Isso, aliás, tornou‐se lugar comum no âmbito do
imaginário dos juristas. Com efeito, essa
problemática parece explicita ou implicitamente. Por
vezes, em artigos, livros, entrevistas ou julgamentos,
os juízes (singularmente ou por intermédio de
acórdãos nos Tribunais) deixam “claro” que estão
julgando “de acordo com a sua consciência” ou “seu
entendimento pessoal sobre o sentido da lei”. Em
outras circunstancias, essa questão parece
devidamente teorizada sob o manto do
poder discricionário dos juízes.
Não se pode olvidar a “tendência”
contemporânea (brasileira) de apostar no
protagonismo judicial como uma das formas de
concretizar direitos. Esse “incentivo” doutrinário
decorre de uma equivocada recepção daquilo que
ocorreu na Alemanha pós‐segunda guerra a partir do
que se convencionou chamar de Jurisprudência dos
Valores. (2013, p. 20)
O que é possível observar então, que com a bandeira de “democratizar
o direito” e, elaborar argumentos persuasivos que fundamentem decisões
e sentenças, evidencia‐se o aumento da possibilidade do mergulho na
insegurança jurídica e no arbítrio autoritário do juiz. Mas, este debate,
apesar de não ser tão recente a filosofia jurídica, já pode ser considerado
um discurso “pós‐moderno”. Por isso, enfatiza Streck em “O que é isto –
decido conforme mina consciência?”:
Já como preliminar é necessário lembrar [...] que
não é e não pode ser aquilo que o interprete quer que
ele seja. [...] A pergunta que se põe é: onde ficam a
tradição, a coerência e a integridade do direito? Cada
decisão parte ou estabelece uma grau zero de
sentido?” (2013, p. 25 e 27).
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A modernidade e toda sua estrutura teórica sempre estiveram
fundadas em dicotomias. “Individual versus coletivo”,
“indivíduo versus Estado”, “liberdade versus ordem”,
“Estado versus sociedade”. Talvez estas sejam as mais importantes e, por
isso mesmo, sempre ocorreu o dilema sobre a facticidade e legitimidade
do significado de: “liberdade” e “igualdade”. Além disso, o que sempre
agravou tais dilemas foi o fato de a sociedade moderna sempre esteve
estruturada em função de alguma hierarquia. A hierarquia não é de modo
algum uma invenção moderna, mas sempre foi no interior da própria
teorização moderna um ponto frágil utilizado pelos seus opositores.
O projeto moderno, salientando aí o Direito e o Estado, foi uma
frustrada investida de criar uma sociedade razoável por aqui mesmo,
chegando muitas vezes, às utopias dos paraísos terrestres. Mas, as
consequências desse projeto, logo apareceram na medida da sua
implantação, dentre elas, a segregação, mostrando que a razão e a ciência
não eram suficientes para garantir um resultado plausível.
A segregação parece ser um fenômeno natural nas sociedades
humanas. Mas, quais e como os contornos modernos foram se
desenvolvendo? No filme de Ridley Scott, Blade Runner – O caçador
de Andróides, lançado em 1982, logo alcançou o status de clássico da
ficção científica. Previa que no ano 2019, o planeta Terra, já em acentuada
decadência, apresentaria um quadro no qual, os habitantes considerados
humanos habitam em gigantescos edifícios apartados de tudo. Os demais
habitantes são “humanos decadentes” e “androides” que, devido a
sofisticada evolução da engenharia genética alcançaram força e agilidade
superiores aos verdadeiramente humanos. Esses androides chamados
de replicantes rebelam‐se, fogem das suas colônias, abandonam a sua
gênese e tornam‐se uma ameaça aos “humanos superiores”, seus
criadores. Para conter esses seres rebeldes e intrusos cria‐se uma força
especial de polícia para efetivar a “retirada”, o que significa matar, tais
criaturas. Essa força policial especial chama‐se blade runners, cuja missão
é impedir a penetração dos androides nos espaços humanos. O problema
está no fato de que os replicantes alcançam características cada vez mais
humanas, inclusive não aceitando o limite de tempo de quatro anos para
sua existência.
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Ao mesmo tempo, os blade ranners apresentam características
cada vez mais desumanas. Nessa confusão de parâmetros existenciais e
não só por isso, o filme traz inquietações. Independente das origens,
“humanos superiores” ou “inferiores” e “replicantes” confrontam‐se com
questões ontológicas como o conflito com o seu próprio passado, o
sentido da existência e o prolongamento da mesma num mundo sem
Deus.
Sem passado não há referência para o futuro. Mas qual futuro? Para
os replicantes o futuro é imitar o mais possível o seu criador, o homem. Já
o homem ao tentar tornar‐se Deus, por dominar inteiramente as leis da
ciência, condenou‐se a perder o sentido da sua própria existência. Vive
agora no alto e cercado de muros. Neste mundo blade runner o céu não é
para todos e aqueles que não forem eleitos estão condenados a viver no
inferno que está embaixo ou à morte como castigo pela rebeldia.
Chegamos ao futuro.
Tal como Deckard, personagem‐herói, caçador de androides, ao se
ver num mundo totalmente criado pelo homem criador, o homem‐deus,
se questiona sobre a veracidade do seu próprio passado. E se seu passado
fosse apenas virtual? Ou seja, e se ele não tivesse passado tal como os
androides não têm? Então não haveria porque confiar num futuro. Pois,
sem passado, qual seria o futuro? Diante desse impasse, esse presente
exíguo, sem a certeza se houve “antes” e haverá “depois”, sublima os seus
desejos se entregando com paixão à criação do homem‐deus. Acasala com
uma androide. Foge na sua nave, buscando um além‐paradisíaco por aqui
mesmo, pois está convencido de que o Céu é uma ilusão.
O significado do filme “Caçador de Androides”, ilustra muito bem
alguns dos principais desafios modernos e pós‐modernos e, como isto está
posto para dimensão jurídica. Os dilemas entre liberdade e igualdade, o
sentido do ser e da existência, a origem do mal, ganham representações
variadas de tempos em tempos. Daí porque os permanentes debates
sobre a lei mais justa, ou mesmo um Direito justo, buscando até, novas
versões a respeito da universalização dos direitos, tentando mesmo,
realizar a utopia da paz e felicidade universais.
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Essa nova Filosofia Jurídica, que inclusive embasa e interpreta os Novos
Direitos Humanos, está baseada sobremaneira em dois livros de K. Marx.
São eles, principalmente: A Ideologia Alemã e A Questão Judaica. A obra
de Marx está toda voltada para a grande batalha pela descristianização do
ocidente, fenômeno que compõe toda a formação do pensamento
moderno. Na busca de implantar uma inversão política, jurídica,
econômica e social, Marx vai buscar no hegelianismo alguns dos seus
principais fundamentos. O debate teológico que ele desenvolve com a
juventude hegeliana, verifica‐se principalmente, no embate que traça com
Bauer e Feuerbach, demonstrando o interesse em fundamentar uma
oposição ao cristianismo por ser este uma das principais sustentações da
moderna cultura ocidental. Por isso, atingir o Direito, que é parte
fundamental desta estratégia, pois é o mesmo que ao legalizar, legitima a
manutenção de valores que impedem a revolução.
No primeiro livro leciona o autor:
No que diz respeito ao crime ele é, conforme já
vimos antes, o nome para uma categoria universal do
egoísta em acordo consigo mesmo, negação do
Sagrado, pecado. Nas antíteses e comparações
acerca dos exemplos do sagrado apresentadas:
Estado, direito, lei, a relação negativa do Eu com
esses Sagrados [...]. Como o furto de um pobre‐diabo
que se apropria de uma moeda alheia pode ser
colocado na categoria de crime contra a lei, esse
pobre‐diabo furta uma moeda sem outra razão que
não a de dar ao gosto de infringir a lei. Exatamente o
mesmo que Jaques Le bon‐homme imaginava mais
acima acerca de as leis existirem graças ao sagrado, e
que apenas graças ao sagrado os ladrões são metidos
no cárcere. [...] Compreende‐se, portanto, depois
daquilo ficamos sabendo acerca do crime, que a
punição é a autodefesa e a resistência do Sagrado
contra os que querem dessacralizá‐lo (2007, p. 378,
380).
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Em A Questão Judaica também fica claro o debate teológico anti‐
cristão e contra as liberdades individuais:
Se reconhecem o Estado cristão como
legalmente estabelecido, reconhecem também o
regime de geral escravidão. Porque seria, então,
penosa a opressão particular, se aceitam a opressão
geral? Por que razão deve o alemão estar interessado
na libertação do judeu, se o judeu não se interessa
pela libertação do alemão? O Estado cristão sabe
apenas de privilégios. Neste Estado, também o judeu
possui o privilégio de ser judeu. [...] O Estado é o
intermediário entre o homem e a liberdade humana.
Assim como Cristo é o mediador a quem o homem
atribui toda a sua divindade e todo o seu
constrangimento religioso, assim o Estado constitui o
intermediário ao qual o homem confia toda a sua não
divindade, toda a sua liberdade humana. [...] Assim,
nenhum dos supostos direitos do homem vai além do
homem egoísta, do homem enquanto membro da
sociedade civil; quer dizer, enquanto indivíduo
separado da comunidade, confinado a si próprio, ao
seu interesse privado e ao seu capricho pessoal. O
homem está longe de, nos direitos do homem, ser
considerado como um ser genérico; pelo contrário, a
própria vida genérica – a sociedade – surge como
sistema externo ao indivíduo, como limitação da sua
independência original. […] Na democracia
aperfeiçoada, a consciência religiosa e teológica
aparece a si mesma como mais religiosa e teológica
pelo fato de aparentemente não possuir significado
político ou objetivos terrestres, de ser assunto de
coração retirado do mundo, expressão dos limites do
entendimento, produto da arbitrariedade e da
fantasia, verdadeira vida no além. O cristianismo
atinge aqui a expressão prática do seu significado
religioso universal, [...] (2009, p.44, 54,54)
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Por isso, Marx entende que:
A democracia política é cristã na medida em que
nela, o homem passa por ser soberano,
por ser supremo, mas é o homem no seu fenômeno
insocial, incultivado, o homem na sua existência
contingente, o homem tal como anda e está, o
homem tal como está corrompido, perdeu a si
mesmo, se alienou, se encontra dado sob a
dominação de relações e de elementos inumanos –
numa palavra, o homem que ainda não é um ser
genérico real (2009, p. 58, 59).
Então, já no final da obra, Marx chega ao centro da sua crítica que é a
negação dos Direitos Humanos, conforme estão na Declaração Francesa.
Com clareza ele observa:
A incompatibilidade da religião com os Direitos
Humanos reside tão pouco no conceito dos Direitos
Humanos, que o direito de ser religioso do modo que
lhe aprouver, de exercer o culto da sua religião, até
está expressamente contado entre os direitos
humanos.
Os direitos humanos são como tais, diferentes
dos direitos do cidadão. Quem é homem diferente de
cidadão? Ninguém senão o membro da sociedade
civil. Por que é que o membro da sociedade civil é
chamado de “homem”, por que é que os seus direitos
são chamados direitos do homem? A partir de quê
nós podemos explicar esse fato? A partir da relação
do Estado político com a sociedade civil, a partir da
essência da emancipação política.
Antes de tudo constataremos o fato de que os
chamados direitos do homem e do cidadão, não são
outra coisa senão os direitos do membro da
sociedade civil burguesa, i. é., do homem egoísta, do
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homem separado do homem e da comunidade
(2009, p. 62, 63).
Uma vez que o “homem egoísta” para Marx (2009) é aquele que
desfruta das liberdades individuais e apesar do piedoso exemplo de um
ladrão que rouba apenas uma moeda, Marx (2007, 2009) traz toda uma
lógica contra o Direito, o Estado e a Lei que foi reproduzida por todos os
seus fieis discípulos, principalmente a partir do revisionismo gramsciano
elaborado e tão bem difundido pela Escola de Frankfurt. Tal lógica é muito
simples e é central na obra de escritores como M. Foucault (1991). O
conceito de crime tem origem no pecado e o pecado tem origem na
violação das normas de Deus. No sentido inverso, se Deus não existe,
como era próprio da pregação ateísta, pecado também não e por isso, a
categoria crime não passa de preconceito e meio de controle de classe.
Foucault ainda vai além, substitui o conceito de “sociedade burguesa”
por “sociedade do controle” e defende explicitamente em toda sua obra,
que toda norma, seja ela moral ou jurídica, é excludente e segregadora.
Por se tratar de mecanismos oriundos de uma “sociedade do controle”
para acabar com essa exclusão e segregação é preciso extinguir as normas
morais e jurídicas. Desta forma, abolindo o crime, estaria se realizando a
utopia de uma sociedade sem crimes onde todos são iguais, pois não
haveria mais as discriminações ou segregações estabelecidas pelas
normas. O próprio Foucault demonstra sua aversão à sociedade das
normas, afirmando em “A Verdade e as Formas Jurídicas” que:
Estamos assim na idade do que eu chamo de
ortopedia social. Trata‐se de uma forma de poder, de
um tipo de sociedade que classifico como sociedade
disciplinar por oposição às sociedades propriamente
penais que conhecemos anteriormente. É a idade do
controle social. Entre os teóricos que a pouco citei,
alguém de certa forma previu e apresentou como
que um esquema desta sociedade de vigilância, da
grande ortopeia social. Trata‐se Bentham. Peço
desculpas aos historiadores da filosofia por esta
afirmação, mas acredito que Bentham seja mais
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importante para a nossa sociedade do que Kant,
Hegel etc. Foi ele que programou, definiu e
descreveu da maneira mais precisa as formas de
poder em que vivemos e que apresentou um
maravilhoso e célebre pequeno modelo desta
sociedade da ortopedia generalizada: o
famoso Panopticon (2005, p. 86).
Observa‐se então que o conflito ideológico que atualmente
permeia o Direito reflete‐se fundamentalmente numa crise de paradigmas
jurídicos. Grosso modo, de um lado os revolucionários libertários que
tentam abolir um Direito, insistentemente acusado de “repressor”,
“ilegítimo” e “segregador”. Do outro, aqueles que admitem as mudanças
de paradigmas, mas conservam determinadas tradições jurídicas e
filosóficas como parâmetro de orientação para o embasamento de novas
doutrinas e paradigmas.
Capítulo IV ‐ Conceitos, Doutrinas e Escolas Penais: do penalismo
positivista ao abolicionismo penal revolucionário
Desde o final do século XIX quando Raymond Saleilles (2006)
escreveu “A Individualização das Penas”, que algumas questões tornam‐
se evidentes no universo do Direito Penal, principalmente, como
relacionar liberdade, responsabilidade e punição. Na introdução a esta
obra o também, famoso jurista de então, Gabriel Tarde, salienta alguns
dilemas para Direito ocidental moderno que continuaram desafios para a
Escola Positiva. Por exemplo:
[...] a dificuldade em conciliar suas duas
conclusões: por um lado, conservar a
responsabilidade moral, apoiada no livre‐arbítrio,
como fundamento da condenação; de outro, fundar
a penalidade em um princípio totalmente distinto: a
individuação da pena. [...]
Não obstante, isso significa que, quando o ato
não parecer emanar do caráter próprio do agente,
quando parecer uma anomalia passageira, não é
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oportuno punir, já que não há de se reformar seu
caráter por causa de atos que não lhe dizem respeito.
Portanto, seria mais racional fazer com que a
culpabilidade e a penalidade dependessem da
natureza do caráter pessoal. E então,
responsabilidade e individuação, longe de se
contradizerem ou afrontarem‐se de maneira estéril,
teriam a mesma origem (2006, p. 17).
