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Carlos Gomes
canto primeiro (ou desterrados)
RecifeCarlos Gomes de Oliveira Filho
2016
03
A Jomard Muniz de Britto, Romulo Fróes, Fabiana Moraes, Bruna Rafaella Ferrer,
Eduardo Amorim, Amanda Coutinho e as gentes e cidades que circundam seus percursos.
04
Vão demolir esta casa.Mas meu quarto vai ficar
Não como forma imperfeitaNeste mundo de aparências:
Vai ficar na eternidade,Com seus livros, seus quadros,
Intacto, suspenso no ar!
Manuel Bandeira
* * *
Ó cidade faminta!Alimentando-se de letras de canções
Jomard Muniz de Britto
05
UMA MÁQUINA 07 SOBRE NÓS 08 MÃE 09
CI DADE 10 CADÁVERES 12 PAISAGEM 13
ESCURO 14 VAZIO 16 GEOGRAFIA 18 MÚSICA 19
06
canto primeiro (ou desterrados)
07
komatsu é UMA MÁQUINAkomatsu é uma grande máquina amarelakomatsu desterrou famíliaskomatsu remexeu na terrakomatsu passou por cimakomatsu atravessou o velho
komatsu destruiu o antigokomatsu inventou o novokomatsu é um senhor nervosokomatsu não escuta as vozes komatsu não compreende o chorokomatsu indenizou a todos
komatsu só quer trabalharkomatsu é como a lei da vidakomatsu não desconhece a mortekomatsu é um leão famintokomatsu é o leão do norte
de longe se vê,komatsu
08
como uma assombração que se arvora SOBRE NÓSgerônimos, verônicas, manoéis, severinasenraizados de pés e histórias da terradescobertos pelo medo que vibrasua morada de paredes frágeisna casa que sangrou primeiro espalhou sobre o chão suas vísceras de areia entulhos cor de cinza, peles cor de rubro
amputadas as pernas,os braços,as vozeschoraram gerônimos,verônicas,manoéismorreram severinas
as nossas próprias sombraçõesentulhadas no que sobrou da casaque morreu e ainda permanece, como nós,de pé ranhuras dos dedos cravam as unhas no pedaço de terra que é ilha e é chãocomo as pedras trôpegas que rolamsem ter nunca um canto de seu pra poder descansar
09
MÃE inhatá tudo escuro aquia lama derrubou a tevê da salaquebrou, mãeinhachore nãoai, pai inhoo lobo derrubou a porta e as paredes de casaquarto, sala, cozinha, banheirotá tudo espalhado em cima de mimai,inha, inhose encontrar as velas nessa bagunçaacende uma estóriatá quase escuro dentro de mim
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a CIDADE cidade cidad
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/a/ / sid´ adi/ /sid´ adi/ /sid´ a/
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aos CADÁVERESque cochilam perfumados numa ponte de ferro que quebrou ao meiocrianças lavam o sangue das que não sabem nadaruma torre de ferragens flutua no céuas fotografias dos helicópteros capturam as ferrugens que inundam as roupas brancas com uma nódoa de impossível remoção
a não ser que cavalariasa não ser que tropas removam os corposlinha reta, som coturno, estampido,perder de vistacorpo quente, mancha removida no inchaço da mulher que respira gás lacrimogênio
gira a roleta russa e vê no que dátalvez role jornal da manhã oumeio-diaeles é que sabem
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entre a PAISAGEM e o desterroa música pode ser o som de um tamboreteo que se talhao que se reconstróie se a voz contemporânea é a da vendedorada ambulanteda feirantede quem assaltade quem protesta
o escuríssimo palco caindo aos pedaços será substituído pelo novo monumento cultural no cais da cidade portuária
aos turistas que nem imaginam a cidade soterrada sob seus pésenquanto caminham na companhia dos guias e suas rotas novíssimas
novissíssimasnovississíssimasnovissississíssimasnovississississíssimasnovissississississíssimasnovississississississíssimasnovissississississississíssimasnovississississississississíssimasnovissississississississississíssimasnovississississississississississíssimasnovissississississississississississíssimasnovississississississississississississíssimasnovissississississississississississississíssimasnovississississississississississississississíssimasnovissississississississississississississississíssimasnovississississississississississississississississíssimas
