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Anais do XV Encontro Estadual de História “1964-2014: Memórias, Testemunhos e Estado”,
11 a 14 de agosto de 2014, UFSC, Florianópolis
Contestado: A questão indígena na região do conflito
Nathan Marcos Buba1
Ana Lúcia Vulfe Nötzold2
Resumo: A presente pesquisa se insere como um subprojeto no âmbito do Observatório da
Educação “Ensino, saberes e tradição: elementos a compartilhar nas escolas da Terra
Indígena Xapecó/SC” do Laboratório de História Indígena/UFSC e conta com
financiamento da Capes/DEB/Inep. Tem como objetivo analisar o papel atribuído aos
indígenas na Guerra do Contestado, conflito que ocorreu no sul do Brasil entre 1912 e 1916.
Analisaremos 03 obras, a saber: “Lideranças do Contestado” (2004) de Paulo Pinheiro
Machado, o qual discorre sobre a influência indígena na região do conflito no século XIX;
“Guerra do Contestado: a organização da irmandade cabocla” (1995) de Marli Auras, que
analisa as influências indígenas na formação da sociedade cabocla e, por fim, o artigo “O
Contestado e seu impacto sobre os modos e regimes de relação Homem-Natureza entre os
Kaingang da Terra Indígena Xapecó/SC” de Flávio Braune Wiik, publicado no livro “Nem
fanáticos, nem jagunços: reflexões sobre o Contestado (2012)”, abordando a relação do
Contestado e dos Kaingang da T.I. Xapecó. Pelo que foi avaliado até o momento, pensamos
que o tema torna-se relevante, pelo fato da historiografia pouco referenciar a figura do
indígena no contexto da Guerra do Contestado ou nem mesmo ressaltar as relações
interculturais entre caboclos e indígenas.
Palavras-chave: Indígena; Caboclo; Conflito; Contestado.
.As relações entre caboclos e indígenas, e a importância da erva mate
A história do estado de Santa Catarina é muito rica, conforme Silvio Coelho dos
Santos (SANTOS, 1977, p.109), o estado é um verdadeiro mosaico étnico, pois sua população
é constituída de pessoas das mais variadas origens. Porém, há um equívoco quando essa
história do estado é repassada por alguns professores nas escolas. É relatada muitas vezes uma
história de Santa Catarina iniciando com a vinda dos imigrantes europeus, excluindo
totalmente as populações indígenas que aqui já viviam, e mantinham suas tradições, e
sociedades. Com isso muitos alunos hoje ficam surpresos quando obtêm informações sobre os
povos indígenas em Santa Catarina. Infelizmente uma parcela das pessoas, ainda imagina a
1 Acadêmico do curso de Bacharelado e Licenciatura em História da UFSC. Bolsista de Iniciação Científica do projeto
OBEDUC/CAPES/DEB/INEP: “Ensino, saberes e tradição: elementos a compartilhar nas escolas da Terra Indígena
Xapecó/SC”
2 Etno-historiadora, professora Associada IV do Departamento de História da UFSC. Coordenadora do Observatório da
Educação: “Ensino, saberes e tradição: elementos a compartilhar nas escolas da Terra Indígena Xapecó/SC”. E-mail:
Ana.lucia@ufsc.br
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população catarinense, como totalmente de descendentes de europeus, sejam italianos,
alemães, açorianos, poloneses, entre outros. Assim, quando se fala em populações indígenas e
até mesmo caboclas em Santa Catarina, se pode notar um estranhamento de muitos.