Na medida em que se pretendia que o Direito e particularmente o
penal se afastassem dos juízos de valores morais e o Direito Penal pudesse
adquirir um grau de ciência, cada vez mais, no século XIX, a criminologia e
a sociologia positivista foram matrizes para embasar a perspectiva do um
Direito científico ou, dito de outro modo, uma ciência jurídica. Por isso:
Não se trata de dimensionar a pena com relação
ao mal cometido; nem se trata apenas de
dimensioná‐la segundo o grau de criminalidade
empregado no momento do ato; antes de tudo,
trata‐se de adaptá‐la à natureza da perversidade do
agente, à sua virtualidade criminal, que se deve
impedir que se traduza em novos atos [...]
considerando a punição mais como um remédio do
que como uma dívida e uma expiação (2006, p. 17).
E ainda, como se estivesse no nosso tempo, observa Tarde:
É algo estranho, quando os criminalistas
contemporâneos, naturalistas ou socialistas,
investigam as causas do delito, não descobrem mais
do que fatores impessoais, o clima, a estação, a raça,
as anomalias cranianas ou de outra espécie, os
estímulos do meio social; em resumo, naturalizam ou
socializam o delito e o tornam impessoal (2006, p.
17).
O entendimento de que o Direito Penal é um conjunto de leis
positivadas cujo objetivo é proteger a sociedade é muito evidente nos
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estudos do século XIX. Essa visão a respeito do Direito Penal originou,
inclusive, interpretações mais radicais, algumas das quais estão presentes
até hoje. Dentre elas a “defesa social” ou a “nova defesa social”, também
o “abolicionismo penal” que, tal como antes e agora, pregam a extinção
dos presídios, e a substituição do Direito Penal por uma sociologia criminal
que estaria voltada exclusivamente para a adoção de políticas preventivas
e ressocializadoras. O próprio Raymond Saleilles admitia: “O Direito Penal,
evidentemente, é sociologia criminal” (2006, p. 27).
A primeira questão reside na necessidade de se trazer o Direito
Penal para uma proximidade com o mundo fático. E isso, sem dúvida, é ao
mesmo tempo uma reação à abstração teórica da Escola Clássica. Pode‐se
perceber então que são imediatas as reações a essa necessidade ao
apresentar‐se com certa constância, na medida em que, senão os crimes,
mas a forma de cometê‐los cobra atualizações das Políticas Criminais e por
isso, da persecução penal. Não por acaso surge naquele contexto a
expressão “defesa social”, retratando o principal objetivo e função do
Direito Penal, para logo em seguida, tornar‐se uma Escola penal e
criminológica.
A origem moderna da legitimidade do Estado criar leis e punir
encontra‐se toda no jusnaturalismo e no contratualismo. Hobbes resume
muito bem esta questão quando afirma: “Mas tal como os homens, tendo
em vista conseguir a paz, e através disso sua própria conservação, criaram
um homem artificial, ao qual chamamos Estado, assim também criaram
cadeias artificiais, chamadas leis civis” (1997, p. 172).
Em Rousseau, um século mais tarde, a questão está ainda mais
clara:
O fim do tratado social é a conservação dos
contratantes: quem quer o fim quer também os
meios, que são inseparáveis de alguns riscos e até
algumas perdas.
[...] quanto mais o malfeitor insulta o direito
social, torna‐se por seus crimes rebelde e traidor da
Pátria, de que cessa de ser membro por violar suas
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leis e à qual até faz guerra; a conservação do estado
não é compatível com a sua, deve um dos dois
morrer, e é mais como inimigo que se condena à
morte como cidadão (2004, p.46)
Temos então, duas perspectivas diferentes. Em Hobbes temos uma
das matrizes do Direito liberal. Já em Rousseau a matriz do Direito
socialista. Não por acaso, é o mesmo Rousseau que infunde o início da
“naturalização do crime”, ou seja, imputar ao meio ambiente social a culpa
pelos comportamentos danosos, uma vez que, para Rousseau, “o homem
nasce livre e em toda parte encontra‐se a ferros” (2004, p. 23). O homem
como vítima do seu meio, essa ideia está presente em muitos
jusnaturalistas. Mas é Marx, no século seguinte, que levará tal concepção
às últimas consequências.
Neste século XIX, a obra de Liszt se insere num contesto de visível
contestação ao classicismo, onde para fundamentar uma tese científica do
Direito Penal, um Direito Penal Positivo, a Criminologia passa a ser fonte
primária de informações a respeito. Outras necessidades já se apresentam
como, por exemplo, trazer o Direito Penal para uma aproximação com a
realidade dos atos humanos. Tais ideias, como formadoras do Direito
Penal moderno, já podiam ser identificadas no próprio pensamento
hobbesiano. Para Hobbes:
Um pecado não é apenas uma transgressão da
lei, é também qualquer manifestação de desprezo
pelo legislador. Por que tal desprezo é uma violação
de todas as leis ao mesmo tempo. [...] Não há lugar
para humana acusação de intenções que nunca se
tornaram visíveis em ações exteriores. [...]
Nenhuma lei feita depois de praticado um ato
pode transformar este num crime, pois se o ato for
contraditório à lei de natureza a lei existe antes do
ato, uma lei positiva não pode ser conhecida antes de
ser feita, portanto não pode ser obrigatória (1997, p.
223, 225).
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Porém, nestes contrapontos entre o Direito penal liberal e o Direito
penal socialista, uma das grandes expressões do Direito penal socialista
atual, a partir da qual Direito Penal e Criminologia voltam a se encontrar
é, Alexandro Baratta (2002), numa clara abordagem neomarxista que lhe
dá, inclusive, o status de um dos expoentes da Escola da Criminologia
Crítica. Segundo o autor:
Um confronto desmistificador. Desde o velho
discurso da Sociologia Criminal, que ainda estuda o
crime como realidade ontológica preconstituída, até
o novo discurso da Sociologia do Direito Penal, que
estuda as definições e o processo de criminalização
do sistema penal como elementos constitutivos do
crime e do status social de criminoso (2002, p. 09).
O argumento de que o Estado não tem direito legítimo para exercer
a punição é um discurso marxista muito refletido nas obras de: Gramsci
(2004), Habermas (1997) e Foucault (1991). No contexto atual, seguindo
as diretrizes do Direito Penal Crítico e da Criminologia Crítica, ou seja,
neomarxistas, Zaffaroni (2001), por exemplo, na América Latina,
argumenta que o sistema penal já não consegue dar as respostas ao
mundo cotidiano e fático, pois atua a partir de construções teóricas que
não mais condizem com a realidade. Afirma então ser o sistema penal
uma:
[...] programação normativa que baseia‐se numa
“realidade” que não existe e o conjunto de órgãos
que deveria levar a termo essa programação atua de
forma completamente diferente. [...] É bastante claro
que, enquanto o discurso jurídico‐penal racionaliza
cada vez menos – por esgotamento de seu arsenal de
ficções gastas ‐, os órgãos do sistema penal exercem
seu poder para controlar um marco social cujo signo
é a morte em massa (2001, p. 12, 13)
Talvez a primeira questão mais importante que a obra de Zaffaroni
tenta mostrar é a condição de um ordenamento jurídico, e mais
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especificamente de um Direito Penal de Terceiro Mundo. E, retratando
tal contexto, diz Zaffaroni: “Hoje, temos consciência de que a realidade
operacional de nossos sistemas penais jamais poderá adequar‐se à
planificação do discurso jurídico‐penal” (2001, p. 15). É preciso então que
antes de falarmos nas penas perdidas temos que lembrar das inúmeras
situações históricas, inclusive recente, nas quais ao invés de nos
distanciarmos de certas raízes históricas mantivemos a continuidade. É
muito mais honesto do que essa culpabilização frustrada a respeito do
“sistema capitalista”.
Tanto Foucault (1991) como Zaffaroni (2001) fazem descrições
ideológicas da história das instituições modernas, mudando
completamente o sentido do que passaram a chamar de “poder”.
A disciplina que passa a caracterizar o sistema penal moderno é sempre
analisada e interpretada como simples artimanha do poder de uma classe.
Nesse ponto, tanto Foucault como Zaffaroni se articulam com a teoria
marxista, substituindo o conceito de “classe burguesa” por “sociedade do
controle” e “luta de classe” por “relações de poder”.
Entretanto, Foucault (1991) e Zaffaroni (2001), põem em dúvida o
desenvolvimento das doutrinas e instituições penais modernas tal como
sinalizam as obras de Hobbes (1997), Montesquieu (1973), Beccaria (1968)
e Bentham (2002), por exemplo. A introdução do conceito de “disciplina”
é muito mais sinônimo de evolução das regras de convívio desenvolvidas
pela sociedade moderna, urbano‐industrial, do que a reduzida concepção
de repressão ou segregação, como que, implementada como estratégia
sorrateira de grupos dominantes. É evidente que as ideologias e poder de
classe estão presentes em qualquer grupo social. Nesse sentido, Marx e
Foucault, não inventaram nada.
Ao seguir Foucault para analisar a “disciplina” Zaffaroni entra em
contradição com seus argumentos iniciais. Primeiro, porque como foi visto
a “disciplina” sempre foi carente, sempre houve imenso esforço para
impor‐se. Segundo, porque parece consolidar a estigmatização de que
realmente nós, povos e pessoas de Terceiro Mundo não temos realmente
condições de interiorizar os valores modernos de origem europeia, todos
girando em torno ou fundamentados mesmo na autodisciplina.
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De fato, antes de tudo estamos falando de uma crise da República.
Essa crítica ao Direito Penal vem sendo desenvolvida, principalmente com
base na teoria marxista de escolas criminológicas tais como a Criminologia
da Reação Social, a Criminologia Crítica e o Abolicionismo Penal.
Críticas dirigidas ao Direito Penal e, principalmente essa crítica na
América Latina, tem duas variáveis que se apresentam permanentemente.
Primeiro, a crítica ao Direito Penal carece de pontuação específica.
Segundo, o discurso direcionado contra o Direito Penal é muitas vezes
resultado da ausência da reflexão sobre o Estado na República e a sua
insuficiência institucional. Em outras palavras, é simplesmente inexistente
o desenvolvimento teórico sobre o Estado. Dessa forma, a crítica ao
Direito carece de uma reflexão entre a validade e a eficácia passando pela
instituição, “Estado”.
Sobre essa tendência pondera Jorge L. Esquirol:
Essa fórmula pode parecer inofensivamente
instrumental ou mesmo incidental, uma vez que
promete grandes resultados. Todavia ela não é um
modo institucionalmente sustentável de
fortalecimento do Direito. [...] Esse processo abala e
empobrece aquelas mesmas instituições. E, ao
mesmo tempo, as torna ainda mais vulneráveis ao
neocolonialismo. [...] Agindo desse modo cria‐se
aquela característica típica de uma “república das
bananas” que os reformadores simplesmente alegam
descrever e querer fortalecer.
Essa representação do Direito latino‐americano
como fracassado é ao que me refiro como sendo uma
ficção (2011, p. 444).
De modo geral são autores como Zaffaroni (2001) e Nilo Batista
(2001), que propõem críticas ao Direito Penal sem, contudo, mostrar
exatamente qual caminho a seguir enquanto alternativa, quais
reformulações podem ser adotadas e, principalmente aonde, exatamente
podemos encontrar alternativas sensatas.
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O rápido desenvolvimento tecnológico dotou o Estado de tal
capacidade de vigilância que, quando incorporado pelas forças de
segurança do Estado, dotaram‐no de uma capacidade incrível de
vigilância, captura e busca de provas. Ao mesmo tempo é visível que um
número cada vez maior de pessoas se dispõe a comer crimes e dos mais
variados tipos. Por isso, quando Zaffaroni afirma que o “discurso jurídico‐
penal é falso” (2001, p. 14) em função da manutenção de interesses das
relações de poder, temos de perguntar quem escreve e interpreta sobre o
Direito, senão juízes e juristas?
Em outras tantas vezes esses autores “críticos”, tecem suas análises
e comentários, direcionando para o Direito o que de fato é uma clara
questão de Estado, de República, de divisão de poderes e instituições
fortes ou fracas.
Por exemplo, quando Zaffaroni, denuncia:
Seria completamente ingênuo acreditar que o
verdadeiro poder do sistema penal seja exercido, por
exemplo, quando suas agências detêm, processam e
condenam um homicídio. Esse poder que se exerce
muito eventualmente, de maneira altamente seletiva
e rodeada de ampla publicidade através dos meios de
comunicação social de massa, é ínfimo se comparado
com o poder de controle que os órgãos do sistema
penal exercem sobre qualquer conduta pública ou
privada através da interiorização dessa vigilância
disciplinar por grande parte da população (2001, p.
24).
O aparato estatal, muito pelo contrário, este sim, exerce um poder
mínimo sobre o comportamento das pessoas, inclusive não observa o
referido autor, das inúmeras falhas nos sistemas de segurança pública,
que poderiam, se mais percebidos do que são, fazer todos os criminosos
atuarem quase de uma só vez. Esse aparato estatal exerce uma ameaça
violenta e constante, exatamente por que já perdeu todo o poder de
controle das massas insubordinadas e do crime em geral. O próprio
Zaffaroni em passagem posterior reconhece o problema:
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Se todos os furtos, todos os adultérios, todos os
abortos, todas as defraudações, todas as falsidades,
todos os subornos, todas as lesões, todas as ameaças
etc. fossem concretamente criminalizados,
praticamente não haveria habitante que não fosse,
por diversas vezes, criminalizado (2001, p. 26).
Essa essência da crise da modernidade que leva a buscas de
alternativas para o que o está aí é bem retratada quando Zaffaroni diz:
O discurso jurídico‐penal não pode desentender‐
se do “ser” e refugiar‐se ou isolar‐se no “dever‐ser”
porque para esse “dever‐se” seja um “ser que ainda
não é” deve considerar o vir‐a‐ser possível do ser,
pois, do contrário, converte‐a em um ser que jamais
será. Isto é num embuste. Portanto, o discurso
jurídico‐penal é socialmente falso, também perverso:
torce‐se e retorce‐se, tornando alucinado um
exercício de poder que oculta ou perturba a
percepção do verdadeiro exercício de poder (2001, p.
19)
O problema desta reflexão de Zaffaroni, visivelmente influenciada
pela teoria marxista é que desloca o Direito deontológico para a dimensão
ontológica. Em outras palavras, a perspectiva deontológica se adequou
muito bem às tradições modernas na medida em que o “não pecar mais”
cedeu lugar para a “ressocialização”. Ainda assim, como observaram Marx
e Engels, na Ideologia Alemã (2007), a exigência ou mesmo a possibilidade
do vir a ser, nesta perspectiva, nega o ser. Por isso, o direito não pode
criminalizar quem é. Sendo assim, o Direito Penal, até então, é uma
expressão da modernidade e, dentro deste universo, de valores e
doutrinas, cujas origens estão lá no passado dos fins da Idade Média, onde
a concepção de liberdade é a palavra de ordem. Agora, o Direito vai se
tornando cada vez mais, ontológico, ou seja, o Direito vem sendo chamado
para legalizar e legitimar o que o indivíduo é. Qualquer outra disposição
legal torna‐se preconceito ou repressão. Antes os significados de
“liberdade” oscilavam entre estar subordinado à lei e autogoverno ou
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autocontrole. Então, como adequar o Direito Penal à nossa realidade
fática e não reduzi‐lo a um abolicionismo inconseqüente ou uma mera
regulação do crime? Além disso, quando a filosofia existencialista fala de
um “dever‐ser”, está falando de expectativa; da possibilidade de normas
comuns de conduta e convívio. Por isso adequou‐se ao Direito Penal
moderno, que buscava distanciar‐se da filosofia cristã.
Não é novidade perceber que as instituições modernas, vindas de
caravelas, não se adaptaram bem por aqui. Sérgio Buarque de Holanda em
Raízes do Brasil já afirmava:
A frouxidão da estrutura social, a falta de
hierarquia organizada deve‐se alguns dos episódios
mais singulares da história das nações hispânicas,
incluindo‐se nelas Portugal e Brasil. Os elementos
anárquicos sempre frutificaram aqui facilmente, com
a cumplicidade ou a indolência displicente das
instituições e costumes. [...]
