dissertaÇÃo 27 11 17 final - puc-sp
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA - PUC/SP
Faculdade de Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião
Nilma Paula Combas da Silva
O Tempo da Religião no Espaço Escolar. A História do Ensino Religioso no Colégio Santa Cruz.
Mestrado em Ciência da Religião
São Paulo
2017
1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA - PUC/SP
Faculdade de Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião
Nilma Paula Combas da Silva
O Tempo da Religião no Espaço Escolar. A História do Ensino Religioso no Colégio Santa Cruz.
Mestrado em Ciência da Religião
São Paulo
2017
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Ciência da Religião, sob a orientação do Prof. Dr. João Décio Passos.
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA - PUC/SP
Faculdade de Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião
Banca Examinadora
___________________________________
___________________________________
___________________________________
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“Ensinar é um exercício de imortalidade.
De alguma forma continuamos a viver
naqueles cujos olhos aprenderam a ver
o mundo pela magia da nossa palavra.
O professor, assim, não morre jamais...”
Rubem Alves
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In Memoriam
Essa é uma homenagem ao meu querido orientador Prof. Afonso Maria
Ligorio Soares, a quem eu devo minha iniciação à Ciência da Religião, e o meu
interesse e entusiasmo pelos estudos nessa área.
Conheci o Prof. Afonso em 2014, no Colégio Santa Cruz, eu era
professora de Ensino Religioso e ele estava fazendo uma assessoria sobre o
modelo da Ciência da Religião.
Ele era um professor que gostava do que fazia, portanto, fazia-nos,
naturalmente, gostar também. Sua fala tranquila, e ao mesmo tempo cheia de
energia e vibração, nos fazia ficar atentos e querendo saber mais. Foi assim que
logo me vi fascinada por tudo aquilo, e não esperei para me inscrever no
mestrado e ser orientada por ele.
Conversávamos muito sobre que caminhos eu poderia seguir, já que a
minha proposta de trabalho, como ele dizia, “era um projeto de vida”, e por isso,
teríamos que escolher um “pedaço” para pesquisar!
Com o seu jeito humilde, gentil, alegre e dinâmico, estava sempre a
disposição dos alunos e sempre pronto a lançar algum desafio de reflexão, que
nos deixava dias pensando. Não mais somente “naquilo”, mas em muitas outras
coisas, sobre nós, sobre o mundo, sobre as relações e as não relações, e como
tudo está conectado. Como um beija-flor que voa livre, “bebericando” em várias
flores, só para provar diferentes sabores do mesmo néctar.
Ele era, e ainda é assim, referência na área da Ciência da Religião, do
Ensino Religioso, da Teologia, das Ciências Humanas, superando todas as
indiferenças e diferenças. Seu trabalho intelectual está registrado em seus
muitos escritos, livros e artigos, prontos para serem lidos e apreendidos.
Da religião, da religiosidade, da espiritualidade, do sagrado, da fé, dos
rituais, dos sacramentos, das festas, das palavras, dos cânticos, dos
sincretismos, de tudo ele sabia. Nós não sabíamos, mas ele nos incitava a querer
saber.
Ele era do axé, do amém, do namastê, da gratidão.
Obrigada por tudo! À meu mestre, com carinho!
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O Melhor da Vida
“O que vale nessa vida Tem um pouco do seu jeito
Jeito do seu corpo, jeito do seu pensamento Jeito de gostar dos outros cada vez gostando mais
Do seu jeito de falar tranquilo Como quem promete e faz
O que vale nessa vida é ver como você aproveita Desde a hora que levanta até a hora que deita
Quando escolhe a coisa certa é tudo sem receita Quando perto de você a própria confusão se ajeita bem
E me vem que a vida vale mil Mil vezes sou nós dois
Mil meses de amor Antes de ter prorrogação
Se a vida é por um fio Valeu pra quem já viu
Seu jeito de tocar no coração E nas noites que o tempo para e você me abraça Sinto que o melhor da vida sempre vem de graça
Sinto que o melhor momento é aquele que não quer passar E que dura toda a eternidade
E isso é só pra começar O que vale nessa vida, vale como um bom presente
Cai do céu, um bem que a gente sente Vem como você vem antes de eu me preparar E me diz: Vai ficar aqui, pois aqui é seu lugar
E me vem que a vida vale mil Mil vezes sou nós dois
Mil meses de amor Antes de ter prorrogação
Se a vida é por um fio Valeu pra quem já viu
Seu jeito de tocar no coração E me vem que a vida vale mil
Mil vezes sou nós dois Mil meses de amor
Antes de ter prorrogação Se a vida é por um fio Valeu pra quem já viu
Seu jeito de tocar o coração”
Compositores: Luiz Augusto / Marcelo Jeneci
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Dedicatória
“Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,
juntos desde a roupa às raízes,
juntos de outono, de água, de quadris,
até ser só tu, só eu juntos.”
Pablo Neruda
Dedico essa dissertação a você, Rogério Farias, meu namorado, meu
companheiro, meu amigo, meu professor, meu amor!
Obrigada pelo apoio incondicional, por me ouvir em todos os momentos
de dúvidas e incertezas, e por me dar forças para seguir em frente.
Obrigada pelas conversas, pelas leituras de todos os temas, pela procura,
pelos achados, pelas reflexões e aprendizados.
Obrigada por me acompanhar nesse caminho, juntos.
Obrigada por todo o tempo dedicado, pela compreensão e paciência com
as minhas ausências, pelas comidinhas e chazinhos, pelas louças lavadas
(muitas, né?!!), pelo carinho, pelo incentivo, pelo entusiasmo, pelo acompanhar,
pelo seu abraço, por suas palavras, pelo seu olhar e pela sua presença
(incansável, acolhedora, tranquila, e cheia de luz!!).
Obrigada pelos seus "pitacos", adoráveis, nos meus escritos, que são
como "pitadas de sal" que realçam meus pensamentos, meu agir, minhas
palavras, minha vida...
Walter Benjamin disse: “Em um amor a maioria procura o eterno lar.
Outros, muito poucos, porém, o eterno viajar”. E, Vygotsky, que: “nós nos
tornamos nós mesmos através dos outros”. Que felicidade a minha, poder fazer
essa e outras tantas viagens com você, o meu lar! E, me tornar eu mesma
através de você!
Obrigada por tudo! Essa conquista é nossa!
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Este trabalho foi realizado com o apoio financeiro da Capes/Taxa e com o apoio
da FUNDASP.
8
Agradecimentos
Ao meu pai, Arnaldo (in memoriam), que me traz muitas saudades, e a
lembrança de alguém que me ensinou a viver com intensidade e paixão, a
sonhar, a olhar tudo com as cores das artes e dos céus, com alegria e com muito
bom humor (sempre!!!), que tinha doçura e era um grande amigo, sempre
presente. “Parabéns hoje, felicidades sempre!”, é o que ele teria me dito hoje...
Repito a palavra “sempre” porque ele era assim, sempre estava lá! E, as lágrimas
que escorrem são de tristeza por ele ter ido viver o mundo de sonho dele tão
cedo, e de felicidade, por ter tido a oportunidade de encontrá-lo e tê-lo por perto
nessa vida. Obrigada pelo seu amor!
À minha mãe Cirila, que com sua alma de artista, mãos talentosas e olhar
para o outro, sempre foi exemplo de força, de luta, de amizade, de respeito, de
compaixão, de trabalho, de perseverança e de criatividade. Que me apoiou e
disse que eu seguisse os meus caminhos, com independência e autonomia, mas
sempre com carinho, beleza e gentileza. Que bom encontrá-la e tê-la por perto
nessa vida, para aprender, dar risada, conversar e beber uma cervejinha!
Obrigada pelo seu amor!
Ao meu irmão Petrus, por estar sempre por perto, me apoiando e sendo
exemplo, de garra, de inteligência e de retidão. Pela sua amizade e pelo seu
amor. Pessoa alegre, de bom humor, de bom coração e sorriso lindo. Amo você!
Às minhas cunhadas Inca e Lorena, à minha sogra Dona Bê, ao meu
enteado Guilherme, aos meus sobrinhos Gael, Arthur e Murilo, minhas queridas
e meus queridos, obrigada pelo apoio, pelo carinho, por compreenderem a minha
ausência, de corpo, mas não de coração e pensamento. Vou abraçar todos
vocês!
9
Ao Prof. Dr. João Décio Passos por me acolher num momento tão difícil
para ambos, por me orientar com novos passos, e me “levar” para além mar em
busca da história antes da história, e assim permitir que meu aprendizado se
ampliasse e chegasse completo ao fim dessa história. Começo de muitas outras
que virão. Obrigada pela confiança, pela oportunidade de parceria, pelo seu
tempo e por sua atenção.
Ao Prof. Dr. Frank Usarski pelo apoio e busca de “estradas” que
pudessem me manter na direção certa e continuar minha “viagem”. Acabei
fazendo várias, e, agora, poderei continuar a escrever e viajar, muito mais.
Ao Prof. Dr. Ênio José Brito e ao Prof. Dr. Wagner Lopes Sanchez, por
terem participado da minha Banca de Qualificação, indicando ajustes,
compartilhando seus conhecimentos, suas ideias e sugestões, e por terem
contribuído para o enriquecimento desse trabalho.
À Andreia Bisuli de Souza, Assistente de Coordenação, muito obrigada
pela sua disponibilidade incansável, pela sua atenção, pelo seu cuidado e
carinho, pela sua calma. Suas palavras de incentivo sempre me deram força e
esperança de que tudo ia dar certo. E aqui estamos! Obrigada!
Aos professores do Departamento de Ciência da Religião, por suas aulas
e ensinamentos, por possibilitarem o meu “mergulho” nesses estudos e
compartilharem comigo suas experiências e todo o seu conhecimento.
Aos colegas de mestrado, pela amizade, pelas vivências e troca de
experiências, pelos ensinamentos e força para seguirmos em frente, pela alegria
e companheirismo nos momentos de estudo.
10
Ao Colégio Santa Cruz, em nome do Prof. Fábio Luiz Marinho Aidar Jr.,
Diretor Geral, pela gentileza de “abraçar” a ideia de ter o colégio como estudo de
caso na minha dissertação, além de todo o apoio institucional para que eu
pudesse realizá-la. Aos funcionários, e especialmente, Aildo Carlos Oliveira
Santos (o “Pé de Pano”), Fredson Ribeiro de Sousa (o Fred), Mônica Barberini
Ferreira, Neusa Toshico Nakamura, Fabiana de Moura Silva, Livia Fraga dos
Santos, que acolheram meus pedidos com prontidão, carinho, alegria e
colaboração. Ao Prof. Fábio Aidar pelo apoio irrestrito, ao Prof. Cláudio Rondello,
ex-Coordenador da Pastoral, pelas conversas sobre Espirituladidade e práticas
do Ensino Religioso e Ação Comunitária, à Profa Renata Cataldi Usarski,
Coordenadora da Pastoral Social, por ter me apresentado ao Prof. Afonso Maria
Ligorio Soares e pelas conversas sobre as mudanças no Ensino Religioso. Ao
Padre José de Almeida Prado, Orientador Espiritual, pelas conversas sobre a
história do Colégio e sua Educação Religiosa “moderna”. Ao Padre Lourenço,
pelas conversas sobre o Marco Referencial da Educação Religiosa e o seu
resgate. Ao Padre Roberto Grandmaison, pelas conversas sobre o Colégio
Saint-Laurent, seus professores e livros, e sua amizade.
À Profa Sônia Maria B. C. Pereira Barretto, Diretora do Ensino
Fundamental 1, Soninha, como a chamamos carinhosamente, meu
agradecimento especial, pela confiança, pela alegria, pelo incentivo, pelo carinho
e atenção, pela oportunidade de trabalho que me trouxe a possibilidade de voltar
à academia para estudar, aprender, ingressar nesse mestrado e (re)conhecer
novos caminhos, interessantes e fascinantes.
À Congregação de Santa Cruz, em nome do Irmão Nilto Neres de Oliveira,
Superior Distrital no Brasil, pela atenção e acolhimento do meu interesse pela
história da congregação, indicando lugares, pessoas e livros para a pesquisa.
Ao Colégio Notre Dame, de Campinas, em nome do Prof. Lorenço
Jungklaus, Diretor Pedagógico, que me recebeu atenciosamente e disponibilizou
11
a biblioteca do colégio para que eu pudesse pesquisar;; de onde emprestei livros
essenciais para o meu trabalho.
Ao Padre John De Riso C.S.C., Reitor do Santuário Padre Basile Moreau,
em Le Mans, França, por ter me recebido, pela sua atenção e por ter
compartilhado o seu precioso tempo. Me senti honrada.
Ao José Carlos Sant’Anna Aranha, ou Zé, corretor de textos do Ensino
Médio no Colégio Santa Cruz, que dispôs do seu precioso tempo para ler e
revisar o meu trabalho.
Aos colegas de trabalho e aos professores parceiros do Ensino Religioso
que me incentivaram e estiveram do meu lado durante todo esse processo. Em
especial à Profa Ana Silvia do Livramento Barreto, que me perguntava sempre
como estava o andamento da minha pesquisa, se mostrando entusiasmada com
minhas descobertas e curiosa para saber como se concluiria o meu trabalho. Em
breve você poderá ler, e será muito bacana poder compartilhar com todos
também!
Aos amigos queridos que souberam compreender minha ausência, em
aniversários, encontros de finais de semana, almoços, cafezinhos... Estou
ansiosa para revê-los! Me aguardem, estou chegando!
12
“A expressão reta não sonha.
Não use o traço acostumado.
A força de um artista vem das suas derrotas.
Só a alma atormentada pode trazer para a voz um
formato de pássaro.
Arte não tem pensa:
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.
Isto seja:
Deus deu a forma. Os artistas desformam.
É preciso desformar o mundo:
Tirar da natureza as naturalidades.
Fazer cavalo verde, por exemplo.
Fazer noiva camponesa voar - como em Chagall.
Agora é só puxar o alarme do silêncio que eu saio por
aí a desformar.”
Manoel de Barros
13
“Seja a mudança que você deseja ver no mundo”.
Mahatma Gandhi
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Resumo
A dissertação apresenta uma pesquisa sobre o histórico do Ensino
Religioso/Educação Religiosa do Colégio Santa Cruz, católico, particular e
pluralista, localizado no Alto de Pinheiros em São Paulo, como estudo de caso.
Colégio esse mantido pela Congregação de Santa Cruz, que teve sua origem na
França, e foi fundado por padres da Congregação estabelecida no Canadá.
Com esse objetivo, faz-se um levantamento de documentos históricos e
bibliografia sobre o tema, para investigar o processo de desenvolvimento da
disciplina de Ensino Religioso. Passando pela fundação da Congregação, o seu
fundador e o contexto histórico que isso acontece, a chegada dos padres
canadenses no Brasil e a fundação do Colégio. Há uma contextualização
também do Ensino Religioso mais amplo no Brasil e como se deu no Colégio.
Há a sugestão de Fases desse Ensino Religioso, e a descrição do Modelo
atual, que se baseia epistemologicamente na Ciência da Religião. Como deu-se
a origem e as diretrizes de encaminhamento do mesmo. Que vai de encontro
com a filosofia humanista e pluralista que o Colégio segue desde sua fundação.
Para que haja a formação integral do ser humano.
Palavras-chave: Ensino Religioso, Educação, Ciência, Religião, Congregação.
E-mail para contato: nilmapaula@gmail.com
15
Abstract
The dissertation presents a research on the history of Religious Education
of the Santa Cruz College, catholic, private and pluralist, located in Alto de
Pinheiros in São Paulo, as a case study. This College was maintained by the
Congregation of the Holy Cross, which originated in France, and was founded by
priests of the Congregation established in Canada.
With this aim, a survey of historical documents and bibliography on the
subject is done, to investigate the process of development of the discipline of
Religious Education. Passing on the foundation of the Congregation, its founder
and the historical context that this happens, the arrival of the Canadian priests in
Brazil and the foundation of the College. There is also a contextualization of the
wider Religious Education in Brazil and as it happened in the College.
There is the suggestion of Phases of this Religious Education, and the
description of the current Model, which is epistemologically based on the Science
of Religion. How was the origin and the routing guidelines of the same. That goes
against the humanist and pluralist philosophy that the College has followed since
its foundation. So that there is the integral formation of the human being.
Key-words: Religious Education, Education, Science, Religion, Congregation.
Contact: nilmapaula@gmail.com
16
Sumário
Resumo 14
Abstract 15
Introdução 18
Capítulo I. História do Colégio Santa Cruz 23
1. Origem da Congregação de Santa Cruz 23
1.1. O fundador da Congregação de Santa Cruz: Beato Basile
Antoine Marie Moreau (1799 – 1873) 30
2. O Carisma da Congregação de Santa Cruz 40
3. A "Educação Cristã", na visão do Padre Basile Moreau 44
4. Os Valores de Missão das Escolas de Santa Cruz 48
5. Chegada ao Brasil 50
6. O Colégio Santa Cruz 52
Capítulo II. O Ensino Religioso no Colégio Santa Cruz: aspectos históricos 60
1. O Ensino Religioso no Brasil e no Colégio Santa Cruz 60
1.1. Os Modelos de Ensino Religioso: na Constituição, em
Pesquisas Teóricas e no Colégio Santa Cruz 70
2. Projeto Educacional do Colégio Santa Cruz: linhas básicas 73
3. O Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz a partir dos Planos
Diretores 83
3.1. Os Planos Diretores 83
3.2. Fases da Educação Religiosa do Colégio Santa Cruz 83
17
Capítulo III. O Modelo atual de Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz 104
1. O Marco Referencial da Educação Religiosa no Curso de 1o
Grau do Colégio Santa Cruz 104
2. O Modelo atual 111
2.1. Origem 111
2.2. Documento do Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz 115
3. A Ciência da Religião como matriz 125
4. Um confronto representativo 131
Considerações Finais 140
Bibliografia 143
ANEXOS 148
ANEXO 1 – PLANOS DIRETORES DO COLÉGIO SANTA CRUZ 149
ANEXO 2 – DOCUMENTO: O MARCO REFERENCIAL DA
EDUCAÇÃO RELIGIOSA NO CURSO DE 1O GRAU
DO COLÉGIO SANTA CRUZ 162
ANEXO 3 – LIVROS DO PADRE CHARBONNEAU: UMA ILUSTRAÇÃO 195
18
Introdução
Desde a colonização do Brasil, em 1500, ensina-se sobre religião,
inicialmente, com a intenção de catequisar, para uma educação cristã católica.
Religião que desembarcou com os portugueses.
No decorrer dos anos, a educação passa para o Estado, que define o
Ensino Religioso, chamado assim até hoje, como o ensino da religião católica,
disciplinador e evangelizador dos índios, escravos, e do povo em geral. Mas
como no dia a dia o Ensino Religioso era mais de caráter doméstico do que
institucional, em que cada família era responsável por ensinar a sua religião,
houve uma separação entre educação e religião.
