contribuição para o estudo das parcerias público ... · extra de investimento impõe respostas...
Post on 18-Apr-2018
217 Views
Preview:
TRANSCRIPT
Contribuição para o estudo das parcerias público –
privadas no sector portuário em Portugal
(Análise do caso do Terminal de Contentores de Alcântara)
Álvaro João Fernandes Fonseca
Dissertação para a obtenção do Grau de Mestre em
Engenharia Civil
Júri
Presidente: Doutor Álvaro Antunes Ferreira
Orientador: Doutor Rui Domingos Ribeiro da Cunha Marques
Vogal: Doutor Luís António de Castro Valadares Tavares
ii
iii
RESUMO
O sector portuário, e a movimentação de carga contentorizada em particular, têm sofrido uma
grande evolução na última década. A necessidade de transportar maiores volumes de carga
conduziu a uma procura de maiores ganhos de eficiência na cadeia de transporte, sobretudo
através do incremento da dimensão dos navios (efeito de escala) e da modernização dos
processos de carga/descarga ao nível dos terminais de contentores (redução dos tempos de
operação e de parque). Esta dinâmica de inovação e modernização transformou o mercado de
operação portuária num sector de capital intensivo, onde a realização de investimentos
frequentes e avultados constitui a única alternativa para garantir a competitividade das
empresas. A participação privada no sector, através da realização de parcerias público –
privadas tem-se revelado uma fórmula extremamente popular e eficaz de potenciar o
desenvolvimento portuário, introduzindo novas disponibilidades financeiras e uma maior
orientação para o mercado. Contudo, a adequação e flexibilidade destas parcerias tem sido
posta à prova devido às referidas alterações no sector, onde o surgimento de necessidades
extra de investimento impõe respostas por parte dos diferentes concessionários. Em Portugal,
o Terminal de Contentores de Alcântara reflecte o impacto da evolução sofrida no mercado da
carga contentorizada: saturado e a necessitar investimentos de modernização em infra-
estruturas e equipamentos, o terminal carece de uma intervenção que assegure a sua
competitividade no segmento deep-sea. Com este trabalho pretende-se discutir a celebração
das PPP no sector e identificar quais as alternativas que se afiguram para a modernização do
terminal à luz do contrato de concessão celebrado (datado de 1984) e da legislação em vigor.
Palavras-chave: Parceria Público-Privada; Terminal de Contentores; Contrato de Concessão;
Alcântara; Prorrogação.
iv
ABSTRACT
Seaports and in particular the container handling industry suffered great changes in the last
decade. The need to carry larger cargo volumes increased ship’s size (scale effect) and
demanded for efficiency gains in the loading/unloading activities in the container terminals
(reduction of handling and duel times). This request for innovation and modernization changed
container terminals into capital intensive industries, where frequent and heavy investments are
needed to ensure competitiveness in the market. The private sector participation in the
container industry through public-private partnerships establishment has proven to be an
extremely popular and effective formula for boosting port development, by introducing new
financial resources and greater market orientation. However, the adequacy and flexibility of
these partnerships has been put to the test by the changes occurred in the container industry,
demanding additional investments from the private partners. One possible solution, often
presented, has been the extension of the concession contracts, although this may raise
important questions about the market contestability in the container handling industry and the
risk of monopolistic behaviour at local or regional level. In Portugal, the Alcântara Container
Terminal reflects the impact of the recent developments in the container industry: requiring new
investments in infrastructures and equipment, the terminal needs an intervention to ensure its
competitiveness in the deep-sea market. This document discusses the PPP and tries to identify
the alternatives to perform such container terminal modernization in light with the existent
concession agreement (dated from 1984) and the Portuguese and European legislation in force.
Key Words: Public-Private Partnership; Container Terminal; Concession Contract; Alcântara;
Extension.
v
Aos meus pais,
Álvaro Fonseca e Maria Albertina Fonseca
vi
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer ao Professor Rui Cunha Marques pela disponibilidade total que
manifestou na orientação deste trabalho e pelos conselhos e sugestões. Agradeço também ao
Engenheiro Carlos Figueiredo pelo entusiasmo e paciência com que me introduziu ao mundo
do shipping e ao Engenheiro Eduardo Pimentel por toda a informação referente à Liscont
fornecida e, sobretudo, confiança demonstrada. Por fim, uma palavra também para o Doutor
Marcel Egger pelas informações acerca da Eurogate, à TraduÁrea pelas traduções do alemão
e ao Doutor Armando Rocha pela ajuda no campo jurídico.
vii
ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO………………………………………………………………………… 1
1.1. As parcerias público–privadas no sector portuário…………................. 1 1.2. Objectivos…………………………………………………………............... 1 1.3. Metodologia…………………………………………………………………. 3 1.4. Estrutura……………………………………………………………............. 3
2. A EVOLUÇÃO DO TRANSPORTE MARITIMO DE CONTENTORES NO
CONTEXTO DA ECONOMIA MUNDIAL………………………..…………………
5 2.1. A contentorização na economia global…………………………………... 5 2.2. Alterações tecnológicas do processo de contentorização……….......... 7
2.2.1. A dimensão dos navios……………………………………………….................. 7 2.2.2. Os terminais de contentores…………………………………………………….. 9
2.2.3. Canais de acesso…………………………………………………………………. 10 2.2.4. Áreas de parque…………………………………………………………………... 10 2.2.5. Extensão de cais............................................................................................ 11 2.2.6. Pórticos…………………………………………………………………………….. 11 2.2.7. Equipamento de parque………………………………………...…..................... 12 2.2.8. Sistemas informáticos de controlo operacional………………………………... 13
3. CONTRATOS DE CONCESSÃO NO SECTOR PORTUÁRIO............................ 14
3.1. As Parcerias público–privadas no sector portuário............................... 14 3.1.1. Motivações subjacentes ao aumento da participação privada……................ 14 3.1.2. Enquadramento das PPP nos modelos de gestão portuária.......................... 15
3.2. O contrato de concessão como veiculo de uma PPP........................... 19 3.2.1. Enquadramento nacional sobre contratos de concessão............................... 19
3.2.1.1. Noção de concessão..................................................................... 19 3.2.1.2. O objecto da concessão................................................................ 20 3.2.1.3. Prazo da concessão...................................................................... 22 3.2.1.4. Extinção do contrato de concessão.............................................. 23
3.2.2. Enquadramento europeu sobre contratos de concessão............................... 24 3.2.3. A concessão de serviços no sector portuário................................................. 26
4. O TERMINAL DE CONTENTORES DE ALCÂNTARA NO CONTEXTO
PORTUÁRIO PORTUGUÊS………..………………………………………………
29 4.1. Enquadramento institucional do sector portuário ……………………… 29 4.2. O Porto de Lisboa no contexto nacional e ibérico……………………… 31 4.3. Caracterização geral do Terminal de Contentores de Alcântara……… 33 4.4. A importância estratégica do TCA………………………………………... 36
viii
5. ANÁLISE DO CONTRATO DE CONCESSÃO DO TCA………………………….. 40 5.1. O Contrato de Concessão do TCA………………………………............ 40 5.2. Análise comparativa do clausulado contratual do TCA………………… 41 5.2.1. Introdução………………………………………………………………................ 41 5.2.2. A partilha de riscos do contrato………………………………………................ 41
5.2.2.1. Planeamento………………………………………………………….. 42 5.2.2.2. Concepção e construção……………………………………………. 43 5.2.2.3. Licenças e expropriação…………………………………………….. 44 5.2.2.4. Acessibilidades……………………………………………………….. 45 5.2.2.5. Manutenção e reparações…………………………………………... 45 5.2.2.6. Risco tecnológico…………………………………………………….. 46 5.2.2.7. Procura e competição no mercado…………………………………. 47 5.2.2.8. Financeiro……………………………………………………………... 47 5.2.2.9. Legal …………………………………………………………………... 48 5.2.2.10 Politico e de modificação unilateral do contrato………………….. 49 5.2.2.11. Força maior………………………………………………………….. 49 5.2.2.12. Outros riscos……………………………………………….............. 49 5.2.2.13. Matriz síntese de alocação de risco………………………………. 50
5.3. Análise comparativa das condições particulares dos contratos………. 50 5.3.1. Vigência e extinção do contrato……………………………………................... 50 5.3.2. Modificação do contrato de concessão……………………………................... 53 5.3.3. Constituição, manutenção e transferência dos bens constituintes do
Estabelecimento da Concessão………………………………………………... 54
6. O CONTRATO DE CONCESSÃO E AS NECESSIDADES DE
INVESTIMENTO DO TCA…….…………………………………..........................
58
6.1. O problema da amortização do investimento…………………………… 60 6.2. Quantificação das necessidades de investimento……………………… 61
6.2.1. O Plano de investimentos apresentado………………………………………… 61 6.2.2. Enquadramento e pressupostos de cálculo……………………………………. 63
6.2.3. Quantificação do mercado potencial……………………………………………. 63 6.2.4. Custos operacionais e financiamento do projecto………………………..…… 63 6.2.5. Nível de rendimento do projecto………………………………..……................ 64
6.3. A legalidade da alternativa de prorrogação……………………………... 65 6.4. A presença da Liscont no mercado dos terminais de contentores….... 69 6.5. Alternativas à prorrogação do contrato………………………………….. 72
7. CONCLUSÕES FINAIS………………………………………………………………. 76
7.1. Conclusões do trabalho……………………………………………………. 76
ix
7.2. Desenvolvimentos futuros: estudo comparativo de modelos
contratuais – o Porto de Hamburgo………...…………………………...
77
8. BIBLIOGRAFIA……………………………………………………………………….. 80
ANEXOS A.1. Sobre a evolução do comércio mundial………………………………………….. 85 A.2. Aumento da dimensão de navios e pórticos de parque……………….............. 89 A.3. Movimentos de consolidação no mercado da carga contentorizada…………. 90 A.4. Concorrência e contestabilidade no sector portuário ………………………….. 91
A.4.1. Falhas de mercado no sector portuário………………………………………................. 93 A.4.1.1. Externalidades………………………………………………………………..… 93 A.4.1.2. Existência de monopólios naturais…………………………………............... 94
A 4.1.3. Bens públicos…………………………………………………………............... 94 A.4.2. Regime de exploração dos terminais portuários………………………………………… 97 A.4.3. Apontamentos acerca da concorrência no sector portuário europeu…………………. 101
x
ÍNDICE DE QUADROS
1. Evolução da dimensão dos navios porta contentores……………………………………… 7
2. Composição da frota mundial de porta contentores ……………………………………….. 9
3. Entregas de pórticos de cais novos…………………………………………………………... 12
4. Matriz de governação portuária……………………………………………………………….. 18
5. Exemplos de concessões “mistas”……………………………………………………………. 22
6. Resumo das principais disposição do Decreto-Lei nº 324/94……………………………... 27
7. Carga movimenta no Porto de Lisboa em 2003, por origem/destino……………………... 32
8. Movimentação Anual de Contentores no Porto de Lisboa…………………………………. 34
9. Projecções de movimentação de contentores no Porto de Lisboa……………………….. 37
10. Contratos de concessão analisados………………………………………………………… 41 11. Principais riscos identificáveis na exploração de um terminal de contentores…………. 42
12. Matriz de alocação de riscos para os contratos analisados……………………………… 50
13. Duração dos contratos analisados………………………………………………………….. 51
14. Tempo de vida dos bens constituintes do estabelecimento da concessão…………….. 57
15. Investimentos em infra-estruturas projectados para o TCA……………………………… 62
16. Investimentos em equipamento projectados para o TCA………………………………… 63
17. Projecção da cota de mercado da MEAS em 2005, assumindo a compra da
Multiterminal, Sadoport e Tertir……………………………………………………………... 72
A.1. Crescimento do comércio por sector, 1950-2005………………………………………… 82
xi
ÍNDICE DE FIGURAS
1. Evolução Crescimento mundial da carga contentorizada………………………………….. 5
2. Organograma do Sector Portuário português……………………………………………….. 30
3. Alternativas de expansão do TCA consideradas no PEPL………………………………… 39
4. Matriz de alocação de riscos para os contratos analisados……………………………….. 50
5. Cash-flow estimado para o projecto de modernização do TCA…………………………… 64
6. Interna de Rentabilidade do projecto em função do tempo de exploração………………. 65
7. Perda estimada de movimentação de carga assumindo concurso em 2015 …………… 73
A.1. Volume mundial de exportações e PIB mundial, entre 1950 e 2000…………………… 81
A.2. Evolução das dimensões dos pórticos de cais……………………………………………. 84
A.3. Evolução da dimensão dos navios porta contentores……………………………………. 85
A.4. Presença dos cinco maiores operadores portuários europeus………………................ 87
xii
LISTA DE ACRÓNIMOS
AdC – Autoridade da Concorrência
APL – Administração do Porto de Lisboa
AP – Administração Portuária
APS – Administração do Porto de Sines
APSS – Administração dos Portos de Setúbal de Sesimbra
BOT – Build, Operate and Transfer
CC – Contrato de Concessão
CCP – Código dos Contratos Públicos
DC – Disponibilidades de Caixa
EDI – Electronic Data Interchange
ESPO – European Sea Ports Organization
FEPORT – Federation of European Private Port Operators
HPH – Hutchison Port Holding
IPC – Índice de Preços no Consumidor
IPTM – Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos
MEAS – Mota-Engil Ambiente e Serviços
MOPTC – Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações
NPX – New Panamax
OMC – Organização Mundial do Comércio
OSC – Ocean Shipping Consultants
PEPL – Plano Estratégico do Porto de Lisboa
PMI – Project Management Institute
PPP – Parceria Público-Privada
PSA – Port of Singapore Authority
RACSD – Rácio Annual de Cobertura do Serviço de Divida
RCVE – Rácio de Cobertura da Vida do Empréstimo
RMG – Rail Mounted Gantry Crane
RTG – Rubber Tired Gantry Crane
SD – Serviço de Divida
TC – Tribunal de Contas
TCA – Terminal de Contentores de Alcântara
TMCD – Transporte Marítimo de Curta Distância
TCSA – Terminal de Contentores de Santa Apolónia
TCSS – Terminal de Contentores de Setúbal
TCS – Terminal de Contentores de Sines (Terminal XXI)
TJCE – Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias
TMB – Terminal Multiusos do Beato
TML – Terminal Multipurpose de Lisboa
xiii
TEU – Twenty-foot Equivalent Unit
UCLS – Ultra Large Container Ship
UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development
UNESCAP - United Nations Economic and Social Commission for Asia and the Pacific
VTS – Vessel Traffic Systems
WTO – World Trade Organization
1
1. INTRODUÇÃO
1.1. As parcerias público – privadas no sector portuário
O sector portuário, e a movimentação de carga contentorizada em particular, têm sofrido uma grande
evolução na última década, fruto da crescente procura de transporte a nível mundial. A necessidade
de transportar maiores volumes de carga, no contexto de um mercado extremamente competitivo,
como é o relativo ao transporte de linha regular, conduziu a uma procura por maiores ganhos de
eficiência na cadeia de transporte, sobretudo através do incremento da dimensão dos navios (efeito
de escala) e da modernização dos processos de carga/descarga ao nível dos terminais de
contentores (redução dos tempos de operação e de parque). Esta dinâmica de inovação e de
modernização transformou o mercado de operação portuária num sector de capital intensivo, onde a
realização de investimentos frequentes e avultados constitui a única alternativa para garantir a
competitividade das empresas.
A participação privada no sector portuário, através da realização de parcerias público–privadas,
veiculadas por contratos de concessão, tem-se revelado uma fórmula extremamente popular e eficaz
de potenciar o desenvolvimento portuário, introduzindo novas disponibilidades financeiras e uma
maior orientação para o mercado, em consonância com uma filosofia mais neo-liberal de um Estado
mais regulador e menos prestador (operador), o tradicional “menos estado, melhor estado”. Contudo,
a adequação e flexibilidade destas parcerias têm sido postas à prova devido às referidas alterações
no sector portuário, onde o surgimento de necessidades extra de investimento impõe respostas por
parte das diferentes concessionárias. Verificou-se um natural prolongamento do prazo das
concessões existentes, registando-se também um acentuado movimento de consolidação entre as
empresas do sector portuário, quer ao nível dos terminais quer ao dos operadores de linha, com
consequências na estrutura e participação do mercado. Estes movimentos têm levantado questões
relevantes acerca da menor contestabilidade do mercado de movimentação de carga e do risco de
instituição de comportamentos monopolistas a nível local ou regional, aumentando desta forma as
falhas de mercado (market failures).
Em Portugal, o Terminal de Contentores de Alcântara (TCA) reflecte o impacto da evolução sofrida
no mercado da carga contentorizada. Saturado e a necessitar investimentos de modernização em
infra-estruturas e equipamentos, o terminal carece de uma intervenção que assegure a sua
competitividade no segmento deep sea. Importa, pois, identificar quais as alternativas que se
afiguram para essa modernização, à luz do contrato de concessão celebrado (datado de 1984) e da
legislação em vigor. Estas alternativas de investimento são determinadas, sobretudo, por três
factores, que são a disponibilidade financeira do concessionário e concedente, a real urgência da
realização dos investimentos e a legalidade das opções tomadas. Da conjugação destes elementos
resultam diferentes soluções, como a prorrogação do contrato existente, mediante a realização de
novos investimentos pela concessionária, o adiamento dos investimentos para o fim da concessão
2
ou o recurso a ferramentas administrativas e contratuais alternativas, de que é exemplo o resgate da
concessão. Estas opções serão discutidas nesta dissertação.
1.2. Objectivos
Com este trabalho introduz-se uma contribuição para o estudo das parcerias público – privadas
(PPP) no sector portuário em Portugal. A celebração de PPP no sector portuário, e em particular,
para a carga contentorizada, teve início em 1984 com a celebração do contrato de concessão do
TCA. Desde então, e sobretudo no final da década de 90 do século passado, verificou-se um recurso
à técnica concessória como forma de gestão partilhada (público/privado) dos diversos terminais de
carga contentorizada portugueses. As condições de celebração dos diferentes contratos diferem,
quer devido à moldura legal vigente na data em que cada um foi firmado (exemplo do TCA, cujo
contrato é anterior aos Decretos-Lei n.º 324/94 e n.º 298/93 que estabelecem o Regime Jurídico da
Operação Portuária) quer no contexto da sua celebração (exemplo do Terminal XXI em Sines,
concessionado por decreto próprio à Autoridade Portuária de Singapura – PSA). Importa pois
compreender qual a influência destes factores na celebração dos próprios contratos, identificando
qual a alocação de riscos acordada, quais as condições particulares de cada um e inferir acerca da
legitimidade destas disposições à luz da lei vigente.
Constituindo o tópico ao qual se dará maior ênfase, pretende-se identificar de que forma estão aptos
os contratos de concessão de terminais de contentores, particularizados pelo caso do TCA, a dar
resposta às solicitações da evolução tecnológica e de estrutura do mercado da movimentação de
carga contentorizada. Em particular, pretende-se analisar qual a legitimidade e viabilidade das
diferentes possibilidades existentes para a realização dos investimentos impostos por essa evolução,
bem como avaliar a adequabilidade dos modelos de contrato de concessão celebrados à realidade
competitiva do mercado global da carga contentorizada. Uma análise comparativa dos diferentes
contratos permitirá inferir acerca da existência ou não de um risco “sistémico” para o sector, fruto do
surgimento de necessidades de investimento adicionais e inesperadas às quais os actuais contratos
não permitem dar resposta, ou se, contrariamente, os contratos de concessão regulamentam já de
forma clara o enquadramento contratual em que se deverão processar esses investimentos
adicionais, fundamentais para manter a dinâmica competitiva do sector portuário. Caso esse risco
“sistémico” exista, pretende-se que o estudo da situação de Alcântara, e a análise da solução
futuramente adoptada, constituam elementos valiosos de aprendizagem para a celebração de novos
contratos de concessão no sector e para a redacção de futura legislação do sector, como a
aguardada nova Lei dos Portos.
A nível comunitário, e fruto da ausência de legislação secundária sobre a matéria, existe uma
diversidade de modelos de participação privada nos portos, fundamentada por matrizes de direito
nacional diferentes (veja-se a matriz de direito Anglo-saxónico em oposição à Portuguesa, de
predominância Latina) que resultam em contratos com disposições muito distintas, como os
contratos de leasing típicos nalguns países do norte da Europa, que apresentam um grau de
3
flexibilidade e de adaptação que lhes permitem atingir graus de investimento e competitividade muito
relevantes. Adicionalmente, também o financiamento dos operadores portuários por parte de
entidades públicas com vista a garantir a sua competitividade, ao abrigo de condicionantes de
serviço público e da pretensa existência de falhas de mercado no sector constitui uma forma de
subsidiação que não está suficientemente regulamentada a nível comunitário. Com este trabalho
pretende-se também, embora numa menor escala, analisar a influência destes elementos na
realidade contratual das concessões portuguesas.
1.3. Metodologia
Para esta análise houve necessidade de considerar cinco elementos fundamentais: Quais as
práticas de governação e de celebração de parcerias público – privadas (PPP) no sector portuário
em Portugal e a nível europeu? Qual a evolução tecnológica verificada no sector e que repercussões
tem na actividade dos concessionários? Qual a real situação do TCA em termos de necessidades de
expansão e modernização? Qual a moldura contratual imposta pelo contrato de concessão
celebrado (e posterior aditamento) e de que forma se articula com a legislação especifica do sector?
Quais as alternativas que se afiguram para a realização de tais investimentos e de que forma são
restringidas pelo clausulado do contrato de concessão existente?
Procurou-se obter resposta às duas primeiras questões com base em pesquisa bibliográfica e na
discussão com especialistas desta área. Em particular recorreu-se ao apoio da empresa alemã
EUROGATE, o maior operador portuário europeu, accionista minoritário do TCA, para a obtenção de
informação relativa às práticas contratuais de outros países europeus. Procedeu-se também à
análise comparativa de seis contratos de concessão de terminais portuários nacionais (dos Portos de
Setúbal, Lisboa e Sines), celebrados em diferentes épocas, com o objectivo de identificar pontos
convergentes e divergentes na prática concessória portuguesa no sector, regulamentada pelo
disposto no Decreto-Lei n.º 324/94. Com base nisso procedeu-se à elaboração de uma matriz de
afectação de riscos e a uma discussão da legitimidade de diversas disposições identificadas nos
contratos.
Para a caracterização da actual situação do TCA baseamo-nos apenas em estimativas e relatórios
de entidades públicas (ou de entidades públicas empresariais), como o Tribunal de Contas (TC), o
Instituto Português do Transporte Marítimo (IPTM) e a Administração do Porto de Lisboa (APL) e na
análise do contrato de concessão existente. Por fim, para a identificação dos investimentos
projectados, do seu custo e da sua possibilidade em termos contratuais e legais recorreu-se a
informação fornecida pela entidade concessionária do TCA e informação proveniente de entrevistas
e consultas a diversos especialistas das várias áreas envolvidas na celebração e gestão do contrato
de concessão, designadamente juristas, gestores dos terminais portuários e autoridades portuárias.
Em particular analisaram-se elementos como o plano de negócios do projecto de expansão
(provisório), pareceres jurídicos relativos à admissibilidade da prorrogação do contrato e estudos de
viabilidade técnica e económica.
4
Como forma de avaliar as possíveis consequências de uma possível prorrogação do actual contrato,
e visto a exploração estar a cargo da empresas com maior presença no sector a nível nacional,
procedeu-se também a uma análise das condições de concentração do mercado de movimentação
de carga portuária, bem como das condições em que essa concentração teve lugar, comparando-as
com decisões comunitárias da Autoridade da Concorrência relativas ao mesmo tipo de mercado.
1.4. Estrutura
O trabalho encontra-se dividido em sete capítulos. Depois desta breve introdução, no segundo
capítulo, apresenta-se uma caracterização da evolução do mercado de movimentação de carga
contentorizada, procurando identificar quais as consequências, para os terminais, do aumento
verificado no volume de operações e na dimensão dos navios porta contentores. A este respeito
referem-se também os anexos 1 a 3 onde se efectua uma análise adicional sobre a influência da
evolução do comércio mundial no crescimento do mercado da carga contentorizada, assim como se
analisa o surgimento de movimentos de consolidação horizontal e vertical, também eles causa e
consequência do aumento da dimensão dos navios e do volume de carga transportada. O terceiro
capítulo apresenta os conceitos gerais associados às parcerias público-privadas (PPP) no sector
portuário e à celebração dos contratos de concessão associados – a nível nacional e a nível
comunitário, focando-se principalmente na interligação entre a celebração dessas parcerias e os
modelos de gestão portuária adoptados. O quarto capítulo apresenta o TCA, caracterizando-o no
contexto do Porto de Lisboa e do sector portuário nacional ao nível do mercado alvo, diagnosticando
as insuficiências de que padece a nível operacional e infra-estrutural. A análise do contrato de
concessão celebrado entre a Liscont e a APL para a concessão do TCA é feita no capítulo cinco,
efectuando-se uma comparação entre o clausulado de diversos contratos de concessão nacionais de
terminais do sector. No capítulo seis analisam-se as diferentes alternativas existentes para a
realização dos investimentos de modernização que é necessário levar a cabo no terminal, com
particular destaque para a alternativa de prorrogação do contrato de concessão da Liscont, que
aparenta ser a opção a seguir pelos intervenientes, mas versando também as opções do resgate, do
adiamento dos investimentos e do recurso a processos alternativos de indemnização. Por fim, no
capítulo sete apresentam-se as conclusões retiradas do trabalho realizado bem como perspectivas
sobre estudos futuros baseados na comparação de modelos de gestão portuária portugueses e de
portos de outros países europeus, e implicitamente, os modelos de contrato associados.
Adicionalmente, o anexo 4 tece algumas considerações acessórias acerca da concorrência e
contestabilidade do mercado de movimentação de carga contentorizada a nível europeu,
fundamentais para a compreensão dos contratos de concessão num contexto mais abrangente.
Assim analisam-se as razões e legitimidade das imposições de serviço público presentes no sector e
as suas condicionantes na formulação contratual bem como as motivações e justificações da
adopção por parte do estado, sobretudo em alguns países da União Europeia, de medidas de apoio
e financiamento do sector portuário.
5
2. A EVOLUÇÃO DO TRANSPORTE MARITIMO DE CONTENTORES NO
CONTEXTO DA ECONOMIA MUNDIAL
2.1. A contentorização na economia global
O transporte de carga contentorizada tem sido “the fastest growing sector of the maritime industries
during the last two decades” (ESPO, 2007)1. A grande maioria dos produtos transportados em
contentores corresponde a produtos manufacturados. Devido ao elevado valor específico destes
produtos, o transporte contentorizado de manufacturas foi responsável pela movimentação de 70%
do valor do comércio marítimo mundial em 2005 (UNCTAD, 2007), sendo que, em trocas entre
países industrializados esta percentagem subiu para os 90% (World Bank, 2007). Assim, pode
afirma-se que “containerization has been a major and increasingly important element of not only
maritime activity, but also world trade and of entire global industrial structure” (Peters, 2001), o que
implica uma taxa de penetração notável para uma tecnologia que data apenas de meados dos anos
50. A figura 1 apresenta, em milhões de toneladas, o crescimento mundial da carga contentorizada
segundo dados da Clarkson Research Services.
O crescimento da carga contentorizada justifica-se por dois conjuntos de razões. Primeiro, desde o
do seu advento nos anos 50, o processo de contentorização tem vindo a substituir as outras formas
de transporte de carga geral fraccionada (efeito de substituição) graças à sua maior eficácia na
satisfação dos requisitos de fiabilidade, rapidez e intermodalidade requeridos. Segundo, e como
refere a Drewry Shipping Consultants (2006), factores conjunturais como o aumento da actividade
económica, a liberalização do comércio, a redução das taxas alfandegárias, a globalização da
economia mundial e o recurso ao outsourcing geraram uma maior procura dos serviços de transporte
(ver anexo 1). Refira-se que estes foram exactamente os mesmos factores que, em conjunto com a
inovação tecnológica, explicaram a aceleração da economia mundial. Assim, pode afirmar-se que
“containerization has in part created is own market” (Peters, 2001) ao apresentar-se como a solução
1 A percentagem da carga contentorizada na carga geral registou um incremento de 7,4% em 1985 para 24% em 2006, o que
significa um crescimento médio anual (em toneladas) de 9,8%, alcançando aproximadamente 1,13 biliões de toneladas em
2006.
Figura 1 – Crescimento mundial da carga contentorizada (106 ton)
6
eficaz para o transporte dos materiais gerados por uma economia globalizada e, desta forma
constituir-se como um veículo para aceleração da economia mundial. Ao permitir um transporte
regular e barato de mercadorias, a contentorização tornou possível que uma maior fatia dos bens
produzidos entrasse no circuito do comércio mundial e possibilitou, por exemplo, a deslocalização de
grande parte da produção mundial para zonas low cost, como o Sudeste Asiático, a Índia e a
América Latina. Estes fenómenos originaram sistemas de produção mais eficientes, permitindo a
aceleração da economia mundial e consequentemente aumentando a procura por serviços de
transporte de carga contentorizada.
Neste cenário é espectável que o transporte de carga contentorizada continue a aumentar no futuro
(UNCTAD, 2007). Por um lado, não é expectável que os fenómenos de especialização vertical
sofram qualquer inversão, estimando-se que o aumento da carga movimentada continue a ser
superior ao aumento da produção mundial, que se espera (globalmente) que continue a crescer no
futuro. Adicionalmente, constata-se uma crescente tendência para a organização das redes de
transporte marítimo num sistema Hub & Feeder que gera efeitos multiplicadores na movimentação
de contentores a nível mundial (Levingson, 2006). O aumento do recurso a práticas de transhipment
para ganhos a nível operacional gera movimentos adicionais do mesmo contentor em cada terminal,
que provocam um crescimento induzido no universo de contentores em trânsito. Também a
existência de desequilíbrios no comércio entre diferentes regiões geográficas leva a que exista um
significativo movimento de contentores vazios, especialmente na rota Ásia/Europa. Estes factores de
crescimento do número de contentores movimentado têm um impacto directo no aumento da carga
movimentada nos portos, mas também no número e dimensão dos navios porta contentores
necessários. Segundo dados apresentados pela Drewry Shipping Consultants (ESPO, 2007), o
volume de contentores movimentado a nível mundial em 2006 foi de aproximadamente 129 milhões
de TEU. Uma projecção feita até 2020 pela UNCTAD (2007) estima que se atinja um volume
movimentado de 157 milhões de TEU em 2008, 219 milhões de TEU em 2012 e 287 milhões de TEU
em 2016, excedendo-se os 371 milhões de TEU em 2020. Menos optimista, mas igualmente
impressionante, a estimativa da UNESCAP (2005) aponta para volumes de 177,6 milhões de TEU
para 2015 (excluindo transhipment). O maior crescimento é esperado no comércio intra-regional,
especialmente no comércio Intra-Ásia (taxas de crescimento anual de 7,5%). Também no comércio
Norte-Sul e Este-Oeste são esperados crescimentos significativos nunca inferiores a 6% ao ano2.
Porque a “estabilidade (do serviço) é um conceito fundamental subjacente à criação do transporte de
linha regular” (Ramos da Costa, 1992), as empresas de navegação têm a necessidade de garantir
rotas e horários fixos. Assim, e de forma a poder acomodar a crescente procura de transporte de
carga contentorizada, verificou-se, nos últimos vinte anos , um aumento considerável do número e
dimensão dos navios utilizados no transporte de contentores. Isto implicou um “reajustamento das
operações, das infra-estruturas e superstruturas” (Monteiro, 2003) associadas à movimentação de
2 Comércio Este-Oeste, isto é Transpacifico, Transatlântico e Ásia/Europa; Comércio Norte-Sul corresponde aquele que liga os maiores centros de produção e consumo da Ásia, América do Norte e Europa com os países em desenvolvimento do Hemisfério Sul.
7
carga. A crescente procura de produtos manufacturados a nível internacional não implicou apenas
desenvolvimentos sistemáticos no transporte de linha regular mas motivou também o surgimento,
neste campo, de um grande número de inovações. É interessante de referir que foram as
características da carga e do negócio da movimentação em si que influenciaram profundamente
essas inovações, que, por sua vez, levaram a desenvolvimentos económicos que conduziram a um
aumento da carga e assim, ao surgimento de novas inovações como resposta.
2.2. Alterações tecnológicas do processo de contentorização
2.2.1. A dimensão dos navios
Desde há vinte anos para cá a capacidade de transporte da frota mundial aumentou mais de sete
vezes, crescendo em média 10,8% ao ano, verificando-se as taxas de crescimento superiores na
última década (UNCTAD, 2007). Em Outubro de 2007, a frota mundial de navios porta contentores
alcançou a capacidade de transporte de 12,5 milhões de TEU, existindo em operação 135 navios
com capacidade igual ou superior a 8.000 TEU. Simultaneamente, a dimensão média dos navios
porta contentores mais do que duplicou no mesmo período (ver quadro1). Aproximadamente 30%
dos navios existentes tem uma capacidade de transporte superior a 5.000 TEU, incluindo seis navios
de 14.500 TEU operados pela Maersk Line da Dinamarca.
Total Mundial 1987 1997 2006 2007
Número de navios 1.052 1.954 3.494 3.904
Capacidade agregada (TEU) 1.215.215 3.089.682 8.120.465 9.436.377
Capacidade média por navio (TEU) 1.155 1.581 2.324 2.417
Fonte: Adaptado de UNCTAD (2007). Navios de 100 GT ou superiores.
Com as melhorias verificadas nos últimos anos ao nível da carga/descarga dos navios porta
contentores ganhou importância adicional o tempo dispendido no trajecto entre portos, favorecendo a
utilização de navios de maior dimensão que permitam atingir ganhos de escala em função da maior
capacidade de carga disponibilizada. Com efeito, a operação de navios de maior dimensão não
carece de uma tripulação significativamente maior, verificando-se também que os custos do
combustível aumentam proporcionalmente menos do que a capacidade de transporte (Penfold et al.,
2001). Dados estes factos, compreende-se a utilização de navios de grandes dimensões em rotas
com longos tempos de travessia (como as linhas Europa-Ásia), onde são maiores os efeitos de
escala, desde que os volumes de carga o justifiquem: Note-se que para a manutenção de um serviço
de linha regular semanal com a capacidade de 5.000 TEU é necessário dispor de uma capacidade
de transporte total de 40.000 TEU (8 navios), dado que o tempo médio de travessia Europa-Ásia
ronda os 60 dias (valor médio).
Quadro 1: Evolução da dimensão dos navios porta contentores
8
Historicamente, um dos maiores entraves ao aumento da dimensão dos navios porta contentores foi
a dimensão das eclusas do canal do Panamá, que limitam a boca dos navios a 32,3 metros e o seu
comprimento a 289,5 metros. Os navios que têm as dimensões máximas possíveis para atravessar o
canal denominam-se de Panamax e atingem capacidades até 4.800 TEU. Durante muito tempo
considerou-se que as dimensões do Canal do Panamá seriam o limite máximo para o crescimento
dos navios porta-contentores, uma vez que a adopção de navios de maiores dimensões poderia
trazer problemas operacionais (MacLellan, 1997). Contudo, alguns factos alteraram esta perspectiva,
nomeadamente os elevados níveis de congestionamento verificados no Canal e o surgimento de
alternativas resultantes dos melhoramentos efectuados no caminho-de-ferro, devido à introdução nos
Estados Unidos e no México de serviços costa a costa de comboios de transporte de contentores em
vagões capazes de transportar cerca de 200 TEU a 2 alturas a baixo custo unitário. Devido a estes
factores e ao crescimento de rotas independentes ao Canal (como seja a rota Europa/Extremo
Oriente), a importância do Canal do Panamá decresceu, deixando de ser uma forte condicionante na
determinação da dimensão dos navios. Durante a segunda metade dos anos 90, a American
President Lines introduziu os primeiros navios Post-Panamax, com uma capacidade de 4.400 TEU.
Estes navios tinham um comprimento de 273 metros, 39 metros de boca e foram os primeiros porta
contentores incapazes de atravessar o Canal do Panamá. De acordo com a American President
Lines, “the principal advantage of Post-Panamax ship is virtually unlimited container capacity. Other
advantages include the fact that a large Panamax ship must carry much as 12,500 tons of water
ballast, whereas an equivalent size, but wider, postpanamax ship requires little or no ballast and
consumes less fuel. Also, for the same TEU capacity, the postpanamax ship is 5 percent cheaper to
build because length is the most expensive dimension” (World Bank, 2007). Navios mais largos têm
mais estabilidade de navegação, pois apresentam menor frequência de oscilação e, durante as
operações de carga e descarga, exibem menores esforços de torção (Peters, 2001). Também a
capacidade de armazenamento é optimizada nos navios Post-Panamax, uma vez que permitem uma
menor estratificação da carga, reduzindo o número de movimentos de shifting durante a carga.
Desde o advento dos primeiros navios Post-Panamax até à actualidade o crescimento dos navios
porta contentores tem sido espantoso3 (ver quadro 2 e anexo 2). Apesar de a maioria dos navios
actualmente em uso ainda ser do tipo Panamax, verifica-se que os navios Post-Panamax já
representam cerca de 42% da frota mundial. Dado que a boca é a dimensão mais condicionante nos
navios Panamax, foi o elemento que mais rapidamente cresceu desde o surgimento dos Post-
Panamax. Este facto deu origem a uma classe especial de navios Post-Panamax, a classe U.L.C.S.
(Ultra Large Container Ship) com capacidades tipicamente superiores a 10.000 TEU e bocas de 57
metros (22 fiadas de contentores alinhadas no convés). Em 2006, o Panamá tornou públicos os seus
planos de construção de um terceiro conjunto de eclusas. Se tudo correr conforme o planeado, estas
novas eclusas medirão 427 metros de cumprimento, 55 metros de largura e permitirão calados até
3 Por exemplo, a consultora Ocean Shipping Consultants (2006) estima que a capacidade de um navio típico utilizado nas rotas Europa-Extremo Oriente aumente de 4500-5500 TEU para 8000-9000 TEU em 2010 (i.e. +70%) e não menos de 10.500 TEU em 2015 (i.e. +11%). O aumento da dimensão média dos navios noutras linhas deep-sea e feeder será expectavelmente menor, mas ainda assim notável.
9
18,3 metros, estando operacionais em 2015. Segundo os primeiros estudos realizados (Penfold et
al., 2001), a capacidade máxima de transporte possível de atingir com estas dimensões rondará os
12.500 TEU, estando presentemente a ser testados diferentes designs para os navios daquela que
será a nova classe de navios, os NPX (New Panamax)4. Será interessante avaliar, caso o
alargamento do canal se verifique, qual será a viabilidade destes navios face às dimensões U.L.C.S.,
sobretudo tendo em conta “the greater flexibility of the Panamax ship” (MacLellan, 1997).
01-01-1995 01-01-2000 01-01-2007 01-01-2010
Capacidade n.º TEU n.º TEU n.º TEU n.º TEU
>7.500 TEU 0 0 10 80.822 147 1.250.003 293 2.631.348
5.000 a 7.499 TEU 0 0 68 383.415 357 2.070.373 527 3.085.113
4.000 a 4.999 TEU 79 345.351 156 682428 346 1.529.854 518 2.284.181
3.000 a 3.999 TEU 164 541.516 227 770.410 282 956.165 362 1.230.169
2.000 a 2.999 TEU 255 637.502 389 960.443 648 1.630.850 810 2.055.784
100 a 1.999 TEU 1.244 1.119.529 1.772 1.631.190 2.170 2.140.988 2.704 2.787.238
Total 1.742 2.643.898 2.622 4.508.708 3.950 9.578.233 5.214 14.073.833
Capacidade média dos navios
1.518 TEU 1.720 TEU 2.425 TEU 2.699 TEU
Fonte: ESPO (2007). Estimativas para 2010 baseadas no livro de encomendas a 01-03-2007.