Essa ânsia de prosperidade sem custo, de títulos
honoríficos, de posições e riquezas fáceis, tão
notoriamente característica da gente de nossa terra,
[...]. E, no entanto, o gosto da aventura, responsável
por todas essas fraquezas, teve influência decisiva
em nossa vida nacional (1988, p. 05, 15 e 16).
É ainda importante notar que mesmo os autores brasileiros e
latinos que em geral reclamam por um Direito Penal “adequado” vão
buscar legitimação para suas “críticas” em autores e doutrinas também
estrangeiras, ou seja, distantes do nosso contexto.
Nesse sentido, o Abolicionismo Penal, que nasce nos países
nórdicos particularmente na Noruega, chega ao Brasil e América Latina em
grande estilo. De base marxista, foucaultiana, essa doutrina prega em
regra o fechamento dos presídios e a extinção do Direito Penal. De um
modo geral todos esses doutrinadores usam a mesma retórica estratégica
de tentar denunciar a permanência de caracteres antigos nos sistemas
penais atuais. Não conseguem compreender e explicar os motivos que
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levam ao aumento das taxas de crime e da população prisional no mundo
inteiro, senão, através de acusações genéricas ao
capitalismo. Geralmente denunciam os Estados Unidos, como se as
prisões cubanas, chinesas ou russas fossem algum modelo a ser seguido.
Segundo Thomas Mathiesen, um dos autores mais reconhecidos
dessa corrente,
[...] o sistema penal atual, elaborado por
políticos, e muito mais dependente no contexto geral
daquilo que chamamos de “opinião pública” e dos
meios de comunicação de massa. [...]
O calcanhar de Aquiles, o solo de barro da prisão
é sua total irracionalidade em termos de seus
próprios objetivos estabelecidos, um pouco como a
caça às bruxas sem provas. Em termos de seus
próprios objetivos, a prisão não contribui em nada
para nossa sociedade e nosso modo de vida.
Relatórios após relatórios, estudos após estudos às
dezenas, centenas e milhares, claramente mostram
isso.
Como vocês sabem, a prisão tem cinco objetivos
estabelecidos que são ou têm sido usados como
argumentos para o encarceramento. Primeiro, há o
argumento da reabilitação, [...]. Segundo, há o
argumento da intimidação do indivíduo, [...].
Terceiro, há o argumento da prevenção geral, isto é
dos efeitos da intimidação, [...]. Quarto há o
argumento da interdição dos transgressores, [...].
Quinto, e último, acrescentem a essa justiça
equilibrada – a resposta neo‐clássica ao crime
através da prisão e a lista estará completa (2003, p.
89, 90, 91, 95).
Mathiesen (2003), com base em Foucault (1991) observa que os
mecanismos de controle foram se aperfeiçoando, principalmente com o
desenvolvimento e difusão da televisão que define valor es a partir da
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imagem. A mensagem escrita foi substituída pela imagem. Sendo assim,
algumas pessoas passam a ser alvos selecionados de atenção,
particularmente no que diz respeito aos mecanismos repressivos.
Daí que, segundo a Escola do Abolicionismo Penal, faz muito pouco
sentido punir com prisão pessoas que já são previamente estigmatizadas
e, num aparato prisional apartado das suas finalidades. É exatamente
nestas teorias do Abolicionismo Penal que Zaffaroni (2001) e Nilo Batista
(2001), por exemplo, estão baseados para tecer críticas ao sistema
prisional e ao Direito Penal, no Brasil e na América Latina.
Os debates e teorizações sobre a função do Direito Penal em nosso
tempo, não são tão recentes. Já vem ao menos desde os anos de 1970,
quando tantas formas de rebelião: gangues, terrorismo marxista e máfias
(envolvendo a criminalidade econômica), por exemplo, tornam‐se,
portanto, focos de atenção político‐jurídica no mundo inteiro,
particularmente na Europa. É nesse ambiente que aparece o
Funcionalismo Penal alemão, cuja especulação doutrinária inicia‐se
exatamente nesse contexto, no qual, pessoas ou grupos “libertários”
explodem bombas em lanchonetes repletas de pessoas em quando
intelectuais marxistas acusam e reduzem o Direito Penal a uma elaborada
estratégia de conspiração de classe e manutenção das relações de poder.
As obras de Roxin (2008) e posteriormente, Jakobs (2007) estão
fundamentadas na realidade do mundo pós‐Segunda Guerra, contexto
esse, que traz, outra vez, a possibilidade se afastamento dos princípios do
Direito reincorporado pelo trauma da Guerra. Como salienta Jakobs: “De
acordo com uma cômoda ilusão, todos os seres humanos, enquanto
pessoas estão vinculadas entre si por meio do direito” (2007, p. 09). A
forçosa saída deste paraíso imaginado ocorre por via do visível aumento
de todo tipo de crime, no mundo inteiro, na mesma medida em que o
Estado do bem‐estar Social e a qualidade de vida aumentavam em quase
toda parte.
Nesse ambiente, o Funcionalismo salienta preocupação na forma
de questionamento que pode ser traduzida com uma única pergunta: qual
a função do Direito Penal em uma sociedade? Tomando tal viés Roxin em
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“Estudos de Direito Penal” desenvolve um amplo debate com o
Abolicionismo Penal. Nesta obra inicia com aquele tipo de pergunta,
somente mais focada nos argumentos do Abolicionismo. Por isso
questiona: “Tem futuro o Direito Penal?”, “O Direito Penal pode ser
abolido?”. Segundo o autor, de fato, o Direito Penal caminha para uma
grande reformulação, cujos resultados, implicam uma profunda
despenalização de determinadas condutas que, mesmo mantidas como
típicas e antijurídicas, não refletem necessidade de encarceramento.
Em certo sentido, Roxin concorda com alguns dos fundamentos do
Abolicionismo Penal, inclusive admitindo que a necessidade de reforma
do Direito Penal não reside apenas numa especulação abstrata. Ao
contrário, tudo indica que um dos motivos que levam à necessidade de
revisar o conceito e o sentido da “pena” é exatamente o fato de que as
taxas de crime aumentaram e os recursos para construir e manter
presídios já estão no patamar do esgotamento. Para o autor:
O movimento abolicionista, que possui vários
adeptos entre os criminólogos [...] considera que as
expostas desvantagens do direito penal estatal
pesam mais que os seus benefícios. [...]
Se tais suposições são realistas, o futuro do
direito penal só pode consistir em sua abolição. Mas,
infelizmente, a inspiração social‐romântica de tais
ideias é acentuada demais para que elas possam ser
seguidas. [...]
Não corresponde, portanto, à experiência que a
criminalidade se deixe eliminar através de reformas
sociais. [...] As circunstâncias sociais determinam
muito mais “como” do que o “se” da criminalidade:
quando camadas inteiras da sociedade passam fome,
surge uma grande criminalidade de pobreza; quando
a maioria vive em boas condições econômicas,
desenvolve‐se a criminalidade de bem‐estar,
relacionada ao desejo de sempre aumentar as posses
e, através disso, destaca‐se na sociedade. [...]
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Minha primeira conclusão intermediária é a
seguinte: também no estado Social de Direito, o
abolicionismo não conseguirá acabar com o futuro do
direito penal (2008, p. 03, 04 e 05).
Dito isso, podemos entender que mesmo admitindo que diversas
formas de comportamentos proibidos possam ser revistos, quanto ao
problema da despenalização é diferente, cabe notar, com sua
descriminalização. Essa reestruturação do Direito Penal à qual se referem
tanto o Abolicionismo quanto o Funcionalismo implica repensar com mais
detalhe e cuidado, tanto as Teorias do Crime quanto as Teorias da Pena.
A reflexão elaborada por Roxin não respalda uma descriminalização
inconseqüente como propõem os abolicionistas penais, tomando muitas
vezes exemplos distorcidos a respeito do sistema prisional e das causas da
criminalidade. Trata‐se sim, de reconhecer que, o fato do sistema prisional
não regenerar, não implica dizer que se deve simplesmente fechar os
presídios e deixar que, por exemplo, estupradores e homicidas venham ao
convívio social, como se tais comportamentos fossem tipificações
oriundas de preconceitos e interesses de classes. Ainda segundo Roxin:
A descriminalização é possível em dois sentidos:
primeiramente, pode ocorrer uma eliminação
definitiva de dispositivos penais que não sejam
necessários para a manutenção da paz social. [...]
Um segundo campo de descriminalizações é
aberto pelo princípio da subsidiariedade. [...] Tal
caminho foi encetado pelo direito alemão, p. ex., ao
se criarem infrações de contra‐condenação. Assim,
distúrbios sociais com intensidade de bagatela [..]
não são mais sujeitos à pena, e sim, como infrações
de contra‐ordenação, [...] (2008, p. 12 e 13).
Podemos observar, então, que tais institutos já existem do Direito
Penal brasileiro na figura do ”menor potencial ofensivo”. Sendo assim, há
uma paridade entre o Direito Penal pátrio e que ocorre no cenário
internacional. Contudo, ainda cabe muita preocupação a respeito da
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pouca diferença que parecemos fazer, de fato, entre menor potencial
ofensivo e impunidade. A falta de operacionalidade das instituições que
compõem todo o caminho da persecução penal e ainda, quando da
competência da execução penal, parece ser, aqui no Brasil, um problema
político amplamente generalizado e que está acima de ideologias político‐
partidárias.
Tal realidade tão evidente no cotidiano das instituições e na relação
entre estas e os fenômenos do mundo da rua, mostra em parte, o
desinteresse em interpretar adequadamente as doutrinas com seus
respectivos institutos e aplicá‐las adequadamente, através do nosso
ordenamento, aos nossos problemas mais prementes.
Capítulo V – Ideologia e a Crise de Paradigmas no Direito Moderno e
Pós‐moderno
Há certos desafios para o Direito que, sem dúvida, fazem parte da
sua história. Questões como: o que significa e como alcançar a justiça,
como distribuir direitos, o que é ser igual, igualdade em que e para quê,
estão desde os gregos e os romanos. Tais desafios fazem parte da história
do Direito porque lhe são inerentes a sua existência e sentido. O maior
desafio dos tempos atuais se encontra na permanente tensão entre a
validade e a eficácia do Direito, uma vez que nos encontramos num
ambiente caracterizado por uma profunda crise de legalidade e
legitimidade, trazidas por novas ideologias revolucionárias.
É evidente que essa crise da legalidade e legitimidade não tem outra
origem senão a incapacidade do Direito em dar respostas eficazes para a
realidade do mundo da rua e da relação entre as pessoas, particularmente,
neste século XXI.
Não foi por acaso que só recentemente, no século XIX teoria política
e teoria jurídica se afastam numa ambição de tratar como entes sempre
distintos Direito e Estado. De fato, se a priori, devem ser assim tratados
como dimensões abstratas, que primeiro são formuladas no mundo das
ideias, já no plano da realidade da vida individual e coletiva um não se
realiza sem o outro.
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I. Entre o Direito Natural, Direito Positivo e o Positivismo Jurídico.
A busca por uma sociedade perfeita, às vezes chamada de “ideal”,
faz parte de uma necessidade individual e grupal de retorno ao paraíso. A
literatura inglesa retrata muito bem esta questão. Tanto no campo da
teoria jurídica, política, social ou até mesmo nos romances e contos o
problema da “queda”, está presente. Em seguida, a influência desta
perspectiva vai se fazer presente na França, na Alemanha e até mesmo na
literatura russa na qual Dostoiévski é o seu maior representante.
Mutatis Mutandis é a partir da “queda” que começam os problemas
modernos, quiçá, a própria modernidade. Vem de longe o debate sobre
um Direito ditado pelos deuses e um Direito criado pelos homens. Mas é
quando surge o interesse de se criar uma sociedade diferente da que
existia até então, ou seja, européia e medieval, é que vai se buscar nos
greco‐romanos os fundamentos para um novo modelo.
A modernidade foi um projeto que tinha como objetivo construir
um novo modelo de sociedade diferente daquela que existia até então.
Qual modelo estava sendo questionado? O modelo que vinha até então e
que passou a ser chamado pelos “modernos” de “medieval”. De fato, o
projeto moderno tinha como ambição construir um novo modelo de
sociedade no qual a Igreja e a Monarquia não ditassem os parâmetros de
conduta.
O desenvolvimento do conhecimento racional, laico, que passou a
ser chamado de ciência também contribuiu bastante para que o homem
sentisse confiança em afastar‐se da religião e buscar um modelo de
sociedade, onde ele mesmo resolvesse os próprios problemas.
Nesse contexto, o que aqui mais interessa é que todas as reflexões
filosóficas são direcionas ao mesmo tempo tanto para o Direito quanto
para o Estado sem distinção. Mas, há uma questão que precisava ser
respondida. Como manter a ordem, ou uma nova ordem?
É bem verdade que as instituições que hoje chamamos de Estado
moderno e Direito moderno, não seguiram a linha reta de transformação
e evolução como os resumos dos manuais acadêmicos costumam
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apresentar. E assim foi tanto na relação entre Estado e Direito como,
internamente, no que diz respeito ao universo de abrangência de cada
uma destas instituições.
Em “O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito” (1999),
Bobbio descreve muito bem os contextos e trajetórias entre Direito
Natural, Direito Positivo e Positivismo Jurídico. Salienta que desde cedo já
era reconhecida a necessidade de articular Direito Natural e o Direito
Positivo. A partir no século XVIII a antiga dicotomia entre os direitos
referidos começa a mudar de rumo. Como Bobbio afirma:
Estas duas espécies de direito não são
consideradas diferentes relativamente à sua
qualidade ou qualificação: se uma diferença é
indicada entre ambos refere‐se apenas ao seu grau
(ou gradação) no sentido de que uma espécie de
direito é considerada superior à outra, isto é postas
em planos diferentes (1999, p. 25).
Ao descrever essa evolução histórica do Direito ocidental salienta
aspectos importantes quanto ao papel desempenhado pelas diferentes
doutrinas. Mostra inclusive a importância de perceber que: “o positivismo
jurídico é uma concepção do direito que nasce quando ‘direito positivo’ e
‘direito natural’ não mais são considerados direito no mesmo sentido, mas
o direito positivo passa a ser considerado como direito no sentido próprio”
(1999, p. 26).
Mas o nascimento do positivismo jurídico retrata, antes de tudo
uma crise, na qual se envolvem o direito natural e o que veio a ser
conhecido como direito positivo, ou seja, o Direito produzido e
estabelecido pelo Estado. Daí surgem algumas questões importantes tais
como: a relação entre Direito e Estado, as fontes do Direito, e qual a
possibilidade do Direito fornecer legitimidade a todas as pretensões
modernas, principalmente com a inclusão no seu discurso do conceito de
“povo”.
Não há dúvida de que a monopolização do poder por parte no
Estado moderno implicou na necessidade de formação de um Direito
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único e que, as normas consuetudinárias só poderiam ser aceitas na
medida em que, não ameaçassem a segurança da propriedade privada e
dos seus detentores.
Isso está muito claro com a formação, desenvolvimento e influência
do historicismo romântico que põem dúvidas a respeito do otimismo
iluminista que promete trazer para a sociedade humana as possibilidades
de uma vida feliz, por conta do uso da Razão. A velha questão da “queda”
e do “paraíso”. A modernidade foi um projeto que na evolução do seu
empreendimento começou a apresentar falhas, principalmente quando
tratou de incorporar a ideia de igualdade e direitos para todos.
Bobbio lembra autores como Burke que duvidou, desde o século
XVIII, que a razão e as instituições provenientes dela, o Estado e o Direito,
fossem suficientes para cumprir as promessas inclusas no discurso
moderno.
Na verdade o conflito que se pretende atual entre jusnaturalismo e
positivismo jurídico não tem tanta razão, se for levado em conta que a
tradição de origem do positivismo jurídico se remete à Beccaria, um
clássico jusnaturalista italiano. Mesmo rompendo com a tradição do
Direito Natural e adotando o viés utilitarista, a questão trazida pelo
Positivismo Jurídico, não nega o “ter direitos” que possam estar ligados à
pessoa humana e sim, a elaboração dos fundamentos do Direito e qual o
recorte epistemológico deve ser efetivado para que estes fundamentos
possam ser identificados. De fato, não por acaso, é clara a influência do
utilitarismo no Positivismo Jurídico logo a partir de John Austin (2006). Os
refrões com os quais comumente é atacado o Positivismo Jurídico opacam
o sentido e a importância dessa doutrina para o Direito moderno
contemporâneo.