Os povos indígenas, mesmo muitas vezes ignorados, têm uma grande importância para
a história do estado catarinense. No começo da colonização dos europeus na costa litorânea
brasileira, o povo Carijó foi o primeiro povo a manter uma relação podemos dizer amistosa
com os europeus. Porém, por conta desse contato, diversos Carijó foram escravizados ou
sofreram com diversas doenças que não eram acostumados. Por muito tempo esse grupo
indígena contribuiu para a permanência dos europeus no estado, seja por coletar alimentos e
água, para abastecer os navios, como também foram importantes nos ensinamentos das rotas
em direção ao interior. Porém, com o passar do tempo, quando os europeus haviam se
acostumado e se adaptado melhor com a nova terra, os nativos não obtiveram mais a mesma
importância de antes, como cita Silvio Coelho dos Santos (SANTOS, 1977, p.31) “aos Carijó
ficou apenas o último papel, o de ser escravo do europeu, nos engenhos que então começavam
a se instalar”. Com o decorrer do tempo as populações indígenas foram perdendo seus
territórios de origem.
No século XVIII a mineração no sudeste brasileiro obtinha uma enorme importância.
As regiões das minas sofreram um grande aumento populacional, que necessitava de um
grande abastecimento para suprir as necessidades dessa população. Com isso o sul do Brasil
passou a ganhar uma maior importância, pois o gado vindo do Rio Grande do Sul seria uma
ótima opção para o abastecimento dessa população. Devido às rotas realizadas pelos tropeiros
que levavam o gado até a região das minas, surgiram inúmeras vilas, que posteriormente vão
se constituir nas cidades que hoje formam o estado de Santa Catarina.
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Figura 1 e 2. Portal da Cidade de Papanduva/SC.
Fonte: Acervo do autor
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O vilarejo que deu origem a cidade de Papanduva3 de nome de origem indígena
apresentado nas figuras 1 e 2, nasceu devido às passagens dos tropeiros rumo ao Sudeste. Os
pilares de apoio são em formato de pinhão, uns dos principais alimentos do povo Xokleng que
habitava a região.
Com a passagem de inúmeros tropeiros que cortavam o estado surgiram os contatos
com os povos indígenas. Na cidade de Papanduva existe uma localidade chamada de Passo
Ruim, que segundo os moradores, esse nome foi dado pelos tropeiros, os quais passavam com
muita dificuldade pelo local, devido à geografia do terreno e aos povos indígenas que
habitavam a região.
Essas reflexões nos levaram a iniciar esta pesquisa, assim passamos a ler algumas
obras que abordam a Guerra do Contestado, que nos permitem apresentar esses iniciais
comentários. Realizando uma análise na obra Lideranças do Contestado: a formação e a
atuação das chefias caboclas (1912-1916) de Paulo Pinheiro Machado4, o autor faz no
capítulo 01, um relato sobre a relação do não índio e dos povos indígenas da região. Machado
descreve a história de uma mulher chamada Carola, que obtinha uma boa relação com um
garoto indígena. A mulher sempre que iria lavar roupa nas margens do Rio Marombas levava
consigo farinha e açúcar, que deixava em cima de uma pedra um pouco distante do local onde
lavava sua roupa. Quando voltava recolhia alguns objetos indígenas deixados pelo “bugre”.
Até que um dia quando estava lavando sua roupa ela ouviu um barulho, seu sobrinho havia
matado o pequeno indígena, pensando que ele iria atacar Carola. Segundo o autor:
Esta tragédia, contada por um bisneto de dona Carola, revela a fragilidade da
convivência entre a população de sitiantes e fazendeiros e os diferentes grupos
indígenas no planalto serrano catarinense, durante o século XIX. A relação amistosa
de dona Carola com o pequeno bugre era uma exceção (MACHADO, 2004, p.58).