2.2.2. Os terminais de contentores
Os custos operacionais são extremamente relevantes para os armadores a operar em linhas
regulares. De acordo com a ESPO (2007), um navio porta contentores de 8500 TEU encomendado
em 2003 por um valor de 80.000.000 dolares que esteja actualmente a ser utilizado em travessias
Europa – Extremo Oriente de oito semanas de duração, origina um custo fixo de 30.000 dolares por
dia, (considerando o valor do capital a amortizar + juros + custos com tripulação e manutenção) e um
custo variável de aproximadamente 95.000 dolares por dia (incluindo custos com seguros + custos
de uso do porto + custo de acostagem + outros custos). O aumento de três dias na duração total de
uma viagem, devido a congestionamento ou dilatação do tempo de descarga nos portos, pode
significar um incremento nos custos operacionais de várias dezenas de milhares de dólares. Logo, o
desempenho dos terminais de carga/descarga é de importância crucial para o sucesso das linhas
regulares, uma vez que, dado os elevados custos associados, os armadores apenas lucrarão com o
transporte “if the economies of density achieved at sea are not negated by diseconomies of scale in
ports” (Haralambides et al., 2002).
4 A maioria dos construtores navais concorda que a capacidade máxima de transporte de um navio sujeito às restrições do Canal do Panamá, na sua dimensão actual, rondará os 4.800 TEU, sendo estas capacidades apenas atingidas com cargas muito leves (Peters, 2001).
Quadro 2: Composição da frota mundial de porta contentores
10
A pressão por maior produtividade e eficiência nas operações portuárias conduziu a que o negócio
da operação portuária, devido aos volumes de investimento envolvidos na modernização e
adaptação dos equipamentos, se tornasse numa actividade de capital intensivo. Também o aumento
da tonelagem dos navios porta contentores implicou investimentos adicionais na reconfiguração dos
terminais e um aprofundamento dos canais de acesso e bacias de manobra. Conforme refere Peters
(2001), “massive investments and substantial productivity improvements are generally required to
enable ports to meet rigorous service requirements of their costumers efficiently”. As maiores
exigências que os terminais de contentores enfrentam, fruto do surgimento dos navios U.L.C.S.,
prendem-se com a adaptação das características físicas dos terminais e com a melhoria dos tempos
de operação. A disponibilidade de cais de descarga e de canais de acesso com a profundidade
necessária, bem como a existência de gruas apropriadas para operar em tais navios são
considerados elementos cruciais para a competitividade dos portos. Também as áreas de
armazenamento de contentores necessitam de ser ampliadas, uma vez que cada navio, ao
transportar mais contentores, gera mais facilmente situações de sobrelotação.
A correlação entre a configuração do navio e as características do terminal de contentores foram já
estudadas por (Penfold et al, 2001). Este estudo procurou identificar as dimensões óptimas de um
navio U.L.C.S., assumindo que o seu tamanho “would be determined by the interplay between what
could be constructed and driven at the required speed and what could be effectively handled by the
container terminals”. Algumas características particulares dos terminais foram consideradas como
determinantes para a definição da configuração do navio desejável: o comprimento do navio, era
fundamentalmente função da disponibilidade de cais; a boca, função do alcance máximo das gruas e
o calado do navio, função da profundidade existente ao longo do cais de acostagem. Apresenta-se
de seguida uma análise mais detalhada de cada uma destas correlações.
2.2.3. Canais de acesso
Em muitos portos a profundidade dos canais de acesso e do cais de descarga é insuficiente para
receber navios Post-Panamax. Um destes navios quando carregado cala em média 14,5 metros, o
que obriga muitos portos a proceder a alterações nos seus canais de acesso, realinhando-os e
dragando-os de forma a atingir a largura e profundidade necessárias. Também para manobrar os
navios é necessário investimento adicional em rebocadores com potência adequada, tal é a
dimensão dos navios e a sua área de exposição aos ventos.
2.2.4. Áreas de parque
“As cargo handling rates rise, yard space requirement rises too. The ability to expand on existing
sites will vary by location and it’s possible that relocation might be necessary” (MacLellan, 1997). O
ritmo a que se processa a carga/descarga de um navio porta contentores não é compatível com o
ritmo (muito mais lento) a que os contentores são escoados do terminal para as suas áreas de
destino, sobretudo quando os volumes de carga transportados nos navios são anormalmente altos.
Hoje em dia os contentores permanecem no porto entre 3 a 8 dias após descarga ou antes de
11
embarque, empilhados nas áreas de armazenamento existentes ao longo do terminal. Neste
contexto, o aumento da capacidade de carga dos navios tem como consequência o aumento da área
necessária para o parqueamento dos contentores movimentados e também a criação de área de
damping, ligadas ao porto por via fluvial ou caminho de ferro, que tenham a função de buffers
capazes de fornecer alguma capacidade de armazenamento adicional nos picos de utilização do
porto (Ramos da Costa, 1992). Com efeito, o tempo de permanência dos contentores em parque,
dwell time, é uma condicionante importante do funcionamento do terminal, devendo ser
aperfeiçoados todos os processos de transferência modal de forma a assegurar uma transferência
continua da carga entre as origens/destinos e o porto (Stopford, 2002).
2.2.5. Extensão do cais
Os cais de acostagem na maioria dos terminais de contentores estão organizados de uma forma
linear, sendo por vezes necessário proceder a expansões de forma a poder operar navios de 380 a
400 metros de comprimento. A própria capacidade das defensas e dos cabeços de amarração tem
de ser revista, considerando os esforços superiores impostos por navios desta dimensão.
2.2.6. Pórticos
Até à construção dos primeiros navios Post-Panamax, a maior limitação à forma do navio era a
dimensão da boca, que não poderia exceder 32,2 metros de forma a passar através das eclusas do
Canal do Panamá. Os últimos navios Panamax construídos tinham uma capacidade de 4.500 TEU
sendo esta capacidade conseguida através da adopção de relações comprimento/boca do navio
superiores às que resultam da optimização da forma dos cascos, atendendo a considerações de
natureza hidrodinâmica e da resistência dos materiais. Libertos desta limitação os arquitectos navais
passaram a projectar navios de maior boca, sendo naturalmente esta dimensão aquela que
proporcionalmente mais cresceu. É precisamente a boca dos navios que mais influencia o alcance e
a envergadura total dos pórticos utilizados na carga/descarga dos navios. Assim, com o surgimento
dos navios Post-Panamax, os terminais viram-se forçados a instalar pórticos de maiores dimensões,
com alcance de 48 metros e capacidade de elevação (sob spreader) de 35 metros. Mesmo estes
equipamentos tiveram de ser substituídos com o advento dos navios U.L.C.S. que tipicamente
requerem gruas com um alcance sobre o navio de 62 metros e a capacidade de empilhar uma altura
adicional de contentores.
O crescimento das dimensões dos navios tem como consequência o aumento da distância a
percorrer pelos contentores quando, suspensos do pórtico, descrevem um ciclo de carga ou
descarga. Os contentores têm que ser elevados a uma maior altura e serem estivados a bordo em
posições mais afastadas do cais. No caso de se manterem as velocidades operacionais dos pórticos,
nomeadamente a velocidade de elevação e a velocidade de deslocamento perpendicular ao cais, o
tempo de ciclo aumentaria necessariamente, reduzindo os ritmos de carga/descarga. Isto é
precisamente o oposto àquilo que o mercado requer. Para minimizar os tempos de estada no porto é
indispensável acelerar os ritmos de descarga. Para compatibilizar ritmos de descarga mais rápidos
12
com percursos maiores houve que aumentar as velocidades operacionais o que implicou um
aumento significativo da potência de motorização dos pórticos. Com o mesmo objectivo de
incrementar os ritmos operacionais, os pórticos passaram a estar preparados para receber spreaders
(dispositivos automáticos para suspensão de contentores) tweenlift, capazes de movimentar em
simultâneo dois contentores de 20 pés ou um de 40 pés e double tweenlift, capazes de movimentar
simultaneamente dois contentores de 40 pés ou quatro de 20 pés. Para tal, a estrutura dos pórticos
teve que ser reforçada de forma a suportar cargas suspensas duplas daquelas que podiam suportar
os pórticos de 1ª geração. Para elevar maiores cargas houve que aumentar ainda mais a potência
das motorizações de elevação de cargas. Por serem mais altas do que as suas predecessoras, os
pórticos modernos estão também equipadas com dispositivos anti-balanço que auxiliam os
manobradores no posicionamento dos contentores.
O crescimento da capacidade e das dimensões dos navios tem obrigado os terminais a equiparem-
se com novos pórticos de dimensão sempre crescente, representando investimentos elevados e
requerendo prazos de amortização alargados. Para além destes investimentos os operadores têm
sido obrigados a realizar trabalhos de transformação (revamping) dos seus pórticos mais antigos de
forma a mantê-los eficientes e tecnologicamente actualizados. Conforme se apresenta no quadro 3,
os operadores de terminais de todo o mundo estão claramente a antecipar a chegada dos grandes
porta contentores de mais de 10.000 TEU num futuro não muito distante. Dos 363 pórticos de cais
entregues em todo o mundo em 2006, nada menos do que 231 (64%) tinham um alcance igual ou
superior a 60 metros, permitindo a movimentação de carga em navios com 20 a 22 fiadas de
contentores. Também mais de 58% dos pórticos encomendados para 2007 e 2008 tem um alcance
superior a 60 metros (ESPO, 2007).
Pórticos entregues (a nível mundial)
Alcance (m) 2006 2007
Inferior a 35m 5 1,4% 0 0%
35m – 45m 21 5,8% 33 9%
45m – 60m 106 29,2% 121 32,9%
Pelo menos 60m 231 63,6% 214 58,2%
Fonte: Adaptado de ESPO (2007).
2.2.7. Equipamento de Parque
Para carregar e descarregar os meios os contentores transportados por via terrestre e empilhar os
contentores no parque o terminal tem que dispor de um conjunto de equipamentos que permitam
realizar estas operações de forma eficiente e regular. Na actualidade os mais utilizados são os
seguintes: Front Loaders (grandes empilhadores equipados com spreader automático); Reach
Stackers; Straddle Carriers (ou Van Carriers); R.T.Gs - rubber tyred gantries e R.M.Gs - rail mounted
gantries.
Quadro 3 – Entregas de pórticos de cais novos
13
Os equipamentos estão listados por ordem crescente de custo e também de capacidade unitária. Os
terminais que dispõem de elevadas relações área disponível volume de movimentação, podem optar
por 1 dos 3 primeiros tipos de equipamentos descritos, de menor custo unitário e de aplicação mais
generalizada a qualquer local do terminal. Ao revés, os terminais com menor relação área disponível
/ volume de movimentação terão que optar por uma das últimas alternativas, designadamente
pórticos de parque sobre pneus ou carris, que permitam efectuar empilhamentos a maior altura e
reduzir as áreas de circulação, conseguindo por estas duas vias adensar o parqueamento de
contentores. Para o transporte horizontal de contentores desde os pórticos de cais até aos locais de
empilhamento utilizam-se geralmente conjuntos de tractor – semi-reboque, especializados para a
operação de terminal. Por cada pórtico de cais em operação os terminais têm que dispor no parque
de equipamentos cujo custo total ronda os 50% do custo do pórtico de cais (3,5 a 4 milhões de euros
por pórtico de cais). Os prazos de amortização utilizados para os primeiros três tipos de equipamento
listados rondam os 8 a 12 anos. Os pórticos de parque sobre pneus ou sobre carris são normalmente
amortizados em prazos que medeiam entre os 20 e os 25 anos. O tempo de vida de um pórtico de
cais nunca deverá exceder 25 anos.
2.2.8. Sistemas informáticos de controlo operacional
Igualmente importante é a utilização de tecnologias de informação, particularmente para o controlo
da movimentação dos contentores. O uso de tecnologias de informação (TI) generalizou-se no sector
do transporte marítimo revolucionando a forma como o tráfego intermodal é gerido. De modo a
controlar todas as operações, os terminais necessitam de sistemas capazes de monitorizar todos os
movimentos efectuados, estando a eficiência de um terminal muito ligada à qualidade dos sistemas
de controlo utilizados. Estes sistemas proporcionam bases de dados, constantemente actualizadas,
onde cada contentor é associado com as coordenadas físicas da sua posição no parque. Com efeito,
o sistema tem de ter a capacidade de monitorizar todos os contentores que entram e saem do
terminal, transportados por estrada, caminho-de-ferro ou mar e todas as mudanças de posição que
os contentores sofrem dentro do próprio parque. Estes processos acarretam uma tremenda
complexidade, considerando que cada terminal pode ter milhares de contentores. Simultaneamente,
as TI permitem aos utilizadores do porto obter informações em tempo real sobre a disponibilidade
dos terminais portuários e permite que se integrem navios e terminais na mesma estrutura de gestão
da informação. Através da utilização de mensagens electrónicas internacionalmente normalizadas
possibilita-se a permuta de dados e informações com os sistemas de planeamento dos armadores,
agentes de navegação, carregadores e recebedores. Como refere o Banco Mundial, a
implementação de redes de informação e posicionamento cria uma grande vantagem para os
terminais e para os seus utilizadores: ”ports unable or unwilling to keep pace with information
technology will be left behind in the competitive ocean transport market” (World Bank, 2007). Ainda
assim, tecnologias como o Sistema de Posicionamento Global (GPS), Vessel Traffic Systems (VTS)
e Electronic Data Interchange (EDI) têm umcusto elevado de implementação, envolvendo
investimentos na ordem de milhões de euros.
14
3. CONTRATOS DE CONCESSÃO NO SECTOR PORTUÁRIO
3.1. As Parcerias Público-Privadas no sector portuário.
3.1.1. Motivações subjacentes ao aumento da participação privada
O paradigma da gestão portuária mudou muito nas últimas duas décadas, fruto em grande medida
dos resultados do crescente envolvimento de entidades privadas na promoção, gestão e exploração
de estruturas portuárias. Os portos, tradicionalmente geridos por entidades públicas, estão a
transformar-se em indústrias normais, perseguindo a crença de que “an enterprise based economy
would allow for greater flexibility and efficiency in the market and a better response to consumer
demands” (Notteboom e Winkelmans, 2001). Existe a ideia generalizada de que para que um porto
atinja o sucesso comercial é crucial enfatizar a participação privada e atingir uma separação efectiva
entre as autoridades portuárias e a influência politica e económica dos governos centrais. Também
as alterações verificadas no transporte marítimo, nomeadamente a estruturação do transporte de
linha em redes hub & feeder e a integração dos portos em amplas cadeias logísticas geraram
competição pela captação de tráfego relativo a áreas geográficas de sobreposição de hinterlands,
obrigando os portos a assumir uma atitude mais comercial e permitindo às entidades privadas
ganhar relevância nas suas estruturas de gestão.
Simultaneamente, a abertura à iniciativa privada surgiu como uma forma de redução dos encargos
públicos associados à gestão das infra-estruturas portuárias num cenário de cada vez maior
restrição dos orçamentos públicos. Contudo, a natureza dos serviços portuários, nomeadamente as
características de serviço público gerador de externalidades positivas, bem como a natureza do
investimento no sector portuário, caracterizado por longos períodos de amortização, elevados custos
de capital e significativa exposição a riscos sistémicos impediu uma retirada total do sector público,
conduzindo à criação de parcerias entre as entidades públicas e o sector privado numa partilha do
esforço de investimento necessário. Este facto é bem acentuado no Livro Verde da Comissão
Europeia acerca das Parcerias Público-Privadas. Nas palavras da Comissão Europeia “various
factors explain the increased recourse to PPPs. In view of the budget constraints confronting Member
States, it meets a need for private funding for the public sector. Another explanation is the desire to
benefit more in public life from the know-how and working methods of the private sector. The
development of the PPP is also part of the more general change in the role of the State in the
economy, moving from a role of direct operator to one of organiser, regulator and controller” (COM
(2004) 327).
Apesar das vantagens referidas acerca da participação privada, alguns argumentam que o sector
privado tende a negligenciar equipamentos e serviços que apesar de económica, social ou
ambientalmente de interesse, sejam menos lucrativos para o sector privado. A experiência mostra
que as áreas mais frequentemente privatizadas são as da movimentação de carga e do
armazenamento, que podem ser bem definidas e delimitadas e que permitem uma exploração
15
comercial viável. Tipicamente esta situação constitui uma privatização dos lucros e uma socialização
das despesas, criando uma situação em que a importância social dos portos é negligenciada em
favor de uma maximização do lucro e da contenção de custos. Outro inconveniente apresentado
corresponde ao esforço adicional necessário à coordenação dos sectores público e privado quando
está em causa a realização de grandes investimentos no porto ou em estruturas complementares da
cadeia de transporte (exemplo dos acessos rodoviários e ferroviários a um terminal de contentores).
3.1.2. Enquadramento das PPP nos modelos de gestão portuária
A tendência mundial para uma maior “privatização” do sector tornou-se óbvia, sendo contudo mais
adequado referir um maior envolvimento do sector privado na actividade portuária do que uma
privatização per si (Peters, 2001). De facto, deve salientar-se que a celebração de PPP não constitui
uma forma de privatização, entendida como o modelo do porto privado, onde a propriedade do
terreno, o planeamento, desenvolvimento e a gestão da actividade portuária são transferidos para a
esfera privada. Este modelo permanece uma excepção e não é a opção preferível para a maioria dos
portos. Com efeito, a maioria das participações privadas toma a forma de uma comercialização, onde
o governo mantém o controlo e a posse da estrutura portuária, mas num contexto de mercado, com
autonomia de gestão e contabilística. Nesta situação a maioria das actividades comerciais do porto
são desenvolvidas por privados através de contratos de gestão, contratos de prestação de serviços,
contratos de leasing e concessões, celebrados com a entidade pública gestora do porto.
A participação privada no sector portuário pode assumir diferentes configurações, em função do
“objecto privatizado”. No desenvolvimento de um novo terminal existem pois vários tipos de acordo
possível. O operador privado pode optar – em concordância com a politica de desenvolvimento
seguida pela autoridade portuária – por suportar todos os riscos associados ao desenvolvimento
integral do terminal, como sejam a construção de cais de acostagem, dragagens, pavimentações,
edifícios e equipamento de movimentação de carga ou alternativamente beneficiar de uma infra-
estrutura já desenvolvida pela autoridade portuária com dinheiro público, e restringir o seu
investimento apenas ao equipamento de movimentação de carga. Assim, para compreender o papel
dos parceiros privados nos portos é importante distinguir entre as diferentes competências
identificáveis num terminal de contentores e compreender a forma como as empresas privadas
participam no desempenho dessas funções. Em Baird (2000) apresentam-se as três funções
essenciais atribuíveis a um porto5. Estas são:
- Função de promoção;
- Função de prestação;
- Função reguladora;
Função de promoção – A função de promoção “relates to the development of port infrastructure and
associated tasks” (Baird, 2000). Fundamentalmente associadas a esta função estão actividades de
desenvolvimento e coordenação da estratégia geral do porto na supervisão dos principais trabalhos
5 No original tem-se: port landowner function, port utility function; port regulatory function.
16
de engenharia civil (como a manutenção de canais, docas, molhes e cais de acostagem), no
desenvolvimento da estratégia de marketing e na construção de acessos rodoviários e ferroviários.
Função de prestação – A função de prestação “concerns services related to the physical transfer of
goods and passengers between sea and land” (Baird, 2000). Nesta função são incluídas actividades
de movimentação de carga, de operação de terminais de passageiros e várias actividades de apoio,
como o armazenamento, consolidação de mercadorias e actividade de reboque.
Função reguladora – a terceira função, a função reguladora, “generally involves substantial
statutory powers being given to a port’s management” (Baird, 2000). Esta função corresponde
fundamentalmente ao desempenho de actividades associadas à preservação da autoridade pública
nas instalações do porto e inclui o licenciamento das actividades portuárias e dos prestadores de
serviços, a garantia da aplicação de lei e regulamentos, a regulação do mercado, de forma a evitar
comportamentos monopolísticos e a provisão de alguns serviços de interesse geral, tais como os
serviços de gestão de tráfego e vigilância (VTS).
Adicionalmente, podem também ser consideradas competências relativas à prestação de serviços de
valor acrescentado. Estes serviços adicionais estão geralmente associados com as cadeias
logísticas (armazenamento, embalagem, distribuição) ou outros serviços especializados
(“customização”, montagem e teste de produtos) (Monteiro, 2003).
A responsabilidade por cada uma das funções apresentadas pode ser tanto pública como privada. O
Banco Mundial propõe quatro modelos de administração que tentam representar a maioria dos
formatos existentes nos diferentes porto. Estes modelos diferem relativamente a responsabilidades
como a prestação de serviços, a propriedade da infra-estrutura (incluindo o terrenos do porto) e a
propriedade da superestrutura e equipamento (particularmente, os edifícios e as gruas de cais e de
parque). Os modelos de administração portuária propostos são o service port, o tool port, o landlord
port e o porto privado (World Bank, 2007).
O modelo designado de Service Port é predominantemente um modelo público de gestão em que a
autoridade portuária (Pública) é proprietária de todos os bens (fixos e móveis) e todas as funções
portuárias de prestação e regulação. Neste modelo, “the port authority offers the complete range of
services required for the functioning of the seaport system. The port owns, maintains, and operates
every available asset (fixed and mobile), and cargo handling activities are executed by labour
employed directly by the port authority”” (World Bank, 2007). Assim, a mesma entidade tem a
responsabilidade pelas funções reguladora, de prestação e de promoção, verificando-se geralmente
a ausência de envolvimento privado nas actividades do porto.
O modelo Tool Port é caracterizado por uma divisão de responsabilidades operacionais. A
autoridade portuária “owns, develops, and maintains the port infrastructure and superstructure,
17
including cargo handling equipment such as quay cranes, forklift trucks” (World Bank, 2007). A
operação do equipamento propriedade da autoridade portuária é geralmente executada por pessoal
próprio, sendo as outras operações (a bordo dos navios ou no cais de descarga) executadas por
empresas privadas de estiva contratadas e licenciadas pela autoridade portuária.
Ao modelo Landlord Port corresponde uma mistura entre competências públicas e privadas. Neste
modelo, a autoridade portuária mantêm a posse do porto e actua como organismo regulador,
enquanto que a infra-estrutura é alugada a operadores privados. As responsabilidades da autoridade
portuária incluem o desenvolvimento a longo prazo do porto e a manutenção de todas as infra-
estruturas básicas, como canais de acesso, bacias de rotação e molhes. As empresas privadas, às
quais é concedida a exploração (mediante arrendamento6 ou concessão) de uma dada área do
porto, são responsáveis pela exploração da área que lhe é conferida bem como dos equipamentos ai
instalados. Também a mão-de-obra associada ao trabalho de estiva é da responsabilidade das
empresas privadas a operar no porto (Brooks, 2004). Este modelo é o mais popular em portos de
media ou grande dimensão7.
Finalmente, na classificação do Banco Mundial surge o porto privado,8 no qual o governo não tem
qualquer influência na actividade portuária. De acordo com este modelo o território do porto é
propriedade privada sendo todas as actividades de operação e regulação executadas por empresas
privadas.
A estrutura tradicional dos modelos Tool Port e Service Port assenta em contribuições dos governos
nacionais para assegurar esses investimentos necessários em infra-estruturas e equipamentos.
Existem também todos os inconvenientes associados ao maior custo do pessoal e maior ineficiência
6 No sector portuário, o arrendamento, ou mais comummente, o leasing, pode incluir investimento por parte do arrendatário, ao contrário do geralmente praticado noutros sectores de actividade como é explicado no capítulo 3.2.3. 7 A determinação do modelo de gestão mais adequado depende sobretudo do volume de carga esperado no porto. Juhel (2001) analisou esta questão, concluindo que: - O modelo Landlord é considerado o mais adequado para portos com elevados volumes de carga movimentados, por permitir uma competição natural entre diferentes prestadores de serviço dentro do mesmo porto, cada um movimentando um volume de carga suficiente para que os investimentos em equipamento e superestrutura sejam convenientemente amortizados. - O modelo Tool Port pode ser o mais ajustado a portos de pequena ou média dimensão, na medida em que pode permitir uma competição entre empresas prestadoras de serviços, numa situação em que o modelo Landlord poderia conduzir a uma situação de monopólio. - O modelo Service Port justifica-se sobretudo em dois casos: quando se pretende uma integração vertical entre a fase de produção e o transporte de uma dada indústria ou quando se pretende manter a coesão social em condições naturais e económicas que tornam a existência de um porto um factor critico de equilíbrio regional e social. 8 Não existem muitos exemplos de portos privados e os resultados dessa privatização não são de todo consensuais (ver Goss, (1998)). Por exemplo, Notteboom e Winkelmans (2001) consideram que “up to now genuine and complete port
privatization schemes, resulting in an actual transfer of ownership of assets or services from the public to private sector are
not overwhelming”. De facto, alguns argumentam que, para além de se conseguir uma abordagem mais virada para o mercado, não existem grandes vantagens na adopção deste modelo. A viabilidade de um porto privado é difícil de conseguir dado o longo período de payback dos investimentos portuários, sendo que a completa recuperação dos investimentos, em muitos casos, é mesmo impossível de concretizar. Assim, corre-se o risco de se seguirem estratégias de curto prazo e na utilização dos terrenos do porto para actividades diferentes da actividade portuária, sobretudo especulação imobiliária. Por outro lado, este modelo pode resultar em comportamentos monopolísticos, bem como na perda de envolvimento público no desenvolvimento de estratégias e politicas de longo prazo (World Bank, 2007). Levantam-se também questões ao nível da segurança nacional, pois a função estratégica dos portos na defesa nacional pode entrar em conflito com o facto de se tratar de propriedade privada.
18
que tipicamente caracterizam o sector público. No modelo Tool Port, devido ao pequeno grau de
delegação de responsabilidade das empresas privadas que operam no porto, existe uma grande
dependência destas para com a entidade pública que o gere, surgindo um problema de desequilíbrio
na partilha de responsabilidades operacionais. Alternativamente, a adopção de um modelo do tipo
Landlord requer um maior grau de participação privado nas actividades portuárias, e em particular
um maior volume de investimento privado. Isto poderá resultar em “better outcomes and (…) more
likely greater responsiveness to changing market conditions” (Brooks, 2004). No modelo Landlord, a
maior parte da responsabilidade operacional é alocada às empresas privadas enquanto que as
funções de regulação e de promoção são mantidas em mãos públicas. Isto permite uma melhor
identificação das responsabilidades mas também requer maior coordenação da estratégia comercial
do porto (World Bank, 2007). Claramente, é no contexto do modelo Landlord que os esquemas de
participação privada próprios das PPP mais se manifestam. Com efeito, no modelo Tool Port poderá
existir algum grau de participação privada, tipicamente associada a contratos de prestação de
serviços, sem a assumpção de riscos comerciais de procura significativos nem riscos associados a
investimentos significativos em infra-estruturas ou equipamento. É precisamente esta partilha de
riscos que define a participação privada no contexto de um contrato de leasing ou concessão e o
reasoning por detrás do conceito de PPP.
Funções Portuárias Responsabilidade Função Reguladora
Promoção Prestação
Pública · Licenciamento e
autorizações
· Movimentação de carga e passageiros
· Sistemas de navegação · Marketing do porto · Pilotagem e reboque
· Alfândega e serviços de
emigração · Manutenção de acessibilidades
· Relação comercial com linhas/operadores
Partilhada Público/Privado
· Serviços de emergência · Segurança portuária · Segurança dos terminais, manutenção e reparações
· Protecção do interesse
público
· Aquisição de terrenos/gestão da área
do porto · Marketing das operações
· Determinação da politica
portuária e politicas ambientais
· Manutenção de canais (dragagens)
· Gestão de resíduos
Privada · Investimento em infra-
estruturas portuárias
Fonte: Brooks (2004).
Referindo-se aos modelos de administração apresentados pelo Banco Mundial, Braid (2000)
considera que “the problem with traditional models of port organization (e.g. service, landlord, tool,
etc) is that they fail to take account of fundamental institutional changes in port ownership and
organization resulting from contemporary approaches to privatization”. De facto, a extensão da
participação pública e privada no sector pode assumir várias formas (por exemplo esquemas BOT,
existência de terminais dedicados, joint ventures publico/privado, etc) que são difíceis de classificar
segundo os modelos tradicionais. Como alternativa, Brooks (2004) sugere que se classifiquem as
Quadro 4 – Matriz de governação portuária
19
três funções portuárias (promotor, regulador e prestador) e as diferentes actividades segundo níveis
de responsabilidade. A ideia fundamental é que as diversas funções nem sempre têm de ser
executadas pela mesma entidade, existindo inúmeras formas de estruturar as actividades portuárias
entre o sector público e privado (ver quadro 4). Ainda assim, os modelos propostos pelo banco
mundial podem ser entendidos como uma referência capaz de auxiliar uma primeira classificação.
3.2. O contrato de concessão como veiculo de uma PPP
3.2.1. Enquadramento nacional sobre contratos de concessão
3.2.1.1. Noção de concessão
O conceito de concessão prende-se com a atribuição a uma entidade privada de um direito que
tipicamente se encontra reservado à administração pública. Existem diversas actividades
económicas que pela sua natureza se encontram vedadas à participação privada, podendo, contudo,
a titularidade e o exercício daquelas actividades ser transferido para os privados através da
concessão (ver Lei de Delimitação de Sectores – lei n.º 88 – A/97)9. A Comissão Europeia define
concessão10, num contexto alargado, como “acts attributable to the State whereby a public authority
entrusts to a third party - by means of a contractual act or a unilateral act with the prior consent of the
third party - the total or partial management of services for which that authority would normally be
responsible and for which the third party assumes the risk” (COM (2000) 121/02). Assim, uma
concessão é um contracto que transfere um direito do estado (por exemplo o direito de exploração
de uma área portuária) para uma entidade privada, sujeita aos termos definidos no contrato e
durante um período de tempo bem definido. O contracto pode incluir a reabilitação ou construção de
infra-estruturas pelo concessionário. Segundo (Amaral e Torgal, 2002), “o troço comum à
generalidade das concessões consiste, pois, na transferência temporária e parcial do exercício de
poderes (competências) de uma pessoa colectiva pública para (em regra) um particular, que as
exercerá, por sua conta e risco, com privilégios justificados pelo interesse geral”. Nos últimos anos
tem-se generalizado o recurso a esta técnica como forma de promoção e gestão de obras e serviços
públicos, sendo conhecidos os exemplos das concessões rodoviárias de auto-estradas ou do
fornecimento e abastecimento de água. No caso particular do sector portuário, pode citar-se o
Decreto-Lei n.º 324/94 onde é referido que “a participação de agentes privados na gestão comercial
de cais, terminais, instalações e equipamentos portuários contribui, significativamente, para melhorar
a eficiência, a qualidade dos serviços prestados e a redução dos custos, importando por isso
promover a sua dinamização”.
9 De acordo com esta lei “deixaram de existir sectores de actividade sujeitos a reserva absoluta de empresa pública” (Sousa, 2003). Esta lei permite o acesso de empresas privadas a um conjunto de actividades tradicionalmente reservadas ao sector público e, de entre elas, à actividade de exploração de portos marítimos. 10 Esta definição pode incluir contratos que a nível nacional tenham designações diferentes, como contratos de leasing : ”these acts of State will henceforth be referred to as concessions, regardless of their legal name under national law”.
20
As razões para o recurso a concessões prendem-se sobretudo com a tentativa, por parte do sector
público, de beneficiar com a experiência acumulada pelo sector privado (e, seguidamente, a sua
tradicional maior eficiência!) nas áreas em que se desenvolvem as parcerias, mas também, e
sobretudo, a concessão como um meio de financiamento da administração pública. Ou seja, o
recurso à técnica concessória constitui “um expediente de natureza financeira, permitindo a
instalação de infra-estruturas públicas através de capitais privados, a designada privatização do
financiamento” (Sousa, 2003). A concessão é pois um instrumento a que recorre a administração
pública, devido a restrições a nível económico-financeiro, e que se baseia na colaboração entre os
sectores público e privado, a PPP, através da qual uma entidade privada se compromete a
assegurar uma necessidade colectiva, geralmente reservada ao ente público, mediante uma justa
remuneração do serviço prestado. Neste sentido, importa fazer uma distinção entre os conceitos de
PPP e Contrato de Concessão, uma vez que, muitas vezes, a estes termos é atribuído, erradamente,
o mesmo significado. No Decreto-Lei n.º 86/200311 define-se uma PPP como sendo “o contrato ou
união de contratos por via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se
obrigam de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma
actividade tendente à satisfação de uma necessidade colectiva, em que o investimento e a
responsabilidade pelo investimento e exploração incumbem, no todo ou em parte, no parceiro
privado”. O contrato de concessão, por seu lado, constitui o instrumento de regulação jurídica que
legitima essa colaboração, ao permitir à entidade privada a execução de uma actividade ou a
exploração de um bem reservados ao sector público. Baseando-nos na definição apresentada será
legitimo dizer que nem todos os contratos de concessão celebrados correspondem a uma PPP
(exemplo das concessões de uso privativo de bens do domínio público), sendo o inverso também
verdade, uma vez que o estabelecimento de contratos de gestão e de prestação de serviços são
também referidos (artigo 4º do Decreto-Lei 86/2003) como sendo instrumentos jurídicos válidos para
a construção de uma PPP, dispensando, contudo, a existência de um Contrato de Concessão.
3.2.1.2. O objecto da Concessão
A concessão administrativa apresenta diversas formas, consoante o objecto a que se refere. Assim
tanto pode atribuir o direito de exercer uma actividade pública como o direito de utilizar um bem
público, ou mesmo ambos os direitos em simultâneo. De uma forma exemplificativa são
apresentados no artigo 178, n.º2 do Código do Processo Administrativo várias concessões: de Obras
Públicas, de Serviços Públicos de Exploração do Domínio Público e de Uso Privativo do Domínio
Público12.
Concessão de Obras Públicas – Neste tipo de concessão o que se delega no concessionário é a
responsabilidade pela construção e exploração de uma obra pública, recebendo as receitas 11 O Decreto-Lei 86/2003, que posteriormente foi revisto pelo Decreto-Lei 141/2006, define as normas gerais aplicáveis às PPPs. Já em Junho de 2008 (durante a execução desta dissertação) entrou em vigor o novo Código dos Contratos Públicos (CCP), que define na sua Parte III o regime substantivo dos contratos públicos. Por uma questão temporal, não se focou este diploma, sendo que as generalidades apresentadas acerca da celebração das PPP´s permanecem actuais à luz do ai especificado. Para uma análise mais cuidada sobre o CCP remete-se para Tavares (2008). 12 Sousa, 2003, refere também as concessões da gestão de actividade públicas e a concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, de pouca relevância para âmbito deste trabalho.
21
resultantes da exploração da obra construída. Envolve normalmente a transferência para o particular
do exercício da actividade de conceber, projectar, construir e posteriormente explorar obras públicas.
Conforme refere (Sousa, 2003), “a concessão de obras públicas é o contrato administrativo pelo qual
um particular se encarrega de executar e explorar uma obra pública, cobrando aos utentes as taxas
que forem devidas (direito de exploração da obra) acompanhado ou não por outras formas de
remuneração do concessionário (auxílios financeiros prestados pelo concedente ou por terceiros)”.
Tipicamente as concessões de obras públicas estão associadas a esquemas BOT (Build – Operate -
Transfer), assentes em estruturas de Project Finance, em que o concessionário executa a obra,
efectua a sua gestão durante um certo prazo e devolve depois a obra à administração pública.
Concessão de Serviços Públicos – A concessão de serviços públicos tem por objecto “a
transferência para um particular de uma actividade pública legalmente reservada à Administração, e
que o concessionário desempenha por sua conta e risco, mas no interesse geral” (Amaral e Torgal,
2002)13. Contrariamente à concessão de obra pública, neste regime de concessão as condições
gerais para a prestação do serviço público já existem, ficando o concessionário como garante do
fornecimento desse serviço, mediante o pagamento de taxas a cobrar directamente aos utentes ou
beneficiando de ajudas financeiras prestadas pelo concedente. Contudo, saliente-se que, como
refere (Sousa, 2003), “para que haja concessão, não é suficiente que o contrato respeite a uma
actividade de serviço público. É preciso que ao co-contratante seja confiada uma responsabilidade
pelo serviço”. Assim, geralmente a concessão de serviços públicos envolve a necessidade de o
privado investir na aquisição dos meios necessários à prestação do serviço concessionado. Quando
isto não acontece, é necessário que o concessionário detenha capitais próprios como prémio da
concessão ou como preço da aquisição dos meios próprios à sua disposição, para que de facto se
possa concretizar a exploração por conta e risco da concessionária.
Concessão de Exploração do Domínio Público – Neste modelo de contrato de concessão o
concessionário assume a responsabilidade pela gestão de um bem do domínio público14.
Geralmente este tipo de concessão surge associada a um contrato de concessão de obra pública ou
a um contrato de concessão de serviço público.
Concessão do Uso Privativo do Domínio Público – O objecto desta concessão é a atribuição de
um direito para uso privativo de bens do domínio público, limitando ou excluindo a sua utilização por
terceiros. Como contrapartida do uso exclusivo de um bem do domínio público, o particular deverá
proceder ao pagamento da respectiva taxa de utilização.
Refira-se que a classificação apresentada é meramente exemplificativa, existindo variadíssimos
exemplos de contratos de concessão que não se inscrevem em nenhum destes tipos apresentados
(por exemplo, a concessão de licenças de jogo ou a de terrenos nos cemitérios). Existem também
13 Sobre o conceito de serviço público no sector portuário, ver anexo A3.2. 14 Sobre bens do domínio público remete-se para o artigo 84.º n.º1 da Constituição da Republica Portuguesa.
22
numerosos contratos de concessão que se caracterizam pela conjugação das formas apresentadas
anteriormente, sendo esta, de facto, a situação mais frequente. No quadro 5 apresentam-se alguns
exemplos de contratos “mistos” (Sousa, 2003):
Quadro 5: Exemplos de concessões “mistas”
Tipo de Concessão Exemplo
Concessão de exploração do domínio
público e de obra pública
A concessão de exploração e gestão de uma auto-estrada.
Concessão de exploração do domínio
público e de serviço público
A concessão da exploração e gestão da rede de transporte de energia eléctrica pela concessionária de serviço público
de transporte de energia eléctrica
3.2.1.3. Prazo da Concessão
O contrato de concessão tem uma duração limitada, definida em função do tempo necessário para a
amortização, em normais condições de rentabilidade de exploração, do capital investido pelo
concessionário para o fornecimento do serviço. Conforme referem Amaral e Torgal (2002), a duração
do contrato de concessão não deve ter “nem tempo a menos (lesando o interesse privado), nem
tempo a mais (beneficiando-se também sem qualquer razão material, o interesse privado em
detrimento do interesse público”. Obviamente que na óptica do concessionário o prazo de duração
do contrato de concessão deveria variar em função das receitas provenientes da sua exploração, ou
seja, do nível de procura e da rendibilidade mínima do serviço. Esta abordagem resultaria, no
entanto, numa transferência total do risco de procura para o concedente, deixando a
responsabilidade do serviço de estar confiada ao concessionário, transformando-se um contrato de
concessão num contrato de gestão. Num contrato de concessão, o parceiro privado deve sempre
assumir, pelo menos em parte, o risco de procura associado ao objecto da concessão.