Mesmo já sinalizando uma modernidade em crise o Positivismo
Jurídico surge como uma possibilidade de organizar uma ordem político‐
jurídica que pusesse termo aos desmandos dos subjetivismos e vontades
das elites. Como mostra Morrison, analisando a obra de Austin:
[...] O fundamento dessa constituição – dessa –
nova ordem social – não é a vontade subjetiva ou a
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vontade das elites que, fisicamente configuram a
soberania, e tampouco se reduz a uma questão de
relações de poder. [...] A norma falida da vontade da
aristocracia devia ser substituída pelo governo
racional segundo os ditames do conhecimento
positivo; uma ideia que também servia para manter
a distância as ideias de um governo por maioria
popular que o círculo benthamista passara a
defender depois de perder as esperanças de mudar
as concepções das elites dominantes. [...] A filosofia
analítica subseqüente tem valorizado rigor
intelectual e a lucidez da escrita em detrimento de
qualquer preocupação mais ampla com a realidade
social e política. Em resultado, nas últimas décadas o
positivismo jurídico passou a ser atacado por ser um
empreendimento sustentado por si mesmo e
desvinculado de qualquer contexto. [...] Austin, em
nome do rigor analítico e conceitual separou o
estudo do direito da tarefa de identificar seu
contexto social na realidade social, e também da
tarefa de identificar seus efeitos constitutivos sobre
essa mesma realidade. Tal impressão é, contudo,
resultado de uma simplificação excessiva que se
encontra no material didático habitual. [...] Para
Austin, os conceitos acham‐se inseridos nos
processos sociais. Não faz sentido falar de direitos
como se eles se sustentassem sobre as suas próprias
bases – os direitos não param de pé por si sós, mas
extraem seus fundamentos da realidade dos deveres
correspondentes; deveres que devem ser exeqüíveis
para poder terem existência real (2006, p. 255, 256,
263, 259, 264).
Diante do exposto fica claro que é injusta acusação de que o
positivismo jurídico é refratário à realidade da qual nasce o Direito e que
ainda seria resistente a mudanças e atualizações no Direito, seguindo o
compasso das mudanças no mundo das relações humanas reais.
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Para dirimir qualquer dúvida podemos recorrer à obra de Kelsen:
“O Que é Justiça?” quando o autor está ponderando sobre qual
composição de ordenamento jurídico tornaria mais viável um universo
social mais justo. Dentro dessa problemática Kelsen, importante
representante do neokantismo no século XX, retoma uma das principais
questões modernas e utilitarista, a felicidade. Daí ele pergunta o que vem
a ser felicidade e retoma as lições de Platão quando este associava
felicidade a justiça. Só que Kelsen admite que mesmo o homem diante do
dilema de ter que buscar a sua felicidade na vida social, tem que
reconhecer que “nenhuma ordem social poderá compensar totalmente as
injustiças da natureza” a exemplo das seguintes questões: “por que não
tenho a aparência do outro?” ou “por que a natureza me concedeu tão
poucos atrativos?” Então Kelsen afirma: “Uma ordem social justa é
impossível, mesmo diante da premissa de que ela procura proporcionar,
senão a felicidade individual de cada um, pelo menos a maior felicidade
possível ao maior número possível de pessoas” (2001, p. 02, 03).
Mas isso não quer dizer que tal doutrina defende a aceitação da
sociedade injusta ou que o Direito nada pode fazer para alterar tal dilema.
O que torna‐se evidente é a necessidade de se estabelecer uma hierarquia
de valores, que atuem como princípios, que, por sua vez, possam de fato
ordenar e fundamentar o Direito. Em outras palavras, o que o positivismo
jurídico não aceita é uma transformação do Direito através do uso abusivo
do poder discricionário das autoridades que lhe competem.
Kelsen então traduz para o Direito a questão moderna da igualdade
e da justiça nas relações humanas. Como ele escreve: “Mas quais
interesses humanos têm esse valor e qual é a hierarquia desses valores?”.
E esclarece afirmando que: “um conflito de interesses se apresenta,
todavia, quando um interesse só pode ser satisfeito à custa de outro, ou
seja, quando dois valores se contrapõem e não é possível concretizá‐los
ao mesmo tempo se a concretização de um implicar a rejeição do outro”
(2006, p. 06). Em seguida ele mostra que o Direito só pode atuar no
universo das relações humanas regulando as escolhas dos princípios e a
hierarquia decorrente.
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Sendo assim, os dogmas exercem função importantes, pois estão
como ponto de partida para a eleição destes princípios e o
estabelecimento da hierarquia. Se a princípio tudo parece uma questão
de valores, postos inclusive na relação entre o Direito e o seu tempo, logo
se faz necessário ultrapassar os limites dos juízos de valor, para recorrer
aos juízos de realidade que são os que podem ser verificados no mundo
da realidade através da experimentação.
A questão acima, muito bem ilustrada por Kelsen, mostra a
dificuldade de igualar o diferente. Desde a Grécia antiga, retratada na obra
de Aristóteles (2001) a questão das “desigualdades originais” e a
concepção de tratar as desigualdades de forma desigual foi um desafio. O
problema está na interpretação que vem sendo dada recentemente a
respeito da obra de Aristóteles, a partir do momento em que os resumos
acadêmicos distorcem completamente o sentido dos conceitos. Os gregos
consideravam que a desigualdade seria algo natural e deveria ser mantida
assim, na medida que retratava também uma hierarquia. Por isso é
recente a interpretação de “ajuda”, de “amparo” para os que são
considerados desiguais, bem retrata nas políticas compensatórias ou
também chamadas de descriminação positiva.
Habermas trouxe a mesma questão em outras palavras:
Nisso se reflete o seguinte paradoxo, embutido
nos fundamentos da validade do direito positivo; se
a função do direito consiste em estabilizar
expectativas de comportamento generalizadas,
como é que essa função pode ser preenchida por um
direito vigente modificável a qualquer momento por
uma simples decisão do legislador político? (1997, p.
224).
Cabe então especular sobre as possibilidades do relativismo jurídico
que o próprio Habermas contribuiu para desenvolver e que vem atingindo
o Direito, extrapolando a competência de sustentar a tese de que se trata
apenas de uma adaptação à realidade. O Direito vem sendo chamado a
dar respostas às mudanças e crises nas relações humanas, respaldando,
muitas vezes, o que antes era o comportamento delituoso. E agora, sob o
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argumento pseudo‐democrático de que é interesse da maioria ou de uma
parte significativa da sociedade e isso, sem falar da igualdade das
chamadas minorias. Vemos então a importância de rever os alertas que já
haviam sido dados por aqueles que, como Burke, passaram a ser
pejorativamente chamados de conservadores.
II. O Conflito Epistemológico nas Perspectivas do Positivismo Jurídico e do Liberalismo Igualitário
Até bem pouco tempo enquanto o Direito caminhava em compasso
com as tradições morais, culturais etc., os argumentos teóricos também
evoluíram no sentido de analisar em que medida o Direito poderia estar
mais próximo ou distante destas tradições. Mesmo distante das tradições
e adquirindo perfil de um Direito estabelecido pelo Estado ou ainda com
pressupostos de uma ciência jurídica, a estabilidade jurídica,
necessariamente era característica das duas vertentes.
O conflito entre o jusnaturalismo e o direito positivo parecia sanado
através da positivação dos direitos fundamentais, quando, a partir da
segunda metade do século XX, o excessivo relativismo jurídico trazido pela
influência da Escola de Frankfurt no universo jurídico e filosófico tratou de
desregular todas as formas de relações humanas. Foi nesse contexto, que
a obra de Kelsen, como representante do positivismo jurídico, tornou‐se
alvo predileto de ataques e argumentos que segundo Lenio Streck:
“o positivismo enquanto ideologia é identificado
nas versões juspositivistas do século XIX [...]
geralmente procura‐se aplicar a Kelsen um tipo de
pecha que o colocaria como defensor do positivismo
primitivo caracterizado por esta ideologia, (na
medida em que sua obra supostamente pregaria uma
espécie de aplicação cega de valores do direito
positivo). [...] esse tipo de interpretação só pode ser
feita por alguém que possua algum tipo de domínio
vulgar da teoria do direito (2014, p.21).
Tal contradição é mais visível no universo jurídico quando os
reclames atuais pregam o afastamento de uma moral supostamente
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preconceituosa das entranhas do Direito. Tem‐se com isso fragilizado os
ordenamentos jurídicos, de fato, substituindo uma moral por outra,
utilizando‐se valores respaldados numa tal “divida histórica”. Ou seja,
estamos para além da análise do contexto, recomendado inclusive desde
os primeiros idealizadores do positivismo jurídico. Temos então o
presente analisado por um passado ideologicamente distorcido,
obrigando o Direito a dar respostas imediatas para transformações que
estão sendo provocadas por movimentos revolucionários, cujas ONG`s e
Fundações que os compõem são sabidamente financiadas pelas grandes
corporações industriais e bancárias. Ao mesmo tempo, a relativização dos
valores morais do nosso tempo vai ocorrer de forma intencional, através
das mudanças no modelo educacional e familiar, difundidos com
facilidade, através do aperfeiçoamento das tecnologias aplicadas à
comunicação de massa, seguindo à risca as instruções do Manifesto do
Partido Comunista.
Mesmo nos momentos mais iniciais da obra de Kelsen, por
influência kantiana, o Direito não possuía realidade em si mesmo. O
Direito para o autor é concebido como um ato de vontade por parte do
legislador e demais autoridades de competência jurídica. Até mesmo por
que sua teoria na norma não atribui caráter de verdade ou falsidade à
norma e sim validade ou invalidade. Foi, principalmente, pelo fato de
buscar separar do Direito os aspectos morais, políticos, econômicos e
históricos que os positivistas tornaram seus trabalhos passíveis às críticas,
tais quais, a de que não relacionavam a teoria jurídica à realidade a sua
volta.
Desta forma qual seria então a origem do Direito, o seu fundamento
e vínculo a partir do qual um determinado ordenamento jurídico brota e
tem validade em uma dada sociedade? Na obra de Kelsen a resposta está
no problema da norma hipotética. Entretanto, tal pergunta levaria a uma
resposta infinita, pois se considerarmos a Constituição como norma
original, a Constituinte como norma fundante da original, caberia sempre
a pergunta sobre qual norma deu origem à norma posterior. Em outras
palavras, qual norma deu origem à Constituinte? Como esclarece Coelho:
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Prosseguir‐se, no entanto, neste
questionamento significa não alcançar nenhum
resultado sensato, pois a competência para editar
normas jurídicas sempre decorre de outra norma, e
esta, por sua vez somente pode ter sido editada por
uma autoridade competente. Estamos diante de uma
regressão ao infinito, sem sentido racional. Para
enclausurar o sistema jurídico, solucionando a
questão em aberto, Kelsen lança mão de uma norma
que deve sustentar o fundamento da validade da
ordem jurídica como um todo, mas que
necessariamente não tenha sido editada por nenhum
ato de autoridade. Uma norma não posta, mas
suposta (2001, p. 11,12).
Tal perspectiva de uma norma original parece se assemelhar ao
problema da origem no jusnaturalismo. Durante muito tempo, os
tratados jusnaturalistas foram interpretados de maneira a se entender
que os autores estavam apontando para uma origem enquanto marco
histórico para o Estado, a sociedade civil, e demais instituições correlatas.
Em tais escritos (Locke 1998, Hobbes 1997) era corriqueira a versão de que
primeiro surge o Estado civil, para em seguida, a sociedade, também civil,
fundada numa suposta racionalidade.
Foi com o advento de obras de jusfilósofos do porte de N. Bobbio
(1999) e Michel Villey (2005), que tais equívocos começaram a ser
corrigidos. De fato, as metáforas utilizadas pelos jusnaturalistas
preenchiam também a necessidade de encontrar um ponto de origem
para o novo empreendimento teórico que estava em curso, qual seja; a
modernidade. Por isso podemos falar que a modernidade foi um
“projeto”. Cada livro escrito propunha um novo modelo de sociedade
dando ênfase ao Estado ou à sociedade civil, partindo de uma origem
suposta e hipoteticamente elaborada. Tal elaboração metaforicamente
originária é muito clara na obra de Rousseau (1958, 2004) quando ele
afirma que quando o primeiro homem colocou o pé num pedaço de terra,
cercou e afirmou ser dele aquela terra, tem‐se ali a origem da propriedade
privada.
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O problema da origem fora do “paraíso” é um problema
“moderno”, por isso atinge também os positivistas. Qual teria sido o
primeiro constituinte histórico? Dentro deste contexto, o positivismo
jurídico só admite como válido em Direito, o direito que esteja incluso em
ordenamento jurídico determinado pelo Estado. Daí que, enquanto o
Direito natural não foi incorporado nos ordenamentos jurídicos ‐ e isso só
começa acontecer reconhecidamente a partir da Segunda Guerra Mundial
– esses direitos não eram reconhecidos como direitos válidos.
A discussão que cabia também e foi trazida por Kelsen era a que
dizia respeito à possibilidade de valoração moral da norma jurídica em
detrimento de buscar uma eficácia que apontasse para um resultado
rigorosamente respaldado. Talvez seja aí que possamos encontrar a
origem dos problemas do nosso tempo; o retorno à valoração moral da
norma jurídica, mesmo que negando essa valoração. Esconde‐se essa
valoração no discurso politicamente correto da busca por justiça.
O impasse é então o seguinte: se o Direito Natural preserva direitos
que supostamente vinculam‐se á natureza humana, qual a finalidade do
Direito? Preservar a ordem a partir da regulamentação das condutas e das
relações entre as pessoas ou preservar a pessoa em detrimento da
preservação da ordem social? Além disso, quando estamos falando da
ética no Direito ao que estamos nos referindo?
Os positivistas certamente responderiam que se tudo isso está na
previsão do ordenamento jurídico então é legal e é legítimo. Os
jusnaturalistas responderiam que baseado na preservação da dignidade
da pessoa humana o acusado teria que usar de todos os recursos para
provar sua inocência mesmo não sendo ele inocente.
Para o positivismo jurídico a justiça é a justiça do que está previsto
no ordenamento jurídico e o Direito é um sistema de normas não‐morais.
Por influência de Weber, na teoria de Kelsen, o Estado e o Direito se
equivalem e tanto em um quanto no outro há uma perspectiva objetiva
de coerção. Por essa influência weberiana é que as normas se reduzem a
imposições de sanções. Esse ordenamento complexo de normas e bens
jurídicos ao qual Kelsen se refere como Direito é também uma questão de
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escolha. Passa necessariamente pela motivação axiológica e até
dogmática. O que ele se opõe, de fato, é ao relativismo axiológico que leva
ao relativismo jurídico tirando do Direito o seu caráter puro, isento e
científico. Por isso, o problema da origem histórica da norma hipotética é
tão importante para coagir e regular o comportamento do homem
decaído.
Esse problema fica mais claro na teoria de Kelsen quando é tratada
a questão da validade da norma jurídica e a vinculação à norma
fundamental. Segundo Coelho:
A validade norma jurídica, em Kelsen, depende,
inicialmente, de sua realização com a norma
fundamental. Ou por outra, é função da
manifestação de vontade de uma autoridade
competente. Como as normas jurídicas, pela
descrição realizada em preposições, integram um
sistema essencialmente dinâmico, o seu conteúdo é
irrelevante para a definição de validade. Esse é um
aspecto pouco entendido e pouco difundido da
teoria pura do direito. A norma jurídica é válida se
emana de autoridade com competência para editar,
ainda que o respectivo comando não se compatibilize
com disposição contida em normas de hierarquia
superior (2001, p. 29)
Complementando, todavia, para Kelsen a validade da norma está
em certa medida vinculada à sua eficácia. Por isso, ensina Coelho:
Sustenta a teoria pura que tanto a norma jurídica
singularmente considerada quanto à própria ordem
jurídica como um todo deixam de ser válidas se
perdem a eficácia. [...] a validade não se confunde
com a eficácia, esta é apenas uma condição daquela.
