da escola pÚblica paranaense 2009 · escola de implementação do projeto: escola estadual são...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ – UEM
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE 2009
VERA LÚCIA PRADO
PRODUÇÃO DIDÁTICO PEDAGÓGICA
CADERNO PEDAGÓGICO
DO LEITOR AO NAVEGADOR – DESCOBRINDO O MUNDO DOS CONTOS
PDE: Português
PROFESSORA PDE: Vera Lúcia Prado
ORIENTADORA: Profª. Annie Rose dos Santos
CONCEPÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA: Estética da Recepção
MARINGÁ
2010
1 – IDENTIFICAÇÃO
Professora PDE: Vera Lucia Prado
Área do PDE: Língua Portuguesa/ Literatura
Professora Orientadora: Annie Rose dos Santos
IES Vinculada: Universidade Estadual de Maringá (UEM)
Escola de Implementação do projeto: Escola Estadual São Vicente Pallotti
Público Objeto da Intervenção: alunos da 8ª série do Ensino Fundamental
2 - TEMA DE ESTUDO DO PROFESSOR PDE:
DO LEITOR AO NAVEGADOR – DESCOBRINDO O MUNDO DOS CONTOS
MARINGÁ
2010
3 - INTRODUÇÃO
A presente atividade, aqui proposta como produção de material didático,
possui uma unidade didática e tem como finalidade o aluno, participante do
projeto em sala de aula, no terceiro período do Programa de
Desenvolvimento da Educação (PDE).
Hoje é necessário (re)pensar a leitura na escola como espaço de
humanização para melhorar as relações sociais e culturais. Para tanto, a
leitura viabiliza meios para que os educandos desenvolvam no hábito de ler
suas expectativas a respeito do mundo que os cerca bem como seu próprio
interior. Perceber as desigualdades sociais, as dificuldades nos
relacionamentos individuais e coletivos, a falta de respeito para com os
outros e até mesmo questões que dizem respeito ao que está no íntimo de
cada indivíduo tem sido algo estressante, a intolerância gera a violência e
outros fatores tornam o ser humano coisificado pelo seu próprio
individualismo.
Mesmo cientes de que algumas dessas questões dependem de fatores
políticos, é importante o papel da escola no sentido de provocar no
educando maior criticidade ante fatos que fogem do âmbito escolar,
didatizados, de modo a ser tudo perfeito. Cabe à escola abrir espaço para
discutir tais acontecimentos que muito influenciam o ensino-aprendizagem.
Neste sentido, devemos proporcionar aos educandos uma nova visão de
mundo por meio de textos literários diferentes daqueles que eles leem,
porque o objeto de ensino da literatura torna menos caótica a visão
conflituosa da realidade, despertando sentimentos sufocados.
Não podemos deixar de lembrar que paralelmente à leitura vem a escrita, a
qual perpetua a própria leitura; logo, o que propomos ao trabalhar com o
gênero conto está ligado ao ato de ler e de por em prática pela escrita de
textos narrativos, os quais servirão de motivação a outras leituras, como em
um ciclo envolvendo texto-autor-leitor.
4 - REFERENCIAL TEÓRICO
A elaboração das Diretrizes Curriculares da Escola Básica vem sendo
edificada desde 2003. No documento, está clara a concepção de que na ação
do docente o professor surge como sujeito epistêmico, e a escola como
elemento principal no processo da aprendizagem, empresa que acessibiliza o
conhecimento, que resgata o trabalho, a cidadania e a uma vida digna.
O documento elenca no item o conhecimento e as disciplinas curriculares – a
importância dos conteúdos disciplinares e do professor como autor do seu
plano de trabalho. Privilegia o tema conteúdos estruturantes:
Os conhecimentos de grande amplitude, conceitos,
teorias ou práticas, que identificam e organizam os
campos de estudo de uma disciplina escolar,
considerados fundamentais para a compreensão do seu
objeto de estudo /ensino (DCE: 25).
À escola cabem os papéis da alfabetização e também a decodificação dessa
escrita; não basta ler, é preciso captar a representação mental da escrita. O
sentido da escrita se torna precípuo, leitura com atribuição de significado na
ação de ler.