A duração inicial de um contrato de concessão pode ser prolongada, prorrogação do prazo de
vigência do contrato de concessão, caso o interesse público o exija. A justificação desta prorrogação
deve assentar sempre em fundamentos de interesse público e deve destinar-se apenas a permitir ao
concessionário “remunerar e reintegrar adequadamente o capital investido” (Amaral e Torgal, 2002).
Segundo (Gonçalves, 1999), “por força das regras de publicidade e de concorrência do procedimento
de adjudicação da concessão, a prorrogação só deve aceitar-se quando esteja prevista nas normas
que regulam aquele procedimento” referindo adicionalmente que mesmo essa previsão contratual
será insuficiente quando a prorrogação “adicionada à duração do prazo inicial, tenha como resultado
a ultrapassagem dos limites máximos admitidos para a duração da concessão” (Gonçalves, 1999). A
análise desta questão, nomeadamente das situações em que existe legitimidade para prorrogar um
contrato de concessão mediante a declaração de interesse público será um dos pontos nucleares a
ser tratado nesta dissertação, relativamente ao caso particular do TCA. Saliente-se que muito
diferente de prorrogação do contrato é a sua renovação (Gonçalves, 1999), que contempla a
alteração de condições (cláusulas) do contrato inicialmente celebrado. A renovação do contrato
23
ocorre nos casos em que ”se encontra expressamente prevista na lei ou no contrato, podendo
operar-se de modo automático ou por estipulação das partes, fundada na necessidade de
manutenção da relação contratual existente”. A prorrogação do contrato de concessão, por seu lado,
“apenas ocorre em situações excepcionais, quando as circunstâncias verificadas durante a execução
do contrato determinam a necessidade de revisão dos respectivos termos, em conformidade com os
fins de interesse público prosseguidos ou tendo em vista a manutenção da reciprocidade de
interesses subjacente à sua celebração” (Torgal, 2007). Assim, na perspectiva deste autor, a
prorrogação do contrato está necessariamente associada à necessidade de adaptar o contrato a
novas circunstâncias para salvaguarda do interesse público. Esta possibilidade é, contudo, limitada
(porque se trata de uma entidade pública) pelo respeito dos princípios da imparcialidade,
proporcionalidade e prossecução do interesse público, devendo o concedente nortear qualquer
alteração ao contrato (nomeadamente, a sua prorrogação) por estes valores.
Desta forma, e relativamente à condição de proporcionalidade, a modificação dos contratos
administrativos, categoria em que se insere a alteração (prorrogação) do prazo da concessão,
implica a observância de uma condição correspondente à preservação do equilíbrio económico-
financeiro do contrato15. Trata-se de um princípio que pretende preservar a equação financeira
acordada no início do contrato sempre que, da alteração do clausulado de contratos de concessão
surjam prejuízos de outro modo inexistentes ou se sacrifique o lucro legitimamente esperado16.
Segundo (Amaral e Torgal, 2002), “à data da celebração do contrato, as obrigações das partes foram
acordadas tendo por base um determinado equilíbrio financeiro entre si, sendo esse equilíbrio, em
princípio, que se deve manter durante a vigência do contrato”. Para além do aumento da duração do
prazo da concessão (prorrogação do prazo) existem outras formas de repor o equilíbrio económico-
financeiro de uma concessão, nomeadamente a atribuição de indemnizações directamente pelo
concedente, o aumento extraordinário das taxas a cobrar aos utentes, quando aplicável ou a
combinação de quaisquer destas três possibilidades.
3.2.1.4. Extinção do Contrato de Concessão
A concessão extingue-se, normalmente, no fim do prazo. Contudo, existem situações que podem
resultar na extinção do contrato antes do prazo previsto, isto é, a rescisão do contrato. Segundo
Sousa, (2003), “a rescisão traduz a extinção do contrato de concessão antes do termo do mesmo,
por manifestação da vontade de um dos contraentes ou por acordo das partes”. Existem três
situações que podem conduzir a concedente a proceder à rescisão do contrato, a saber: inexecução
das obrigações assumidas pelo concessionário, razões de interesse público ou em virtude de
resgate.
15 Numa concessão, pode a concedente modificar unilateralmente os contratos de concessão em função do interesse público, desde que respeite o equilíbrio económico-financeiro do contrato (conforme alínea a) art. 180 do Código do Processo Administrativo). 16 Como refere (Otero, 1996), citado em (Sousa, 2003), “é importante que se tenha presente que a reposição do equilíbrio
económico-financeiro do contrato não pode constituir uma garantia contra o risco normal do negócio, que deve ser
assumido pela concessionária, mas sim garantir que o nível de risco assumido no inicio do contrato é o mesmo durante
toda a sua vigência”.
24
Conforme refere Gonçalves (1999), a rescisão do contrato de concessão pode ter origem “num
comportamento ilícito do concessionário, que, culposamente, viola as obrigações contratuais” ou
alternativamente na “alteração de uma situação relativa ao concessionário para a qual está prevista
a mesma consequência”, como a falência da sociedade concessionária, por exemplo. Não existindo
qualquer comportamento ilícito ou incumprimento contratual por parte do concessionário pode ainda
assim a concedente proceder à extinção prematura do contrato de concessão através do resgate17.
O resgate não se reveste assim de qualquer carácter sancionatório da actividade do concessionário
e encontra a sua fundamentação em “razões de interesse público ligadas a necessidade reais de
reorganização do serviço público concedido” (Gonçalves, 1999). O resgate exige o sacrifício de um
direito do concessionário (o direito à gestão do serviço público concessionado) sem que este, para
isso, tenha contribuído, devido a alguma forma de incumprimento contratual. Nesse sentido, o
resgate implica que o concedente indemnize o concessionário pelos prejuízos que lhe causa a
cessação prematura da sua actividade. Segundo (Gonçalves, 1999), essa indemnização deverá ter
duas componentes:”por um lado, a indemnização de amortização (indemnização pelo valor não
amortizado das instalações afectadas à concessão) (…) e por outro lado, a indemnização industrial,
isto é, a indemnização pelos benefícios deixados de receber durante as anuidades que restavam até
completar o prazo da concessão”.
3.2.2. Enquadramento europeu sobre contratos de concessão
A Comissão Europeia, no Livro Verde sobre PPP em Direito Comunitário (COM (2004) 327), define a
noção de concessão com base nos contratos de empreitada de obras públicas e de prestação de
serviços público. Assim, apresenta-se a seguinte definição: “Under Community secondary legislation,
any contract for pecuniary interest concluded in writing between a contracting body and an operator,
which have as their object the execution of works, the execution of a work or provision of a service, is
designated as a “public works or public services contract”. The concept of “concession” is defined as
a contract of the same type as a public contract except for the fact that the consideration for the
works to be carried out or the services to be provided consists either solely in the right to exploit the
construction or service, or in this right together with payment”. Reportando à Comunicação
Interpretativa da Comissão sobre as Concessões em Direito Comunitário (2000/C 121/02) a
comissão adoptou por fazer uma distinção entre Concessão de Obras Públicas e Concessão de
Serviços. A concessão de obras é definida como “a atribuição do direito de exploração da obra como
contrapartida da construção da mesma” (COM 2000/C 121/02), podendo este direito de exploração
ser acompanhado por um pagamento. Relativamente à concessão de serviços, a directiva relativa
aos contratos públicos de serviços não apresenta nenhuma definição aplicável ao conceito lato de
concessão, sendo esta referência feita apenas na Comunicação Interpretativa mencionada:
“Efectivamente, tal como para as concessões de obras, o critério de exploração constitui uma
característica essencial para determinar se se está em presença de uma concessão de serviços.
Segundo este critério, uma concessão existe quando o operador suporta os riscos ligados ao serviço
17 O resgate apenas pode ocorrer após determinado prazo de vigência do contrato, prazo de garantia, que consta normalmente de cláusula do contrato de concessão.
25
em causa (estabelecimento do serviço e sua exploração), sendo remunerado pelo utente através da
cobrança de taxas ou de qualquer outra forma”18. O recurso à noção de risco imputado ao
concessionário é então o denominador comum aos conceitos de concessão de obras e de serviços19.
A nível europeu, apenas as concessões de obras públicas são objecto de um regime específico, a
directiva 93/97/CEE relativa às empreitadas de obras públicas. As restantes formas de concessão,
genericamente definidas na Comunicação Interpretativa da Comissão sobre as Concessões em
Direito Comunitário (2000/C 121/02) como concessões de serviços20 encontram-se excluídas do
âmbito de aplicação desta directiva, estando apenas vinculadas ao cumprimento das regras
fundamentais do Tratado da União Europeia, conforme reiterado pelo TCJE no Acórdão Telaustria
(Proc. N.º C-324/98). Desde este Acórdão vigora o entendimento de que, apesar de não se
encontrarem expressamente abrangidas no âmbito de incidência das directivas europeias relativas à
contratação pública, as concessões de serviço público estão manifestamente sujeitas aos princípios
gerais de direito estabelecidos no Tratado da União Europeia e de entre estes, os princípios da
igualdade de tratamento e não discriminação em função da nacionalidade, o princípio da
transparência e o principio da proporcionalidade. Estes princípios têm como objectivo “facilitar a
realização efectiva no interior da Comunidade da liberdade de estabelecimento e da livre prestação
de serviços “, proibindo “não só as discriminações ostensivas em razão da nacionalidade (…) mas
ainda qualquer forma de discriminação dissimulada21” e possibilitando a todos os interessados,
mediante conhecimento prévio e adequado do contrato em causa, a possibilidade de concorrer,
garantido que o procedimento concursal respeita “em todas as suas fases, tanto o principio da
igualdade de tratamento dos concorrentes como o da transparência, a fim de que todos os
concorrentes disponham das mesmas possibilidades na formulação dos termos das suas propostas”.
Salienta-se que, de acordo com o artigo 86º do Tratado da União Europeia, “undertakings entrusted
with the operation of services of general economic interest or having the character of a revenue-
producing monopoly shall be subject to the rules contained in this Treaty, in particular to the rules on
competition, in so far as the application of such rules does not obstruct the performance, in law or in
fact, of the particular tasks assigned to them. The development of trade must not be affected to such
an extent as would be contrary to the interests of the Community”. Nestes termos, resulta que os
Estados-Membros podem conferir a certas empresas incumbidas da gestão de um serviço de
interesse económico geral22 (por exemplo nos sectores dos transportes, da energia e das
18 São incluídos no conceito de concessão contratos em que a remuneração não provenha exclusivamente dos utilizadores, dentro do contexto da prática de “preços sociais” por parte da entidade Concedente. 19 Relativamente à questão da distinção entre concessão de serviços e concessão de obra, e em particular o problema dos contratos mistos, segundo a comissão, “trata-se então antes de mais de saber se o objecto principal do contrato incide sobre
a construção de uma obra ou sobre a execução e realização de obras por conta do concedente, ou se, pelo contrário, essas
obras ou a construção dessa obra serão apenas acessórias relativamente ao objecto principal do contrato”. Um contrato de concessão que inclua a realização de obras apenas a título acessório, ou que incida unicamente sobre a exploração de uma obra existente, será interpretado como uma concessão de serviços. 20 Concessão de contratos públicos de serviços, contratos públicos de fornecimento, contratos no sector das águas, energia transporte e telecomunicações. 21 Principio da igualdade de tratamento 22 Entendendo-se como tal as actividades de serviços comerciais que consubstanciam missões de interesse geral e que, por esse motivos, estão sujeitas pelos Estados-Membros a obrigações específicas inerentes ao serviço público.
26
comunicações) direitos exclusivos que podem constituir um obstáculo à concorrência, na medida em
que tal seja necessário para assegurar o cumprimento da missão particular que lhes foi confiada.
Nestes casos serão aceitáveis infracções às regras de concorrência, não apenas quando tornem
impossível o cumprimento pela empresa da sua missão de serviço público, mas também quando
ponham em perigo o seu equilíbrio financeiro.
A concepção dos contratos não apresenta grandes condicionantes ao nível da legislação geral sobre
concessões, desde que “as modalidades de adjudicação sejam compatíveis com o direito
comunitário” (COM 2000/C 121/02). Apenas resulta, da aplicação do princípio da proporcionalidade
“que se concilie concorrência e equilíbrio financeiro” (COM 2000/C 121/02). Consequentemente, “a
duração da concessão deve (…) ser fixada de forma a não restringir ou limitar a livre concorrência
para lá do normal à garantia de amortização dos investimentos e a uma remuneração razoável dos
capitais investidos, mantendo, ao mesmo tempo, para o concessionário, um risco inerente à
exploração” (COM 2000/C 121/02). Também neste sentido a Comissão refere que, de forma a não
se fechar indefinidamente o acesso à prestação de um serviço por parte de privados, “quando uma
concessão chega ao seu termo, a sua renovação equivale a uma nova concessão e, portanto, estará
coberta pela presente comunicação” (COM 2000/C 121/02), devendo ser sujeita aos procedimentos
fundamentais referidos anteriormente.
3.2.3. A Concessão de Serviços no Sector Portuário
O Decreto-Lei n.º 298/93 estabelece o Regime Jurídico da Operação Portuária, classificando a
actividade de movimentação de cargas como sendo de interesse público (art. 3º). Segundo este
diploma, a actividade de movimentação de cargas deve ser preferencialmente23 prestada ao público
por empresas privadas, mediante contrato de concessão de serviço público, quando devidamente
licenciadas nos termos definidos no mesmo Decreto-Lei (art. 26º). A adjudicação das concessões
(art. 27º) deverá ser feita através de concurso público, referindo-se que “o prazo das concessões de
serviço público de movimentação de carga não pode exceder 30 anos e deve ser estabelecido em
função dos investimentos em equipamentos fixos ou em obras portuárias” (art. 29º).
Complementarmente a este Decreto-Lei, surge o Decreto-Lei n.º 324/94 que estabelece as bases
gerais das concessões de serviço público de movimentação de carga. Nele são definidos o
enquadramento geral da concessão, o seu regime de exploração e funcionamento e quais as
obrigações contratuais de concedente e concessionário, constituindo o documento de referência
para a celebração de todos os contratos de concessão de movimentação de carga. O quadro 6
sintetiza as principais directrizes deste Decreto-Lei.
A nível comunitário “there is currently no Community secondary legislation on service concessions in
the field of ports or other terminal facilities” (COM 616-2007)24. Dentro da comunidade europeia
23 Alternativamente é também considerada a prestação de serviços de movimentação de carga mediante licenciamento, se existir interesse estratégico para a economia nacional, ou pela autoridade portuária. 24 Relativamente à descrição das diferentes iniciativas legislativas ocorridas ao nível da Comissão nos últimos anos, no Sector Portuário e, em especial aos pacotes legislativos conhecidos por Port Package, à sua rejeição e o posterior
27
existe uma grande diversidade de modelos de prestação de serviços de movimentação de carga,
conforme é reconhecido pela própria Comissão.
Quadro 6: Resumo das principais disposição do Decreto-Lei n.º 324/94
Capítulo Principais Disposições
I. Bases da Concessão
• Da proposta apresentada a concurso deve constar um plano de detalhe dos elementos da concessão, um plano de exploração e operação e outro de financiamento.
II. Estabelecimento da Concessão e Obras
• São da competência do concessionário todas as obras de conservação, renovação e reparação de equipamentos e estruturas (exceptuando obras especiais, como dragagens, que serão reguladas no âmbito de cada contrato). • Define-se o princípio da melhor tecnologia, devendo o apetrechamento da concessão ser feito com os equipamentos mais adequados dos existentes no mercado.
III. Exploração
• Exploração em regime de serviço público, não podendo as instalações ser usadas para fins distintos do concessionado. • Deverá ser definido um conjunto de regras de exploração da concessão, que terá de ser aprovado pelo concedente. • As taxas a praticar (cobradas aos utilizadores) carecem de aprovação do concedente e devem ter em conta os interesses gerais do porto. • Obrigações relativamente à existência de seguro face à ocorrência de catástrofes naturais e incêndios. • Obrigação da celebração de contratos individuais de trabalho com cada trabalhador, de acordo com o regime jurídico do trabalho portuário.
IV. Vigência, modificação e extinção do contrato.
• A duração do contrato de concessão não pode exceder 30 anos, sendo determinado em função dos investimentos do concessionário. • Terminada a concessão revertem para o concedente todos os equipamentos que integram o serviço concessionário, não tendo o concessionário direito a qualquer indemnização fruto da transferência de propriedade. • Exceptuam-se os equipamentos adquiridos nos últimos 10 anos da concessão, relativamente aos quais o concessionário tem direito a ser indemnizado. • Apenas situações de incumprimento contratual grave justificam a rescisão do contrato. A falência da concessionária determina a caducidade do contrato. • O resgate da concessão é permitido após decorrido metade do prazo da concessão, tendo a concessionária direito a uma indemnização igual ao valor contabilístico actualizado líquido de amortizações, referido às obras e bens por ela incorporados no estabelecimento.
V. Obrigações especiais
• Deverão ser pagas pelo concessionário taxas referentes à utilização de bens do domínio público afectos a concessão.
surgimento da COM 616-2007 – “Communication on a European Ports Policy” relativa ao sector, remete-se para o capitulo 2 deste texto.
28
Esta refere que “in most cases access to port land is a precondition for providing cargo-handling
services. Such services may be based on different legal arrangements. They may be directly
provided by port authorities or by third parties, such as concessionaires” (COM 616-2007). Dado não
haver nenhum regime especifico aplicável à concessão de terminais portuários, a Comissão limita-se
a enfatizar as obrigações dos contratos de prestação de serviços relativamente às regras do direito
primário, nomeadamente remetendo para as comunicações interpretativas referentes à celebração
genérica de contratos de concessão. A Comissão “considers that the above obligation applies when
Member States' authorities decide to entrust a third party with a portion of port land for the provision
of cargo-handling services. The respect of transparency obligation does not hinder port authorities
from setting selection criteria which reflect the commercial strategy and development policy of a given
port that will be the basis for granting the concession” (COM 616-2007).
Relativamente à caracterização das concessões a nível europeu existe um apontamento que se
impõe, sobre a prática frequente de se distinguirem os contratos de exploração de terminais
portuários em dois tipos, o contrato de leasing e o contrato de concessão (entenda-se aqui
concessão em sentido restrito como uma das formas de materialização do contrato de concessão em
sentido lato definido anteriormente). Genericamente, considera-se que no contrato de leasing o
operador assume um arrendamento de longa duração do terreno portuário, sendo adicionalmente
responsável pela construção e manutenção da superestrutura e equipamentos. Nos contratos de
concessão, por seu lado, o operador é também responsável pela disponibilização de parte (ou da
totalidade!) da infra-estrutura do porto. Esta distinção empírica dos contratos carece de uma
definição rigorosa de conceito. Assim refere-se por exemplo uma definição de leasing apresentada
pela UNCTAD (1998) que omite a condição do risco: “an agreement conveying the right to use an
asset (land or equipment, or both) for an agreed period of time in return for a payment or a series of
payments by the lessee to the lessor”, implicando que, em função do grau de investimento efectuado
pelo privado durante o arrendamento poder-se-á estar em presença de uma concessão de serviços à
luz do direito comunitário ou antagónicamente, próximo de um contrato de gestão com pouco risco
para o privado. De facto, o objecto de um leasing pode oscilar entre a disponibilização de terminais já
integralmente equipados, isto é “fully equipped terminal including the water frontage and quay-wall
with the developed and surfaced land area behind the quay-wall, ship-to-shore handling equipment,
terminal handling equipment, offices, maintenance facilities and the gate complex” (UNCTAD, 1998)
e áreas do porto por desenvolver, dispondo apenas de uma linha de cais – “the water frontage and
quay-wall with the undeveloped land area behind the quay-wall” (UNCTAD, 1998).
No nosso entendimento, e dado não se ter conseguido encontrar uma definição inequívoca de
leasing, recorreremos ao conceito geralmente mais aceite de que as concessões e os contratos de
leasing partilham o mesmo princípios de um direito concedido a uma empresa privada pelo governo,
delimitado no tempo e geograficamente, sendo o grau de risco financeiro e operacional associado ao
contrato o que teoricamente distingue estas duas formas de concessão. O nível de risco é maior nas
concessões e devido a isso, este tipo de contrato apresenta uma maior duração.
29
4. O TERMINAL DE CONTENTORES DE ALCÂNTARA NO
CONTEXTO PORTUÁRIO PORTUGUÊS
4.1. Enquadramento institucional do sector portuário português.
O território continental dispõe de nove portos comerciais, dos quais cinco constituem o sistema
principal (Douro e Leixões, Aveiro, Lisboa, Setúbal e Sesimbra, Sines), os quais são administrados
por Administrações Portuárias com o estatuto de sociedades anónimas de capitais exclusivamente
públicos, e quatro portos secundários (Viana do Castelo, Figueira da Foz, Faro e Portimão),
administrados pelo IPTM. Cada Administração Portuária (AP) dispõe de personalidade jurídica,
autonomia financeira e administrativa, dispondo de um corpo de gestão próprio. Nos cinco portos
principais foi adoptado um modelo de gestão do tipo Landlord Port que incentiva, de acordo com as
Orientações Estratégicas para o Sector Marítimo – Portuário – 2007, a atribuição da sua exploração
comercial à iniciativa privada, em regime de serviço público ou de uso privativo, podendo o
financiamento e a execução das infra-estruturas ser da responsabilidade pública ou de privados.
Nestes portos as administrações portuárias encontram-se já retiradas da prestação directa da
maioria dos serviços comerciais, reservando para si competências de supervisão, coordenação,
controlo e promoção geral do porto, construção e manutenção das infra-estruturas gerais. Esta linha
de acção deverá ser mantida no futuro, sendo clara a intenção do estado de “acelerar o programa de
concessões e licenciamento de serviços portuários, retirando as AP’s e o IPTM da exploração directa
dos terminais e da prestação dos restantes serviços que não configurem funções de Estado, sempre
que as condições de mercado possibilitem que a prestação pela iniciativa privada possa ser mais
eficiente e com menor custo para os utilizadores do porto” (MOPTC, 2007). Quanto aos portos
secundários, estes permanecem ainda no modelo de gestão Tool Port, sendo a administração
portuária, neste caso o IPTM, a entidade que assegura, quer a infra-estrutura, quer a superestrutura,
assim como presta, com pessoal próprio, parte dos serviços portuários, nomeadamente a operação
de equipamentos.
O IPTM constitui-se como o instituto público com funções de regulação do sector, quer a nível
económico quer a nível técnico e normativo. Voltando a citar o mais recente documento orientador
da estratégia portuária, (MOPTC, 2007), ao IPTM estão reservadas “funções de planeamento
estratégico e de supervisão do sector marítimo – portuário”, nomeadamente através da emissão de
pareceres vinculativos acerca da atribuição de concessões no domínio da operação portuária, da
elaboração de instrumentos de planeamento estratégico e de regulação sectorial e da monitorização
e consolidação da informação ao nível nacional dos resultados da gestão portuária. Adicionalmente,
e como já foi referido, o IPTM acumula também funções ao nível da administração dos portos
secundários, situação que é manifestamente inconciliável, a longo prazo, com o papel de regulador
do sector. Nesse sentido, está prevista uma maior autonomização destes portos, incluindo a
transferência da sua jurisdição para as autoridades portuárias dos portos principais, através da
constituição de unidades empresariais, com autonomia de gestão, articuladas com os portos
30
principais (a futura sociedade anónima do Porto de Viana do Castelo deverá ser detida integralmente
pelo Porto do Douro e Leixões e a da Figueira da Foz pelo Porto de Aveiro). Esta medida, que visa a
criação de núcleos portuários complementares e a clarificação das competências do IPTM ainda não
foi implementada.
A estrutura orgânica do sector portuário português apresenta duas entidades fundamentais, as
Administrações Portuárias autónomas e o IPTM, ambas dependentes do Ministério da Obras
Públicas, Transportes e Comunicações (MOPTC). Recentemente, com a reestruturação do IPTM, foi
constituído também um Conselho Consultivo, participado por participação todas as entidades,
comunidades e agentes económicos e sociais implicados no sector. Na figura 2 apresenta-se o
enquadramento institucional do sector portuário português.
Este sistema de portos com autonomia de gestão é frequentemente criticado por fomentar
excessivamente a competição entre os diferentes portos nacionais, resultando em duplicação de
investimento público e inviabilizando eventuais sinergias originadas pela cooperação inter-portuária a
nível nacional. No Relatório Síntese do Tribunal de Contas sobre as Auditorias realizadas ás
Administrações Portuárias, publicado em 2007, verificou-se “ter sido mais frequente a competição do
que a cooperação entre os portos comerciais nacionais”, competição essa que apesar de trazer
benefícios para o mercado, pode ser contraproducente, por se basear em grande medida em
dinheiros públicos e por dificultar a especialização de cada porto nas áreas de mercado para as
quais está mais vocacionado, e nas quais pode beneficiar de efeitos de escala. Neste sentido, nas
orientações estratégicas para o sector é proposto um modelo “co-opetition” de gestão colaborativa
Figura 2: Organograma do Sector Portuário português (in (MOPTC, 2007)).
31
(sobretudo para os terminais de contentores), que combine competição com colaboração, orientado
para o alargamento do hinterland ibérico dos portos nacionais.
4.2. O Porto de Lisboa no contexto Nacional e Ibérico.
O Porto de Lisboa tem mantido, ao longo dos anos, a sua posição no conjunto dos portos
portugueses ao nível da movimentação de carga contentorizada, sendo responsável em 2006 pela
movimentação de 512.501 TEU, correspondendo a 49% da movimentação total de contentores nos
portos do continente,25 seguido pelos portos de Leixões (36%) e Sines (14%). Já a nível ibérico a
quota de mercado do Porto de Lisboa tem-se mantido estável na ordem dos 7 a 8%, surgindo
posicionado em quarto lugar, atrás dos portos de Algeciras, Valência e Barcelona26 (3.244.640 TEU,
2.612.139 TEU e 2.317.368 TEU) e a par do porto de Bilbao27.
Segundo o seu Plano Estratégico28, o hinterland do Porto de Lisboa “estende-se às regiões
portuguesas do Centro, Lisboa e vale do Tejo, Alentejo e Algarve e às regiões espanholas da
Estremadura e Andaluzia”. Esta área de influência constitui apenas um indicador sobre a área
geográfica em que o porto tenderá a apresentar vantagem competitiva face aos outros seus
concorrentes. Contudo, este hinterland apresenta uma clara permeabilidade à carga proveniente de
outros portos, facto que é confirmado pela entrada no seu espaço geográfico de mercadorias
provenientes de portos espanhóis (nomeadamente Bilbao, Valência e Barcelona). Simultaneamente,
o hinterland assim definido apresenta uma clara sobreposição de áreas de influência com o do porto
de Sines.29 O grau de influência que o desenvolvimento do Porto de Sines poderá ter nos terminais
de contentores do Porto de Lisboa não é ainda suficientemente claro. O Terminal de Contentores de
Sines (Terminal XXI) foi concessionado em 1999 à Autoridade Portuária de Singapura (PSA). Como
será detalhado mais à frente, o contrato prevê uma expansão faseada do terminal, estando previsto
para o final de 2008 o lançamento da segunda fase do projecto que originará uma capacidade
instalada de 800.000 TEU Ainda não é possível tirar grandes conclusões acerca do impacte que o
terminal de Sines terá em Lisboa. Contudo, salienta-se que, apesar da sua natureza
predominantemente vocacionada para o transhipment, existe uma componente de serviço ao
hinterland que não deverá ser negligenciada, sobretudo se se considerar o crescimento verificado no
volume movimentado no terminal (aumento de 50% do volume face ao período homólogo em Agosto
de 2008) e os projectos de desenvolvimento de acessibilidades ao hinterland já em curso. Neste
contexto salienta-se o projecto do novo corredor para mercadorias, ligando o Porto de Sines
directamente a Elvas/Badajoz, cuja concretização já está em curso, inserindo-se no âmbito do
Projecto Prioritário n.º 16 da RTE-T, “Eixo ferroviário de mercadorias Sines/Algeciras – Madrid –
25 Valores em toneladas relativos ao ano de 2006, de acordo com dados do Relatório Síntese de Auditoria as Administrações Portuárias do Tribunal de Contas. 26 Dados de retirados de ESPO Annual Report 2006-2007 27 Saliente-se que os três portos espanhóis com maior movimentação de contentores apresentam uma componente de transhipment, que é especialmente significativa no Porto de Algeciras e que pode contribuir para uma distorção dos dados apresentados. 28 Plano Estratégico do Porto de Lisboa, elaborado a pedido da Administração Portuária (versão prévia de consulta). 29 Existe também sobreposição com o porto de Setúbal, apesar deste ultimo apresentar algumas limitações de calado à entrada de navios que constituem um entrave ao tráfego deep-sea.
32
Paris”, que prevê o desenvolvimento de um eixo ferroviário para mercadorias ligando os portos de
Sines e de Algeciras em Espanha, com o centro da Europa.
De facto, não obstante de se definir para o Porto de Lisboa um hinterland tão extenso, a Região de
Lisboa e a Península de Setúbal são as principais origens/destinos das mercadorias movimentadas
através daquele porto, sendo esta realidade apresentada no quadro 7. No domínio das importações
estas duas regiões absorveram 86,6% das mercadorias entradas pelo Porto de Lisboa (57,1% na
grande Lisboa e 29,5% para a península de Setúbal). No campo das exportações a
representatividade destas duas regiões no total das mercadorias expedidas através do porto de
Lisboa é menor (44% para a grande Lisboa e 23,3% para a Península de Setúbal).30 Os valores
acima apresentados confirmam a localização do Porto de Lisboa num espaço geográfico de grande
produção e consumo a nível nacional. Porém, para que a dimensão do mercado potencial
identificado se materialize em captação de carga, é necessário que sejam criadas condições que
permitam melhorar a sua competitividade. A competitividade de um terminal de contentores está
associada em grande medida à dimensão do seu hinterland, a qualidade das acessibilidades
marítimas e terrestres existentes e ao custo do serviço em si. Outros factores como o volume de
carga movimentado e o grau de integração em cadeias logísticas podem também ser relevantes na
escolha. A comparação com os principais portos ibéricos é inevitável e ilustra quais as principais
vantagens e desvantagens competitivas do Porto de Lisboa.
Quadro 7: Carga movimenta no Porto de Lisboa em 2003, por origem/destino.
Regiões TEUs
Andaluzia 37.000
Estremadura Espanhola 43.000
Norte 98.000
Centro 95.000
Lisboa e Vale do Tejo 176.000
Alentejo 70.000
Algarve 37.000
Total 555.000
Fonte: (APL, 2007 c)
As acessibilidades marítimas a um porto dependem sobretudo de dois factores, a saber, a
profundidade máxima (de entrada na barra, do canal de acesso e dos pontos de amarração) e a taxa
de ocupação do cais. Dos portos nacionais apenas os Portos de Lisboa e Sines apresentam
profundidades superiores a 15m, dimensão mínima necessária para receber navios PostPanamax,
sendo que este requisito é cumprido por todos os principais portos espanhóis (nomeadamente,
30 Dados de 2006 retirados do plano estratégico para porto Lisboa.
33
Algeciras, Valência, Barcelona, Vigo e Bilbao). Estes portos apresentam, contudo, elevadas taxas de
ocupação dos cais, situação que não se verifica nos portos portugueses31.
Ao nível das acessibilidades terrestres constata-se que todos os portos espanhóis referidos
anteriormente têm ligações ferroviárias e rodoviárias mais adequadas do que as existentes em
Portugal, com destaque para os Portos de Valência e Barcelona. Isto constitui uma clara
desvantagem competitiva para os portos nacionais. Neste sentido, a conclusão expressa pelo Plano
Estratégico para o Porto de Lisboa é inequívoca: “pode concluir-se que, pese embora o Porto de
Lisboa se encontre ligado á rede rodoviária nacional fundamental e à rede ferroviária nacional, os
condicionalismos registados nas acessibilidades terrestres ao porto de Lisboa, derivados, por um
lado, da sua localização no centro da cidade e da promiscuidade entre tráfego urbano e portuário e,
noutra perspectiva, pela partilha de infra-estruturas ferroviárias entre os tráfegos de passageiros e de
mercadorias, resultam em fortes constrangimentos ao nível das ligações ao hinterland”.
Efectivamente, o Porto de Lisboa é, excluindo Algeciras, o porto da Península Ibérica mais próximo
da cidade espanhola de Badajoz e de grande parte da região da Andaluzia, situação que ainda não é
perfeitamente aproveitada para uma efectiva conquista de cota de mercado, fruto, em certa medida,
desses constrangimentos. Assim, corrobora-se a posição expressa no Plano Estratégico, que conclui
“que o Porto de Lisboa apresenta condições naturais de excepção, únicas no panorama nacional e
ibérico, que lhe conferem claras oportunidades de alargamento da sua área de influência e de
aumento da movimentação de mercadorias”. Porém, para que isto se verifique, é essencial que
sejam criadas condições ao nível da intermodalidade e logística portuária que permitam melhorar a
sua competitividade e resolver os problemas adstritos a sua matriz tipicamente urbana, resultantes
da sua localização no centro da cidade de Lisboa. Por último, saliente-se que, de entre os portos
ibéricos referidos, o Porto de Lisboa é aquele que apresenta (juntamente com o Porto de Setúbal) as
mais baixas taxas portuárias.
4.3. Caracterização geral do Terminal de Contentores de Alcântara
Os terminais especializados do Porto de Lisboa dedicados à movimentação de contentores são os
seguintes:
– Terminal de Contentores de Alcântara (TCA), concessionado à Liscont.
– Terminal de Contentores de Santa Apolónia (TCSA), concessionado à Sotagus.
– Terminal Multipurpose de Lisboa (TML), concessionado à Transinsular.
Estes terminais detêm a quase totalidade do tráfego de contentores no Porto de Lisboa e, durante o
triénio de 2005 - 2007 apresentaram a movimentação indicada no quadro seguinte.
31 No caso do terminal de contentores da Liscont o congestionamento verifica-se ao nível do parque de contentores e não do cais.
34
Quadro 8: Movimentação Anual de Contentores no Porto de Lisboa.
Variação (%) Instalações Portuárias Movimentação 2007 2006 2005
2007/2006 2006/2005
Contentores (n.º) 153.232 137.729 137.248 11,3 0,4 Liscont
TEU 237.768 213.552 216.718 11,3 -1,5
Contentores (n.º) 149.468 137.819 137.134 8,5 0,5 Sotagus
TEU 216.311 200.377 201.767 8,0 -0,7
Contentores (n.º) 55.982 55.553 53.775 0,8 3,3 Transinsular
TEU 77.734 78.454 73.843 -0,9 6,2
Contentores (n.º) 13.794 12.327 13.016 11,9 -5,3 Outras Instalações
TEU 22.961 20.118 20.733 14,1 -3,0
Contentores (n.º) 372.476 343.428 341.173 8,5 0,7 Total
TEU 554.774 512.501 513.061 8,2 -0,1
Fonte: (APL, 2007 b).
Apresenta-se de seguida uma caracterização de cada um dos terminais existentes:
Terminal de Contentores de Alcântara
O TCA situa-se na margem Norte do estuário do Tejo, na zona de Alcântara, ocupando uma parte
significativa da frente marginal da Doca de Alcântara. O Terminal está concessionado, em regime de
serviço público, à LISCONT – Operadores de Contentores, SA, por 30 anos, até 2015. A infra-
estrutura do cais tem 630 metros de comprimento e fundos de serviço de -13 metros ZH, apesar de
existirem troços em que os fundos atingem – 16,00 metros ZH. O cais dispõe dos seguintes
equipamentos de movimentação de carga (dados da Concessionária):
– 2 Pórticos de cais Panamax de 40 ton de capacidade e 39,5m de alcance;
– 1 Pórtico de cais pós-Panamax de 40 ton de capacidade e 51m de alcance;
– 1 Grua automóvel Gottwald de 100 ton de capacidade e 46m de alcance.
A área disponível de terraplenos é de, aproximadamente, 120.000 m2, correspondendo a uma
capacidade de armazenagem de 8.592 TEU, dispondo do seguinte equipamento:
– 7 Pórticos de parque sobre rodas (RTG’s) de 40 ton, com possibilidade de empilhamento em altura
de 5 + 1 contentores, em fileiras de 7 pilhas com uma via de serviço;
– 4 Reach Stackers de 45 ton, possibilitando o empilhamento a 5 alturas;
– 4 Empilhadores frontais (Top Lifter) de 42 ton, possibilitando o empilhamento a 4 alturas;
– 1 Empilhador frontal (FLT) para Ro-Ro de 35 ton, possibilitando o empilhamento a 2 alturas;
– 1 Empilhador lateral (SLT) para contentores vazios de 16 ton, possibilitando o empilhamento a 5
alturas.
– 15 Conjuntos de tractores com atrelado.
35
Relativamente às acessibilidades ao terminal, o TCA dispõe de um acesso à rede nacional e
regional, através da Av. Brasília e de um acesso ferroviário à Linha do Norte, por ramal dedicado,
com ligação em Alcântara Terra. No que respeita à acessibilidade rodoviária refere-se que o tráfego
pesado gerado pelo TCA é apenas escoado pela Av. Brasília e pela rotunda de Algés que liga à
CRIL, sendo esta última solução bastante melhor do que a que utilizava o Viaduto de Alcântara. Mas,
verifica-se que a mistura de tráfego pesado com o tráfego ligeiro gerado na Av. Brasília tem causado
alguns problemas e, eventualmente, poderá vir a estar na origem de acidentes. Com efeito, a
sinalização horizontal da Av. Brasília, quando foi projectada, não previa que este tipo de tráfego
pesado pudesse vir a atingir as actuais proporções, pelo que não apresenta separação de faixas
para estes dois tipos de tráfego. No cenário previsível de crescimento do tráfego no TCA, poder-se-á
ter de encarar a criação de um corredor reservado para pesados na Av. Brasília.
No que respeita à acessibilidade ferroviária, a situação actual corresponde à oferta aos seus clientes
de vários comboios – bloco de 15 vagões, diários, em cada direcção, para Leixões e duas vezes por
semana um comboio de ida e volta para Vigo, uma vez que o TCA recebe navios deep-sea com
carga destinada aos Portos de Leixões e Vigo. Opera ainda ½ comboio por dia em cada sentido para
Elvas, sendo o restante comboio operado pela Sotagus, em Stª. Apolónia e ainda entre 3 a 4 vagões
diários para a Guarda. Contudo, existe o inconveniente da transposição da Linha do Estoril, que está
sempre dependente da complexidade de horário daqueles comboios, e da organização da
composição em Alcântara. No que respeita à acessibilidade fluvio-marítima, as limitações ocorrem
apenas durante o Inverno, quando a agitação da barra impede a entrada de navios com calados que,
em situação normal, não teriam quaisquer restrições.
Terminal de Contentores de Santa Apolónia
O TCSA, com uma área de 17,0 ha, está concessionado em regime de serviço público à SOTAGUS
– Terminal de Contentores de Santa Apolónia, SA, por 30 anos, até 2021, com opção de mais dez
anos. A capacidade do terminal poderá ainda ultrapassar mais do dobro da movimentação actual,
essencialmente através de dotação adequada de equipamento de cais e de parque. A principal
restrição que apresenta diz respeito à acessibilidade marítima, contando apenas com cerca de -11 m
ZH de fundos garantidos no canal de acesso (com exigência de dragagens periódicas), limitando a
dimensão dos navios que pode servir. No que respeita às acessibilidades rodoviárias, refere-se que
estas se processam sem grandes constrangimentos. Quanto às acessibilidades ferroviárias, que são
utilizadas essencialmente nas ligações com Leixões, o terminal possui dois ramais de caminho de
ferro no interior das suas instalações e uma boa ligação à linha do Norte, através da estação de Stª.