No país, muitas discussões foram levantadas sobre essa questão. Num
momento, em 1824, Rui Barbosa, jurista, político e escritor, diz que nas escolas
não se poderia impor uma crença. Na chegada da República, em 1889, as
chamadas tendências secularizantes, ou seja, o processo de mudança de um
Estado baseado nas religiões (nesse caso, a Católica) para um Estado laico,
separado do “mundo religioso” e mais próximo do Direito Civil, ajudam na defesa
de uma escola leiga, gratuita, obrigatória e pública. Em 1934, admite-se o Ensino
Religioso como disciplina nas escolas públicas, mas de caráter facultativo e de
acordo com a crença do aluno.
Dessa maneira, inicia-se um processo de busca por um objeto do Ensino
Religioso, ou seja, de uma identidade. Pois não havia clareza quanto ao seu
papel no âmbito escolar.
19
Desde 1974, Encontros Nacionais de Ensino Religioso (ENER) têm sido
realizados para reflexões sobre esse papel. Além de se pensar nos conteúdos
disciplinares específicos, no como ensinar e quem estaria habilitado a ensinar.
As ideias sobre pluralismo, diversidade, construção de uma sociedade justa e
democrática através de aprendizados que estimulem a atuação transformadora
dos cidadãos, estão sempre presentes. Juntamente com a compreensão do
fenômeno religioso e o conhecimento de manifestações em diferentes
denominações religiosas.
Em 1995, persistentes neste ideal, os participantes da 29a Assembleia
Ordinária do Conselho de Igrejas para o Ensino Religioso – CIER, que no ato
comemorava seus 25 anos de experiência ecumênica, mais entidades religiosas
e educacionais, professores e pesquisadores presentes, propõem a instalação
do Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso – FONAPER.
Joana Zylberstajn (2012), em sua tese de doutorado “O Princípio da
Laicidade na Constituição Federal de 1988”, diz que é usual ouvirmos que o
Brasil é um Estado laico: imprensa, círculos acadêmicos, políticos, movimentos
sociais, todos afirmam que o país é laico. Essa declaração, no entanto, não está
explícita na Constituição Federal de 1988. O debate sobre o Ensino Religioso talvez seja o mais amplo dentro da
discussão sobre a laicidade e a relação entre o Estado e Igreja.
Mauro Passos (2013, p. 628) diz que "a ação formadora da educação e
da religião tem uma dimensão de totalidade, pois abarca as diversas dimensões
do ser humano: física, intelectual, moral, simbólica, cultural". E diz,
historicamente, que a religião é um elemento que sempre desempenhou um
papel significativo na formação da população brasileira. Então, pergunta-se
Passos, como falar de educação sem levar em conta o papel das diversas
tradições religiosas? Como situar a história da educação brasileira sem
contemplar o trabalho das congregações religiosas, por exemplo?
Hoje em dia, a importância de pensar e refletir sobre essa disciplina dentro
das escolas é ainda maior. O seu percurso sempre foi bem conturbado e repleto
de divergências, tanto no aspecto pedagógico-educacional, como no político-
constitucional. Essa é uma questão complexa que necessita de mais estudos,
investigações e debates.
20
Assim, para pesquisar, discutir e refletir sobre o Ensino Religioso, esse
trabalho terá o Colégio Santa Cruz como seu estudo de caso. Um colégio
católico, privado e pluralista, que foi fundado em 1952 por padres canadenses
da Congregação de Santa Cruz, que é a sua mantenedora. Essa Congregação
é francesa, e foi fundada em Le Mans pelo Beato Basile Moreau. Está localizado
no Alto de Pinheiros, em São Paulo.
E, para tanto, fará um percurso na sua história. Desde a Educação
Religiosa realizada pelos padres na época de sua fundação, até o Ensino
Religioso dos dias de hoje, para entender os fatos que levaram a Ciência da
Religião a compor sua base epistemológica e os processos que o levaram a esse
modelo. Além da motivação da autora em conhecer esse percurso, dada sua
vivência como professora de Ensino Religioso do Colégio em questão.
O referencial teórico para essa pesquisa será constituído, inicialmente, por
autores que discutem e analisam as questões referentes a utilidade direta do
campo da Ciência da Religião, e refletem sobre esse tema dentro de uma área
específica, a Ciência da Religião Aplicada, expressão conceitual utilizada no
Compêndio de Ciência da Religião (SOARES, PASSOS e USARSK, 2013). Ou,
como prefere TWORUSCHKA (2013, p. 573), Ciência Prática da Religião, que
para ele
vai além da percepção, descrição e análise das ações dos atores sociais. Ela se interessa pelas reais possibilidades de contribuir
socialmente em vista da paz, da humanização e da mediação de
conflitos culturais-religiosos, o que implica desistir de uma disposição
catedrática, de transferência "neutra" de conhecimento de cima para
baixo, para investir fundo na vida cotidiana e seus problemas.
Com o Compêndio de Ciência da Religião, SOARES (2013) lança um
desafio sobre pensar a Ciência da Religião "Aplicada" partindo dos resultados
sociais que se esperam dela, já que se trata da área mais recente dessa Ciência.
Ele fala também sobre a mais conhecida, e talvez mais evidente, aplicação da
Ciência da Religião, o ensino religioso.
Para tanto, SOARES (2013, p. 574), escreve sobre essa relação entre
educação e estudos de religião, dizendo que:
21
nesse sentido, o que geralmente é denominado de ensino
religioso é, na verdade, a transposição didática, ou melhor, a aplicação
para o cotidiano da sala de aula dos resultados dessa Ciência,
possibilitando aos estudantes da educação básica a compreensão
da(s) cultura(s) das diferentes comunidades que formam determinado
país/nação.
Além dos autores citados, outros estudaram e pensaram na perspectiva da
Ciência Prática da Religião, segundo TWORUSCHKA (2013, p. 580),
MENSCHING (1901-1978), “que pleiteava tolerância desde os anos 1920”,
ELIADE (1907-1986), “que queria “despertar” seus leitores, levá-los a um
“choque espiritual”, abrir e alterar, assim, os horizontes da compreensão de seus
receptores”, que eram considerados como “fenomenologistas da religião”,
“portanto desatualizados coveiros da Ciência da Religião”;; e SMITH (1916-
2000), que achava que “a Ciência da Religião pode desempenhar um papel
educacional eminente em diálogo e, portanto, tem uma tarefa prática: educar os
estudantes que podem realizar o papel de intermediários e intérpretes entre duas
tradições religiosas. Isso vale, até mesmo, para as instituições onde a Ciência
da Religião é lecionada”.
TWORUSCHKA (2013, p. 579), diz que o termo Ciência Prática da Religião
"se refere a um modelo de Ciência da Religião ilimitado, inter e transdisciplinar,
que incentiva e promove uma ação orientada, crítica, comunicativa, político-
social da Ciência da Religião". Ou seja, que olha para o que está acontecendo,
e se preocupa em gerar conhecimento útil e utilizável. A teoria que será seguida
por esse trabalho.
Dessa forma, mostra-se como uma área nova (ainda) e que está aberta.
No Compêndio há uma proposta de sistematização de alguns consensos teórico-
metodológicos para unificar e indicar um caminho comum. Mas, deixa também a
possibilidade para sugestões, descobertas e transposições dos esforços
acadêmicos e, vice-versa, da aplicação, da prática, para a academia.
A pesquisa foi realizada segundo o método histórico-documental, por meio
de documentos, registros históricos, relatos, sites e visitas a instituições e
lugares relevantes ao tema. Ou seja, documental (fontes primárias) e
bibliográfica (fontes secundárias), basicamente. Também houve pesquisa de
campo incluindo observações, análises e interpretações de fatos e fenômenos
22
ocorridos no Colégio em relação ao tema estudado, além da participação na
criação do documento do Ensino Religioso vigente e a presença em reuniões da
área.
Registros de memórias, "livros" não oficiais e, os Planos Diretores
(documentos em que constam o Projeto Educacional, a "Palavra do Diretor",
mudanças e diretrizes anuais do Colégio) foram lidos e, os pontos de interesse,
selecionados, descritos, sistematizados e analisados.
A Congregação de Santa Cruz tem 180 anos. No Canadá, de onde vieram
os padres que fundaram o Colégio no Brasil, 170 anos, no Brasil tem 69 anos e
o Colégio completou, em 2017, 65 anos de fundação. Um longo período de
tempo e de história.
Para tanto, no Capítulo I, encontramos uma descrição sobre o contexto em
que acontece a origem da Congregação de Santa Cruz na França, depois como
a mesma se estabeleceu no Canadá e, por fim, como chegou ao Brasil e fundou-
se o Colégio Santa Cruz.
No Capítulo II, o objeto da pesquisa, o Ensino Religioso no Colégio Santa
Cruz é apresentado. Primeiramente, um panorama geral de como essa disciplina
vem se mostrando no Brasil, depois, o percurso dessa área no Colégio, desde
sua fundação até os dias atuais. Incluindo a descrição do Projeto Educacional
do Colégio e suas bases pedagógico-educacionais.
E, no Capítulo III, o Modelo atual de Ensino Religioso do Colégio Santa
Cruz é descrito;; desde sua origem, passando pelo Marco Referencial da
Educação Religiosa no Curso de 1o Grau, seu Documento e as práticas e
atividades desenvolvidas hoje, tendo como base a Ciência da Religião.
23
Capítulo I
História do Colégio Santa Cruz
1. Origem da Congregação de Santa Cruz
A Congregação de Santa Cruz, abreviadamente C.S.C. (da sigla do latim
Congregatio Sancta Cruce), é uma Congregação religiosa católica de direito
pontifício, que congrega padres, irmãos e irmãs. Sua origem deu-se, em primeira
instância, com a união da sociedade de padres auxiliares diocesanos de Le Mans
(capital do departamento de Sarthe, na região do Pays de la Loire, França) com
o Instituto dos Irmãos de São José, grupo de rapazes reunidos pelo Pe. Jacques-
François Dujarié (1767-1838), vindos de Ruillé-sur-Loire, cidadezinha situada a
uns quarenta quilômetros de Le Mans, em 1o de março de 1837, mediante o que
se convencionou chamar de “Ato Fundamental”. Depois, em 1838, uniram-se a
um grupo de irmãs. E em 1841, o Beato Basile Antoine Marie Moreau (1799-
1873) funda a família religiosa de Santa Cruz. Mas, somente em 1857, foi
aprovada formalmente pela Santa Sé.
O grupo das irmãs, as “Marianitas”, juntaram-se a eles, mas Roma não
aceita que mulheres se juntem a um instituto de homens. Assim, foram aceitas
oficialmente como parte da Congregação apenas em 1867, o que não atrapalhou
o trabalho entre eles - padres, irmãos e irmãs - durante todos esses anos.
Formando, enfim, a Família de Santa Cruz, a que o Padre Basile Moreau tanto
queria como representação da Sagrada Família (Jesus, Maria e José).
24
Mas, naquela época, após a Revolução Francesa (1789-1799), que lutava
contra o Regime Absolutista1 da monarquia, a Igreja havia sido tomada, padres
tinham sido expulsos e executados. E assim, muitas escolas estavam fechadas
e uma geração inteira estava crescendo com pouca ou nenhuma educação
formal, já que muitas eram mantidas pela Igreja Católica. Muito menos nos
assuntos de fé, já que a partir daquele momento um governo laico2 se fazia
presente.
No Antigo Regime3, a sociedade francesa era dividida em três estados: o
primeiro, formado pelo Alto Clero Católico (cardeais, arcebispos, bispos e
sacerdotes de famílias ricas);; o segundo, pela Nobreza (família real e nobreza);;
e o terceiro, pela Burguesia (trabalhadores urbanos e camponeses) e Baixo
Clero Católico (sacerdotes e diáconos) (SOBOUL, 1979). Apenas os dois
primeiros estados tinham privilégios. Assim, o terceiro (insatisfeito) promove a
Revolução.
A filosofia do século XVIII ensinou os franceses a considerarem
vil sua condição, ou em todo caso injusta e ilógica, e os fez indisporem-
se com a resignação paciente que por tanto tempo caracterizara seus
ancestrais. [...] A propaganda dos philosophes (iluministas), mais do
que qualquer outro fator talvez, contribuiu para cumprir-se a condição
preliminar da Revolução Francesa, ou seja, a insatisfação com a
situação vigente (PEYRE, 2002, p. 324).
1 Nesse Regime, o rei concentrava em suas mãos os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Desse modo, suas decisões dificilmente encontravam limites para serem aplicadas. As vontades particulares do monarca, muitas vezes motivadas por intrigas e caprichos pessoais, tornavam-se, na maior parte das vezes, orientações para o próprio Estado francês. (ALVES & OLIVEIRA, 2010, p. 157). 2 Laico é um adjetivo que significa uma atitude que demonstra a separação da religião da vida política, pública. Que não sofre influência ou controle por parte da igreja (ou da religião). Disponível em: https://dicionariodoaurelio.com/laico. Acesso em: 01 de novembro de 2017. 3 Esse Regime, também conhecido como Ancien Regime, pelos franceses, dava o poder divino e sagrado ao rei, que só devia obediência a Deus. O clero católico regulava a vida dos franceses. Os registros de nascimento, casamento e morte;; o recolhimento de tributos e dízimos;; a administração de escolas e hospitais e a censura de livros considerados imorais ou subversivos eram algumas das atividades controladas pela Igreja. Além disso, ela desfrutava de privilégios concedidos pela monarquia, como a isenção de alguns impostos. (ALVES & OLIVEIRA, 2010, p. 168).
25
A Revolução, nesse contexto, despertou uma onda
anticlerical4, atacando os privilégios e as prerrogativas tradicionais da
Igreja. (ALVES & OLIVEIRA, 2010, p. 168).
O Reverendo Dujarié foi ordenado durante a Revolução, em segredo, por
causa da situação. Em 19 de dezembro de 1795 recebeu o subdiaconato, no dia
seguinte, o diaconato, e no dia 26, o presbiterato. E depois, ainda nesse período,
enviou os jovens instruídos por ele para paróquias rurais para lecionarem. Estes
jovens tornaram-se os Irmãos de São José.
Os camponeses foram os mais atingidos, porque eles se sentiram
abandonados por aqueles que faziam a Revolução, e porque eram católicos
fervorosos. Assim, quando os revolucionários começaram a expulsar os padres
que não juravam fidelidade à Constituição da República, foi a gota d'água.
Uma das medidas tomadas pela Assembleia Constituinte foi a
aprovação, em 1790, da Constituição Civil do Clero. O documento
reorganizava a relação da Igreja com o Estado francês. A cobrança do
dízimo foi suprimida e os bens do clero foram confiscados. Muitas
igrejas foram transformadas em granjas, estábulos, peixarias ou salas
de reuniões para clubes revolucionários. Propriedades eclesiásticas
foram vendidas e os padres foram proibidos de usar suas
indumentárias eclesiásticas. O celibato clerical deixou de ser
obrigatório.
Os padres tornaram-se funcionários públicos. Por esse motivo,
deviam prestar juramento de fidelidade, comprometendo-se a cumprir
a lei e servir à nação. O papado e o alto clero opuseram-se a essas
mudanças e orientaram os padres a não prestar o juramento e
continuar oficiando clandestinamente. Mesmo assim, cerca de 50% do
clero aderiu ao juramento, provocando um cisma na Igreja. O Estado
francês e o papado só se reaproximariam em 1801. (ALVES &
OLIVEIRA, 2010, p. 168).
4 Relativo àquele que combate a interferência do clero na sociedade, defendendo a influência predominante do poder civil sobre o Estado e as instituições sociais. (ALVES & OLIVEIRA, 2010, p. 168).
26
A Constituição Civil do Clero (1790), uma mal concebida
tentativa de destruir não a Igreja, mas a lealdade romana absolutista
da Igreja, levou a maioria do clero e de seus fiéis à oposição, e ajudou
a levar o rei à desesperada e, por fim, suicida tentativa de fugir do país.
(HOBSBAWM, 1996, p. 32)
A Igreja era muito importante nas zonas rurais, tinham um papel de
assistência social.
Em 1791, a Assembleia Nacional declara a Constituição Francesa em que
“a lei não reconhece os votos religiosos, nem qualquer outro compromisso que
seja contrário aos direitos naturais, ou à Constituição”5.
E o povo sentiu-se desamparado e abandonado quando o Estado e a
Igreja “quebraram”. O que resultou na Revolta da Vendéia, em que camponeses
estavam dispostos a lutar em nome de Deus e a favor de "seus" padres e
paróquias (Igreja Católica). A Vendéia localiza-se na região do Pays de la Loire,
a oeste da França.
Alguns historiadores, hoje, e o governo Republicano, na época, acham
que essa luta era atrasada e retrógrada. Mas, Alain Gérard, diretor do Centro
Vendeano de Pesquisas Históricas6, não concorda:
Embora se colocassem a favor do sistema monárquico, os
camponeses não estavam simplesmente defendendo a velha ordem
das coisas. Eles lutavam pelos mesmos valores que os revolucionários:
igualdade, liberdade e fraternidade. O fato é que a Revolução havia se
mostrado infiel a esses princípios, deixando de lado as aspirações da
população rural e dando mostras de autoritarismo e brutalidade. Em
vez de se manterem ao lado de uma revolução que os havia
decepcionado, os camponeses resolveram lutar contra ela.
E assim, o governo se volta contra a Vendéia, e anuncia um combate para
destruí-la. Mais de 250 mil moradores dessa região morreram. Tornando esse,
5Disponível em: http://www.fafich.ufmg.br/~luarnaut/const91.pdf. Acesso em: 01 de novembro de 2017. 6Disponível em: http://www.histoire-vendee.com/. Acesso em 16 de novembro de 2016.
27
um dos maiores massacres da história contemporânea, afirma José Francisco
Botelho7, descrevendo-a assim:
Em setembro de 1793, um novo exército republicano atacou
com fúria a província rebelde. A Vendéia inteira mobilizou-se numa
resistência desesperada: agora, o lema dos camponeses era “Vencer
ou Morrer”. No dia 17 de outubro, ao norte da cidade de Cholet, os
vendeanos tentaram deter a marcha inimiga. Contavam, ainda, com
grande superioridade numérica: havia em torno de 40 mil rebeldes
contra 20 mil republicanos. Dessa vez, no entanto, o exército
revolucionário tinha a liderança de Jean-Baptiste Kléber, um dos
melhores generais franceses da época. Envolvidos pelos regimentos
republicanos, os rebeldes debandaram em massa para o rio Loire,
deixando atrás de si uma trilha de mortos. Algumas semanas depois,
os sobreviventes foram encurralados na aldeia de Le Mans, do outro
lado do Loire. Sob uma noite de tempestade, durante 14 horas
seguidas, os dois exércitos enfrentaram-se em uma das batalhas mais
medonhas da guerra. Cerca de 10 mil vendeanos morreram – e os que
conseguiram escapar seriam destroçados pouco depois, perto da vila
de Savonay.
