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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 297
DA COMPARAÇÃO À CIRCULAÇÃO: REFORMAS DA INSTRUÇÃO PÚBLICA E MODELOS PEDAGÓGICOS NO MUNICÍPIO DA CORTE E NA
PROVÍNCIA DO MARANHÃO NA DÉCADA DE 18501
Alexandre Ribeiro e Silva2
Introdução
Este texto tem como objetivo empreender os primeiros passos de uma comparação
entre a reforma Couto Ferraz, no Município da Corte, em 1854, e a reforma da instrução
pública empreendida na província do Maranhão em 1855, buscando evidenciar a circulação
de modelos pedagógicos para a educação primária entre o sul e o norte do Império brasileiro.
Gostaríamos de levantar algumas possibilidades de problematização a serem desenvolvidas
futuramente, como por exemplo: quais são as semelhanças e diferenças entre os temas
tratados nos regulamentos da instrução pública que foram produzidos por essas reformas?
Como os políticos maranhenses se apropriaram das prescrições legais da Corte para elaborar
suas próprias propostas?
Esperamos que este primeiro esforço interpretativo contribua para a atual fase de
amadurecimento em que se encontra o projeto de mestrado, ao apontar para uma possível
forma de configurar o objeto de pesquisa. A ideia é interpretar tanto a proposta quanto o
processo de reforma da instrução pública no Maranhão oitocentista não como um fenômeno
isolado, mas antes como parte de um contexto geral em que concepções de ensino, bem como
estratégias políticas para sua implementação, circulavam pelo território imperial e eram
ressignificadas nas diferentes localidades.
Iniciaremos com uma apresentação do projeto de pesquisa, intitulado “Reformas da
instrução pública e circulação de modelos pedagógicos no Maranhão Imperial”. Esse projeto
pretende tratar das reformas da instrução pública ocorridas no Maranhão Imperial, nos anos
de 1855 e 1874, com foco na institucionalização da escola primária na Província. Nesse
sentido, pretende ser uma contribuição ao campo da História da Educação maranhense, que
tem se mostrado um terreno bastante fértil para estudos sobre diversos objetos.
1 Esta pesquisa é financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) por meio de bolsa de mestrado. Agradeço a minha orientadora, Profa. Dra. Diana Gonçalves Vidal, pelas dicas na construção deste artigo.
2 Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. E-Mail: <alexandrerib@usp.br>.
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Acreditamos na extrema importância da investigação sobre a historicidade das políticas
educacionais e os modelos que põem em circulação na sociedade, tanto em nível nacional
como regional. Partimos do pressuposto de que, assim como não devemos naturalizar a
forma escolar, não devemos também assumir que as políticas educacionais, ou reformas da
instrução pública, que era o termo recorrente no recorte temporal escolhido, sempre
aconteceram totalmente da forma como acontecem hoje.
Entendemos, portanto, que a pesquisa histórica nessa área pode nos revelar tanto
similaridades com as práticas de hoje como especificidades de uma época e de seus sujeitos,
bem como a forma como a educação foi institucionalizada. Nesse sentido, as reformas da
instrução pública podem ser consideradas momentos importantes para que possamos
delinear com mais clareza o processo de intervenção estatal na vida da sociedade, por meio
da formação de crianças e jovens.
Maneiras de construir o objeto de pesquisa em História da Educação: comparação e circulação
O ato de comparar, seja no campo educacional, seja no campo historiográfico, ou
mesmo na intersecção entre esses dois, traz consigo diversos desafios e inquietudes ao
pesquisador. Certamente a polêmica não é nova; por exemplo, em 1928, o historiador francês
Marc Bloch já constatava o ceticismo de seus pares em relação ao método comparativo em
uma conferência cujo objetivo era demonstrar a natureza e as possibilidades do método
comparativo e os principais serviços que este pode prestar ao domínio histórico, além de
exemplos e meios práticos para sua aplicação.
Inicialmente, Bloch (1998, p. 119-120) teve a preocupação de definir em que consiste a
comparação em história:
Antes do mais, no nosso domínio, o que é comparar? Incontestavelmente, é o seguinte: escolher em um ou vários meios sociais diferentes, dois ou vários fenómenos que parecem, à primeira vista, apresentar certas analogias entre si, descrever as curvas da sua evolução, encontrar as semelhanças e as diferenças e, na medida do possível, explicar umas e outras.
Assim, são necessárias duas condições para que o historiador possa utilizar a
ferramenta comparativa. Uma delas é a semelhança entre os fatos que estão sento
observados; a outra é a exigência de que esses fatos tenham se desenrolado em meios
diferentes. Bloch (1998) também aponta para duas possibilidades diferentes de aplicação do
método: a primeira é caracterizada como sendo de longo alcance e consiste em escolher duas
sociedades separadas no tempo e no espaço, de modo que as analogias não remetam a
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influências mútuas ou origem comum. A segunda possibilidade, apresentada como a mais
cientificamente rica, é o estudo de
[...] sociedades a um tempo vizinhas e contemporâneas, incessantemente influenciadas umas pelas outras, cujo desenvolvimento está submetido, precisamente por causa da sua proximidade e do seu sincronismo, à acção das mesmas grandes causas e que remontam, pelo menos em parte, a uma origem comum (BLOCH, 1998, p. 123).