Apolónia.
Terminal Multipurpose de Lisboa
O Terminal Multipurpose de Lisboa, com uma área de 4,9 ha, está concessionado, em regime de
serviço público, à Transinsular, por 15 anos, terminando a concessão em 2010. O contrato de
concessão proíbe a utilização de equipamentos autónomos de estiva para na descarga dos navios
36
que ai atracam, pelo que este terminal apenas opera com navios que disponham de gruas
acopladas. No que respeita às acessibilidades rodoviárias, refere-se que, à semelhança do Terminal
de Contentores de Santa Apolónia, estas se processam sem grandes constrangimentos. Embora o
terminal disponha de um ramal ferroviário no interior das suas instalações, com boa ligação à rede
principal, através da estação de Stª. Apolónia, não existe tráfego ferroviário significativo.
4.4. A importância estratégica do terminal de Contentores de Alcântara
Conforme foi descrito no capítulo dois, a dinâmica de integração horizontal e vertical da indústria
transatlântica de contentores faz antever o redesenho das linhas regulares e a escolha dos portos de
escala. Dado a tendência para o aumento da dimensão dos navios (e consequentes ganhos de
escala), verifica-se que o custo das operações em terra, nomeadamente a movimentação no terminal
e o transporte para o hinterland, está a aumentar face aos custos de transporte no mar. Assim, a
estratégia das principais companhias de navegação tem passado pelo aumento do controlo sobre as
operações em terra de forma a reduzir o custo do ciclo global do negócio. O aumento das dimensões
dos navios porta contentores tem também colocado uma grande pressão sobre os portos, que
necessitam de investir na construção de maiores cais e na automatização das operações de
carga/descarga e armazenamento de contentores. A ausência de capacidade em acompanhar este
ritmo de crescimento dos navios e o consequente aumento dos volumes de carga movimentados
justifica os problemas de congestionamento que se têm sentido em alguns portos europeus.
O Plano Estratégico do Porto de Lisboa refere que actualmente a maior parte da carga com
origem/destino na Península Ibérica é transportada em navios feeder de/para portos centrais do
Noroeste Europeu (Roterdão, Antuérpia) ou do Mediterrâneo (Gioia Tauro / Marsaxlokk). Com o
esperado aumento do volume de carga transportada será cada vez mais interessante, para as
companhias de navegação, a realização de rotas directas, introduzindo um sistema de rotas
secundárias de transporte marítimo junto das linhas principais. A criação destas redes secundárias
diminuirá a necessidade de serviços feeder, que são relativamente caros e que aumentam o tempo
de trânsito das mercadorias em porto. Estas redes secundárias permitirão também tornar a rede
global mais flexível e mais facilmente adaptável a flutuações na procura. O desenvolvimento destas
redes secundárias apresenta-se como uma oportunidade para o Porto de Lisboa, que poderá ter um
papel de relevo na atracção de escalas directas. Uma condição essencial para o desenvolvimento
deste tipo de tráfego é a criação de uma “massa critica” de carga contentorizada que viabilize a
utilização de navios de dimensão média em serviços de periodicidade aproximadamente semanal.
Nos portos do Nordeste Europeu esta relação implica uma capacidade instalada de 0,5 a 1 milhão de
TEU ano, enquanto que nos portos do Sul/Mediterrâneo a capacidade instalada varia entre 0,4 e 0,7
milhões de TEU. Neste contexto é inevitável que o Porto de Lisboa aumente a sua capacidade de
movimentação de contentores de forma dispor da referida “massa critica” que lhe permita ser um
sério candidato á inclusão nestas redes secundárias. Esta perspectiva é corroborada pelas
projecções apresentadas pelo Plano Estratégico (ver quadro 9), que estimam que a necessidade de
37
transporte instalada deverá variar entre 1,5 e 2,25 milhões de TEU/ano em 2025, resultando dai
taxas de crescimento anuais de aproximadamente 6% a 7%.
É inquestionável a importância que o terminal de Alcântara assume num cenário como este,
sobretudo quando mais de 80% do incremento de movimentações estimado tem origem em linhas de
deep-sea e feeder. Nenhum dos outros dois terminais existentes no porto tem capacidade de receber
navios com calado superior a 11 m e a construção de um quarto terminal parece desapropriada
tendo em conta o curto horizonte temporal, os custos associados. Assim, o aumento da capacidade
de movimentação de carga contentorizada no Porto de Lisboa deverá passar pela expansão física
das instalações do Terminal de Alcântara, conforme foi, de resto, já proposto no Plano Estratégico do
Porto32.
Quadro 9: Projecções de movimentação de contentores no Porto de Lisboa.
2010 2015 2020 2025
Caso mais desfavorável
Contentores de TMCD 50.000 100.000 150.000 200.000
Contentores feeder e deep sea 600.000 780.000 1.020.000 1.300.000
Tráfego total 650.000 780.000 1.020.000 1.300.000
Caso mais favorável
Contentores de TMCD 105.000 200.000 245.000 305.000
Contentores feeder e deep sea 755.000 1.050.000 1.455.000 1.945.000
Tráfego total 860.000 1.250.000 1.700.000 2.260.000
Fonte: (APL, 2007 c)
Este plano apresenta duas propostas de expansão do terminal que visam atingir os seguintes
objectivos:
- Expansão faseada da capacidade de parqueamento em Alcântara.
- Criação de condições para acostagem de maiores navios em Alcântara.
- Construção de ramais ferroviários de ligação do terminal a plataformas logísticas.
- Melhoramento, em geral, das acessibilidades rodoviárias aos terminais.
A primeira proposta consiste no alargamento da actual concessão, com integração da totalidade do
cais avançado de Alcântara (1090 m de extensão) e dos terraplenos situados entre a frente do cais
avançado e o cais Sul da doca de Alcântara e entre os edifício das duas gares marítimas, de
Alcântara e da Rocha do Conde d’Óbidos. Esta proposta aumenta a extensão de cais em cerca de 32 O Plano Estratégico considera também a possibilidade de construção de um novo terminal de contentores na zona da Trafaria, imediatamente a jusante do terminal de granéis alimentares. Segundo os últimos estudos efectuados para a elaboração do Plano Estratégico do Porto de Lisboa, esta localização parece reunir as condições exigidas: dispondo de fundos naturais adequados, razoáveis condições de abrigo e encontrando-se a uma curta distância da entrada do porto. Contudo as acessibilidades são, à data, extremamente restritivas, quer pela ausência de rede ferroviária no local quer pela dificuldade no atravessamento das mercadorias para a margem Norte do Tejo. O custo este projecto seria também muito superior ao do alargamento de Alcântara.
38
75% e a área de terraplenos em mais de 78%, relativamente à situação actual. O correspondente
aumento de capacidade proporcionado foi estimado num valor da ordem de 100% da capacidade
actual, superior aos aumentos do cais e terraplenos, conseguido com a introdução de novos meios
tecnológicos e com o reordenamento e optimização da infra-estrutura portuária, só possíveis nesta
nova situação.
A segunda proposta de expansão deste terminal acrescenta ao cenário anterior o prolongamento do
cais do TCA em 550 m, para montante, no mesmo alinhamento do cais existente e uma área de
terraplenos da ordem de 5,8 ha (criados através de estrutura aberta, em laje de betão apoiada em
pilares fundados no bedrock), situados entre a nova frente acostável e o actual cais da Rocha do
Conde d’Óbidos. Com esta expansão, que permite a criação de um cais contínuo com 1.640 m de
extensão e fundos de serviço a (-15,00m)ZH (após a dragagem e quebramento de rocha que não
foram executados na última empreitada de avanço do cais) e com as potencialidades criadas para o
serviço a navios deep-sea e um expectável crescimento moderado de transhipment, estimou-se para
este cenário uma capacidade de oferta da ordem de 1.000.000 TEU/ano (ver figura 3).
A questão que se coloca para a viabilização da expansão da capacidade de oferta do TCA incide
fundamentalmente sobre a capacidade disponível no tramo terrestre para a recolha/expedição dos
contentores. Actualmente, todo o tráfego rodoviário de pesados gerado pelo terminal é escoado pela
Av. Brasília e pela rotunda de Algés que liga à CRIL. O crescimento deste tráfego, a que se somará
o natural crescimento do tráfego pendular de ligeiros na entrada e saída de Lisboa, poderá gerar
alguns constrangimentos a esta via. No que respeita às ligações ferroviárias, a situação actual
permite ainda, segundo o referido Plano Estratégico, um incremento sustentado até valores da
ordem de 10/12 comboios diários (em cada sentido), exigindo para o efeito, o desnivelamento do nó
rodo-ferroviário de Alcântara e mais espaço e meios de movimentação no próprio terminal de
contentores.
Para fazer face ao acréscimo do tráfego originado pelo aumento da procura resultante da expansão
do terminal foram propostas algumas soluções para melhorar a expedição de contentores do
terminal. Uma solução apresentada consiste na criação de um serviço de transporte de contentores
por via fluvial, através da utilização de barcaças porta contentores, entre o TCA e plataformas
logísticas a criar na periferia de Lisboa com acesso directo ao estuário do Tejo. Adicionalmente é
também proposta uma melhoria dos canais disponíveis na via de cintura ferroviária que serve o TCA
e a sua possível independência do tráfego de passageiros da linha de Cascais, através da
construção de um acesso ferroviário à Linha do Norte, por ramal dedicado, com ligação em Alcântara
Terra.
No sentido de articular o porto de Lisboa com as plataformas logísticas apresentadas no documento
“Portugal Logístico”, o Plano Estratégico evidência as plataformas da Bobadela e do Sobralinho,
tendo a primeira um excelente acesso ferroviário, já instalado e a segunda a possibilidade de
39
facilmente dispor de acessibilidades ferroviárias e fluviais. Refere também a plataforma logística de
Castanheira do Ribatejo, com cerca de 100 hectares, a qual, situando-se a Norte da ponte de Vila
Franca e na margem Norte do Tejo, poderá dispor de acesso ao rio, tal como no Sobralinho, sendo
ambas potenciais candidatas à utilização de soluções de transporte fluvial de carga contentorizada.
Figura 3: Alternativas de expansão do TCA consideradas no Plano Estratégico do Porto de Lisboa
40
5. ANÁLISE DO CONTRATO DE CONCESSÃO DO TCA.
5.1. O Contrato de Concessão do Terminal de Contentores de Alcântara.
O TCA está concessionado, em regime de serviço público, à LISCONT – Operadores de
Contentores, SA, por 30 anos, até 2015. O contrato existente entre a APL e a Liscont foi celebrado
em 18 de Dezembro de 1984 na sequência de um concurso público internacional, por um prazo de
20 anos a contar do início da exploração (que teve inicio a 5 de Maio de 1985). O referido contrato
confere à Liscont o “direito de explorar, em regime de serviço público, o terminal portuário de
contentores de Alcântara” mediante o pagamento, de taxas de concessão relativas à área do
terminal concessionado e relativas aos movimentos de contentores efectuados. Mais concretamente
são consideradas taxas fixas anuais referentes à utilização do muro-cais, dos terraplenos e dos
edifícios existentes e taxas variáveis, em função do número de operações, relativas a cada contentor
(cheio, vazio ou de transhipment) movimentado pelas gruas do cais do concessionário. 33 O contrato
estipula também que as tarifas praticadas pelo operador (Liscont) relativas aos serviços
concessionados carecem de aprovação da autoridade portuária. É especificamente referido, como
obrigação do concessionário, “manter em permanente estado de bom funcionamento, conservação e
segurança as instalações e os equipamentos do terminal, os quais serão substituídos, sem direito a
indemnização, quando se destruírem ou mostrarem inadequados para o fim a que se destinam”. Da
mesma forma é determinado que, finda a concessão, reverterão gratuitamente para a APL todas as
instalações e equipamentos fixos que nessa data constituam o terminal e que tenham sido custeados
pelo concessionário, não podendo a concessionária reclamar indemnização alguma sobre a
transferência dos mesmos. 34
Posteriormente, o contrato de concessão foi objecto de um aditamento, datado de 19 de Dezembro
de 1997, o qual determinou a renovação do contrato, no termo do período inicial de vigência, por
dois novos períodos de 5 anos, ou seja, até 5 de Maio de 2015. Nele, a Liscont assumiu
compromissos de modernização e de apetrechamento do terminal de Alcântara, mediante a
realização de novas obras e investimentos, no valor global de cinco milhões e quarenta mil contos
(correspondente a 25.139.414€), segundo o plano de investimentos aprovado (cfr. artigos 1.º e 2.º do
Aditamento). Concomitantemente, foi determinada a reformulação da área objecto da concessão, em
conformidade com as obras previstas. Nessa sequência, e face às modificações introduzidas,
acordaram as partes, no artigo 6.º do Aditamento, “que, no termo do actual período de vigência, o
contrato se renove por dois novos períodos de 5 anos”. Por último, procedeu-se à revisão das
condições financeiras da concessão, mais concretamente, das taxas devidas pelo uso das áreas e
instalações integradas no domínio público do Estado afecto à APL (artigo 5.º do Aditamento). No
demais, o Aditamento outorgado remeteu para o estabelecido no contrato de concessão.
33 Movimentos não efectuados pelas gruas são também taxados mas com um valor 25% abaixo. 34 O fim da concessão pode ocorrer pelo decurso do prazo, por rescisão ou por resgate
41
5.2. Análise comparativa do clausulado contratual do Contrato de Concessão
do TCA.
5.2.1. Introdução
Feita esta contextualização relativa à moldura legal que enquadra a concessão da exploração de
terminais portuários em Portugal, importa pois analisar as particularidades do contrato de Concessão
do TCA face ao que acima foi exposto. Esta análise tem especial importância se for tido em conta
que o contrato data de 1984, ou seja é anterior a toda a legislação particular que regulamenta
actualmente o sector. Optou-se por estabelecer uma comparação entre o contrato do TCA e
contratos de concessão com o mesmo objecto (concessão de serviços de movimentação de carga
contentorizada) celebrados mais recentemente, baseando-nos para isso na crença de que um
estudo comparado seria mais profícuo na identificação de diferenças de abordagem e concepção.
Neste sentido foram analisados os seguintes contratos (quadro 10):
Quadro 10: Contratos de concessão analisados
Contrato de Concessão Porto Concessionário Ano Celebração
Terminal de Contentores de Alcântara Lisboa LISCONT 1984/199735
Terminal Contentores de Santa Apolónia Lisboa SOTAGUS 1999
Terminal XXI Sines PSA Sines 1999
Terminal Multiusos (zona1) Setúbal TERSADO 2004
Terminal Multiusos (zona2) Setúbal SADOPORT 2004
Terminal Multiusos do Beato Lisboa TMB 2000
Primeiramente optou-se por desenvolver uma matriz de risco tipo para os contratos de concessão de
terminais portuários de contentores, identificando as potenciais ameaças que o contrato, implícita ou
explicitamente, deve prever. Posteriormente, classificou-se a distribuição da assumpção dos riscos
assim identificados em cada um dos contratos analisados. Numa segunda fase avaliaram-se
comparativamente outras cláusulas particulares de cada contrato consideradas relevantes para este
estudo.
5.2.2. A partilha de riscos do contrato
Segundo o Project Management Institute (PMI) ”risco de um projecto é uma condição ou evento
incerto que, se ocorrer, tem um efeito positivo ou negativo num objectivo do projecto. O risco tem
uma causa e, se ocorrer, uma consequência”. Assim, um risco corresponde a um evento de
ocorrência incerta (com maior ou menor probabilidade), que se pode traduzir numa oportunidade ou
num “custo” para as partes integrantes do contrato. Um projecto está sujeito a diversos riscos
financeiros e de negócio. É comummente aceite que um contrato adequado deve assentar numa
partilha equilibrada de risco entre concedente e concessionário, devendo cada uma assumir as
responsabilidades para as quais tem maior apetência para lidar (Vinter, 1995). No caso da 35 Ano da celebração do aditamento ao contrato original.
42
concessão de terminais portuários de contentores identificaram-se como relevantes os riscos
apresentados no quadro 11. Com base na lista de risco identificados, procurou-se avaliar a sua
forma de imputação aos intervenientes do contrato.
Quadro 11: Principais riscos identificáveis na exploração de um terminal de contentores.
Riscos Gerais
Exemplos de exposição ao risco
Planeamento e concepção
Definição do layout do terminal; Integração modal; Conflitos com outros operadores; Adequação entre infra-estrutura e objectivos.
Construção
Atrasos no projecto; Desvios ao custo estimado; Falta de qualidade construtiva; Incerteza acerca das condições geológicas e ambientais.
Licenças e expropriações
Aceitação de expropriações; Obtenção de licenças de construção e operação.
Ambiental
Impactes ambientais negativos resultantes da construção e operação.
Segurança
Acidentes nas fases de construção e operação.
Acessibilidades
Disponibilidade das acessibilidades adequadas (rodoviárias e ferroviárias); Manutenção da profundidade adequada nos canais e nas zonas de cais.
Manutenção e reparações
Estado inicial das instalações; Manutenção e substituição de pórticos de cais, RTG’s e outro equipamento de parque; Reparações na infra-estrutura durante a operação.
Risco operacional
Qualidade do plano de operações do terminal.
Risco tecnológico
Aplicação de novos processos e técnicas; obsolência de equipamentos e infra-estruturas; regulamentação mais exigente.
Performance e capacidade
Incerteza acerca da qualidade do serviço (tempos de carga, dwell times); Limitações do parque de contentores; Disponibilidade de zonas de atracação.
Procura e competição no mercado
Ameaça de novos competidores (novas concessões portuárias); incerteza acerca da procura; repartição modal da procura (rodovia e ferrovia).
Financeiro
Incerteza acerca do crescimento do IPC, evolução dos encargos financeiros, risco e insolvência de parceiros.
Risco legal
Impactos de nova legislação na estrutura de custos do projecto e nas operações do terminal.
Risco político e de modificação unilateral do contrato
Alterações súbitas ao projecto que constituam motivo de reequilíbrio económico. Alterações nas politicas de financiamento público dos portos; Mudanças de governo.
Força maior
Catástrofes naturais, vandalismo, guerra.
5.2.2.1. Planeamento
A decisão de concessionar ou não um novo terminal portuário é tipicamente uma responsabilidade
do concedente, situando-se a montante da elaboração do contrato de concessão. A definição do
modelo de concessão mais adequado deve assentar na visão estratégica de cada autoridade
portuária para o desenvolvimento do seu porto, no nível de procura registado e na avaliação dos
43
potenciais interessados. Já a expansão de infra-estruturas existentes pode ser da iniciativa quer da
autoridade portuária quer de um dos operadores existentes, podendo os riscos ser partilhados entre
os contraentes ou assumidos individualmente por um deles. Qualquer uma destas situações implica
a celebração de um novo contrato de concessão ou de um aditamento ao contrato de concessão,
pelo que os contratos estudados não configuram referências às cláusulas de exploração dessas
zonas de eventual expansão. O contrato pode é definir as condições mediante as quais essa
expansão deverá ser equacionada (por exemplo saturação do terminal existente), como é o caso da
expansão definida para o Terminal XXI, em Sines. Neste terminal optou-se pela expansão faseada
do cais, sendo esta acompanhada pela construção de um quebra-mar, da responsabilidade da
Administração do Porto de Sines (APS). O contrato prevê para cada fase que, em determinadas
datas a contar do início da concessão, as partes poderão “realizar conjuntamente um Estudo de
avaliação de mercado de forma a determinar se a procura relativa às instalações do Terminal XXI
justifica um aumento da sua capacidade, mediante a construção de parte ou da totalidade (…) (de
cada uma das fases previstas)”. Caso seja decidido pelas partes, com base no referido estudo, que o
aumento de capacidade do Terminal XXI não se justifica, o concessionário não será obrigado a
proceder à construção da respectiva fase e o concedente a disponibilizar a área de quebra-mar
associada.
5.2.2.2. Concepção e construção
Dos contratos analisados, a maioria prevê a realização de obras de expansão ou melhoramento do
terminal a concessionar. Estas podem ser de menor envergadura, como no caso de Alcântara, onde
se prevê a “realiza(cão do) o revestimento final em betão betuminoso da área do terrapleno” ou de
muito grande envergadura, como no caso de Sines, onde é expresso que “é da responsabilidade do
concessionário construir e desenvolver o terminal XXI”, sendo discriminadas as diferentes fases de
construção e respectivas datas de disponibilização. Assim, a responsabilidade pela execução dos
trabalhos de construção é do concessionário, sendo a ele imputado todo o risco inerente.
Como excepção refere-se o TCSA, que no seu plano de expansão prevê que é da responsabilidade
do concedente a disponibilização das áreas a concessionar. Este contrato prevê uma expansão do
terminal existente, sendo que a “execução de pavimentos, infra-estruturas e fundações e redes da
área de expansão que integrará o futuro terminal compete à Concedente (…), devendo realizar-se
em termos de não afectar a exploração da parte concessionada do terminal” (art.º 10). Neste
contrato obviamente todo o risco associado à construção das áreas de expansão é assumido pelo
concedente, como atesta, por exemplo, o art.º4, relativamente ao prazo de execução das obras: ”o
não cumprimento, por parte da concedente, das datas referidas no número anterior, dará à
Concessionária o direito à reposição do equilíbrio financeiro da Concessão”.
Todos os contratos analisados remetem para a concedente (as Administrações Portuárias) a
responsabilidade pela manutenção das acessibilidades marítimas ao cais de descarga, situação que
44
apesar de poder ser vista como um risco associado à construção, será analisada no tópico relativo a
acessibilidades.
5.2.2.3. Licenças, expropriação e risco ambiental
A regra geral relativamente a licenças é que a Autoridade Portuária assuma a responsabilidade pela
emissão de todas as licenças necessárias dentro da sua área de competência, sendo todas as
outras de responsabilidade do Concessionário. Ou seja, “a responsabilidade de aprovação de
licenças e do concessionário “ (TCSS zona 1), sendo que “a licença de obra emitida pela Autoridade
Portuária não dispensa licenças ou aprovações de outras actividades competentes” (TCSA).
Geralmente, o desenvolvimento de um projecto de expansão/construção de um terminal portuário
requer um conjunto de licenças de órgãos externos à administração portuária, nomeadamente das
capitanias com jurisdição sobre o porto em causa, licenças camarárias e do ministério do ambiente
(Declaração de Impacto Ambiental).
A nível ambiental, alguns contratos enfatizam a responsabilidade do concessionário sobre todos os
danos ambientais com causa directa na actividade de exploração da concessão. Assim, pode ser
responsabilidade do concessionário proceder à monitorização ambiental, mediante a aplicação de
um plano de monitorização definido no contrato de concessão (caso do TCSA) bem como o
desenvolvimento de planos de contingência localmente, de forma a combater riscos ambientais
associados à sua actividade. Contudo, o papel do concessionário assenta muito mais na prevenção
e monitorização do que na intervenção em caso de descarga poluente ou de qualquer outra
ocorrência anómala. 36 A sua responsabilidade restringe-se aos riscos ambientais directamente
imputáveis à actividade de movimentação de carga, e que são, regra geral, pouco significativos
quando comparados com os resultantes da movimentação dessas mesmas cargas de e para os
terminais portuário por via marítima ou terrestre. Mais uma vez, o caso que nos levanta maiores
dúvidas e que constitui a excepção dentro dos contratos analisados é o do Terminal XXI, em que se
define existe “garantia, por parte da Concedente de que o projecto a concessionar cumpre todas as
regras e requisitos ambientais” referindo nomeadamente que “é da responsabilidade do
Concessionário satisfazer qualquer requisito razoável de qualquer autoridade administrativa de forma
a obter todas as autorizações e licenças”. Dado o contexto em que este contrato foi aprovado
(Decreto-Lei n.º394-A/99 de 24 de Setembro), levanta-se a questão de perceber até que ponto é que
efectivamente o concessionário se encontra liberto da necessidade de obtenção das licenças
necessárias à sua actividade.
Relativamente a questões de segurança, geralmente, a concessionária é responsabilizada por
matérias relativas ao “cumprimento das disposições legais e dos regulamentos portuários em vigor”
36 Tomemos como exemplo o Contrato de Concessão do Terminal de Contentores de Santa Apolónia, cujo contrato de concessão impõe que “a concessionária elaborará um plano de contingência local em ordem a combater os seguintes riscos de natureza ambiental associados à sua actividade: contaminação por derrames, explosões e detonações, incêndios fugas e derrames de produtos contaminantes”.
45
sobre segurança contra incêndio e explosões, segurança na armazenagem e movimentação de
cargas (perigosas ou não) e segurança contra roubo e intrusão.
5.2.2.4. Acessibilidades
A garantia do acesso por terra e por mar a um terminal de contentores é condição essencial para a
sua viabilidade. Relativamente às acessibilidades marítimas, todos os contratos analisados remetem
para o concedente a responsabilidade de assegurar a manutenção dos fundos das bacias de
manobra e do cais de acostagem do terminal concessionado, bem como dos canais de acesso,
procedendo para isso periodicamente às necessárias dragagens de manutenção. Tratando-se de
canais de acesso a áreas comuns, faz todo o sentido que a responsabilidade pela sua manutenção
em condições adequadas de navegabilidade deva ser assegurada pela autoridade com jurisdição
sobre esse mesmo porto, ou seja a autoridade portuária. O contrato pode, e deve, estabelecer uma
relação de interdependência entre a adequada disponibilidade de acessos marítimos e a operação
do terminal, para que este seja visto como um dos factores críticos para o sucesso da concessão.
Neste sentido refere-se, por exemplo, o contrato de concessão do TCA que refere que “as obras e
investimentos referidos na alínea anterior (modernização do terminal, da responsabilidade do
concessionário e aprofundamento do cais e acessibilidades, da responsabilidade da autoridade
portuária) interligam-se, de modo que não se concretizando o aprofundamento do cais deixam de
fazer sentido os investimentos no terminal”. Relativamente à acessibilidade marítima refira-se
também que os serviços de pilotagem e reboque são, em todas as concessões analisadas, da
responsabilidade da autoridade portuária, como é referido, por exemplo, no art.º7 do contrato de
concessão do Terminal XXI, Sines.
Relativamente às acessibilidades terrestres, os Contratos de Concessão de Sines e de Santa
Apolónia compreendem melhoramentos na rede ferroviária que são da responsabilidade do
concedente, ou seja, é da responsabilidade do concedente “desenhar, construir e manter todas as
estradas e caminhos-de-ferro e assegurar o fornecimento de todos os serviços de água, gás,
electricidade e cabos de telecomunicações adequados” (secção 8 do Contrato de Concessão do
Terminal XXI). Em ambos os contratos são apresentadas datas limite para a disponibilização das
infra-estruturas de acesso contratualizadas, podendo a concessionária reclamar uma “indemnização
(…) por todos os prejuízos sofridos e pelos custos e despesas incorridos pela PSA resultantes do
incumprimento (desta disposição contratual)”.
5.2.2.5. Manutenção e reparações
Dado que a responsabilidade operacional sobre o terminal de contentores cabe ao concessionário
em todos os contratos é estipulado que “a concessionária procederá à instalação dos equipamentos
necessários à exploração da Concessão bem como à substituição daqueles que, por destruição,
incapacidade, desgaste técnico ou obsolescência se mostrem desadequados ao fim a que se
destinam, de modo a assegurar continuamente a operacionalidade dos serviços” (Contrato de
Concessão do TCSA). Esta obrigação é estendida, com base no Decreto-Lei n.º324/94, a todos os
46
bens que constituem o estabelecimento, ou seja “as infra-estruturas, instalações e equipamentos
fixos afectos pela Concedente ao Terminal, bem como todos os nele incorporados ou instalados pela
Concessionária” (art.º 7 do Contrato de Concessão do TCSA). Ao concedente cabe, como já foi
referido, a manutenção da cota dos canais de acesso e os fundos acostáveis do terminal, bem como
as acessibilidades terrestres (podendo estas ser da responsabilidade de outras entidades que não o
Concedente).
5.2.2.6. Risco tecnológico
Associam-se ao risco tecnológico situações em que, pelo surgimento de novos processos de
movimentação de carga ou aumento da exigência relativa ao serviço prestado, se verifique a
necessidade de reestruturar o processo de operação ou os equipamentos utilizados, de forma a
evitar perdas de mercado ou sobrecustos. Um excelente exemplo de risco tecnológico é
precisamente o aumento da dimensão dos navios porta contentores, com as consequentes
necessidades de investimento ao nível dos equipamentos de movimentação de carga. É necessário
que se faça uma distinção também entre alteração tecnológica e garantia de eficiência operacional,
preconizada pelo principio da melhor tecnologia. Este princípio, expresso no Decreto-Lei n.º324/94
impõe que “nas obras e apetrechamento da concessão a concessionária deverá usar materiais e
métodos de trabalho de harmonia com os melhores padrões de qualidade e soluções técnicas
utilizadas em actividades congéneres”. Contudo, esta imposição, presente em vários dos contratos
analisados e implícita pela regulamentação do Decreto-Lei acima referido, não pode ser invocada
para justificar avultados investimentos de reconfiguração dos terminais, constituindo apenas um
garante de boas práticas.
As situações de risco tecnológico podem implicar a necessidade de efectuar investimentos muito
significativos que conduzem a situações de reequilíbrio financeiro, como, por exemplo, se refere no
Aditamento ao Contrato de Concessão do TCA: “a realização de tão avultados investimentos, que a
APL considera relevantes para a modernização do terminal e do Porto no seu conjunto, justifica (…)
que se possa acordar desde já a prorrogação da concessão garantido (…) condições de exploração
que permitam o ressarcimento de tais investimentos”. Dos contratos analisados, apenas um, o
contrato de Concessão da Zona 2 do Terminal Multiusos do Porto de Setúbal, antevê o surgimento
destas necessidades, mais concretamente considerando uma cláusula relativa à possibilidade de
aprofundamento dos canais de acesso e das bacias de estacionamento. O contrato estipula que
“mediante estudo de viabilidade técnica, económica e financeira favorável” e estudo de impacto
ambiental não impeditivo pode proceder-se ao aprofundamento dos canais de acesso e das bacias
de estacionamento e rotação, “suportado em partes iguais pela Concedente e Concessionária,
devendo os demais concessionários ou utentes da infra-estrutura portuária no Porto de Setúbal que
pretendam beneficiar destas dragagens, designadamente por via de quaisquer aprofundamentos das
respectivas bacias de manobra e calados dos seus cais, comparticiparem proporcionalmente nos
47
respectivos custos tendo em conta o número de beneficiários”. 37 Esta cláusula, se bem que
discutível para o fim em que é abordada, por não se referir à alteração tecnológica em si ou outras
implicações que traria (como a eventual substituição dos pórticos), pode ser considerada como
preventiva de futuras necessidades de planeamento e expansão do porto, salientando à priori as
responsabilidades dos intervenientes do contrato aquando da sua eventual ocorrência.
5.2.2.7. Procura e competição no mercado
O risco associado à procura é, por definição do contrato de concessão, sempre imputável ao
concessionário. Existem contudo mecanismos de atenuação desse risco, nomeadamente através da
discriminação das taxas a pagar ao concedente em função dos níveis de procura registados. Assim,
por exemplo, a Concessão da Zona 2 do Terminal Multiusos de Setúbal a componente variável das
taxas a pagar38, que é função do número de contentores movimentados, apresenta 3 bandas de
procura a que correspondem diferentes valores cobrados pelo concedente. A mesma situação
verifica-se para a Concessão do Porto de Sines, em que as taxas anuais a pagar, em função do
número de TEU movimentado é também crescente39. Para o Concessionário, este sistema permite
aliviar os custos da concessão em caso de redução da procura ou no início da exploração do
terminal. A competição entre operadores, embora seja desejada pelas Autoridades Portuárias, é uma
fonte de grande incerteza para os concessionários, tendo em conta o volume de investimento que as
concessões implicam e os desequilíbrios que o surgimento de novos players pode acarretar para a
concessão. Desta forma, é possível ser considerado no contrato uma cláusula que procure defender
o concessionário de alterações inesperadas ao mercado que foi considerado no Caso Base da
concessão. Das concessões analisadas, apenas a de Sines apresenta um regime de exclusividade
(secção 4): “nenhuma outra entidade poderá competir com o concessionário na construção, gestão
ou desenvolvimento de qualquer terminal de movimentação de contentores, em áreas sob a
jurisdição da APS”. A esta exclusividade ao nível do porto acresce ainda a condição de durante os 7
anos após o inicio da concessão, o surgimento de qualquer novo terminal de contentores na
jurisdição dos Portos de Lisboa e Setúbal dar direito a uma indemnização compensatória dos
prejuízos resultantes da redução do mercado.
5.2.2.8. Financeiro
O financiamento necessário ao desenvolvimento das actividades concessionadas é, pela natureza
do contrato dos contratos de concessão, da responsabilidade do concessionário. Citando o art. 38 do
contrato de concessão do TCSA: “A concedente não está sujeita a qualquer obrigação, nem assume
qualquer responsabilidade ou risco no que diz respeito ao financiamento necessário ao
desenvolvimentos das actividades integradas na concessão”. O concessionário, para o comprimento
das obrigações emergentes do contrato de concessão, recorre geralmente a fundos de bancos ou de
outras instituições financeiras. Como forma de garantir este financiamento para o projecto 37 Para o caso do Canal Norte. O contrato estipula que o outro canal, o Canal da Barra, deverá ser pago integralmente pelo concessionário bem como o aprofundamento das bacias de estacionamento e rotação. 38 Existe uma componente fixa relativa á área de muros-cais (m), de terraplenos (m2) e de edifícios (m2). 39 Na verdade, o ultimo patamar dos vários definidos (> 1.000.000 TEU) apresenta um valor a pagar por TEU inferior ao penúltimo patamar (>750.000 TEU).
48
geralmente constitui-se penhora sobre os bens móveis propriedade do concessionário, sendo que
este penhor carece de aprovação da Autoridade Portuária. Da mesma forma, para que as
instituições financeiras envolvidas “passem a ter um interesse directo no Projecto em caso de
incumprimento das obrigações do Concessionário (…) e/ou substituir o Concessionário por outra
organização adequada” (Contrato de Concessão do TCS) pode ser constituído penhor sobre as
acções do concessionário, como garantia de financiamento do projecto. Também nesta situação, a
autorização do concedente é necessária, uma vez que esta possibilidade de steep in das entidades
financiadoras, com vista à tomada de posição do concessionário em caso de incumprimento, apenas
é possível se existir um documento anexo à proposta de concessão que ateste a existência de um
acordo prévio entre o concedente e as entidades financiadoras.
A susceptibilidade do equilíbrio económico-financeiro da concessão ser afectado por alterações de
índices macroeconómicos encontra-se também acautelada nos contratos, uma vez que para os
pagamentos a efectuar ao concedente (taxas da concessão) está geralmente previsto que estes
sejam actualizados com base nos valores do IPC verificados. Referindo o caso da Liscont: “as taxas
referidas (pagas à APL por contentor movimentado) estão sujeitas a revisão anual, que tem por base
o Índice de Preços do Consumidor para a cidade de Lisboa, excluindo habitação”40. Da mesma
forma, alguns contratos também estipulam que o tarifário aplicado à prestação de serviços de
movimentação de carga, que carece de aprovação do concedente, pode ser actualizado,
independentemente da aprovação deste, com base na variação anual de preços: “no caso de o
concedente não aprovar o projecto de actualização das tarifas apresentado pela concessionária, esta
terá direito a proceder à actualização das tarifas de acordo com o IPC” (Contrato de Concessão do
TCSA). Por fim, refira-se, por exemplo, os casos de Sines e de Santa Apolónia, em que se optou por
fazer uma associação entre os valores cobrados pelo serviço de movimentação de cargas e as taxas
a pagar ao concedente, de forma a que a variação das taxas de estiva cobradas aos utilizadores se
reflicta na mesma proporção, nas taxas pagas pelo concessionário à Administração Portuária.
5.2.2.9. Legal
Dos contratos analisados existem referências ao aspecto legal apenas nos contratos do Terminal
XXI e do TCSA. A primeira, a curiosa referência existente no contrato do Terminal XXI relativa à
“garantia, por parte da Concedente de o projecto a Concessionar cumpre todas as disposições legais
da lei Portuguesa” já foi referida no tópico relativo às licenças. A segunda surge no contrato do
TCSA, onde é exposto que “alterações legislativas de carácter específico excluindo as que respeitam
a lei geral nomeadamente à lei fiscal e ambiental e que tenham um impacto significativo e directo
sobre as receita constituem situações que possibilitam o reequilíbrio financeiro”. Segundo se apurou,
esta disposição difere do geralmente estipulado para o sector (legislação geral em vigor) pela
exclusão das componentes legislativa e ambiental, que no caso de alterações à lei particular dão
40 Por vezes, determina-se a revisão das taxas a pagar sobre a utilização das áreas concessionadas com base no coeficiente de actualização das rendas nos contratos de arrendamento não habitacionais
49
também azo ao reequilíbrio económico-financeiro da concessão, situação que se enquadra na
modificação unilateral dos contratos.
5.2.2.10. Politico e de modificação unilateral do contrato
Por via da modificação unilateral do contrato, pode o concessionário requerer o equilíbrio económico-
financeiro da concessão. Todos os contratos analisados enfatizam este direito: “alterações
unilaterais do contrato implicam o reequilíbrio financeiro”. Os efeitos de alterações de politicas de
apoio estatal que não estejam contempladas nos pressupostos do caso base da concessão, e que,
de alguma forma interfiram com a exploração desta, serão da responsabilidade do concessionário.
5.2.2.11. Força maior
Na definição de força maior cabem todos os “acontecimentos imprevisíveis e irresistíveis, exteriores
à Concessionária e cujos efeitos se produzam independentemente da vontade e circunstâncias
pessoais da mesma (por exemplo, actos de guerras, terrorismo, tremores de terra e embargos
comerciais)”. Os contratos de concessão analisados prevêem a possibilidade de o concedente
assumir transitoriamente a exploração dos serviços da Concessão, sendo que, enquanto tiver lugar
essa situação suspende-se a contagem do prazo de concessão. Caso a concedente não assuma o
controlo da concessão, a concessionária fica exonerada das responsabilidades pelo não
cumprimento das obrigações emergentes do contrato que sejam afectadas pela ocorrência do caso
de força maior. Salienta-se, contudo, que alguns contratos prevêem que “sempre que um caso de
força maior corresponda, pelo menos um ano antes, a um risco segurável em Portugal, por apólices
comercialmente aceites (...) a Concessionária não ficará exonerada do cumprimento (…) do contrato
de Concessão, na medida em que aquele cumprimento se tornasse possível em virtude do
recebimento da indemnização aplicável nos termos da apólice”.
A ocorrência de casos de força maior dá lugar à reposição do equilíbrio económico-financeiro da
concessão, em virtude dos prejuízos inesperados que origina ao concessionário. No caso de se
tratar de um risco segurável, apenas haverá lugar à reposição de equilíbrio económico-financeiro
relativo ao excesso dos prejuízos sofridos relativamente à indemnização resultante da activação do
seguro. Dos contratos analisados, o Contrato de Concessão Terminal Multiusos (zona1) de Setúbal
apresenta ainda a particularidade de clarificar que “caso a impossibilidade do cumprimento do
Contrato se torne definitiva (…) a Concessionária terá o direito de requerer ao Tribunal Arbitral a
rescisão do contrato de concessão. Decretada a rescisão, a Concedente assumirá todos os direitos
da Concessionária resultantes da concessão e as obrigações contraídas pela Concessionária
anteriormente ao evento de força maior, designadamente o Serviço da Divida, com vista a assegurar
o desenvolvimento das actividades objecto da Concessão”.
