contestação - rede tv
Post on 08-Jan-2017
247 Views
Preview:
TRANSCRIPT
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 17ª VARA DA
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO.
AUTOS n.º 2006.61.00.018988-4
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO
JURÍDICA OBRIGACIONAL COM PEDIDO DE TUTELA
ANTECIPADA
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo
Procurador Regional dos Direitos do Cidadão do Estado de São
Paulo, no exercício de suas atribuições legais e constitucionais, nos
autos da Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica
Obrigacional em epígrafe, que lhe move a TV ÔMEGA LTDA, vem à
presença de Vossa Excelência apresentar CONTESTAÇÃO, nos
termos a seguir expostos:
1 1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
I – DOS FATOS
No ano de 2005, mais especificamente em 24 de
outubro, o Ministério Público Federal e entidades civis sem fins
lucrativos ingressaram com a Ação Civil Pública n.º
2005.61.00.024137-3, objetivando a retirada da programação da
autora do Programa “Tardes Quentes” e do quadro “Pegadinhas”
nele veiculado, além da apresentação, no mesmo horário, de
programas educacionais de contra-propaganda das mensagens
preconceituosas que violaram veementemente os direitos
fundamentais da pessoa humana e ofenderam a dignidade e
sexualidade alheias (fls. 37/81).
Ao apreciar o pedido formulado pelo órgão
ministerial, a MMª Juíza Rosana Ferri Vidor, da 2ª Vara Cível
Federal de São Paulo, pronunciou-se da seguinte maneira (fls.
82/87):
“Por todo o exposto, entendo, deva ser suspensa por 60
(sessenta) dias a veiculação do programa “Tardes
Quentes” e seu quadro “pegadinhas”, período em que
deverão ser apresentados programas que contenham
contra propaganda das mensagens nocivas alardeadas
pelo referido programa. Findo tal período, a apresentação
do mesmo deverá ser adequada ao conteúdo que veicula,
ou seja, deverá ser apresentado em horário onde menos
crianças e adolescentes tenham acesso sem o controle de
seus pais, o que considero ocorra a partir das 23:30
horas. Além disso, a produção do programa deverá
abster-se de incluir nos quadros personagens ou situações
que possam agredir qualquer indivíduo, fiscalização que
2 2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
caberá à União Federal, através da Secretaria de Serviços
de Comunicação Eletrônica do Ministério das
Comunicações, bem como a todos os Autores, sob pena
de suspensão, até o final da demanda e cominação de
multa a ser fixada no momento do descumprimento.”
Ocorre que, em total desrespeito à justiça
brasileira, a emissora recusou-se a permitir o ingresso dos oficiais
de justiça em suas dependências, não cumpriu a decisão no que se
referia a exibição do noticiário nacional no horário reservado ao
programa “Tardes Quentes”, não entregou o numerário necessário
à produção dos dez programas de direitos humanos e recusou-se a
exibir o programa produzido pelos Autores em estrito cumprimento
à decisão proferida por aquele juízo.
Em decorrência disso, o Ministério Público
Federal requereu a imediata interrupção da freqüência concedida à
emissora TV Ômega, pelo prazo de 48 horas, ou até que os
administradores da empresa se comprometessem, por escrito, a
exibir os programas indicados pelos Autores e a efetuar o
pagamento do numerário necessário à produção dos dez
programas determinados.
Com seu sinal de transmissão interrompido,
imediatamente a emissora procurou este Parquet Federal, a fim de
celebrar um acordo judicial visando pôr fim à Ação Civil Pública n.º
2005.61.00.24137-3, nos termos do art. 269, inciso III, do Código
de Processo Civil.
3 3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
Mencionado acordo judicial fundava-se,
literalmente, nos seguintes termos:
“Cláusula Primeira. A Ré se obriga a :
a) exibir em rede nacional (NET) 30 programas com
conteúdo de direitos humanos apresentados pelos
em formato Betacam, de Segunda a Sexta-feira,
no horário das 17às 18 horas, no período de 05
de dezembro de 2005 a 13 de janeiro de 2006;
b) se abster de exibir, durante a exibição dos
programas indicados na alínea anterior, qualquer
intervalo comercial ou campanha publicitária;
c) depositar, em conta corrente a ser indicada pelo
Autores, a título de verba de produção dos
programas referidos na alínea anterior, a
importância de R$ 200.000,00 (duzentos mil
reais), em dezesseis parcelas iguais de R$
12.500,00 (doze mil e quinhentos reais), com
vencimento nos dias 30 e 10 de cada mês, a
partir de 30 de novembro de 2005;
d) depositar, na conta-corrente do Fundo de Defesa
de Direitos Difusos, instituído pela Lei Federal n.º
7.347/85, a importância R$ 400.000,00
(quatrocentos mil reais), em vinte parcelas de R$
20.000,00 (vinte mil reais), monetariamente
corrigidas pelo índice IPCA-IBGE, com
vencimento nos dias 10.07.06, 10.08.06,
10.09.06, 10.10.06, 10.03.07, 10.04.07,
4 4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
10.05.07, 10.06.07, 10.07.07, 10.08.07,
10.09.07, 10.10.07, 10.03.08, 10.04.08,
10.05.08, 10.06.08, 10.07.08, 10.08.08,
10.09.08 e 10.10.08;
e) se abster de exibir, no quadro “Pegadinhas”
ou outro similar, ofensas a homossexuais,
afrodescendentes, mulheres, idosos, pessoas com
deficiência, indígenas, crianças e adolescentes;]
f) se abster de exibir, no quadro “Pegadinhas”
ou outro similar, ofensas ou humilhações a
pessoas comuns do povo;
g) se abster de exibir, no quadro “Pegadinhas”
ou outro similar, xingamentos ou palavras de
baixo calão;
h) se abster de exibir, no quadro “Teste de
Fidelidade” ou outro similar, mulheres sendo
“testadas” por atores do programa;
i) se abster de exibir, no quadro “Teste de
Fidelidade” ou outro similar, xingamentos e
ofensas morais ou físicas a mulheres,
homossexuais, afrodescendentes, idosos, pessoas
com deficiência, indígenas, crianças e
adolescentes;
j) CUMPRIR FILEMENTE A CLASSIFICAÇÃO
INDICATIVA REALIZADA PELO
DEPARTAMENTO DE JUSTIÇA,
CLASSIFICAÇÃO, TÍTULOS E QUALIFICAÇÃO
5 5
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
– DJCTQ, ÓRGÃO INTEGRANTE DA
SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA;
l) desistir, no prazo de 24 horas da homologação
judicial do presente acordo, do agravo de
instrumento n.º 2005.03.00.089359-2, interposto
perante o E. Tribunal Regional Federal da 3ª
Região, e distribuído ao Desembargador Carlos
Muta, e de qualquer outro recurso que impugne o
objeto da presente ação;
Parágrafo único. O atraso não superior a dois dias
úteis no depósito dos valores referidos nas alíneas
“b” e “c’ da presente cláusula não importarão na
incidência da multa prevista na cláusula terceira,
desde que a mora não se repita por mais de dois
meses consecutivos.
Cláusula Segunda. Os Autores, por seu turno, se
obrigam a:
a) entregar, na sede da emissora, no departamento
de cinema, os programas de direitos humanos
produzidos nas condições indicadas na alínea “a”
da cláusula primeira;
b) se abster de fazer, nos programas de direitos
humanos acima referidos, referências ou
comentários negativos à emissora;
c) utilizar os recursos referidos na alínea “b” da
cláusula primeira, exclusivamente na produção,
criação e edição dos programas de direitos
6 6
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
humanos acima referidos, sendo facultado à Ré
exigir, a qualquer momento, a prestação de
contas dos valores gastos;
d) requerer, após a homologação judicial do
presente acordo, a imediata e urgente revogação
da decisão que ordenou a interrupção do sinal da
emissora.