A prática de se colocar em paralelo duas sociedades nesses termos é, portanto, um meio
de tecer conclusões mais precisas sobre ambas, ou somente uma delas, se assim o historiador
quiser. Nesse sentido, a comparação pode servir como uma espécie de gatilho para a análise,
na medida em que, constatadas as diferenças entre os dois meios que se encontram em
análise, o estudioso pode se voltar especificamente para uma deles e, a partir de suas
particularidades, compreender melhor o seu processo de desenvolvimento até ali. A
comparação pode ajudar, portanto, na elaboração do questionário à testemunha que é o
documento histórico (BLOCH, 1998).
Outro ponto importante do método comparativo é a busca pela explicação dos
fenômenos. A comparação auxilia na busca pelas causas verdadeiras e também a evitar pistas
falsas; com isso, Bloch (1998, p. 130) afirma que “[...] um fenômeno geral só pode ter causas
gerais”. Embora saibamos que o autor se refere a um âmbito bastante específico – a Europa
medieva e a formação dos Estados – sua afirmação nos faz refletir sobre tratar as reformas da
instrução pública no Maranhão oitocentista como um fenômeno geral no contexto da
formação do Império brasileiro. Estabelecer uma comparação entre uma reforma
empreendida na província e outra no Município da Corte seria, portanto, procurar as causas
gerais de um fenômeno que se espalhava por todo o território imperial, atravessando as
fronteiras entre as províncias.
No entanto, nosso objetivo não é encontrar somente as analogias entre as proposições
das duas reformas, visto que o próprio Bloch (1998, p. 131) assevera que o método
comparativo “[...] concebido com correção traz um interesse especialmente marcado à
percepção das diferenças, sejam elas originais ou resultem de caminhos divergentes, tomados
de um mesmo ponto de partida”. É por meio da percepção desses contrastes que acreditamos
ser possível compreender melhor as particularidades do desenvolvimento da província e de
como seus políticos concebiam a instrução pública primária, levando em consideração as
apropriações que faziam das propostas emanadas de outras localidades – nesse caso, o
Município da Corte.
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Em termos de trabalho prático, Bloch (1998) aponta algumas soluções para que a
comparação possa ser melhor aplicada; dentre elas, falava do estabelecimento de uma
linguagem científica comum que reconciliasse os questionários das pesquisas de diferentes
estudiosos. Porém, como mostra Vidal (2010, p. 16), a história já não opera mais como nas
décadas iniciais do século XX, e hoje em dia há a “[...] compreensão de que as categorias se
forjam no próprio movimento de delimitar o real e de sobre elas estabelecer uma
inteligibilidade [...]”.
Nesse novo contexto historiográfico, o método comparativo é renovado e surge o
comparativismo construtivo, defendido por Detiénne (2004). A partir de tal perspectiva, é a
“[...] violência heurística daquilo que surge como o incomparável” (DETIÉNNE, 2004, p. 50)
que impulsiona a pesquisa e leva a uma análise conceitual que dê conta das particularidades
de cada sociedade. Isso ocorre porque a categoria eleita para balizar a comparação pode não
encontrar correspondência nas sociedades pesquisadas, levando, portanto, à necessidade de
“[...] entender as diferenças culturais a partir de seus próprios sistemas de representação”
(VIDAL, 2010, p. 16). Assim, antes de comparar, é necessário que o pesquisador construa os
comparáveis que lhe permitirão se mover de uma sociedade para outra.
Esse modelo de comparação tampouco busca produzir um modelo abstrato e nem
oferecer uma classificação extensiva da ideia que se está comparando, pois “[...] não se trata
de procurar a essência, e sim de descobrir suas formas móveis e múltiplas” (DETIÉNNE,
2004, p. 53). O que o historiador deve operar é uma desmontagem lógica da categoria
inicialmente escolhida para a comparação, refinando-a em microconfigurações e analisando
mecanismos de pensamento que abrem séries de pequenas entradas não-temáticas. Assim, o
traçado entre as culturas se revela próximo, porém nunca idêntico. Esses mecanismos são
exatamente os comparáveis para os historiadores e fazem parte de uma configuração.
É nesse ponto que a proposição feita por Bloch (1998) não encontra mais eco, como
sintetiza Vidal (2010, p. 16):
Nesta perspectiva, não faz sentido unificar o questionário ou estabelecer um vocabulário comum, posto que o que se recusa é o primado de uma história comparada puramente morfológica, preocupada com o inventário dos parentescos, muitas vezes à margem de toda a certificação dos contatos culturais. O interesse aqui volta-se a identificar circulações, empréstimos e hibridações, reconhecendo nas situações mais locais as interdependências com o espaço global.
É esse o uso da comparação, voltada para as circulações, que pretendemos esboçar
nesta primeira abordagem sobre as reformas da instrução pública na província do Maranhão
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e no Município da Corte, apontando para possíveis entradas que permitam mostrar a
circulação de concepções sobre instrução pública primária entre essas duas regiões distintas.
Gostaríamos agora de fazer algumas considerações sobre a educação comparada, a
qual, de acordo com Nóvoa (2009, p. 24), “[...] faz parte de um campo de poderes dentro do
qual se organizam centros e periferias, constroem-se práticas discursivas que consagram
sentidos e definem limites”. Com isso, o autor chama atenção para o fato de que os estudos
comparativos em educação serviram para consagrar o modelo europeu de escola como único
possível e que, portanto, precisava ser difundido por todo o mundo.