5.2.2.12. Outros riscos
Dos riscos apresentados na tabela 5.2, não se desenvolveu qualquer tópico relativo ao risco
operacional e de performance e capacidade por estes estarem intimamente associados à exploração
50
do terminal e, como tal, serem da exclusiva responsabilidade do concessionário. Relativamente ao
risco de acidentes na fase de construção e exploração (risco de segurança), este é, em tudo o que
respeite exclusivamente ao terminal concessionado, da responsabilidade do concessionário. Podem,
com efeito, surgir situações em que terceiros tenham também de assumir responsabilidade por erros
ou acidentes derivados da sua actividade, com seja o caso de transitários em circulação dentro do
terminal, empresas de reboque ou mesmo pilotos ao serviço da AP aquando da acostagem dos
navios ou de empresas de construção civil ao serviço do concessionário.
5.2.2.13. Matriz síntese de alocação de risco
Da análise comparativa dos diferentes contratos relativamente aos diferentes riscos identificados,
identificou-se a seguinte alocação de riscos apresentada no quadro 12. Pode concluir-se que, com
excepção do Terminal XXI, todos os Terminais apresentam uma alocação de riscos semelhante. As
diferenças encontradas no Terminal XXI prendem-se com a natureza muito particular do contrato
celebrado, por Decreto-Lei próprio, que consideramos, em virtude da análise da matriz de riscos,
favorecer consideravelmente o concessionário.
5.3. Análise comparativa das condições particulares dos contratos
5.3.1. Vigência e extinção do contrato
Os contratos analisados definem as seguintes durações para os contratos de concessão de
movimentação de carga apresentados no quadro 13.
Constata-se que a generalidade dos casos analisados respeita o Decreto-Lei n.º 324-94, que refere
que o “contrato de concessão é outorgado por prazo determinado, não superior a 30 anos, e deve
ser estabelecido em função dos investimentos em equipamentos fixos ou em obras portuárias”.
Saliente-se que nos contratos de concessão dos Terminais de Santa Apolónia, Terminais Multiusos
(zona 1 e 2) de Setúbal e Terminal Multiusos do Beato o contrato possibilita a prorrogação do prazo
Quadro 12: Matriz de alocação de riscos para os contratos analisados
51
inicial, “mediante novas condições a definir”, desde que reconhecidos e aceites pela concedente os
seguintes pressupostos: “inexistência de situações irregulares graves; cumprimento das metas
operacionais por parte da Concessionária; definição de um plano de investimentos futuro e mediante
a qualidade do plano de comercial que a concessionária se propõe a desenvolver”. Deve ter-se em
conta, no entanto, que uma prorrogação, apesar de justificável pelas alterações verificadas na
concessão (por exemplo, a necessidade de novos investimentos) deverá respeitar sempre o objecto
da concessão, ou seja, as “novas condições a definir” deverão ser tais que permitam ajustar o
contrato à nova realidade (por exemplo, proceder a um ajuste das taxas a pagar), sem desvirtuar o
seu objecto, que é a movimentação de carga (contentorizada).
Quadro 13: Duração dos contratos analisados
Contrato de Concessão Concessionário Duração Inicial Prorrogações
Terminal de Contentores de Alcântara LISCONT 20 Anos 2 X 5Anos
Terminal Contentores de Santa Apolónia SOTAGUS 20 Anos 2 X 5Anos
Terminal XXI PSA Sines 30 Anos (30 Anos) *41
Terminal Multiusos (zona1) TERSADO 20 Anos 10 Anos
Terminal Multiusos (zona2) SADOPORT 20 Anos 10 Anos
Terminal Multiusos do Beato TMB 20 Anos 10 Anos
No próximo capítulo e, relativamente à figura da prorrogação, importará clarificar em que medida é
que esta, estabelecida no decurso da vigência do contrato, em situações excepcionais, poderá ser
legitima, mesmo que a ela não seja feita referência alguma no contrato de concessão. Para mais, até
que ponto será a sua legitimidade ainda mais questionável quando, mesmo que as circunstâncias
verificadas durante a execução do contrato justifiquem a necessidade de revisão dos respectivos
termos, em conformidade com os fins de interesse público prosseguidos, esta prorrogação conduza
a um prazo total de vigência do contrato superior ao limite máximo (30 anos) imposto legalmente. A
expiração do prazo contratualmente previsto é o modo normal de extinção da relação de concessão.
Contudo e conforme referido anteriormente no texto, existem três situações que podem conduzir a
AP a proceder à extinção prematura do contrato: a rescisão do contrato, a extinção fruto do acordo
entre as partes ou em resultado de resgate por razões de interesse público. 42
A rescisão do contrato pode ser resultado da inexecução das obrigações assumidas pelo
concessionário, constituindo o “acto que sanciona o incumprimento grave imputável a titulo de culpa
ao concessionário” (Gonçalves, 1999) ou pode ser resultado de uma acontecimento que determina a
41 As bases da “concessão da exploração, em regime de serviço público, de um terminal específico para a movimentação de contentores no Porto de Sines, implicando a construção de infra-estruturas portuárias, terrestres e instalações”, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 384-A/99, de 24 de Setembro, estipulam que a concessão tem o prazo de trinta anos, prevendo-se efectivamente que o contrato pode “ser renovado por igual período, desde que nisso acordem concedente e concessionária até 1 ano antes do termo da concessão. Segundo este Decreto-Lei, na renovação a PSA já não contará com direito de exclusividade sobre a exploração de terminais de contentores em Sines. 42 A ilegalidade do contrato pode também constituir uma razão para a sua extinção prematura.
52
extinção da concessão, como, por exemplo, a falência da empresa concessionária43. É comum a
todos os contratos de concessão a existência de uma cláusula identificativa de (alguns) motivos de
rescisão do contrato. Assim, de uma forma transversal a todos os contratos “constituem exemplos de
incumprimento do contrato por parte do concessionário” os seguintes factos: interrupção da
exploração por culpa do concessionário; violação do objecto da concessão; deficiente manutenção
dos equipamentos; falência do concessionário; violação da lei portuguesa; transferência não
autorizada da concessão; cessação dos pagamentos à concedente; oposição às actividades de
fiscalização da concessão.
Por seu lado constituem exemplos de incumprimento do contrato por parte do concedente
desrespeito dos deveres como autoridade portuária, nomeadamente, a não execução de dragagens
o prestação de serviço de reboque.
O resgate, como já foi exposto anteriormente, resulta da “prevalência do serviço público sobre o
contrato de concessão” (Gonçalves, 1999), constituindo o mecanismo do concedente unilateralmente
determinar a extinção do contrato com o fim de reorganizar o serviço público. O resgate apresenta
duas características importantes a considerar na elaboração dos contratos, designadamente a
determinação do período de vigência do contrato a partir do qual este se pode verificar (prazo de
garantia) e as condições em que o concessionário deverá ser indemnizado pela perda do direito de
explorar o terminal portuário sem isso resultar de culpa própria. Tipicamente, o prazo de garantia
definido nos contratos analisados corresponde a metade do prazo de duração da concessão.
Todavia, existem excepções, como no caso do Terminal XXI, em que este prazo é de 24 anos.
A fórmula de cálculo da indemnização em caso de resgate difere entre os contratos analisados. O
contrato de concessão do TCA estabelece que “no caso de resgate, a concessionária terá direito a
uma indemnização igual ao valor dos bens que até a data tenha sido seu encargo, diminuídos de um
vinte avos por cada ano decorrido desde o início do prazo de concessão”, ou seja, não se considera
qualquer indemnização relativa aos lucros cessantes, a designada indemnização industrial,
ressarcindo o concessionário apenas pelos investimentos efectuados, descontados do valor
amortizado com base no método das cotas constantes. Este contrato é também omisso
relativamente à indemnização relativa a equipamentos adquiridos durante o prazo de exploração,
que não deverão obviamente ser amortizados com base num factor de um vinte avos”. Noutros
casos, como, por exemplo, o do Contrato de Concessão do Terminal de Contentores de Santa
Apolónia, a indemnização já tem em conta os lucros esperados: “o concessionário tem direito a uma
indemnização calculada com base nas projecções do Caso Base em vigor na data do resgate,
correspondendo ao valor actualizado dos cash-flow accionistas actual, isto é, o do ano do resgate, e
futuros até ao termo da concessão, descontados à taxa interna de rendibilidade para os accionistas,
constante das projecções do Caso Base em vigor, o que corresponderá ao montante necessário
para ressarcir os accionistas, colocando-os numa situação de indiferença em relação à situação de 43 Ao nível do direito esta distinção entre as causas da rescisão e feita distinguindo entre rescisão-sanção para o primeiro caso e rescisão-caducidade para o segundo.
53
resgate, quando confrontada com a continuação da concessão até ao seu termo”. No caso de
ocorrer o resgate da concessão, a concedente assumirá todos os direitos do concessionário
resultantes da concessão e as obrigações por esta contraídas anteriormente à data do aviso de
resgate, designadamente o serviço de divida, com vista a assegurar o desenvolvimento das
actividades objecto da concessão. Neste caso na indemnização devida ao concessionário
exceptuam-se “os valores correspondentes a encargos com equipamentos e obras e financiamento
da sua aquisição ou construção pela concessionária no montante correspondente à parcela
financiada pelos bancos que venha a ser assumida pela concedente” em caso de resgate (Contrato
de Concessão do Terminal Multiusos de Setúbal (Zona 2)).
5.3.2. Modificação do contrato de concessão
O concedente, durante o decurso do contrato de concessão, pode proceder a sua modificação,
invocando motivos de adaptação das necessidades do serviço concessionado aos requisitos de
serviço público que este deverá cumprir. Assim, as modificações unilaterais ao contrato têm sempre
como fim uma real exigência de interesse público, sendo ilegal o acto de modificação que não se
sustente neste argumento.44
A modificação unilateral do contrato está limitada pelo “objecto da concessão”, ou seja, o concedente
pode modificar as condições do contrato desde que mantenha o objecto da concessão, aquilo a que
a imposição de serviço público se reporta (no caso em estudo, corresponde à movimentação de
carga contentorizada em terminais portuários). Desta forma a modificação do contrato de concessão
pode, por exemplo, respeitar à modificação dos preços a praticar junto dos utentes (caso dos preços
políticos), ao alargamento dos horários de funcionamento ou à imposição de novas técnicas de
operação.45 Por via da modificação unilateral do contrato, pode, como já foi referido anteriormente, o
concessionário requerer o equilíbrio económico-financeiro da concessão. Todos os contratos
analisados enfatizam este direito, referindo-o (desnecessariamente) numa cláusula do contrato.
Todavia, apenas o contrato de concessão do TCSA estabelece limites mesuráveis a partir dos quais
os as modificações unilaterais do contrato (bem como outras causas externas não imputáveis ao
concedente, como alterações legislativas ou eventos de força maior) deverão originar o reequilíbrio
económico-financeiro. Por conseguinte, “as partes acordam desde já que a concessionária terá
direito á reposição do equilíbrio financeiro da Concessão desde que, em consequência do impacto
isolado ou cumulativo dos eventos cujos efeitos tenham sido quantificados resulte que:
44 Como refere (Gonçalves, 1999), sendo que o interesse público é “um conceito jurídico indeterminado” a validade dos argumentos apresentados deverá ser avaliada caso a caso. 45
Neste caso é preciso fazer uma cuidada distinção entre o que poderá constituir uma modificação do contrato e o uso de um poder de direcção que assiste ao concedente, obrigando o concessionário a adoptar uma técnica de operação já prevista no âmbito do contrato.
54
1 – O valor de qualquer RACSD46 (Rácio Anual de Cobertura de Divida) constate no Caso
Base calculado para o período entre a data de evento que determina a reposição do equilíbrio e o fim
da vigência do contrato de financiamento seja reduzido em mais de 3 pontos base; ou
2 – O valor de qualquer RCVE47 (Rácio de Cobertura da Vida do Empréstimo) constante no
Caso Base calculado para o período entre a data do evento que determina a reposição do equilíbrio
financeiro da Concessão e o fim da vigência dos Contratos de Financiamento, seja reduzida em mais
de 5 pontos base;
3 – A TIR dos fundos próprios do Caso Base seja reduzida em mais de 10 pontos base”.
Geralmente o RACSD e o RCVE são rácios impostos pelos bancos financiadores de forma a avaliar
a compatibilidade da concessão com as condições inicialmente previstas no modelo financeiro e
constituem um indicador do grau de disponibilidade de fundos gerados pelo projecto para a cobertura
do serviço de divida. Quanto maiores forem os rácios, maior será a capacidade da empresa para
liquidar suas obrigações fixas. No entanto, índices de coberturas mais altos poderão indicar uma
subutilização das obrigações fixas, o que pode resultar, desnecessariamente, em riscos e retornos
baixos. Alternativamente, quanto mais baixos forem os índices de cobertura do projecto, mais risco
será atribuído ao projecto. Este foi o único contrato em que se encontrou semelhante disposição.
5.3.3. Constituição, manutenção e transferência dos bens constituintes do Estabelecimento
da Concessão
A determinação dos bens afectos à concessão, da sua propriedade e das responsabilidades de
manutenção e renovação, segue, em todos os contratos analisados, uma alocação semelhante e
consistente com o Decreto-Lei n.º 324/94. As maiores diferenças encontram-se ao nível da
transferência dos bens quando da extinção do contrato. Podemos distinguir três categorias de bens
afectos à concessão, móveis e imóveis, que no seu conjunto constituem o “estabelecimento da
concessão”48. A saber, os bens da entidade concedente, os bens do concessionário a transferir para
o concedente e os bens do concessionário não sujeitos a cláusula de transferência (Gonçalves,
1999).
46 O RACSD é um indicador calculado numa base anual e corresponde ao rácio entre os Meios Libertos Líquidos do Projecto (MLLP) projectados, acrescidos do saldo da Conta de Reserva do Serviço de Dívida (CRSD) e das Disponibilidades de Caixa (DC) iniciais e o agregado de serviço de divida anual, composto pelo capital próprio devido durante esse período acrescido de todos os juros, comissões e despesas (SD). Assim RACSD = (MLLP+CRSD+DC)/SD. Como refere Pereira Santiago (2002) o rácio de cobertura de serviço de dívida é uma métrica abrangente, por englobar todas as obrigações do pagamento do serviço da dívida. A grande distinção em relação a um indicador mais imediato, o índice de cobertura, de juros é a inclusão do principal (além dos juros), das despesas de depreciação e amortização. Assim, o índice de cobertura de juros è calculado pelo rácio entre o lucro antes de juros, impostos e renda (EBIT) e a despesa anual em juros. 47 O RCVE é em tudo análogo ao RACSD, sendo que se reporta ao total da Divida Sénior devida pela concessionária, ou seja considera todo o período restante de vida do projecto e não apenas o ano de análise. 48 Segundo (Gonçalves, 1999), “o estabelecimento da concessão engloba todos os meios materiais de que o concessionário
se serve para gerir o serviço público”.
55
Em todos os contratos de concessão analisados, os elementos afectos à concessão que se mantêm-
se na titularidade do Concedente, e que constituem, na classificação apresentada por (Gonçalves,
1999), bens do concedente são aqueles que genericamente se designam por bens fixos,
nomeadamente: instalações de acostagem compreendendo os muros-cais, os cabeços de
amarração e os órgãos marítimos de apoio (defesas); terraplenos englobando as infra-estruturas,
caminhos de rolamentos dos equipamentos, redes de água, esgotos e iluminação; edifícios,
vedações e portões.
Estes bens podem já existir aquando da celebração do contrato e ser incorporados na concessão
para utilização do concessionário ou, alternativamente quando o regime jurídico da concessão o
estabelecer, ser da responsabilidade do concessionário a sua disponibilização no âmbito do contrato
de concessão. Neste segundo caso, a sua titularidade logo que da sua execução ou aquisição,
passa para o concedente, sendo incluídos nos bens do concedente afectos à concessão, conforme
refere, por exemplo o Contrato de Concessão do Terminal XXI: ”os bens imóveis construídos pelo
concessionário serão automaticamente incluídos no domínio público da APS a partir do momento em
que os trabalhos de construção esteja concluídos”. Estes bens, embora postos ao serviço do
concessionário para a actividade de movimentação de carga, revertem automaticamente para o
concedente. 49
Sobre titularidade do concessionário e constituindo bens do estabelecimento encontram-se todos os
equipamentos móveis essenciais ao apetrechamento do terminal adquiridos após a celebração do
contrato, bem como o conjunto de equipamentos existentes no terminal na altura da celebração
deste que sejam transferidos para a propriedade do concessionário, mediante venda aquando da
celebração do contrato, como são os casos dos contratos do TCSA e do Terminal Multiusos (zona 2)
de Setúbal, em que se incluiu no contrato uma verba relativa à aquisição pelo concessionário dos
equipamentos pré-existentes. A existência ou não de uma cláusula de transferência na extinção do
contrato determinará se existe ou não uma transferência do direito de propriedade sobre estes bens
do Concessionário para o concedente em caso de extinção da concessão. Em todos os contratos
analisados os equipamentos de movimentação de carga (RTG, RMG, Pórticos) estavam sujeitos a
uma cláusula de transferência50.
No caso dos equipamentos do concessionário sujeitos à cláusula de transferência, o direito de
propriedade é apenas um direito temporário que se extingue com a extinção da concessão, e que
acarreta obrigações especiais relacionadas com a conservação e manutenção desses mesmos
bens. Segundo Gonçalves, (1999), estes equipamentos integram um “património de destino
49 Como reversão entende-se a transferência (ou devolução) de um bem para o seu legitimo proprietário pelo facto de se terem extinguido os direitos de uso que sobre ele estavam constituídos (Gonçalves, 1999). A reversão tem efeito logo que se verifique a extinção do contrato. 50 Segundo Gonçalves (1999), a transferência de direitos sobre os bens só se verifica se houver cláusula nesse sentido. Na ausência de cláusula de transferência os bens do concessionário afectos á concessão continuam a pertencer-lhe após a extinção do contrato. Contrariamente, no caso dos bens do concedente, em que nunca se verifica uma transferência de propriedade (ver (Gonçalves, 1999)) mas apenas de posse, não é necessária a estipulação para que a reversão dos bens do concedente tenha lugar.
56
especial”, por estarem, como veremos de seguida, abrangidos por uma cláusula de transferência,
“razão porque o concessionário não pode dispor deles nos termos gerais permitidos pelo direito de
propriedade: se o fizer, terá imediatamente de proceder a sua substituição por outros com igual
aptidão e funcionalidade” ficando também obrigado a assegurar a sua adequada manutenção,
conservação e actualização técnica.
Nesse sentido, todos os contratos analisados estipulam que, em conformidade com o Decreto-Lei n.º
324/94 “constitui obrigação da concessionária manter em permanente estado de bom
funcionamento, conservação e segurança as instalações e equipamentos do terminal, os quais serão
substituídos, sem direito a indemnização, quando se destruírem ou mostrarem inadequados para o
fim a que se destinam” (TCA), sendo que em todos os contratos apenas a manutenção das
acessibilidades (marítimas e terrestres) ao terminal é da responsabilidade da AP (ou dos organismos
que têm jurisdição sobre essas vias de acesso). Pela mesma razão em todos os contratos
analisados, a compra ou venda de equipamento para o terminal carece sempre da aprovação da
Autoridade Portuária, com excepção do Terminal XXI de Sines (regulamentado por Decreto-Lei
próprio) que estipula que “todos os direitos de propriedade e de posse dos Bens Móveis pertencem
ao concessionário podendo vendê-los ou trocá-los desde que não haja diminuição do desempenho
do terminal”.
Contudo, refira-se que nem mesmo os bens do concessionário não sujeitos a cláusula de
transferência afectos ao estabelecimento da concessão estão libertos de obrigações especiais de
manutenção e conservação na medida em que a inoperacionalidade desses meios possa por em
causa o princípio da continuidade do serviço público de movimentação de carga e a boa gestão do
serviço prestado51.
Considerem-se agora as condições em que se opera a reversão dos bens do concedente e a
transferência de propriedade (se for caso disso) dos bens do concessionário. A este propósito,
(Gonçalves, 1999) refere que a transferência (ou reversão) “é, em princípio, gratuita quando a
concessão se extinga pelo decurso do prazo, e, também em princípio, onerosa quando a concessão
se extinga prematuramente”. Esta argumentação baseia-se na hipótese de “o prazo de concessão
ser fixado tendo em consideração que o tempo de exploração acordado é o necessário e suficiente
para que o concessionário se possa pagar do investimento realizado na implantação do serviço”
(Gonçalves, 1999). Contudo, seguindo a mesma linha de raciocínio, existem três situações em que a
transferência/reversão dos bens deva ser onerosa, procurando ressarcir o concessionário pelo valor
não amortizado dos investimentos efectuados, designadamente caso se verifique a extinção da
concessão antes do tempo acordado; se existirem investimentos adicionais realizados durante o
decorrer da concessão por virtude da necessidade da melhoria das condições de serviço ou como
51 Todos os equipamentos constituintes da concessão, mas sobretudo os sujeitos a transmissão para a titularidade do concedente devem estar sujeitos nos últimos anos da concessão a um controlo mais apertado de forma a garantir que as obrigações de conservação e manutenção são adequadamente respeitadas.
57
consequência de a concessão ser adjudicada por um período insuficiente face ao investimento que
implica.
Dos contratos analisados, a maioria (com excepção dos terminais de Alcântara e Sines) segue o
Decreto-Lei n.º 324-94, replicando mesmo integralmente a cláusula de transição ai apresentada.
Esta refere que “com a extinção do contrato revertem para a Concedente todos os bens que
integram o estabelecimento da Concessão” sendo a reversão gratuita. Como excepção, é facultado o
direito de indemnização a todos os “investimentos de substituição ou de actualização tecnológica
realizados pela Concessionária durante os últimos 10 anos de vigência do contrato realizados sob
aprovação directa da Concedente, no caso em que esta tenha assumido o compromisso de
indemnizar a Concessionária no termo do prazo da Concessão, pelo respectivo valor contabilístico
actualizado liquido das amortizações”. Já o contrato de concessão do TCA deixa de limitar o prazo a
partir do qual os investimentos de modernização e actualização tecnológica deverão conduzir a uma
transferência onerosa, omitindo a referência aos últimos 10 anos de concessão: “A concessionária
terá direito a ser indemnizada do custo das obras, instalações e equipamentos fixos que construir ou
montar no decurso do prazo da concessão, diminuído da amortização entretanto efectuada, desde
que essas obras não estejam previstas no plano do terminal (…) e sejam destinadas a melhorar o
seu funcionamento”.
No caso do terminal de contentores de Sines, são considerados como amortizáveis qualquer Bem
Móvel existente no final da concessão bem como todos os Bens Imóveis “cuja construção pelo
Concessionário é autorizada pela APS e que deverá ter sido completada após o 15º ano do prazo de
duração”. A fórmula definida no contrato, que apresenta um significado semelhante a do “valor
contabilístico actualizado líquido” é:
FaltaVidaTempoBemVidaTempo
BemeçoPagarValor ×=
Pr (1)
Onde o preço do bem inclui custos de “construção, compra e aquisição” e onde os tempos de vida do
bem são os definidos no quadro 14.
Quadro 14: Tempo de vida dos bens constituintes do estabelecimento da concessão
Tipo de Bem Descrição Duração Inicial
Cais e zonas de parqueamento - 30 Anos
Outras construções - 15 Anos
Post Panamax Quay Cranes Pórticos Gruas de Cais 20 Anos
Rubber Tyre Gantry Yard Cranes Pórticos de parque sobre rodas de borracha 15 Anos
Reachstckers Empilhadores de Lança Telescópica 15 Anos
Empty Forklifts Empilhadores de garfos para contentores vazios 15 Anos
Heavy Forklifts Empilhadores de garfos para contentores cheios 10 Anos
Prime-movers Veículos Transportadores de Parque 8 Anos
Chassis prime-movers Plataformas transportadoras de parque 8 Anos
58
6. O CONTRATO DE CONCESSÃO E AS NECESSIDADES DE
INVESTIMENTO DO TCA
6.1. O problema da amortização do investimento
Conforme foi apresentado, por forma a satisfazer os objectivos de aumento da capacidade
concorrencial do TCA, existe a necessidade de aumentar a qualidade global e a capacidade de
prestação dos serviços portuários, por força do crescimento marcado das exigências do mercado
devido ao progresso técnico registado e ao crescimento do mercado. De facto, importa ter em
atenção que o mercado dos serviços portuários se reveste um carácter dinâmico e extremamente
exigente, em termos de fiabilidade, rapidez e economia da respectiva prestação – o que se deve, ao
advento de sistemas de produção baseados em abastecimentos just in time, sendo marcado por
uma forte concorrência. Logo, existe a consciência generalizada de que a ausência de níveis de
investimento que acompanhem os ritmos de crescimento das quantidades de carga provoca
situações de congestionamento, com efeitos visivelmente nocivos no que toca à competitividade das
instalações portuárias. A capacidade concorrencial de um terminal não se funda apenas num
investimento inicial realizado no início do funcionamento desse terminal. Pelo contrário, esta
capacidade concorrencial resulta de investimentos continuados e crescentes que visam fazer face às
exigências do mercado, quer seja em termos quantitativos (navios e cargas cada vez maiores e
números crescentes de quantidade de carga), quer em termos qualitativos, através do aumento da
produtividade e eficiência, de serviços de valor acrescentado e da criação de ligações terrestres
amigas do ambiente (carris, vias fluviais, short sea shipping,). Estas novas exigências não foram
previstas, nem eram previsíveis no inicio dos contratos. Como factores que contribuíram para as
mencionadas exigências novas do mercado podem identificar-se:
- Crescimento muito marcado e não previsto das quantidades de carga, que obriga ao aumento de
capacidade dos terminais portuários;
- Crescimento continuado e não previsto do tamanho dos navios de carga – Panamax, Post
Panamax, Ultra Large Containerships –, que conduzem a novas gerações de pórticos, com
capacidades cada vez maiores e novos fundamentos construtivos;
- Aumento das cargas, que obriga a uma produtividade e eficiência mais elevadas através de novas
motorizações, mais potentes;
- Exigências crescentes relativamente às ligações terrestre em carris (construção e desenvolvimento
de terminais ferroviários nos terrenos do terminal, criação e ampliação das capacidades de
transporte de carga e aumento da produtividade e eficiência do transporte de carga em carris);
59
- Crescentes obrigações no sentido de aumentar a protecção do ambiente e de reduzir os danos
ambientais resultantes da actividade do terminal.
Estes fenómenos têm repercussões óbvias no TCA. De facto, apesar de o terminal ter sido dotado
do melhor equipamento existente à data do aditamento de 1997, constata-se que na actualidade este
se encontra desadequado às exigências do mercado. A acrescer a esta intensa modificação
tecnológica verificou-se também, especialmente a partir do ano 2000, um aumento considerável da
procura dos serviços de movimentação do terminal. O crescimento verificado ao nível das
solicitações de serviços, a que acresce o aumento continuado dos navios de carga, obriga, assim, ao
desenvolvimento da capacidade do terminal, sob pena de se atingirem níveis de congestionamento
impeditivos de operações minimamente eficientes. De acordo com as informações prestadas pela
LISCONT, caso assim não se proceda, e mantendo-se o ritmo de crescimento actual, o TCA verá a
sua capacidade totalmente esgotada já em 2010, com todos os efeitos negativos daí advenientes
para o funcionamento do Porto de Lisboa.
Necessariamente, o aumento do volume de carga transportado implicará também o aumento de
produtividade dos sistemas e equipamentos de movimentação, transporte e ligação terrestre
utilizados. O maior risco, conforme salientado no Plano Estratégico para o Porto de Lisboa, reside na
dificuldade de escoamento dos contentores no terminal, resultando em sobrelotação e maiores
tempos de espera para os navios. Existe efectivamente um risco que, em caso de saturação do
terminal, os grandes armadores optem por deixar de fazer escala no Porto de Lisboa, recorrendo aos
seus congéneres espanhóis e marroquinos.52 A título de exemplo, refira-se a situação actual do
terminal (2008), onde as 3 principais linhas que ai escalam (Maersk Line, Amerigo Service e Delmas)
são responsáveis por 43% dos movimentos de carga realizados no TCA.
Para dar resposta às necessidades acima expressas é essencial a realização de investimentos com
uma dimensão que eram imprevisíveis aquando da celebração do contrato de concessão – há 15
anos – e que se apresentam como investimentos intensivos que deverão ser realizados num único
52 Nas Orientações Estratégicas para o Sector Marítimo-Portuário elaboradas pela Secretaria de Estado dos Transportes, refere-se o seguinte: “No Porto de Lisboa, note-se que 350.000 TEU se referem a tráfego de deep-sea e 600.000 TEU a
tráfego de short sea. Quando se apresenta a capacidade de movimentação de carga contentorizada em Lisboa, importa
distinguir os tráfegos deep-sea e short-sea. Em Lisboa, o único terminal capaz de receber tráfegos deep-sea é o TCA
(Liscont) cuja capacidade é de 350.000 TEU e cujo grau de utilização em 2005 doi de 62% (216.718 TEU movimentados).
Contudo, importa referir que a partição de tráfegos na Liscont é a seguinte: 70% deep-sea (151.793 TEU) e 30% short-sea
(65.015 TEU). Tendo presente que o tráfego deep-sea é aquele que apresenta maior peso na movimentação total pela
Liscont, que se espera um incremento substancial do mesmo e que se pretender evitar estrangulamentos como os ocorridos
em 2003 (onde a taxa de utilização do parque excedeu largamente a sua capacidade – em 2003 a taxa de utilização foi de
157% - motivando uma quebra significativa da qualidade do serviço prestado), poderá ser necessária a expansão do
terminal para garantir uma taxa de utilização do cais de 65% (standard internacional para a utilização máxima
recomendada), através de uma operação mais célere dos navios”. O documento continua referindo que “o porto sofre forte
pressão urbana, sobretudo nas zonas envolventes dos principais terminais de carga geral, que tem dificultado a resolução
adequada das suas acessibilidades terrestres, que constituem o principal constrangimento ao desenvolvimento do porto,
associado à inexistência de uma plataforma logística multimodal de apoio (rodo/ferro/fluvial). Esta situação tem tido um
impacte negativo particularmente gravoso na zona ocidental de Lisboa, na acessibilidade ao terminal de contentores com
maior movimento a nível nacional (Alcântara), em relação à qual a Autarquia não logrou ainda estabilizar uma solução
para o respectivo nó rodo-ferroviário, apesar das várias alternativas já estudadas por ambas as partes. A aposta nas
ligações fluviais permitirá minimizar o constrangimento apontado”.
60
momento. Da mesma forma, o contrato de concessão celebrado e o respectivo aditamento não
prevêem de nenhuma forma esta situação, ficando na mãos da autoridade concedente, a APL a
decisão sobre qual a melhor forma de abordar o problema.
6.2. Quantificação das necessidades de investimento
No entender da concessionária (Liscont) os investimentos de que o TCA necessita são necessários
para garantir a competitividade do negócio, sobretudo por permitirem prosseguir com a estratégia de
captação de tráfego deep-sea e de alargamento do hinterland a nível Ibérico e por permitirem
solucionar os problemas de congestionamento do terminal e das suas acessibilidades terrestres.
Nesse sentido, a Concessionária propôs-se a realizar as obras de modernização do terminal,
requerendo como contrapartida a prorrogação do prazo de concessão do TCA durante um período
considerado suficiente para a adequada amortização do capital investido. Referido um texto interno
da empresa, “investimentos desta ordem supõem existencialmente uma segurança de investimento
relativamente à amortização do mesmo e a uma adequada remuneração em termos do juro do
capital investido. No caso da Liscont, os investimentos programados para a modernização do
terminal (e que serão descritos mais à frente) necessitam claramente de um período de amortização
superior ao remanescente do contrato, pelo que não é amortizável nesse período”. Efectivamente,
partindo do pressuposto assumido pela concessionária de que o investimento deverá ser
integralmente amortizado através da exploração da concessão, o investimento só será viável quando
permitir o cash-flow desejado no período fixado de payoff. Ou seja, quando o período de payoff de
um investimento superar o tempo de vigência da concessão, e na impossibilidade de se
disponibilizarem capitais próprios adicionais (corporate finance, garantias de accionistas), este tempo
deve ser prolongado na mesma medida do período de amortização necessário.53 Conforme referido
no capítulo anterior, esta é de facto a regra para a determinação do prazo de amortização e
remuneração dos investimentos na economia portuária, sendo inquestionável que estes se
encontram ligados de forma indissolúvel ao tempo de vigência do contrato de concessão. A própria
Comissão Europeia faz esta constatação sua Communication on a European Ports Policy
(COM2007)616), onde explica que o tempo de vigência da concessão deve ser fixado de forma a
garantir a amortização e uma adequada remuneração do capital investido.
O Concessionário defende que este princípio não pode, porém, valer apenas para o momento da
celebração do contrato de concessão, mas também, por força da dinâmica do mercado, durante o
tempo de vigência da concessão, na medida em que, por acordo entre ambos os parceiros do
contrato, e por força de razões económicas imperiosas, o mercado obrigue à realização de
investimentos significativos por forma a alcançar os objectivos fixados para a exploração daquele
terminal. Ou seja, o prolongamento do prazo da concessão devido à amortização de investimentos
53 Para além disso, deve ter-se em conta que o financiamento de grandes investimentos só é possível através do financiamento por terceiros e que os bancos geralmente só disponibilizam capital para investimentos na economia portuária quando o tempo de amortização se encontre coberto pelo tempo de vigência da concessão.
61
significativos resulta das tais razões económicas imperiosas e como tal encontra-se inteiramente
justificado.
Esta argumentação é correcta e válida para a hipótese de se prorrogar o prazo da concessão. No
entanto exclui outras alternativas existentes para a realização do investimento como sejam a sua
realização só aquando da extinção deste contrato, o recurso à ferramenta do resgate para o
lançamento de um novo concurso público ou o recurso à indemnização como forma de
compensação do investimento não amortizado pela concessionária durante o prazo de concessão.
Uma vez que a alternativa da prorrogação do contrato parece ser a que, por mútuo acordo entre APL
e Liscont, será adoptada, analisaremos numa primeira fase esta alternativa mais em detalhe,
retomando posteriormente no capítulo as outras hipóteses apresentadas.
6.2.1. O Plano de investimentos apresentado
Com o objectivo de ilustrar o período mínimo de Concessão necessário à amortização dos
investimentos de modernização a realizar no TCA, recorreu-se à análise de informação proveniente
do plano de investimentos elaborado pela Liscont. Dado que a informação nos foi facultada em
Janeiro de 2008 e tendo a versão final do projecto sido concluída em Agosto de 2008, poderão existir
diferenças relevantes ao nível de algumas soluções técnicas (desenho do feixe de caminho de ferro,
por exemplo) bem como nos valores assumidos para alguns pressupostos, como sejam as taxas de
juro e condições bancárias, que na data actual (Setembro 2008) são consideravelmente mais altas
do que em Novembro de 2007, data que serviu de referência ao cálculos dos encargos de
financiamento deste projecto. Todavia, sendo que o principal intuito desta secção é ilustrar o volume
de investimentos que se pretende executar e o tempo necessário à sua amortização (com a justa
remuneração pelo capital investido), através dos fluxos económico-financeiros gerados pela
concessão, não se considera que as diferenças existentes entre o modelo aqui descrito e o projecto
efectivamente apresentado em Agosto de 2008 sejam suficientemente relevantes para inviabilizar a
comparação.
O investimento reparte-se entre investimento em infra-estruturas a realizar no ano de 2009 a 2011, e
investimento em equipamento móvel, a realizar ao longo de todo o período de concessão, em função
do crescimento da carga movimentada. O valor estimado do investimento em infra-estruturas
ascende a 107.591.000 € a preços de 2007, e o investimento em equipamento, a preços de 2007,
ascende a 97.320.000 €, num total de 204.911.000 €. Ao nível das infra-estruturas destacam-se os
seguintes investimentos:
- Construção do prolongamento do cais do terminal para montante (cerca de 500 m) e do terrapleno,
situado entre o novo cais e o actual (aproximadamente 50.000 m2).
- Construção de um túnel ferroviário ligando a estação de Alcântara-Terra a uma zona de descarga
de composições ferroviárias a localizar junto à muralha-sul da Doca do Espanhol (comprimento do
62
túnel, aproximadamente 1.200 m); construção de uma plataforma de manobra e descarga de
composições ferroviárias, junto à muralha Sul da Doca do Espanhol e com pavimento ao nível do
pavimento no fundo do túnel.
- Repavimentação do parque do cais avançado de Alcântara, situado a Poente da actual concessão
(aproximadamente 27.500 m2).
- Demolição de edifícios e repavimentação da área portuária, situada imediatamente a Poente do
topo da Doca do Espanhol (aproximadamente 30.000 m2).
A repartição temporal do investimento em infra-estruturas é a apresentada no quadro 15.
Relativamente aos equipamentos estão previstos os seguintes investimentos (ver quadro 16):
- Aquisição pórticos de cais com dimensões que lhes permitam operar U.L.C.S., 3 de aquisição
imediata e 5 ao longo do período da concessão para equilibrar capacidades com a procura e
substituir unidades a abater no fim da vida útil.
- Aquisição no início da concessão de 5 pórticos de parque sobre pneus (RTG) de especificação
semelhantes aos actualmente existentes. (vão equivalente a 7 fiadas de contentores e rua de
serviço; altura de empilhamento equivalente 5 contentores, G.P.S. para orientação automática e
aquisição de posição). Aquisição durante o período da concessão de mais 20 pórticos de parque,
sendo 8 destinados a equilibrar a capacidade de movimentação no parque com a procura prevista e
12 destinados a substituir unidades a abater no fim da respectiva vida útil.
- Aquisição de equipamento adicional de movimentação, nomeadamente conjuntos tractor semi-
reboque (94 unidades ao longo da concessão), reach-stackers (9 unidades ao longo da concessão) e
diversos equipamentos menores.
Quadro 15: Investimentos em infra-estruturas projectados para o TCA
Investimento Infra-estruturas Total 2009 2010 2011
Estudos e Projectos 4.501 4.501
Túnel Ferroviário 20.800 10.400 10.400
Feixe Ferroviário 33.475 10.043 23.433
Demolições 3.250 3.250
Pavimentação 6.240 6.240
Ampliação do Cais 39.325 19.663 19.663
Investimento (preço 2007) 107.591 13.991 40.105 53.495
Investimento (preços correntes) 118.876 14.843 43.824 60.209
Unidade: Milhar de euros
63
Quadro 16:Investimentos em equipamento projectados para o TCA
Investimento equipamento Total
Pórtico 44.000
Pórtico de parque 27.500
Pórtico comboios 2.600
Tractor e reboque 7.520
Reachstacker 2.700
Diversos 13.000
Investimento (preço 2007) 97.320
Investimento (a preços correntes) 149.042
Unidade: Milhar de euros
6.2.2. Enquadramento e pressupostos de cálculo
Considerou-se que a prorrogação da concessão do TCA terá início logo que concluídas as obras de
construção de infra-estruturas o que se prevê ocorra em Janeiro de 2012, sendo que no final da
concessão, os investimentos em infra-estruturas constantes do actual plano reverterão integralmente
para o Estado sem qualquer ónus ou encargo. Os equipamentos adquiridos, por seu lado, manter-
se-ão propriedade do concessionário, tendo no termo da concessão um valor contabilístico de 16
milhões de euros. Assumiram-se também valores correntes (a Novembro de 2007), para o índice de
preços do consumidor (IPC), taxas de juro e carga fiscal.