Parágrafo único: Na eventualidade da fita entregue à
emissora apresentar algum defeito de ordem técnica
que comprometa a qualidade do material a ser
exibido, a emissora deverá repetir o programa
divulgado no dia útil imediatamente anterior.
Cláusula Terceira. Na hipótese de
descumprimento de quaisquer obrigações
contidas no presente termo, haverá a
incidência de multa cominatória no valor de R$
50.000,00, por dia de descumprimento, sem
prejuízo da execução judicial da obrigação
inadimplida;
Cláusula Quarta. O presente termo produzirá seus
regulares efeitos a partir da homologação pelo juízo,
e constitui, para todos os fins, título executivo
judicial, nos termo do art. 584, inciso III, do Código
de Processo Civil.
Parágrafo único: a celebração do presente acordo
não importa em reconhecimento do pedido pela Ré
da ação.
7 7
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
Cláusula Quinta. Os Autores desistem
expressamente da ação em relação aos réus João
Ferreira Filho e União, não se aplicando o § 4º do
art. 267 do Código de Processo Civil, porque ainda
não decorrido o prazo para a resposta, não
importando, a desistência, de forma alguma, em
renúncia ao direito em relação aos dois réus acima
indicados.
Uma vez homologado judicialmente, o acordo
extinguiu a Ação Civil Pública n.º 2005.61.00.24137-3, com
julgamento de mérito, nos termos do art. 269, inciso III, do Código
de Processo Civil.
II – DAS PRELIMINARES
II.I – DA COISA JULGADA
Ao lado do ato jurídico perfeito e do direito
adquirido, a coisa julgada material constitui uma importantíssima
garantia dos indivíduos, prevista no art. 5º, XXXVI, da nossa
Constituição da República.
Conforme dispõe o art. 467 do Código de
Processo Civil, denomina-se coisa julgada material a eficácia que
torna imutável e indiscutível a sentença. Opera-se esse fenômeno
processual no momento em não mais couber recurso contra o ato
decisório final do processo, instituindo-se entre as partes, e em
relação ao litígio que foi julgado, uma situação, ou estado, de
8 8
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
absoluta firmeza quanto aos direitos e obrigações que os
envolvam.1
Quando as partes transigem durante a
tramitação do processo, este é extinto com resolução de mérito,
nos termos do art. 269, III, do CPC, surgindo, como conseqüência,
a coisa julgada. Como bem salientam Nelson Nery Junior e Rosa
Maria Andrade Nery2, somente as sentenças de mérito proferidas
com fundamento no art. 269 do CPC são acobertadas pela
autoridade de coisa julgada, sendo terminantemente vedada a
rediscussão da lide, nada mais havendo para as partes debaterem
em juízo.
Explicam ainda citados autores que “quando as
partes celebram transação, dá-se a extinção do processo com
julgamento de mérito, fazendo coisa julgada, ainda que a
sentença apenas homologue a transação.” 3
Maria Helena Diniz também corrobora com tal
entendimento: “A transação judicial homologada produz
efeito de coisa julgada, extinguindo a controvérsia e
extinguindo direitos. Tem razão Huc, ao reduzir o valor da
transação ao efeito da coisa julgada com exceção. Trata-se
da “exceptio litis per transationem finitae”, equivalente à
“exceptio res judicatae”. Assim como a autoridade de um
julgamento consiste na incontestabilidade da matéria, por
1 Cândido Dinamarco, Instituições de direito processual civil, v. 3, n.º 955, p. 301.2 Código de Processo Civil Comentado. 4ª Edição revista e ampliada. Editora Revista dos Tribunais - p. 915/916.3 Código de Processo Civil Comentado. 4ª Edição revista e ampliada. Editora Revista dos Tribunais - p. 741.
9 9
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
ele definida, não mais podendo ser contestada em juízo
pelas mesmas partes, a transação também, ensina-nos
Serpa Lopes, põe fim ao litígio, impedindo que ele renasça
por meio de um exceção idêntica à da res judicatae”4 Mais
adiante, continua: “Como é meio indireto de extinção da obrigação,
produz os seguintes efeitos extintivos: (...) b) equiparação à
coisa julgada, pois, a transação judicial homologada produz
entre as partes o efeito de coisa julgada (RT, 404:143,
486:63, 411:160, 453:112). Trata-se da exceptio litis per
transactionem finitae, que equivale à exceptio rei
judicatae”.5
Nesse mesmo sentido, podemos citar a seguinte
jurisprudência:
“Ementa. Direito Civil e Econômico. Recurso
Especial. Aplicação em fundos de investimento.
Prejuízos. Risco. Transação. Interpretação. Coisa
julgada. Negativa de prestação jurisdicional.
Inocorrência. Inexiste omissão, contradição ou
obscuridade a serem supridas em acórdão que
aprecia e decide todas as questões postas a desate,
de modo fundamentado.
(...)
4 Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro – 2º Volume – Teoria Geral das Obrigações – 16. Ed. – p. 315.5 Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro – 2º Volume – Teoria Geral das Obrigações – 16. Ed. – p. 318.
10 1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
A transação pressupõe concessões mútuas dos
interessados e produz entre as partes o efeito
de coisa julgada. Recursos especiais providos.”6
Sendo assim, é inquestionável que a sentença
que homologou os termos daquele acordo está protegida pela coisa
julgada, não mais podendo ser rediscutida na presente lide.
Conforme previa o próprio acordo, com a
homologação judicial, extinguir-se-ia o processo, com julgamento
de mérito, nos termos do art. 269, inciso III, do CPC (fls. 92/93).
Uma vez homologado (fls. 92), se a Rede TV! quisesse impugná-lo,
poderia fazê-lo por meio do recurso de Apelação: “Da sentença
que homologa transação cabe apelação7; da decisão que
denega, é cabível o agravo, porque o processo não se
extingue.” 8
Mas a emissora preferiu ficar silente, e nada
impugnar, porque, em primeiro lugar, quando de sua assinatura,
concordou inteiramente com seus termos9; em segundo lugar,
6 STJ - Resp 556488 - Processo: 200300991470 UF: RJ Órgão Julgador: 3ª Turma. Data Da Decisão: 16/09/2004 Documento: STJ000582753 - Fonte DJ DATA: 06/12/2004 – P.289 Relatora: NANCY ANDRIGHI.7 STJ – 2ª Turma, Resp 13.478-0-SP, rel. Ministro José de Jesus Filho, j. 3.6.92, deram provimento, v.u. DJU 3.8.92, p. 11.277).8 Theotônio Negrão, Código de Processo Civil e legislação em vigor, Ed. Saraiva, 34ª edição, p.347.9 Como impugnar, Excelência, a homologação de um Termo de Acordo Judicial que a própria ré, juntamente como o Ministério Público Federal, requereu? Seria um absurdo lógico jurídico que não mereceria guarida processual. Houve concessões mútuas, um negócio jurídico celebrado entre as partes, e não mera imposição de obrigações à emissora! Ademais, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, “ se o negócio jurídico da transação já se encontra concluído entre as partes, impossível é a qualquer delas o arrependimento unilateral” (STJ – 2ª Turma – Santa Catarina - Resp. 867511 – Processo 200601516866 – 2ª Turma – SC. Data da decisão – 26/09/2006. DJ Data:10/10/2006 - p. 306 – Relator – Humberto Martins.