Durante o período descrito por Machado, foram vários os conflitos dos povos
indígenas da região, tanto com os caboclos, como também com os imigrantes que lá estavam
se fixando. Esses conflitos ficaram mais recorrentes na medida em que os povos indígenas
3 Papanduva está localizada no planalto norte de Santa Catarina, a cidade foi fundada em 11 de abril de 1954. Seu nome é de
origem indígena, significando muito papuã, pois era um ponto de parada dos tropeiros por conta da boa pastagem que havia
na região. Consta segundo os dados do IBGE de 2010 com 18.013 habitantes, onde nos dias de hoje sua principal economia é
na pecuária e agricultura. 4 Segundo a página eletrônica da Universidade Federal de Santa Catarina. Paulo Pinheiro Machado é nascido em Porto
Alegre, RS, graduado em História (1982) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre (1996) e doutor (2001) em
História pela Universidade Estadual de Campinas, com pós-doutorado (2010) pela Universidade Federal Fluminense e pela
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foram encurralados, por conta do crescimento do número de imigrantes, nos quais precisavam
de mais terra devido ao crescimento populacional e dos seus descendentes. Houve em
períodos, diferentes medidas do governo contra os povos indígenas, assim, como
posteriormente contra o caboclo do Contestado.
Sobre a relação do caboclo e do indígena no Contestado, Marli Auras realiza uma
importante observação na obra Guerra do Contestado: a organização da Irmandade Cabocla
(1995), ela aborda sobre os agregados dos coronéis da região contestada. Segundo a autora, os
agregados moravam com sua família nas grandes propriedades, desempenhavam várias
funções, como trabalhar na criação de gado, por exemplo. A ascensão dessas pessoas era
quase nula, quando ocorria grande parte delas procuravam terras distantes para se estabelecer.
De acordo com Marli Auras:
Além dos agregados que residiam com mulher e filhos na fazenda, havia os peões.
Estes geralmente descendentes de grupos indígenas dormiam pelos galpões e
ajudavam na época em que a lida com o gado implicava em mais trabalho. Também
exerciam (...) a coleta da erva-mate (AURAS, 1995, p.28)
Paulo Pinheiro também descreve os peões, que segundo o autor:
(...) era, normalmente, um morador agregado à fazenda que possuía um pedaço de
terra “de favor”. Ali, com sua família, construía uma choupana de rachões de
pinheiro e teto de palha, mantinha uma pequena lavoura de subsistência, protegida
do gado por muros de pedra encaixada, cultivando feijão, milho, abóboras e criando
pequenos animais. O peão deveria dar conta de toda a lida rotineira do campo: levar
o gado para diferentes pastagens, capturar as reses fugitivas, castrar os novilhos,
construir açudes, dar sal, curar bicheiras, construir currais e galpões, queimar as
pastagens secas no final do inverno, fazer marcação com ferro quente, construir
muros de taipa, caçar onças e pumas que rondavam as proximidades da fazenda,
domar cavalos e mulas, tosquiar ovelhas e, muito frequentemente, tropear os animais
até os locais de venda ou abate. Como homem de confiança de seu patrão, o peão era
também um leal soldado à disposição das iniciativas políticas e militares de seu
chefe e, com razoável empenho, muitas vezes dava sua vida nas revoluções e nas
lutas contra os desafetos locais de seu comandante (MACHADO, 2004, p.67).
Como foi citado anteriormente, aos povos indígenas não é atribuída uma grande
importância para a construção do estado de Santa Catarina. A autora (AURAS, 1995, p.29)
aborda a coleta da erva-mate, ela registra um pouco do histórico e da importância que os
ervais tiveram para a economia de catarinense. No final do século XIX, e início do XX a erva-
Universitat Autonoma de Barcelona. É bolsista de Produtividade de Pesquisa II do CNPQ. Atualmente é Diretor do Centro de
Filosofia e Ciências Humanas da UFSC.
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mate obtinha uma enorme importância para a economia catarinense, alguns citam como o
principal produto no período. Por exemplo, no ano de 1900 a erva-mate registrou
aproximadamente 31% do valor total de exportações5. De acordo com Auras (idem, p.28) “os
vastos ervais nativos – o mate já era habituadamente consumido pelos indígenas locais”.
Portanto, o principal produto de exportação do estado de Santa Catarina durante os séculos
XIX e XX, já era consumido pelos povos indígenas antes mesmo de surgir o interesse por
coronéis e caboclos. Enfatizando assim, uma das inúmeras importâncias que a cultura
indígena obtém no estado catarinense.