6.2.3. Quantificação do mercado potencial
O plano de investimentos elaborado pela Liscont assume, para o período ente 2007 e 2010 um
crescimento de aproximado de 10% ao ano, correspondente ao inicio das escalas de linhas Ásia –
Europa no terminal da Liscont (o que ocorrerá mesmo durante o período de obras) sendo que no
período 2012 a 2033 se prevê um crescimento médio de 3,8% ao ano. De acordo com estas
estimativas, o Novo Terminal atingirá o limite da sua capacidade (900.000 TEU) em 2033. Citando o
referido estudo: ”estes valores foram estimados sem alterações significativas dos actuais padrões de
circulação de mercadorias, ou seja sem captar tráfego significativo a Espanha ou outros portos
nacionais, mas também considerando que na zona de influência de Lisboa não são criadas novas
concessões de movimentação de contentores para além das agora existentes”.
6.2.4. Custos operacionais e financiamento do projecto
Os custos operacionais foram determinados tomando como referência os actuais custos da Liscont.
Na projecção futura, foi tido em conta que cada rubrica de custos tem sempre uma componente que
é função do número de movimentos efectuados e outra que é fixa. Esta repartição foi estimada
especificamente para cada uma das 8 principais rubricas, nomeadamente; rendas, despesas com
pessoal, despesas de manutenção, electricidade e combustível, seguros, rendas e outras despesas.
Assumiu-se uma taxa de crescimento média dos custos a preços correntes entre 2007 e 2045 de
5,6% ao ano, sendo que os custos com o pessoal registarão um aumento moderado ao longo dos
64
-80
-60
-40
-20
0
20
40
60
2007
2009
2011
2013
2015
2017
2019
2021
2023
2025
2027
2029
2031
2033
2035
2037
2039
CF Operacional CF Investimento CF accionista CF dívida
Figura 5: Cash-flow estimado para o projecto de modernização do TCA (106€)
anos, em função de uma previsão de crescimento salarial superior ao IPC. Foi também tida em conta
a criação de 230 novos postos de trabalho entre 2012 e 2024, resultando num total de 420 postos de
trabalho em 2024. Relativamente às rendas a pagar à APL, o estudo refere como pressuposto de
cálculo: “o volume total de rendas fixas e variáveis a suportar pelo concessionário durante o período
da concessão, não poderá exceder o volume total de rendas que o concessionário pagaria se, ao
abrigo do contrato de concessão hoje em vigor, efectuasse movimentações anuais correspondentes
à capacidade actual do terminal (340.000 TEU/ano). A actual capacidade será atingida, segundo as
nossas previsões em 2010“.
Ao nível do financiamento, considerou-se que o promotor do projecto terá de avançar cerca de 64,5
Milhões de Euros entre 2009 e 2014, sendo que o financiamento bancário deve ascender a 115,5
Milhões de euros. O reembolso da dívida terá de se iniciar após 2016, devendo prolongar até, pelo
menos 2029. O promotor do projecto apenas inicia a recuperação das prestações suplementares
após 2023, sendo que os dividendos não deverão ser possíveis antes de 2021. Como se pode
constatar pela figura infra (figura 5), até 2012 o investimento é suportado por capital próprio e dívida,
após aquela data iniciam-se os cash-flows operacionais que são sempre crescentes, até que se
atinja o limite da capacidade em 2033. Os cash-flows operacionais estimados são suficientes para
suportar os investimentos de expansão em novo equipamento e o reembolso da dívida em cerca de
17 anos.
6.2.5. Nivel de rendimento do projecto
Definido o investimento e os cash-flows gerado pela concessão, ficam em aberto duas variáveis
complementares, o prazo da concessão e a remuneração da concessão. Como se pode constar pelo
65
figura abaixo, até 2023, os cash-flows gerados não compensam o investimento efectuado, após esta
data, para um dado rendimento esperado do projecto é possível determinar o período da concessão.
A rentabilidade só é possível de definir através da análise comparativa com outros projectos. Face
ao nível de risco assumido na elaboração das estimativas de evolução dos custos e evolução da
movimentação de carga do terminal, a concessionária neste estudo considerou que “uma TIR
estimada de projecto de cerca de 9% será o mínimo para remunerar o risco assumido pelos
investidores. Este nível de rendimento, apenas se estima que seja atingido, com 30 anos de
concessão” (ver figura 6).
6.3. A legalidade da alternativa de prorrogação
Conforme se apresentou anteriormente, a execução dos investimentos necessários à modernização
do TCA corresponderá a um valor total de investimentos superior a 200 milhões de euros. Tendo em
conta as receitas geradas pelo negócio da movimentação de carga, o tempo remanescente da
concessão, até 2015, é manifestamente insuficiente para permitir à concessionária amortizar e
remunerar o capital investido na modernização e exploração do terminal. Assim sendo, não é
razoável esperar-se que o concessionário se disponha a efectuar esses investimentos de relevos se
não puder, de alguma forma, dispor de um meio de ressarcimento. Algumas das alternativas que se
apresentam á Autoridade Portuária, nomeadamente proceder ao resgate da concessão ou
indemnizar a Concessionária, no termo do prazo actual de vigência do contrato de concessão do
custo das obras efectuadas (diminuído da amortização entretanto efectuada) foram inviabilizados por
aparente falta de vontade e/ou disponibilidade financeira. Com efeito, na invocação do respeito pelo
equilíbrio económico-financeiro, não querendo (ou não podendo!) a APL proceder ao reequilíbrio da
concessão através da atribuição à Liscont de alguma forma de compensação financeira e sendo a
alteração tarifária uma forma de reequilíbrio desadequada, as alternativas resumem-se à
-6,0%
-4,0%
-2,0%
0,0%
2,0%
4,0%
6,0%
8,0%
10,0%
2022
2023
2024
2025
2026
2027
2028
2029
2030
2031
2032
2033
2034
2035
2036
2037
2038
2039
2040
2041
TIR do projecto
Figura 6: Taxa Interna de Rentabilidade do projecto em função do tempo de exploração
66
prorrogação da concessão pelo período necessário à amortização dos novos investimentos que se
pretende efectuar.
Ao nível jurídico, e referindo Torgal, (2007), “o presente caso convoca um dos vectores da
mutabilidade dos contratos administrativos, correspondente à respectiva modificação pelas partes
com vista à adaptação dos termos do contrato às novas circunstâncias, como forma de salvaguardar
o interesse público pelo mesmo visado e atendendo à natureza comercial dos serviços prestados,
como garantia do lucro legitimamente esperado pela concessionária”. Conforme refere Gonçalves
(1999), o poder de modificação unilateral dos contratos administrativos (iusus variandi) vale para os
contratos de concessão (nomeadamente, concessão de serviço público)54, ou seja “é ditada pelo
principio da adaptação ou actualização do serviço público e traduz-se no principio de a
Administração introduzir, na vigência do contrato, alterações ao que nele ficou estipulado”
(Gonçalves, 1999). Este poder da Administração (na pessoa do Concedente) não necessita de
previsão em termos contratuais (trata-se de um poder extracontratual, conforme o art.º 180 do CPA).
Este principio é legitimamente justificado pela necessidade de continuidade55 do serviço público ou
seja “a necessidade de actualizar os termos da concessão de serviço público vigente à
caracterização actual do mercado de serviços portuários e de, assim, assegurar a sua
competitividade, ao mesmo tempo que visam assegurar a cabal e equilibrada execução desse
contrato pela concessionária” (Torgal, 2007). Esta possibilidade de modificação dos contratos
administrativos encontra-se limitada (de entre outros princípios56) pela necessidade de salvaguardar
os termos do equilíbrio económico-financeiro do contrato, residindo aqui a justificação da
prorrogação pretendida para o contrato.
A modificação do contrato de concessão por comum acordo é também possível, como refere Amaral
(2004) “o contrato administrativo pode também ser bilateralmente modificado. Quando a modificação
tem lugar por esta via, o limite mais importante à autonomia das partes é o objecto do contrato – isto
porque se assume que o particular será capaz de ajuizar livremente se a alteração em causa serve
ou não os seus interesses financeiros” (Torgal, 2007). Adicionalmente, qualquer alteração do 54 Segundo (Torgal, 2007), o contrato celebrado em 1984 entre a Liscont e a APL é um “contrato de concessão de serviço
público, que leva acessoriamente associada uma concessão de exploração do domínio público”. Nos termos do contrato de concessão outorgado, a APL conferiu, assim, à Liscont o direito de explorar o terminal de contentores de Alcântara, mediante a prestação de serviços portuários aos utentes do terminal. Segundo o clausulado contratual, a responsabilidade pela exploração do terminal compete à Liscont, sendo a respectiva actividade remunerada, no essencial, pelas “taxas devidas
pela execução de operações e pela prestação de serviços no âmbito da concessão”. No entanto, o regime contratual estabelecido entre as duas entidades também integra elementos típicos da concessão de exploração do domínio público, na medida em que, para efeitos da realização das actividades de serviço público concessionadas, à Liscont são atribuídos poderes de gestão de um bem do domínio público do Estado afecto à APL (o terminal portuário de Alcântara), mediante o pagamento das devidas taxas. Atendendo à regulamentação emitida no âmbito do Direito Comunitário o contrato de concessão estabelecido entre a APL e a Liscont, na medida em que contém dois objectos intrinsecamente ligados e, mesmo, indissociáveis, está submetido à disciplina europeia aplicável ao regime contratual predominante ou principal, o da concessão de serviços públicos. 55
Vide princípios do serviço público, referidos no Anexo A3. 56
Segundo (Torgal, 2007) a “liberdade de modificação dos contratos administrativos encontra-se submetida aos limites
inerentes a todas as formas de actuação pública, nomeadamente pelo princípios gerais do direito administrativo, como os
princípios da imparcialidade, da prossecução do interesse público e da proporcionalidade”. Adicionalmente a modificação do contrato está também condicionada à manutenção do objecto deste – “o conjunto de aspectos que formam o núcleo
essencial do contrato” e à garantia do equilíbrio económico-financeiro da concessão. Pela manutenção do objecto entende-se que o concedente não pode obrigar o concessionário a realizar uma actividade diferente do inicialmente convencionado.
67
contrato de concessão por mútuo acordo será apenas aceitável quando for justificada por uma razão
de interesse público, isto é, que se baseie numa situação legitima dos contratos, e não constitua uma
forma de atribuir alguma vantagem ao concessionário. Saliente-se que estas alterações conduzem a
contratos de concessão dispares dos sujeitos a concurso público, pelo que a sua adopção terá de
ser inteiramente justificável à luz do interesse público, de forma a justificar um desvio relativamente
ao principio da igualdade, a que deverá corresponder uma relação entre o objecto posto a concurso
e o objecto concessionado. Assim, são inválidas quaisquer alterações contratuais por mútuo acordo
que sejam consideradas injustificadas ou desproporcionadas. Nos casos de alteração do contrato
por mútuo acordo, cabe ao concessionário assegurar que os termos dessa alteração, conseguidos
através do processo negocial, garantem a manutenção do equilíbrio económico-financeiro da
concessão. Embora não seja formalmente enunciado, o princípio da conservação da equação
económico-financeira que rege a concessão encontra-se também presente.
A admissibilidade da prorrogação do Contrato de Concessão do TCA, se bem que justificável com
base no volume de investimento assumido pelo concessionário, encontra dois entraves importantes:
a não sujeição a um procedimento de concurso público e a não verificação do disposto no n.º1 do
artigo 29º do Decreto-Lei n.º 298/93 de 28 de Agosto, que refere que o prazo das concessões de
serviço público de movimentação de carga não podem exceder 30 anos de duração. Relativamente á
sustentabilidade da prorrogação do prazo face ás regras da contratação pública a opinião comum
entre os juristas consultados neste caso é a de que “as mencionadas regras de legalidade
procedimental (sujeição a concurso público) não se aplicam à celebração de acordos meramente
modificativos do conteúdo dos contratos existentes, nos casos em que essa modificação se
mantenha no limites legalmente previstos”, isto é, desde que não afecte a natureza, os sujeitos e o
objecto do contrato inicial”. Por outras palavras, não existe necessidade de concurso público, uma
vez que não se pretende celebrar um novo contrato de concessão, mas modificar um existente,
dentro dos limites legais impostos a essa modificação. Não nos opomos, sob nenhuma forma a esta
conclusão. No entanto, salienta-se que numa PPP o concurso público representa “o procedimento
pré-contratual com melhor aptidão para assegurar os princípios da igualdade, da publicidade e da
concorrência” (Torgal, 2007) sendo que a excessiva dilatação do período de concessão poderá
constituir uma desvantagem, ao impedir o acesso e competição pelo mercado do serviço
concessionado. De facto, a modificação de um elemento não essencial do contrato poderia, no limite,
conduzir à perpetuação do contrato, mediante o recurso a sucessivas prorrogações. No entanto,
como refere a este respeito (Torgal, 2007) “não significa que a dilatação temporal da duração de um
contrato, mediante prorrogação, constitua uma faculdade livre de quaisquer exigências (…). Apesar
de não se encontrarem sujeitas à tramitação de um processo pré-contratual específico apenas
podem ter lugar (…) nas situações em que imperiosas razões de interesse público o imponham”.
Já considerando a possibilidade de prorrogação do contrato face ao disposto no Decreto-Lei n.º
298/93, de 28 de Agosto impondo máximo de 30 anos para a duração do contrato, Torgal (2007)
refere que “o limite máximo aí estabelecido no que respeita ao prazo das concessões refere-se
68
unicamente à duração inicial da concessão, não impedindo a possibilidade de previsão da respectiva
renovação, em determinadas circunstâncias, e, muito menos, é ou pode ser aplicável às vicissitudes
decorrentes de alterações inesperadamente verificadas na execução dos contratos”. A este propósito
Mário Esteves Oliveira, (2002) refere que “uma coisa é a prorrogação ad hoc de uma concessão
administrativa, em que as partes no uso da sua autonomia de vontades, sem qualquer previsão
contratual especifica, pretendam prolongar o vinculo jurídico que as une, situação em que, é
evidente, existe um problema jurídico-concursal, admitindo-se como posição de principio, a
ilegitimidade de tal prorrogação. Outra coisa muito diferente é a prorrogação de uma concessão
administrativa fundada nas bases de lei que a regula, em que o prolongamento do vínculo jurídico se
encontra portanto legalmente habilitado”. Dada a necessidade dos investimentos no terminal, a
concepção de “prorrogação ad hoc” descrita por Esteves Oliveira é afastada. No entanto, este jurista
levanta a questão da necessidade de previsão legal para que essa prorrogação ocorra. De facto,
apesar de o mecanismo de prorrogação estar previsto quer na legislação especifica do sector, quer
no contrato firmado, não existe nenhuma disposição no primeiro que explicite especificamente que o
prazo total de concessão adicionado das prorrogações poderá exceder os 30 anos. A esse respeito
(Gonçalves, 1999) assume uma posição inequívoca, ao referir que “por força das regras da
publicidade e da concorrência do procedimento de adjudicação da concessão, a prorrogação só
deve aceitar-se quando esteja prevista nas normas que regularam aquele procedimento; a mera
previsão contratual será insuficiente – como é obvio, quando a lei estabelecer um prazo máximo para
a duração da concessão do serviço, não podendo as normas administrativas que regulam o
procedimento prever uma prorrogação que, adicionada à duração do prazo inicial, tenha como
resultado a ultrapassagem dos limites máximos admitidos para a duração da concessão”.
Não se pretende alongar mais sobre este ponto, uma vez que se trata de uma questão
exclusivamente o foro jurídico. Contudo, a posição assumida (omissa de qualquer fundamentação
em termos jurídicos) acerca-se da do Professor Freitas do Amaral, ao considerar que o n.º1 do artigo
29 do Decreto-Lei n.º 298/93 define somente regras relativas à duração inicial máxima da
concessão: “por si só, a razão da norma, evitar que uma actividade pública esteja subtraída à
concorrência por um tempo demasiado longo, não veda a possibilidade de, em virtude de uma
modificação do contrato unilateralmente determinada pelo concedente se efectuar a prorrogação de
tal prazo para além dos 30 anos” (Amaral, 2004). A este respeito o Professor argumenta com o caso
do Contrato de Concessão do Terminal XXI, em Sines, já aqui analisado, e cujo contrato implica a
construção de variadas infra-estruturas portuárias e terrestres. Nesta Concessão, aprovada por
Decreto-Lei (Decreto-Lei n.º394-A/99 de 24 de Setembro), depois de se estipular que a concessão
tem um prazo de 30 anos, prevê-se que o contrato pode ser “renovado por igual período desde que
nisso acordem concedente e concessionário até um ano antes do termo da concessão”.
Considerando que este contrato é posterior aos diplomas legais de 1993 e 1994 referidos
anteriormente e que se refere ao mesmo objecto dos referidos diplomas, a concessão de terminais
portuários, indicia, no entendimento do Professor, que o órgão máximo da nossa administração
pública, ao acordar a possibilidade de prorrogar por 30 anos um contrato cujo prazo inicial é também
69
de 30 anos, revela o entendimento de que está apenas em causa a duração inicial máxima da
concessão57.
6.4. A presença da Liscont no mercado dos terminais de contentores
Importa pois perceber qual o grau de concentração no mercado de movimentação de carga
portuária, uma vez que uma situação de prorrogação do prazo do contrato de concessão do TCA é
tão mais criticável consoante a estrutura do mercado para que se caminhe. De facto, uma opção
estratégica que configure uma prorrogação do prazo de concessão de um operador portuário,
justificada pela natureza premente dos investimentos a executar no terminal, pode ser comprometida
se contribuir para a perpetuação de uma situação de excessiva concentração do mercado. Como é
abordado no anexo A3, a competição pelo mercado é a forma mais adequada de introduzir alguma
concorrência em mercados com características de monopólio. O concurso público funciona como
garante de que o operador escolhido é aquele que melhor serve o interesse público. Este mesmo
concurso público não impede o surgimento de uma situação de grande concentração no mercado (se
uma mesma empresa ganhar vários concursos de operação numa mesma área) limitando-se a
legitima-la como a mais adequada à luz daquilo que foram as propostas sujeitas a concurso. Assim,
uma situação de grande concentração no mercado pode ser aceitável, se legitimada por concurso
público e desde que regida por um adequado contrato de concessão que determine os requisitos a
exigir ao concessionário na prestação do serviço concessionado.
Caso, como nesta situação, não exista uma submissão a um concurso público impõe-se que, por um
lado, as condições do contrato sejam escrutinadas o mais meticulosamente possível e, por outro,
que se analise a possibilidade da perpetuação de uma situação de “operador dominante”
incompatível com o adequado funcionamento do mercado. A Liscont é detida (por via indirecta,
através da Multiterminal e Tertir) maioritariamente pela Mota-Engil Ambiente e Serviços (MEAS),
sub-holding da Mota-Engil SGPS. A MEAS encontra-se presente em diversos terminais de
movimentação de carga, através das participações maioritárias que detém em várias empresas.
Assim, ao nível da carga contentorizada a MEAS está presente nos seguintes terminais (dados do
Relatório da Autoridade da Concorrência acerca da compra da Multiterminal pela Mota-Engil):
- Terminal Multiusos (Zona 1) no Porto de Setúbal, através da Tersado;
- Terminal Multiusos (Zona 2) no Porto de Setúbal, através da Sadoport;
- Terminal de Contentores Norte e Sul do Porto de Leixões, através da TCL;
- Terminal de Contentores de Alcântara, através da Liscont;
57 Impõe-se uma referencia ao CCP, que por razões temporais não foi incluída no texto inicial. À luz do novo código, e relativamente à questão em análise, o CCP prevê que “o prazo de concessão deverá permitir amortizar o investimento,
referindo no entanto que “em caso de omissão contratual a duração do contrato adicionado de prorrogaçãoes não deverá
exceder 30 anos”. Assim, a questão da duração limite imposta incluir ou não eventuais prorrogações parece ser aqui adequadamente clarificada, tornando impossivel a prorrogação sem prazo contratualmente previsto por um período que adicionado à duração do contrato seja superior a 30 anos. Neste contexto e na impossibilidade de proceder à prorrogação, o concedente seria obrigado, fruto da natureza e valor do contrato, a recorrer ao procedimento concursal de concurso público ou a ajuste directo, sendo que, para este último seria necessário atestar a natureza de interesse público da decisão: “quando
razões de interesse público relevante o justifiquem pode optar-se pelo ajuste directo para a formação dos contratos de
concessão de serviço público” (artigo 31 do CCP). Com efeito, a única forma de atstar esse interesse passaria por demonstrar o interesse público da urgência do investimento fruto das repercursões provenientes da saturação física do terminal.
70
- Terminal de Contentores de Santa Apolónia, através da Sotagus;
A análise da estrutura de mercado da prestação de serviços de movimentação de carga portuária
encontra um primeiro entrave na delimitação geográfica dos mercados relevantes para cada terminal
de contentores. A posição expressa pela Autoridade da Concorrência Nacional (AdC) nos pareceres
emitidos relativamente às diversas aquisições efectuadas pela MEAS no sector dos terminais
portuários de contentores assenta numa consideração muito controversa. A AdC entende que o
mercado geográfico relevante de cada terminal de contentores analisado corresponde apenas “a
cada um dos portos em que a actividade portuária é prestada”. Esta conclusão assenta na análise,
efectuada pela referida autoridade, de que analisando “as características especificas de cada porto,
como a localização, a proximidade das zonas de consumo das mercadorias e dos grandes centros
industriais, as acessibilidades, as condições de acostagem e os respectivas infra-estruturas e as
diferentes taxas definidas e aplicadas por cada autoridade portuária, em cada um dos portos
nacionais, determinam que cada porto nacional seja susceptível de constituir um mercado geográfico
relevante autónomo” (artigo 48 – Parecer AdC sobre a compra da Multiterminal). Esta hipótese
introduz um grau elevado de simplificação na análise do mercado. Considerando que em nenhum
dos terminais nacionais existem mais de 3 terminais de contentores, sucede que a análise do
mercado efectuada pela AdC conduziu necessariamente a situações em que “o controlo conjunto de
um terminal passa a controlo exclusivo” ou a situações em que o “controlo exclusivo muda de mãos,
nunca implicando uma alteração do mercado (existente)”. Com efeito, analisando pareceres
semelhantes formulados pela AdC Europeia constata-se que em todos os casos em que se
avaliaram terminais portuários de movimentação de contentores com a dimensão e as
acessibilidades próximas das existentes em Portos como Lisboa ou Leixões, a delimitação do
mercado geográfico nunca se circunscreveu ao porto em causa, incluindo sempre áreas de influência
mais extensas. A título de exemplo referem-se os seguintes casos:
- Caso n.º COMP/M.2859 – DBCargo/Contship Itália/JV
“The notified transaction concerns the creation of a full function joint venture to establish a full service
provider off inter-modal transportation of maritime containers between Italian Seaports and cross-
border destinations in abroad”. Neste parecer a comissão considera não existir risco de
constrangimento no acesso às redes de transporte transfronteiriças por a operadora Contship
controlar os terminais de Gioia Tauro, La Spezia e Livorno. A justificação baseou-se na constatação
de que os restantes portos Italianos, nomeadamente Taranto (no Sul), e Genoa e Trieste (no Norte)
constituírem alternativas viáveis para a movimentação de contentores.
- Caso n.º COMP/M.3829 – Maersk/P&O NL
71
No caso da aquisição da P&O NL pela Maersk considera-se na análise que todos os portos da região
Hamburg – Le Havre podem servir o hinterland correspondente à Europa Continental do Norte (ponto
18), assumindo a existência de áreas de influência sobrepostas. 58
Parece-nos que no caso português as áreas de influência de cada porto não são disjuntas ao ponto
de justificarem a adopção de raciocínios tão simplificados por parte da AdC. Para mais acrescente-
se que a posição consolidada da MEAS após a efectivação de todos os processos de concentração
denota um claro domínio da movimentação de carga contentorizada a nível nacional, controlando
cerca de 85% da carga movimentada no ano de 200559, como apresentado no quadro 17. Esta
posição registou uma redução progressiva nos anos seguintes, fruto do crescimento da carga
contentorizada no Porto de Sines, mantendo-se ainda, inquestionavelmente, numa posição
dominante.
É comummente aceite ao nível da Comissão Europeia e das Autoridade da Concorrência nacionais
que a actividade de movimentação de cargas portuárias é susceptível de ser segmentada em vários
mercados de serviço distintos, em função do tipo de cargas movimentado. 60 Cada terminal só
concorre com outro que movimente o mesmo tipo de carga, tendo em conta os diferentes meios
técnicos e as infra-estruturas necessárias e o facto de, geralmente, cada contrato de concessão
estabelecer a natureza da carga que cada concessionário está autorizado a movimentar. Com base
na decisão (m1674) da Comissão pode ainda ser feita uma distinção entre os serviços de
movimentação de carga associados a TMCD (transporte marítimo de curta distância) e os serviços
de deep-sea e de transhipment. Citando a decisão da comissão: “According to the parties (referring
to a joint venture between Maersk and ECT for the exploration of a new container terminal in Port Sid,
Egypt) the relevant product market is that of the provision of container terminal services, i.e. loading
and unloading, storing, etc. These services may also referred to as stevedoring services. Deep-sea
container ships transport goods between continents, whereas smaller short sea vessels are generally
used for transport over shortest distances (short-sea traffic) and for transhipping containers from and
to deep-sea ports (“feeder traffic”). Given the different berthing and landside equipment facilities
needed for deep-sea and short-sea vessels, a distinction for stevedoring services may be made
according to the size of the vessels which require handling, i.e. deep-sea or short-sea vessels”.
Com base nesta caracterização do mercado será aceitável distinguir, de entre os terminais de entre
os terminais de contentores controlados pela MEAS aqueles que pelas suas condições infra-
estruturais (sobretudo, ao nível dos equipamentos de movimentação de cais e profundidade dos
canais de acesso e zonas de cais) podem ser incluídos no mesmo segmento de mercado do TCA.
Além do mais, é fundamental que se refira que, para o segmento de deep-sea, este mercado tem
claramente uma dimensão Ibérica, conforme foi referido anteriormente na definição do hinterland do 58 Uma abordagem semelhante e seguida nos pareceres n.º 3576, 1674 e 3884. Em todos estes casos são considerados mercados geograficamente abrangentes, que englobam vários portos dentro das áreas de influência analisadas. 59 Reportou-se à análise a 2005 pois foi este o ano a que se reportou a AdC, dado que as aquisições ocorreram durante 2006 e 2007. 60 Cfr decisão COMP/M3884 – ADM Poland/Cefetra/BTZ e COMP/M3576 – ECT/PONL/Euromax.
72
Porto de Lisboa. Considerando esta perspectiva de um hinterland alargado para o sector deep-sea,
pode concluir-se que apesar de a MEAS ter uma posição dominante a nível nacional no sector da
movimentação da carga contentorizada, esta não se posiciona no sector de deep-sea, onde a
consideração de um hinterland mais alargado contesta uma eventual posição dominante por parte
deste operador.
Porto Movimentação
(103) ton
% Controlada pela MEAS
Leixões 3.539 100%
Aveiro 0 -
Lisboa 5.159 85%
Setúbal61 113 100%
Sines 658 0%
Totais 9.469 85%
Fonte: Tribunal de Contas (Relatório Síntese Auditoria APs)
6.5. Alternativas à prorrogação do contrato
A realização dos investimentos no terminal mediante a prorrogação do prazo de concessão da
Liscont não é a única solução possível para a modernização do TCA. De facto três outras
alternativas se afiguram e merecem ser analisadas, designadamente, a realização dos investimentos
apenas aquando da extinção deste contrato; o recurso à ferramenta do resgate para o lançamento
de um novo concurso público ou o a negociação da modernização do terminal directamente com a
Liscont com recurso à indemnização como forma de compensação pelo investimento não amortizado
pela Concessionária até 2015.
A primeira alternativa, a não realização de qualquer investimento durante o período de vigência
desta concessão, corresponde a transferir a realização de todos os investimentos para o novo
contrato de concessão a realizar em 2015. Se bem que numa primeira análise esta alternativa não
aparente ser adequada, por retardar investimentos indiscutivelmente essenciais, merece ser
analisada por permitir o recurso ao processo de adjudicação por concurso público. Conforme já foi
referido, o contrato de concessão celebrado com a Liscont termina a 5 de Maio de 2015. Assim, uma
decisão de não investir até essa data corresponderia a uma perda de movimentos de carga
correspondente a ter, no limite, mais sete anos um terminal com capacidade de 350M TEU em vez
de um de 900M TEU. Este raciocínio é de certa forma simplista porque assume que o tempo
necessário para a realização das obras é sempre o projectado pela Liscont (o que é uma hipótese
plenamente aceitável) mas também, e sobretudo, que as taxas de crescimento da carga
movimentada são independentes do tempo em que ocorrem. Isto significa dizer que se assume que
61 A MEAS é accionista minoritária nos terminais do Porto de Setúbal.
Quadro 17: Projecção da cota de mercado da MEAS em 2005, assumindo a compra da Multiterminal, Sadoport e Tertir.
73
o novo terminal terá as mesmas taxas de crescimento de carga movimentada independentemente do
ano em que o terminal entre em funcionamento.62 De facto na consulta que se fez aos diferentes
intervenientes no mercado não se encontrou qualquer justificação para que se retarde a execução
das obras com base numa variação da carga prevista. Desta forma, uma decisão de não efectuar os
investimentos imediatamente resultará para a Administração Portuária num custo correspondente à
não movimentação de 3.378.784 TEU, correspondente ao diferencial entre o volume correspondente
à movimentação prevista nos 7 primeiros anos do caso base subtraída da estimativa para a evolução
do negócio caso não se efectue qualquer investimento (ver figura 7). A este valor corresponderá a
uma perda de receitas para o Porto de Lisboa e de prejuízos indirectos para a economia nacional
bastante mais difíceis de quantificar.
Outro factor de relevo para esta análise prende-se com a degradação da imagem e estratégia
comercial do terminal de contentores. O adiamento da realização de investimentos significativos
absolutamente necessários terá como consequência a saturação do terminal, colocando graves
problemas à cadeia logística e de transportes. Isto porque a omissão de investimentos necessários e
just in time enfraquece com efeitos prolongados a posição do porto no mercado dinâmico e de
concorrência intensiva dos serviços portuários podendo provocar uma deslocação de carga e de
navios ou seja, uma deslocação de clientes, quase irreversível no futuro, bem como uma degradação
da imagens geral do porto.
0
100000
200000
300000
400000
500000
600000
700000
800000
900000
1000000
Prorrogação de Contrato
Concurso em 2015
62 Um exemplo de situação que poderia levar a esta decisão seria, por exemplo, a possibilidade de um terminal concorrente da Liscont atingir a saturação próximo de 2017 pelo que, dada a redução da oferta no mercado, nessa data, poderiam verificar-se taxas de crescimento muito elevadas, a partir dessa data, que tornassem o período 2011 a 2017 como pouco relevante.
Figura 7: Perda estimada de movimentação de carga assumindo concurso em 2015 (TEU)
74
A estas desvantagens opõe-se a mais-valia relativa à realização de um concurso público, com
possíveis ganhos devido à criação de condições de concorrência efectiva. Contudo, uma
quantificação exacta do potencial ganho que poderia resultar de um contrato celebrado por
intermédio de um processo concursal face ao resultante da negociação directa com o actual
concessionário, se existente, é difícil de fazer sem ser por recurso à comparação pré e pós
concursal, impossível de fazer. Efectivamente assume-se que poderia haver alguma redução do
custo dos investimentos devido à sujeição a concurso público, quando comparado com um processo
de negociação exclusivamente com o concessionário.
No Aditamento celebrado ao contrato de concessão do TCA pode ler-se que “é prorrogado até cinco
de Maio de 2005, o prazo durante o qual a APL não poderá, nos termos do n.º1 do artigo 14º do
contrato de Concessão, proceder ao resgate da concessão”. Logo, no tempo actual, tendo decorrido
o período de garantia, o resgate é contratualmente possível. Relativamente às condições em que
esse resgate poderá ocorrer, o contrato estipula que “no caso de resgate, a concessionária terá
direito a uma indemnização igual ao valor dos bens que na data do resgate constituam o terminal e
tenham sido seu encargo, diminuídos de um vinte avos por cada ano decorrido desde o inicio do
prazo da concessão”. Esta disposição refere-se obviamente apenas ao investimento inicialmente
previsto aquando do acordo inicial de 1984, que já se encontra totalmente amortizado, dado já terem
decorrido 20 anos sobre a celebração do contrato. Assim para se identificar o valor à pagar no
resgate deverá recorrer-se à cláusula dois do artigo décimo terceiro, referente à amortização de
investimentos não especificados no contrato inicial: “a concessionária terá direito a ser indemnizada
do custo das obras, instalações e equipamentos fixos que construir e montar no decurso do prazo de
concessão, diminuídos da amortização entretanto efectuada, desde que essas obras instalações ou
equipamentos não estejam previstos no plano do terminal (…) e sejam destinados a melhorar o seu
funcionamento e tenham sido previamente autorizados (…) pela APL, com aprovação do respectivo
custo e período de amortização”. Seguindo esta linha de raciocínio o valor do resgate da concessão
será de aproximadamente 37.700.000€, baseado no valor por amortizar constante no balanço do
relatório e contas a que se teve acesso. Contudo, esta interpretação pode ser discutível a nível
jurídico, uma vez que no aditamento celebrado em 1997 não existe qualquer referência à formula de
cálculo do valor do resgate sendo que a formula anciã existente no contrato inicial se reporta
inequivocamente à duração inicial do contrato, sem prorrogações. Assim, esta indefinição pode
também conduzir à tese de que, na ausência de uma clausula aplicável que regulamente este
resgate, deverá recorrer-se ao Decreto-Lei n.º 324/94, anterior ao aditamento ao contrato, passando
assim o resgate a contemplar “valor contabilístico actualizado líquido de amortizações, referido às
obras e bens (…) incorporados (pela concessionária) no estabelecimento”.
O grande inconveniente do recurso ao resgate da concessão é a necessidade de exigir
disponibilidade financeira por parte da Autoridade Portuária para o fazer. As apertadas restrições
orçamentais por que passam os organismos públicos e as Autoridades Portuárias em particular,
75
desencorajam esta prática. Neste contexto, ganha importância a possibilidade da inclusão do valor
de resgate como uma compensação indemnizatória a considerar no novo concurso – sendo assim
possível resgatar a concessão sem que para isso se recorra a dinheiros públicos. Desta forma, o
novo concedente pagaria, ainda que indirectamente, o valor do resgate da concessão. Esta situação
tem como vantagem permitir a adjudicação mediante concurso público sem existência de encargos
adicionais para o concedente. Contudo, ao incluir um custo adicional no cash-flow do projecto
dificultaria a viabilização do mesmo por parte do futuro concessionário e poderia ser vista também
como uma forma de distorção do concurso, uma vez que a actual concessionária estaria uma
posição vantajosa por ver incluído no concurso uma indemnização que a si se destina.
A última solução que se afigura como alternativa à prorrogação do contrato consiste na negociação
com a actual concessionária (a Liscont) de um plano de investimentos que contemple todas as
necessidades de modernização do terminal, assumindo-se que em 2015, aquando da cessação
deste contrato, a actual concessionária receberá uma indemnização referente ao valor não
amortizado dos investimentos efectuados. Esta alternativa implica que se defina um plano de
investimentos análogo ao apresentado no ponto 6.2, definindo-se no imediato o valor a pagar à
Liscont em 2015 pelos trabalhos de modernização do terminal. Existe um risco de o concessionário
se recusar a efectuar as obras de modernização dado o reduzido espaço de tempo em que irá
beneficiar dessas obras (aproximadamente 4 anos) e o risco associado, sobretudo ao nível das
actividades de construção expansão. 63 A esse respeito saliente-se também que o contrato não
considera quaisquer disposições que obriguem a concessionária a acatar esta decisão da Autoridade
Portuária. A única forma de tornar esta solução apelativa consistiria na adopção de uma TIR
excepcionalmente alta para o projecto que compensasse o risco do investimento.
63 Inversamente o risco associado ao financiamento bancário é consideravelmente menor, por se considerar um ciclo de vida do projecto de apenas 8 anos (até 2015), ano em que para o concessionário todo o investimento deveria ter sido recuperado, com base na operação do terminal e na indemnização recebida.
76
7. Conclusões e desenvolvimentos futuros
7.1. Conclusões do trabalho
A movimentação de carga contentorizada tem sofrido uma evolução considerável nos últimos anos,
fruto da intensa procura gerada pelo crescimento do comércio mundial (ver ANEXO 1). Esta
evolução caracterizou-se, sobretudo, por um aumento das dimensões dos navios porta contentores,
com implicações ao nível das operações nos terminais portuários, exigindo maiores pórticos de cais,
maiores áreas de parque e cais de acostagem mais longos e com maior profundidade, de forma a
permitir as operações de carga/descarga de forma apropriada e com a rapidez requerida pelos
armadores. Esta constante evolução implicou que o negócio portuário se transformasse numa
indústria de investimentos continuados e avultados.
Ficou demonstrado que esta evolução inesperada no sector conduz a situações de risco tecnológico
que implicam alteração profunda dos pressupostos base da concessão. Estas situações são fruto da
dinâmica do mercado, sendo impossíveis de prever aquando da celebração dos contratos. Nesse
sentido, a adopção de uma abordagem mais comercial ao sector, de forma a garantir a sua
competitividade, implica uma adaptação dos contratos de concessão às alterações verificadas,
alocando o risco aos intervenientes adequados e permitindo a realização e amortização dos
investimentos associados no tempo apropriado.
O TCA, assumindo a sua orientação para o tráfego Deep Sea, necessita de obras de modernização
cujo custo era imprevisível à data da celebração do contrato de concessão (e do posterior
aditamento), mas que são essências para garantir sua competitividade. O contrato de concessão do
TCA, bem como outros posteriormente celebrados em Portugal, não prevê claramente uma
imputação do risco tecnológico associado ao aumento da dimensão dos navios a nenhum dos
intervenientes. Existe um princípio da melhor tecnologia que obriga à prestação do serviço de forma
adequada, não sendo este não aplicável a alterações de fundo da operação e de carga. Considera-
se que a moldura legal portuguesa e europeia deveria permitir legitimar claramente estas situações
quando convenientemente justificadas a nível técnico, atribuindo claramente as responsabilidades a
cada uma das partes intervenientes no contrato e indicando os montantes de investimento que,
quando convenientemente justificados por motivos técnicos e tecnológicos, justificassem a aplicação
de mecanismos eficazes de garantia da manutenção da competitividade dos terminais. De entre
estes mecanismos destaca-se o recurso à figura de prorrogação da duração do contrato ou
alternativamente à imposição contratual da realização dos investimentos por parte da
concessionária, com recurso a uma indemnização contratualmente estabelecida no fim da
concessão.