11 1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
percebeu que seria muito mais vantajoso assiná-lo a arcar com as
determinações judiciais que lhe foram impostas naquela ação,
dentre elas, a lacração de seus transmissores por meio da ANATEL.
Mas ainda que estivesse inconformada com a
sentença homologatória daquele acordo bilateral, em especial com
a cláusula primeira, alínea “j”, deveria tê-la impugnado por meio
do recurso cabível. Contudo, como não o fez, houve o trânsito em
julgado daquela decisão, gerando, por conseqüência, a coisa
julgada material. E agora, em total inobservância aos ditames
legais e constitucionais, vem à juízo deduzindo pretensão que já foi
acobertada pela auctoritas rei judicatae.
O entendimento jurisprudencial a seguir
corrobora com nosso entender:
“ACÓRDÃO QUE NEGOU AS CONSEQÜÊNCIAS
JURÍDICAS DA TRANSAÇÃO, POSSIBILITANDO
A REVISÃO DAQUILO QUE FORA POR ELA
ABRANGIDO E QUE JÁ PRODUZIRA PARA AS
PARTES O EFEITO DA COISA JULGADA. OFENSA
AO ART. 1030 DO CC PERFEITAMENTE
CARACTERIZADA” 10
E, consoante determina o art. 301, VI, do
Código Processual Civil, antes de discutir o mérito, cabe ao réu
deduzir a coisa julgada, que, se acolhida, acarretará a extinção do
processo sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, V, do
mesmo diploma legal.10 RSTJ 97/198 – Salienta-se aqui que mencionado artigo refere-se ao Código Civil de 1916, ora substituído pelo novel Código Civil de 2002.
12 1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
Com relação ao assunto, manifestam-se Nelson
Nery e Rosa Maria Andrade Nery:
“Coisa Julgada. Proferida sentença, que tenha
efetivamente julgado o mérito, de que já não caiba
mais recurso, ocorre a coisa julgada material
(auctoritas rei judicatae). Destarte, não pode a lide
já julgada ser novamente submetida ao exame do
Poder Judiciário. Cabe ao réu alegar a preliminar de
coisa julgada que, se acolhida, acarretará a extinção
do processo sem julgamento de mérito (CPC 267
V)”11
Ante o exposto, o Ministério Público Federal
requer a extinção do processo sem julgamento de mérito, nos
termos do art. 267, inciso V, do Código de Processo Civil.
II.II – DA FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL
Consoante determina o art. 267, inciso VI, do
Código de Processo Civil, extingue-se o processo sem julgamento
de mérito quando concorrer qualquer das condições da ação, como
a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse
processual.
Nos dizeres de Antônio Carlos de Araújo Cintra,
Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, o interesse de
agir configura-se quando a prestação jurisdicional solicitada seja
necessária e adequada. A necessidade repousa na
11 Código de Processo Civil Comentado. 4ª Edição revista e ampliada. Editora Revista dos Tribunais - p. 794.
13 1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
impossibilidade de obter a satisfação do alegado direito sem a
intercessão do Estado. Adequação é a relação existente entre a
situação lamentada pelo autor ao vir a juízo e o provimento
jurisdicional concretamente solicitado.12
Segundo Nelson Nery, “existe interesse
processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para
alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela possa lhe
trazer alguma utilidade do ponto de vista prático. Movendo a
ação errada ou utilizando-se do procedimento incorreto, o
provimento jurisdicional não lhe será útil, razão pela qual a
inadequação procedimental acarreta a inexistência de
interesse processual.” 13
Pois bem. A jurisprudência, em tom uníssono,
entende que a sentença que homologa a transação somente pode
ser desconstituída pela via recursal ou por ação anulatória. Sendo
assim, é patente que a peticionária utilizou-se do meio processual
inadequado. Vejamos:
● Ementa. Ação objetivando a anulação de transação
homologada judicialmente. Aplicação do art. 486 do
código de processo civil. Não vinga a alegação de
afronta aos arts. 269, inc. III e 485, inc. VIII, do
invocado diploma. A sentença simplesmente
homologatória de transação, apenas formaliza o ato
resultante da vontade das partes. Na espécie, a ação
12 Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria Geral do Processo, Ed. Malheiros, 17ª Edoção, p. 259.13 Código de Processo Civil Comentado. 4ª Edição revista e ampliada. Editora Revista dos Tribunais - p. 730. Grifos nossos.
14 1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
não é contra a sentença, que se restringe a
homologação, em que não há um conteúdo decisório
próprio do juiz.
Insurge-se a autora contra o que foi objeto da
manifestação de vontade das partes, a própria
transação, alegando vício de coação.
Quando a sentença não aprecia o mérito do negócio
jurídico de direito material, é simplesmente
homologatória, não ensejando a ação rescisória. A
AÇÃO PARA DESCONSTITUIR-SE A TRANSAÇÃO
HOMOLOGADA É A COMUM, DE NULIDADE OU
ANULATÓRIA ( art. 486 do código proc. civil) .14
● ACORDO HOMOLOGADO NOS AUTOS DO
PROCESSO SOMENTE PODERÁ SER
DESCONSTITUÍDO PELA VIA RECURSAL OU POR
AÇAO ANULATÓRIA, E NÃO PELA VIA
MANDAMENTAL” 15
● DA SENTENÇA QUE HOMOLOGA A TRANSAÇÃO
CABE APELAÇÃO. 16
● A ANULAÇÃO DA TRANSAÇÃO PODE SER
POSTULADA NO MESMO PROCESSO E
MEDIANTE APELAÇÃO CONTRA A SENTENÇA
HOMOLOGATÓRIA.17
14 STF - Recurso Extraordinário - Processo: 101303 UF: SP – São Paulo - Fonte DJ 28-02-1986 – pp. -02350 – relator: Djaci Falcão.15 STL – 4ª Turma – RMS 303-RJ – Relator Ministro Athos Carneiro, j. 5.3.91, DJU 8.4.91, p. 3.889. 16 STJ – 2ª Turma – Resp. 13.478-0-SP. Rel. Min. José de Jesus Filho. J. 3.6.92. DJU 3.8.92, p. 11.277.17 RTJ 81/987, RSTJ 139/286, RT 508/283.
15 1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
Como foi dito alhures, o interesse de agir
consubstancia-se quando o provimento utilizado pelo autor é apto
a corrigir o mal de que se queixa. Se doutrina e jurisprudência
entendem que o meio processual apto a impugnar transação
homologada judicialmente é a apelação ou a ação anulatória, como
dizer Excelência, que a peticionária tem interesse de agir ao propor
uma “ação declaratória de inexistência de relação jurídica
obrigacional”?
Fica claro que a autora incorre em erro
grosseiro ao pleitear um provimento jurisdicional no sentido de
declarar a inexistência de vínculo obrigacional decorrente de um
acordo judicial celebrado entre ela e o Ministério Público Federal no
bojo de uma Ação Civil Pública.
Poderia a Rede TV! transacionar judicialmente e,
arrependendo-se depois das obrigações assumidas, pleitear a
declaração de inexistência das mesmas?
Mutatis mutandis, seria o mesmo que dizer que
a sentença que homologa um acordo poderia a qualquer tempo ser
desconstituída por meio de uma ação declaratória, o que
desrespeitaria, perfunctoriamente, a autoridade da coisa julgada,
dentre outros institutos protetivos do processo civil.
Fica clara a intenção da autora: ao perceber que
a obrigação assumida na cláusula primeira, alínea ”j”, impôs-lhe o
dever de respeitar fielmente a classificação etária de toda sua
16 1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
programação, inclusive do programa Pânico, pretendeu
desconstituir seus efeitos por meio de uma ação declaratória.