Percorrendo a história do campo da educação comparada, Nóvoa (2009) demonstra
que o método comparativo foi integrado a diversas disciplinas entre os séculos XVIII e XIX,
como a Anatomia, o Direito e a Antropologia. No caso da educação, a inserção foi promovida
por Marc-Antoine Jullien de Paris, que escreveu a obra “Esboço e considerações preliminares
de uma obra sobre a educação comparada”. Vidal (2010, p. 12) sintetiza da seguinte forma as
intenções desse autor:
Escrevendo no momento em que os Estados Nacionais se empenhavam em organizar seus sistemas educativos, Julien defendia a importância de colecionar fatos educacionais observados em diferentes países. No seu entender, somente a sistematização desses fatos em tabelas analíticas poderia explicitar aproximações e permitir comparações de fenômenos, contribuindo à dedução de princípios e regras gerais capazes de tornar a educação uma ciência positiva.
Embora esse programa não tenha se efetivado, houve o desenvolvimento de missões ao
estrangeiro, cujo objetivo era a construção de relatórios que pudessem fornecer orientações
para realização de reformas educativas (NOVOA, 2009). Os reformadores utilizavam a
referência ao estrangeiro para justificar a necessidade de novas políticas educativas e
legitimar suas próprias propostas, fosse de forma positiva ou negativa. Dessa forma,
estabeleceu-se “[...] uma hierarquia entre os países, a qual consagrou uma escala
civilizacional portadora de uma divisão do mundo em vários mundos” (NOVOA, 2009, p.
20).
O recurso a exemplos estrangeiros pode ser facilmente encontrado nos relatórios dos
presidentes da Província do Maranhão. Em relatório do ano de 1839, o presidente Manoel
Felisardo de Sousa e Mello, após ter comunicado suas proposições para a instrução pública
primária, defende a uniformização por via da lei e se refere à Alemanha para dar
credibilidade às suas ideias:
Uma Lei pois, que reorganizasse a instrucção elementar do modo, que vos tenho descripto, completaria a obra de sua regeneração, libertando-a da
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inercia, e languidez, em que vegeta, e lançaria entre nós os fundamentos do espírito de união, de intelligencia, de elevação, que tanto distinguem certas populações da Alemanha, onde há systema analogo de estudos, posto que sobre uma escala mais vasta (MARANHÃO, 1839, p. 22).
Da mesma maneira, o presidente Antonio Cândido da Cruz, em 1856, referiu-se de uma
só vez a três países europeus para expressar sua opinião sobre as diferenciações da instituição
escolar de acordo com a classe a que pertentem os homens:
Na creação de escolas para educação da mocidade do sexo masculino tem-se reconhecido necessario na Inglaterra, na França, na Allemanha e em outros paizes adiantados na civilisação, adaptal-as as differentes occupações do homem na sociedade (MARANHÃO, 1856, p. 24)”.
Em alguns momentos a referência era negativa, como no caso do presidente Lafayette
Rodrigues Pereira, que defendeu a liberdade de ensino, em 1866:
Mas afinal veio-nos da França o contagio de tudo regular e prevenir por via da lei: descobriu-se na liberdade de ensinar serio perigo para a educação e bons costumes; desde logo prescreverão-se cautelas e restricções; ninguem mais poude exercer a profissão de professor particular sem diploma de capacidade e attestados de bom procedimento! (MARANHÃO, 1866, p. 20).
Somente a partir da década de 1870 é que aparecem outras referências além da Europa,
como no caso da defesa da coeducação dos sexos feita pelo presidente Luiz de Oliveira Lins
de Vasconcellos em 1879:
Sobre economica, seria tal medida acompanhada das outras vantagens, inherentes ao systema de co-educação dos sexos, coroado de tão brilhante exito nos Estados-Unidos, na Suissa, e em outros paizes, e a cujo favor tem se pronunciado espiritos dos mais distinctos do imperio (MARANHÃO, 1879, p. 18).
Esses são alguns exemplos de como os políticos maranhenses, seguindo a tendência
geral de sua época, utilizavam os exemplos vindos da Europa – e também de outras partes do
mundo – para conferir mais poder aos seus discursos e legitimar as políticas para instrução
pública que pretendiam colocar em prática. Pode-se perguntar até que ponto obtiveram êxito,
quais foram as apropriações realizadas na materialização dessas ideias e mesmo por quais
veículos elas chegaram até eles. São questões que podem suscitar investigações futuras, as
quais necessitariam de uma variação de escalas de análise bem maior do que a que se está
propondo no âmbito deste texto.
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A Reforma Couto Ferraz na Corte e o Regulamento da Instrução Pública do Maranhão de 1855: circulação de modelos para a instrução primária
O Decreto 1331-A de 17 de fevereiro de 1854 aprovou o regulamento da reforma
organizada pelo bacharel Luiz Pedreira do Couto Ferraz, que era então o Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios do Império, e, portanto, responsável pela instrução
pública no Município da Corte. Porém, seu processo de produção se iniciara ainda em 1851,
quando o Decreto n. 630 de 17 de setembro autorizou que a reforma fosse elaborada
(GONDRA, 2001).
O caminho da reforma da instrução pública maranhense se iniciou de forma similar;
em 1851, o presidente Eduardo Olimpio Machado, falando em um momento polêmico da
legislação sobre instrução pública na província, concluiu que a rapidez com que as leis sobre
aquela matéria mudavam concorria para o seu próprio atraso e que, por isso, seguindo a
linha de seus antecessores, defendia a necessidade de uma reforma naquele ramo da
administração pública. Nesse sentido, dirige-se diretamente aos deputados da Assembleia
Legislativa Provincial:
Vós, Senhores, podeis decretar a reforma, ou conceder-me auctorisação para fazel-a. Nesta hypothese, devo prevenir-vos, que não me serviria da auctorisação sem consultar primeiro o Governo Imperial, visto que, amestrado pela experiencia de que se passa nos paizes cultos, e cedendo ao pronunciamento de uma opiniao sustentada pela generalidade de nossas capacidades administrativas e parlamentares, parece que o Governo tem em vista serias e largas providencias acerca deste elevado assumpto da administração (MARANHÃO, 1851, p. 13).