Na realidade, e na ausência dessa moldura legal que legitime o investimento afiguram-se três
alternativas para a realização das obras de modernização do terminal, designadamente, o adiamento
dos investimentos até ao fim da concessão, o resgate da concessão com posterior recurso a novo
77
concurso público e a prorrogação do prazo da concessão da empresa Liscont. Relativamente à
alternativa da prorrogação, não havendo jurisprudência na matéria, considera-se que embora ela
seja legitimamente justificável face à necessidade de amortização do investimento, ainda carece de
alguma fundamentação legal a nível nacional e europeu, sobretudo face ao Decreto-Lei n.º 298/93. A
opção de adiar o investimento tem consequências muito graves para o terminal, por implicar uma
estagnação da capacidade durante sete anos e uma degradação da imagem comercial do porto. A
alternativa do resgate apresenta o inconveniente de acrescentar um custo adicional ao investimento
de modernização, investimento esse que dificilmente será suportado pela APL, com disponibilidades
financeiras restritas, sendo a sua inclusão no novo concurso a celebrar a alternativa mais viável para
a realização dos investimentos, com a ressalva de introduzir alguma vantagem concursal para o
operador instalado.
7.2. Desenvolvimentos futuros: estudo comparativo de modelos contratuais –
o Porto de Hamburgo
As conclusões acima referidas acentuam a necessidade de se adoptar um regime contratual mais
adequado à realidade marcadamente comercial do sector portuário. Assim considera-se que a
análise de modelos de PPP alternativos baseados nas práticas de outros países constituiria uma
contribuição importante para o sector. Com esse intuito procurou-se, durante a execução deste
trabalho, obter elementos relativos ao Porto de Hamburgo e, em especial, à operadora Eurogate, a
empresa com maior volume de carga contentorizada movimentada a nível Europeu. Contudo, o
tempo de obtenção da informação e as dificuldades tidas na tradução dos respectivos documentos,
todos em língua alemã, condicionaram muito a realização desta análise em tempo útil, limitando-nos
a apresentar aqueles que se considera serem os principais vectores de desenvolvimento deste futuro
estudo.
O Porto de Hamburgo é o segundo maior porto de águas profundas da Europa, tendo registado uma
movimentação anual de 8.861.545 TEU em 200664, distribuída por duas empresas a operar em
diversos terminais, a saber, a Eurogate (empresa privada) e a HHFA (Hamburger Hafen und Logistik
AG), uma empresa de capitais maioritariamente públicos.
Os contratos celebrados pela AP de Hamburgo com os operadores portuários correspondem a
contratos de leasing, muito semelhantes aquilo que vulgarmente se entende como sendo um
contrato de arrendamento de um terreno industrial, sendo que geralmente a Autoridade Municipal
assume os custos de construção do cais de acostagem de cada terminal. Todos os contratos
celebrados apresentam as mesmas condições gerais, dispondo que “o inquilino deve começar as
obras para o funcionamento contratual do objecto arrendado imediatamente após a celebração do
contrato (…) sendo responsável pela impecável implantação da obra”. Para cada parcela é definido
um valor de renda em função do valor médio dos preços para lotes industriais definido pela
Autoridade Imobiliária de Hamburgo, devendo “os intervenientes (…) de cinco em cinco anos
64 Dados ESPO
78
verificar a adequação das rendas acordadas para os terrenos e combinar novas rendas” em função
do índice dos preços para instalações comerciais em Hamburgo. Os termos gerais dos contratos
referem explicitamente que “o inquilino está obrigado a suportar, às suas expensas, a manutenção e
segurança do objecto arrendado, dos edifícios, instalações e equipamentos que lhe pertencem”, mas
também de “paredões, cais e fundações para gruas”. A proprietária, por seu lado, prontifica-se a
conservar a profundidade dos canais contratualmente acordada.
A imposição mais radicalmente diferente do que é disposto em Portugal consiste na obrigação do
inquilino “remover todos os edifícios e equipamentos próprios, inclusive das fundações e instalações
subterrâneas” aquando a cessação do contrato. O contrato estipula mesmo que o inquilino tem a
obrigação de “encher todos as cavidades com areia até a altura do terreno e a remoção das
instalações subterrâneas, restaurar o objecto de arrendamento (…) e fazer um inventário sobre
fundações de estacaria que permaneça não solo”. 65 Esta cláusula denota já aquela que se julga ser
a maior diferença na abordagem ao sector portuário entre os dois países. Obviamente que a
remoção integral de todas as estruturas constituintes de cada um dos terminais da Eurogate
implicaria uma perda irreparável para a cidade de Hamburgo, por significar uma redução substancial
da capacidade portuária, pondo também em causa a utilidade dos numerosos ramais ferroviários que
aí conduzem. Assim os contratos celebrados configuram já em si uma perspectiva de longo prazo,
através da celebração de uma parceria entre a cidade e os operadores portuários, não sendo
expectável a sua substituição, por outras empresas, no curto e médio prazo. Para mais, e conforme
foi referido por um responsável da Eurogate, os terminais desta empresa têm-se expandido de forma
orgânica, existindo diversas parcelas de terreno cujo contrato de arrendamento foi celebrado
posteriormente aos terminais originais, resultando dai a não existência de uma data única para a
cessação do contrato, mas várias, em parcelas de terreno contíguas. Estas mesmas áreas de
expansão, por serem contíguas e resultarem da expansão de cada terminal, não são sujeitas a
concurso público, sendo atribuídas directamente aos operadores portuários mediante negociação
com as autoridades da cidade. Apenas se sujeitam a concurso público projectos de desenvolvimento
em áreas inteiramente novas em que seja possível o desenvolvimento do negócio sem que surjam
conflitos (físicos ou de infra-estruturas de acesso) com terminais já existentes.
Desta forma, numa primeira análise, constata-se que existe uma abordagem por áreas portuárias
que permite que cada operador se possa expandir organicamente com uma perspectiva de longo
prazo que lhe permita amortizar convenientemente os investimentos efectuados. No caso da
Eurogate, por exemplo, refira-se que o contrato inicialmente celebrado data de 1967 e compreendia
um prazo de leasing de 30 anos, tendo sido alvo de diversas prorrogações, pelo que expirará em
2031. Refira-se que o actual plano de investimentos da empresa contempla já aquisição de
equipamentos de movimentação cujo período de amortização excede já essa data. Com efeito,
65 Caso as fundações de estacaria constituam parte do objecto arrendado a proprietária, sem indemnizações, assume os direitos de propriedade, salvo outros regulamentos acordadas no contrato. Não sendo proprietária das fundações de estacaria, a proprietária pode exigir a remoção das mesmas.
79
verifica-se que esta moldura contratual tem permitido à Eurogate efectuar profundos investimentos
de expansão e modernização dos seus terminais, em parceria com o Município de Hamburgo, como
é o caso da renovação das áreas 2 e 3 do terminal e o desenvolvimento de um novo terminal de raiz
na zona oeste do porto, com capacidade prevista para 4.000.000 TEU. Este projecto corresponderá
a um investimento de 200 a 250 milhões de euros em superestrutura e equipamentos por parte da
operadora, sendo o terreno e o cais de acostagem disponibilizados pela Municipalidade.
Dado as diferenças apresentadas ao nível do modelo de desenvolvimento dos terminais portuários
entre Lisboa e Hamburgo, julga-se ser extremamente útil identificar quais os factores contratuais (se
é que alguns!) condicionantes dos diferentes níveis de investimento (e desenvolvimento!) verificados
nos portos das duas cidades. Acredita-se que, para além das questões económicas e geográficas
(localização de Hamburgo próximo do maior centro industrial e de consumo europeu) e da maior
disponibilidade para investir das entidades públicas germânicas, existem também factores derivados
do modelo contratual adoptado que justificam (e propiciam) o maior desenvolvimento daquele porto
comparativamente com os portos portugueses.
80
8. BIBLIOGRAFIA APL, (2007). Regulamento de Tarifas APL, Administração do Porto de Lisboa. APL, (2007 b). Relatório e Contas 2007, Administração do Porto de Lisboa. APL (2007 c). Plano Estratégico do Porto de Lisboa - versão provisória de consulta, Administração
do Porto de Lisboa. AGÒS, F. (1992). Multipurpose terminal recommendations for planning and management, UNCTAD
Monographs on Port Management, United Nations. AMARAL, D.; TORGAL, L. (2002). Estudos sobre concessões e outros actos da Administração,
Almedina. AMARAL, D.; TORGAL, L. (2002). Parecer acerca da legitimidade de prorrogação do contrato de
concessão do Terminal de Contentores de Alcântara. AdC (2007). Decisão de não oposição do Conselho da Autoridade de Concorrência –
MEAS/Multiterminal, Autoridade da Concorrência. AdC (2006). Decisão de não oposição do Conselho da Autoridade de Concorrência – Mota-Engil/R.L,
Autoridade da Concorrência. AdC (2006 b). Decisão de não oposição do Conselho da Autoridade de Concorrência – Mota-
Engil/Sadoport, Autoridade da Concorrência. BAIRD, A. (2002). Privatization trends at the world’s top-100 container ports, Maritime Policy and
Management, vol. 29, n.º 3, pp. 271-284. BAIRD, A. (2002). Public goods and the financing of major European Seaports, Maritime Policy and
Management, vol. 31,. 4, pp. 375-391. BAIRD, A. (2000). Port privatisation: objectives, extent, process, a UK experience, International
Journal of Maritime Economics, vol. 2, n.º 1, pp 123-144. BROOKS, M.; BUTTON, K.; NIJKAMP, P. (2002). Maritime Transport; Edward Elgar Publishing, Inc. BROOKS, M. (2004). The governance structure of ports, Review of Network Economics, vol. 3, n.º 2,
pp. 168-184. CAETANO, M. (1974). Estudos sobre o Direito Administrativo, Colecção Jurídica Portuguesa,
Edições Ática. CONSTANTINIDES, M. (1992). Economic approach to equipment selection and replacement;
UNCTAD Monographs on Port Management, United Nations. COMISSÃO DE APRECIAÇÃO DA PROPOSTAS DO DOURO LITORAL (2007). Relatório de
apreciação, segunda fase. COMISSÃO EUROPEIA (1993). Directiva relativa à coordenação dos processos de adjudicação de
empreitadas de obras públicas, 93/37/CEE, Jornal Oficial da União Europeia, Comissão Europeia.
COMISSÃO EUROPEIA (1992). Directiva relativa à coordenação dos processos de adjudicação de
contratos públicos de serviços, 93/37/CEE, Comissão Europeia. EUROPEAN COMMISSION (2007). An Integrated Maritime Policy for the European Union, Official
Journal of the European Union, European Commission.
81
EUROPEAN COMMISSION (1997). Green Paper on Seaports and Maritime Infrastructure, Official Journal of the European Union, European Commission.
EUROPEAN COMMISSION (2001). Reinforcing Quality Service in Sea Ports: A Key for European
Transport. Proposal for a directive on market access to port services, European Commission.
EUROPEAN COMMISSION (2004). Proposal for a directive on market access to port services,
Official Journal of the European Union, European Commission. EUROPEAN COMMISSION (2001). White Paper – European Transport Policy for 2010: time to
decide, Official Journal of the European Union, European Commission. EUROPEAN COMMISSION (2007). Communication on a European Ports Policy, Official Journal of
the European Union, European Commission. EUROPEAN COMMISSION(2007). Guidelines on the application of Article 81 of the EC Treaty to
maritime transport services, Official Journal of the European Union, European Commission. EUROPEAN COMMISSION (2006). Consolidated versions of the treaty on European Union and the
treaty establishing the European Community, Official Journal of the European Union, European Commission.
EUROPEAN COMMISSION (2004 b). Green Paper on Public-Private Partnerships and Community
Law on Contracts and Concessions, Official Journal of the European Union, European Commission.
EUROPEAN COMMISSION, (1998). Competition: Case No IV/M.1020 - Ge Capital/Sea Containers,
European Commission. EUROPEAN COMMISSION (2002). Competition: Case No COMP/M.2859 – Deutsche Bahn Cargo /
Contship Italia / JV, European Commission. EUROPEAN COMMISSION, (2004 c).Competition: Case No COMP/M.3576 . ECT/PONL/Euromax,
European Commission. EUROPEAN COMMISSION, (2005).Competition: Case No COMP/M.3884.ADM Poland/Cefetra/BTZ,
European Commission. EUROPEAN COMMISSION, (1999). Competition: Case No IV/M.1674 – Maersk/ECT, European
Commission. EUROPEAN COMMISSION, (2004). Competition: Case No COMP/M.3379 - P&O/Royal
Nedlloyd/P&O Nedlloyd, European Commission. EUROPEAN COMMISSION (2005). Competition: Case No COMP/M.3829 . Maersk/PONL, European
Commission. EUROPEAN COMMISSION, (2004). Competition: Case No COMP/M.3973 . CMA CGM / Delmas,
European Commission. EUROPEAN COMMISSION, (1996). Competition: Communication -Services of general interest in
Europe, European Commission. EUROPEAN COMMISSION, (2000). Commission Interpretative Communication on Concessions
under Community Law, Official Journal of the European Union, European Commission. ESPO, (2007). Annual Report 2006-2007, European Seaports Organization.
82
ESPO, (2004). Analysis of the existing EU legal framework applying to seaports, European Seaports Organization.
ESPO, (2004 b). Directive Proposal on Market Access to Port Services - Inicial Response of ESPO,
European Seaports Organization. ESPO, (2002). Survey on the possibilities of EU financing for port-related projects, European
Seaports Organization. EUROPEAN COURT OF JUSTICE, (2002). Exclusion of Services Concessions from the EC
Directives, Public Procurement Law Review, vol.11, n.º 6. ECORYS, (2005). Complementary Economic Evaluation study on the Commission proposal for a
Directive on market access to port services - Final Report, Ecorys Transport. EMMANUEL M. (2005). Public–Private Partnerships under the Constraints of EC Procurement Rules,
Public Procurement Law Review, vol.14, n.º 6. FARREL, S. (2001). Comment: If ain’t bust don’t fix it: the proposed EU directive on market access to
port services, Maritime Policy and Management, vol.28, n.º 3, pp. 307-313. FEPORT, (2001). Feport position on proposed port services directive, Federation of European Private
Port Operators. FEPORT, (2005). Position paper on the proposal for a directive on market access to port services:
Need for a true new starting point, Federation of European Private Port Operators. FLOR, L.; DEFILLIPI, E. (2003). Port infrastructure: an access model for the essential facility,
Maritime Economics and Logistics, vol.5, n.º 2, pp. 116-132. NEUMAYER, F. (2002), Value for Money vs. Equal Treatment, Public Procurement Law Review,
vol.11, n. º 4. GONÇALVES, P., (1999). A Concessão de Serviços Públicos, Almedina. HARALAMBIDES, H.; VERBEKE, A.; MUSSO, E. (2001). Port financing and pricing in the European
Union: theory, politics and reality, International Journal of Maritime Economics, vol.3, n.º 4, pp. 368-386.
HEAVER, T.; MEERSMAN, H.; VAN DE VOORDE, E. (2001). Co-operation and competition in
international container transport: strategies for ports, Maritime Policy and Management, vol.28, n.º 3, pp. 293-305.
HUMMELS, D. (1999). Have International Transportation Costs Declined?, University of Chicago.
ICF, (2005), Economic Assistance Study on Liner Shipping, ICF Consulting.
ISEL , (2006). Public Financing and Charging – Practices of Seaports in the EU, Institute of shipping
economics and logistics. JUHEL, M. (2001). Globalisation, privatisation and restructuring of ports, International Journal of
Maritime Economics, vol.3, n.º 2, pp. 139-174. KRUGMAN, P. (1995). Growing world trade: causes and consequences, Bookings Papers on
Economic Activity, Stanford University. LANGEN, P.; PALLIS, A. (2007). Entry barriers in seaports, Maritime Policy and Management,
volume 34-5, vol.34, n.º 5, pp. 119-132.
83
MCLELLAN, R. (1997.) Bigger vessels: How big is too big?, Maritime Policy and Management, vol.24, n.º 2, pp. 193-211. MANKIW, G. (2006). Principles of Economics, 4th Edition, Western College Pub. MARQUES, R. (2005). Regulação de Serviços Públicos, 1ºEdição, Edições Sílabo. MOPTC, (2007). Orientações Estratégicas para o Sector Marítimo Portuário, Ministério das Obras
Públicas, Transportes e Comunicações. MONTEIRO, M. (2003). The concession process in the Portuguese port sector, Instituto Superior
Técnico, Universidade Técnica de Lisboa. MORI, T. (2006). The study about a strategy of global container terminal operators, Institute for
Transport Policy Studies. NOTTEBOOM, T. (2007). The changing face of the terminal operator business: lessons for the
regulator, ITMMA - University of Antwerp. NOTTEBOOM, T. (2006). The time factor in liner shipping services, Maritime Economics and
Logistics, vol.8, n.º 1, pp. 19-39. NOTTEBOOM, T. WINKELMANS, W. (2001). Reassessing public sector involvement in European
Seaports, International Journal of Maritime Economics, vol.3, n.º 2, pp. 242-259. NOTTEBOOM, T. (2002). Consolidation and contestability in the European container handling
industry, Maritime Policy and Management, vol.29, n.º 3, pp. 257-269. OSC (2005). The Proposed Directive on Market Access to Port Services and Container Terminal
Operations in Northern Europe, Ocean Shipping Consultants. OLIVEIRA, M. (2002). Parecer acerca da legitimidade de prorrogação do contrato de concessão do
Terminal de Contentores de Alcântara. OLIVER, D. (2005). Private entry and emerging partnerships in container terminal operations:
evidence from Asia, Maritime Economics and Logistics, vol.7, n.º 2, pp. 87-115. PAIXÂO, A.; MARLOW, P. (2001). A review of the EU shipping policy, Maritime Policy and
Management, vol.28, n.º 2, pp. 187-198. PENFOLD, A.; TOZER; D. (2001). Large container ship and the NPX, Boxship. PETERS, H. (2001). Developments in global seatrade and container shipping markets: their effect on
the port industry and private sector involvement, International Journal of Maritime Economics, vol.28, n.º 2, pp. 187-198.
QIU, L.; WANG, S., (2004). BOT Contracts: Incentives and Efficiency, Department of Economics,
Hong Kong University of Science and Technology. RAMOS DA COSTA, V. (1992). O transporte marítimo de linha regular e a interface portuária,
Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa. SILVA, J. (2004). Empresarialização de Serviços – Concessões, SPI – Sociedade Portuguesa de
Inovação. SOUSA, R. (2003). Contratos de Concessão: perspectiva económica, financeira e contabilística, 1º
Edição, Áreas Editora. STOPFORD, M. (1997). Maritime Economics, Routledge.
84
TAVARES, L. (2008). A questão das aquisições públicas: guia de aplicação do Código dos Contratos Públicos, OPET, Lisboa.
TIS, (2006). Estudo sobre a Plataforma Intermodal de Sines – Relatório Final. TORGAL, L. ; FONSECA, M. (2007). Parecer acerca da legitimidade de prorrogação do contrato de
concessão do Terminal de Contentores de Alcântara. TC (2007). Auditoria à Situação Económico-Financeira das Administrações Portuárias Portuguesas –
Relatório n.º 23/07 – 2ª Secção, Tribunal de Contas. TC (2007 b). Auditoria à APL – Administração do Porto de Lisboa, SA - Relatório n.º 19/2007 2.ª
Secção, Tribunal de Contas. UNCTAD (2007). Review of maritime transport 2007, United Nations Conference on Trade and
Development. UNCTAD (1998). Guidelines for Port Authorities and Governments on the privatization of port
facilities, United Nations Conference on Trade and Development. URRUTIA, B. (2006). The EU regulatory action in the shipping sector: a historical perspective;
Maritime Economics and Logistics, vol.8, n.º 2, pp. 202-221. VINTER, G. (1995). Project Finance; Sweet and Maxweel. WORLD BANK (2007). Port Reform Toolkit, 2nd edition, World Bank. WTO (2007). World trade report 2007, World Trade Organization. WIEGMANS, B.; URBELS, B.; RIETVELD, P.; NIJKAMP, P. (2002). Investments in container
terminals: public-private partnerships in Europe, International Journal of Maritime Economics, vol.4, n.º 1, pp. 1-20.
YI, K. (2001). Can Vertical Specialization Explain The Growth of World Trade?, International
Research, Federal Reserve Bank of New York.
85
ANEXOS
A.1. Sobre a evolução do comércio mundial
A procura por meios de transporte depende, em larga medida, da procura verificada nos produtos a
transportar. Pode mesmo afirmar-se que, para mercados como o do transporte marítimo de longa
distância, em que a concorrência modal é desprezável, o factor que mais influência a procura de
transporte de um determinado bem é a procura do bem em si mesmo (Ramos da Costa, 1992). Este
facto, designado em termos económicos por procura derivada, advém fundamentalmente da
desproporção do custo relativo do transporte face ao valor do bem transportado e também da
inevitabilidade geográfica da dispersão entre centros de produção e de consumo. Pelas mesmas
razões também se verifica que no transporte marítimo de mercadorias a elasticidade da procura
regista valores muito próximos de zero, implicando que alterações no preço do serviço usualmente
não afectem o nível de procura existente. Assim, de certa forma, a procura dos bens transportados é,
então, o elemento chave para determinar a procura dos serviços de transporte, sendo compreensível
a afirmação de Martin Stopford (1997) que evidencia o crescimento da economia mundial como
sendo o mais importante de entre os factores justificativos do crescimento mundial do volume de
mercadorias transportado por mar. Assim, de forma a compreender a dinâmica mundial do transporte
marítimo, importa que se analisem quais os factores determinantes do volume de comércio de uma
determinada região. A generalidade da teoria económica apresenta o volume de comércio (de uma
região ou país) como sendo função do nível de actividade económica e num menor grau, como
função da extensão do território e disponibilidade de recursos naturais. 66 A conclusão é óbvia, os
países mais ricos apresentam um maior volume de trocas, sobretudo ao nível das importações.
Com efeito, tendo em consideração o contínuo crescimento do PIB mundial e, em particular, a
aceleração verificada em 2006 (PIB mundial acelerou 3,7%, a segunda melhor performance desde
2000) impulsionada pela performance de países como a China (crescimento do PIB real em 10,2%
em 2005 e 10,5% em 2006), Índia (8.5% em 2005 e 2006) e em alguns países da Europa Central e
de Leste (Eslováquia, Romenia e Ucrânia com respectivamente 8.3%, 7.7% e 7.1% em 2006)
(ESPO, 2007), é compreensível o aumento verificado na procura por transporte marítimo de
mercadorias. De facto, no ano de 2006 verificou-se o maior aumento de sempre no comércio
marítimo mundial, tendo-se atingido os 7,4 biliões de toneladas de carga transportada (UNCTAD,
2007). O senso comum diz que grandes economias expectavelmente geram maiores volumes de
comércio externo, o que é, de facto, verdade, existindo uma relação provada entre o PIB e o volume
de importações e exportações por via marítima (vide Stopford, 1997). No entanto, este crescimento
do volume de comércio marítimo mundial não pode ser explicado integralmente pelo crescimento
económico registado. No seu relatório referente ao ano de 2007, a Organização Mundial do
Comércio (OMC) apresenta a seguinte constatação: “Since 1950, world trade has grown more than
twenty-seven fold in volume terms. This expansion has been three times faster than growth in world
66 “The volume of trade (for countries) can be explained by the level of economic activity and, to a lesser extent, by the land
area and natural resources” (Stopford, 1997).
86
GDP, which expanded eight-fold during the same period. The trade expansion was much more
pronounced for manufactures than for either agricultural products or fuel and mining products. Trade
in manufactures grew (7.5 per cent annual growth) more than twice as fast as trade in agricultural
products (3.6 per cent annual growth)” (WTO, 2007).
Conforme refere a OMC, o crescimento económico e o aumento natural da população não fornecem
uma explicação suficiente para uma aceleração tal no volume de mercadorias expedidas por via
marítima nas últimas seis décadas (figura A.1). Não explicam também o porquê do aumento do
comércio de produtos manufacturados quando comparado com o verificado em produtos agrícolas,
combustíveis e matérias-primas apresentado no quadro A.1.
Várias explicações têm sido apresentadas para este fenómeno de aceleração do comércio mundial.
Alguns autores, como Krugman (1995), apontam a redução generalizada das restrições ao nível do
comércio mundial, nomeadamente através da redução das taxas alfandegárias e da constituição de
organizações regionais de comércio,67 como sendo o motivo fundamental dessa expansão. Outros
referem a inovação tecnológica, que reduziu dramaticamente o custo do transporte das mercadorias
e garantiu sistemas de entrega mais fiáveis (Levingson, 2006). Uma terceira razão apresentada
assenta na mudança de paradigma na cadeia de produção, fruto da adopção de políticas de
especialização vertical que resultaram, em larga medida, na dispersão geográfica dos factores de
produção.
67 São exemplos de organizações regionais de comércio a MERCOSUR na América do Sul, a NAFTA entre os Estados Unidos da América, Canadá e México e a União Europeia.
Figura A.1 – Volume mundial de exportações e PIB mundial, 1950-2000 (fonte: Organização Mundial do Comércio, 2007)
87
Como pode a redução dos custos de transporte ou do peso das taxas comerciais aumentar o volume
do comércio mundial? A resposta é simples e usa um conceito básico da teoria económica: a noção
de vantagem comparativa (Mankiw, 2004). Em 1817, David Ricardo mostrou que, tanto Portugal
como a Inglaterra ganhavam com a especialização na produção daqueles produtos nos quais eram
os melhores. Para dois produtos, vinho e lanifícios, a maximização do volume total de riqueza
produzida ocorreria se a Inglaterra se especializasse na produção de lanifícios e deixasse a
produção de vinho para Portugal. Conforme refere Martin Stopford (1997), “provided each country is
more efficient at producing some goods than others, trade will be beneficial if each country
specializes in the products at which it is relatively most efficient”. Assim, sempre que recursos
limitados são usados da forma mais eficiente, mais riqueza é criada, maximizando-se o bem-estar
geral de todos os intervenientes no mercado.
A teoria proposta por David Ricardo assentou no pressuposto de que apenas os custos de produção
interessavam, isto é, que os custos de expedição do vinho português para Inglaterra ou dos lanifícios
para Portugal não entraram na sua análise. Com efeito, esta hipótese de que os custos de transporte
eram nulos “has been incorporated into economists’ models ever since, despite ample real-world
evidence that transportation costs matter a great deal” (Yi, 2001). Através da redução do custo de
transporte ou da redução de barreiras alfandegárias caminha-se no sentido da hipótese assumida
por Ricardo. Na situação limite, na ausência de custos relativos a barreiras geográficas ou políticas,
seria possível localizar a produção de cada produto no local exacto em que este poderia ser
produzido de forma mais eficiente (com menor custo). Isto aumentaria o bem-estar geral, ao
disponibilizar o maior número de produtos ao menos custo, mas implicaria também um aumento do
volume de comércio entre países, dado cada pais passar a ter um número menor de produtos
produzido dentro das suas fronteiras. 68
68 De um ponto de vista teórico, a importância da redução dos custos de transporte para a expansão do comércio marítimo parece clara. Contudo, a quantificação prática da influência destes factores na aceleração do comércio mundial permanece rodeada em discussão. Alguns autores argumentam que a redução dos custos de transporte conduziu, na melhor das hipóteses, a aumentos marginais que tiveram efeitos negligenciáveis no volume de trocas. Segundo Krugman (1999), a inovação tecnológica influenciou o comércio não pela redução dos custos de transporte, mas por proporcionar meios de comunicação e ferramentas computacionais adequadas às diferentes fases do processo de gestão: “The (…) role of
technology must rest on subtle indicators (…). One indicator is the emergence of new aspects of trade, especially those
associated with the thinner slicing of the value-chain. Arguably, before the widespread availability of computers and
telecommunications, the geographic dispersion of a complex production process was too hard to coordinate” (Krugman, 1999). Este ponto de vista é altamente contestado por Levingson, (2006). Esta autor defende que a significativa redução do custo do transporte marítimo permitiu a movimentação de manufacturas e matérias-primas a uma escala mundial. “While
attributing the vast changes in the world economy to a single cause would be foolhardy, we should not dismiss out of hand
Quadro A.1 – Crescimento do comércio por sector, 1950-2005
88
A terceira razão apresentada para a aceleração do comércio mundial refere “the changes in
economic organization, such as vertical specialization, that may have been induced by both
technological change and open markets” (WTO, 2007). Na actualidade, os produtos manufacturados
apresentam um grau de complexidade muito maior do que no passado. Em primeiro lugar, existe
uma muito maior diferenciação em termos de tipos, formas e funcionalidades. Em segundo, e mais
importante, a sua produção envolve a utilização de uma muito maior variedade de bens intermédios
(Krugman, 1995). Este segundo facto é verdadeiro desde Ford e a invenção da linha de montagem.
A diferença reside na localização das diferentes fases do processo de produção. Na actualidade
cada fase é localizada na região onde a sua produção é conseguida a menor custo, aumentando a
eficiência da cadeia de produção e tendo como consequência um crescimento do volume de
comércio intra-indústria. Considera-se que “the trend in manufacturing has been to slice up the value
chain – to produce a good in a number of stages in a number of locations, adding bit of value at each
stage” (Krugman, 1995). Desta forma se compreendem os enormes volumes de comércio existentes
entre as diferentes plataformas de produção (muitas situadas em países emergentes ou em vias de
desenvolvimento) e os grandes destinos de consumo final, verificando-se uma clara distinção entre
as fases de trabalho intensivo e as de concepção e desenvolvimento tecnológico dos produtos
produzidos. Como refere Yi (2001), o processo de especialização vertical caracteriza-se por “an
increasing interconnectedness of production processes in a sequential, vertical trading chain
stretching across many countries, with each country specializing in particular stages of a good’s
production sequence”.69
the possibility that the extremely sharp drop in freight costs played a major role in increasing the integration of the global
economy” (Levingson, 2006). 69 Segundo alguns especialistas (ver Yi, 2001), o incremento que o processo de especialização vertical introduz no volume do comércio mundial é amplificado através de uma resposta não linear a variações do custo de transporte ou das taxas cobradas ao comércio internacional. Independentemente do número de fases em que a cadeia de produção está dividida, cada um dos produtos intermédios (semi-acabados) gerados pode ser visto como um produto individual. Estes produtos manufacturados intermédios circulam através de um circuito intra-indústrias ao longo de múltiplas fronteiras internacionais durante o seu processo de produção. Assim cada vez que um destes produtos intermédios atravessa uma fronteira, incorre num custo, resultando uma resposta não linear a factores como a redução de tarifas casos os diversos elementos do produto final se sujeitem ao mesmo processo. Estudos recentes indicam que a especialização vertical pode ser responsável por cerca de um terço do crescimento do comércio mundial nos últimos 20 a 30 anos.
89
A.2. Evolução da dimensão dos navios e dos pórticos de cais.
Figura A.2 Evolução das dimensões dos pórticos de cais.
90
Figura A. 3 Evolução da dimensão dos navios porta-contentores
91
A.3. Movimentos de consolidação no mercado da carga contentorizada
As inovações tecnológicas e a expansão do comércio mundial transformaram o negócio dos
contentores numa actividade de capital intensivo. As companhias de linha regular foram forçadas a
fazer grandes investimentos para se manterem competitivas no mercado da carga contentorizada.
Esta necessidade de capital destinado à modernização dos serviços encorajou a adopção de
estratégias de consolidação entre armadores que conduziram à criação de um mercado com um
menor número de players, de grandes dimensões, a operarem a nível global. Como refere a ESPO
no seu relatório anual de 2007, “indeed, substantial take-over activity took place both on the shipping
lines’ side (where mergers have created a handful of gigantic companies controlling several hundred
ships (…). During 2006, the top-5 container shipping lines (four of which are European) controlled
43% of the total teu-capacity deployed on worldwide trade routes at mid-March 2007”.
O investimento associado ao aumento da dimensão dos navios porta contentores é de tal ordem
grande que nem mesmo as maiores linhas de navegação puderam assumir individualmente a
responsabilidade de financiar a sua construção (Peters, 2001). Também o risco associado à
operação da linha aumentou, sobretudo porque navios maiores necessitam de maiores fluxos de
carga, que deverão ser constantes de forma a garantir a regularidade da linha. Assim, a antiga forma
de operar, na qual cada companhia de navegação assumia individualmente o controlo das suas
operações, a sua estratégia comercial, a propriedade dos navios e, em muitos casos, determinava os
preços do serviço, tornou-se impossível devido aos elevados custos associados ao financiamento e
ao risco que dai advêm na fase de operação. Desta forma, no mercado de linha regular, para além
das alianças estratégicas (exemplo da Global Alliance e Grande Alliance), “most other forms of co-
operation are in fact instances of mergers and takeovers” (Heaver et al., 1999). O maior objectivo
destas concentrações horizontais é atingir economias de escala através de efeitos de sinergia
resultantes da diluição dos custos fixos por um maior volume de negócio, do aumento da capacidade
de carga e da eliminação de sobreposições na mesma rota (Heaver et al, 1999). Tipicamente, estes
movimentos de concentração surgem quando a estrutura óptima (a escala mínima de eficiência) de
uma indústria muda subitamente como resultado de uma inovação tecnológica ou da introdução de
nova regulamentação. No caso do transporte de linha regular, a consolidação das diferentes
empresas é uma consequência dos enormes volumes de capital necessário à operação de uma linha
de transporte de contentores de forma competitiva. Uma segunda consequência do aumento das
necessidades de capital disponível foi a remoção dos navios dos balanços das empresas, através da
adopção de mecanismos de leasing ou do aluguer a operadores independentes.
Também ao nível dos operadores portuários de movimentação de carga contentorizada se
verificaram intensos movimentos de consolidação durante os últimos anos (por exemplo, a aquisição
pela DP World do portfolio de terminais da CSX World Terminals (2005) e da P&O Ports (2006) por
mais de 8 biliões de dólares e a aquisição por parte da PSA de 20% da Hutchison Port Holding’s por
4,93 biliões de dólares). Juntos “the top 20 world container ports handled 208.7 million TEU, 51 per
92
cent of the world total” (UNCTAD, 2007). O grupo das maiores operadoras do sector de
movimentação de contentores é constituído pela Hutchison Port Holding (HPH), a PSA Coorporation,
a APM Terminals e a P&O Ports, tanto em termos de volume global de carga movimentada como em
termos de distribuição geográfica das suas operações. A presença destes operadores na Península
Ibérica está limitada ao Terminal XXI, no porto de Sines, explorado pela PSA Coorporation e ao
Terminal 2000 em Algeciras explorado pela APM, sendo, no entanto, de referir que a actividade
destes terminais encontra-se concentrada em actividades de transhipment. Outros operadores de
terminais portuários com forte implementação no mercado são os Dragados (ACS Group) com
terminais em Valência, Alicante e Bilbao e o Grupo TCB com terminais em Barcelona, Algeciras e
Valência. Com efeito, no que se refere ao nível de concentração do mercado, a situação dos
terminais de contentores é de alguma forma comparável à da indústria de transporte marítimo de
linha (vide figura A.4). Em larga medida, as razões que justificaram a concentração em cada um dos
mercados são as mesmas: atingir uma robustez tal que permita fazer face às crescentes
necessidades de investimento geradas pela inovação tecnológica e o crescente aumento dos
volumes de carga a transportar.70
Adicionalmente, a consolidação verificada nos terminais de contentores pode também ser vista como
“an obvious response to the concentration trend that is unfolding in container line services” (Heaver et
al., 1999) e ao inegável poder de mercado que esta concentração conferiu aos armadores ou, em
oposição, como forma de materializar uma estratégia de integração vertical entre companhias de
navegação e operadores dos terminais, através do desenvolvimento de terminais dedicados.71
70 Como referido em ESPO (2007), “one should not forget that building or extending container terminal capacity nowadays requires huge capital investments, which only very few players can afford”. 71 O estabelecimento de joint ventures para a operação de terminais dedicados é também uma politica comum.
Figura A. 4 – Presença dos cinco maiores operadores portuários europeus Fonte: (ESPO, 2007)
93
A.4. Concorrência e contestabilidade no sector portuário
A intervenção dos governos no sector portuário tem constituído terreno fértil de discussão, quer pela
natureza das diferentes politicas propostas quer pela importância que o sector tem na economia e no
bem-estar geral. Inquestionavelmente os portos apresentam um conjunto de especificidades que os
tornam um caso único, tanto pelas imposições de serviço público associadas, com pelas
condicionantes do seu mercado específico, tipicamente gerador de monopólios locais e de
externalidades positivas e negativas. Talvez seja também devido a essa multiplicidade de factores
condicionantes que actualmente na Europa é possível encontrar uma variedade de modelos de
gestão portuária, beneficiando de diferentes formas de investimento público, a competir num
mercado que se pretende que seja comum. Deste modo tem-se verificado difícil a orientação para
uma politica comum no sector, pese embora algumas tentativas goradas verificadas na última
década. São estas situações que se pretendem analisar nos próximos parágrafos.
A.4.1. Falhas de mercado no sector portuário
Entendem-se por falhas de mercado as situações em que o livre funcionamento do mercado não
proporciona a maximização do bem-estar geral da sociedade, no que se refere a um determinado
bem ou serviço. Geralmente a literatura específica apresenta quatro tipos de falhas de mercado
(Amado da Silva, 2004): existência de externalidades, existência de monopólios naturais, assimetrias
de informação e existência de bens públicos. O sector portuário é, por natureza, um terreno fértil
para existência de falhas de mercado, tendo este facto criado grande pressão sobre os governos
relativamente à definição das políticas para o sector. A discussão em volta da ocorrência de falhas
de mercado é importante para que se entenda a extensão do financiamento público nos portos e as
implicações que esse financiamento tem no mercado da carga contentorizada em geral.
A.4.1.1 Externalidades
Uma externalidade existe quando os participantes de uma transacção económica não abarcam
integralmente todos os custos ou benefícios que advém dessa transacção, ou seja, existem custos
adicionais para terceiros ou para a sociedade em geral, que não são incorporados na transacção de
mercado em si. Logo, a presença de externalidades implica que o custo/benefício e a utilidade
colectiva para a sociedade de um bem ou serviço é significativamente diferente dos benefícios
directos criados pelos participantes na transacção. Desta forma, a intervenção publica na presença
de externalidades justifica-se com base na constatação de que quando, há efeitos externos
negativos72 e não há qualquer intervenção pública nesse mercado, haverá maior venda do que
aquela que seria socialmente óptima e essa quantidade vendida sê-lo-á a um preço menor. Em
consequência, os beneficiados serão, além dos produtores, os consumidores desse bem ou serviço,
à custa de toda a sociedade (Amado da Silva, 2004).
72 A situação é análoga se os efeitos forem positivos, sendo ai o papel do estado o de fomentar a realização dessas transacção económicas para que os efeitos das externalidades positivas sem maximizados.
94
Os portos são um exemplo clássico da existência de externalidades. A poluição, o congestionamento
dos canais de acesso, o risco para a segurança de pessoas e bens e os efeitos visual negativos de
destroços e infra-estruturas obsoletas são exemplos inequívocos de externalidades negativas. Como
externalidades positivas é usual referir-se o efeito multiplicador que os portos têm na economia, as
vantagens no patrulhamento da costa e na defesa e a possibilidade de servirem como focos de
desenvolvimento de clusters tecnológicos e industriais nas áreas que os envolvem.