Para Paulo Freire (1993, p. 11) a leitura do mundo precede a leitura da
palavra, daí que a leitura desta não possa prescindir da continuidade da
leitura daquele, isto é, o indivíduo inicia sua vida vendo o mundo com mais ou
menos entusiasmo.
Confrontando a citação das DCEs com a assertiva de Freire, a proposta deste
Projeto buscara fazer a diferença. A literatura não existe por acaso, propõe ao
aluno o acesso a ela, que cabe na presente proposta ao professor. Todavia,
nada nos impede de contarhistórias antes que apresentemos um conto
acompanhado de suas estruturas e componentes que o tornam em gênero
discursivo literário.
Um verdadeiro leitor se forma a cada dia, como se fosse um ponto de bordado
até se chegar ao desenho final.
Bloom (2001, p. 17) postula que uma das funções da literatura é nos preparar
para uma transformação, e a transformação final tem caráter universal.
Gerar uma insatisfação, este pode ser o que sugere o autor, alguém
insatisfeito sempre busca novos olhares, novas perspectivas. A escola, para
tanto, não deve ser colocada de forma estanque na vida do sujeito, é a partir
dela e que se deve buscar novas leituras.
Para Zilberman (1985, p. 22) dificilmente a escola conseguira uma mudança
significativa na prática da leitura enquanto instituição social:
Também a escola tem finalidade sintetizador,
transformando a realidade viva nas distintas disciplinas
ou áreas de conhecimento que são apresentadas ao
estudante. O peculiar, neste caso, é que durante o
processo de síntese, ocorrem inversões que maculam
seu objetivo cognitivo. Assim, interrompem-se ou
atenuam-se os vínculos com a vida atual e é
intensificado o enclausuramento da criança, porque,
convertida em aluno, ela se isola ainda mais da
sociedade e introduz-se num meio sobre a qual
igualmente não exerce nenhum poder.
Neste sentido, a escola perpetua essa prática, pois dificilmente há ruptura
com a proposta escolar fora das quatro paredes de uma sala de aula. É
importante ressaltar, sem dúvida, o papel da mesma como mediadora. É
através dela que o individuo percebe-se como parte de uma sociedade, e,
apesar de todas as mazelas sociais que recaem sobre a escola, o ¨status¨ de
educando pode ser visto como positivo no cotidiano escolar.
Há um claro jogo de empurra e o grande desafio ao papel do professor
consiste em perceber a situação, e, consequentemente, revertê-la
favoravelmente. Para Foucambert (1994, p. 5):
a leitura não é tarefa apenas da escola.É por isso
também que a formação de professores deve incluir
contatos com os pais, com bibliotecas de bairro e de
empresa, com associações, de maneira a estabelecer
intercambio entre as ações de informação e formação.
É importante salientar que formar não é apenas treinar ou tornar o indivíduo
pronto para um eventual mercado de trabalho, ou mesmo com cidadão, é
fazê-lo um ser em eterna e infinita formação, pois crítico não apenas encontra
o oral no escrito, mas aquele que lhe atribui um sentido ou significado.
Indagamos como conseguir um resultado positivo, ou pelo menos dar um
primeiro passo em busca de resultados. Respondemos que, em primeiro
lugar, a necessidade de uma metodologia na sala de aula é imprescindível
para a prática da leitura, seja nessa ou aquela disciplina. Normalmente nada
se acrescenta ao livro didático. Aguiar (1988, p.33) enuncia que:
os professores apesar de visarem à formação de hábito
da leitura e o desenvolvimento do espírito, criticam, não
oferecem atividades nem utilizam recursos que permitam
a expansão dos conhecimentos, das habilidades
intelectuais, a criatividade ou a tomada de posição,
embora arrolem esses tópicos em seus critérios de
aproveitamento escolar. O debate, a livre discussão e
atividades que extrapolem o âmbito da sala de aula são
esquecidos. As fórmulas mais carentes de criatividade e
mais tradicionalmente empregadas, como aulas
expositivas e exercícios escritos e orais de interpretação,
são praticadas pela maioria, o que também promove a
falta de incentivo e de motivação para a leitura.