Ou seja, pode‐se sintetizar o pensamento kelseniano
sobre o assunto na assertiva de que a ineficácia
absoluta compromete a validade da norma jurídica.
Qualquer relação entre validade e eficácia não se
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pode estabelecer prontamente nos quadrantes da
teoria pura do direito (2001, p. 30, 33).
O apego da teoria pura à questão da norma, sua legitimidade,
validade e eficácia ocorre, outra vez, por conta da influência weberiana
em Kelsen. O pessimismo niilista que tanto caracterizou as últimas
décadas do século XIX e adentra pelo século XX, já vinha em formação
mesmo quando observado e ressaltado o otimismo iluminista. Para os
jusnaturalistas o problema da “queda”, refletido no “homem decadente”,
havia sido superado com o aparecimento do Estado moderno, e da razão
instrumental, que nas lições de Hobbes tinha que ser Leviatã por que tinha
como objetivo tornar a conduta humana compatível com a convivência
coletiva. Entretanto, como mostra Coelho:
A antropologia kelseniana considera o homem
naturalmente inclinado a perseguir apenas a
satisfação de interesses egoístas. O estabelecimento
de uma ordem social não altera essa realidade
natural. [...] nem as normas morais ou jurídicas se
podem definir a partir da natureza do homem, como
pretendem os jusnaturalistas, nem essa mesma
natureza se pode modificar pela vontade expressa
em padrões de conduta. O homem essencialmente
egocêntrico se deixará conduzir de acordo com as
prescrições das normas apenas se divisar vantagem –
ou, pelo menos, menor desvantagem – na obediência
à ordem social. Ao considerar oportuno comportar‐
se conforme o sentido da norma, no entanto, ele
ainda continua manifestando seu caráter
naturalmente egoísta.
Por isso, o direito só pode ser entendido como
uma ordem social coativa, impositiva de sanções
(2001, p. 34, 35).
O problema agora, deste nosso século XXI, não é tanto reconhecer
a importância do Direito sancionador e sim, preservá‐lo. Trata‐se agora de
um relativismo axiológico e jurídico, que nem os jusnaturalistas dos
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séculos XVII e XVIII pensaram em tal proporção. Não é mais reconhecer os
Direitos Humanos como direitos válidos e sim, do que estamos falando
quando falamos em Direitos Humanos. A partir das novas correntes
teóricas que debatem com o positivismo jurídico nas últimas décadas do
século XX, a obra de R. Dworkin ganha destaque, principalmente na
literatura de língua inglesa.
Apontado como importante representante da filosofia liberal
jurídica destacou‐se no campo do que vem sendo chamado de
“liberalismo igualitário”. Seus trabalhos foram ganhando esse perfil na
proporção em que foi transportando a obra de J. Rawls para o universo
jurídico.
Como é sabido “Uma Teoria da Justiça” (2000) tornou‐se uma
referência nas doutrinas sobre o significado de justiça e as novas
possibilidades do que poderia ser chamado de uma sociedade justa. Rawls
parte de princípios liberais para propor uma revisão do modelo de Estado
regido pela doutrina utilitarista, (ver Bem‐estar Social), mostrando que
não é mais justificável que diante de tanta riqueza ainda existam tantas
disparidades que caracterizaram as sociedades contemporâneas, inclusive
entre os países ricos. Nos seus trabalhos, enquanto neocontratualista
propõe mudanças em princípios que regem as instituições que formam e
organizam o Estado, visando obter destas instituições e na relações entre
elas, resultados mais aceitáveis do que poderia ser uma sociedade mais
justa.
Seguindo esta ideia no seu confronto com o positivismo jurídico de
Hart e influenciado pelas doutrinas de Rawls e outros autores, a questão
central de Dworkin é a justiça no seu sentido amplo. Porém, analisa e
interpreta o Direito contemporâneo na realidade dos tribunais diante das
demandas, cada vez mais amplas, por novas concepções do que é ter
direitos. Rawls chamou esta questão de “as intratáveis concepções de
bem” e Dworkin aborda este mesmo tema, enfatizando as possibilidades
do Direito quando desafiando por estas demandas e seus novos
significados sobre equidade.
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A teoria rawlsiana é certamente considerada uma teoria
institucionalista, pois o referido autor era professor de filosofia política em
Harvard. Tanto ele quanto Dworkin estão num ambiente onde a palavra
“crise” começa a ser generalizada. É nesse ambiente de crise institucional
generalizada que tanto Rawls quanto Dworkin ganham notoriedade.
Seguindo Gargarella que analisa a obra de Rawls e a influência em
Dworkin:
Os vínculos entre as concepções defendidas por
Rawls e Dworkin em torno da justiça são claramente
mais fortes que suas diferenças. Dworkin preocupa‐
se em aperfeiçoar uma visão como a proposta por
Rawls, mas compartilhando com ele muito dos seus
pressupostos básicos. Para Dworkin, uma concepção
liberal igualitária adequada precisa apoiar‐se em
quatro idéias básicas, muito próximas às defendidas
por Rawls, Em primeiro lugar, o liberalismo igualitário
deve distinguir entre “personalidade” e as
“circunstancias” que cercam cada um. O Objetivo
desse liberalismo deve ser nesse sentido, igualar as
pessoas em suas circunstâncias, permitindo que os
indivíduos se tornem responsáveis pelos resultados
de seus gostos e ambições: se alguém, situado em
uma posição de relativa igualdade com os demais,
decide, por exemplo, empreender uma ação muito
arriscada, sabendo das possibilidades de que ela
termine mal, então, no caso de um final infeliz em sua
empreitada, deve arcar sozinho com o resultado
obtido. [...] Se uma pessoa prefere o trabalho ao ócio,
e a outra o ócio ao trabalho, então certamente serão
compensadas de modo desigual, mas essas
desigualdades não gerarão transferências adicionais
(2008, p. 67, 72).
Na mesma ambição de interpretar a obra de Dworkin, Morrison
observa que:
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[...] ele procura uma objetividade para o discurso
jurídico e um novo sentido para a prática jurídica.
Uma prática que ele revigora com um compromisso
ético particular; o liberalismo jurídico. [...] Ao longo
de sua obra, Dworkin substitui o positivismo pela
abordagem interpretativa, mas parece conservar
algo do legado positivista. [...] A teoria de Dworkin
será, então, simplesmente sua interpretação e, desse
modo, prescritiva? Será que todo o seu projeto
consiste em impor sua versão do liberalismo ao
campo cada vez mais diversificado da teoria jurídica?
Contra tal crítica, Dworkin alega estar
apresentando uma “verdade” inerente ao material.
Sua obra mais elaborada (O Império do Direito,
1986), Dworkin afirma estar trabalhando com a
concepção de direito de uma insider e se diz
preocupado em manter a “fidelidade” ao material;
sua interpretação será fiel ao empreendimento do
direito e não irá despojá‐lo de seu significado latente;
ao recusar‐se a discutir a natureza do direito com
observadores externos, sua interpretação vai ignorar
os comentários céticos e articular melhor a ambição
do direito para nós, de modo que possamos unir
esforços. [...] Numa época em que a terminologia do
pluralismo jurídico tornou‐se lugar‐comum [...]
haverá algum sentido em que se possa falar sobre um
conjunto diversificado de práticas que abrangem o
direito moderno [...] como se existisse uma corrente
inequívoca de ideias comuns? (2006, p. 499, 500,
501).
A crítica de que o positivismo jurídico se afastou da análise social
realista para, atualmente, respaldar a posição daqueles que defendem um
relativismo jurídico acentuado ou um pluralismo jurídico confortável, que
atenda a todas as ansiedades pós‐modernas postas em pauta para o
Direito, não se legitima se fizermos até mesmo uma breve reflexão sobre
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os objetivos do Direito e a sua relação com o ambiente do seu tempo. As
demandas que estão aí nesse ambiente, e cobradas para o Direito, não se
tratam apenas ou simplesmente de carência de regulação legal. Mas,
também, porque não podem ser atendidas pelas demais instituições
políticas e sociais. Moldar o Direito aos simples clamores políticos das
massas é criar um socialismo jurídico autoritário, disfarçado de luta por
justiça.
Parece que o dilema da obra de Dworkin passa por estas questões.
Questionar a obra do ex‐professor, de forma ríspida no seu aspecto
semântico, doutrinário e epistemológico, deixou para o ex‐aluno, o
desafio já trazido pelo mestre de como lidar com os “casos difíceis”. Esses
“casos difíceis” que momentaneamente parecem pontuais, de fato,
exemplificam nos tribunais o clamor de parte da população de um grupo.
O aceite deste clamor pode implicar em violação de princípios e de direitos
para a parte do grupo que não se pronunciou. Por exemplo, o
reconhecimento de cotas raciais em universidades.
Em “Uma Questão de Princípios” Dworkin afirma que:
Um juiz que decide baseando‐se em
fundamentos políticos não está decidindo com base
em fundamentos de política partidária. [...] A visão
correta, creio, é a de que os juízes baseiam e devem
basear seus julgamentos de casos controvertidos em
argumentos de princípio político, mas não em
argumentos de procedimento político. [...] o que é
Estado de Direito? Os juristas pensam que há um
ideal político distinto e importante chamado o Estado
de Direito. Mas discordam quanto ao que é esse
ideal. Há, na verdade, duas concepções muito
diferentes do Estado de Direito, cada qual com seus
partidários. A primeira é a que chamarei de
concepção “centrada no texto legal”. Ela insiste que,
tanto quanto possível, o poder do Estado nunca deve
ser exercido contra os cidadãos individuais, a não ser
em conformidade com as regras explicitamente
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especificadas num conjunto de normas públicas à
disposição de todos. [...] Chamarei a segunda
concepção do Estado de Direito de concepção
“centrada nos direitos”. De muitas maneiras, é mais
ambiciosa que a concepção centrada no livro de
regras. Ela pressupõe que os cidadãos têm direitos e
deveres morais entre si e direitos políticos perante o
estado como um todo. [..] O Estado de Direito dessa
concepção é o ideal de governo por meio de uma
concepção pública precisa dos direitos individuais.
[...] A concepção centrada nos direitos, portanto, é
mais complexa que a concepção centrada no texto
legal. [...] elas são, não obstante, compatíveis quanto
aos ideias mais gerais para uma sociedade justa.
Qualquer comunidade política será melhor, se seus
tribunais não tomares nenhuma atitude que não as
especificadas em regras publicadas previamente, e,
também, se suas instituições jurídicas fizerem
cumprir qualquer direitos que os cidadãos individuais
tenham (2005, p. 06 07, 08).
Dessa perspectiva a questão então entre o Positivismo Jurídico e o
Liberalismo Igualitário é muito mais de hermenêutica do que de
fundamentos epistemológicos ou princípios. Além disso, um “caso difícil”
nos tribunais, como foi dito, não se refere em geral a um “caso isolado” e,
mesmo quando se trata disso, logo se reflete no âmbito da coletividade
para respaldar anseios surdos ou novas perspectivas que são instigadas.
Se o Liberalismo Igualitário de Dworkin visa promover condições para ao
mesmo tempo respeitar o livre‐arbítrio e reduzir desigualdades, como o
Direito pode trazer estas respostas se a fragmentação dos direitos pode
levar a um instrumentalismo jurídico muito mais potencializador de
conflitos do que solucionador?
Analisando a obra de Dworkin, Sgarbi tem o seguinte
entendimento:
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No ano de 1985, também em livro constituído
pela reunião de artigos, Uma Questão de Princípio,
Dworkin continua sua trajetória teórica; agora, além
de polemizar com seus críticos, procura desenvolver
algumas ideias de LDS. Disso resultam modificações
terminológicas e desenvolvimentos no particular da
compreensão do direito como uma prática
interpretativa, ou seja, a teoria de Dworkin sofreu ao
longo dos anos aprimoramento.
Aliás, esse processo evolutivo é por ele mesmo
reconhecido logo no prefácio do livro O Império do
Direito. [...]
Nesse sentido, com ID Dworkin se propõe
recolher e aperfeiçoar os esforços anteriores com o
objetivo de mais bem desenvolver a ideia do direito
como um conceito imperativo de uma perspectiva do
caso concreto (2009, p. 168, 169).
Tudo parece começar pela permanente dificuldade de se
estabelecer o que é o Direito e então, quais os seus fundamentos e
objetivos. Esse problema vai seguramente se refletir em situações reais
dos tribunais, onde a discricionariedade do juiz, principalmente nos “casos
difíceis”, pode passar por uma interpretação ampla e vaga do Direito,
distanciando‐se da norma escrita.
A questão da argumentação, ou retórica, não poderia deixar de ser
inerente ao Direito, uma vez que, não raro os argumentos e seus
fundamentos vão depender do ponto em que se encontram cada uma das
partes envolvidas e, até mesmo, o juiz que decide. Nesse sentido, não fica
clara oposição de Dworkin quando pondera que Hart valorizava pouco o
papel dos princípios (SgarbiI, 2009). Então o que está em jogo é a
plausibilidade da segurança jurídica ao aceitar que a decisão judicial seja
resultado de uma ponderação entre princípios e regras já estabelecidas,
ou arriscar um julgamento baseado em “argumentos políticos”, que
vagueiam entre os princípios em busca de amparo legal e, tudo em nome
de uma justiça que ninguém sabe ao certo definir qual.
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Capítulo VI ‐ Conclusão: política, crime e Ideologia: as interfaces entre
o bem e o mal
É sabido que a formação do Direito moderno implicou o
aparecimento de diversas tendências filosóficas, algumas das quais se
tornaram Escolas. Sabemos também que o chamado “pensamento
moderno” esteve todo pautado em ideologias que, vez por outra, numa
forte influência do historicismo, gerou o que ficou conhecido no século XX
como: “as grandes narrativas”.
A questão aqui colocada direcionou uma parte deste percurso,
tentado mostrar os principais fundamentos dos grandes debates atuais. É
evidente que em alguns momentos certas tendências foram deixadas de
lado e permaneceu o privilégio no foco em questão. Qual seja: demonstrar
os principais aspectos do debate ideológico dentro do direito atual e, em
particular, quando direcionados para o Direito Penal e a Criminologia.
Se em algum momento da sua história o Direito Penal e a
Criminologia estiveram afastados de determinantes ideológicos e políticas
partidárias, agora, não há esperança de ver brotar um conhecimento
desinteressado em políticas partidárias.
O romantismo e a utopia criminológica vêm adentrando o Direito
Penal e, ao contrário do que pensam muitos, está solapando o lugar de
excelência, antes exclusivo do Direito Penal. Não é uma particularidade
nacional. Muito ao contrário, trata‐se uma expressão da mundialização do
Direito Penal na era das Convenções. Mesmo admitindo que estamos
sempre imitando heranças que transformamos em passageiros modismos
acadêmicos, a mundialização do Direito Penal é uma tendência
persistente. Conflita é claro, com tradições locais e com paradigmas
acadêmicos que, algumas vezes, levaram séculos em construção. Essa
tendência persistente busca sustentar‐se num suposto Direito Penal
“humanitário” ou mesmo “libertário”, cujos resultados já se apresentam
quando se refletem em Políticas Criminais inteiramente fracassadas no
mundo todo.
A Revolução Sexual como base deste contexto é um projeto
realizado e em andamento. Libertar os instintos sempre foi o ideal
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revolucionário maior. Agora, quando a frustração e a angústia que
tanto caracterizaram a existência, ao menos, segundo os niilistas, não há
mais lugar para elas. Agora, o humano meramente humano entra em
cena. Impõe sua vez.