A.4.1.2 Existência de monopólios naturais
Na definição económica tradicional um monopólio natural existe porque os custos de produção de
um produto são inferiores quanto maior for o número de unidades produzidas, tendo como
consequência uma convergência do mercado para uma situação de operador único. Isto acontece
devido às economias de escala existentes associadas à redução do custo marginal. Se existirem
várias empresas numa indústria caracterizada por um monopólio natural, apenas a que detém a
maior cota de mercado terá incentivos a continuar, pois conseguirá os custos de produção mais
baixos. Simultaneamente, numa situação em que exista apenas uma empresa estabelecida numa
indústria caracterizada por um monopólio natural será muito difícil para potenciais concorrentes
entrar no mercado, fruto dos elevados custos da infra-estrutura de produção associados. É
precisamente devido à existência de custos fixos de entrada no mercado tão elevados que é
ineficiente ter mais do que uma empresa a operar nesse mercado simultaneamente.
Como refere o Banco Mundial, “(the) government intervention in markets of port services is related to
the unique economic characteristics of seaports, some of which tend to make them natural
monopolies” (World Bank, 2007). A construção de um novo porto requer enormes disponibilidades
financeiras devido aos elevados custos associados à construção da infra-estrutura básica. A
construção de diques, quebra-mar, cais e o aprofundamento de canais de navegação “creates large
capital operating losses and foregone investment opportunities as a result of underused capacity
during the earlier phases of a project’s life cycle” (World Bank, 2007). Adicionalmente, a longa
duração de amortização dos projectos de infra-estruturas, em muitos casos excede o horizonte
temporal aceitável para a participação dos investidores privados e bancos comerciais.
A.4.1.3 Bens públicos
Os bens públicos são identificáveis por terem benefícios que não são possíveis de restringir apenas
a um utilizador, pois a partir do momento em que estes bens estão disponíveis a sociedade em geral
pode usufruir da sua utilização. Um bem público puro tem de estar igualmente disponível a todos os
membros da comunidade (geograficamente relevante) e uma vez produzido não será possível excluir
ninguém de usufruir da sua utilização sem que se prejudique a eficiência de utilização do bem em si
mesmo. Tipicamente existem duas condições que identificam a presença de um bem público (Baird,
2004), a saber, a não rivalidade e a não exclusão.
95
Um bem ou serviço apresenta a característica de rivalidade se o seu uso por uma pessoa impede
(ou, pelo menos, diminui) a utilidade do seu uso por outra pessoa. A característica de exclusão
significa que é impossível impedir o acesso de outros ao bem ou serviço quando ele está disponível.
Um bem público partilha simultaneamente as características de não rivalidade e de não exclusão, o
que significa que é praticamente impossível cobrar pela utilização do bem mas a sua utilização por
uns não impede que outros também usufruam simultaneamente da sua utilização, sendo o seu custo
marginal de utilização zero. Saliente-se que é essencial que as características de não rivalidade e de
não exclusão sejam constantes no tempo, ou seja, que estejam presentes em todos os instantes da
vida do bem. Uma terceira condição foi recentemente incorporada na definição de bens públicos
(vide Baird, 2004). Para além da não rivalidade e da não exclusão, para que um bem público exista
uma pessoa não pode, por sua própria iniciativa, excluir-se do usufruto dos benefícios desse bem.73
Assim, e porque é impossível excluir alguém do usufruto de um bem público na base do não
pagamento, estes bens e serviços tendem a não ser satisfatoriamente fornecidos pelo mercado livre,
cabendo ao estado um papel na sua adequada disponibilização à sociedade.
O conceito de bem público tem sido uma das principais razões utilizadas pelos governos para
justificar o investimento público no sector portuário. Contudo, compreender se efectivamente os
portos apresentam características de bens públicos, ou, mais especificamente, identificar quais os
elementos físicos e serviços portuários que podem ser publicamente financiados, por esta razão, não
é uma questão consensual. Com efeito os portos constituem (e dão origem a) uma combinação de
bens públicos e privados, sendo exemplos inquestionáveis de bens públicos associados aos portos a
segurança marítima e portuária e a protecção do ambiente marinho. Outros elementos, como a
existência de canais de acesso com a profundidade adequada ou molhes e quebra-mar não são
reconhecidos por todos como sendo bens públicos. Como refere o Banco Mundial, “this dual
production of both public and private goods that complexities arise, which makes defining roles for
and boundaries between the public and private sectors challenging in the ports industry” (World Bank,
2007).
Alguns autores distinguem os serviços portuários em dois tipos: serviços como a pilotagem, reboque,
amarração, carga e descarga e armazenamento, para os quais os custos do serviço prestado podem
ser facilmente recuperados pelas receitas cobradas e os serviços gerais do porto, tais como os
serviços de apoio à navegação, serviços de fiscalização e controlo e serviços de manutenção de
canais e bacias de rotação, os quais são utilizados por todos os navios do porto e para os quais
existem custos comuns. Neste segundo grupo de serviços é muitas vezes apresentado como tendo
características de um bem público, sendo este o ponto de vista defendido por Notteboom e
Winkelmans (2001): “there are good reasons to accept a kind of subsidization of maritime access
channels and sea locks provided they meet the (…) basic conditions of a public good”. Este
argumento é baseado na ideia de que “ the maritime access channels (including sea locks) can
73 Um exemplo clássico muitas vezes apresentado para explicar estas condições é o do farol (Baird, 2004): “all passing
ships benefit from its light which is available to each of them regardless their number (…) It is also impossible for a passing
ship to avoid seeing its light”.
96
comply to the characteristics of a public good, when they generate time benefits to all deep-sea
vessels and/or all categories of merchandise to be loaded in the seaport”. Outros argumentam que a
grande maioria das infra-estruturas portuárias “don’t fit at all well with any of the three distinct
conditions that might justify the presence of public goods” (Baird, 2004). Os navios que utilizam um
determinado canal de navegação são facilmente identificáveis sendo-lhe facilmente imputável o
custo relativo às dragagens de aprofundamento e manutenção desse mesmo canal. Adicionalmente,
a maioria dos portos, sobretudo a nível europeu, serve um hinterland alargado onde existe um
número de possíveis competidores, sendo sempre possível recusar a utilização de um dado porto
em benefício de outro, concorrente. Referindo-se aos portos do Reino Unido, Baird (2004)
argumenta: “UK port privatisation experience (…) serves to confirm that such costs can indeed be
recovered through user charges (e.g. through light and conservancy dues applied to vessels) (…). To
freely offer users a dredged channel described as a public good is really no more than a political
decision as there is clearly evidence, particularly from the UK, that the market is able to provide a
deepwater channel and make an economic return from it.”
Este debate ganha importância adicional na União Europeia, onde a intervenção dos governos numa
indústria portuária orientada para a competição no mercado, justificada com base na existência de
externalidades e bens públicos, é referida como uma vantagem competitiva para os portos
financiados. A Comissão Europeia, no Livro Verde para o sector portuário (COM (1997) 678) refere
que a subsidiação de infra-estruturas portuárias (resultado da intervenção de organismos públicos)
envolve crescentes distorções da competição a nível nacional e supra-nacional em vários Estados
Membros. Obviamente que na Europa, num clima de intensa concorrência, se um dos portos em
competição no mercado recebe fundos públicos para a construção ou manutenção de algumas das
suas infra-estrutura irá gozar de uma vantagem sobre os outros portos concorrentes, sejam eles
públicos ou privados, que não têm outra alternativa senão reflectir todos os custos em que incorrem
nas taxas cobradas ao utilizador. Adicionalmente, Baird (2004) refere outro tipo de distorção e
ineficiência resultante do financiamento público dos portos. Segundo este autor, portos situados em
estuários e planícies de aluvião pouco profundos (exemplos de Hamburgo, Antuérpia, Roterdão, Le
Havre) requerem um investimento muito intenso investimento em dragagens de manutenção
periódicas de modo a permanentemente garantirem o acesso de navios de grande calado. Estes
portos apenas permanecem competitivos graças ao apoio das autoridades regionais e nacionais,
apoio esse que é compreensível dado o grau de importância que esses portos têm nas economias
locais. Contudo, considerando o espaço europeu como um todo, este comportamento é fonte de
grandes ineficiências para o sector portuário europeu: “(…) given the absence of a common
European policy in respect of infrastructure financing at major ports, how can we ensure that public
financing of seaports that is decided at local and/or national levels is optimal for the whole region?
(…) It is certainly the case that most national and local governments will seek to expand ports within
their jurisdiction. They will do this on the basis of the ‘public-good’ and ‘value-added’ arguments,
irrespective of how poorly defined and unconvincing such arguments may in fact be” (Baird, 2004).
97
Desta argumentação pode concluir-se de forma clara que, para que alguma coisa seja considerada
um bem público, e independentemente da discussão acerca das suas características intrínsecas, é
necessária legitimidade politica. Com efeito, a ausência de uma moldura legal orientadora do
financiamento portuário origina o desenvolvimento de politicas locais/nacionais que se podem
verificar inapropriadas a nível comunitário. Seguindo esta linha de raciocínio a Comissão Europeia,
na recente Comunicação sobre uma Politica Portuária Europeia (COM (2007) 616) expressou a
intenção de apresentar linhas orientadoras acerca dos auxílios do estado ao sector portuário durante
o ano de 2008. Contudo, a argumentação de que o financiamento estadual constitui uma fonte de
ineficiências para o sector portuário europeu ignora todo o background histórico que permitiu que
alguns portos prosperassem em zonas muito interiores (como Antuérpia e Hamburgo) mas também,
e sobretudo, o contexto económico e social que envolve esses portos. Não se deve pensar apenas
que os custos de manutenção (sobretudo dragagem) seriam inferiores noutros portos mas também
que alguns desses portos iriam necessitar de muito maiores investimentos para serem dotados do
mesmo tipo de ligações com o hinterland e de forma a poderem prestar o mesmo nível de serviço
aos clusters industriais e tecnológicos que se desenvolveram nas sua imediações. Assim, considera-
se que a transição para portos em zonas mais profundas poderá conduzir a ganhos de eficiência,
sobretudo atendendo ao crescente aumento da dimensão dos navios, mas sempre numa perspectiva
de muito longo prazo de forma a permitir a adaptação da realidade sócio-económica da região em
causa e a adaptação das infra-estruturas adjacentes necessárias. Considera-se que centrar a
discussão se existem ou não bens públicos nos portos pode ser bastante enganadora. Deve ser
evidenciado que a possível existência de falhas de mercado não é a única razão para a existência de
investimento governamental no sector portuário. A discussão sobre o que são bens públicos é pois
um bom ponto de partida para se perceber o envolvimento dos governos no sector mas não deve ser
confundido com a justificação integral desse envolvimento, como se verá de seguida.
A.4.2. Regime de exploração dos terminais portuários
A imposição da exploração de Terminais Portuários “em regime de serviço público” nos contratos de
concessão de serviços portuários de movimentação de carga é uma prática transversal, em Portugal,
a todos os contratos celebrados. Este conceito necessita, contudo, de ser clarificado, uma vez que
assume diferentes significâncias dentro do léxico legal português. Conforme refere Gonçalves “o
Serviço Público continua (…) a ser um conceito controverso ou polémico, que ora é ainda
considerado o eixo central do direito administrativo ora é apresentado como um instituto desprovido
de qualquer valor jurídico”. Frequentemente, o conceito de serviço público aparece ligado a uma
actividade subjectivamente administrativa ou seja “o serviço público representa o conjunto de toda a
actividade administrativa entendida esta como toda a actividade exercida segundo um regime de
direito público, pelas organizações integradas na Administração” ou de um concessionário seu. Esta
definição, conforme Gonçalves a definição subjectiva de serviço público, reporta à noção de serviço
público como a actividade de que a Administração é titular e por cujo exercício é responsável.
Saliente-se que esta responsabilidade pelo serviço prestado pode ser entendida como uma
98
responsabilidade de execução do serviço em si ou uma responsabilidade de garantia da prestação,
situação em que a Administração tem a responsabilidade de garantir o fornecimento do serviço, que
pode ser prestado por uma entidade privada mediante concessão. Uma segunda concepção para
serviço público, também ela frequentemente usada, refere o serviço público como associado a
qualquer “actividade de interesse geral que satisfaz necessidades básicas dos cidadãos”, não se
introduzindo quaisquer considerações acerca da natureza pública ou privada das actividades
abrangidas. Esta noção constitui o que Gonçalves chama o Serviço Público em sentido objectivo.
Apresentadas estas duas concepções vigentes para a noção de “Serviço Público”, importa
esclarecer qual o sentido da referência à implicação da exploração “em regime de serviço público”
dos terminais portuários expressa nos contratos analisados. Importa também esclarecer quais as
obrigações contratuais resultantes dessa imposição bem como examinar a adequação das praticas
actualmente verificadas no sector da movimentação de carga às referidas imposições de serviço
público. Ora, a actividade económica de exploração de portos marítimos é uma actividade reservada
ao Estado nos termos do artigo 1.º, alínea d), da Lei n.º 88-A/97, de 25 de Julho (conhecida por “Lei
de Delimitação de Sectores”). Neste sentido, e como refere Lino Torgal (2007), atente-se igualmente
no teor do Decreto-Lei n.º 298/93, de 28 de Agosto (diploma que estabelece o regime jurídico da
operação portuária), que começa por declarar, no seu artigo 3º, n.º 1, o interesse público da
prestação ao público da actividade de movimentação de cargas (ou seja, da operação portuária),
determinando de seguida, no seu artigo 3º, n.º 2, que a operação portuária pode ser prestada ao
público ao abrigo de concessão de serviço público adjudicada a empresas de estiva ou a quaisquer
outras pessoas que reúnam as correspondentes condições de licenciamento. Encontramos aqui
subjacente a noção subjectiva de serviço público, ou seja a clara referência a que a actividade de
operação portuária é uma actividade económica vedada a empresas privadas, salvo quando
delegada, mediante concessão, sem que o Estado (neste caso um dos seus organismos – a
Administração Portuária) deixe de ter a responsabilidade última do serviço prestado –
responsabilidade de garantia da prestação. Cremos ser este o entendimento subjacente à noção de
serviço público presente no clausulado dos contratos.
O regime jurídico subjacente à imposição de serviço público, na sua noção subjectiva (que, como se
verá abaixo, se reflectiu num conceito mais lato de serviço universal, transversal aos sectores
público e privado), é “regido por um conjunto de princípios e normas jurídicas de direito
administrativo cuja aplicação não depende do sujeito encarregado da respectiva gestão e
exploração” (Gonçalves, 1999). Assim, uma actividade de serviço público é regulada por três
princípios fundamentais, designadamente o principio da igualdade de tratamento, que impede a
existência de tratamento preferencial; o princípio da continuidade, ligado à necessidade do
funcionamento regular e continuo do serviço em causa e o princípio da adaptação, que obriga o
serviço a ser gerido de acordo com as técnicas mais avançadas disponíveis.
99
Com efeito, estes princípios de serviço público acabaram por se expandir, adquirindo autonomia do
serviço público em si e dando origem a um conceito mais lato, o conceito de serviço universal. Como
serviço universal entende-se o conjunto de princípios e de obrigações que determinados serviços –
sejam eles públicos ou privados – deverão cumprir de forma a serem acessíveis a todos os cidadãos
a preços razoáveis. De certa forma, pode considerar-se o equivalente à definição objectiva de
serviço público apresentada por Gonçalves. Por outras palavras, o conceito de serviço público tem
sido utilizado ora em sentido subjectivo – actividades prestadas pelo Estado – ora em sentido
objectivo – designando os princípios de serviço universal. De facto, os princípios que regem o
serviço universal (Gouveia, 2001) são equivalentes aos apresentados para o serviço público, com a
particularidade de considerarem também situações de concorrência pelo fornecimento do serviço.
Assim, baseando-nos no referido estudo, os princípios do serviço universal são:
- Universalidade ou acessibilidade: Como não poderia deixar de ser, o serviço universal só fará
sentido se respeitar o princípio da universalidade. Pode-se assim definir o princípio da universalidade
como a exigência de que os serviços sejam acessíveis a todos os cidadãos. Daqui resultam algumas
implicações, nomeadamente ao nível da não discriminação pelo preço ou pela localização
geográfica. Com efeito, o acesso aos serviços deverá ser feito a um preço acessível, uma vez que o
preço do serviço é um dos principais factores potenciais de exclusão dos cidadãos. Assim, devem
existir normas que permitam um controle da fixação dos preços e tarifas, bem como a salvaguarda
da prestação do serviço a pessoas que não disponham rendimentos suficientes.
- Igualdade: devem existir normas que garantam o acesso dos utilizadores, em condições de
igualdade, aos serviços em regime de serviço universal. Este princípio impõe-se, uma vez que é
necessário garantir que o acesso a serviços essenciais à vida, à saúde ou à participação social não
possa ser negado a determinados utilizadores de forma discriminatória ou sem motivo justificado e
previamente estabelecido.
- Continuidade: este princípio traduz-se pela necessidade de impor normas claras de que o
fornecimento dos serviços de interesse geral não seja interrompido sem justificação atempada, salvo
casos de força maior ou em circunstâncias precisamente definidas.
- Adaptabilidade: Este princípio traduz-se pela necessidade de os serviços de interesse geral
acompanharem o progresso técnico e tecnológico, bem como as alterações sociais, designadamente
no que diz respeito às necessidades dos utilizadores desses serviços.
- Livre concorrência: é necessário assegurar que os serviços em causa sejam fornecidos pelo maior
número possível de fornecedores de forma a permitir uma maior liberdade de escolha por parte dos
utilizadores impedindo ou prevenindo, o mais possível, a formação de monopólios, quer públicos,
quer privados. De forma a promover a livre concorrência, existem duas vertentes a considerar, a
100
saber, a liberdade de acesso ao mercado e a existência de mecanismos independentes de
regulação.
Analisando as concessões de serviço público de movimentação de carga à luz dos princípios
apresentados constata-se existirem alguns pontos divergentes entre aquilo que são os princípios de
serviço universal e as práticas existentes na gestão de terminais portuários de movimentação de
carga. Primeiramente, salienta-se a extrema competitividade do sector, fruto das complexas redes
logísticas que se estabelecem entre os portos e o seu hinterland. Exceptuando algumas (raras)
situações em que, devido à especificidade da carga transportada ou ao extremo isolamento
geográfico, se verificam situações de monopólio, o sucesso de um porto assenta, em larga medida,
na estratégia comercial de captação de cargas que segue. Uma das vertentes dessa competição
traduz-se na intensa necessidade de investimento verificada no sector que tem conduzido a um
aumento da competição inter-portuária em prejuízo da competição dentro do mesmo porto. Assim, a
estratégia comercial agressiva e a constante modernização dos processos e equipamentos surgem
como o principal garante do sucesso de uma infra-estrutura portuária.
Uma das práticas vulgarmente aceites no sector é a diferenciação de preços entre armadores em
função do volume de carga movimentado e da frequência das escalas. As tarifas acordadas com a
Administração Portuária reportam sempre a valores máximos praticados para cada carga. Desta
forma, existe alguma flexibilidade, por parte da Concessionário, em praticar preços mais favoráveis
caso o navio em causa pertença a uma linha comercialmente atractiva para o Terminal. Também a
ordem de entrada no porto não é necessariamente a ordem de acostagem, uma vez que é frequente
conceder-se prioridade a algumas linhas de maior importância. Efectivamente, é mesmo frequente a
celebração de contratos com determinados armadores em que o operador do terminal, mediante a
garantia de um determinado volume de carga movimentada mensalmente, assegura a
disponibilidade de uma extensão de cais para atracar e uma determinada produtividade nas
operações de carga e descarga (através da alocação de um número mínimo de pórticos
correspondendo a um número mínimo de movimentos/hora) bem como tarifas mais apelativas. Com
efeito, estas práticas comerciais abrangem até a própria Autoridade Portuária. O regulamento de
tarifas do Porto de Lisboa, por exemplo, estabelece que “os navios integrados em serviço de linha
regular, aprovado previamente pela APL, S.A., e que nos 365 dias de calendário imediatamente
anteriores ao da escala em questão tenham totalizado nesse período o número de escalas
compreendidas nos escalões (…) indicados, poderão beneficiar (…) (de) reduções”.
Não se questiona aqui a legitimidade da opção de reserva de acesso, por parte de autoridades
privadas, à actividade económica de exploração de portos (lei 88-A/97). Efectivamente, mesmo
reafirmando a incontestável vertente comercial do sector, a realidade é que os terminais de
contentores se situam em áreas do domínio público hídrico com características físicas muito próprias
e difíceis de replicar, constituindo bens escassos e dispersos geograficamente, e, portanto, áreas
comuns às quais o acesso dos cidadãos não deve ser negado. Da mesma forma, dada a
101
“importância fundamental que os portos têm para o Pais” (Decreto-Lei n.º 298/93) e para o comércio
externo em particular, compreende-se a existência de algumas exigências de serviço universal
acessórias ao regime de serviço público74.
O que se defende é que a componente de serviço público das actividades de operação de carga
portuária tende a desviar excessivamente a orientação daquilo que é a vertente comercial da
actividade. Deve ter-se sempre presente que os portos são apenas um de muitos elos dentro das
modernas cadeias logísticas e, diga-se mesmo, o único elo com exigências de Serviço Público – com
as consequentes obrigações que isso acarreta – dentro dessa cadeia. Esta característica torna-os
particularmente diferenciáveis de outros serviços, como o serviço de abastecimento de água às
populações ou os serviços postais, que servem directamente os cidadãos, beneficiário último da
prestação do serviço público.
A.4.3. Apontamentos acerca da concorrência no sector portuário europeu
A crescente consolidação verificada entre as empresas de linha limitou o mercado a um número
reduzido de empresas de navegação de grande dimensão, extremamente exigentes ao nível do
serviço prestado, gerando pressão adicional sobre os terminais portuários. Para dar resposta a estas
exigências são necessários investimentos de elevada magnitude que apenas se são possíveis
através de operações de integração horizontal, também ao nível da operação portuária, entre as
diferentes empresas de estiva. Como refere Notteboom (2002), “increased proportion of fixed costs
among total terminal operating costs, caused by ever higher initial capital expenditure on cranes,
information technology and deepwater ports, can be considered as a major cause for the process of
consolidation in the European container handling business”. Adicionalmente, este movimento de
consolidação foi também favorecido pela longa duração dos contratos de exploração dos terminais,
uma vez que, dada a impossibilidade de crescer organicamente, a aquisição de empresas
concorrentes se tornou uma forma muito popular de aumentar a cota de mercado (por exemplo, a
PSA Corp., a Eurogate e a HPH aumentaram a sua rede de terminais na Europa, parcialmente
devido a aquisições e joint ventures com operadores de menor dimensão). Este processo de
concentração no mercado da movimentação de carga está a gerar um intenso debate entre a
comunidade portuária porque há o risco de que uma excessiva concentração no mercado possa
74 Poderia também falar-se, mais correctamente, de um serviço de interesse económico geral. Segundo a Comissão Europeia os serviços de interesse económico geral são aqueles que satisfazem necessidades básicas, de natureza económica dos cidadãos, ou seja, são uma subespécie do conceito mais amplo de serviços de interesse geral. De facto, como refere a Gouveia (2001), o serviço de interesse geral não é uma tarefa por cujo exercício a administração pública seja responsável, ele poderá ser prestado por entidades privadas. Aliás, é precisamente pelo facto de se considerar que a administração pública deixou de ser responsável pela execução destes serviços que nasce o conceito de serviço de interesse geral para preencher o “vazio conceptual” deixado. É claro que os serviços públicos são actividades de interesse geral, uma vez que revestem um carácter de essencialidade para os cidadãos, mas não é esse o aspecto determinante para a sua qualificação. Podemos então afirmar que os serviços públicos são serviços de interesse geral executados pelo Estado ou pelos poderes públicos. Por outras palavras, o conceito de serviços de interesse geral abarca o conceito de serviços públicos. Não obstante, os termos “serviço público” e “exigências de serviço público” têm sido utilizados para designar os princípios e obrigações que visam assegurar o acesso de todos os cidadãos a esses serviços. O que é do entendimento comum, embora que por vezes mal expresso, é que todos os serviços de interesse geral devem ter algumas exigências de serviço universal, como uma forma de obstar a efeitos indesejáveis da actuação das regras do mercado.
102
provocar situações de comportamentos monopolistas. Como referem De Langen e Pallis (2007) “the
words concentration and consolidation may initially provoke associations with the abuse of market
power and monopoly rents”. Em particular, Notteboom (2002) refere dois riscos associados à
formação de monopólios, designadamente, a emergência de posições dominantes a nível regional
(na Europa cinco operadores dominam os serviços de movimentação de carga contentorizada) e a
existência de posições dominantes dentro de cada porto.75 A teoria dos mercados contestáveis
sugere que é possível usufruir dos benefícios da competição sem que existam grande número de
players no mercado, e assim, garantir a eficiência em mercados quasi-monopolistas, como é o caso
da industria consolidada de operação de carga portuária. Segundo esta teoria, se um mercado é
perfeitamente contestável, o que significa que novos competidores podem livremente e sem
restrições entrar no mercado, então, como refere Notteboom (2002), “the threat of competition by
potential entrants would force incumbent firms to behave competitively”. Segundo Carlton and Perloff,
(citados em De Langen e Pallis, (2007)) uma barreira à entrada é alguma coisa que impeça um
empreendedor de instantaneamente criar uma nova empresa no mercado ou um custo em que
tenham de incorrer todos os novos incumbentes, cujos operadores já estabelecidos no mercado não
tenham de suportar. O mesmo autor classifica barreiras à entrada em três grupos, a saber, barreiras
económicas, barreiras regulatórias/institucionais e barreiras geográficas.
De entre as barreiras económicas este autor salienta a vantagem que advêm das economias de
escala resultantes de um maior volume de operações de movimentação de carga. Os novos
concorrentes enfrentam uma desvantagem competitiva sempre que “the minimum efficient scale of
port service providers is large compared with the market size” (De Langen e Pallis, 2007),
verificando-se na actualidade que a maioria dos portos europeus apresenta dificuldades em ter mais
do que um competidor dentro do porto, dado que a escala das operações é simplesmente
demasiado pequena para que isso seja viável. Na impossibilidade de existir mais de uma empresa a
operar num porto, é essencial, segundo a teoria dos mercados contestáveis, que se fomentem
procedimentos de adjudicação o mais universais e independentes e que não constituam em si
mesmos um entrave à entrada de novos operadores. Por exemplo, é essencial que o contrato
celebrado com a entidade privada preveja a duração adequada de concessão do terminal. Para que
um novo operador equacione a sua potencial entrada no porto têm de existir garantias de que o
capital por ele investido poderá ser ressarcido durante o período de exploração ou, alternativamente,
transferido para um outro uso em caso de saída precoce do mercado. Os custos fixos num terminal
de contentores são comparativamente muito altos face aos custos de operação, sendo as economias
de escala de extrema importância. Assim, os potenciais novos concorrentes são sempre
confrontados com o elevado investimento inicial (por exemplo, em pórticos de cais). Não dispor de
tempo suficiente para convenientemente recuperar estes custos é uma grande desvantagem face ao
75 Esta distinção ilustra os diferentes níveis de competição que podem existir no sector: a competição interporto surge quando dois portos da mesma área geográfica competem pela captação de carga. A competição intraporto refere-se a situações em que dois ou mais operadores competem pela movimentação de carga dentro de um mesmo porto. A competição intraporto pode não ser sempre possível, porque depende da existência de um volume mínimo de carga disponível que garanta a cada operador o lucro suficiente para a manutenção do negócio. A escala mínima de eficiência para que exista competição interporto depende da dimensão do hinterland atribuível a cada porto.
103
operador instalado no porto, especialmente em situações em que o tempo de vida útil de um
equipamento é muito superior ao seu tempo de vida económico. Inversamente, a adopção de
períodos de concessão excessivamente longos também é desaconselhável, por constituir em si
mesmo uma barreira à entrada (do tipo regulatório), fornecendo ao operador instalado um grau
excessivo de protecção face à concorrência. Obviamente que deverá existir um factor de risco
inerente a exploração da concessão, o que se refere é que esse risco não deve ser excessivamente
incrementado (ou reduzido!), fruto da adopção de durações desadequadas do período de concessão.
Também os investimentos do estado em infra-estruturas de interesse público dúbio podem constituir
barreiras à competição pelo mercado, especialmente em terminais que deles beneficiam durante
longos períodos de tempo, fruto de politicas de investimento governamentais. A cessação destes
apoios ou os custos resultantes de mudança de operador em situações em que estes benefícios
foram muito explícitos são também entraves à contestabilidade do mercado.
Com o objectivo minimizar os efeitos indesejáveis resultantes das imperfeições do mercado dos
terminais de contentores a Comissão Europeia propôs duas versões de uma Directiva relativa ao
acesso ao mercados de serviços portuários ((COM (2001) 35) e (COM (2004) 654)), comummente
designadas por Port Package I e Port Package II, frisando a necessidade de dotar o panorama
europeu de uma moldura regulatória que introduzisse no sector portuário “more systematic rules on
access to the port services market in ports with international traffic, while taking into due
consideration the maritime safety and environmental requirements and, where appropriate, public
service obligations as well as recognizing the diversity of the ports in question” (COM (2004) 654). O
principal objectivo desta directiva era, nas palavras da Comissão, “to increase competition in ports
and to insure that providers of port services and self handlers, (…) have non discriminatory access to
port infrastructure that is generally accessible, to the extent necessary for them to carry out their
activities” (COM (2004) 654). A proposta visava todos os serviços de pilotagem, reboque,
movimentação de carga (incluindo carga, descarga, estiva, armazenagem e transhipment) e serviços
de transporte de passageiros fornecidos mediante pagamento, em portos com volumes de tráfego
marítimo médio não inferiores a 1,5 milhões de toneladas de carga ou 200.000 passageiros, durante
os três anos anteriores (na primeira versão o critério era 3 milhões de toneladas ou 500.000
passageiros).
Era objectivo da comissão que, passados dezoito meses sobre a entrada em vigor da Directiva,
todos os prestadores de serviços portuários num porto operassem com base em autorizações de
actividade concedidas pela Autoridade Portuária. O sistema proposto permitia a concessão de uma
licença sem que para isso fossem necessários quaisquer requisitos adicionais. No entanto, também
previa “the possibility for this to be done through a selection procedure either if a port authority so
decides and/or an existing (or new) service provider so asks” (COM (2004) 654). A ideia subjacente a
este processo era criar um mercado mais contestável onde os potenciais novos concorrentes ou a
autoridade portuária pudessem questionar o serviço prestado pelos actuais operadores. Partindo do
pressuposto de que a fase de concurso é baseada em processos de selecção transparentes, não
104
discriminatórios e objectivos, o resultado teórico expectável desta medida seria a maximização dos
benefícios sociais resultantes da exploração dos terminais de carga. Na última versão da proposta
(Port Package II), as autorizações de prestação de serviço tornaram-se obrigatórias.
O número de autorizações concedidas era apenas restrito pelo espaço existente no porto e por
questões de segurança e ambientais sendo que, em caso de limitação no número de licenças, a
Directiva explicitamente indicava que “the competent authority must allow the highest number of
service providers appropriate under the circumstances” (COM (2004) 654). Foi também imposta uma
separação entre funções de promoção (landlord) e de prestação de serviços nos casos em que a
autoridade portuária desejasse ser prestadora de serviços em competição com outras empresas
privadas. Nesses casos deveria ser designada uma entidade independente para assumir as
responsabilidades de selecção e supervisão do processo de atribuição da respectiva licença de
prestação de serviços. Cada autorização seria concedida por um período limitado de tempo. Nos
casos em que não existissem investimentos significativos o período máximo seria de 8 anos (5 anos
no Port Package I). Quando o prestador do serviço tenha investido em bens móveis considerados
significantes pela autoridade competente o período máximo aumentaria para 12 anos (10 anos no
Port Package I). Por ultimo, em casos em que se efectuem investimentos em infra-estrutura ou em
bens móveis de capital comprável, tais como pórticos de cais ou de parque, rebocadores outro
equipamento pesado, a duração máxima proposta da autorização seria de 30 anos (25 no Port
Package I), “irrespective of whether or not their ownership (would) revert to the managing body of the
port” (COM (2004) 654). Também a necessidade de conseguir uma maior transparência no
financiamento estadual foi mencionada no texto, comprometendo-se a comissão a, decorrido um ano
da entrada em vigor da Directiva, apresentar directrizes comuns sobre o os apoios do estado de
cada Estado Membro ao sector portuário e avaliando a sua compatibilidade com o mercado comum.
Ambas as versões da directiva geraram grande discussão e controvérsia entre a comunidade
portuária, tendo sido rejeitadas por escassos votos pelo Parlamento Europeu após longos períodos
de debate. Alguns, como De Langen e Pallis, 2007 manifestaram-se a favor do documento: “Policy
reform that promotes transparent concession procedures, forbids exclusive contracts, and ensures
the absence of discrimination is also relevant for reducing entry barriers. Reducing the (maximum)
duration of authorizations and concessions also lowers entry barriers, and rent-seeking opportunities.
Concessions and/or authorizations need to be sufficiently long to allow companies to recover their
fixed investments and earn a normal return on their investments. However, excessively long durations
limit opportunities for entry and reduce the dynamism in the sector. (…) The reduction to maximum
durations of 8, 12, and 30 years respectively, as suggested in the EU port policy proposals, would
certainly lower entry barriers.” Por outro lado, diversas associações do sector expresaram o seu
desacordo com a proposta, argumentando que “the present text does not contribute to efficiency, nor
to enhancing competition” (Feeport, 2005) e que “the new Directive proposal is of such a complex
nature that, when implemented (…) could provoke unnecessary commercial and legal uncertainty
(leading to the reduction of private investment in ports)” (ESPO, 2005). Apesar de existir uma obvia
105
tendência para defender os interesses instalados, algumas criticas destas organizações foram
corroboradas por académicos, como Farrell (2005) -” the Directive could produce some disturbing
structural changes in the European ports industry which do not necessarily support the Commission’s
admirable objectives” e por políticos, como Brie (2006) - “this Directive is detrimental to the economy,
because additional charges are imposed on the firms, their planning security sinks, and the economic
strength of the port location is being weakened”.
De facto uma das maiores fraquezas apontadas a esta proposta foi a ausência de um regime de
transição adequado aplicável a todos os contratos existentes celebrados antes da entrada em vigor
(eventual) da Directiva. Os operadores portuários argumentaram que os contratos existentes
(concessão, leasing), celebrados à luz das leis em vigor, conferiam direitos legítimos de exploração
dos terminais portuários. Seria extremamente ruinoso para os contratos recentes a possibilidade da
realização de novos concursos em tão curto espaço de tempo (36 meses) caso um qualquer novo
concorrente assim o desejasse. Da mesma forma, as autoridades portuárias não deveriam ter o
poder de revogar contratos já celebrados desde que fossem cumpridas as condições expressas
nesses mesmos contratos. Ambas as versões da Directiva apresentam também algumas falhas
quando se considera a competição por uma nova posição no mercado, fundamentalmente devido ao
excessivo enfoque que a Comissão coloca na maximização do número de possíveis operadores a
operar num porto. Esta abordagem pode ser encarada como uma barreira ao acesso ao mercado, na
perspectiva dos operadores já existentes no porto uma vez que aparentemente estas empresas
estariam em desvantagem quando concorrendo contra qualquer outsider, não levando em linha de
conta o seu profundo conhecimento da realidade portuária e independentemente da qualidade da
proposta apresentada e das garantias dadas pelo serviço já prestado no porto. Tendo estes factos
em consideração, seria desejável incluir nos critérios de selecção de um novo operador
“considerations of the past performance of any incumbents. This would act as a strong incentive for
improved performance during an existing contract, and also give some weight to users’ and
employees’ desire for stability, something which is frequently neglected in the search for greater
efficiency” (Farrell, 2001).
A perspectiva do aumento do número de operadores num porto também dificulta a obtenção de uma
massa critica necessária à maximização da eficiência dos terminais portuários. Analisando os portos
do Norte da Europa, a consultora Ocean Shipping Consultants conclui que devido às referidas
economias de escala existentes nos terminais de contentores, existem muitas situações em que a
competição tende a ocorrer entre portos e não entre terminais do mesmo porto. Conforme foi referido
anteriormente neste trabalho, nos últimos anos verificou-se uma considerável concentração nas
companhias de linha regular associada ao aumento da carga transportada, a que os terminais
portuários têm de dar resposta. De acordo com o mesmo estudo, “major lines and groupings require
capacities of between 0.5 and 1 million TEU per annum at front rank regional container ports (and
some generate considerably larger demand). It will be vital for a port to provide the capabilities to
handle such demand” (OSC, 2005). Assim, por razões económicas associadas aos efeitos de escala,
106
faria muito sentido restringir o número de operadores em cada porto desde que fosse possível
garantir à Autoridade Portuária que as economias de escala geradas estavam efectivamente a ser
passadas para os utilizadores através da cobrança de menores taxas. Definitivamente a separação
das actividades de estiva não constitui a forma mais adequada de atingir essas economias de escala
e de assim atingir os níveis de serviço exigidos pelos clientes do porto. Também a articulação dos
investimentos associados, por exemplo, à integração em grandes cadeias logísticas se torna mais
difícil com a presença de muitos players num porto, pois exige a conciliação de um maior número de
interesses. A questão fundamental que se coloca é se a competição intraporto deve ser considerada
uma condição essencial para a eficiência do sector. Nas palavras de Notteboom e Winkelmans
(2001), “will the port become less efficient if a port authority or central government discourages new
entries in the local port industry and/or it even allows local monopolies to be developed”? De facto,
muitos portos, devido a restrições económicas ou geográficas são conduzidos a situações de
operador único, monopolista. Contudo, em ambientes muito competitivos, como a zona Hamburgo/Le
Havre os operadores monopolistas (de cada porto!) são obrigados a adoptar preços muito
competitivos e a continuamente melhorarem e inovarem nos serviços prestados, apesar de não
existir competição intraportuária e de existirem mesmo enormes barreiras à substituição dos
operadores actuais, fruto da duração dos contractos celebrados e da integração das empresas
concessionárias em redes logísticas de distribuição mais alargadas, das quais são também
proprietários. Por outras palavras, a atribuição dos serviços de movimentação de carga
contentorizada a um só operador não resulta necessariamente em lucros supra-normais caso o porto
esteja sujeito à competição externa de empresas a operarem noutros portos.
Uma outra questão que gerou bastante controvérsia nesta Directiva foi a imposição de durações
fixas e datas de cessação contratual arbitrárias para todos os contratos de leasing e de concessão
celebrados. Geralmente aceita-se que a duração da concessão (ou do leasing) deverá ser definida
em de forma a permitir uma adequada amortização do investimento efectuado, logo a limitação dos
prazos de concessão limitaria o volume de investimento passível de ser efectuado durante um
período de concessão. Adicionalmente, pode surgir a necessidade de serem feitos novos
investimentos no decurso do contracto, fruto de alterações tecnológicas ou operacionais no mercado.
Neste caso a duração remanescente do contracto não permitirá recuperar o investimento efectuado
devido ao reduzido período de earn-back. A recuperação desse investimento resultaria em tarifas
excessivamente altas para os utilizadores. Assim, à luz do método proposto, a única solução viável
para a realização desses investimentos consistiria na realização de um novo concurso relativo a toda
a área concessionada, com o objectivo de incorporar os novos investimentos na concessão, ou em
alternativa, negociar com a autoridade portuária uma indemnização (a receber no termino do
contrato) relativa à parcela não amortizada do investimento feito. Existe um claro risco de o
concessionário optar por não assumir o risco relativo a realização dos investimentos, em virtude de
isso poder significar uma perda sobre o controlo do terminal ou uma indemnização insuficiente para
o risco tomado, resultando isto num decair do investimento nos terminais à medida que os contratos
de exploração destes caminham para o fim.
top related