Pode-se deduzir, portanto, que o presidente Eduardo Olimpio Machado sabia que a
reforma da instrução pública na Corte já estava sendo planejada. Nesse sentido, parece
interessante investigar por qual meio o político tomou conhecimento das intenções emanadas
pelo governo imperial, bem como procurar evidências que mostrem que, de fato, ele entrou
em contato com a Corte para falar sobre propostas para a instrução pública.
Esse trecho também é significativo por conter a expressão do desejo de manter a
província em harmonia com o que se estava fazendo na sede do Império, que, por sua vez,
pautava-se pela experiência dos considerados países cultos, ou seja, muito provavelmente
aqueles situados na Europa. Percebe-se, portanto, a possibilidade de três níveis de análise
entrecruzados: o local, representado pela província do Maranhão; o nacional, que consistia
no Município da Corte, situado no Rio de Janeiro; e o internacional, no âmbito dos países
considerados avançados no processo civilizador, sendo que o mais citado era a França.
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A referência a outros espaços é uma semelhança entre os dois discursos, como se pode
ver na fala de Couto Ferraz, por ocasião do anúncio da reforma aos parlamentares: “Nesse
regulamento, parece, que foram attendidas todas as necessidades que reclamava o ensino
primario e secundário, dando-se-lhes as soluções mais adequadas ás nossas circunstancias, e
aconselhadas pela experiência dos Paises mais illustrados (RIO DE JANEIRO, 1854, p. 62).
Nesse mesmo discurso, o ministro Couto Ferraz expôs aos parlamentares as mudanças
que pretendeu instituir na instrução pública primária e secundária da Corte:
[...] eram as idéas essenciaes da reforma as seguintes: vulgarisar e extender o ensino publico, organizar melhor o magistério, dando vantagens no presente e segurança no futuro aos professores, mas exigindo deles também mais aptidão e maior zelo; preparar bons professores; regular as condições do ensino particular; e chamar para um centro de inspecção por parte do Governo os collegios e estabelecimentos de educação da Capital do Imperio (RIO DE JANEIRO, 1854, p. 62)
Os cinco pontos citados por Couto Ferraz configuram “[...] uma espécie de agenda das
preocupações do governo, indicando, com isso, os núcleos em torno dos quais se podia
evidenciar o drama educacional daquela época (GONDRA, 2001, p. 55). Essas preocupações
perpassavam todo o Império durante uma época em que a intervenção do Estado na
educação das crianças ainda estava lutando para se consolidar. Vejamos as preocupações do
presidente da Província do Maranhão quanto à instrução primária, expressas no mesmo
relatório citado anteriormente:
Não me cansarei em mostrar os defeitos, que vão pela instrucção primaria: estão ahi os relatorios de todos os meos antecessores para dar testemunho, que o systema de inspecção adoptado não tem sido proveitoso; que a maior parte dos professores não cumprem os seos deveres; que alguns pais de família inutilisão os sacrifícios do Estado, deixando de enviar seos filhos á escola; que as matérias, comprehedidas no programa escolar, não foram escolhidas com o devido criterio; que nelle o ensino religioso é cousa, senão desconhecida, por demais secundaria; que qualquer pessoa, sentindo-se ihabil par aos outros misteres da vida, ou sem recursos, abre ahi, aonde e como quer, uma escola de primeiras letras, sem dependência da autoridade publica, á quem não dá contas de sua suficiência intelectual e moral; em uma palavra, que é quasi improductiva e para lamentar a enorme despesa, que faz a Provincia com a obrigação constitucional de dar instrucção gratuita á mocidade (MARANHÃO, 1851, p. 12)
Percebe-se que a preocupação com a melhoria do magistério, o controle sobre as
escolas particulares e a inspeção do ensino são pontos em comum entre as duas falas. Uma
diferença interessante é que, enquanto o Ministro Couto Ferraz preconizava a extensão do
ensino público, a fala do presidente Eduardo Olímpio Machado caracteriza-se pelo
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pessimismo em relação aos gastos que se tinha com a instrução em face do que era
considerado como pouco retorno.
De acordo com o Índice de Anais da Assembleia Legislativa Provincial do Maranhão,
em 1853 o deputado Mariano José Pereira Pinto apresentou um projeto que autorizava o
governo da província a mandar o Inspetor da Instrução Pública organizar um novo
regulamento para as aulas de primeiras letras; nessa elaboração, o Inspetor deveria consultar
os professores do interior sobre as necessidades da escola. No momento, não é possível saber
se o projeto foi aprovado ou não, visto que ele foi registrado somente no Livro de Propostas.
Somente a localização das atas da Assembleia poderia indicar quais foram as discussões em
torno do projeto e qual foi a deliberação sobre ele.
Naquele mesmo ano, o presidente Eduardo Olímpio Machado enviou o seguinte ofício
ao Inspetor da Instrução Pública:
Sirva-se V.M.ce de remetter-me com a maior brevidade possível um relatório circunstanciado do estado em que se acha o ensino primário e secundário desta Provincia, com declaração do numero das respectivas aulas ou escolas assim publicas como particulares, e dos alumnos de um e do outro sexo que a frequentarão no corrente anno, sendo o dito relatório acompanhado de um exemplar do regulamento por que se rege essa matéria, evidenciando V.M.ce sua opinião sobre as cousas que tenhaõ concorrido para o prospero ou atraso deste interessante ramo do serviço publico e lembrando para o seu melhoramento alguma medida que julgue eficaz, e que dependa do Governo Geral. – Deos guarde a V. M.ce. – Palacio do Governo do Maranhão 7 de Dezembro de 1853. – Eduardo Olimpio Machado. – Senr. Dez.or Francisco Balthasar da Silveira. Inspector da Instrucção Publica (ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO, Sessão de Documentos Avulsos).