Mas como explicam Rosa Maria Andrade Nery e
Nelson Nery Junior, “a sentença homologatória de transação
pode ser impugnada por recurso de apelação ou por ação
rescisória (CPC 485), quando o vício for da própria
sentença. Quando se pretende atacar a transação, negócio
jurídico celebrado entre as partes, a ação não é a rescisória,
mas a anulatória do CPC 486”.
Assim, a autora utiliza-se do Poder Judiciário de
forma absolutamente inadequada, haja vista que caso quisesse
insurgir-se contra a transação, deveria ter se utilizado do recurso
de apelação ou da ação anulatória.18 Contudo, sem meios judiciais
que amparassem sua pretensão, ingressou, sem qualquer
embasamento legal, com a presente ação declaratória, o que lhe
acarreta absoluta falta de interesse de agir.
Ante o exposto, o Ministério Público Federal
requer a extinção do processo sem julgamento de mérito, com
fundamento no art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, por
estar ausente o interesse de agir da autora.
III – DO MÉRITO
18 Salienta-se que a ação anulatória só se justificaria caso houvesse algum vício de consentimento quando da celebração do acordo, o que é incogitável no caso em testilha (“Embora inadmissível a desistência unilateral da transação, é possível atacá-la mediante comprovação de vício de vontade” – RT 614/126, p. 127, “in fine”).
17 1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
Em que pese as preliminares anteriormente
argüidas, caso Vossa Excelência não as acolha, passo a examinar o
mérito.
Primeiramente, alega a REDE TV! que o acordo
visou a solução de uma ação civil pública que, como causa de
pedir, enfocava especificamente dois programas: “Tardes Quentes”
e “Eu vi na TV”. Assim, todas as obrigações assumidas
relacionavam-se somente àqueles dois programas.
Contudo, ao contrário do que assevera, fica claro
que nem todas a obrigações estipuladas no Acordo Judicial são
relacionadas especifica e diretamente com a causa de pedir e com
o pedido constante da Ação Civil Pública, ou seja, com os dois
programas.
Isso porque, quando se quis fazer referência
específica ao programas “Tardes Quentes” e “Eu vi na TV” (e seus
quadros “Pegadinhas” e “Teste de Fidelidade”), houve expressa
disposição, como se percebe da simples leitura das alíneas “e”, “f”,
“g”, “h” e “i”, da cláusula primeira, do Termo de Acordo Judicial ora
impugnado.
Assim, se as partes não restringiram
expressamente a aplicação do disposto na alínea “j”, da cláusula
primeira, a determinados programas, é porque quiseram estendê-
lo à toda a programação. Se assim não fosse, a redação seria a
seguinte:
18 1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
“cumprir fielmente a classificação indicativa realizada
pelo Departamento de Justiça, Classificação, Títulos
e Qualificação – DJCTQ, órgão integrante da
Secretaria Nacional de Justiça, com relação aos
Programas “Tardes Quentes” e “Eu vi na TV”
Mas não! O Ministério Público Federal preferiu
inserir uma alínea que abrangesse toda a programação da Ré,
buscando resguardar, com isso, o mesmo direito metaindividual
que o levou a ingressar com aquela demanda.
Ademais, é entendimento jurisprudencial e
doutrinário pacificado que a transação homologada judicialmente
não se limita à causa de pedir e ao pedido da ação principal, sendo
que as partes podem acordar livremente, por meio de concessões
recíprocas, que não se restringem à demanda inicial.
Vejamos:
● “A TRANSAÇÃO NÃO ESTÁ ADSTRITA AOS
LIMITES DA AÇÃO” 19
● “Por isso, concluída e homologada a
transação, nenhum dos transatores pode
alegar que concedeu mais do que devia, ou
menos do que lhe tocava. É uma solução
contratual da lide com efeito de semplice
accertamenti, como diz Carnelutti, ou seja, uma
mera eficácia declarativa. O acordo firmado em
juízo pelos litigantes, homologado
19 Lex-JTA 151/490.
19 1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
judicialmente, é, concomtantemente,
contratual e processual. A transação judicial
tem conteúdo de direito material, por
estabelecer NOVA SITUAÇÃO JURÍDICA entre
os tansatores e só é processual o seu efeito de
pôr termo ao processo. Com o trânsito em
julgado da decisão homologatória, acaba a
litispendência e quaisquer efeitos do que foi
objeto da transação. A sentença homologatória
nada resolve, o negócio da transação é que lhe
faz o fundo. A homologação apenas dá à
transação o efeito extintivo da relação jurídico-
processual. Tanto isso é verdade que, se
houver rescisão da sentença homologatória, o
processo continua, mas a transação não é
considerada inválida, pois o direito material a
considera perfeita e válida. A homologação
apenas irradia a eficácia processual.”20
Cumpre, a essa altura, definir o termo
transação, que Segundo Serpa Lopes, “é um negócio jurídico
bilateral pelo qual as partes interessadas, fazendo-se concessões
mútuas, previnem ou extinguem obrigações litigiosas ou
duvidosas.”21 Trata-se de um instituto sui generis, por consistir
numa modalidade especial de negócio jurídico bilateral, que se
aproxima do contrato22, na sua constituição, e do pagamento, nos
seus efeitos, por ser causa extintiva de obrigações, possuindo
20 Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro – 2º Volume – Teoria Geral das Obrigações – 16. Ed. – p. 315.21 Serpa Lopes. Curso de Direito Civil. 4. Ed. Freitas Bastos, 1966. V.2. p. 291.22 RT, 277:266; RF, 117:407
20 2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
dupla natureza jurídica: a de negócio jurídico bilateral e a de
pagamento indireto.23
Tendo isso em vista, é inquestionável que,
sendo negócio jurídico bilateral, podem as partes transacionar
livremente, sem qualquer obrigatoriedade de vinculação à lide no
bojo da qual a transação é celebrada.
E, embora o cumprimento da classificação
indicativa não constasse expressamente como pedido ou causa de
pedir da Ação Civil Pública n.º 2005.61.00.24137-3, a inserção de
cláusula que obriga a autora a cumpri-la fielmente não fugiu à
natureza do interesse objetivado naquela.
Como bem explica Rodolfo de Camargo
Mancuso24, no que concerne às ofensas aos interesses
metaindividuais, deve prevalecer o critério finalístico, que informa
o binômio instrumentalidade – efetividade dos procedimentos,
sinalizando ser preferível uma solução negociada, que se mostre
idônea e eficaz para resolver o conflito gerado pela lesão ao
interesse indigitado, do que uma obstinada busca pela solução
judicial.
Sendo assim, é pacífico que houve uma forma
de autocomposição da lide, em que a autora da presente ação
concordou com todos os termos do Acordo Judicial.
23 Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro – 2º Volume – Teoria Geral das Obrigações – 16. Ed. – p. 317.24 Ação Civil Pública. Em defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio Cultural e dos Consumidores. Lei 7.347/85 e legislação complementar. 7ª edição revista e atualizada. Editora Revista dos Tribunais, p. 236.
21 2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
Agora, como forma de furtar-se ao cumprimento
da classificação etária exarada pelo Ministério da Justiça com
relação aos demais programas de sua grade, inclusive o Programa
Pânico, vem à juízo pretendendo que se declare que a obrigação
constante na alínea “j”, da cláusula primeira, do Termo de Acordo
Judicial, refere-se unicamente aos programas “TARDES QUENTES”
E “EU VI NA TV!”, o que é absolutamente fora de propósito. Como
demonstrado pelo Ministério Público Federal, os argumentos
jurídicos trazidos pela autora e os meios utilizados para tanto são
demasiadamente fracos e não encontram respaldo algum em nosso
ordenamento jurídico.