Todas essas cidades, vilas e departamento estavam localizados numa
mesma região, a do Pays de la Loire. Mesma região em que os Irmãos de São
José, os Padres Auxiliares e a Congregação de Santa Cruz se formaram. Essa
região ficou marcada pela resistência à Constituição Civil do Clero e o juramento
a que os padres tinham que fazer (VOVELLE, 1986). A Revolução estava
destruindo o senso de comunidade e solidariedade que havia entre as famílias e
os religiosos que as apoiavam e se preocupavam com a zona rural.
Em 1800, Napoleão Bonaparte assina um tratado de paz com os
vendeanos. Entretanto, nunca foi completamente aceito pelos moradores da
província, já que ele tinha sido um colaborador do Regime Republicano. Em
1801, reaproxima o Estado francês da Igreja Católica, com a assinatura de uma
concordata com o Papa Pio VII. No documento estava que o catolicismo seria a
religião da maioria dos franceses, mas não a oficial, e restituía antigos direitos
7Disponível em: http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/guerras/vendeia-a-antirrevolucao-francesa.phtml#.WevGLYfbzM0. Acesso em 21 de outubro de 2017.
28
do clero. Mas, as propriedades confiscadas em 1790, não seriam devolvidas nem
indenizadas (ALVES & OLIVEIRA, 2010). E em 1804, coroa-se imperador da
França, na Catedral de Notre Dame em Paris, com o Papa como mero
expectador, mostrando total independência da Igreja Católica.
Então, em 1815, a Vendéia rebela-se novamente contra o governo, o que
aconteceu simultaneamente ao ataque das tropas anti-napoleônicas (ingleses,
austríacos, prussianos), levando as tropas francesas a se dividirem em dois
flancos, um interno e outro externo. Os vendeanos são novamente derrotados.
Só que, desta vez, acabaram "colaborando", consequentemente, com a queda
de Bonaparte, na Batalha de Waterloo.
Essas revoltas acabam firmando uma diferença, quase marcante, entre o
urbano e o rural. Este último, já apresentava ter mais necessidades antes,
estando "fora" dos acontecimentos das áreas centrais e, depois, essa situação
piora com a perda de seus colaboradores, os padres, e com a morte de tantas
pessoas. Por isso, o Reverendo Dujarié, que foi ordenado padre (secretamente)
durante a Revolução Francesa, volta o seu olhar para o campo e envia os irmãos
em missão para estas regiões.
O sistema educacional francês, administrado quase inteiramente
pela Igreja antes da Revolução, incluindo 321 escolas na única Diocese
de Le Mans, havia sido virtualmente destruído quando Napoleão
assumiu o poder. Embora a perseguição à Igreja tenha diminuído
enquanto Moreau crescia, os ressentimentos eram mantidos sob a
superfície e ocasionalmente voltavam a se manifestar. (KING, 2015, p.
3)
Com idade avançada e doente, em 31 de agosto de 1835, o Padre Dujarié
passa a liderança dos Irmãos de São José, instituição destinada à formação
cristã da juventude, a um jovem e dinâmico padre chamado Basílio Antoine Marie
Moreau, a quem conheceu e com quem simpatizou durante os retiros dos
Irmãos, e que já havia formado uma associação de padres, a dos Padres
Auxiliares, destinada também à pregação e à educação, dizendo:
29
Senhor Pe. Moreau, rogo-lhe aceite conduzir a pequena
congregação dos Irmãos de São José à qual acabo de renunciar por
causa das minhas enfermidades, que me impedem dela cuidar, bem
como prepará-la para o futuro, coloco-a toda inteira em suas mãos;; eu
lha confio na certeza de que o senhor lhes será um pai e um protetor.
Sim, confio-lhe os meus filhos, aceite-os como aquilo que tenho de
mais precioso e como um patrimônio cujas contas o senhor deverá
prestar ao príncipe dos Pastores. Quero que doravante eles o vejam
como a que lhe devem como o seu superior. (BERGERON, 1999, p.
106-107)
Os Padres Auxiliares, colegas de Moreau e sacerdotes em Le Mans,
foram seus assistentes na diocese, pregando em missões paroquiais e instruindo
jovens em seminários e faculdades. Para ele, esses homens eram vistos como
educadores, em primeiro lugar. Moreau pensava que a vocação de um professor
era um chamado especial de Deus tão importante quanto o chamado à vida
religiosa (BERGERON, 1998).
Figura 1: Símbolo da Congregação de Santa Cruz8.
Fonte: http://www.congregacaodesantacruz.org.br/img/Image/cruz.jpg. Acesso em: 09 de novembro de 2017.
8 Símbolo da Congregação de Santa Cruz. “As âncoras simbolizam a fixação do Amor Infinito no lenho da Cruz. Do lenho da cruz acredita-se brotar vida nova pelo fato da Ressurreição. A cruz é o feito do Amor infinito de Deus. Uma das âncoras é a fé do religioso no Mistério Pascal. A outra marca sua esperança na vitória do amor sobre o ódio. A cruz simboliza também a vulnerabilidade do próprio amor. Quem mais ama é sempre o mais vulnerável. Foi o Amor infinito que deixou Jesus ser pregado na cruz. Se não fosse a nossa fé no poder do amor, a cruz seria um absurdo ou uma loucura” (cf. 1 Cor 1,18.23).
Disponível em: http://www.congregacaodesantacruz.org.br/site/pasta_211_0__nosso-simbolo.html. Acesso em: 09 de novembro de 2017.
30
1.1. O fundador da Congregação de Santa Cruz: Beato Basile Antoine Marie Moreau (1799 – 1873)
Figura 2: Padre Basile Antoine Marie Moreau9.
Fonte: http://www.holycrosscongregation.org/assets/243564/fullsize/2017_moreau_anniversary_logo_portuguese.png.
Acesso em: 08 de novembro de 2017.
Basile Antoine Moreau, nasceu em Laigné-en-Belin, departamento de
Sarthe, região do Pays de la Loire, uma pequena aldeia situada a cerca de 14
km a sudeste de Le Mans, em 11 de fevereiro de 1799.
Ele foi o oitavo filho dos catorze que seus pais Louis e Louise Moreau,
pessoas simples e católicos fervorosos, provavelmente analfabetos, tiveram. Foi
registrado, segundo o calendário da Revolução Francesa, em “24 de pluvioso do
Ano VII” (BERGERON, 1998). A família não tinha muitos recursos financeiros;;
eles viviam da criação de alguns animais e de uma pequena adega. Mas,
proporcionaram-lhe uma educação cristã e, clandestinamente, asseguraram-se
de trazer um sacerdote que havia se recusado a prestar o juramento de lealdade
ao Estado para batizá-lo (KING, 2015).
9 Logo oficial de aniversário da beatificação do Padre Basile Moreau.
31
A mãe, cristã fervorosa, já acostumava as crianças à oração em família.
E, mesmo depois da época da Revolução, em que foram privados da presença
de um padre, ela faz dessas orações uma liturgia da família Moreau.
Aos dez anos, Basile Moreau recebe a primeira eucaristia. E logo passa
a ajudar o vigário nas missas e a dizer que se tornaria um sacerdote como ele,
o Padre Julien Le Provot, que exerceu o ministério clandestinamente durante a
Revolução. E, que depois, convocaria a senhorita Dufay de Boismont para cuidar
das meninas.
Segundo BERGERON (1998), em 23 de abril de 1823, Padre Moreau
lembrando da admiração que sentia pelos “professores” Padre Julien e senhorita
Dufay, tão presentes em sua vida quando criança, e o que essas “almas de elite”
fizeram por ele, disse: “É meu pai, é minha mãe: eu sou filho deles em Jesus
Cristo. Como eles educaram a nossa infância e instruíram a nossa juventude!
Que lições, que conselhos salutares, que consolações não recebemos da
caridade deles!”
E logo, o vigário percebeu que Basile era diferente dos outros jovens, e
se prontificou a levar adiante a sua educação. Ofereceu-lhe um curso de latim
na casa paroquial e, em outubro de 1814, proporcionou-lhe a ida para o Colégio
de Château-Gontier, situado a uns 80 km de Laigné-en-Belin, percurso que fez
a pé na companhia de seu pai.
Lá foi acolhido pelo superior Padre Basile Horeau, que tinha estado preso
durante dois anos, e pelo vice-superior Padre Jean Fillion, o qual escolhe como
seu diretor espiritual, e a quem vai depositar sua confiança mesmo depois de
deixar o Colégio, mantendo-o como confidente e amigo durante 40 anos.
Após três anos de estudos, no outono de 1817, vai para o Seminário Maior
do Mans, em Le Mans, próximo de sua cidade natal. Lugar em que passaria seus
próximos quatro anos se preparando para sua ordenação como padre.
E, passado esse período, com vinte e dois anos de idade, em 1821 é
ordenado sacerdote, com o consentimento do seu diretor espiritual. Resume,
assim, as obrigações com as quais se compromete:
32
Votos que eu faço antes do subdiaconato:
1. voto perpétuo de castidade;;
2. de obediência, isto é, de não solicitar posto algum e de tudo
aceitar;;
3. de pobreza, isto é, de não acumular riqueza, de vestir-me
somente com tecido comum e ordinário, jamais a seda;;
4. de jejuar todas as sextas-feiras e de só beber água às
refeições enquanto eu estiver no seminário, para que não haja
constrangimento durante as férias.
O primeiro motivo dessa mortificação é o de fazer penitência
pelos meus pecados;; o segundo, o de conseguir cada vez mais o amor
de Jesus Cristo (BERGERON, 1998, p. 14).
Esses votos só comprovam sua vontade de se aproximar cada vez mais
de Jesus Cristo e de seu modo de vida. Sua ordenação acontece em sua cidade
natal, na Capela da Visitação, na orla da Place de la Chanterie (hoje Place de la
République), onde exerce funções paroquiais por dois meses, e, logo antes de
voltar aos estudos, pede a seu bispo licença para ingressar no Seminário das
Missões Estrangeiras de Paris, pois para ele era importante levar essa fé em
Jesus para todos os lugares. Mas, como colégios religiosos começavam a ser
reabertos ao lado dos novos colégios seculares10 e havia falta de padres (durante
o período revolucionário, dois terços dos padres tinham desaparecido e, nas
guerras do Império, foram dizimadas as faixas etárias que teriam sido as dos
seminaristas11), o seu superior já havia decidido que ele seria muito mais útil
formando novos padres. Por isso, o enviou para o Seminário de Saint-Sulpice,
para completar sua formação com os sulpicianos em Paris e Issy.
10 Ou laicos, como já citado, que não apoia e nem se opõe a nenhuma religião. 11 Publicação com o título: “O bem-aventurado Basile Moreau: Fundador da Congregação de Santa Cruz”, preparada para celebrar a beatificação do Padre Basile Moreau, a 15 de setembro de 2007, Le Mans, França. Pela Biblioteca e Arquivos Nacionais de Québec e Biblioteca e Arquivos do Canadá, Edições Fides, 2007. A qual será identificada no corpo do texto somente pela data: 2007.
33
Três meses após sua entrada no Seminário, ele escreve uma carta para
o seu antigo diretor espiritual, o Padre Fillion:
Se me enviarem evangelizar qualquer aldeia, eu bendirei a
Deus e ao meu bispo. Desejo-o com ardor e eu gostaria de já estar ali.
Será preciso dizer-lhe isso? É tão grande o meu desejo que há
momentos em que eu sinto todo o meu peito queimar. Quando me
recolho ao leito, que vejo como o meu túmulo, eu gostaria de, ao
acordar-me já estar entre alguns pobres camponeses. Como os
educaria e como os levaria de volta a Deus! Será desejo de aparecer,
amor próprio, orgulho, ou seriam santas inspirações, movimento
piedoso? Enquanto eu estudo os Beth e os Aleph, enquanto encadeio
um atqui e um ergo, perde-se a alma do meu irmão. Com certeza Deus
cuidará de tudo e, ao primeiro sinal, hei de deixar, embora triste, a
Soledade de Issy, quando lá eu estiver. (28 de janeiro de 1822)
(BERGERON, 1998, p.16)
A carta mostra o seu anseio de divulgar a palavra de Deus, as mensagens
de Jesus Cristo por toda a parte, e não de ficar parado num único lugar. Achando
que dessa forma estaria perdendo a oportunidade de evangelizar mais pessoas
e de também trazer de volta a crença na Igreja, perdida durante a Revolução
Francesa.
Durante dois anos o jovem padre vive a espiritualidade da escola francesa
e, sob a firme direção de Monsenhor Mollevaut, aprende a prática da humildade,
da ternura, da moderação. E, por mais de 25 anos, Monsenhor Mollevaut será o
seu conselheiro em todas as suas situações importantes.
Em 1823, regressa à cidade de Le Mans para ensinar no seminário e fazer
sermões na diocese. Permanece por 13 anos no ministério do ensino e do
acompanhamento espiritual dos seminaristas, além de pregar aos paroquianos.
Começa a lecionar no seminário Menor de Filosofia, depois vai para o
Seminário Saint-Vincent, inicialmente, ensinar sobre a Igreja. Mas, como o
superior Monsenhor Bouvier, - e muitos bispos da época -, era de tendência
34
galicana12, vendo que Moreau, ao contrário, era de tendência extremamente
ultramontana13, transfere-o para a disciplina de Sagrada Escritura, considerada
de menos importância. Mesmo assim, acaba tornando-se vice-superior, e, nessa
ocasião, em 1834, inova ao introduzir no seminário um curso de Ciências Físicas.
Com a proximidade dos estudantes, e agora já como diretor, muitos
seminaristas e jovens padres o escolhem como mentor espiritual. E assim,
entram para o grupo de Padres Auxiliares, fundado por Moreau em 1835. Que
juntos elaboraram um projeto para pregarem, inicialmente em outras paróquias,
e depois, em outros países. Com a missão comum de educar a juventude e
evangelizar o campo.
Em novembro de 1836, ele funda o colégio interno de Notre-Dame de
Sainte-Croix.
12 Galicanismo: tendência separatista da Igreja Católica da França em relação a Roma e ao Papa. A origem do nome provém de Gália, nome antigo da França. 13 Ultramontanismo: do latim ultramontanus. O termo designa, no catolicismo, especialmente francês, os fiéis que atribuem ao papa um importante papel na direção da fé e do comportamento do homem. Na Idade Média, o termo era utilizado quando elegia-se um papa não italiano (“além dos montes”). O nome toma outro sentido a partir do reinado de Filipe, o Belo (século XIV) na França, quando postularam os princípios do galicanismo, no qual defendiam o princípio da autonomia da Igreja francesa. O nome ultramontano foi utilizado pelos galicanos franceses, que pretendiam manter uma igreja separada do poder papal e aplicavam o termo aos partidários das doutrinas romanas que acreditavam ter que renunciar aos privilégios da Gália em favor da “cabeça” da Igreja (o Papa), que residia “além dos montes”. O ultramontanismo defende portanto o pleno poder papal.
Com a Revolução Francesa, as tendências separatistas do galicanismo aumentaram. As ideias ultramontanas também. Nas primeiras décadas do século XIX, devido a frequentes conflitos entre a Igreja e o Estado em toda a Europa e América Latina, foram chamados de ultramontanos os partidários da liberdade da Igreja e de sua independência do Estado.
O ultramontanismo passou a ser referência para os católicos dos diversos países, mesmo que significasse um distanciamento dos interesses políticos e culturais. Apareceu como uma reação ao mundo moderno e como uma orientação política desenvolvida pela Igreja, marcada pelo centralismo romano, um fechamento sobre si mesma, uma recusa do contato com o mundo moderno. Os principais documentos que expressam o pensamento centralizador do Papa são as encíclicas de Gregório XVI (1831-1845), Pio IX (1846-1878), Leão XIII (1878-1903) e Pio XI (1922-1939). CAES, André Luiz. As portas do inferno não prevalecerão : a espiritualidade católica como estratégia política. Tese de Doutorado. IFCH/UNICAMP, fevereiro de 2002 LUSTOSA, Oscar Figueiredo. A Igreja Católica no Brasil e o regime republicano. São Paulo: Ed. Loyola – CEPEHIB, 1990. Disponível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_ultramontanismo.htm. Acesso em: 21 de outubro de 2017.
35
Figura 3: Colégio Interno de Notre-Dame de Sainte-Croix, em Le Mans. Fonte
http://sanctuairebasilemoreau.org/en/congregation-of-holy-cross-charism/. Acesso em: 09 de novembro de
2017.
Ao reunir os Padres Auxiliares e os Irmãos de São José, em março de
1837, cria a Associação Religiosa de Santa Cruz, cujo nome se deu pelo bairro
em que se estabeleceram, Sainte-Croix.
A visão de Moreau sobre a Associação de Santa Cruz não ficou completa
até 1841, quando se une a eles o grupo das irmãs, as Marianitas de Santa Cruz.
Figura 4: Igreja de Notre-Dame de Sainte-
Croix, em Le Mans. Fonte: Nilma Paula
Combas da Silva.
36
Pois só a partir dessa união, formando uma única família, compromissados pela
lembrança da "Santa Família", Jesus, Maria e José, ou seja, os Padres
Auxiliares, os Irmãos de São José e as Irmãs Marianitas, a Associação estaria
seguindo a vida de Jesus Cristo, como ele tanto queria.
Dessa forma, continuavam cumprindo suas duas áreas de trabalho
principais, os irmãos à frente das missões populares, que era, nesse caso, o
reavivamento da vida religiosa paroquial, principalmente nas zonas rurais, os
sacerdotes à frente das missões de educação, rurais e urbanas, e as Marianitas
os acompanhavam, tanto em algumas missões quanto nas ações em Le Mans,
no colégio e na paróquia.
Embora ordenado padre diocesano, Moreau queria que a Santa Cruz se
tornasse uma comunidade religiosa, ajustada a Jesus Cristo e unidos um ao
outro pelos votos religiosos de pobreza, castidade e obediência. Ele proferiu
seus votos pela Santa Cruz em 15 de agosto de 1840, e as primeiras irmãs, em
1844.
Moreau acreditava que o trabalho que Deus havia confiado à Santa Cruz
deveria ser estendido ao resto do mundo. E em poucos anos da sua fundação,
Figura 5: Escultura mostrando o Padre Moreau e
a sua árvore de 3 ramos: os Padres Auxiliares, os
Irmãos de São José e as Irmãs Marianitas;; a
Congregação de Santa Cruz. Em La Solitude, Le
Mans. Fonte: Rogério Farias.