Portanto, vê-se que mais uma vez o presidente Eduardo Olímpio Machado expressava o
desejo de recorrer ao Governo Imperial para balizar as decisões que tomaria na reorganização
da instrução pública provincial. O relatório produzido pelo Inspetor pode ter sido a base para
a organização do que viria a ser o Regulamento de 2 de fevereiro de 1855; a localização e
análise desse documento será importante para se perceber como as concepções sobre
instrução pública emanadas do Governo Central estavam sendo expressas pelas autoridades
locais.
No seu relatório de 3 de maio de 1855, Eduardo Olímpio Machado afirmou que havia
cumprido o intento de melhorar o estado da instrução pública maranhense, levando em conta
os recursos financeiros disponíveis. Servindo-se da faculdade conferida pela Lei n. 234, de 20
de agosto de 1847, que autorizara o governo provincial a reformar o ensino elementar e
secundário conservando-se o pessoal e o princípio da vitaliciedade, foi expedido o
Regulamento da Instrução Pública de 2 de fevereiro. Em relação à instrução primária, que é o
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foco deste artigo, o presidente afirmou que seguira sua intenção inicial de se basear nas
proposições da Corte, fazendo menção direta à Reforma Couto Ferraz, que havia sido
decretada um ano antes: “No que se refere á esta especie de ensino, accomodei em grande
parte ás circunstancias peculiares da provincia as sabias providencias, que no regulamento de
12 de fevereiro ultimo, tomou o governo geral para a reorganisação da instrucção no
municipio neutro” (MARANHÃO, 1855, p. 19).
Passemos agora a tentar estabelecer uma comparação entre os dois textos legais em
questão, especificamente as partes que tratam do ensino público primário e suas disposições
sobre as condições para o magistério, os saberes a serem difundidos e a estruturação das
escolas, ou seja, sua divisão em categorias distintas. Em termos gerais, observa-se que o
Regulamento da Reforma Couto Ferraz foi organizado em cinco títulos, divididos em
capítulos: Título I – Da inspeção de estabelecimentos públicos e particulares de instrução
primária e secundária; Título II – Da instrução pública primária; Título III – Da instrução
pública secundária; Título IV – Do ensino particular primário e secundário; Título V – Faltas
de professores e diretores de estabelecimentos públicos e particulares; penas a que ficam
sujeitos; processo disciplinar.
O Regulamento da Instrução Pública de 1855, por sua vez, foi estruturado em nove
capítulos, sendo eles: Capítulo I – Do inspetor da instrução pública e seus delegados;
Capítulo II – Dos professores públicos em geral; Capítulo III – Dos professores adjuntos e
substitutos nas escolas públicas primárias; Capítulo IV – Do ensino público primário e seu
regime; Capítulo V – Dos repetidores e substitutos no Liceu e aulas públicas do ensino
secundário destacadas; Capítulo VI – Do ensino público secundário; Capítulo VII - Do
ensino particular primário e secundário; Capítulo VIII – Das faltas dos professores e
diretores dos estabelecimentos de instrução públicos e particulares e das penas disciplinares
a que ficam sujeitos; Capítulo IX – Disposições gerais.
Na seção relativa ao ensino público primário, o Regulamento de Couto Ferraz principia,
no Capítulo I do Título II, pelas condições para o magistério público. No Regulamento de 2
de fevereiro de 1855, esse tema é tratado no Capítulo II:
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QUADRO 1 CONDIÇÕES PARA O MAGISTÉRIO
Município da Corte – 1854 Província do Maranhão – 1855
Art. 12. Só podem exercer o magisterio publico os cidadãos brasileiros que provarem: 1º Maioridade legal. 2º Moralidade. 3º Capacidade profissional. Art. 13. A maioridade legal prova-se perante o Inspector Geral por certidão ou justificação de idade. Art. 14. A prova de moralidade será dada perante o mesmo Inspector, apresentando o candidato: 1º Folhas corridas nos lugares onde haja residido nos tres annos mais proximos á data do seu requerimento: 2º Attestações dos respectivos parochos. Não póde ser nomeado professor publico o individuo que tiver soffrido pena de galés ou accusação judicial de furto, roubo, estellionato, banca rota, rapto, incesto e adulterio, ou de outro qualquer crime que offenda a moral publica ou a Religião do Estado.
[...] Art. 17. A capacidade profissional prova-se em
exame, oral e por escripto, que terá lugar sob a presidencia do Inspector Geral e perante dous examinadores nomeados pelo Governo.
Art. 18. O exame versará não só sobre as materias do ensino respectivo, como tambem sobre o systema pratico e methodo do mesmo ensino, segundo as instrucções que forem expedidas pelo Inspector Geral, depois de approvadas pelo Governo, e tendo precedido audiencia do Conselho Director.
Art. 6ª. Só podem exercer o magistério público os indivíduos que provarem perante o governo da Província:
1ª. Maioridade legal, por certidão ou justificação de idade;
2ª. Moralidade, por folhas corridas nos lugares onde tenham residido nos três anos mais próximos à data de seu requerimento e atestados dos respectivos párocos;
3ª. Capacidade profissional, por exame feito em presença de três examinadores nomeados pelo governo e do inspetor da instrução pública.