Embora haja objetivos implícitos na grade curricular, ou até mesmo no
trabalho do professor, algumas lacunas precisam ser preenchidas na relação
escola//professor//aluno. Foucambert (1994, p. 5) propala que um poema ou
uma receita, um jornal ou um romance provocam questionamentos,
exploração do texto e respostas de natureza diferente; mas o ato de ler, em
qualquer caso, é o meio de interrogar a escrita e não tolera a amputação de
nenhum desses aspectos, e por fim devemos concordar com Bloom (2001), o
qual assevera que para sermos capazes de ler sentimentos humanos
descritos em linguagem humana, precisamos ler como seres humanos – e
fazê-lo plenamente. Isso se aplica também ao professor, que deve ser o leitor
primeiro, antes de propor qualquer leitura em sala de aula.
Quanto à leitura eletrônica, citamos Chatier (2001, p. 149), para quem a
relação da leitura frente à tela suprime toda a presença do objeto impresso
nas mãos do leitor. Em outras palavras, em se tratando de adolescentes,
atroca do livro impresso pela tela pode tornar o gosto pela leitura mais
instigante. Ainda parafraseando Chatier (2001, p. 149) parece necessário
entender, para os anos ou décadas por vir, a cultura da representação
eletrônica, que se configura em uma forma de texto que muda em sua
estrutura e sua disposição. À luz dessa mesma ideia trata as DCEs. O
professor de língua portuguesa precisa, então, propiciar ao educando a
prática, a discussão, a leitura de textos das diferentes esferas sociais
(jornalísticas, literária, publicitária, digital e outras), alem dos textos escritos e
falados, a integração da linguagem verbal com outras linguagens.
Este Projeto propõe, no primeiro momento, a pesquisa na Internet, buscando
a origem dos contos, como estes surgiram, quando e porquê, em que época e
os contistas brasileiros mais significativos. O foco do trabalho se mantém na
transformação cultural e tecnológica em que estamos inseridos.
Ao ler, seja um texto eletrônico, seja impresso, o indivíduo busca as
experiências, os seus conhecimentos prévios, a sua formação familiar,
religiosa. Voltamos a abordar a leitura com função social, aquela que segundo
Candido é a arte que transforma e humaniza o homem e a sociedade. Os
pressupostos teóricos deste Projeto promovem uma conexão entre a leitura
do texto eletrônico e o encontro com os contistas brasileiros mais significativos
e a prática da leitura, como preconizam as Diretrizes.
UNÍVOCO
Fonte: http://www.plurall.com/blogs/roosevelt/2009/09/a-galinha-e-o-doce/
UNIVALENTE
Não basta dar a palavra ao outro, é necessário aceitá-la e devolvê-la ao
outro (D.C. Es.)
5- OBJETIVO GERAL
Levar o aluno a conhecer as diferentes formas de expressão da narrativa,
criando um elo comparativo entre a música e o conto.
6- OBJETIVOS ESPECÍFICOS
- Compreender a amplitude e a profundidade do gênero conto, bem como sua
finalidade, suporte, circulação social, posição social do contista e o interlocutor;
- Conhecer as especificidades da narrativa lírica;
- Promover contato do aluno com o gênero música sertaneja, identificando em
seus elementos a narrativa.
7- ESTRATÉGIAS DE AÇÃO
O presente trabalho será aplicado no segundo semestre do ano letivo de 2010,
na Escola São Vicente Pallotti de Mandaguari, na turma de 8ª série do Ensino
Fundamental.
O computador com acesso à Internet e a TV, e vídeos que tratem de temas
dispostos nas apresentações dos contos servirão como subsídios para que o
aluno busque principalmente a origem do gênero conto, os contistas mais
significativos e até mesmo os próprios contos escolhidos para a realização do
trabalho. A exploração desse gênero textual deve ser feita através da rede. Os
contos escolhidos serão impressos, e a leitura a partir de então realizada.