Os métodos do governo contra o indígena e o caboclo do Contestado
No início da colonização do Brasil, os povos indígenas eram vistos como necessários
para esse processo, essas populações serviram de inúmeras maneiras para os portugueses,
dentre elas podemos destacar que tinham inicialmente o papel de protetores do território, sua
presença assegurava o domínio de um território. Porém, com o passar do tempo essas
populações foram interpretadas pela Coroa portuguesa com uma barreira para o
desenvolvimento da colônia. Com a vinda de inúmeros imigrantes e o aumento de seus
descendentes as terras antes habitadas apenas pelos nativos foram disputadas também pelo
não índio. Em Santa Catarina, mais especificamente na região do Contestado, as medidas do
Governo da província catarinense contra os povos indígenas também ocorreram.
Vários métodos foram usados contra os povos indígenas por parte do governo, isso
também na região do Contestado. Um exemplo que “em 1808, logo após a chegada de D. João
VI ao Brasil, foi emitida uma Carta Régia determinando que fizesse guerra aos índios que
faziam incursões nas cercanias de Lages”. Posteriormente também fizeram uso das ações dos
bugreiros. Segundo (SANTOS, 1997, p.27):
As tropas de bugreiros compunham-se, em regra, com 8 a 15 homens. A maioria
deles era aparentada entre si. Atuavam sob o comando de um líder. As quase
totalidades dos integrantes desses grupos eram “caboclos’’, que tinham grande
conhecimento sobre a vida no sertão”. Atacavam os índios em seus acampamentos
de surpresa. Às vítimas poucas possibilidades havia de fuga.
5 Informação obtida da obra Guerra do Contestado: a organização da Irmandade Cabocla, de Marli Auras. A informação está
como nota de rodapé na página 29, apontando que foi retirada de: ALMEIDA, Rufino P. Um aspecto da economia de SC: a
indústria ervateira. p.13.
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Muitos indígenas foram assassinados brutalmente pelas tropas dos bugreiros, ou pelos
imigrantes vindos da Europa. Porém, o governo estava ciente dos acontecimentos que
estavam ocorrendo contra os povos indígenas em Santa Catarina, tanto que sabiam que
chegavam até a financiar algumas expedições para “afugentar e amenizar” a ameaça dos
povos indígenas. Em alguns documentos da província são encontrados relatos do presidente
apoiando que afugentassem os “bárbaros” que habitavam a região. De acordo com Silvio
Coelho dos Santos:
(...) em 1880, o governo provincial relatava à Assembleia, com a maior
simplicidade que “para afugentar (os índios-SCS) tomei as medidas de costume:
recorri aos battedores de matto”. O noticiário telegráfico do Jornal do Comercio
(Florianópolis), do ano de 1883, dá-nos vários exemplos referentes à autorização de
despesas pelo governo para o extermínio indígena (SANTOS, 1997, p.26).
Portanto, conseguimos observar alguns métodos do governo para combater os povos
indígenas em Santa Catarina. Porém, os caboclos também sofreram com a imigração dos
europeus nas terras catarinenses. Com a vinda da Companhia de Percival Farquhar, no início
do século XX o interior do estado ganhou uma grande importância. Segundo Marli Auras:
Colonos de origem alemã e, posterior e secundariamente, italianos e poloneses,
oriundos dos Estados do Rio Grande e Paraná, foram atraídos pelas propostas da
empresa, fixando residência nas férteis terras ao longo do vale do Rio do Peixe.
Vários núcleos coloniais foram ali criados. É claro que, a esta altura, o corpo de
segurança da Companhia já havia varrido da região, de forma sumária e definitiva,
todos os posseiros, inclusive aqueles mais renitentes (AURAS, 1995, p.43).