Art. 7ª. Não pode ser nomeado professor público o indivíduo, que tiver sofrido pena de galés, ou condenação judicial por crime de furto, roubo, estelionato, bancarrota, rapto, incesto, adultério, ou outro qualquer, que ofenda a moral pública ou a religião do estado.
Art. 9ª. O exame de capacidade versará não só sobre as matérias do ensino respectivo, como também sobre o sistema prático e método do mesmo ensino, segundo as instruções que forem expedidas pelo inspetor da instrução, precedendo a aprovação do governo.
Fonte: Rio de Janeiro, 1854; Maranhão, 1855.
Nesse ponto o que se observa é uma identidade entre os dois regulamentos em se
tratando de expectativas quanto a pessoas que tivessem intenção de se candidatar ao
magistério: idade mínima necessária e a comprovação do nível tanto moral quanto
profissional. Talvez isso se explique pelo fato de que a política imperial buscava garantir a
ordem, o que implicava a padronização, tanto quanto fosse possível, dos modos de agir
dentro das escolas (CASTANHA, 2006). Nesse sentido, os professores, sendo responsáveis
por ensinar os valores que guiavam a sociedade, eram também alvo de uma tentativa de
padronização, que, nesse caso, se pode ver pelos requisitos idênticos que se pediam para o
cargo de professor em regiões tão distantes entre si, caracterizando assim uma representação
que circulava por toda a sociedade. Porém, encontra-se uma diferença quanto aos exames
para comprovação de capacidade profissional: ao passo que o regulamento da Corte previa a
aplicação de exame oral e escrito, o regulamento expedido por Eduardo Olímpio Machado
não apresentava tal detalhamento. Dessa maneira, é necessário pesquisar os concursos para
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professores primários no Maranhão provincial, investigando se as provas eram, como na
Corte, orais e escritas, ou somente de uma ou da outra forma.
Em relação aos saberes que deveriam ser difundidos no ensino primário, observa-se:
QUADRO 2 SABERES DIFUNDIDOS NA ESCOLA PRIMÁRIA
Município da Corte – 1854 Província do Maranhão – 1855
Art. 47. O ensino primario nas escolas publicas comprehende: A instrucção moral e religiosa, A leitura e escripta, As noções essenciaes da grammatica, Os principios elementares da arithmetica, O systema de pesos e medidas do municipio. Póde comprehender tambem: O desenvolvimento da arithmetica em suas applicações praticas, A leitura explicada dos Evangelhos e noticia da historia sagrada, Os elementos de historia e geographia, principalmente do Brasil, Os principios das sciencias physicas e da historia natural applicaveis aos usos da vida, A geometria elementar, agrimensura, desenho linear, noções de musica e exercicios de canto, gymnastica, e hum estudo mais desenvolvido do systema de pesos e medidas, não só do municipio da Côrte, como das provincias do Imperio, e das Nações com que o Brasil tem mais relações commerciaes.
Art. 27. O ensino primário nas escolas públicas compreende:
A instrução moral e religiosa; A leitura e escrita; As noções essenciais da gramática; O sistema de pesos e medidas da província. Pode compreender também: O desenvolvimento da Aritmética em suas
operações práticas; A leitura explicada dos evangelhos e notícia da
história sagrada; Os elementos de história e geografia
principalmente do Brasil; A gramática da língua nacional A geometria elementar, agrimensura, desenho
linear e um sistema mais desenvolvido de pesos e medidas, não só da província, mas também do império e dos países com que este tiver mais relações comerciais
Fonte: Rio de Janeiro, 1854; Maranhão, 1855.
Em relação à primeira parte de cada artigo, destinadas a marcar as matérias mais
simples – aquelas que deveriam ser criadas nos locais menos populosos da província, como
se verá adiante –, o governo maranhense optou por não incluir os princípios elementares de
aritmética. Entre os conteúdos mais avançados percebe-se mais redução: os princípios de
ciência física e história natural aplicáveis aos usos da vida, noções de música, exercícios de
canto e ginástica, presentes no regulamento de Couto Ferraz, foram descartados na legislação
maranhense. Uma explicação para esses cortes pode estar relacionada às condições
financeiras da Província, ou mesmo a disposição para investir no ramo da instrução pública,
uma vez que, para o ensino de tais conteúdos, eram necessários diversos materiais escolares,
bem como espaços diferenciados para que professores e alunos pudessem desenvolver as
atividades.
Por outro lado, a gramática da língua nacional, entre os conteúdos mais avançados,
aparece somente no texto da Província. Uma hipótese pode ser a particularidade do
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Maranhão ter construído, ao longo do século XIX, a imagem que passaria a ser conhecida
como “Atenas brasileira” (BORRALHO, 2009). Além disso, havia estudiosos da gramática,
como o professor Felipe Condurú, que escreveu a obra “Gramatica Elementar da Língua
Portuguesa”. Talvez por isso as autoridades não queriam abrir mão do ensino desse saber na
instrução primária, em uma espécie de tentativa de contribuir com tal projeto.