No início do segundo semestre de 2010, o Projeto ‘Do navegador ao leitor –
descobrindo o mundo do conto’, será ministrado aos alunos em uma carga
horária de 5 horas aula. O trabalho será apresentado aos professores e equipe
pedagógica na semana pedagógica de 2010. Após a apresentação da
proposta, os alunos deverão investigar sobre os contos na rede. A seguir,
ocorrerá a aplicação do material didático, que abrangerá um conto de Clarice
Lispector denominado Uma galinha, intertextualizando com a música sertaneja
de raízes – Franguinho na panela (material anexo ao projeto), em um total de 5
horas aula.
ILUSTRAÇÕES E REFLEXÕES
Quem conta um conto ... aumenta um ponto.....
Intensidade? Tensão?
Equilíbrio
Fonte: http://rosyangella.blogspot.com/2010/04/aguia-e-as-galinhas.html
Vamos aos contos leves, aqueles que captam a capacitação criadora do
indivíduo...
Narrativa curta que dá o seu recado ...............
Contar é sonhar acordado ..........
Viajar sem limites .........
Conhecer o céu ..........
Alcançar horizontes sem passos...
DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE
As perguntas relacionadas à música objetivam presentificar o aluno no universo
sertanejo e ao mesmo tempo promover a descoberta desse gênero musical
como forma de narrativa. Não há intenção de dissecar a letra, apenas instruir
que essa forma textual também narra uma história.
MÚSICA DE RAÍZES
A música sertaneja, hoje, tem papel marcante na juventude brasileira.
Começou a ser produzida na década de 1920. Já recebeu nomes como:
cateretês, toadas, chulas, emboladas. Todas com instrumento em comum – a
viola.
A cultura caipira tem origem do interior de São Paulo, Minas Gerais, Goiás,
Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Paraná. São caipiras ou sertanejas
execuções compostas e executadas das zonas rurais, do campo, a antiga
moda de viola.
Com o crescimento das atividades agrícolas no país, uma onda sertaneja
tomou conta de eventos, como exposições, shows, rodeios, enfim, festas que
recebem um público fã desse gênero musical.
REFLEXÕES E PRÁTICAS
Ouça a letra e reflita!
O recanto onde moro é uma linda passarela
O carijó canta cedo, bem pertinho da janela.
Eu levanto quando bate o sininho da capela
E lá vou eu pro roçado, tenho Deus de sentinela.
Têm dia que meu almoço é um pão com mortadela.
Mas lá no meu ranchinho a mulher e os filhinhos
Tem franguinho na panela
Eu tenho um burrinho preto bão de arado e bão de sela
Pro leitinho das crianças, a vaquinha Cinderela.
Galinha tá no terreiro papagaio tagarela
Eu ando de qualquer jeito, de butina ou de chinela.
Se na roça a fome aperta, vou apertando a fivela.
Mas lá no meu ranchinho a mulher e os filhinhos
Tem franguinho na panela
Quando eu fico sem serviço a tristeza me atropela
Eu pego um bico pra fora, deixo cedo a corruptela.
Eu levo meu viradinho é um fundinho de tigela
É só farinha com ovo, mas é da gema bem amarela.
É esse o meu almoço, que desce seco na goela.
Mas lá no meu ranchinho a mulher e os filhinhos
Tem franguinho na panela
Minha mulher é um doce e diz que sou o doce dela
Ela faz tudo pra mim, tudo o que eu faço é pra ela.
Não vestimo lã nem linho é no algodão e na flanela
É assim a nossa vida, que levamos na cautela.
Se eu morrer Deus dá um jeito, pois a vida é muito bela.
Não vai faltar no ranchinho pra mulher e os filhinhos
Um franguinho na panela.
AGORA, RESPONDA:
a) A música traz a você alguma lembrança?
b) Quem da sua família gosta de ouvir esse tipo de música?
c) O que você achou da música?
d) Qual estilo musical você mais gosta?
e) Que história narra a música Franguinho na Panela?
f) Defina a música em uma única palavra.
g) Você costuma (ava) ouvir histórias? Quem as conta (ava)?
h) Que tipo de ambiente a música descreve?
i) Que tipo de linguagem aparece na letra da música? Por quê?
j) Que pessoas se utilizam dessa mesma linguagem para se comunicar?
DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE
A leitura do conto ilustra de forma prática, uma conexão entre autor e leitor. Ao
mesmo tempo em que choca, emociona, promove completa, presentifica,
espelha, mostra e reflete o universo pessoal de cada um. As questões
remetem à compreensão do tema proposto no conto.
GLOSSÁRIO
Faça você, em ordem alfabética uma pesquisa com todas as expressões
da música e do conto, e procure o significado no dicionário.
Uma galinha - Conto
Clarice Lispector
Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove
horas da manhã.
Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num cante da cozinha. Não
olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram,
apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou
magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.
Foi, pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar
o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante
ainda vacilou – o tempo de a cozinheira dar um grito – e em breve estava no
terraço do vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado, alcançou o telhado. Lá
ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi
chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O
dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente
algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu
seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde
esta, hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A perseguição
tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais de um
quarteirão de rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha
tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de
sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais intima que
fosse a presa o grito de conquista havia soado.
Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda,
concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e
enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinham tempo de se refazer
por um momento. E então parecia tão livre.
Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que
é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É
verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela própria
contava consigo, como. O galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que
havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão
igual como se fora a mesma.
Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz
alcançou. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo
por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa
violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos.
Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo.
Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que
fora para a maternidade, parecia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o
ovo e assim ficou, respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu
coração, tão pequeno num prato, solevava e abaixava as penas, enchendo de
tepidez àquilo que nunca passaria de um ovo. Só a menina estava perto e
assistiu tudo estarrecida. Mal, porém conseguiu desvencilhar-se do
acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos:
Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! Ela quer o
nosso bem!
Todos correram de novo à cozinha e rodearam muda a jovem
parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem
alegre nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum
sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem
propriamente um pensamento qualquer. Nunca ninguém acariciou uma cabeça
de galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão:
– Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha
vida!
– Eu também! Jurou a menina com ardor.
A mãe, cansada, deu de ombros.
Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar
com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem
interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se
lembrava: "E dizer que a obriguei a correr naquele estado!" A galinha tornara-
se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e
o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a da apatia e a do
sobressalto.
Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la
esquecido, enchiam-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga e
circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num
campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com
o velho susto de sua espécie já mecanizado.
Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha
que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses
momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às
fêmeas cantar, ela não cantaria, mas ficaria muito mais contente. Embora
nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no
descanso, quando deu à luz ou bicando milho – era uma cabeça de galinha, a
mesma que fora desenhada no começo dos séculos.
Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.
Fonte: Clarice Lispector, Laços de família. Rio, Francisco Alves, 2ª ed., 1961.
ATIVIDADE
Após ler o conto Uma Galinha, responda:
a) Por que a galinha ainda vivia?
b) Para você, a galinha é um ser? Por quê?
c) Existe alguma semelhança com a mulher, quando no conto aparece a
expressão: Mas logo depois nascida que fora para a maternidade, parecia
uma velha mãe habituada?
d) Há claro no conto as ações: Matar x Comer x Viver
SOBRE O CONTO
a) Quem narra os fatos? Quem participa deles?
b) Observe os verbos empregados pelo narrador. Em que pessoas
apresentam as formas verbais?
c) Como as personagens aparecem caracterizadas? Busque todos os
adjetivos relacionados à personagem galinha.
d) Há algum fato revelador de tensão na história?
e) Qual é o conflito da narrativa?
f) Como ocorre o desfecho?
g) Existe alguma característica comum entre a música e o conto? Qual?
h) Qual a condição humana que nos na maioria das vezes
desconhecemos, e que aparece tão presente no conto? Busque no texto a
comprovação.
SUGESTÕES DE CONTOS
Ler os contos anexos
No filme A Teoria de Tudo, o personagem principal, um professor de física,
busca desesperadamente comprovar uma teoria –encontrar Deus. O que ele
faz para percorrer esse caminho? Descubra assistindo ao filme e refletindo
sobre o que realmente somos, O que buscamos? O que nos torna melhores ou
piores? Podemos pré- julgar? Podemos tudo? O que significa a expressão: Até
que um dia... ¨. Como mudar uma trajetória?