Passemos ao próximo argumento aduzido pela
autora: ao expor as razões jurídicas para a procedência da
presente demanda judicial, a peticionária cita inicialmente a Lei
Complementar n.º 95/98, asseverando que “para a obtenção de
uma ordem lógica e um raciocínio coerente, cada artigo de lei ou
cláusula contratual deve restringir, apenas, um assunto ou
princípio; os parágrafos devem expressar aspectos
complementares à norma enunciada no artigo ou na cláusula,
assim como as exceções à regra por ele estabelecida; e os incisos,
alíneas e itens devem indicar enumerações e discriminações.”25
Pois bem. Insta aqui salientar, em primeiro
lugar, que mencionada Lei Complementar não se aplica aos
contratos, haja vista que logo em seu artigo primeiro preceitua o
quanto segue:
25 Fls. 11/12.
22 2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
“Art. 1º. A elaboração, a redação, a alteração e a
consolidação das leis obedecerão ao disposto nesta
Lei Complementar.
Parágrafo único. As disposições desta Lei
Complementar aplicam-se, ainda, às medidas
provisórias e demais atos normativos referidos
no art. 59 da Constituição Federal, bem como,
no que couber, aos decretos e aos demais atos
de regulamentação expedidos pelo Poder
Executivo.” 26
Presume-se inicialmente que é de conhecimento
de todos os operadores do direito que contratos não são atos
normativos. Ademais, ainda que disso não se tivesse ciência, o
artigo 59 da Constituição da República é expresso.
Contudo, mesmo que tal norma se aplicasse aos
contratos, como afirma a autora, o Ministério Público Federal fez
exatamente o que aquela preceitua: “os incisos, alíneas e itens
devem indicar enumerações e discriminações”.
Como dizer, Excelência, que este Parquet
Federal não detalhou as alíneas da cláusula primeira? Vejamos:
“Cláusula Primeira. A Ré se obriga a :
e) se abster de exibir, no quadro “Pegadinhas”
ou outro similar, ofensas a homossexuais,
afrodescendentes, mulheres, idosos, pessoas com
deficiência, indígenas, crianças e adolescentes;]
26 Grifos nossos.
23 2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
f) se abster de exibir, no quadro “Pegadinhas”
ou outro similar, ofensas ou humilhações a
pessoas comuns do povo;
g) se abster de exibir, no quadro “Pegadinhas”
ou outro similar, xingamentos ou palavras de
baixo calão;
h) se abster de exibir, no quadro “Teste de
Fidelidade” ou outro similar, mulheres sendo
“testadas” por atores do programa;
i) se abster de exibir, no quadro “Teste de
Fidelidade” ou outro similar, xingamentos e
ofensas morais ou físicas a mulheres,
homossexuais, afrodescendentes, idosos, pessoas
com deficiência, indígenas, crianças e
adolescentes;
j) CUMPRIR FILEMENTE A CLASSIFICAÇÃO
INDICATIVA REALIZADA PELO
DEPARTAMENTO DE JUSTIÇA,
CLASSIFICAÇÃO, TÍTULOS E QUALIFICAÇÃO
– DJCTQ, ÓRGÃO INTEGRANTE DA
SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA;
Cláusula Terceira. Na hipótese de
descumprimento de quaisquer obrigações
contidas no presente termo, haverá a
incidência de multa cominatória no valor de R$
50.000,00, por dia de descumprimento, sem
24 2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
prejuízo da execução judicial da obrigação
inadimplida;
Sendo assim, parece claro a este órgão
ministerial que não restam dúvidas no que tange à interpretação
da alínea “j”, da cláusula primeira, do Termo de Acordo Judicial,
haja vista que quando quis especificar e detalhar a quais
programas se referiam as cláusulas, o fez expressamente.
Passemos à próxima tese aventada pela
peticionária. Aduz que caso houvesse uma cláusula no Termo de
Acordo Judicial que estabelecesse o cumprimento obrigatório da
classificação etária para toda sua programação, estar-se-ia inibindo
sua liberdade de pensamento, criação e expressão artística, in
verbis:
“(...) esse ajuste seria inadmissível e
inconstitucional, vez que configuraria notória censura
impor-se uma classificação vinculante à toda
programação da autora. A cláusula contratual estaria
estabelecendo uma situação que a própria
Constituição da República proibiu: qual seja, a
observância com caráter de obrigatoriedade da
orientação da classificação etária os programas,
fornecida pelo DLCTQ do MJ. Essa possibilidade
configuraria negação do estado democrático de
direito. As manifestações do pensamento, a criação,
a expressão artística e a informação são livres,
25 2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
especialmente em jornais, revistas, rádio e televisão
(art. 5º, IX e 220, da CF)” 27
Em primeiro lugar, insta ressaltar que a
classificação dos programas televisivos, bem como a vedação da
exibição de determinados programas em horários normalmente
assistidos por crianças e adolescentes em plena formação física,
moral e social, não configura censura, já que não é proibida a
exibição do programa, mas indicado o horário adequado para sua
veiculação.
Doutra banda, há que se ter em mente que o
cumprimento da classificação etária não representa qualquer
embaraço à liberdade de expressão da autora, visto que a
aplicação da cláusula primeira, alínea “j”, não importa em exclusão
de nenhum programa de sua grade de programação. Os programas
continuarão sendo veiculados no horário adequado.
Ademais, a tese aventada pela peticionária no
sentido de que a aplicação da cláusula configuraria ato violador do
disposto no art. 220 da Constituição da República, haja vista que
imporia ao Programa “Pânico na TV” a observância obrigatória de
classificação etária que a lei determina seja meramente indicativa,
é deverasmente débil.
Como podemos extrair do artigo 21, inciso XVI,
da CR, o constituinte atribuiu à União a competência para exercer a
classificação indicativa da programação de rádio e televisão.
27 Fls. 13.
26 2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
O Ministério da Justiça, órgão da Administração
Pública Direta, por meio do Decreto 4.720/2003, recebeu a
delegação de exercer a classificação sobre a qual dispõe o artigo
constitucional, fazendo-o por meio do Departamento de Justiça,
Classificação, Títulos e Qualificação, que, para dar cumprimento a
esta tarefa, emite Portarias.
Tendo isso em vista, quando da entrada em
vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, aquele órgão editou
a Portaria n.º 796/00, na qual traçou os critérios para classificar
por horário e idade a programação de rádio e televisão:
“Art. 2º. Os programas para emissão de televisão,
inclusive “traillers”, têm a seguinte classificação,
sendo-lhes terminantemente vedada a exibição
em horário diverso do permitido 28:
I – veiculação em qualquer horário: livre;
II – programa não recomendado para menores de
doze anos: inadequado para antes das vinte horas;
III – programa não recomendado para menores de
quatorze anos: inadequado para antes das vintes e
duas horas;
V – programa não recomendado para menores de
dezoito anos: inadequado para antes das vintes e
três horas.
28 Grifos nossos.
27 2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
Parágrafo único. Os programas de indução de sexo,
tais como “tele-sexo” e outros afins, somente
poderão ser veiculados entre zero hora e cinco
horas.”
Diante disso, é de fácil e notória conclusão que
ao se desrespeitar a classificação exarada pelo Ministério da
Justiça, infringe-se, de fato, dispositivos insertos na Carta Magna, o
que implica em agressão ao telespectador, em especial as crianças
e adolescentes.