A estruturação das escolas públicas primárias em dois tipos, que eram as de primeiro
grau e as de segundo grau, também aparece em ambas as legislações, porém com algumas
diferenças:
QUADRO 3 ESTRUTURAÇÃO DAS ESCOLAS PRIMÁRIAS
Município da Corte – 1854 Província do Maranhão – 1855
Art. 48. As escolas publicas primarias serão divididas em duas classes. A huma pertencerão as de instrucção elementar, com a denominação de escolas do primeiro gráo. A outra as de instrucção primaria superior com a denominação de escolas do segundo gráo. Art. 49. O ensino nas do primeiro gráo será restrictamente o que se acha marcado na primeira parte do Art. 47: nas do segundo gráo comprehenderá demais as materias da segunda parte do mesmo Artigo, que por deliberação do Governo, sobre proposta do Inspector Geral, e ouvido o Conselho Director se mandarem adoptar. Art. 50. Nas escolas para o sexo feminino, alêm dos objectos da primeira parte do Art. 47, se ensinarão bordados e trabalhos de agulha mais necessarios. Poder-se-hão tambem ensinar as materias da segunda parte do citado Artigo, que o Governo designar, sobre proposta do Inspector Geral com audiencia do Conselho Director, conforme as diversas localidades em que forem situadas e sua importancia. Art. 51. Em cada parochia haverá pelo menos huma escola do primeiro gráo para cada hum dos sexos. Art. 52. A designação das escolas do primeiro e segundo gráo, e de seu programma de ensino será feita por deliberação do Conselho Director, com approvação do Governo. Art. 53. Os actuaes professores não poderão reger as cadeiras do segundo gráo sem que provem competentemente suas habilitações nas materias que accrescerem áquellas em que forão approvados. O Governo, ouvido o Inspector Geral, marcará hum prazo razoavel para a execução deste artigo. Art. 54. As escolas de segundo gráo poderão ser regidas por dois professores, divididas convenientemente por ambos as materias do ensino; ou por hum professor e hum ou dois adjuntos, conforme as exigencias do serviço.
Art. 28. As escolas públicas primárias serão divididas em duas classes sob a denominação de escolas do primeiro e de segundo grau. Art. 29. O ensino, nas do primeiro grau, será restritamente o que se acha marcado na 1ª. parte do artigo 27: nas do segundo grau, compreenderá de mais as matérias da 2ª. parte do mesmo artigo. Art. 30. Nas escolas para o sexo feminino, além das matérias da 1ª. parte do artigo 27, se ensinarão bordados e trabalhos de agulha. Art. 31. As escolas de segundo grau limitar-se-ão por ora às cidades e vilas mais populosas. Art. 32. A designação das escolas do primeiro grau e segundo grau será feita pelo Presidente da Província sobre proposta do inspetor da instrução pública. Art. 33. Os atuais professores poderão reger as escolas do segundo grau, sem que provem competentemente suas habilidades nas matérias que acrescerem aquelas em que foram aprovados. O governo, ouvido o inspetor da instrução pública, marcará um prazo razoável para a execução deste artigo.
Art. 34. As escolas do segundo grau poderão ser regidas por um professor, e um ou dois adjuntos, divididas convenientemente as matérias do ensino, conforme as exigências do serviço.
Fonte: Rio de Janeiro, 1854; Maranhão, 1855.
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O dispositivo produzido pela Reforma Couto Ferraz classificava as escolas de primeiro
grau como responsáveis pela instrução elementar, enquanto as de segundo grau abrangiam a
instrução primária superior; esses termos, porém, não aparecem no dispositivo
maranhense. Esse elemento, sem importância à primeira vista, pode ser interessante,
levando em conta que as diferentes maneiras como a escola destinada a crianças e jovens foi
sendo identificada ao longo do século XIX demonstra as mudanças nas concepções sobre sua
função e sobre o que nelas deveria ser ensinado (FARIA FILHO, 2011)
Sobre os conteúdos, segundo o regulamento de 1854, a seleção das matérias mais
avançadas, próprias para as escolas do segundo grau, ainda dependeria de deliberação do
Governo. No tocante à distribuição das escolas, prescrevia ainda que deveria haver em cada
paróquia – localidades menores – uma escola de primeiro grau para cada sexo. Em
contrapartida, o regulamento de 2 de fevereiro de 1855 não só excluía essa possibilidade
como também restringia as escolas de segundo grau somente às vilas e cidades mais
populosas. Há, pois, um contraste entre as políticas de expansão da instrução pública
primária. Isso talvez possa ser explicado pela diferença na distribuição populacional entre os
dois territórios, visto que a Província do Maranhão era, evidentemente, muito superior em
extensão ao Município da Corte, contando com vilas e povoados extremamente distantes da
capital, fato que dificultava a abertura e manutenção de escolas.
Considerações finais
O objetivo deste texto foi esboçar uma comparação entre as reformas da instrução
pública feitas no Município da Corte, em 1854, e na província do Maranhão, em 1855. Em um
primeiro momento, foi demonstrada qual a noção de comparação com que se pretende
trabalhar no aprofundamento de alguns questionamentos que por ora foram apenas
indicados; em seguida, voltamo-nos para a compreensão e o uso da ideia de comparar que se
tinha no século XIX, o que foi exemplificado com alguns trechos de relatórios de presidentes
da Província do Maranhão. Por último, selecionamos alguns trechos que dispunham sobre o
ensino elementar em ambos os regulamentos da instrução pública. Nesses poucos exemplos
pode-se perceber indícios da circulação de um modelo pedagógico e como os dois textos
legais ora se aproximam, ora guardam diferenças entre si. Foram levantadas hipóteses para
as alterações feitas, tentando-se utilizar a ferramenta comparativa para demonstrar que os
contrastes, sobretudo, são pistas interessantes na perspectiva de análise proposta.