ANEXOS
Os contos a seguir, acompanham o caderno pedagógico com o objetivo de
completar o presente material, bem como incentivar a leitura de novas
histórias.
CONTO - A GALINHA RUIVA
Era uma vez uma galinha ruiva, que morava com seus pintinhos numa
fazenda.
Um dia ela percebeu que o milho estava maduro, pronto para ser colhido
e virar um bom alimento.
A galinha ruiva teve a idéia de fazer um delicioso bolo de milho. Todos
iam gostar!
Era muito trabalho: ela precisava de bastante milho para o bolo.
Quem podia ajudar a colher a espiga de milho no pé?
Quem podia ajudar a debulhar todo aquele milho?
Quem podia ajudar a moer o milho para fazer a farinha de milho para o
bolo?
Foi pensando nisso que a galinha ruiva encontrou seus amigos:
- Quem pode me ajudar a colher o milho para fazer um delicioso bolo? -
Eu é que não, disse o gato. Estou com muito sono.
- Eu é que não, disse o cachorro. Estou muito ocupado.
- Eu é que não, disse o porco. Acabei de almoçar.
- Eu é que não, disse a vaca. Está na hora de brincar lá fora.
Todo mundo disse não.
Então, a galinha ruiva foi preparar tudo sozinha: colheu as espigas,
debulhou o milho, moeu a farinha, preparou o bolo e colocou no forno.
Quando o bolo ficou pronto ...
Aquele cheirinho bom de bolo foi fazendo os amigos se chegarem. Todos
ficaram com água na boca.
Então a galinha ruiva disse:
- Quem foi que me ajudou a colher o milho, preparar o milho, para fazer
o bolo?
Todos ficaram bem quietinhos. ( Ninguém tinha ajudado.)
- Então quem vai comer o delicioso bolo de milho sou eu e meus
pintinhos, apenas. Vocês podem continuar a descansar olhando.
E assim foi: a galinha e seus pintinhos aproveitaram a festa, e nenhum
dos preguiçosos foi convidado.
Fonte: http://ribeirobr.blogspot.com/2009/07/fabula-da-galinha-vermelha.html
O VOADOR...
Era uma vez um caçador que, entrando em uma floresta para caçar,
ouviu um choro de criança. Aproximou-se do lugar de onde ele vinha, e viu, no
alto de uma árvore, uma criancinha que para lá fora levada por uma ave de
rapina, que a arrancara dos braços da mãe, que adormecera debaixo da
árvore.
O caçador trepou na árvore e tirou a criança, um menino, disposto a
levá-lo para casa e criá-lo, junto com sua filhinha Lina. De fato, as duas
crianças cresceram juntas.
Como fora levado por uma ave para o alto de uma árvore, o menino ficou
chamando Voador. Voador e Lina gostavam tanto um do outro, que ficavam
muito tristes quando tinham de se separar.
O caçador tinha uma cozinheira que todas as tardes pegava dois baldes e
ia buscar água, e não ia uma só vez, mas muitas vezes, ao poço. Lina teve
curiosidade e perguntou à cozinheira, que se chamava Sanna:
__ Por que trazes tanta água?
__ Eu lhe direi, se prometeres não contar a ninguém - disse Sanna.
Ela prometeu não contar, e a cozinheira disse:
__ Amanhã bem cedo, quando teu pai estiver caçando, vou ferver a água
toda que eu trouxer, em um balde muito grande, e jogar Voador dentro.
Na manhã seguinte, o caçador saiu bem cedo para caçar, deixando as
crianças ainda na cama. E Lina disse a Voador:
__ Se nunca me deixares, eu também nunca te deixarei.
__ Nem agora nem em tempo algum te deixarei - replicou Voador
.
__ Vou dizer-te então - falou Lina. - Ontem, vendo a velha Sanna trazer
para casa muitos baldes de água, perguntei-lhe porque estava fazendo aquilo,
e ela, depois de me fazer prometer que não contaria a ninguém, disse que hoje
de manhã cedo ferveria água suficiente para encher uma grande tina, e jogaria
você dentro da tina com água fervendo. Mas nós vamos nos levantar logo,
vestirmos logo e sairmos daqui juntos.