Neste ambiente, onde a frustração e angústia são reconhecidas
como resultado do autoritarismo, a realização do prazer afronta os
conceitos e preconceitos, tanto nas normas morais, quanto nas normas
jurídicas. Então, como não haver crimes? E quais as respostas devem ser
dadas para tal fenômeno?
Foi nesse contexto acadêmico de Terceiro Mundo que se tornou
elegante citar Foucault e outros da mesma geração, mesmo sem se
observar ao certo o que pretendiam esses autores. Pouco a pouco,
a ideia de “desconstrução” tornou‐se uma máxima. Temos ao menos o
sintoma da ausência de cultura que tomou conta de um universo
acadêmico que deveria ser a autoridade em preserva‐la.
O crime tem suas curiosidades por nos deixar sempre próximos ao
vazio de sentido da existência. Mas, ainda não é essa a sua principal
curiosidade. É curioso como a literatura atual sobre o fenômeno “crime”
trata o objeto em questão. É inquietante e sintomático quando o
significado de “esclarecimento” é não perceber que, ao negar a
consciência do agente do crime, nega‐se a consciência do ser humano por
completo, depositando no ambiente as responsabilidades pelas condutas.
No conjunto, o confortante conceito de “problema social” acolhe também
o medo de reconhecermos do quanto somos capazes de realizar o
inimaginável, tanto para o bem, quanto para o mal. Acaricia o ego fraco e
mimado daqueles que não transpõem a pequena ponte entre o “princípio
do prazer” e o “princípio da realidade”.
Mas é no universo das carências materiais e de status, que as almas
pobres e aflitas se vendem aos serviços do capital, que suas bandeiras
alarmistas, dizem negar. É aí, nesse bom exemplo do absurdo da
existência, que vagam almas aflitas e discursos desencontrados, buscando
um meio de enaltecer o próprio ego, cuspindo a culpa da sua própria
consciência aflita no outro. A alteridade pós‐moderna, ao contrário da
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moderna, se propõe ao conflito e a destruição no sentido mais radical
possível. A anarquia niilista é o seu lema.
Como não haver crimes? Tudo está programado, então, para haver
crimes. Tudo está sendo feito para isso. O desmantelo das instituições
modernas, dentre elas, Estado, Direito e Família tem esse objetivo e, por
isso, “crime” tornou‐se o mais eficiente meio no conjunto estratégico para
fazer a “revolução”. Daí também, a usual confusão entre o liberalismo,
enquanto doutrina moderna, e o uso da ideia de liberdade na atualidade
com o objetivo de anarquizar qualquer forma de organização. A abolição
das restrições ao intenso e imediato prazer instintual é outro importante
meio desse conjunto estratégico para destruir a modernidade greco‐
romana e judaico‐cristã. A ideia de liberdade agora não é aquela do
liberalismo do século XVII e que migrou para o século XVIII, tornando‐se
um dos pilares do Iluminismo. Esse liberalismo está consagrado no quinto
artigo da nossa Constituição Federal. Os conceitos revolucionários de
liberdade e individualismo atuais estão fundamentados nas doutrinas
anarquistas. É daí que vem a concepção de que não há limites para o
prazer humano e, por isso, toda liberdade é necessária para satisfazer
qualquer das necessidades instintivas do ser humano e todo esse querer
tem que ser legalizado e legitimado pelo Direito.
Principalmente nas ultimas décadas do século XX e no raiar do
século XXI, assistiu‐se uma nova forma de controle que usualmente
ganhou o nome de “Engenharia Social”. Esta veio se caracterizar pelo uso
sistemático de todas as descobertas acadêmicas e científicas com o
objetivo muito claro de controlar o comportamento humano em todos os
ambientes e dimensões da nossa vida.
Sobre isso é ingenuidade pensar que o uso desse conhecimento
está sendo usado para a construção de um mundo melhor, ou que ele é
exclusivamente um complô da burguesia etc. Muito ao contrário, qualquer
estudo honesto e apurado irá descobrir que foi muito mais o retorno do
socialismo ao poder, que requereu o uso planejado dos conhecimentos e
das tecnologias para a geração de um novo consenso.
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Esse novo consenso e a Engenharia Social são partes fundamentais
das novas formas de poder. Por isso, agora, entre outras inversões, se a
violência das ditaduras de direita e a agressão dos seus torturadores
devem ser imputadas à própria política e aos seus algozes, por que nas
revoluções e ditaduras de esquerda, a violência do sistema e a agressão
dos seus terroristas e torturadores ficam depositadas na conta da
“liberdade”, “igualdade” e “justiça social”?
Muito tem se falado sobre a relação entre “modernidade” e “pós‐
modernidade”. De fato, a modernidade é uma construção ou até mesmo
um projeto, que tem seus fundamentos na filosofia antiga e na filosofia
judaico‐cristã. A disputa entre modernidade e pós‐modernidade traz em
seu bojo, ao tempo em que lhe é fundamento, a questão do embate
ideológico. Não quer dizer com isso, que essa disputa começou agora. Fez
parte de toda a formação do pensamento moderno. Mas é agora,
caracterizando a pós‐modernidade, esta rivalidade torna‐se mais
evidente.
Cabe lembrar, que foram os valores espirituais cristãos que muito
contribuíram para a formação e base da psique moderna. Por isso, o
abandono e repúdio a estes valores ameaçam uma estrutura mental que
levou séculos sendo construída e que contribuiu sobremaneira para
impedir que os desejos corporais se sobrepusessem aos anseios
espirituais. Deste modo, o novo projeto pós‐moderno se caracteriza pelo
orgasmo corpóreo. Aquele que o corpo biológico pode proporcionar. Até
porque o abandono de Deus deixou o “ser” sem asas. Não há outro
mundo para o qual ir. Não por acaso, a mais próxima e possível definição
do que é o “ser”, na filosofia moderna, se confunde com sua própria
condição. Qual seja: o “ser‐aí”, o “dasein” e nada mais. Não por acaso,
agora, num mundo sem Deus, o intenso prazer, o refrigério que a alma
necessita e que a razão não tem como saciar, só pode vir do saciamento
do mais forte e poderoso dos instintos: o sexo e as suas sexualidades.
Neste mundo da ausência de sentido para uma existência
transcendental só resta o aqui e agora que é estimulado através da
exacerbação de tudo que é instintivo. É o abandono do homem espiritual
e o retorno ao passado animal. A religião que ainda cabe é exatamente
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aquela ou aquelas que dizem sim ao natural, que subliminarmente
condicionam o espírito ao instinto, invertendo o modelo cristão em toda
sua essência. Daí porque, na pós‐modernidade, também a religião
coletiviza as consciências, perde adeptos a ideia de ”salvação individual”.
Vigora a filosofia do “todos podem tudo” ou “é proibido proibir”. Buscar‐
se uma nova religião universal desde que não se trate de recorrer ao Deus
cristão. Nesta nova religião mundial até a salvação é coletiva como que
fundada no encontro de um “grande arcano”, retratado na reconstrução
de um único arquétipo religioso, uma espécie de empréstimos de todas as
religiões para formar uma só. É neste ambiente que as substâncias
psicoativas e o sexo exacerbado tonam‐se a marca do novo caminho para
os únicos prazeres que ainda restam.
A “Nova Engenharia Social” que molda as mentes, comportamentos
e vontades tem como referencial a mais famosa das suas tecnologias: a
televisão. Mas não é só ela e não se trata mais de mera “indústria
cultural”. A Nova Engenharia Social articula através do uso das
tecnologias, condiciona inteiramente o comportamento humano aos
novos padrões necessários para a consolidação do projeto pós‐moderno.
Se na modernidade o ser humano vivia ou deveria viver em busca
de Deus, na pós‐modernidade o mesmo ser humano vive em busca do
prazer por aqui mesmo. Antes a busca do gozo espiritual, agora o gozo
sexual. Isso não é resultado do simples “despertar das consciências” como
pregam muitos. É sim, resultado de um capcioso trabalho pelas mais
diversas vias para condicionar os comportamentos e vontades humanas
em todo lugar e em todas as idades. Não por acaso, só como exemplo,
somos obrigados a assistir cenas de sexo, ou ao menos, de forte erotização
todos os dias da semana nas nossas televisões. Já se ampliam situações
em que as crianças, nas escolas, estão aprendendo mais sobre sexo do que
sobre geografia. Temos que também conviver com cenas de crime por
todos os meios de comunicação. O resultado é uma necessária e instintiva
adaptação do nosso cérebro à banalização do sexo e do crime, ou seja,
uma adaptação à violência.
Então, o mal parece estar aí, diluído em cada pensamento que
temos. Por isso, a necessidade de repudiá‐
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lo e estabelecer causas externas para a sua existência. Como mostram in
úmeros fatos da vida e da história,
“ser humano”, é serviolento e agressivo, é cair constantemente na armadil
ha da banalização da agressão,da cobiça e da maldade. Não por acaso,
nas
interfaces entre o mundo do crime eas relações de poder, nada é o que
aparenta ser.
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A RECOMENDAÇÃO CONSEA Nº 02/2015 EM ANÁLISE: O RECONHECIMENTO DOS RISCOS INDIRETOS DA TRANSGENIA EM SEDE DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL
TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.
Resumo: O objeto do presente está assentado na imprescindibilidade de se
desenvolver um debate sobre os alimentos transgênicos em uma perspectiva da
Bioética e do princípio da precaução. Neste aspecto, é possível salientar que o corolário
da precaução se apresenta como uma garantia contra os riscos potenciais que, em
harmonia com o estado atual de conhecimento, não são passíveis, ainda, de
identificação. É desfraldada como flâmula pelo preceito da precaução que, em
havendo ausência de certeza científica formal, existência de um dano robusto ou
mesmo irreversível reclama a estruturação de medidas e instrumentos que possam
minimizar e/ou evitar este dano. Sobreleva salientar que o dogma em apreço
encontra seu sedimento de estruturação no princípio quinze da Declaração da
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também
conhecida como Declaração do Rio/92, que em seu princípio quinze estabelece que,
com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser
amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando
houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica
absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas
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economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. Em tal debate está
inserido o desenvolvimento dos alimentos transgênicos, sobretudo suas
consequências, tanto para o ser humano como para o meio ambiente, a longo e médio
prazo. O axioma em realce, neste cenário, constitui no principal norteador das
políticas ambientais, à medida que este se reporta à função primordial de evitar os
riscos e a ocorrência dos danos ambientais. Em decorrência da proeminência
assumida pelo preceito da precaução, salta aos olhos que é robusto orientador das
políticas ambientas, além de ser o alicerce fundante da edificação do jus ambiental.
Valendo-se das reflexões fomentadas pela Bioética, o presente busca pautar um exame
do tema no cenário nacional.
Palavras-chave: Alimentos Transgênicos. Princípio da Precaução. Bioética.
Sumário: 1 Bioética: Aspectos históricos e princípios orientadores; 2 Breves
contornos ao princípio da precaução; 3 Alimentos transgênicos: uma tema
de incertezas no futuro; 4 Alimentos transgênicos versus direito humano à
alimentação: um exame à luz da Bioética; 5 A Recomendação CONSEA Nº
02/2015 em análise: o reconhecimento dos riscos indiretos da transgenia em
sede de segurança alimentar e nutricional; 6 Conclusão
1 Bioética: Aspectos históricos e princípios orientadores
Bioética uma disciplina que visa à junção e a unificação da ética
com tudo que concerne à vida, conclui-se tal afirmação quando se separa a
palavra bioética, a palavra bio está ligada a tudo que se remete a vida e
palavra ética está relacionada aos valores e princípios que orientam a
sociedade, observa-se que há códigos de condutas éticas para respectivas
profissões, pois há direcionamentos no que tange a forma como cada
profissional deve se limitar a agir anexo as respectivas áreas. Foi visando
esta ética nos parâmetros biológicos que o bioquímico que pesquisava sobre
a oncologia, Van Rensselaer Potter lançou o termo “Bioética” na década de
1970. O objetivo central do Prof. Potter era estabelecer um vínculo entre a
Ciência e Ética, para o pesquisador não havia possibilidade de se separar
as duas áreas, no que diz respeito à importância que há na vida, a ciência
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que estuda a mesma não poderia andar sozinha, deveria haver algo que a
orientasse e direcionasse. Com intuito de que houvesse o avanço saudável
da ciência, Van Rensselaer começa a desenvolver a “Ciência da
sobrevivência”, que desencadeia em um novo estudo de ética, que fora
denominada como Bioética, para Potter bioética era a Ética da vida, do ser
vivo, da sobrevivência.
Por meados de 1932 a 1978 ocorreram casos de acontecimentos
terríveis ligados à saúde e ao bem-estar do ser humano. A título de
exemplificação, é possível fazer menção ao Estudo de Sífilis não-autorizado
de Tuskegee, no qual 600 (seiscentos) negros contaminados com sífilis
foram levados para um centro de pesquisa para serem estudados e
pesquisados, objetivando estudos sobre a doença, ao final, após uma
denúncia sobre a pesquisa, restou apenas 74 pessoas ainda infectadas. É
oportuno consignar que a contrapartida pela participação no projeto era o
acompanhamento médico, uma refeição quente no dia dos exames e o
pagamento das despesas com o funeral. Durante o projeto foram dados,
também, alguns prêmios em dinheiro pela participação. A inadequação
inicial do estudo não foi a de não tratar, pois não havia uma terapêutica
comprovada para sífilis naquela época. A inadequação foi omitir o
diagnóstico conhecido e o prognóstico esperado.
É possível fazer menção à exposição de Goldim, especialmente
quando aponta “o objetivo do Estudo Tuskegee, nome do centro de saúde
onde foi realizado, era observar a evolução da doença, livre de tratamento.
Vale relembrar que em 1929, já havia sido publicado um estudo, realizado
na Noruega, a partir de dados históricos, relatando mais de 2000 casos de
sífilis não tratado” (GOLDIM, 1999, s.p.). Para que houvesse um
norteamento e em resposta aos casos anteriormente ocorridos, o governo
norte-americano, em 1974 promoveu uma comissão que fora designada a
elaborar princípios éticos primordiais que orientaria a pesquisa por meio de
experimento com seres humanos. Esta conferência ficou popularmente
conhecida com o Belmont report, que identificou em forma de resumo, os
princípios éticos básicos que foram explanados durante os quatro dias de
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conferência. Atualmente, tais princípios são utilizados para norteamento na
realização dos experimentos biológicos em diversos países, os princípios
que se trata são: (i) o princípio da beneficência; (ii) o princípio da não-
maleficência; (iii) o princípio da autonomia; (iv) o princípio da justiça; e (v) o
princípio da equidade.
Tradicionalmente, o princípio da beneficência encontra-se
associado à excelência profissional desde os tempos remotos da medicina
grega, materializando-se no Juramento de Hipócrates: “Usarei o tratamento
para ajudar os doentes, de acordo com minha habilidade e julgamento e
nunca o utilizarei para prejudicá-los”. Segundo Loch (s.d., p. 03), a
beneficência significa fazer o bem, logo, em uma dimensão prática, todos os
indivíduos têm a obrigação moral de agir para o benefício do outro. Ora, essa
acepção, quando empregada na área de cuidados com a saúde, que
compreende todas as profissões das ciências biomédicas, substancializa-se
em fazer o melhor para o paciente, não apenas em uma perspectiva técnico-
assistencial, mas também do ponto de vista ético. Ao lado disso, é oportuno
apontar que se trata de usar todos os conhecimentos e habilidades
profissionais a serviço do paciente, considerando, na construção da decisão,
a minimização dos riscos e a maximização dos benefícios do procedimento
a realizar (LOCH, s.d., p. 03).