Todavia, como se pode perceber, a autora da
presente demanda almeja uma tutela jurisdicional que a justifique
futuramente caso descumpra a classificação etária. Na realidade,
seu único intento, ao desviar-se da multa, é justamente não
observar a classificação exarada pelo Ministério da Justiça e
está se valendo do Poder Judiciário para fundamentar seu
desrespeito à própria Constituição da República. De uma simples
leitura da própria petição inicial, nota-se que a REDETV! pretende
desobedecer a classificação etária feita pelo MJ, sustentando que a
classificação é meramente indicativa, pretensão essa que não
merece prosperar.
Salienta-se aqui que o Estatuto da Criança e do
Adolescente, em seu artigo 254, penaliza a conduta adotada pela
concessionária que não respeitar a classificação indicativa imposta
pelo Ministério da Justiça:
28 2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
Art.254. Transmitir, através de rádio ou
televisão, espetáculo em horário diverso do
autorizado ou sem aviso de sua classificação:
Pena – multa de vinte a cem salários de
referência; duplicada em caso de reincidência a
autoridade judiciária poderá determinar a
suspensão da programação da emissora por até
dois dias.
Ao comentar mencionado artigo, José Luiz
Mônaco da Silva assim disserta:
“Segue-se, pois, que a ilicitude da conduta repousa
na transmissão, através do rádio ou televisão, de
espetáculo: a) em horário diverso do autorizado
no certificado de classificação; b) sem aviso de
sua classificação. Na primeira hipótese, a emissora
transmite espetáculo em desacordo com o certificado
de classificação emitido; tal programação, veiculada
naquele horário, é completamente inadequada ao
público infantil ou juvenil. Já na segunda hipótese, o
espetáculo, ainda que adequado a esse público,
ressente-se de prévio anúncio atinente à sua
classificação.”29
Destarte, Excelência, como dizer que a
classificação etária é meramente indicativa se o seu
descumprimento é causa de imposição de multa? Trata-se de
29 José Luiz Mônaco da Silva, Estatuto da Criança e do Adolescente – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 427.
29 2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
conduta ilícita que merece ser expurgada de nosso cotidiano, o que
não caracteriza, de forma alguma, qualquer tipo de censura.
Nesse sentido, têm decidido nossos Tribunais:
“RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS
ARTS. 535, II; 458, II E 131, TODOS DO CPC. NÃO-
OCORRÊNCIA DE CONEXÃO. TRANSMISSÃO DE
FILME EM HORÁRIO IMPRÓPRIO, SEGUNDO
PORTARIA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA.
LEGITIMIDADE ATIVA DA RETRANSMISSORA.
REVISÃO DO VALOR DA MULTA. INCIDÊNCIA DA
SÚMULA 07/STJ.
(...)
Dessa forma, como bem registrou o Ministério
Público Federal, "não há nenhuma impropriedade em
responsabilizar a recorrente pela transmissão de
filme, ainda que a geração das imagens tenham
emanado da TVSBT, Canal 4, de São Paulo" (fl. 196).
Mais a mais, o artigo 254 do Estatuto da
Criança e do Adolescente prevê como infração
administrativa o ato de "transmitir, através de
rádio ou televisão, espetáculo em horário
diverso do autorizado ou sem aviso de sua
classificação". Dessarte, a recorrente, que
transmitiu, "fora do horário recomendado para o
público infanto-juvenil, o filme 'Os Últimos Durões',
sem qualquer finalidade educativa, artística, cultural
ou informativa" (fls. 74), é parte legítima para
30 3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
figurar no pólo passivo da presente ação,
independentemente da geração das imagens ter sido
efetuada por outra empresa.
Saliente-se, outrossim, que in casu não tem
aplicação o artigo 149 do ECA, que cuida de Portaria
do Juízo da Infância e da Juventude, pois a Portaria
mencionada nos autos é do Ministério da Justiça,
órgão competente para regulamentar as diversões e
espetáculos públicos.
Por fim, no que toca à pena prevista para a
mencionada infração, dispõe o artigo 254 do ECA
que será de "multa de vinte a cem salários de
referência". Verifica-se, pois, que a instância
ordinária fixou a multa nos termos da legislação
aplicável à espécie, uma vez que condenou a
recorrente ao pagamento de noventa salários
mínimos. Reduzir o valor da pena demandaria o
reexame de matéria fático-probatória, o que é
inviável nesta instância extraordinária, a teor do que
dispõe a Súmula 07 desta Corte. Recurso especial
improvido.” 30
E como bem explicam Anderson de Oliveira
Alarcon e Humberto Quirino, “não seria nem razoável nem
inteligente pregar a censura ou qualquer medida que tenha
essa conotação. As famílias e a sociedade têm, no entanto, o
30 STJ - Superior Tribunal De Justiça - Resp - Recurso Especial – 649292 - Processo: 200400413659 - RJ - Órgão Julgador: Segunda Turma - Data Da Decisão: 21/06/2005 Documento: Stj000630887 Fonte DJ Data:22/08/2005 Página:215 Relator Franciulli Netto.
31 3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
direito de exigir sistemas de controle que evitem distorções de
conteúdo e inadequações nos horários de transmissão.” 31
Abrindo um parênteses, impende, a essa altura,
transcrever valiosos trechos do artigo "Ação Civil Pública e
Programação da TV", do brilhante Professor JOSÉ CARLOS
BARBOSA MOREIRA, o qual serve de fundamento à presente
demanda, no que diz respeito à impossibilidade de se argumentar
que eventual aplicação da cláusula ora impugnada caracterizaria
censura aos meios de comunicação:
"Se é certo, como se mostrou acima, que encontra
lugar entre os interesses difusos o dirigido à
observância, pelas emissoras de televisão, dos
preceitos constantes do art. 221 da Lei Maior, segue-
se, em lógica elementar, que a ação civil pública,
disciplinada na Lei 7.347, é instrumento adequado à
vindicação de semelhante interesse em juízo. Ela
constitui, sem discussão possível, um dos "meios
legais” que, de acordo com o art. 220, § 3o, n. III,
devem garantir "à pessoa e à família que contrariem
o disposto no art. 221"; isto é: que não dêem a
indispensável preeminência a "finalidades
educativas, artísticas, culturais e informativas", ou
que não respeitem os "valores éticos e sociais da
pessoa e da família" – para só nos referirmos aos
princípios (que aqui mais nos instruem) dos incs. I e
IV.
31 Anderson de Oliveira Alarcon; Humberto Quirino. Programação Televisiva para Crianças e Adolescentes: limites e possibilidades de controle – Maringá, PR : [s.n.], 2003, p. 74.
32 3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
(...)
A Lei 7.347, em seu art. 3o, aduz que: "A ação civil
poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer".
Significa isso que, procedente o pedido, tem o órgão
judicial a possibilidade de proibir a exibição do
programa incompatível com a Constituição, e bem
assim, em termos gerais, a de impor à emissora que
adapte sua programação às diretrizes do art. 221.
Atente-se, ao propósito, no art. 11 da Lei 7.347: "Na
ação que tenha por objeto o cumprimento da
prestação da atividade devida ou a cessação da
atividade nociva, sob pena de execução específica,
ou de cominação de multa diária, se esta for
suficiente ou compatível, independentemente de
requerimento do autor" (cf. o art. 213 e seu § 2 o do
Estatuto da Criança e do Adolescente).
(...)
Ademais, por força da remissão do art. 21 do Titulo
III do Código de Defesa do Consumidor, incidem as
disposições do respectivo art. 84, de resto
incorporadas recentemente ao Código de Processo
Civil: pode o juiz, por exemplo, aplicar multa à
emissora, ou determinar medidas como busca e
apreensão ou impedimento da atividade nociva,
inclusive mediante requisição de força policial (Lei
8.078, art. 84, §§ 4o e 5o).