É interessante a referência que em sua obra Marli Auras faz sobre um trecho de um
bilhete manchado de sangue, encontrado dentro do bolso de um caboclo que estava envolvido
na Guerra do Contestado, no qual dizia “Nóis não tem direito de terra, tudo é pra gente das
Oropa” (idem, p.43). Autora com a citação demonstra a insatisfação dos caboclos com os
colonos que estavam habitando a região.
Na Guerra do Contestado, vários foram as medidas do governo contra os caboclos
envolvidos no conflito, nos quais podemos obter várias semelhanças com os métodos
utilizados contra as populações indígenas. De acordo com Auras
Estado e igreja, aliados, batalharam para varrer do mapa esses “fanáticos”,
perturbadores da ordem pública. Os imigrantes estabelecidos na área, por ação dos
interesses econômicos do Grupo Farquhar, procuravam armar-se a fim de fazer
frente às invertidas do movimento rebelde (AURAS, 1991, p. 229).
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Se analisarmos as situações, pode-se estabelecer algumas semelhanças entre as
medidas e ataques aos povos indígenas, e também contra o caboclo do Contestado. Os ataques
contras os povos indígenas em Santa Catarina, muitas vezes se sucederam a favor das
Companhias de Colonização e dos imigrantes, nos quais o governo tomou medidas pra afastar
aquele povo “bárbaro” em benefício do desenvolvimento da nação. Porém, os ataques contra
o caboclo também aconteceu com medidas tomadas pelo governo, ou também pelos ataques
dos próprios imigrantes que andavam muito bem armados. Importante lembrar que no século
XIX e XX o próprio caboclo da região foi visto como um método a ser usado contra os povos
indígenas, pois segundo, Luisa Tombini Wittmann6 e Silvio Coelho dos Santos, os bugreiros
eram os caboclos, que obtinham um grande conhecimento nas áreas nas quais iriam atuar.
Contudo mais tarde, tanto os indígenas e caboclos sofreram com métodos do governo em prol
das companhias estrangeiras que adentravam pelo estado, com o discurso de levar o
desenvolvimento para a região, onde caboclo e indígena se tornaram grandes obstáculos.
Como relata Marli Auras referindo-se ao caboclo do Contestado, enfatiza o ponto de vista dos
colonos com esses povos, segundo a autora:
(...) sua consciência colono-operária, economicamente autossuficiente (família
policultora), imersos no paternalismo patronal, na ética protestante e na
germanidade, não tinham como ver na luta cabocla uma dimensão histórica que lhes
dizia a respeito. Afinal, era mesmo um problema de ordem publica, de “limpeza da
área”, como se dera e ainda de dava em relação aos indígenas, para o advento da
civilização ocidental e cristã, do progresso (AURAS, 1991, p.233).
Assim pode-se estabelecer algumas semelhanças com os métodos do governo
utilizados perante indígenas e Caboclos. Clovis Antonio Brighenti (BRIGHENTI, 2012,
p.60), em estudo sobre o povo Xokleng, relata que o governo central ou estadual nunca
propôs deixar os indígenas livres em seu território, e Marli Auras enfatiza que ao longo do
período do Contestado, não houve qualquer movimento de solidariedade à luta cabocla
(AURAS, 1991, p.230). Mais uma relação importante é no discurso da imprensa sobre ambos,
pois vários meios de comunicação apresentavam discursos pejorativos sobre caboclos e
indígenas.
6Segundo a página eletrônica da Universidade do Estado de Santa Catarina, Luisa Tombini Wittmann é doutora pela
Universidade Estadual de Campinas (2011). Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina
(2000), bacharel em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2002) e mestre em História pela Universidade
Estadual de Campinas (2005). Atualmente é Professora Adjunta de História do Brasil da Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC). Tem experiência na área de História, atuando principalmente nos seguintes temas: História, Xokleng,
Santa Indígena, América Portuguesa, Missões Jesuíticas, Música, Imigração alemã Catarina.