O princípio da não-maleficência, por sua vez, apregoa que o
profissional de saúde tem o dever de, intencionalmente, não causar mal ou
danos a seu paciente. “Considerado por muitos como o princípio
fundamental da tradição hipocrática da ética médica, tem suas raízes em
uma máxima que preconiza: ‘cria o hábito de duas coisas: socorrer (ajudar)
ou, ao menos, não causar danos’” (LOCH, s.d., p. 02). O preceito em apreço
é empregado frequentemente como uma exigência oral da profissão médica,
materializando, desta feita, um mínimo ético, um dever profissional, que,
caso não se cumpra, coloca o profissional da saúde numa situação de má-
prática ou prática negligente da medicina ou das demais profissões da área
biomédica. Há que se reconhecer que o dogma em destaque recebe
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especial importância em razão de o risco causar danos é inseparável de uma
ação ou procedimento que está moralmente indicado.
Já o princípio da autonomia estabelece que as pessoas possuem
liberdade de decisão, ser autônomo em suas decisões, cada cidadão capaz
possui esse direto de autonomia, é a capacidade de autodeterminação.
Respeitar a autonomia do ser humano está relacionado com a preservação
dos direitos fundamentais do homem e ligado a Dignidade da pessoa
humana. E no âmbito da Bioética, para que ocorra o respeito à autonomia
das pessoas é essencial à presença de duas condições, a liberdade e a
informação. Loch aponta que autonomia é a capacidade de uma pessoa
para decidir ou buscar aquilo que ela julga ser o melhor para si mesma,
porém para que ela possa exercer a autodeterminação são imprescindíveis
duas condições fundamentais, quais sejam: “a) capacidade para agir
intencionalmente, o que pressupõe compreensão, razão e deliberação para
decidir coerentemente entre as alternativas que lhe são apresentadas; b)
liberdade, no sentido de estar livre de qualquer influência controladora para
esta tomada de posição” (LOCH, s.d., p. 04).
Em se tratando da liberdade, profere-se que o cidadão, possui a
liberdade de decisão, sem nenhum tipo de influência e informação se
desencadeia no conhecimento que a pessoa tem do seu estado para que
possua capacidade de decidir se irá se submeter a algum procedimento.
Ademais, há de salientar, que hora e outra não haverá o respeito à
autonomia de uma pessoa em favor de beneficiar outras pessoas,
exemplificando, fumantes. Por seu turno, os princípios da justiça e da
equidade referem-se ao tratamento de todos de uma forma igual, utilizando-
se da justa medida. Verifica-se que a equidade presa o atendimento das
necessidades de cada pessoa de acordo com que precisa, é disponibilizar
aos iguais de forma igual e dar aos desiguais de forma desigual. A questão
da Justiça faz alusão ao fato de ser respeitar o direito de cada um de forma
imparcial, não concedendo privilégios a alguém. Ao lado disso, insta anotar
que Loch destaca que
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O conceito de justiça, do ponto de vista filosófico, tem sido explicado com o uso de vários termos. Todos eles interpretam a justiça como um modo justo, apropriado e equitativo de tratar as pessoas em razão de alguma coisa que é merecida ou devida à elas. Estes critérios de merecimento, ou princípios materiais de justiça, devem estar baseados em algumas características capazes de tornar relevante e justo este tratamento. Como exemplos destes princípios materiais de justiça pode-se citar: 1. Para cada um, uma igual porção 2. Para cada um, de acordo com sua necessidade. 3. Para cada um, de acordo com seu esforço. 4. Para cada um, de acordo com sua contribuição. 5. Para cada um, de acordo com seu mérito. 6. Para cada um, de acordo com as regras de livre mercado (LOCH, s.d., p. 05).
Em 2005, houve a 33º conferência geral da UNESCO, em Paris,
onde ocorrera o reconhecimento da Bioética em âmbitos universais, fora
referendada e ratificada por 191 países, integrantes das nações Unidas.
Contudo, houve discussões a cerca das particularidades da Declaração
documental da Bioética em relação à particularidade de cada país. A
Declaração Universal de Bioética e Direitos humanos descreve e apontam
os objetivos, finalidades, princípios e aplicação do mesmo, considerações
sobre Bioética;
Reconhecendo que questões éticas suscitadas pelos rápidos avanços na ciência e suas aplicações tecnológicas deveriam ser examinadas com o devido respeito à dignidade da pessoa humana e respeito universal por, e cumprimento dos direitos humanos e liberdades fundamentais, Decidindo que é necessário e oportuno para a comunidade internacional declarar princípios universais que proporcionarão uma base para a resposta da humanidade para os sempre-crescentes dilemas e controvérsias que a ciência e a tecnologia apresentam para a humanidade e para o meio ambiente. (UNESCO, 2005, p. 65).
Observa-se que a conferência geral manteve o intuito do
Professor pioneiro Van Rensselaer Potter, foi almejado nesta conferência
elaborar um suporte de princípios e procedimentos no que diz respeito à
elaboração de suas legislações, construção política e outros ramos que
estejam ligados á Bioética. Ao analisar o Documento da Declaração,
percebe-se que o mesmo está respaldado por orientações, particularmente
os princípios que cercaram a Bioética. No Brasil, em 1995 houve a criação
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da Sociedade Brasileira da Bioética (SBB), que possui por missão principal
difusão da Bioética ao Brasil e tem como objetivo;
Reunir pessoas de diferentes formações, interessadas em fomentar a discussão e difusão da Bioética. Estimular a produção de conhecimento em Bioética; promover e assessorar planos, projetos, pesquisas e atividades na área de Bioética; patrocinar eventos de Bioética, conforme regulamentos próprios; apoiar e participar de movimentos e atividades que visem a valorização da Bioética. (SOCIEDADE BRASILEIRA DE BIOÉTICA, 1995, s.p.).
Como denominou Van Potter, a Bioética é a Ciência da
Sobrevivência e promover o avanço da mesma torna-se essencial para um
crescimento na tecnologia biológica, permeando-se pelos princípios que a
norteiam. Bioética engloba e sociedade em geral, e é de suma importância
que as pessoas se interem de seu conceito e princípios, tornando-se similar
aos profissionais da saúde.
2 Breves contornos ao princípio da precaução
Em sede de comentários introdutórios, é possível salientar que o
corolário da precaução se apresenta como uma garantia contra os riscos
potenciais que, em harmonia com o estado atual de conhecimento, não são
passíveis, ainda, de identificação. É desfraldada como flâmula pelo preceito
da precaução que, em havendo ausência de certeza científica formal,
existência de um dano robusto ou mesmo irreversível reclama a
estruturação de medidas e instrumentos que possam minimizar e/ou
evitar este dano. Neste passo, sobreleva salientar que o dogma em
apreço encontra seu sedimento de estruturação no princípio quinze da
Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, também conhecida como Declaração do Rio/92, que em
seu princípio quinze estabelece que:
Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos
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graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental (ONU, 1992).
Quadra destacar, nesta toada, que a ausência de certeza
científica absoluta não deve subsidiar pretexto para postergação do emprego
de medidas efetivas que objetivem evitar a degradação ambiental. Mais que
isso, é oportuno consignar que, diante da situação concreta, “a incerteza
científica milita em favor do ambiente, carregando-se ao interessado o ônus
de provar que as intervenções pretendidas não são perigosas e/ou
poluentes”, como bem anota Romeu Thomé (2012, p. 69). Neste sentido,
inclusive, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, ao relatoriar o Agravo
Regimental no Agravo no Recurso Especial Nº 206.748/SP, salientou, com
bastante pertinência, a dimensão do princípio da precaução, explicitando
que “pressupõe a inversão do ônus probatório, transferindo para a
concessionária o encargo de provar que sua conduta não ensejou riscos
para o meio ambiente e, por consequência, aos pescadores da região”
(BRASIL, 2013).
O axioma em realce, neste cenário, constitui no principal
norteador das políticas ambientais, à medida que este se reporta à função
primordial de evitar os riscos e a ocorrência dos danos ambientais. Em
decorrência da proeminência assumida pelo preceito da precaução, salta
aos olhos que é robusto orientador das políticas ambientas, além de ser o
alicerce fundante da edificação do jus ambiental. Nesse passo, diante da
crise ambiental que condiciona o desenvolvimento econômico, de modo
sustentável, a segundo plano e da devastação dos diversos ecossistemas
em escala vertiginosa, prevenir a degradação do meio-ambiente passou a
se objeto da preocupação constante de todos aqueles que buscam melhor
qualidade de vida para as presentes e futuras gerações. Entalhou o princípio
da precaução a Declaração de Wingspread de 1998, que “quando uma
atividade representa ameaças de danos ao meio-ambiente ou à saúde
humana, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo de algumas
relações de causa e efeito não forem plenamente estabelecidas
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cientificamente” (MELIM, s.d., s.p.). Os Tribunais Pátrios já se manifestaram
quanto à aplicabilidade do princípio em comento, consoante se infere dos
arestos colacionados:
Ementa: Pedido de Suspensão. Meio Ambiente. Princípio da Precaução. Em matéria de meio ambiente vigora o princípio da precaução. Esse princípio deve ser observado pela Administração Pública, e também pelos empreendedores. A segurança dos investimentos constitui, também e principalmente, responsabilidade de quem os faz. À luz desse pressuposto, surpreende na espécie a circunstância de que empreendimento de tamanho vulto tenha sido iniciado, e continuado, sem que seus responsáveis tenham se munido da cautela de consultar o órgão federal incumbido de preservar o meio ambiente a respeito de sua viabilidade. Agravo regimental não provido. (Superior Tribunal de Justiça – Corte Especial/ AgRg na SLS 1.564/MA/ Relator: Ministro Ari Pargendler/ Julgado em 16 mai. 2012/ Publicado no DJe em 06 jun. 2012). Ementa: Direito Ambiental. Ação Civil Pública. Cana-de-açúcar. Queimadas. Art. 21, parágrafo único, da Lei n. 4771/65. Dano ao meio ambiente. Princípio da Precaução. Queima da palha de cana. Existência de regra expressa proibitiva. Exceção existente somente para preservar peculiaridades locais ou regionais relacionadas à identidade cultural. Inaplicabilidade às atividades agrícolas industriais. 1. O princípio da precaução, consagrado formalmente pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - Rio 92 (ratificada pelo Brasil), a ausência de certezas científicas não pode ser argumento utilizado para postergar a adoção de medidas eficazes para a proteção ambiental. Na dúvida, prevalece a defesa do meio ambiente. [...] Recurso especial provido. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp nº 1.285.463/SP/ Relator: Ministro Humberto Martins/ Julgado em 28 fev. 2012/ Publicado no DJe em 06 mar; 2012). Ementa: Processual Civil – Competência para julgamento de execução fiscal de multa por dano ambiental – Inexistência de interesse da União - Competência da Justiça Estadual - Prestação jurisdicional - Omissão - Não-ocorrência - Perícia - Dano Ambiental - Direito do suposto poluidor - Princípio da Precaução - Inversão do ônus da prova. 1. A competência para o julgamento de execução fiscal por dano ambiental movida por entidade autárquica estadual é de competência da Justiça Estadual. 2. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 3. O princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente promoveu o dano ambiental comprovar que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva. 4. Nesse sentido e coerente com esse posicionamento, é direito subjetivo do suposto infrator a realização de perícia para comprovar a ineficácia poluente de sua conduta,
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não sendo suficiente para torná-la prescindível informações obtidas de sítio da internet. 5. A prova pericial é necessária sempre que a prova do fato depender de conhecimento técnico, o que se revela aplicável na seara ambiental ante a complexidade do bioma e da eficácia poluente dos produtos decorrentes do engenho humano. 6. Recurso especial provido para determinar a devolução dos autos à origem com a anulação de todos os atos decisórios a partir do indeferimento da prova pericial. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp nº 1.060.753/SP/ Relatora: Ministra Eliana Calmon/ Julgado em 01 dez. 2009/ Publicado no DJe em 14 dez. 2009).
Segundo Colombo (2004, s.p.), no direito positivo pátrio, é
possível verificar a substancialização do princípio da precaução nos incisos
I e IV do artigo 4º da Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981, que dispõe
sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências, que, de forma clarividente,
expressa a imperiosidade de existir um equilíbrio entre o desenvolvimento
econômico e a utilização, de maneira racional, dos recursos naturais,
sem olvidar da imprescindível avaliação do impacto ambiental. “Este
princípio tem sido muito utilizado em ações civis públicas, seja requerendo
a paralisação de obras, seja requerendo a proibição de explorações que
possam causar, ainda hipoteticamente, danos ao meio ambiente” (THOMÉ,
2012, p. 69-70). Lançando mão das ponderações apresentadas por
Colombo (2004, s.p.), o vocábulo precaução apresenta similitude idiomática
com cuidado, logo, é imperioso, em razão do feixe irradiado pelo dogma em
análise, o afastamento de perigo e manutenção da segurança das gerações
futuras, bem assim da sustentabilidade ambiental das atividades humanas.
Verifica-se que o preceito em testilha é a concreção da busca pela proteção
da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como também
pelo asseguramento da integridade da vida humana. Desta premissa, insta
sustar que imperioso se faz considerar não somente o risco eminente de
uma específica atividade, mas também os riscos futuros advindos de
empreendimentos humanos, os quais, devido à compreensão e ao atual
estágio desenvolvimento da ciência, não consegue captar toda densidade.
“A aplicação do princípio da precaução deve ainda limitar-se aos casos de
‘ética do cuidado’, que não se satisfaz apenas com a ausência de certeza
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dos malefícios, mas privilegia a conduta humana que menos agrida, ainda
que eventualmente, o meio natural” (THOMÉ, 2012, p. 70).
É denotável, deste modo, que a consagração do corolário da
precaução se apresenta como robusto instrumento que estabelece a adoção
de uma nova postura em relação à degradação do meio ambiente,
afixando, por via de consequência, a estruturação de medidas ambientais,
tanto por parte do Estado quanto pela sociedade em geral, que obstem a
instalação e desenvolvimento de atividade que tenha potencial lesivo ao
meio ambiente. No que se referem às indústrias já instaladas, o princípio da
precaução assume uma feição que busque cessar o dano ambiental já
concretizado, minimizando os efeitos danosos provocados. “A leitura atenta
do acórdão combatido revela que seu fundamento de decidir foi o princípio
da precaução, considerando que, na dúvida, impõe-se a sustação dos
licenciamentos e a realização de estudos de impacto ambiental, sob pena
de o dano consumar-se” (BRASIL, 2011), como o Ministro Mauro Campbell
Marques explicitou, com clareza solar, ao relatoriar o Recurso Especial N°
1.163.939/RS.
Impende destacar, ainda, com grossos traços e cores quentes,
que a atividade econômica não pode ser exercida em desacordo com os
princípios destinados a tornar efetiva a proteção do meio ambiente. A
incolumidade do meio ambiente não pode ser embaraçada por interesses
empresariais nem ficar dependente de motivações de âmago
essencialmente econômico, ainda mais quando a atividade econômica, em
razão da disciplina constitucional, estiver subordinada a um sucedâneo de
corolários, notadamente àquele que privilegia a defesa do meio ambiente, o
qual abarca o conceito amplo e abrangente de noções atreladas ao meio
ambiente em suas múltiplas manifestações, quais sejam: o meio ambiente
natural, meio ambiente cultural, meio ambiente artificial e meio ambiente do
trabalho (ou laboral). Verifica-se que os instrumentos jurídicos de caráter
legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio
ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que
lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde,
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segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar
graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu
aspecto físico ou natural.
Figura 01. Símbolo identificador dos alimentos transgênicos. Disponível em: <http://saudeempeso.com.br/voce-sabe-identificar-um-alimento-transgenico/>. Acesso em 15 dez. 2015.
Denota-se, portanto, que o princípio da precaução, notadamente
em decorrência de seu núcleo sensível, deve ser erigido como flâmula
orientadora de inspiração, sobretudo quando, diante dos experimentos
científicos, inexistir elementos mínimos capazes de estabelecer as
consequências a médio e a longo prazo. Assim, ao se analisar o corolário
em debate, cuida reconhecer que a sua materialização reclama a presença
de quatro componentes básicos que podem ser resumidos: (i) a incerteza
passa a ser considerada na avaliação de risco; (ii) o ônus da prova cabe ao
proponente da atividade; (iii) na avaliação de risco, um número razoável de
alternativas ao produto ou processo, devem ser estudadas e comparadas;
(iv) para ser precaucionária, a decisão deve ser democrática, transparente e
ter a participação dos interessados no produto ou processo. “Dessa
maneira, esse princípio defende a ideia de que diante da ausência da
certeza científica, a existência do risco de um agravo demanda a
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implantação de medidas que possam prevenir este agravo. Ou seja, ao
legislar sobre uma ciência ainda não conhecida, deve-se ser precavido”
(RIBEIRO; MARIN, 2012, p. 362).