(...)
33 3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
No assunto de que se trata, porém, a questão está
resolvida a priori pela Constituição mesma, que, bem
ou mal, optou, e cuja opção é vinculativa para a
comunidade nacional. À vista do art. 221, há um tipo
de interesse difuso julgado merecedor de tutela
jurídica, à qual não pode aspirar, de seu lado, o
interesse que se lhe contrapõe. Quem quiser dar
pasto ao sadismo, ao voyeurismo ou à pura e
simples "grossura" dispõe naturalmente da
possibilidade de recorrer, dentro de certos limites, a
outros meios, que não é este o lugar próprio para
relacionar; não tem como exigir, todavia, que o
satisfaçam por intermédio da telinha. Seria absurdo
que o ordenamento jurídico viesse a proteger,
de alguma forma, pretensão avessa aos seus
próprios ditames.
(...)
A outra objeção previsível usará como ponto de
apoio a disposição constitucional que veda
"toda e qualquer censura de natureza política,
ideológica e artística" (art. 220, § 2o). Daí
certamente quererá alguém tirar que não é
lícito à autoridade alguma interferir na
programação da TV, seja para proibir tal ou
qual exibição, seja – de maneira mais geral –
para forçá-la a obedecer a tais ou quais
parâmetros, como os fixados no art. 221.
Demonstra-se com facilidade a incorreção
desse entendimento.
34 3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
Conforme oportunamente ressaltado (supra n. 2), o
§ 2o do art. 220 integra amplo conjunto de
disposições atinentes, de modo direto ou indireto, à
atividade dos meios de comunicação social. Para
bem avaliar-lhe o significado e o alcance, é mister
levar em conta todos os outros textos correlatos. Há
séculos se sabe que "incivile est, nisi tota lege
perspecta uma particula eius posita, iudicare vel
respondere". Não é por acaso que o art. 220, caput,
contém a expressa ressalva "observado o disposto
nesta Constituição". Já se indicaram acima ilações
óbvias dessa cláusula final. A liberdade de criação
artística e de difusão de idéias e
conhecimentos não é absoluta;
obrigatoriamente há de respeitar outras
liberdades e direitos também consagrados na
Lei Maior. Aliás, nenhuma liberdade é, nem
pode ser, absoluta: o ordenamento jurídico
constitui, tem de constituir sempre, a
expressão de um compromisso entre
solicitações divergentes de proteção a valores
suscetíveis de contrapor-se uns aos outros. A
interpretação de qualquer lei, e com relevo
particular a da Constituição, há de atender a
essa contingência básica.
Ora, uma vez que outras liberdades e direitos devem
ser preservados, é forçoso admitir alguma sorte de
controle sobre as transmissões eventualmente
capazes de lesá-los. Se os órgãos administrativos
têm limitado seu âmbito de ação, no particular, pela
35 3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
proibição da censura, cumpre assegurar aos titulares
daquelas liberdades e direitos (e a outros
legitimados por força de norma constitucional ou
legal) a utilização de meios aptos à respectiva (e
eficaz) defesa, toda vez que alguma liberdade ou
direito protegido seja objeto de violação, atual ou
iminente, imputável a qualquer transmissão pela TV.
Semelhante possibilidade tem de conviver – e na
verdade convive -, no sistema constitucional
brasileiro, com a vedação da censura, sem que a
ninguém aproveite invocar esta vedação para
contestar aquela possibilidade. Acrescente-se que
isso se aplica indiferente aos direitos individuais e
aos direitos coletivos, a que a Carta de 1988 deu,
em boa hora, tão grande realce." 32
Imprescindível salientar também que, nesse
mesmo sentido, o Ministério Público Federal ajuizou uma Ação civil
Pública em face da TVSBT Canal 04 de Televisão de São Paulo S/A,
objetivando obter um provimento jurisdicional que determinasse à
ré abster-se de veicular qualquer programa constante de sua grade
de programação em desacordo com o horário estabelecido pelo
Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do
Ministério da justiça, bem como a aplicação de pena de multa
cominatória no valor de R$ 100.00,00 (cem mil reais) por cada
veiculação irregular, a ser revertida ao Fundo Nacional para a
Criança e Adolescente, tratada no art. 6º da Lei n.º 8.242/91.
32 AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Coordenador ÉDIS MILARÉ, Ed. Revista dos Tribunais p. 277.
36 3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
Mencionada ação fundamentou-se em três
representações no âmbito deste órgão ministerial, nas quais se
pôde constatar que foram exibidos mais de 120 programas
contendo inadequações ao horário, em total inobservância à
classificação etária estabelecida pelo Ministério da Justiça.
Ao julgar o feito, o Juiz Federal José Carlos
Motta pronunciou-se da seguinte maneira:
“Compulsando os autos, especialmente o
conjunto probatório trazido ao feito pelo
Ministério Público Federal, verifico que a
emissora-ré não vem respeitando a
classificação indicativa levada a efeito pelo
órgão competente do Ministério da Justiça,
tanto assim que o fato ensejou múltiplas
representações de telespectador, da Comissão
de Direitos humanos da Câmara dos Deputados
e do próprio Diretor do Departamento de
Justiça.
Cumpre registrar que a providência ora
requerida, como bem assinalado pelo Ministério
Público Federal, não agride a liberdade de
expressão da atividade artística, científica e de
comunicação, não configurando nenhuma
forma de censura. Tão somente busca
concretizar o que se acha preceituado no inciso
IV, do art. 221, da constituição Federal, cujo
teor importa trazer a contexto, in verbis:
37 3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
Artigo 221. A produção e a programação das
emissoras de rádio e televisão atenderão aos
seguintes princípios:
(...)
IV – respeito aos valores éticos e sociais da
pessoa e da família.
Desse modo, a tutela aqui pleiteada se reveste
de caráter preventivo e revela-se necessária ao
enquadramento da programação questionada
em horário apropriado, conforma estipulado
pelos órgão responsáveis do Ministério da
Justiça.
Diante do exposto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DE
TUTELA postulada, fixando, em caso de
descumprimento, a multa cominatória de R$
100.000,00 (cem mil reais) por cada veiculação
irregular, a ser revertida ao Fundo mencionado
na Lei n.º 8.242/91, bem como, caso haja
reincidência, a suspensãoo, por até 2 (dois)
dias da programação da emissora-Ré que der
causa à infringência, nos termos do art. 254 da
Lei n.º 8069/90.”33
Inconformada com tal decisão, a TVSBT interpôs
Agravo de Instrumento, ocasião em que o Desembargador Federal
Márcio Moraes pôde externar-se da seguinte maneira:
33 Ação Civil Pública n.º 2006.61.00.015992-2 – 19ª Vara Cível Federal de São Paulo.
38 3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
“Em primeiro lugar, não procede a alegação de
inexistência de interesse de agir ante a
ausência de conduta inofensiva a direito, tendo
em vista que a própria recorrente confirma a
não obediência à determinação contida na
Portaria n.º 796/2000 do Ministério da justiça.
A qual estabelece os critérios gerais para a
classificação indicativa dos programas de
televisão, entre outros, bem como bem como
todas as demais portarias que estabeleciam a
faixa etária indicada aos programas descritos
na inicial.
Em segundo lugar, do próprio relatório se nota
que a agravante pretende continuar
desobedecendo – fato que não contesta - a
“grade” de sua programação aprovada pelo
Ministério da Justiça no que concerne aos
horários de projeção em função das faixas
etárias dos telespectadores, aprovação esta
fundada em portaria, quer porque sustenta que
tal providência, fundada em mera portaria,
seria restrita à via legal e não regulamentar
(art. 220, § 3º do artigo referido) para uma
imposição, pretensão que, a nosso sentir, não
pode prevalecer.