37
padres, irmãos e irmãs foram enviados em missão para a Argélia (1840), Estados
Unidos (1841), Canadá (1847), Itália (1850) e para a Índia e Bangladesh (1852).
Esta última, a pedido do Papa, que também confia à Santa Cruz, em 1850, um
orfanato situado em Roma (2007, p. 8).
Para tanto, além das missões, escreve um tratado de pedagogia intitulado
“Educação Cristã”, em 1856. Para deixar suas impressões sobre a educação da
época e como ele pensava a educação como legado de sua Congregação para
as novas e futuras gerações.
Em 13 de maio de 1857, o Papa Pio IX aprova a Congregação de Santa
Cruz e a sua primeira Constituição. Essa aprovação fez da Santa Cruz uma
congregação religiosa oficial pela autoridade da Santa Sé, mas com a condição
de que as irmãs se separassem dela, como assim foi feito. A união oficial de sua
família, como era o desejo de Padre Moreau, só acontecerá dez anos depois,
quando o Instituto das Irmãs Marianitas é aprovado.
No mesmo ano, em 17 de junho, dá-se a consagração da Igreja de Notre-
Dame de Sainte-Croix, em Le Mans;; igreja que o Padre Moreau construiu entre
1842 e 1856, ao lado do Colégio Notre-Dame de Sainte-Croix.
Devoto da Virgem Maria, a quem os pais o tinham consagrado e cujo
nome acrescentou ao seu no dia da sua profissão religiosa, Padre Basile Antoine
Figura 6: Interior da Igreja Notre-Dame de
Sainte-Croix, em Le Mans. Fonte: Rogério
Farias.
38
Marie Moreau, instituiu Nossa Senhora das Dores como padroeira especial de
sua família religiosa. Pois ela passou seus sofrimentos diante da cruz de seu
filho Jesus, ou seja, a “Santa Cruz”.
E, ainda, no ano de 1857, Padre Moreau faz sua primeira e única viagem
para a América do Norte (Estados Unidos e Canadá), onde permaneceu um
pouco mais de um mês, para visitar os seus religiosos e religiosas. Ele escreve
um anúncio sobre sua ida (BERGERON, 1998, p. 133-134):
Desejo tanto mais caro ao meu coração que tenho a certeza
de que os senhores dele participam, todos, os meus caros filhos e
minhas caras filhas, que eu vi sucessivamente deixar Notre-Dame de
Sainte-Croix, em meio às orações e lágrimas que lhes acompanhavam
a partida;; e também os que apenas conheço pela correspondência, que
já há tempo me chamam com o tom da impaciência. Estejam certos,
não suspirem mais do que eu pelo momento feliz do nosso próximo
encontro;; porque se desejam ver-me e comigo falar, eu também o faço
e mais do que poderia dizê-lo aqui, vê-los e ouvi-los;; desejo-o como o
cumprimento de um dos desejos mais santos e mais doces do meu
cargo;; desejo-o para consolação de todos os senhores e a minha
também;; desejo-o para desincumbir-me da obrigação que me impõem
as Constituições;; para estabelecer as suas casas dispersas na unidade
de um só governo e de um mesmo espírito pela presença e pela
direção de seu Superior Geral.
Ao chegar a Nova Iorque, é recebido pelo arcebispo. Depois, vai de trem
até Montreal e permanece em Saint-Laurent. Em seguida, vai para Notre-Dame
du Lac, via Toronto, onde visita também as religiosas de Sainte-Marie. E por fim,
encontra os seus outros grupos de Chicago e Filadélfia.
No retorno a Le Mans, continua sua obra e funda outras escolas e
internatos. “Educador de talento, pioneiro do ensino livre na região de la Sarthe.
(...) Verdadeiro precursor na luta pela liberdade do ensino secundário” (Jacques
Faivre, Bispo de Le Mans, 2007, p. 8).
39
Fica à frente de sua Congregação até 1866, ano em que se demite da sua
função de Superior Geral. Mas continua a pregar nas paróquias e nos retiros, até
a sua morte, em 20 de janeiro de 1873. Cuidado por suas irmãs, e com a ajuda
das Irmãs Marianitas, numa casa muito próxima da Igreja de Notre-Dame de
Sainte-Croix.
Hoje, uma das datas mais importantes para os religiosos da Congregação
de Santa Cruz é o dia 15 de setembro, data da beatificação do Padre Moreau
pela Igreja Católica em Roma, no ano de 2007. E pelo culto à Nossa Senhora
das Dores, celebrado no mesmo dia.
Em 1903, todas as ordens religiosas de ensino foram suprimidas pelo
governo francês14. Nesse contexto15, os religiosos e religiosas de Santa Cruz
voltam a sair da França em missões. A América do Norte tornou-se o foco das
subsequentes expansões. A fundação de numerosas instituições educacionais,
paróquias e outros ministérios foram ampliadas nos Estados Unidos e Canadá.
14Disponível em: http://www.holycrosscongregation.org/about-us/history/. Acesso em: 02 de novembro de 2017. 15 A 3a República desenvolve uma versão pacífica da regeneração revolucionária, ou que a formação do homem novo é acompanhada de respeito das crenças. Jules Ferry exprime assim, na década de 1870, esse ponto de vista majoritariamente compartilhado: Anticlerical sim, antirreligioso jamais! “. Os republicanos comprometem-se desde a década de 1880 com a separação Igreja x escola. É o próprio Jules Ferry que a inicia no começo dos anos 1880, obtendo a dissolução da Companhia de Jesus e sujeitando outras congregações a um regime de aprovação. Emilie Combes, que se torna chefe do governo depois das eleições de maio de 1902, fecha, a partir de julho, mais de três mil escolas que não tinham obtido autorização ministerial para se manterem. A lei de 5 de julho de 1904 leva o movimento a seu ponto crítico, quando interdita os religiosos ligados ao ensino e dá prazo de dez anos a todas as congregações para porem fim a suas atividades de ensino. Os republicanos se envolvem, por outro lado, com a desclericalização da rede das escolas públicas. Eles procedem a laicização do pessoal, pela lei Goblet de 1886, retirando dos eclesiásticos o direito de ensinar nos estabelecimentos públicos e formando, nas escolas normais, um corpo de professores conforme a nova ideologia. Eles procedem, sobretudo, na laicização do ensino. A lei Ferry, de 28 de março de 1882, proíbe o catecismo no interior das escolas primárias e substitui a instrução moral e religiosa do período anterior por uma instrução moral e cívica, fundada, apesar da referência (kantiana) dos deveres para com Deus, sobre a única “moral independente”, ela própria articulada em torno dos valores de autonomia e solidariedade. Os partidários da Igreja se encontraram excluídos, até a década de 1940, do espaço governamental e puderam, assim, somente influenciar à margem dos dispositivos jurídicos que lhes interessavam.
PORTIER, Philippe. Regulação Estatal da Religião na França (1880 - 2008), Ensaio de Periodização. São Paulo: Revista de Estudos da Religião/PUC-SP: setembro/2010, p. 24-47. Disponível em: http://www.pucsp.br/rever/rv3_2010/t_portier2.pdf. Acesso em: 02 de novembro de 2017.
40
E, após um longo período de estabilidade, volta a expandir seu trabalho
ao redor do mundo, estabelecendo missões no Chile (1943), Brasil (1943), Haiti
(1944), Gana (1957), Uganda (1958), Peru (1963), Kênia (1978), México (1987),
Tanzânia (1999) e Filipinas (2008). Estando, assim, presente em 16 países nos
cinco continentes. Em 1954, sua Direção Geral, mudou-se para Roma.
2. O Carisma da Congregação de Santa Cruz
"Somos educadores na fé".
"Nós sempre devemos colocar a educação lado a lado com o ensino;; a
mente não será cultivada à custa do coração".
Beato Basile Moreau.
Um ‘carisma’ é um dom do Espírito concedido às pessoas ou
comunidades em vista do bem comum e da edificação da Igreja. Esse
dom depende de uma percepção própria da figura de Jesus e de uma
visão do Evangelho, a partir de um ângulo particular, que levam a uma
mobilização geral e fecunda. Ele é, então, uma força inspiradora, um
dinamismo de compromisso, uma capacidade de realizar
concretamente (Padre Jean Proust, CSC, 2007, p. 71).
O carisma da Congregação de Santa Cruz é o de educar na fé.
Onde quer que os superiores da congregação nos envie, nós
vamos como educadores em fé para aqueles cuja sorte
compartilhamos, apoiando homens e mulheres de graça e de boa
41
vontade, em todos os lugares, em seus esforços para formar
comunidades do reino que está vindo. (Constituições, 2:1216)
A inspiração de Moreau foi ver que, no clima de crescente secularização
e suspensão da religião depois da Revolução Francesa, a educação sustentaria
a chave da evangelização. E foi o que aconteceu;; por meio da educação a
Congregação conseguiu compartilhar as "boas novas de Cristo" não só pelo
mundo, mas também dentro da própria Igreja. A educação na fé requeria
desenvolvimento da mente, cultivo do coração, iluminação do zelo no serviço, a
união com os outros como família e o encorajamento da esperança na cruz17.
"Nós não queremos que nossos alunos ignorem de nada do que devam
saber. Para tanto, não evitaremos sacrifício algum", dizia Moreau, Cartas
Circulares, 36 (KING, 2015, p. 10). Ele acreditava que uma educação na fé,
similar à qualquer educação, começa com um rigoroso e amplo desenvolvimento
da mente. As escolas da Congregação, desde os tempos em que ele conduzia
uma das secundárias de Notre-Dame de Saint Croix, ficaram conhecidas por
seus abrangentes currículos e excelência acadêmica.
Apenas uma rigorosa educação da mente dá uma base
necessária para envolver-se com fé nas necessidades e questões
urgentes dos dias e assim, ser o evangelho real deixado no mundo.
Nunca devemos nos esquecer que a virtude, como Bacon
coloca, é o tempero que preserva a ciência. Nós sempre devemos
colocar a educação lado a lado com o ensino;; a mente não será
cultivada à custa do coração. Enquanto nós preparamos cidadãos úteis
para a sociedade, nós também faremos todo o nosso possível para
16Disponível em: http://www.holycrosscongregation.org/spirituality/charism/. Acesso em: 09 de janeiro de 2017. As Constituições da Congregação de Santa Cruz foram escritas pelo Padre Basile Moreau dizendo sobre os vários propósitos na vida de cada sacerdote e irmão. Em um nível básico, elas são a regra para a vida que vivem, fornecendo o esboço de como a vida comum e individual será ordenada. No entanto, elas também servem o propósito muito “mais profundo” de falar porque é que chegaram a esta vida na Santa Cruz, o que buscam ao entrar nesta vida e o que oferecem à Igreja e ao mundo através de sua vida religiosa. Ou seja, são as regras de vida, os princípios orientadores e a compreensão espiritual da comunidade. Disponível em: http://www.holycrosscongregation.org/holy-cross-resources/constitutions/. Acesso em 09 de janeiro de 2017. 17Disponível em: http://www.holycrosscongregation.org/spirituality/charism/. Acesso em: 02 de novembro de 2017.
42
preparar cidadãos para o céu. Pe. Moreau, Carta Circular18, 36. (KING,
2015, p. 17)
Toda educação na fé também tem que ter cultivado completamente o
coração. Tendo crescido em seguida da Revolução Francesa, Moreau
testemunhou em primeira mão as injustiças que pessoas com intelectos
perspicazes, mas sem formação de seus corações, foram capazes de cometer.
Nas escolas da Congregação, paróquias e missões, o cultivo do coração
consistia principalmente numa formação espiritual e vocacional necessária para
as pessoas viverem fora de suas identidades batismais e de “chamados”. Em
seu núcleo está a frequente celebração dos Sacramentos, especialmente a
Eucaristia.
"Zelo é o grande desejo de fazer Deus conhecido, amado e servido, e
assim, salvar almas. Atividades fluem desta virtude. Ter entusiasmo para fazer
seu trabalho. E assim, deixar nossos alunos entusiasmados também!", dizia
Moreau19.
Para ele, esta educação de mente e coração estimulava o zelo em todos.
E que esse zelo nasce pelo amor a Deus e pelo próximo. Os ministérios da
Congregação, incluindo as escolas, enfatizavam programas de ensino a serviço
e do alcance dos menos favorecidos.
Moreau acreditava que esse zelo encontra sua esperança na cruz, “Ave
Crux Spes Unica” (Salve a Cruz, Nossa Única Esperança)20, porque não há
maneira de transformar o mundo sem ficar cara a cara com o sofrimento dos
18 As Cartas Circulares foram escritas sobre a visão do Padre Basile Moreau, para a família religiosa que ele fundou. Deixando registradas suas diretrizes para os religiosos de Santa Cruz. Disponível em: http://www.holycrosscongregation.org/holy-cross-resources/document-library/. Acesso em: 02 de novembro de 2017. 19 Palestra do Irmão Thomas A. Dziekan, C.S.C, Vigário Geral da Congregação de Santa Cruz. Tema: “Construindo um Reino de Justiça, Amor e Paz. Nossa Missão como Educador na Fé”. No Colégio Notre Dame, Campinas, 17 de janeiro de 2017. 20 Esse é o lema que a Beato Basile Moreau deu à Congregação da Santa Cruz. As palavras vêm do antigo hino Vexilla regis prodeunt escrito por Fortunatus e tradicionalmente cantado na Sexta-feira Santa. Eles capturam bem a vida e o trabalho da Congregação e de Moreau. “Nós somos homens com esperança para carregá-la precisamente porque conhecemos o verdadeiro poder da ressurreição de Cristo. Nós testemunhamos como Deus pode transfigurar o pecado e a morte - o que pode parecer mais desesperado - em origens de amor e vida nova”. Disponível em: http://www.holycrosscongregation.org/spirituality/ave-crux-spes-unica/. Acesso em: 02 de novembro de 2017.
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pobres e aflitos. E sem a educação na fé não é possível ensinar como a cruz
poderia ser um presente, aproximando todos das pessoas que sofrem.
A árvore da cruz foi plantada onde nossos dignos religiosos
habitam... Mas estes religiosos aprenderam a saborear suas frutas
vivificantes, e se Deus, em seu bem, preserva-as nas admiráveis
disposições que escolheram até agora, nunca provarão a morte, pois
os frutos da cruz são os mesmos da árvore da vida que foi plantada no
Jardim do Paraíso. (Pe. Basile Moreau)21
E, por fim, organizou a Congregação numa configuração de família, como
a Santa Família de Jesus, Maria e José. Ele chamou seus religiosos para
fazerem parte da Família de Santa Cruz, irmãos, padres e irmãs, trabalhando
juntos e estendendo-a para aqueles a quem serviam. Transformando as escolas,
paróquias e missões em famílias de fé.
O carisma da educação na fé, deixado como legado pelo Padre Basile
Moreau, marca a ideia de educar as próximas gerações para que contribuam
para preparar um mundo melhor.
O carisma de educadores na fé que o Espírito Santo confiou à
Congregação de Santa Cruz por meio do Beato Basílio Moreau
combina uma forma de pedagogia que reflete o desenvolvimento
humano natural de uma pessoa e a formação moral com o chamado
ao discipulado cristão. (...) Os religiosos de Santa Cruz nos dias atuais
ainda são formados no sentido de urgência que encontramos em
Pedagogia Cristã: “Apressem-se, então, assumam esta obra de
ressurreição, sem se esquecer que o fim especial de vosso instituto é,
aconteça o que acontecer, a santificação dos jovens. Será através disto
que contribuirão para preparar o mundo para tempos melhores que os
atuais. (KING, 2015, p. 40-41)
Dessa forma, o carisma da Congregação se fortalece na espiritualidade,
na missão e na vida comunitária deixada pelo seu fundador.
21Disponível em: http://www.holycrosscongregation.org/spirituality/ave-crux-spes-unica/. Acesso em 02 de novembro de 2017.
44
3. A "Educação Cristã", na visão do Padre Basile Moreau
O livro "Educação Cristã"22 nasceu, inicialmente, pela preocupação de
Moreau com a questão de como estava a educação na França no pós-
Revolução. Depois, pelo seu interesse na qualidade e consistência da educação
oferecida pelos religiosos de Santa Cruz.
No prefácio à “Educação Cristã”, na primeira frase, Moreau escreve:
Que este breve trabalho sobre educação, planejado para o uso
daqueles que trabalham nas escolas associadas à Congregação da
Santa Cruz, atinja o fim ao qual eu me propus ao compô-lo: a formação
dos corações de jovens e o desenvolvimento de uma resposta positiva
em relação à religiosidade dentro deles.
Moreau quis escrever sobre o tipo de educação oferecida nas escolas de
Santa Cruz e a socialização que deveria proporcionar;; como base sólida nas
séries primárias, formando o futuro do indivíduo, como aluno e como cidadão.
Além de se preocupar muito com a formação de excelência de seus professores
também.
As escolas da Congregação de Santa Cruz deveriam ser reconhecidas
pelo seu alto nível e pelo envolvimento de seus alunos na vida da cidade ou
comunidade local desde os primeiros anos.
Em todos os seus escritos sempre mostrou preocupação em relação à
qualidade das pessoas que ensinam na escola. Acreditava que os professores
ensinam somente quando interagem com os jovens, e que estes são modelos
de vida para eles. Sempre ressaltava aos professores que "não poderiam dar
aos outros o que eles próprios não possuíssem". As qualidades pessoais dos
professores é o que faz a visão de educação do Padre Moreau realizar-se. Sem
as qualidades pessoais de reverência, conhecimento, entusiasmo, vigilância,
autocontrole, mansidão, paciência, prudência e firmeza, "os professores não
22 O livro “Educação Cristã”, do original em francês "Pédagogie Chrétienne”, foi escrito pelo Padre Basile Moreau, em 1856.
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serão capazes de levar adiante seu chamado para transformar jovens em
cristãos, e as escolas nas quais trabalham não serão eficazes".
Para ele, os estudantes, quando entravam para suas escolas, estavam
também entrando para a sua família, para a família de Santa Cruz. E, portanto,
todos deveriam cuidar uns dos outros e viverem em união.
Os professores são os pais espirituais destes jovens. De que
outra forma os professores poderiam levar a cabo suas
responsabilidades com as famílias que neles confiam para ajudar a
desenvolver bons valores em seus filhos?
Estar em um ambiente familiar, em que os professores não se
comportassem unicamente como professores, mas como orientadores e
parceiros não só de aprendizado acadêmico, mas das questões do cotidiano,
como nas relações, na convivência, no comportamento.
Aprenda a se colocar ao alcance de jovens imaturos, tratando-os
com a indulgência que a idade deles merece… Geralmente, estes
alunos têm um bom coração. Faça uso desta qualidade excelente para
ganhar a confiança deles, assim eles o considerarão menos como um
professor e mais como um pai ou amigo.