Nesta esteira, o princípio da precaução possui as seguintes
características que serão tratadas a seguir: incerteza científica decorrente
da possibilidade de graves prejuízos eventuais ou irreversíveis;
temporariedade; estrito cumprimento obrigatório do corolário em comento;
atuação estatal proporcionalmente; e a distribuição do ônus da prova. Para
a sua incidência basta a existência de possível ameaça de eventuais graves
prejuízos ou mesmo irreversíveis. Assim, as medidas a serem adotadas
correlacionam-se com a proporcionalidade do evento danoso, inclusive,
mensurando a impossibilidade de retroagir. Ademais, como se trata de
possíveis danos irreversíveis, não se pode permitir a inércia ou omissão de
tais danos, fundamentados na análise de probabilidade de incertezas
científicas para a adoção de medidas garantidoras, ao oportunizar o seu
controle, além de coibir a destruição do meio ambiente.
Uma das principais características do princípio da precaução é
propiciar às futuras gerações uma melhor qualidade de vida, em
consonância com um meio ambiente equilibrado. Desse modo, cuida
explicitar, oportunamente, que o Princípio da Precaução reside no fato de
procurar atuar previamente à ocorrência do prejuízo ambiental ao adotar
medidas com a devida cautela, ao visar os benefícios decorrentes de tais
medidas futuramente. No tocante ao estrito cumprimento obrigatório do
Princípio da Precaução, ressalta-se a universalidade imperativa dessa
imposição uma vez que não é plausível a delimitação e separação do meio
ambiente aos países, pois qualquer prejuízo ambiental acarreta efeitos
mundiais. Portanto, todas as medidas de cautela a serem adotadas também
devem ter seu estrito cumprimento em sede mundial. 3 Alimentos transgênicos: uma tema de incertezas no futuro
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Nas últimas décadas, o desenvolver-se e o emprego dos
organismos geneticamente modificados, ou simplesmente transgênicos, em
larga escala na agricultura têm se amparado sob três principais argumentos:
a preservação do meio ambiente, o aumento da produção para combater a
fome e a redução dos custos de produção. Organizações governamentais e
intergovernamentais têm planejado estratégias e protocolos para o estudo
da segurança de alimentos derivados de cultivos geneticamente
modificados. É nessa linha que verificasse a necessidade de alertar os
cidadãos sobre as “verdades científicas” veiculadas nas mídias ou nos
discursos políticos sociais. Ribeiro e Marin discutem que:
Ainda hoje, pesquisas e estudos que envolvem os potenciais riscos ao consumo humano de AGM ainda são muito restritos. No entanto, existem estudos sobre o efeito da ingestão de soja Roundup Ready em ratos, que demonstraram em análises ultraestruturais e imunocitoquímica, alterações em células acinares do pâncreas (redução de fatores de "splicing" do núcleo e do nucléolo e acúmulo de grânulos de pericromatina); em testículos (aumento do número de grânulos de pericromatina, diminuição da densidade de poros nucleares e alargamento do retículo endoplasmático liso das células de Sertoli), havendo a possibilidade de tais efeitos estarem relacionados ao acúmulo de herbicida presente na soja resistente, além de alterações em hepatócitos (modificações na forma do núcleo, aumento do número de poros na membrana nuclear, alterações na forma arredondada do nucléolo, indicando aumento do metabolismo) sendo potencialmente reversíveis neste último grupo de células (RIBEIRO; MARIN, 2012, p.362).
De maneira feliz, a posse das discussões sobre a ciências, ética
e meio ambiente não pertence mais unicamente aos adeptos do
desenvolvimento científico e tecnológico. Não obstante, as controvérsias
científicas sempre fizeram parte da cultura da ciência. Já na década de 1950,
Jacques Ellul, filósofo francês, abordava essa discussão (Le système
technicien, Paris: Calman-Levy, 1977):
Mais o progresso técnico cresce, mais aumenta a soma de efeitos imprevisíveis. Certos progressos técnicos criam incertezas permanentes e em longo prazo [...] Processos irreversíveis foram já implementados, particularmente no campo do meio ambiente e da saúde. Os problemas ambientais são exemplares. Criados pelo desenvolvimento
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tecnológico desenfreado e irrefletido, necessitam sempre de novos instrumentos e técnicas para resolvê-los. Os problemas de saúde pública ou de segurança alimentar são sistematicamente reformulados de modo que possam receber soluções técnicas ao invés de soluções políticas (ZANONI; FERMENT. 2011, p. 14).
A temática dos transgênicos cobre um conjunto de domínios e
aspectos sociais, econômicos culturais e ambientais. A grande questão que
vem sendo levantada é o quão seguras são essas tecnologias, se elas estão
de acordo com o Guia Internacional para Segurança em
Biotecnologia(IGSB) aceito pelo Programa Ambiental das Nações Unidas
(MOSS, 2008, s.p.). Ultimamente, os assuntos dos adeptos do princípio da
precaução forçam os governos de muitos países incluindo o Brasil, a
modificar suas políticas e desistir da produção de variedades geneticamente
modificadas. Assegura Rubens Onofre Nodari (2003) sobre o assunto, que
os testes de segurança são conduzidos caso a caso e modelados para as
características específicas das culturas modificadas e as mudanças
introduzidas através da modificação genética. Todavia o mesmo autor
salienta que o maior problema na análise de risco de organismos
geneticamente modificados, é que seus efeitos não podem ser previstos na
sua totalidade. Os riscos à saúde humana incluem aqueles inesperados,
alergias, toxicidade intolerância. No ambiente, as consequências são a
transferência lateral (horizontal) de genes, a poluição genética e os efeitos
prejudiciais aos organismos não alvos.
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Figura 02. Alimentos transgênicos. Disponível em: <http://www.minhaescolaweb.com.br>. Acesso em 15 dez. 2015.
Estudos elaborados por Costa (2007) apontam que, todos os
fenômenos e eventos indesejáveis resultantes do crescimento e consumo
dos organismos geneticamente modificados podem ser classificados em três
grupos de risco: alimentares, ecológicos e agrotecnológicos. Os riscos
alimentares compreendem: a) efeitos imediatos de proteínas tóxicas
oualergênicas do OGM; b) riscos causados por efeitos pleiotrópicos das
proteínas transgênicas no metabolismo da planta; c) riscos mediados pela
acumulação de herbicidas e seus metabólitos nas variedades e espécies
resistentes; d) risco de transferência horizontal das construções
transgênicas, para o genoma de bactérias simbióticas tanto de humanos
quanto de animais (TEMM et all, 2007, p. 330). Os riscos ecológicos
abarcam: a) erosão da diversidade das variedades de culturas em razão da
ampla introdução de plantas GM derivadas de um grupo limitado de
variedades parentais; b) transferência não controlada de construções,
especialmente daquelas que conferem resistência a pesticidas e pragas e
doenças, em razão da polinização cruzada com plantas selvagens de
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ancestrais e espécies relacionadas. Os possíveis resultados são o declínio
na biodiversidade das formas selvagens do ancestral; c) risco de
transferência horizontal não controlada das construções para a microbiota
da rizosfera; d) efeitos adversos na biodiversidade em razão de proteínas
transgênicas tóxicas, afetando insetos não alvos, assim como a microbiota
do solo, rompendo desta forma a cadeia trófica; e) risco de rápido
desenvolvimento de resistência às toxinas implantadas no transgênico por
insetos fitófagos, bactérias, fungos e outras pragas devido à pesada pressão
seletiva; f) riscos de cepas altamente patogênicas de fitovírus emergirem em
razão da interação do vírus com a construção transgênica que é instável no
genoma dos organismos receptores e, portanto, são alvos mais prováveis
para recombinação com DNA viral (TEMM et all, 2007, p. 330).
No que compete aos riscos agrotecnológicos, é possível
explicitar: a) riscos de mudanças imprevisíveis em propriedades e
características não alvo das variedades GM e em razão dos efeitos
pleiotrópicos de um gene introduzido; b) riscos de mudanças transferidas
nas propriedades de variedade GM que deveriam emergir depois de muitas
gerações em razão da adaptação do novo gene ao genoma, com
manifestação da nova propriedade pleiotrópica e as mudanças já citadas; c)
Perda da eficiência do transgênico resistente a pragas em razão do cultivo
extensivo das variedades GM por muitos anos; d) possível manipulação da
produção de sementes pelos donos da tecnologia “terminator” (TEMM et all,
2007, p. 330). Entretanto, observa-se que a preocupação com a produção e
utilização dos OGM por sua vez, e a combinação de riscos complexos e
incertos com a existência de vulnerabilidades sociais e ambientais, torna
ainda mais explosiva a necessidade da dialética entre produção-destruição
inerente aos atuais modelos de desenvolvimento econômico e tecnológicos.
4 Alimentos transgênicos versus direito humano à
alimentação: um exame à luz da Bioética
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A fome é um problema mundial que aflige quase a totalidade dos
países nas mais variadas proporções e magnitudes. Durante praticamente
toda a história o homem empreendeu esforços a fim de afastá-la, sendo esta
uma tarefa de alta complexidade. A boa alimentação está galgada na
capacidade humana de consumir a quantidade de nutrientes suficientes para
desenvolver com plenitude suas atividades físicas e intelectuais. De acordo
com o discutido no Comitê de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e
Culturais da ONU acerca do direito à alimentação adequada, expressa no
Comentário Geral n. 12 ao PIDESC, o referido direito inclui o acesso estável
e permanente a alimentos saudáveis, seguros e sadios, em quantidade
suficiente, culturalmente aceitos, produzidos de uma forma sustentável e
sem prejuízo da implementação de outros direitos para as presentes e
futuras gerações (ONU, 1999).
Como já dito, no Brasil o direito à alimentação está previsto em vários
documentos legais tendo sido incorporado em vários dispositivos e
princípios da Carta Constitucional de 1988. Contudo, a ausência de garantia
no cumprimento efetivo de tal direito no seio das famílias brasileiras,
configura-se como evidente afronta, sobretudo, ao princípio da dignidade
humana já que esta se perfaz no respeito à qualidade de vida, à saúde, à
alimentação e ao bem estar, destacados já no preâmbulo da CF/88:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (BRASIL, 1988)
Assim, a alimentação como direito social e positivado na carta política
brasileira integra o rol dos direitos fundamentais inalienáveis e plenamente
exigíveis, indicando tal fato, sobretudo, que quando fatores estruturais ou
conjunturais do processo econômico e social não possibilitarem a realização
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do direito à alimentação, o Poder Público pode ser judicialmente acionado
para seu devido cumprimento. Ora, há que reconhecer que o direito humano
à alimentação substancializa direito inerente a qualquer ser humano,
estando, portanto, compreendido no princípio maior da dignidade da pessoa
humana.
Dessa forma, no debate acerca dos alimentos transgênicos,
sobretudo sua utilização na afirmação do direito humano à alimentação, há
defensores que entendem que aqueles serviriam para subsidiar a
materialização do direito em comento, porquanto seriam capazes de colocar
fim à fome, em especial nos países em que essa é extrema e alcançam
índices alarmantes, tal como poderá influenciar diretamente no
barateamento dos gêneros alimentícios. Em que pese tal ótica, e como
alinhavado em momento anterior, há que se discordar dessa máxima,
porquanto os efeitos produzidos pelos organismos geneticamente
modificados a longo tempo sobre o ser humano ainda é desconhecido e
requer maiores estudos, sobretudo para potenciais maléficos. O direito
humano à alimentação não deve ser encarado como sinônimo de utilização
de qualquer fonte alimentar, mas sim gêneros que sejam quantitativamente
e qualitativamente detentores de condições mínimas.
5 A Recomendação CONSEA Nº 02/2015 em análise: o
reconhecimento dos riscos indiretos da transgenia em sede
de segurança alimentar e nutricional
Em sede de comentários inaugurais, há que se destacar que a
manifestação em comento tem por escopo recomendar à CTNBio a não
aprovação da liberação do eucalipto transgênico Evento H421 pela grave
ameaça que essa tecnologia representa à saúde humana, animal e
ambiental. De plano, ao considerar o que estabelece a Política Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional, em seu §2º “A alimentação adequada é
direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana
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e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição
Federal, devendo, portanto, o poder público adotar as políticas e ações que
se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e
nutricional da população”. Além disso, o eucalipto é a principal fonte de
néctar e pólen usado pelas abelhas na fabricação do mel no país, sobretudo
nos estados do sul, sudeste e nordeste. Logo, o mel proveniente dos
eucaliptos transgênicos possui o gene inserido artificialmente e que isso
significa que qualquer mel produzido em colmeias cujas abelhas visitem
flores de eucaliptos transgênicos também será contaminado por material
transgênico.
Assim, ao considerar que o eucalipto transgênico possui uma
cópia do gene npt// inserida em seu DNA e que este gene codifica a enzima
neomicina fosfotransferase, que confere resistência a diversos antibióticos,
e que poderá ser também consumida quando presente no mel faz-se
necessário resgatar a definição da 3ª Conferência Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional que, para que se tenha uma alimentação adequada
e saudável, esta deve atender aos princípios da variedade, qualidade,
equilíbrio e às formas de produção ambientalmente sustentáveis, livre de
contaminantes físicos, químicos e biológicos e de organismos
geneticamente modificado. Desta feita, parte significativa dos riscos dos
organismos transgênicos ao meio ambiente e à saúde provêm de potenciais
alterações não intencionais provocadas pela inserção de genes de outros
organismos no DNA destas plantas, e que isso pode levar à produção de
moléculas que os organismos não produzem em condições naturais,
inclusive toxinas e substâncias alergênicas que podem levar a riscos não-
intencionais à saúde humana, animal e ambiental. Por derradeiro, a
utilização de tal variedade implicará em mudanças na dinâmica de
crescimento desse vegetal, abreviando o período para a condição de corte
e aumentando o seu consumo hídrico, podendo gerar um desequilíbrio
hídrico de microbacias na região onde se realizar o plantio;
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6 Conclusão
Por se tratar de uma nova tecnologia e considerando o reduzido
conhecimento científico a respeito dos riscos de OGMs, torna-se
indispensável que a liberação de plantas transgênicas para plantio e
consumo, em larga escala, seja precedida de uma análise criteriosa
de risco à saúde humana e do efeito desses produtos e serviços ao meio
ambiente, respaldadas em estudos científicos, conforme prevê a legislação
vigente. Assim, normas adequadas de biossegurança, licenciamento
ambiental, e mecanismos e instrumentos de monitoramento e
rastreabilidade são necessários para assegurar que não haverá danos à
saúde humana, animal e ao meio ambiente. Também são imprescindíveis
estudos de impacto socioeconômicos e culturais, daí a relevância da análise
da oportunidade e conveniência que uma nação deve fazer antes da adoção
de qualquer produto ou serviço decorrente da transgenia.
É neste contexto, que a maioria dos países invocam o Princípio da
Precaução, como diretriz para a tomada de decisões. Assim, quando há
razões para suspeitar de ameaças de sensível redução ou de perda de
biodiversidade ou, ainda, de riscos à saúde humana, a falta de evidências
científicas não deve ser usada como razão para postergar a tomada de
medidas preventivas. Desta forma, a adoção do Princípio da Precaução,
constitui uma alternativa concreta a ser adotada diante de tantas incertezas
científicas. Desta associação respeitosa e funcional do homem com a
natureza, surgem as ações preventivas para proteger a saúde das pessoas
e os componentes dos ecossistemas.
Referências:
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 15 dez. 2015.
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