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A reflexão aponta também para que o objeto de estudo possa ser pensado no âmbito da
circulação internacional, constituindo-se um trajeto que passa pela França do século XIX –
onde também se observam reformas educacionais – o Município da Corte – sede do poder
imperial que buscava várias referências na Europa – e o Maranhão, uma província que,
atenta às suas circunstâncias, buscava estar em sintonia com as políticas externas e assim
elaborava as suas próprias.
Fontes consultadas
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO. Índice de Anais da Assembleia Provincial do Maranhão: 1850-1859. Sessão de Códices. ______. Livro de registro da correspondência do Presidente da Província com o Inspetor da Instrução Pública: 1851-1858. Sessão de Documentos Avulsos MARANHÃO. Discurso que recitou o exm. snr. Manoel Felisardo de Sousa e Mello, presidente desta provincia, na occazião da abertura da Assemblea Legislativa Provincial no dia 3 de mayo do corrente anno. Maranhão, Typ. de I.J. Ferreira, 1839. Disponível em: <http://www.crl.edu/brazil/provincial/maranh%C3%A3o>. Acesso em: 02 jul. 2016. ______. Falla dirigida pelo exm. presidente da provincia do Maranhão, o dr. Eduardo Olimpio Machado, á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 7 de setembro de 1851. Maranhão, impresso na Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1851. Disponível em: <http://www.crl.edu/brazil/provincial/maranh%C3%A3o>. Acesso em: 02 jul. 2016. ______. Relatorio do presidente da provincia do Maranhão, o doutor Eduardo Olimpio Machado, na abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1855, accompanhado do orçamento da receita e despesa para o anno de 1856, e mais documentos. Marannão [sic], Typ. Const. de I.J. Ferreira, 1855. Disponível em: <http://www.crl.edu/brazil/provincial/maranh%C3%A3o>. Acesso em: 02 jul. 2016. ______. Regulamento da Instrução Pública de 2 de fevereiro de 1855. In: CASTRO, Cesar Augusto (Org.). Leis e regulamentos da instrução pública no Maranhão Império (1835-1889). São Luís: EDUFMA, 2009. ______. Relatorio que á Assemblea Legislativa Provincial do Maranhão apresentou na sessão ordinaria de 1856 o exm. presidente da provincia, Antonio Candido da Cruz Machado. Maranhão, Typ. Constitucional de I.J. Ferreira, 1856. Disponível em: <http://www.crl.edu/brazil/provincial/maranh%C3%A3o>. Acesso em: 05 jul. 2016. ______. Relatorio que o exm. snr. presidente da provincia, dr. Lafayette Rodrigues Pereira, apresentou á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua abertura dia 3 de maio de 1866. Maranhão, Typ. do Frias, 1866. Disponível em: <http://www.crl.edu/brazil/provincial/maranh%C3%A3o>. Acesso em: 05 jul. 2013. ______. Relatorio que o exm. snr. dr. Luiz de Oliveira Lins de Vasconcellos leo perante a Assembléa Legislativa Provincial, por occasião de sua installação no dia 22 de setembro de 1879; acompanhado do que lhe apresentou o exm. snr. coronel José Caetano Vaz Junior á 24 de julho, ao passar-lhe a
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administracção [sic] da provincia, na qualidade de 3.o vice-presidente. Maranhão, Typ. Imperial de Ignacio José Ferreira, 1879. Disponível em: <http://www.crl.edu/brazil/provincial/maranh%C3%A3o>. Acesso em: 05 jul. 2016. RIO DE JANEIRO. Relatório apresentado á Assembléa Geral Legislativa na segunda sessão da nona legislatura pelo Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Imperio Luiz Pedreira de Couto Ferraz. Rio de Janeiro, Typ. do Diario, de A. & L. Navarro, 1854. Disponível em: <http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/imperio>. Acesso em: 02 jul. 2016. ______. Decreto N° 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854. Aprova o Regulamento para a reforma do ensino primário e secundário no Município da Corte. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1331-a-17-fevereiro-1854-590146-publicacaooriginal-115292-pe.html>. Acesso em: 02 jul. 2016.
Referências
BLOCH, Marc. Para uma história comparada das sociedades europeias. In: ______. História e historiadores. Lisboa: Teorema, 1998. p. 119-150. BORRALHO, José Henrique de Paula. A Athenas equinocial: a fundação de um Maranhão no Império brasileiro. 332. f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2009. CASTANHA, André. Pedagogia da moralidade: a ordem civilizatória imperial. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/artigos_frames/artigo_014.html>. Acesso em: 05 jul. 2016. DETIÉNNE, Marcel. Comparar o incomparável. São Paulo: Ideias e Letras, 2004. FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Instrução elementar no século XIX. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive (Orgs.). 500 anos de educação no Brasil. 5. ed. Belo Horizonte: Autêntica. 2011. GONDRA, José. A educação conciliada: tensões na elaboração redação e implantação de reformas educacionais. Educação em questão, v. 12 e 13, n. 3/2, jul./dez. 2000 – jan./jun. 2001. NOVOA, Antonio. Modelos de análise em educação comparada: o campo e o mapa. In: SOUZA, D. B. de; MARTINEZ, S. A. (Orgs.). Educação comparada. Rotas de Além-Mar. São Paulo: Xamã, 2009. p. 23-63. VIDAL, Diana Gonçalves. As viagens, os viajantes – tantas espécies deles! Os desafios da pesquisa em história comparada da educação. In: FLORES, Cláudia; ARRUDA, Joseane Pinto (Orgs.). A matemática moderna nas escolas do Brasil e Portugal: contribuição para a história da educação matemática. São Paulo: Annablume, 2010. p. 09-24.
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