E as duas crianças levantaram-se, vestiram-se rapidamente e saíram.
Quando a água estava fervendo, a cozinheira foi ao quarto procurar Voador
para jogá-lo dentro da tina com água fervendo, e, não o encontrando, assim
como Lina, ficou alarmada, perguntando a si mesma:
"O que irei fazer, quando meu patrão voltar para casa e descobrir que as
crianças saíram? Tenho de mandar alguém imediatamente atrás delas."
Deu ordem, então, a três criados de saírem em perseguição às
crianças e trazê-las de volta. Elas estavam descansando fora da floresta e,
quando viram de longe os três criados correndo, Lina disse a Voador:
__ Se nunca me deixares, eu também não te deixarei.
__ Nem agora nem em tempo algum te deixarei. - replicou Voador.
__ Vais virar uma roseira e eu a rosa da roseira - decidiu Lina.
Quando os três criados chegaram à floresta, não viram nem sinal das
crianças, mas apenas uma roseira com uma rosa. Certos de que nada se
poderia fazer ali, os criados voltaram para casa para anunciarem o seu
fracasso, contando que nada mais tinham visto de novidade, a não ser uma
roseira com uma rosa:
__ Idiotas! - exclamou a cozinheira, furiosa. - Deveríeis ter cortado a
roseira, colhido a rosa e trazido para cá. Ide fazer isso, imediatamente.
Os criados chegaram à floresta, mas as crianças de longe os viram se
aproximarem. Lina disse então:
__ Se nunca me deixares, eu também jamais te deixarei.
__ Nem agora nem em tempo algum te deixarei - replicou o outro.
__ Então, vais virar uma igreja e eu o candelabro da igreja.
Assim foi feito, de modo que, quando os três criados lá chegaram, coisa
alguma encontraram, a não ser a igreja com um candelabro. Voltaram para
junto da cozinheira para se desculparem, e contaram então que só haviam
encontrado uma igreja com um candelabro.
__ Idiotas! - exclamou a cozinheira. - Por que não derrubastes a igreja e
trouxestes o candelabro?
E a própria cozinheira resolveu ir com os três criados em
perseguição aos fugitivos. Estes, porém, mais uma vez avistaram de longe a
aproximação de seus perseguidores, e Lina disse a Voador:
__ Se nunca me deixares, eu também não te deixarei.
__ Nem agora nem em tempo algum te deixarei. - replicou Voador.
__ Serás uma lagoa e eu serei um pato nadando nela - disse a menina.
E de fato assim aconteceu.
A cozinheira não tardou a aparecer, e, quando viu a lagoa, deitou-se
junto dela, para saciar a sede que o calor e a caminhada haviam provocado.
Então, o pato pousou em sua cabeça e com fortes bicadas empurrou-a para
dentro da água, até que a velha bruxa se afogou
.
As crianças voltaram para casa, satisfeitíssimas e satisfeitíssimas
continuaram, e, se ainda não morreram, estão vivas até hoje.
Fonte: http://acontecimentosdry.blogspot.com/2009_09_01_archive.html
8. REFERÊNCIAS
AGUIAR, Vera Teixeira de; BORDINI, Maria da Glória. Literatura e Formação
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CHARTIER, Roger. A aventura do livro do leitor ao navegador. Editora
Unesp, São Paulo, 1998.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo, Editora Cortez, 1993.
FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão. Porto Alegre, Artmed, 1994.
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Editora Cultrix, 1971.
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MOISÉS, Massaud. A Criação Literária. São Paulo, Editora Melhoramentos,
1971.
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. DCEs da Língua Portuguesa.
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ZILBERMAN, Regina: Estética da Recepção e História da Literatura. São
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ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo, Editora Ática,
1985.
---------------------------------- Diretrizes Curriculares da Educação Básicas –
Língua portuguesa. Governo do Paraná. Seed. Departamento de Educação
Básica. Paraná, 2008.
----------------------------------- Na ponta do lápis, A hora e a vez do conto. Em
pequenas narrativas cabem grandes histórias, ano V, número 12.
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