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senhor do ESCURO, más notíciasas cidades com seus nervos tropeçavam sobre os homens esmagando a si mesmaspernas, sonhos, tortos filhos, casa, portostenhas medoa paisagem e o desertomovem-se por dentro
saem pela ruaencontram o palcotodos sobemfalam contra o ventomas tu, segues tropeçando sobre um jovem vagabundocê me acolhe na noite como a um cão
cantam, berram, picham, riem altovoltam todos vivos para o centromas tu, queres construir um novo mundovês como o céu está às mãos
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canções não são bênçãos quando oprimem ouvir os velhos inda me comove o solitário erra o seu caminho estou tentado a quebrar o teu coração
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que VAZIO
é esse que não queres soterrar
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GEOGRAFIA:lugar-território inaudito pás de escavar memória removem os corpos sensíveisperfurações no solo descobrem experiênciasinvisíveis, visíveis, turvas,esmaecidasa mortalha envolta com embrulhos de jornalpor mãos de escritoraspelo movimento dos barcosdeslizam as periferias,marginais,penumbrasna escritura quente de uma mulher negrapara a luz elétrica das gráficas dos bairros centrais
as histórias acordam os mortos-vivosos santos soldados enrijecem seus pausas meninas se movem entre fodas, escarros e vulvasa cavalaria desmembra estatísticas enquanto no cais do porto a carne mais barata do mercado é a carne negranegra,
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pela MÚSICA que fratura o mundocantar, cantaros ossos desmembradoscontara quinquilharia esparramada no chão, diante dos mais velhos de casas horizontais e poeirapó, pigarro, falta de arlágrima, videoteipe
a música da poesiaa poesia da músicacercados, circulações,fins do mundo, galáxias
canção descalçadapeito abertoó
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Os dez poemas presentes em canto primeiro (ou desterrados) fazem parte do livro em construção canções não.
Fotografia: Amanda Coutinho
Locais fotografados: 1. Mercado de Casa Amarela; 2. Parque das esculturas; 3. Mercado de Casa Amarela; 4. Uma das “torres gêmeas”, vista do Rio Capibaribe; 5. Centro (perto do
Mercado de São José); 6. Mercado de Casa Amarela; 7. Ponte do Pina; 8. Mercado de Casa Amarela; 9. Centro de São Paulo (SP); 10. Mercado de São José; 11. Ocupação Carlos Prestes
(SP); 12 e 13. Av. Conde da Boa Vista.
Diagramação: Carlos Gomes e Fernanda Maia
Disponível para leitura e download gratuito no site da revista Cardamomo: www.revistacardamomo.com
Fonte utilizada: Adobe Caslon Pro Regular, Itálico e Negrito.Câmera utilizada: Nikon D5200. Lente objetiva 18-55mm
GOMES, Carlos. Canto primeiro: ou desterrados. Recife: Carlos G. O. Filho, 2016.
E-book
ISBN: 978-85-919115-2-3
1. Poesia brasieira - Pernambuco. I. Título.
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Carlos GomesEscritor, pesquisador e crítico. É editor e curador dos projetos do Outros Críticos, mestre em Comunicação pela UFPE, com estudo comparado do tropicalismo e manguebeat, e autor do livro de contos corto por um atalho em terras estrangeiras (Edição do autor, 2012) e
de poesia êxodo, (CEPE, 2016). outrocarlosgomes@hotmail.com
Amanda CoutinhoPesquisadora e fotógrafa. Pesquisa sobre Política
Cultural, Produção e Gestão Cultural, Audiovisual, Fotografia documental e Mídias livres. Doutoranda em Ciências Sociais pela UNICAMP, na linha de
pesquisa Cultura e Política.praconversar@globomail.com
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