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Crença no monge do Contestado dentro das Terras Indígenas
Como já foi citado, houve diversas trocas culturais entre os povos indígenas em Santa
Catarina e o não índio. Sobre os caboclos podemos citar o cultivo e alimentação, que
primeiramente foram consumidas ou cultivadas pelas populações indígenas, podendo citar
como exemplo o mel, milho, pinhão, entre outros. Porém, houve grandes influências do não
indígena sobre os povos nativos, como o início do uso do ferro pelo povo Xokleng, ou como
cita Flávio Braune Wiik (WIIK, 2012) sobre as influências do catolicismo popular sobre os
Kaingang da Terra Indígena Xapecó/SC7.
A Guerra do Contestado obteve um forte componente messiânico, que foi possível
pela presença dos monges João Maria e José Maria, nos quais aconselhavam os caboclos da
região sobre diversos assuntos, principalmente o desenvolvimento e interesse pelas terras
antes sem muito valor. Esses conselhos na maioria das vezes sempre eram citados
relacionando-o com o fim dos tempos. É importante enfatizar que não havia apenas um
monge João Maria. Havia dois monges que percorreram o interior do sul do Brasil, o primeiro
se chamava João Maria de Agostinho, percorreu a região entre Sorocaba, Santa Maria e Lapa
em meados do século XIX, onde fazia suas orações, receitava remédios e dava inúmeros
conselhos para a população do interior. Porém, desapareceu pouco tempo depois, mas no final
do século XIX e início do XX apareceu no planalto o segundo monge, era João Maria de
Jesus, onde percorreu a região do planalto, possuía uma semelhança física com o primeiro,
além de também praticar vários atos como este. Mas é importante, como cita Paulo Pinheiro
Machado relatar que para o habitante do planalto só existia um monge João Maria
(MACHADO, 2004, p.164).
Muitas pessoas que conviveram no período de João Maria, e indivíduos que viveram e
vivem posteriormente a ele, também o interpretam como um santo. Essa crença também
ocorre na Terra Indígena Xapecó/ SC. De acordo com Wiik.
‘São João Maria’ ou ‘O monge do Contestado’ como assim o(s) denomina(m) os
índios e população local na atualidade. Sua influência é marcante sobre o ethos
Kaingang, amalgamado imperceptivelmente ao seu sistema xamânico que apresenta
traços acentuados do catolicismo popular e fora abraçado por segmentos indígenas
7 A Terra indígena Xapecó pertence aos municípios de Entre Rios e Ipuaçu, e está localizada ao oeste do estado de Santa Catarina.
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mais tradicionalistas através de seus rezadores curadores, festeiros e performers de
rituais tradicionais como o kiki (WIIK, 2012, p. 175)
Portanto, podemos notar que a crença no monge está dentro das Terras Indígenas,
causando muita surpresa em alguns devotos não indígenas.
Figura 03. Capela e “água santa” de João Maria na Terra Indígena Xapecó/SC.
Fonte: Acervo LABHIN- Laboratório de História Indígena.
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Figura 04. Imagens dentro da capela em homenagem ao monge João Maria.
Fonte: Acervo LABHIN- Laboratório de História Indígena.
As figuras acima são de uma “água santa’’ de São João Maria na aldeia de Barro
Preto, na Terra Indígena Xapecó/SC. A figura 03 é de uma “água santa” e uma capela
construída em homenagem ao monge João Maria. Nesse local são realizadas algumas bênçãos
em nome do monge, em que a cabeça da pessoa é molhada três vezes na “água santa”, estando
de olhos fechados pensando em João Maria para que tudo de ruim vá embora. A figura 04 é
de imagens contidas dentro da capela, podemos observar uma imagem em primeiro plano a
esquerda, que os indígenas interpretam como João Maria, ao lado do monge é possível
observar alguns santos católicos, e realizando uma ligação entre todas as diferentes crenças ao
fundo está uma imagem representando o indígena. Alguns moradores desta Terra Indígena são
devotos, realizando ainda as suas orações para o monge do Contestado. Como cita Flávio
Braune Wiik o início da chegada do cristianismo na Terra Indígena Xapecó levou a inúmeros
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conflitos, mas sucessivamente muito das crenças do catolicismo popular caracterizou
mudanças no sistema xâmanicos, segundo o autor:
(...) a incorporação do outro tenha se dado de forma conflituosa, até chegarmos à
atualidade, onde sistemas xamânicos e do catolicismo popular tenham se
amalgamado e, hoje em dia, sejam percebidos e descritos pelos Kaingang como
‘tradicionais, ou, em seus próprios termos, “é tudo a mesma coisa” (WIIK., 2012,
p.182).