Outra questão importante para Moreau era o ensino de excelência, o
ensino que fosse amplo, diverso e que trouxesse muitos olhares, como os da
Figura 7: Cripta com os
restos mortais do Padre
Beato Basile Moreau, na
Igreja de Notre-Dame de
Sainte-Croix, em Le Mans,
França. Fonte: Nilma Paula
Combas da Silva.
46
filosofia23, da fé24 e da ciência25. Pois ele queria que seus alunos fossem
formados para o mundo e para a modernidade.
Nós podemos declarar em uma palavra o tipo de ensino que
esperamos oferecer. Embora nós fundemos nosso curso de filosofia
nos dados da fé, ninguém necessita temer que confinaremos nosso
ensino dentro dos limites estreitos e não científicos. Não, nós
desejamos aceitar a ciência sem preconceitos e de uma maneira
adaptada às necessidades dos nossos tempos. Nós não queremos que
nossos alunos sejam ignorantes de qualquer coisa que eles deveriam
saber. Para este fim, nós faremos qualquer sacrifício. Mas nunca
devemos nos esquecer que a virtude, como Bacon coloca, é o “tempero
23 A palavra filosofia foi introduzida por Pitágoras, e é composta, em grego, de philos, “amigo”, e sophia, “sabedoria”. Quanto à conceituação de Filosofia, veja estes dados apresentados por Tartuce (2006, p. 6): a Filosofia é a fonte de todas as áreas do conhecimento humano, e todas as ciências não só dependem dela, como nela se incluem. É a ciência das primeiras causas e princípios. A Filosofia é destituída de objeto particular, mas assume o papel orientador de cada ciência na solução de problemas universais. Progressivamente, constata-se que cada área do conhecimento des- vincula-se da Filosofia em função da forma como trata o objeto, que é para a mesma, a matéria. Em toda trajetória filosófica, surgiram ideias e teorias de grandes filó- sofos, convergentes e divergentes. Portanto, se há generalidades, não há consenso. Isto pode ser exemplificado por expoentes como: Platão – as ideias não são representações das coisas, mas é a verdade das coisas. Santo Agostinho – preconiza que a razão é a dimensão espiritual. Francis Bacon – no Renascimento, defende a Filosofia por meio de concepções ligadas a pesquisas e experimentações. GERHARDT & SILVEIRA, 2009, p. 19. Disponível em: http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf. Acesso em: 03 de novembro de 2017. 24 É o conhecimento revelado pela fé divina ou crença religiosa. Não pode, por sua origem, ser confirmado ou negado. Depende da formação moral e das crenças de cada indivíduo. Exemplos: acreditar que alguém foi curado por um milagre;; acreditar em Deus;; acreditar em reencarnação;; acreditar em espírito, etc. O conhecimento teológico, ou místico, é fundamentado exclusivamente na fé humana e desprovido de método. É alcançado através da crença na existência de entes divinos e superiores que controlam a Vida e o Universo. Resulta do acúmulo de re- velações transmitidas oralmente ou por inscrições imutáveis e procura dar respostas às questões que não sejam inteligíveis às outras esferas conhecimento. Exemplos são os textos sagrados, tais como a Bíblia e o Alcorão (ou Corão, o livro sagrado do islamismo). GERHARDT & SILVEIRA, 2009, p. 20-21. Disponível em: http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf. Acesso em: 03 de novembro de 2017. 25 A publicação de Fonseca (2002, p. 11-2) nos diz que a ciência é uma forma particular de conhecer o mundo. É o saber produzido através do raciocínio lógico associado à expe- rimentação prática. Caracteriza-se por um conjunto de modelos de observação, identificação, descrição, investigação experimental e ex- planação teórica de fenômenos. O método científico envolve técnicas exatas, objetivas e sistemáticas. Regras fixas para a formação de con- ceitos, para a condução de observações, para a realização de experi- mentos e para a validação de hipóteses explicativas. O objetivo básico da ciência não é o de descobrir verdades ou de se cons- tituir como uma compreensão plena da realidade. Deseja fornecer um conhecimento provisório, que facilite a interação com o mundo, possibilitando previsões confiáveis sobre acontecimentos futuros e indicar mecanismos de controle que possibilitem uma intervenção sobre eles. GERHARDT & SILVEIRA, 2009, p. 14. Disponível em: http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf. Acesso em: 03 de novembro de 2017.
47
que preserva a ciência”. Nós sempre devemos colocar a educação lado
a lado com o ensino;; a mente não será cultivada à custa do coração.
Ao mesmo tempo em que preparamos cidadãos úteis para a
sociedade, nós faremos igualmente nosso melhor para preparar
cidadãos para o céu.
Mas, ao mesmo tempo, acreditava que os professores de Santa Cruz
deveriam ser cristãos, pois só assim saberiam que receberam um chamado para
exercerem essa profissão. E, consequentemente, seriam capazes de transmitir
esses valores aos alunos.
Os educadores cristãos precisam de um chamado de Deus
para lidar com tudo o que enfrentam ao trabalharem com os jovens. De
que outra forma os professores poderiam possivelmente trabalhar para
construir valores cristãos nos jovens, assim como para lhes dar o
conhecimento do qual eles necessitam?
Valores esses que fariam com que os professores já observassem de
maneira mais atenta os alunos “menos favorecidos”, tanto intelectualmente como
econômica e socialmente. Para Moreau, o mais importante ainda, era o olhar e
o cuidado com os pobres, com aqueles que tinham menos oportunidades na
vida, em todos os sentidos.
Se às vezes vocês demonstrarem preferência por quaisquer
jovens, estes deveriam ser os pobres, aqueles que não têm ninguém
mais para lhes demonstrar preferência, aqueles que têm menos
conhecimento, aqueles a quem faltam habilidades e talento e aqueles
que não são católicos ou cristãos. Se vocês lhes demonstrarem maior
cuidado e preocupação, deve ser porque as necessidades deles são
maiores e porque simplesmente é justo dar mais àqueles que têm
menos... [vendo]... em todos apenas a imagem de Deus impressa
dentro deles como um selo sagrado que vocês devem preservar a todo
o custo.
Porém, para que tudo isso acontecesse de fato e com inspiração, era
necessário ter “gentileza”. Valor esse, que para Moreau, era essencial e deveria
ser existencial.
A gentileza permite aos professores suportar todas as
adversidades e experiências desagradáveis e ocorrências que
48
caminham de mãos dadas com a educação... e gera várias outras
qualidades boas: sensibilidade, boa vontade...
Professores cheios de gentileza podem demonstrar um
interesse e um afeto pelos jovens que conquistarão corações.
Dessa forma, com esses princípios básicos, deveriam preparar os alunos
para o mundo que existe do outro lado dos muros da escola, para um mundo
que era muito maior que eles. Para que pudessem ser indivíduos de bem,
altamente qualificados em seu intelecto e com valores sólidos, em qualquer lugar
e em qualquer circunstância.
Nossos alunos estão destinados a viver no negócio e
problemas do mundo. Portanto, eles não deveriam ser formados para
viver um tipo de vida que teriam que abandonar após deixarem nossa
instituição. Eles deveriam ser treinados de tal modo a poderem ser, em
todos os lugares, o que eles eram na escola. Nós nunca devemos
perder de vista este princípio.
4. Os Valores de Missão das Escolas de Santa Cruz
A filosofia das Escolas de Santa Cruz, seguem numa linha que promove
a educação integral da pessoa – espiritual, intelectual, artística, física, social.
A tradição da Congregação é viva nos escritos de Moreau, e oral nos
ensinamentos e sermões de seus religiosos;; foi levada para culturas diferentes
em épocas diferentes e adaptada a essas, de acordo com as necessidades do
povo encontrado. Assim, foi (e ainda é) possível encontrá-la em culturas tão
diversas como as da França, Canadá, dos Estados Unidos, do Brasil, Chile,
Índia, Uganda, Bangladesh, Gana ou das Filipinas.
Mas, há certos valores que parecem caracterizar as escolas da
Congregação em todo o mundo, como escreveu Padre Basile Moreau (1856):
1. O objetivo principal da escola é transformar os jovens em
verdadeiros cristãos.
49
2. A escola é uma comunidade e uma família. Um espírito de
família entre os administradores, professores, funcionários, alunos,
pais, ex-alunos e membros da direção caracteriza a escola.
3. A escola serve uma população diversa. Jovens servidos pela
escola incluem os economicamente ricos e os economicamente
pobres, os intelectualmente capazes e os intelectualmente menos
capazes, católicos e não católicos.
4. A escola aborda suas responsabilidades com uma
perspectiva mundial. A missão da escola é vista como uma parte da
missão educacional mundial da Santa Cruz, com professores unidos
em todas as partes do mundo e numa variedade de culturas.
5. A escola se vê como parte da missão da Igreja local. A
comunidade escolar, especialmente os alunos, é encorajada a
participar plenamente na vida da Igreja.
6. A missão da escola inclui ajudar os alunos a obter a melhor
educação possível pelos padrões oficiais. As políticas e os programas
da escola atendem bem a todas as exigências legais, e a educação
dos alunos que se formam na escola se compara bem com programas
exemplares da área. A escola mantém o mais alto reconhecimento
possível nesta área.
7. A missão da escola inclui ajudar os alunos a tornarem-se
cidadãos ativos e informados. Os programas da escola levam a uma
“educação para a vida”, não apenas para o presente.
As Escolas de Santa Cruz deveriam ser capazes de mostrar aos seus
alunos que fazem parte de um mundo, trabalhar questões de temas diversos
como racismo, cultura, terrorismo, convivência, paz mundial, preconceito,
solidariedade, ecologia, religiosidade, espiritualidade etc, em todos os níveis, de
forma transversal (Padre Moreau, 1856).
50
5. Chegada ao Brasil
Os religiosos de Santa Cruz, continuando o legado de seu fundador, o
Padre Moreau, seguem sua missão e chegam ao Brasil no final de 1943.
A vinda desses sacerdotes do Canadá foi acertada pelo Superior Geral da
Congregação, Padre Albert Cousineau, em uma passagem por São Paulo, com
o Arcebispo Dom José Gaspar d'Afonseca e Silva. Eles viriam para ajudar na
fundação de uma paróquia operária e na instalação de uma Universidade
Católica.
Numa carta, de 20 de maio de 1943, ao Padre Geral da Congregação, o
Arcebispo D. José Gaspar, enviava os termos de projeto para os sacerdotes que
chegariam ao Brasil:
a. Darei aos padres de Santa Cruz uma paróquia;; b. Os padres deverão adquirir o terreno e construir a Igreja. O bairro operário é onde exercerão o seu apostolado;;
c. Poderei, se quiser, juntar à paróquia, uma escola paroquial que será de grande utilidade e contribuirá a granjear a estima dos
paroquianos;;
d. No tempo de adaptação ao país, pedirei aos padres a auxiliarem no serviço paroquial. (HADDAD, 1982, p. 54)
Mas, naquele mesmo ano, o Arcebispo Dom José Gaspar morre em um
acidente de avião. Em seu lugar, assume o cargo Dom Carlos Carmelo de
Vasconcelos Motta, que confirma os termos enviados ao Canadá.
Então, em dezembro de 1943, chegaram a São Paulo, os três primeiros
religiosos de Santa Cruz: Padre Lionel Corbeil, Superior;; Padre Oscar Melanson,
assistente-superior e Padre G. Dupuis, conselheiro.
51
Entre 1944 e 1952, guiados pelo acordo firmado entre a Congregação de
Santa Cruz e a Arquidiocese de São Paulo, os padres trabalharam na pastoral
do Jaguaré, bairro operário, distante, isolado, pobre e de precárias condições de
vida, na região da zona oeste de São Paulo.
Em 1945 recebem, gratuitamente, 18.000 m2 de terreno, três pequenas
casas e 15.000 dólares para a construção da Igreja e da residência. Incluindo a
fundação da paróquia de São José do Jaguaré, que foi confiada à Congregação
de Santa Cruz pelo Cardeal Motta.
Em 1946, quando a residência dos padres ficou pronta, finalmente,
mudam-se para o Jaguaré. Em seguida, abrem a escola paroquial em 1947, e
constroem a Igreja, que abre parcialmente ao culto em 1951.
Os sacerdotes também trabalharam como assistentes diocesanos da
JUC26 a partir de 1945. O Padre Melanson, posteriormente, trabalhou na JOC27. 26 Juventude Universitária Católica. Associação civil católica reconhecida nacionalmente pela hierarquia eclesiástica em julho de 1950 como setor especializado da Ação Católica Brasileira (ACB). Seu objetivo era difundir os ensinamentos da Igreja no meio universitário. Desapareceu entre os anos de 1966 e 1968, quando a nova orientação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em relação aos movimentos leigos da Igreja provocou o esvaziamento da ACB. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/juventude-universitaria-catolica-juc. Acesso em: 03 de novembro de 2017. 27 Juventude Operária Católica. Associação civil católica reconhecida nacionalmente pela hierarquia eclesiástica em 1948 como setor especializado da Associação Católica Brasileira (ACB) destinado à difusão dos ensinamentos e da doutrina da Igreja no meio operário. Disponível
Figura 8: Padre Lionel Corbeil. Fonte: http://www.cei.santacruz.g12.br/~50anos/revista/fotos/rebul
ico%20da%20memoria/corbeil%20sorrindo.jpg. Acesso
em: 12 de novembro de 2017.
52
Em retiros, encontros e conferências, pregavam sobre a JUC, JOC e Sociologia,
até 1951.
E, em 1952, fundaram o Colégio Santa Cruz.
6. O Colégio Santa Cruz
A ideia e vontade de fundar um colégio no Brasil veio do Padre Lionel
Corbeil, que mesmo durante a construção da paróquia do Jaguaré já tinha esse
sonho.
Assim, depois do pedido insistente de sua Eminência o Cardeal Motta e
muitas conversas entre o Padre Corbeil e seus superiores do Canadá, nasce o
Colégio Santa Cruz.
O Padre Corbeil trocava cartas com os superiores provincial e geral de
Santa Cruz no Canadá, e nelas falava sobre o desejo de construir um colégio
(HADDAD, 1982, p. 59-61).
Pe. Corbeil ao Padre Cousineau em 18/06/1945:
Um Colégio (...) o apostolado pelo ensino é aqui bem
necessário.
Toda educação da juventude está na maior parte nas mãos
do Estado. O curso primário é totalmente fornecido por leigos a serviço
do governo. O curso secundário ou colegial não conta com mais de
cinco colégios católicos para jovens em São Paulo. Quanto ao curso
universitário, existe uma universidade do Estado e embriões de
Universidades Católicas em São Paulo e no Rio de Janeiro. O que quer
dizer que o ensino religioso deixa muito a desejar.
Também o arcebispo, bem como várias pessoas influentes
de nossos amigos insistem bastante para que abramos um colégio
católico com nossos métodos de educação moral, intelectual e física.
em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/juventude-operaria-catolica-joc. Acesso em: 03 de novembro de 2017.
53
Vejamos a possibilidade para a Congregação de fundar este
colégio. A questão se resume a dois problemas, a do financiamento e
a dos padres a enviar. O financiamento já nos foi prometido por um
grupo de leigos que se empenharam em comprar o terreno e em
construir os edifícios.
Padre Corbeil ao Padre Poitras em 27/03/1946:
Até agora, em nossas cartas, falamos do colégio a ser
fundado. É um desejo bem manifestado de sua Eminência o Cardeal
assim como da Sociedade de São Paulo... A grande necessidade do
Brasil é o ensino religioso nas escolas e nos colégios que são
mantidos em sua maioria pelo Estado. As crianças não têm ensino
religioso, é por isso que este país não tem vocações.
Padre Corbeil ao Padre Cousineau em 09/04/1946:
(...) o parecer do nosso Conselho não é favorável a esta
fundação (colégio). Mas sua Eminência, o Cardeal, a quem expus as
deficiências graves do ensino religioso, nas escolas e colégios e a
necessidade de padres catequistas é de opinião que é mais importante
fundar colégios católicos. Ele disse mesmo em uma reunião
eclesiástica do clero, que isto seria mais importante que fundar
paróquias. Eis uma orientação bem diferente que a de Dom José
Gaspar.
Haveria possibilidade de organizar este Colégio?
Questão financeira, teríamos certamente a ajuda de várias
pessoas ricas de São Paulo que já nos prometeram seu apoio. Questão
de religiosos. Seria preciso receber ao menos dois padres por ano.
Padre Corbeil ao Padre Poitras em 16/02/1949:
Como o presidente da "Brazilian Traction" deve vir ao Brasil
no fim deste mês, nosso amigo Odilon de Souza da Light de São Paulo
é de opinião que devemos fazer a diligência imediatamente para obter
um grande terreno para o nosso Colégio.
Um terreno de 50.000 m2 situado no Alto de Pinheiros, zona oeste de São
Paulo, foi doado pela Light de São Paulo (empresa canadense), em que seriam
construídos os pavilhões para as salas de aulas, bibliotecas, quadras esportivas,
ou seja, o Colégio Santa Cruz.
54
Na inauguração oficial do Colégio Santa Cruz, em 1952, o Padre Corbeil
faz um discurso:
Um ginásio (...) cremos mesmo, serem as primeiras palavras
que entraram em nosso vocabulário, por ouvi-las repetidamente dos
amigos e, particularmente, de sua Eminência Reverendíssima o Sr.
Cardeal de São Paulo.
Tínhamos que realizar primeiramente, a obra para a qual
fomos convidados, há 8 anos atrás, isto é, fundar uma paróquia em um
bairro operário...
A Divina Providência que dirige os indivíduos, as pessoas
morais e as sociedades, fez passar um período de 8 anos antes de
permitir a fundação deste ginásio. Este tempo foi utilizado para um
conhecimento mais profundo dos diversos meios da sociedade que
chegamos a conhecer através da Ação Católica Universitária e
Operária, pela difusão do bom livro, pelo ministério em duas paróquias,
pela pregação e pelo ensino.
Temos atualmente, após somente um semestre de atividades,
candidatos registrados até 1957 (...). (HADDAD, 1982, p. 62)
Estavam presentes autoridades como o Cardeal Motta, o Governador de
São Paulo - Prof. Lucas Nogueira Garcez, os cônsules do Canadá e da Bélgica.
Além dos pais dos primeiros alunos matriculados.
O Colégio já nasce bem-sucedido e dito de qualidade e excelência. Isso,
porque os padres canadenses traziam consigo a marca de sua educação
Figura 9: Construção do Colégio Santa Cruz. Fonte: http://www.cei.santacruz.g12.br/~50anos/revista/fotos/re
bulico%20da%20memoria/construcao.jpg. Acesso em:
12 de novembro de 2017.