Deveras.
A recorrente alega a inexistência de previsão
legal que regulamente a classificação indicativa
39 3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
dos programas televisivos, afirmando que o
Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei
8096/1990 – não procedeu a tal
regulamentação.
Dispõe o ECA, no que importa ao deslinde da
questão posta, o seguinte:
Art. 71. A criança e o adolescente têm direito à
informação, cultura, lazer, esportes, diversões,
espetáculos e produtos e serviços que
respeitem sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento.
Art. 72. As obrigações previstas nessa Lei não
excluem da prevenção especial outras
decorrentes dos princípios por ela adotados.
Art. 74. O poder público, através do órgão
competente, regulará as diversões e
espetáculos públicos, informando sobre a
natureza deles, as faixas etárias a que não se
recomendem, locais e horários em que sua
apresentação se mostra inadequada.
Art. 76. As emissoras de rádio e televisão
somente exibirão, no horário recomendado
para o público infanto-juvenil, programas com
finalidades educativas, artísticas, culturais e
informativas.
Parágrafo único. Nenhum espetáculo será
apresentado ou anunciado sem aviso de sua
40 4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
classificação, antes de sua transmissão,
apresentação ou exibição.
Art. 254. Transmitir, através de rádio ou
televisão, espetáculo em horário diverso do
autorizado eu sem aviso de sua classificação:
Pena – multa de vinte a cem salários de
referência; duplicada em caso de reincidência a
autoridade judiciária poderá determinar a
suspensão da programação da emissora por até
dois dias.
Da leitura sistemática dos dispositivos legais
acima, pelo menos num exame perfunctório
próprio deste momento processual, depreende-
se que, embora não tenha a lei especificado os
critérios gerais para a classificação indicativa
dos programas televisivos, delegou esta função
ao poder público, através do órgão competente,
no caso, o Ministério da Justiça, especialmente
no art. 74 acima citado.
(...)
De outro lado, é certo que o texto da lei,
especificamente o art. 74, induz ao
entendimento de que tal classificação
indicativa seria mera “recomendação” às
emissoras de rádio e televisão, com relação aos
horários inadequados para cada faixa etária.
No entanto, o dispositivo legal nã deve ser
interpretado isoladamente, mas em conjunto
41 4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
com os demais artigos e principalmente com os
princípios gerais nos quais se fundamenta a
norma.
De fato, o art. 76 prevê expressamente que as
emissoras somente poderão exibir, no horário
recomendado, para o público infanto-juvenil,
programas com finalidades educativas,
artísticas, culturais e informativas,
respeitando, assim, as condições peculiares da
pessoa em desenvolvimento.
(...)
Cumpre lembrar que o serviço prestado pela
empresa agravante constitui uma concessão
estatal, devendo seguir os ditames do interesse
público, figurando entre eles a aceitação e
obediência às normas legais e administrativas
pertinentes à matéria.
Ademais, a recorrente não apresentou sequer
motivo que justificasse a não obediência à
classificação indicativa imposta pelo Ministério
da Justiça com relação aos programas descritos
na inicial, sendo que a tutela antecipada
concedida em primeira instância não
representa, em princípio, censura ou proibição
de exibição de qualquer programa pertencente
à grade da emissora, os quais devem ser
veiculados apenas dentro dos horários
adequados ao seu conteúdo, de acordo com as
42 4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
respectivas portarias de classificação, mesmo
que se possa constar em alguns deles, pelo que
consta dos autos, um mau gosto atroz, para
dizer o menos.
Destaco, inclusive, que em caso análogo ao
presente, no qual o MPF moveu ação civil
pública contra a TVSBT Canal 11 do Rio de
Janeiro, o E. Superior Tribunal de Justiça negou
provimento ao recurso especial interposto pela
emissora-ré, aplicando o disposto no art. 245
do ECA para manter condenação a pagamento
de multa correspondente a noventa salários
mínimos por ter a emissora “transmitido fora
do horário recomendado para o público infanto-
juvenil o filme ‘Os últimos Durões’, sem
qualquer finalidade educativa, artística,
cultural ou informativa”(RESP n.º 6449292,
Segunda turma, Relator Ministro Franciulli
Nett, j. 21/6/2005, v.u., DJ 22/8/2005).”34
Por fim, tendo em vista tais argumentos, o
Desembargador Federal manteve a multa cominatória de R$
100.000,00 por cada veiculação irregular na programação do SBT,
a ser revertida ao Fundo mencionado na Lei n.º 8.242/91.
Sendo assim, não há o que se falar em “negação
do Estado Democrático de Direito” como assevera a autora. Isso
porque ao mesmo tempo em que a Constituição garantiu a
34 Processo 2006.03.00.087942-3 – AG 278307 – Origem 2006.61.00.015992-2 – 19ª Vara São Paulo – SP. Desembargador Federal Márcio Moraes – 3ª Turma.
43 4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica
e de comunicação, independente de censura ou licença (art. 5º,
IX), estabeleceu alguns princípios de observância obrigatória
quando a manifestação dessas atividades fosse realizada através
do rádio e televisão.
E como externa Marcos Alberto Sant Anna
Bitelli35, “remanesce no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
obstáculos intransponíveis ao sistema classificatório. Tratam-se
dos arts. 74, 75, 76, 254, 255 e 256 do ECA, que estabelecem
proibições aos agentes de comunicação de flexibilizar o acesso aos
conteúdos mesmo que os pais ou responsáveis assim o desejam.
Portanto, aquela determinação constitucional apenas
classificatória transforma-se em proibição, mesmo para o
titular do pátrio poder.”
Ante todo o exposto, tendo em vista que as
atitudes da ré foram causas de veementes violações aos Direitos
Humanos, que fundamentaram a Ação Civil Pública n.º
2005.61.00.24137-3, justifica-se impor a ela o cumprimento
integral e obrigatório do Termo de Acordo Judicial nela celebrado.
Isto porque tal gravame se deu por
inobservância, em sua programação, de diversos preceitos
constitucionais, dentre eles o da dignidade da pessoa humana. Na
realidade, as condutas anteriores da concessionária denotam a
profunda falta de respeito aos Direitos Humanos, o que justificou a
35 http://www.bitelli.com.br/pt/artigos/conteúdo.php?id_artigo=15.
44 4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
inserção da cláusula primeira, alínea “j” e cláusula terceira daquele
acordo judicial.
IV – DO PEDIDO
Do exposto, o Ministério Público Federal
requer de Vossa Excelência repudiar todas as teses da autora,
julgando totalmente improcedente a presente demanda.
Requer, ainda, que a análise de conexão da
presente Ação Declaratória com a Ação Civil Pública n.º
2005.61.00.024137-3, suscitada a fls. 282, seja novamente
analisada, mas agora pelo(a) Juiz(a) Federal Titular da 2ª Vara
Cível de São Paulo.
Por fim, por tratar-se de questão exclusivamente
de direito, o Ministério Público Federal requer, desde logo, seja
julgada a lide, não havendo necessidade de produção de prova
testemunhal ou documental.
Nestes termos,
Pede Deferimento.
São Paulo, 27 de novembro de 2006.
SERGIO GARDENGHI SUIAMA
Procurador da República
45 4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRua Peixoto Gomide, nº 768 – 4º andar – sala 06 – Cerqueira César – CEP 01409-904 – São Paulo/SP
Maria Elise Sacomano
Estagiária do Ministério Público Federal
46 4
top related