Porém, o número de devotos do monge dentro da Terra Indígena Xapecó segundo seus
moradores está diminuindo, segundo os mesmos a grande razão para isso, seria o aumento das
igrejas evangélicas dentro do território, nos quais a adoração ao monge não se enquadraria as
normas dessas igrejas.
Considerações finais
O objetivo da pesquisa é de relatar um pouco sobre a temática indígena na região do
Contestado, e para isso foram utilizados alguns autores em que foi possível estabelecer as
muitas ligações entre o caboclo e os povos indígenas em Santa Catarina, assunto no qual
geralmente não é muito abordado. Através de inúmeros exemplos foi possível notar que
ambos foram vistos como um obstáculo para o desenvolvimento e sofreram inúmeros atos,
que em grande parte foi apoiado pelos governos. Tanto os indígenas, como os caboclos
sofreram com as imigrações e a valorização das terras. Também é importante registrar que
diversos costumes foram compartilhados entre caboclos e indígenas, um exemplo é o que foi
citado anteriormente com a crença no monge dentro das Terras Indígenas. É importante
lembrar que a pesquisa está no seu início, havendo diversos temas para serem analisados,
podendo obter diversos temas ainda pra serem pesquisados posteriormente. Por conseguinte o
principal objetivo do estudo foi estabelecido, no qual seriam as relações dos povos indígenas
com a região do Contestado. Realizando a análise sobre os indígenas nas obras do Contestado
é possível observar que cada autor dá ênfase em alguma característica.
Paulo Pinheiro Machado aborda em sua obra principalmente os conflitos e medos que
ocorriam entre os indígenas da região e caboclos, realizando um breve relato sobre a história
da erva mate, em que cita que primeiramente os métodos de se cultivar a erva mate eram
muito próximos dos povos indígenas.
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Marli Auras relata mais as semelhanças de costumes entre o caboclo e os povos
indígenas para enfatizar a organização da sociedade cabocla, porém no decorrer do livro,
quando ela começa a abordar a Guerra do Contestado, não se encontra mais nada sobre os
povos indígenas. No entanto, Flávio Braune Wiik tem como objetivo realizar comparações
entre o catolicismo popular com as tradições Kaingang na Terra indígena Xapecó, porém, o
autor também vai abordar as transformações que ocorreram com a chegada das religiões
pentecostais na Terra Indígena. Por conseguinte é importante relatar que nas obras que foram
propostas a serem analisadas poucas coisas enfatizavam a temática indígena, assim as fontes
de antropólogos e historiadores da temática indígena foram indispensáveis para a pesquisa.
Referências
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Florianópolis: Ed. da UFSC, 1995.
AURAS, Marli. Poder Oligárquico Catarinense da Guerra aos “Fanáticos” do
Contestado à “Opção Pelos Pequenos”. São Paulo, 1991. 416 p. Tese (doutorado em
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BRIGHENTI, Clovis Antonio. Povos Indígenas em Santa Catarina. In NÖTZOLD. Ana
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CONCEIÇÃO, Eleutério Nicolau da. A saga do Contestado: texto e ilustrações.
Florianópolis: Ed. do Autor, 2012.
MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das
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WIIK, Flávio Braune. O Contestado e seu impacto sobre os modos e regimes de relação
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Jose; ESPIG, Marcia Janete; MACHADO, Paulo Pinheiro. Nem fanáticos, nem jagunços:
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