55
moderna e humanista. Padre Corbeil tinha estudado no Colégio Saint Laurent,
um colégio de Santa Cruz e, queria "reproduzir" essa experiência aqui no Brasil.
O Padre Corbeil havia cursado este colégio e realmente era um
curso notável, o Colégio Saint Laurent. Era um negócio completamente
fora dos padrões para a época. Era muitíssimo adiantado, tanto do
ponto de vista de infraestrutura, quanto do ponto de vista didático, do
ponto de vista de orientação, do ponto de vista do espírito. A gente
realmente tinha vínculos afetivos. Então o Padre Corbeil, que era jovem
naquela época, estava acabando de sair desse colégio como
professor. Ele veio aqui, e cada pessoa que vinha para cá, era uma
pessoa desse Colégio que ele ia buscar (Padre Charbonneau).
(HADDAD, 1982, p. 63)
E dentro dessa ideia e perspectiva, chegava com os padres canadenses,
então, uma nova proposta educacional. A qual, segundo eles, ajudaria na
formação de jovens mais comprometidos com o seu país. Pois eles achavam
que no Brasil, um país pobre e subdesenvolvido, faltava quem olhasse de
maneira humana e solidária para a resolução desses problemas.
Padre Corbeil sempre refletia sobre essas questões:
Quanto ao problema político, sentia-se uma falta nítida de
liderança, particularmente no plano da administração pública. Quando
entrava no setor público para arrumar uma documentação ou qualquer
outra coisa era uma desorganização, cheia de burocracia e, para mim,
que chegava de um país muitíssimo organizado, percebia a
desconfiança total no cidadão. Isso me impressionou muito e então a
gente sempre tinha isto na mente: a gente tem que pensar em formar
uma juventude que tenha o senso do bem comum, que pense em
virtudes de honestidade, autenticidade, que seja um enriquecimento
para o país, onde quer que esteja, seja no governo, fora do governo,
nas profissões liberais, na direção de uma empresa. Então a gente
tinha essa ideia nítida de quem formar: jovens autênticos que iam
trabalhar para o bem comum. (HADDAD, 1982, p. 66)
Começava então a história do Colégio Santa Cruz, com seus primeiros
sessenta alunos do sexo masculino, divididos em duas turmas com trinta alunos
cada, três padres, oito professores leigos e um secretário. Em 1954, tinha quatro
56
séries, 137 alunos, 6 padres, 12 professores leigos;; em 1957, 185 alunos, 10
padres, 16 professores leigos;; em 1961, 310 alunos, 12 padres e 25 professores
leigos. O regime de semi-internato chega ao fim e, com a saída de muitos padres,
tem início a laicização dos cargos diretivos. Hoje, o Colégio conta com cerca de
2.700 alunos, 2 padres e 250 professores leigos.
Na época de sua fundação, a Cúria Metropolitana de São Paulo,
emprestou uma casa, situada na Avenida Higienópolis, 890, para que as aulas
começassem. Depois, em 1956, os alunos fundadores são transferidos para o
Colégio Sion, que abriu uma seção masculina especialmente para eles, onde
fizeram a 1ª série Ginasial (hoje correspondente ao 6º ano do Ensino
Fundamental II), em regime de semi-internato. E em 1957, foram transferidos
para o atual endereço no Alto de Pinheiros, quando o prédio foi finalizado.
Em 1958, foi elaborado um plano piloto, aprovado pelo Ministério de
Educação e Cultura, através do Parecer nº 607/58, para que no ano seguinte
fossem iniciadas as "classes experimentais", no intuito de renovação dos
métodos pedagógicos vigentes. "Foi a única escola religiosa masculina e uma
das seis ou sete entre estabelecimentos oficiais e particulares de São Paulo a
lançar, em 1959, classes experimentais", escreveu o Padre Yvon La France
(1963)28, em seu livro.
E, depois, o Parecer nº 107/66 do Conselho Federal de Educação, de
1966, autorizava o Colégio Santa Cruz a funcionar, agora, como "escola
experimental".
Tudo para que o colégio do Padre Corbeil fosse como o imaginado.
Moderno, com linhas arquitetônicas simples, alegres, arejadas
e funcionais, instalado no meio de belos jardins, de árvores, de flores
e verdes gramados, com grandes áreas para os esportes.
Idealizou-se, projetou-se uma comunidade escolar alegre, feliz,
onde todos os agentes de educação seriam participantes ativos, pela
comunicação, pelo diálogo, pela realização de uma Escola que "seria
a segunda casa dos meninos". Uma escola com dois objetivos
28 Uma experiência Psicopedagógica no Colégio Santa Cruz, 1959-1962. Separata da Revista de Psicologia Normal e Patológica.
57
principais bem definidos: um ensino centralizado no educando,
presidido por uma pedagogia ativa, respeitadora dos seus interesses,
da sua imaginação, de sua inteligência, dos dons criadores, do espírito
de pesquisa e de suas opções livres;; o outro, um ambiente que
permitisse aos professores, ao mestre, ao técnico da educação,
realizar-se profissionalmente.
Que sonho para quem não tem casa, nem terreno, nem
dinheiro, mas possui uma equipe competente, entusiasta,
comunicativa, decidida e ousada!29
Em 1974, há a abertura de matrículas para as alunas. Completa-se o
Curso Primário, atualmente chamado de Ensino Fundamental 1. E, com a
regulamentação dos cursos supletivos pelo Conselho Estadual de Educação
através da Deliberação 14/73, democratização de suas atividades com a justa
abertura aos mais necessitados, dá-se início o Curso Supletivo, hoje conhecido
como EJA (Educação de Jovens e Adultos), gratuito para os alunos e subsidiado
por recursos do próprio Colégio.
A marca do trabalho com os menos favorecidos vem desde a sua
fundação, quando o Padre Cláudio inicia os acampamento-missão e também
quando leva os alunos para desenvolverem atividades com os moradores da
favela que existia em frente ao colégio. Mas, principalmente depois de 1965, pelo
impacto do Concílio Vaticano II, há um envolvimento ainda maior com essas
causas. E não adiantava somente educar os alunos sobre as questões sociais
do país, para que se conscientizassem e, quem sabe, se sensibilizassem por
elas, mas também colocá-los próximos a essas realidades;; para que, no contato
direto e cotidiano, eles pudessem presenciar a democratização acontecendo de
fato, como isso era importante para a melhoria da educação para todos e,
consequentemente, uma melhora para o país.
Urge modificar as estruturas da escola, para que a educação
seja proporcionada, não mais a um grupo privilegiado de indivíduos ou
de nações, mas à totalidade dos homens. Como dizia o presidente da
29 Padre Lionel Corbeil, C.S.C., na introdução ao livro: "A escola moderna, uma experiência brasileira: o Colégio Santa Cruz”, escrito pelo Pe. Paul Eugène Charbonneau, C.S.C., 1973, p. 10.
58
Comissão especial da O.E.A. (Organização dos Estados Americanos)
criada para promover a programação e o desenvolvimento da
Educação, Ciência e Cultura na América Latina, sr. Gabriel Betancur
Mejía: “Não é exagerado afirmar que a diferença mais notável entre os
países desenvolvidos e os subdesenvolvidos é que nos primeiros sua
população tem acesso à educação e nos segundos uma alta
percentagem da população não tem siquer acesso ao ensino primário
e fundamental. A base primordial para a aquisição de um alto nível de
vida está no nível educativo da população”. Passou-se da noção de
privilégio à direito efetivo. Ã noção de direito corresponde a de dever:
definiu-se, portanto, o dever de proporcionar possibilidades de
educação (do grau primário ao grau universitário) a todos os homens,
sem discriminação social ou econômica.
Em suma, a escola abriu-se para a massa.
(...) Como afirmou Anisio Teixeira, “o povo já sabe buscar na
escola a justiça social que lhe era antes negada em face dos privilégios
educacionais”.
(...) O fato de um grupo de sacerdotes estrangeiros abrirem
uma escola no Brasil os enquadra dentro do sistema escolar do país,
coloca-os a serviço do bem comum educacional da sociedade
brasileira, obriga-os a promover a cultura brasileira.
A educação democrática do povo brasileiro constitui um
desafio decisivo que não poderá ser adiado. Para realizar essa
educação, a escola secundária tradicional não é o único meio: outros
campos, tais como, a alfabetização de adultos (...), atingem mais
diretamente a massa. (BEAULIEU, CHARBONNEAU & ARRÔBAS
MARTINS, 1966, p.15-17, 99)
O contexto foi esse, com o engajamento de todos e, principalmente, com
a aposta de uma transformação social pelos efeitos da democratização da
educação.
59
Assim, construiu-se o Santa Cruz, que até hoje, como o Padre Corbeil
disse, apresenta o "seu processo educativo sempre em movimento" (HADDAD,
1982, p. 77).
Figura 10: Foto aérea do Colégio Santa Cruz. Alto de Pinheiros, São Paulo.
Fonte: Acervo do Colégio Santa Cruz.
60
Capítulo II
O Ensino Religioso no Colégio Santa Cruz: aspectos históricos
1. O Ensino Religioso no Brasil e no Colégio Santa Cruz
A Educação Religiosa/Ensino Religioso no Colégio Santa Cruz, acaba
indo ao encontro de toda essa questão brasileira sobre a identidade dessa
disciplina e a luta para torná-la uma Área de Conhecimento. Principalmente pela
herança dos padres canadenses, ex-estudantes do Colégio Saint Laurent, que
vieram para o Brasil trazendo seus pensamentos e educação moderna.
No país, muitas discussões foram levantadas sobre essa questão. Em
1824, Rui Barbosa, em seu texto para a Constituição Republicana de 1890, deixa
clara sua opinião de que deveria haver liberdade religiosa: “uma Igreja livre, em
um Estado livre” (JUNQUEIRA, 2002). Apesar de a Revolução Francesa
influenciar com as ideias do Iluminismo e a busca pela razão, que trazia o
conceito de laicidade e liberdade, seu texto vai mais do encontro da proposta
americana de “neutralidade”, do que com a francesa dessa época, que era contra
a Igreja Católica.
61
No Brasil, essas questões estão apenas começando. No Art. 153 da
Constituição de 193430, admite-se o Ensino Religioso nas escolas, mas de
caráter facultativo, de acordo com a crença do aluno, como disciplina nas escolas
públicas. E com a primeira LDB (Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino), em
1961, representada pela Lei Federal 4.024/61, o Ensino Religioso entra para a
sala de aula como parte do currículo, mas no Modelo Confessional31, como
ensino catequético, com a presença da Igreja, e ainda facultativo.
Art. 97. O ensino religioso constitui disciplina dos horários das
escolas oficiais, é de matrícula facultativa, e será ministrado sem ônus
para os poderes públicos, de acordo com a confissão religiosa do
aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante
legal ou responsável.
§ 1º A formação de classe para o ensino religioso independe
de número mínimo de alunos.
§ 2º O registro dos professores de ensino religioso será
realizado perante a autoridade religiosa respectiva32.
Após 10 anos, em 1971, há a promulgação da nova LDB (Lei Federal
5.692/71), que no Parágrafo Único do Artigo 7o, continua incluindo o Ensino
Religioso entre as disciplinas curriculares das escolas oficiais, mas não diz mais
respeito à presença de uma autoridade religiosa “respectiva”.
Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica,
Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos
currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus, observado
quanto à primeira o disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12 de setembro
de 1969.
30Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acesso em: 17 de julho de 2017. 31 Segundo JUNQUEIRA (2000, p. 18), Confessional (Lei n. 4.024/61): realizado a partir de uma mesma confissão religiosa, transmitindo tudo o que é próprio de uma tradição religiosa (visão de mundo, formulações de fé, ética, costumes, práticas rituais, etc.). Tem como objetivo formar na fé de uma determinada religião ou filosofia de vida e com a linguagem que lhes é própria. A responsabilidade administrativa é a da autoridade confessional, portanto o Ensino Religioso Confessional proporciona uma interpretação última e global da existência e apresenta um caminho a ser vivenciado. Portanto, as aulas de Religião visam, sobretudo, o aspecto informativo da doutrina de forma sistemática, e são avaliadas através de provas e exames buscando a fixação do conteúdo. Quer garantir estrutura de cristandade, desejo herdado do período colonial. 32Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4024-20-dezembro-1961-353722-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 17 de julho de 2017.
62
Parágrafo único. O ensino religioso, de matrícula facultativa,
constituirá disciplina dos horários normais dos estabelecimentos
oficiais de 1º e 2º graus33.
O que abriu, na época, a possibilidade de se ter um Ensino Religioso no
Modelo Inter-Relacional (Interconfessional e Inter-Religioso)34. Com o
crescimento de outras lideranças religiosas e o pluralismo da sociedade, outras
religiões podiam estar presentes nas aulas.
Desta maneira, inicia-se um processo de busca por um objeto do Ensino
Religioso, ou seja, de uma identidade. Pois ainda não havia clareza quanto ao
seu papel no âmbito escolar.
A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), entidade da Igreja
Apostólica Romana, por exemplo, em 1976, publicou um estudo para apresentar
uma visão panorâmica do Ensino Religioso nas escolas oficiais nos diversos
Estados brasileiros, após a promulgação das novas Diretrizes e Bases para o
Ensino, em 1971 (ESTUDOS DA CNBB, 1976). Pois sentiu a necessidade de
observar e entender como estavam sendo as aulas, e assim, saber como
poderiam impulsionar a catequese nas escolas estaduais e, principalmente, nas
particulares.
Como muitos outros grupos, além dos especialistas, que também foram
em busca desse “objeto” do Ensino Religioso, dessa identidade e, “o quê” e
“como” poderia ser ministrado nas escolas.
Desde 1974, Encontros Nacionais de Ensino Religioso (ENER) têm sido
realizados para reflexões sobre esse papel. Além de se pensar nos conteúdos
33Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-357752-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 17 de julho de 2017. 34 Segundo JUNQUEIRA (2000, p. 18-19)Inter-relacional (Lei n. 5.692/71): é realizado a partir da articulação de diferentes confissões cristãs e posteriormente de forma lenta, assumindo as diversas tradições religiosas. Considera tudo aquilo que é comum a várias destas confissões religiosas também em termos de linguagem, o que não significa reduzir tudo a um denominador comum. O referencial teórico são as ciências humanas, o eixo, a teologia. O texto utilizado em geral é a Bíblia, a partir de uma interpretação que favoreça o diálogo entre as diversas propostas religiosas. O Ensino Religioso interconfessional pressupõe identidade confessional dos alunos, conhecida e assumida por eles. A perspectiva é da manutenção de uma sociedade homogênea. Quando foram iniciadas as primeiras experiências inter-religiosas estabeleceu-se um proposta de “Teologia Comparada”, de maneira operacional através de um quadro histórico, com breves exposições sobre as concepções religiosas de cada uma das tradições estudadas.
63
disciplinares específicos, em como ensinar e quem estaria habilitado a ensinar.
As ideias sobre pluralismo, diversidade, construção de uma sociedade justa e
democrática através de aprendizados que estimulassem a atuação
transformadora dos cidadãos, estavam sempre presentes. E assim,
demonstrando que o Estado, através da educação, tinha (e tem) o dever de se
preocupar com a formação em todas as dimensões do ser humano, inclusive a
do transcendente, da alteridade, da solidariedade. Ampliando esse campo
também para a compreensão do fenômeno religioso e o conhecimento dessas
manifestações em diferentes denominações religiosas.
Diz-se que o Brasil é um Estado laico, mas essa declaração, no entanto,
não está explícita na Constituição Federal de 198835.
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de
crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais
de cultos e a suas liturgias;;
VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de
assistência religiosa nas entidades civis e militares de
internação coletiva;;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de
crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo
se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada
em lei.
O debate sobre o Ensino Religioso talvez seja o mais amplo dentro da
discussão sobre a laicidade e a relação entre Estado e Igreja.
35 República Federativa do Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 17 de julho de 2017.
64
O ensino religioso é previsto na Constituição Federal36 no:
Art.210. Serão fixados conteúdos mínimos para o
ensino fundamental, de maneira a assegurar formação
básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos,
nacionais e regionais;;
§1º O ER, de matrícula facultativa, constituirá
disciplina dos horários normais das escolas públicas de
ensino fundamental.
O que coloca em evidência o pluralismo religioso.
No âmbito federal, oito anos após a promulgação da Constituição, o tema
é regulamentado pelo Art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional37, denominada também de “Lei Darcy Ribeiro”. Diante de pressões
religiosas no Congresso Nacional, de muitos questionamentos e da tentativa de
se retirar o Ensino Religioso do currículo por meio de movimentos (muito mais
políticos do que pedagógicos), os especialistas conseguem explicitar uma
estrutura curricular inicial na apresentação dos “Parâmetros Curriculares do
Ensino Religioso”, em 1996 (JUNQUEIRA, 2002). E, apesar da Lei 9.394/96
trazer de volta a ideia do Ensino Religioso no Modelo Confessional, num primeiro
momento a LDB-EN dispôs sobre o assunto nos seguintes termos:
Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui
disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de
acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus
responsáveis, em caráter:
I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou
do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores
religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou
entidades religiosas;; ou
36 República Federativa do Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. Disponível em: https://www.senado.gov.br/atividade/const/con1988/con1988_15.12.2016/art_210_.asp. Acesso em: 17 de julho de 2017. 37 LDB-EN - Lei n° 9.394/96. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em: 17 de julho de 2017.
65
II - interconfessional, resultante de acordo entre as diversas
entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do
respectivo programa38.
Por manterem relação de dependência entre o Estado e as organizações
religiosas, entendeu-se que essa forma de ensino religioso contrariava o próprio
ideal constitucional pluralista.
Entretanto, com o contínuo debate sobre essas questões, no ano
seguinte, em consequência de um importante movimento nacional, organizado
pelo Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER), instalado no
dia 26 de setembro de 1995, em Florianópolis – SC, foi aprovado no Senado da
República o novo texto legislativo sobre o Ensino Religioso, pela Lei 9.475/97,
corrigindo a situação e garantindo o seu espaço pedagógico nas escolas. O que
traz uma perspectiva de escolarização da disciplina, agora apresentada no
Modelo Fenomenológico39, o qual retira o Ensino Religioso das “mãos” das
Igrejas, e o entrega às escolas:
Da nova redação ao art. 33 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o
Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º O art. 33 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte
integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos
horários normais das escolas públicas de ensino fundamental,
38Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em: 17 de julho de 2017. 39 Segundo JUNQUEIRA (2000, p. 19), Fenomenológico (Lei n. 9.475/97): o ponto de partida é o fenômeno religioso presente na sociedade, como que a abertura do homem ao sentido fundamental de sua existência, seja qual for o modo como é percebido este sentido. Este estudo tem como referencial todas as ciências humanas conjugadas com a fenomenologia religiosa, a antropologia religiosa e outras. Este modelo compreende o Ensino Religioso como um componente curricular contribuindo na formação do cidadão, que, vivendo em uma sociedade pluralista, necessita saber dialogar nela e com ela.
66
assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil,
vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos
para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as
normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída
pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos
conteúdos do ensino religioso."
Art. 2° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3° Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 22 de julho de 1997;; 176º da Independência e 109º da
República40.
Optou-se então, por criar um parâmetro de ensino religioso de caráter
social e filosófico, e não confessional. Ou seja, as religiões teriam lugar no ensino
público enquanto tratadas sob a perspectiva fenomenológica e antropológica, a
partir do ensino objetivo das religiões como fenômeno histórico cultural das
sociedades. Além disso, a lei vedou expressamente o proselitismo nas salas de
aulas das escolas públicas.
A nova redação do Art. 33 focaliza o Ensino Religioso como disciplina
escolar, entendendo-o como uma Área do Conhecimento, com a finalidade de
reler e compreender o fenômeno religioso, colocando-o como objeto da
disciplina. Isso foi formalizado através da confirmação do CNE (Conselho
Nacional de Educação) por meio da Resolução 02/98 sobre as Diretrizes
Curriculares do Ensino Fundamental.
Nesse momento, a Ciência da Religião, área transdisciplinar que abrange
um conjunto de estudos sobre religião em parceria com diversas abordagens ou
sub-disciplinas, como a sociologia, psicologia, educação, economia,
arqueologia, antropologia (SOARES, 2010), conecta-se ao Ensino Religioso no
que diz respeito ao estudo e reflexão das manifestações religiosas, do sagrado,
40Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9475.htm. Acesso em: 18 de julho de 2017.
67
da fé, das crenças, do transcendente, para colaborar na constituição dos seus
fundamentos e com a orientação para definição de seus componentes como
disciplina escolar. Ou seja, ter a Ciência da Religião como base epistemológica
dessa disciplina. Além de colaborar também para o desenvolvimento de uma
cultura de paz, ou seja, que cada educando possa se empenhar para um
convívio pacífico entre as culturas. Já que para se respeitar é necessário
conhecer.
JUNQUEIRA (2013, p. 612) indica os princípios estruturais estabelecidos
para o Ensino Religioso:
parte integrante da formação básica do cidadão, ou seja, essa
disciplina se alicerça nos princípios da cidadania, do entendimento do
outro enquanto outro, na formação integral do educando. Mesmo que
muitas pessoas neguem ser religiosas, existe um dado histórico que
toda pessoa é preparada para ser religiosa, do mesmo modo que é
preparada para falar determinada língua, gostar disto ou daquilo, do
modo de vestir, acreditar ou não, pois o ser religioso é um dado
antropológico, cultural.
Portanto, o Ensino Religioso não se restringe em ensinar sobre uma
religião específica, mas sim poder conversar e refletir sobre os valores
existenciais do ser humano, sua religiosidade e transcendência.
Ainda complementando, JUNQUEIRA (2013) diz que o objetivo do ensino
religioso escolar é proporcionar ao estudante experiências, informações e
reflexões que o ajudem a cultivar uma atitude dinâmica de abertura ao sentido
mais profundo de sua existência em comunidade, a organização responsável do
seu projeto de vida, ou seja, ajudar o estudante a formular em profundidade o
questionamento religioso e a dar sua resposta devidamente informada,
responsável e engajada. Podendo perceber que esta disciplina o ajudará a
vivenciar práticas transformadoras, removendo eventuais obstáculos à fé;; dessa
forma, ficam compreendidas as diversas expressões religiosas. Para tal, é
importante valorizar a própria crença, assim como respeitar a dos outros.
Assim já eram os padres de Santa Cruz, que desde o início de seu Colégio
pensavam dessa maneira. E já tinham o Ensino Religioso, chamado de
Educação Religiosa no início, como parte do currículo regular - e pluralista. A
68
mensagem cristã estava presente - não a católica, confessional, mas sim de
liberdade de escolhas e responsabilidade por elas.
HADDAD (1982, p. 71-72) relata como foi a primeira experiência
pedagógica implantada, que tomava por base a pedagogia do Pe. Faure, diretor
do “Centre d’Etudes Pedagogiques de Paris” (Centro de Estudos Pedagógicos).
Para tanto, o Colégio Santa Cruz envia um de seus sacerdotes para fazer um
estágio com ele e, depois, nas férias de verão de 1959 e 1960, ele próprio veio
a São Paulo para um curso de preparação do corpo docente do colégio.
O método integrava a técnica pedagógica das escolas novas dentro de
uma filosofia e de uma pedagogia cristã. O Padre Yvon La France (1963) explica
esse percurso metodológico:
Em particular, inspirou-se na pedagogia americana através do
plano Daltron que lhe permitiu elaborar um programa de estudos que
obedecia a uma certa lógica (cultura objetiva) dando-lhe um cunho
psicológico (cultura subjetiva) exigida pelas escolas novas. Inspirou-se
também na pedagogia italiana através das ideias de Maria Montessori,
como a auto-disciplina, a importância do silêncio, da interiorização da
personalidade da criança, o material didático, etc. As fichas inspiraram-
se nos trabalhos de M. R. Dottrens, professor do Instituto J. J.
Rousseau, de Gênova (...). Enfim, as grandes linhas da pedagogia
jesuística deram à metodologia do Padre Faure um cunho
eminentemente humanístico. Dessa maneira, o método Faure pôde-se
apresentar como uma síntese de diversos elementos da pedagogia
contemporânea à luz da tradição pedagógica cristã. (...) Em cada
matéria, um esforço para descobrir, além da sua parte técnica, o seu
conteúdo humano.
Dessa maneira, o colégio tentava dar respostas pedagógicas aos seus
ideais filosóficos. Pois a educação tem como objetivo a formação de pessoas
buscando isso na prática;; ou seja, de forma pluralista e humanística, numa
síntese entre técnica e sabedoria humana (LA FRANCE, 1963).
Sobre isso, Padre Charbonneau disse:
69
(...) como eu disse antes, a tradição nossa sempre foi de
vanguarda em termos didáticos. Basta dizer que alguns dos nossos
padres foram muito importantes no desenvolvimento dos colégios
canadenses, foram os primeiros a se formar na Sorbonne. Então havia
já uma mentalidade naquela época que nós trazíamos dentro de nós,
que era uma mentalidade de integração, quer dizer, não havia uma
mentalidade de estagnação, que eu diria por oposição a expressão
anterior. Havia, portanto, uma integração constante, a gente reavaliava
as atuações (...). (HADDAD, 1982, p. 77)
E o Padre Corbeil disse:
Isto me lembra aqui um dos meus velhos professores lá do
Canadá. Ele dizia aos alunos que uma pessoa satisfeita é uma pessoa
acabada, não tem mais nada a fazer, então, um colégio que fica
acabado, estático, que acha que está muito bem, este colégio acabou.
O processo educativo tem que estar sempre em movimento.
(HADDAD, 1982, p. 77)
Com espírito de renovação, raízes na tradição das escolas canadenses
dos sacerdotes da Congregação e energizados pelas classes experimentais, ao
longo da história do Colégio, eles registraram todos os seus “movimentos” e
percursos nos Planos Diretores41. O que deixa à mostra a vontade de
compartilhar aprendizados, erros e acertos, para a construção de uma educação
de vivências, experiências e convívio.
41 “O Plano Diretor é a expressão do desempenho da responsabilidade educacional da escola. Ao organizar seu trabalho no conteúdo, método e tempo, o educador procura eliminar a maior falha observada no campo educacional: a falta de sustentação científica, o empirismo. A ausência de planejamento leva o educador à improvisação, o que impossibilita um trabalho coordenado com os demais, além de impedir uma avaliação do seu próprio trabalho. O Plano Diretor observa em todas as suas partes um esquema ou modelo de sistema. Este modelo parte de uma definição clara de objetivos e supõe que a educação a ser atingida – ou o chamado comportamento de saída – se alicerça sobre aquilo que os nossos alunos trazem ao entrar no ginásio, isto é, sobre o chamado comportamento de entrada”. (CHARBONNEAU, 1973, p. 65)
70
1.1. Os Modelos de Ensino Religioso: na Constituição, em Pesquisas Teóricas e no Colégio Santa Cruz
Como mostrado no item 1 desse Capítulo, o Ensino Religioso está há
muito tempo sendo tema de estudos, controvérsias, “brigas” políticas entre
Estado, Igreja e Academia. Nas Leis pode-se ver que o Ensino Religioso passou
por vários modelos, cronologicamente: o Confessional, o Inter-Relacional
(Interconfessional, Inter-Religioso) e o Fenomenológico, que é o atual modelo
constitucional.
PASSOS (2007), diz que a questão do Ensino Religioso é ampla e
complexa, de natureza política, cultural, eclesial e teórica. Por isso a
necessidade de colocá-lo num campo de natureza epistemológica, para assim
detectar e sistematizar seus métodos e conteúdos no decorrer da história. E
assim, ser possível validar a hipótese de três Modelos de Ensino Religioso, o
Catequético, o Teológico e o da Ciência da Religião.
Mas, seguindo pela “estratégia weberiana” dos tipos ideais, o recurso
tipológico tem suas possibilidades e seus limites, ou seja, são modelos e não
realidades puras. Por isso, a construção desses modelos como esquemas são
importantes para fornecerem a visão e análise da prática.
A práxis do Ensino Religioso apresenta pressupostos, conteúdos,
métodos, sujeitos, legislações e estratégias políticas no decorrer da história, que
compõem os seus fundamentos, “concepções que garantem sua justificativa no
âmbito da comunidade escolar e dentro dos sistemas de ensino”, constata
PASSOS (2007, p. 53).
A seguir, a descrição de seus modelos:
1) O Modelo Catequético
Esse modelo de Ensino Religioso está presente nas escolas há muito
tempo - é o mais antigo. É a educação da fé, ou seja, ensina as doutrinas e
71
dogmas de uma religião específica. Usado até como estratégia proselitista que
levava sua catequese para fora do âmbito da comunidade religiosa.
E depois, essa catequese é levada para dentro das escolas públicas e
confessionais, como base para o Ensino Religioso. Apesar de ser facultativa,
estava ligada às instituições religiosas que, inclusive, podiam indicar os
“professores” e os conteúdos a serem ministrados.
O Ensino Religioso, nesse modelo, tem uma visão unirreligiosa, por mais
que fale em princípios humanistas. Portanto, tendo como risco a construção da
intolerância religiosa.
2) O Modelo Teológico
Nesse modelo, vê-se o termo teológico, que carrega em si uma área de
conhecimento e tenta mostrar um Ensino Religioso que vai além da
confessionalidade estrita, “na busca de uma justificativa mais universal para a
religião, enquanto dimensão do ser humano e como um valor a ser educado”
(PASSOS, 2007, p. 60).
A justificativa teológica é apoiada por uma cosmovisão religiosa moderna,
ou seja, tem referências teóricas e metodológicas, mantém diálogo com as
diversas confissões religiosas, e, propõe discussões sobre religião com outras
disciplinas, além de promover o respeito e a conversa entre religiões diferentes
numa proposta ecumênica.
Seu valor é sustentado por uma visão transcendente do ser humano, e
traz como base a sua formação integral. Mostrando que a religiosidade pode ser
ensinada, como formação espiritual, de acordo com a educação religiosa dos
alunos, ou seja, com uma visão multirreligiosa e de respeito às diversidades.
Esse tipo de Ensino Religioso apresenta-se como uma disciplina que é
um direito do cidadão, distinta da catequese e com fundamentos antropológicos
e teológicos em sua ação pedagógica. Mas com uma dinâmica de
transcendência, que inclui a dimensão religiosa do ser humano, o sujeito ético e
de “uma abertura para o Ser Supremo” (PASSOS, 2007, p. 62), - o que pode
configurar, em alguns casos, uma catequização disfarçada, por (normalmente)
72
estar ligada a uma determinada confissão religiosa. Além de trazer o
conhecimento, a crença, em um “deus”.
3) O Modelo da Ciência da Religião
Esse modelo, cronologicamente o mais recente, vem para romper com os
outros dois modelos e garantir sua autonomia epistemológica e pedagógica
(PASSOS, 2007), apresentando-se como o modelo ideal e propondo uma área
de conhecimento do Ensino Religioso. E, assim, reconhecer a religiosidade e a
religião como dados antropológicos e socioculturais, além de deixar claro que o
conhecimento da religião faz parte da educação como um todo e tem que compor
os currículos escolares.
A Ciência da Religião traz a base teórica e metodológica para essa
disciplina. Mostra que a religião é um dado histórico-cultural da sociedade e dos
cidadãos que dela fazem parte. E, portanto, transcende às religiões com uma
visão mais aberta às diversidades ao mesmo tempo que procura estudar os
fenômenos religiosos em si, no seu particular, mas num modus operandi
científico. Em que seu observador consegue “sair” de cena para olhar de “fora”
e, garantir que todos os aspectos sejam “lidos”, registrados e analisados.
Inclusive as não crenças, ateísmos e agnosticismos.
Se forem comparados os modelos apresentados por PASSOS (2007) com
os sugeridos pelas Leis, a meu ver, o Catequético estaria para o Confessional,
o Inter-Religioso para o Teológico, assim como o Fenomenológico para o da
Ciência da Religião, apesar dos indicados pela Federação, em suas Leis, não
estarem baseados em nenhuma teoria, linha de pesquisa ou estudo.
Como, principalmente, o da Ciência da Religião, que se remete a essa
área de conhecimento para mostrar que o Ensino Religioso precisa ter uma base
teórica, uma epistemologia, para ser construída sua própria área de
conhecimento, e, assim, ganhar seu status de disciplina curricular, como todas
as outras - e sem ser facultativa.
73
2. Projeto Educacional do Colégio Santa Cruz: linhas básicas
Os padres canadenses traziam consigo um ar de liberdade, de um novo
estilo de educação e de vivência religiosa. E, exatamente por isso, foram aceitos
rapidamente pela sociedade de São Paulo e requisitados por serem menos
rígidos e menos tradicionais.
Em uma entrevista, Padre Corbeil dissse:
Em primeiro lugar devo dizer que sou das Américas, não sou
da Europa. Quando eu cheguei ao Brasil, não tinha 30 anos de idade,
eu cheguei aqui e vi que o clero daqui era de uma formação europeia,
romano, batina em cima de batina e usavam o beijar-mão, benção,
padre e santinho e tudo. Então eu senti que o clero era muito separado
do povo, talvez eu esteja errado no que estou falando, mas senti isso.
Agora, não fui educado assim, fui educado em um colégio católico de
padres, padres de Santa Cruz, que jogavam hóquei conosco, jogavam
beisebol, eram nossos amigos. A gente tinha uma liberdade com eles
muito grande. Quando nós chegamos aqui, a gente sentiu
imediatamente uma afinidade muito grande com este povo latino.
Sentíamos que o povo daqui é muito parecido com o meu povo do
Canadá francês, que é latino. (HADDAD, 1982, p. 65)
Pois, como vimos no Capítulo I, a Revolução Francesa acabou por
separar em dois grupos os sacerdotes católicos, os que se entregaram à
constituição do clero, “perderam” sua vivência evangelizadora e ficaram longe
do povo e, aqueles que não se entregaram, morreram e viveram
clandestinamente sua vocação, perto do povo. Assim, a visão que se tem dessa
“formação europeia” é mais distante, mais “seca”, com mais separação entre as
pessoas (comuns) e os sacerdotes.
Assim, chegaram para modificar e “modernizar” uma educação que não
existia nem nas escolas públicas, nem nos colégios católicos tradicionais, mas
sem deixar de lado, é claro, a mensagem cristã e os valores que vêm dela.
74
Em 1959, chega ao Colégio o Padre Paul-Eugène Charbonneau, que
colaborou para que se consolidasse o projeto pedagógico de formação integral
proposta pelo Padre Corbeil, seu fundador e que o dirigiu por 40 anos. Padre
Charbonneau teve uma trajetória intelectual e pedagógica importante no Brasil:
foi professor de filosofia no Santa Cruz, escreveu 45 livros sobre os mais
variados temas, como: “Cristianismo, Sociedade e Revolução” em 1967, “A
escola moderna, uma experiência brasileira: o Colégio Santa Cruz” em 1973, “Da
Teologia ao Homem: ensaio sobre a Teologia da Libertação” em 1985, “Educar:
de ontem para amanhã” em 1985, e assumiu a vice-direção em 1965, cargo que
exerceu até 1987, ano de sua morte.
Desse modo, já como parceiros e amigos, seguem nessa trajetória de
transformação da educação até então exercida no país. Em 1966, o Conselho
Federal de Educação autoriza o Colégio a funcionar como Escola Experimental
com currículos, métodos e períodos escolares próprios, pelo Parecer CFE nº
107/66. O relator do Parecer, Conselheiro José Borges dos Santos, escrevia
entre outros argumentos:
Além de outros requisitos, o Colégio Santa Cruz goza de
excelente reputação não só na cidade de São Paulo, mas em todos os
meios educacionais do país. Pode-se ver que é uma Escola inspirada,
movida e dinamizada pelo propósito de aprimorar, mediante
experiências incessantes, os meios, instrumentos materiais e humanos
destinados à educação42.
Também no ano de 1966, o Colégio começou a publicar seus Planos
Diretores dos cursos ginasial e colegial, dos quais constavam, além da Palavra
do Diretor, que sempre lembrava a evolução dinâmica das experiências
pedagógicas e pastorais, os objetivos gerais, bem como os específicos de cada
curso, sua metodologia e a programação de cada matéria curricular (Padre
Corbeil, 1992). Esses Planos Diretores são publicados a cada ano, até hoje, e
são remetidos a todas as famílias de alunos.
42 Publicação interna: Padre Corbeil, “Memórias”, Colégio Santa Cruz, 1992, p. 90.
75
E, nesse mesmo ano ainda, acontece a publicação do livro: “Educação
Brasileira e Colégio de Padres”, escrito pelos Padres Gilles Beaulieu, C.S.C. e
Paul-Eugène Charbonneau, C.S.C., com a colaboração do Dr. Luís Arrôbas
Martins, que escreveu, segundo CORBEIL (1992, p. 91), um “magnífico capítulo
sobre a evolução da escola secundária no Brasil a partir de 1549”.
Os outros dois padres trataram, de uma maneira mais particular, da
“democratização”, “desclericalização” e “sacerdotalização”, especialmente do
Colégio Santa Cruz.
A intenção precisa do presente trabalho é a de nos “situar
como sacerdotes” no problema da educação brasileira.
A tendência atual é tornar a dar aos leigos seu lugar na Igreja.
Isto significa que os padres recuarão em muitos domínios, onde, sob a
pressão de circunstâncias fortuitas, tiveram que exercer inúmeras
tarefas supletivas. O acidental que se prolonga não se transforma
facilmente em essencial e em definitivo? Esta confusão deu-se na
Igreja que, pouco a pouco, se clericalizou.
Os padres conciliares subscreveram em conjunto a vigorosa
fórmula do Monsenhor Wright, bispo de Pittsburg: “é preciso que a
Igreja apareça como sacerdotal e não como clerical;; como sacerdotal
pelo fato de que todos, leigos e padres, estão unidos na participação
ao sacerdócio único do Cristo, se bem que os padres participem dele,
de maneira especial e insubstituível;; e não como clerical, porque é
preciso que, na Igreja, tudo não se resuma à influência e à iniciativa
dos padres”.
De acordo com a teologia do sacerdócio, é preciso afirmar que,
mesmo como educador, a tarefa específica do padre é a
Evangelização. Essencial e exclusivamente, a fim de que, por seu
intermédio, prossiga a mediação do Cristo entre os filhos dos homens.
Por ora, nossa reflexão inicial se aplicou ao seguinte esquema,
forçosamente incompleto: 1. o retorno aos pobres, com o problema
central, para nós, da democratização da escola;; 2. o retorno aos leigos,
com a consequente desclericalização da escola;; 3. o “aggiornamento”,
com a questão central para nós, da sacerdotalização das tarefas.
76
(BEAULIE, CHARBONNEAU, ARROBAS-MARTINS, 1966, p. 91, 112,
119, 122)
A “desclericalização” deveria acontecer em sua estrutura, integrando
leigos em todos os níveis, e deixando claro que para ser uma escola cristã, não
é preciso, de forma alguma, ser clerical (BEAULIEU, CHARBONNEAU &
ARRÔBAS MARTINS, 1966). Dessa forma, isso se fez, pela falta de padres -
não haviam mais sacerdotes se formando na Congregação, nem no Canadá e
nem aqui no Brasil -, e pela mudança a que se pretendiam fazer;; assim, em 1966
houve a nomeação de professores leigos como diretores pedagógicos e
assistentes da direção dos cursos ginasial e colegial: 525 alunos, 7 padres e 32
professores leigos. Em 1969, as duas diretorias de curso eram compostas, cada
uma, por três professores leigos.
Por desclericalização da escola, entendemos a decisão lúcida
e corajosa de devolver gradualmente aos leigos cristãos todas as
tarefas acidentais e supletivas que até agora exercia o padre-educador
na escola:
a. vigilância e disciplina;;
b. esportes, artes, coral, etc;;
c. ensino de matérias profanas;;
d. quadros superiores de direção acadêmica ou formação geral:
prefeitos, sub-prefeitos de estudos ou de disciplina, orientador
pedagógico, psicólogo escolar, orientador profissional, etc;;
e. quadros superiores de administração: secretaria, economato,
procuradoria, etc;;
f. direção do estabelecimento. (BEAULIE, CHARBONNEAU,
ARROBAS-MARTINS, 1966, p. 125-126)
A “democratização”, seria fazer um esforço para que a escola fosse efetiva
e amplamente aberta a todos, sem discriminação de espécie alguma
(BEAULIEU, CHARBONNEAU & ARRÔBAS MARTINS, 1966). E se fez
rapidamente, pois, em 1973, o Colégio tinha 1115 alunos e 50 professores. No
entanto, o ano marcante da “democratização” se deu em 1974, quando se
completou o curso primário de quatro séries. Abriram-se matrículas para ambos
os sexos e iniciou-se o curso supletivo de 1o grau noturno, gratuito para adultos.
O número de alunos e alunas passou para 1818, sendo 1518 no ensino regular
77
diurno e 300 no noturno, com 108 professores. E, em 1992, o curso supletivo já
tinha o 2o grau e alunos e alunas em todas as séries dos cursos regulares e
supletivos, e contava com 2500 alunos, sendo 1800 dos cursos regulares diurnos
e aproximadamente 700 nos cursos supletivos noturnos, e 165 professores e
professoras.
Quanto à “sacerdotalização” das tarefas dos padres, significaria que eles
deveriam exercer um cargo unicamente sacerdotal, ou seja, que eles fossem
apenas os portadores do Evangelho, nada mais (BEAULIEU, CHARBONNEAU
& ARRÔBAS MARTINS, 1966).
O “aggiornamento”, ou seja, a sacerdotalização das tarefas é
entendida aqui como sendo o resoluto esforço para devolver ao padre,
que trabalha em escola e na educação em geral, seu papel próprio e
insubstituível de ministro de Deus, de pastor e apóstolo, de
evangelizador dos homens. Ela exige:
a. que os Colégios de padres, “colégios de diáspora”, não sejam mais
fechados sobre si mesmos, mas completamente abertos e dando
testemunho à imensa maioria de colégios públicos e leigos
separados de Deus e privados da presença sacerdotal;;
b. a constituição de equipes sacerdotais de educadores, operando não
somente no plano local de um colégio, mas também nos planos
mais vastos de bairro, de setor, de diocese, de país;;
c. a penetração nos setores de educaçãoo, onde a ausência dos
padres é imperdoável: todo o ensino técnico e normal, a
alfabetização das massas, o ensino elementar;;
d. a renovação dos métodos de trabalho:
- no plano do grupo:
o adaptação, conforme os casos, da pastoral da catequese,
comunicação da mensagem evangélica;;
o adaptação da pastoral litúrgica para desenvolver o sentido do
sagrado e a presença do Cristo;;
o renovação do ensino religioso sistemático (no sentido
habitual do termo). Esta tarefa pode também ser exercida por
leigos cristãos;;
o despertar e formar jovens para o apostolado (ação católica,
movimento missionário, etc).
- no plano do indivíduo:
78
o administração dos sacramentos;;
o revisão do conceito de “direção espiritual”;;
o animação cristã da orientação educacional junto às famílias,
professores, alunos.
e. a criação de um espírito comunitário: este espírito não se inventa,
ele se aprende, quando o vemos vivido pelos outros. Donde a
necessidade para os padres-educadores de darem testemunho, em
sua própria vida, deste espírito comunitário. (BEAULIE,
CHARBONNEAU, ARROBAS-MARTINS, 1966, p. 127-129)
Mas, mesmo o livro valorizando muito o papel do sacerdote na pastoral
educacional, Padre Corbeil disse:
Não posso concordar plenamente com a conclusão de um dos
autores de que o padre deve exercer um cargo essencial e exclusivamente
sacerdotal, sendo apenas portador do Evangelho. Como se o padre que
recebeu de Deus este dom, não pudesse ser um excelente educador e não
menos excelente professor de uma disciplina, que lhe servirá para passar a
mensagem evangélica através de seu amor, competência e testemunho.
(CORBEIL, 1992, p. 91)
Mas, a grande questão sobre a “sacerdotalização” trazida pelos autores,
era sobre o distanciamento que acabou acontecendo dos padres com sua
missão evangelizadora.
Apesar do Colégio ter colocado em novos termos as relações entre o
padre-educador e seus alunos: a amizade, a franqueza, a confiança e a abertura
entre um e outros, que pode ter ajudado a mudar a imagem que os jovens tinham
dos sacerdotes e, inclusive, aproximando-os a ponto de poderem conversar
sobre questões religiosas e espirituais de forma mais aberta e fácil. Em que a
preocupação social e apostólica de muitos alunos, a prática religiosa de outros
tantos, enfim, uma vivência cristã mais natural, grupos sobre espiritualidade e
retiros espirituais pudessem ter sido renovados;; trouxe, também, uma percepção
de que toda essa mudança pode ter feito com que os padres tivessem deixado
de lado a sua finalidade primeira e essencial que era a evangelização
(BEAULIEU, CHARBONNEAU & ARRÔBAS MARTINS, 1966). Por isso, fazer
com que voltassem a ser “somente” sacerdotes estava se tornando importante
naquele momento.
79
O Ensino Religioso tinha ficado em segundo plano e, quantitativa e
qualitativamente, estava deficiente. Para eles, a percepção de que poderiam ter
feito uma inversão de valores, ou seja, terem dado mais importância ao lado
intelectual do que o lado espiritual estava deixando-os preocupados por não
estarem cumprindo a parte evangélica de sua missão.
Nossa equipe sacerdotal: no plano jurídico, formamos uma
comunidade (a Congregação de Santa Cruz);; no plano profissional,
somos um grupo unido de educadores;; no plano humano, vivemos
como bons amigos. Mas no plano espiritual, temos conseguido sempre,
enquanto grupo, por em comum a nossa vida propriamente sacerdotal
e apostólica? Neste plano, não nos teremos isolado uns dos outros,
levando vida solitária em comunidade? Atrás disto, não se esconderá
um individualismo espiritual?
A tomada de consciência destes problemas nos levou a
assumir, em conjunto, a animação pastoral do Colégio e a fazer
semanalmente uma revisão de vida, tentando, dessa maneira, estar
unidos entre nós “por uma fraternidade íntima que espontânea e
livremente se manifesta no mútuo auxílio, tanto espiritual como
material, tanto pastoral como pessoal, em reuniões e comunhão de
vida, trabalho e caridade” (Lumen Gentium, 28). (BEAULIEU,
CHARBONNEAU & ARRÔBAS MARTINS, 1966, p. 158)
Assim, no próprio ano de 1966, começa uma intensificação das atividades
de orientação e animação espiritual, formando-se para tal objetivo, “Equipes de
Espiritualidade”, com padres e professores leigos como membros, atuando como
um “braço” da pastoral do Colégio.
Em 1967, o Padre Charbonneau deixa o seu cargo de Diretor de Curso
para assumir a animação espiritual do mesmo, e a disciplina de Educação
Religiosa que, pelo menos desde 1962, contava inclusive com aulas de Cultura
Religiosa no Colegial e era obrigatória para todos os alunos fazendo parte do
currículo regular, passa a ser facultativa, uma vez por semana, na Capela e
ministrada por professores leigos e sacerdotes, que acharam vantajoso, naquele
momento, poderem “unir o ensinamento à vivência litúrgica e sacramental”
(Plano Diretor de 1967).
80
A Educação Religiosa permanece em transformação nos anos seguintes
e sempre à frente dos pensamentos e reflexões dos padres de Santa Cruz, que
já eram visionários, e além das Leis Educacionais Brasileiras nesse setor. Muito
antes de estar na Constituição, nas LDBs (Leis de Diretrizes e Bases para o
Ensino), já era tratada como disciplina curricular.
Em seu Projeto Educacional43 atual, a Instituição deixa clara esta marca:
“O Colégio Santa Cruz é constituído historicamente por uma filosofia humanista,
de abertura à diversidade de ideias e, consequentemente, ao respeito a credos
religiosos diversos, ou à ausência deles”. Algo que para um colégio católico
talvez não soasse tão bem. Seus verbos mobilizadores são aprender, cuidar,
conviver e atuar. Tem como princípios e ideais que “o homem inteligente é um
ser livre, e a criança, desde o começo de sua existência racional, deve aprender
que o acesso à liberdade é legítimo. Mas o homem só pode ser livre se for
responsável. A vida escolar deve permitir aprender essa lição indispensável”. E,
como valores, a educação como um “processo de humanização que aspira à
caprichosa construção de um sujeito que faz escolhas e que se responsabiliza
pela transformação – de si mesmo e do mundo em que vive”.
O Projeto Educacional do Colégio Santa Cruz apresenta sua história como
uma herança que é ensinada pelos exemplos, pela experiência e ação. Num
43 Publicação interna: Projeto Educacional do Colégio Santa Cruz, 2015, p. 9, 11, 12.
Figura 11: Padre Charbonneau
em seu escritório no Colégio
Santa Cruz. Fonte: http://www.cei.santacruz.g12.br/~50
anos/revista/fotos/corbeil%20e%20
charbonneau/pe%20charbonneau%
20escrevendo.jpg. Acesso em 12
de novembro de 2017.
81
movimento que vai ao passado pensando no futuro, entre a “tradição e a
revolução”.
Desse valor essencial do amor nascem os demais, que
precisamos construir na escola, nesse lugar privilegiado de troca de
experiência e conhecimento do mundo e dos outros. (...) Na escola,
aprendem-se a separação e a insegurança, mas também se vivem o
encontro e sustentação por meio do outro;; vivem-se a disputa e o
conflito, mas também se adquire o conhecimento das próprias
capacidades de superar a frustração por meio da palavra e do convívio;;
vivem-se a competição e o medo, mas também a experiência da
colaboração e da coragem adquiridas pela amizade e pela
solidariedade;; vivem-se o desconhecimento e a fragilidade, mas
também a alegria de aprender e a força do conhecimento construído
pela pergunta e pela resposta do outro.
(...) O valor máximo de pertencer à espécie humana supõe
nessa capacidade de amar e de nos identificar a partir do outro, de uma
coletividade. Capacidade de ser solidário. A solidariedade pressupõe
uma comunidade. Na escola, aprendemos a ser solidários pertencendo
a um mesmo conjunto e partilhando uma mesma história.44
O Projeto traz também a citação dos dizeres do fundador da Congregação
de Santa Cruz, o Padre Basile Moreau, em sua Carta Circular 36, de 1849, citada
no Capítulo 1: “Não queremos que nossos alunos sejam ignorantes de qualquer
coisa que devam saber...”, como uma linha mestra e base de toda a educação
do Colégio Santa Cruz, ou seja, que consegue conciliar a doutrina católica que
orienta a instituição e a sua concepção educacional pluralista, que defende e
respeita a liberdade de pensamento e os direitos humanos, refletidos no currículo
de cada curso, nas atividades, nos projetos interdisciplinares, na atuação
voluntária e nos eventos culturais. Numa formação multidimensional junto a
proposições humanistas, como a razão e o intelecto, a moral e a ética, a emoção
e a sensibilidade, a memória e a criação do futuro.
Herança de toda uma história e trajetória voltada a um olhar para si de
maneira a enxergar o outro, de conviver com o outro, quer quem seja ou onde
44 Publicação interna: Projeto Educacional do Colégio Santa Cruz, 2015, p. 13.
82
esteja, de maneira ser possível o conviver. Como nos deixou escrito
Charbonneau:
O próprio homem deverá travar a luta que lhe permitirá viver
simultaneamente em seu corpo e em seu espírito, isto é, viver
integradamente sua vida de ser humano. Isto ele não pode delegar a
quem quer que seja;; tem que tomar em mão suas esperanças e
transformá-las em realidades, à força de luta. Esta é a consequência
direta da liberdade que lhe é outorgada em sua natureza espiritual. É
o que nos lembra Foucault: “é na medida em que é livre e racional...
que o homem é, na natureza, o ser que foi investido de
responsabilidade de cuidar de si mesmo”. A Teologia da Libertação,
portanto, como a Revelação na qual se baseia, se torna uma
provocação. Lança ao homem um desafio decisivo: se queres a
Justiça, é a ti que cabe instaurá-la.
(...) Diante da Injustiça e das injustiças não há resignação que
se justifique. Poder-se-ia até dizer que nesta matéria, resignação é
culpabilidade. Em nenhum outro plano são mais verdadeiros os dizeres
de Dostoievski: “Cada um de nós é culpado diante de todos, por todos,
e por tudo”. Isto tem que levar-nos a refletir muito e nos mostra como
as teses essenciais da Teologia da Libertação não admitem
contestação. Quando a Injustiça gera Pobreza, é preciso que os pobres
se deem as mãos para acabar com a Injustiça. Tal proposta nada tem
de subversivo;; simplesmente exprime com simplicidade, mas de
maneira explícita, o que a Palavra de Deus, de um lado, e a própria
natureza do homem, de outro, impõem a todos os que são presas deste
Mal que envolve toda a humanidade: a Injustiça que impede os homens
de viverem como homens.
Este combate será a contribuição do Homem ao seu devir. Pois
não há parada no caminho do seu devir. Ele está sempre a caminho:
por vezes avançando, outras vezes retrocedendo e se desumanizando,
muitas vezes hesitando na procura do seu caminho em meio a todas
as dúvidas. Segundo uma expressão de Sartre, que não é senão
celebração de um tema conhecido hoje por toda a antropologia, “a
humanidade não é, senão que está em devir”. E é ao próprio homem
que cabe promover seu futuro, lutando contra tudo o que for de molde
a imobilizá-lo ou a fazê-lo retroceder no ser. O que reduz – como
acontece no caso da pobreza e da miséria, tais como as conhecemos
neste momento da nossa civilização – a viver como sub-homem, é um
83
mal. Como tal é preciso aliar-se contra ele, e impedir que ele destrua
ainda mais seres humanos que vivem de maneira bem pouco humana.
(...) Mas será preciso compreender que tratar do homem, do seu devir,
do seu futuro, do seu processo de Evolução, é operar uma síntese
entre dois discursos: um antropológico, o outro teológico, que se
completam para descobrir os caminhos que ele deverá percorrer a fim
de continuar a crescer e a ser mais homem do que nunca.
(CHARBONNEAU, 1985, p. 182-185)
3. O Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz a partir dos Planos Diretores
3.1. Os Planos Diretores
O Plano Diretor apresenta como será o ano letivo, permanências e
mudanças, novidades, o calendário escolar, o componente curricular de cada
série e seus conteúdos programáticos, organização didática, administrativa,
Pastoral e o Projeto Pedagógico. Dando atenção especial aos objetivos amplos,
como meta geral da escola e objetivos específicos a serem alcançados pelos
alunos. E é preparado pela Direção Geral, pelas equipes de direção e
coordenação de cada curso. Além de informar sobre a organização da estrutura
física e sua equipe de educadores e funcionários gerais.
3.2. Fases da Educação Religiosa do Colégio Santa Cruz
Após um levantamento de documentos históricos, os Planos Diretores, foi
possível observar algumas fases da Educação Religiosa praticada no Colégio
Santa Cruz, desde a sua fundação.
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Essas fases não correspondem a períodos específicos de tempo, mas sim
à mudanças de contextos, de paradigmas e, dentro de algumas perspectivas,
eclesiais, educacionais e/ou filosóficas descritas em seus Planos Diretores.
A análise de todos os modelos apresentados, tanto os determinados nas
Leis como os de PASSOS (2007), pode determinar que a Educação Religiosa
do Colégio Santa Cruz sempre esteve à frente das legislações e dos estudos
sobre esse tema, inclusive já tinha o Ensino Religioso dentro do currículo escolar,
como disciplina, e para todos. Mesmo que houvesse os ensinamentos cristãos,
leitura da Bíblia como dado histórico, por ser um colégio católico, desde o início,
os temas da sociedade estavam em discussão nessas aulas também, com um
olhar para a diversidade e liberdade de escolha de cada um. Sem ser
completamente confessional e, de forma alguma, proselitista.
Tanto que primeiro a chamaram de Religião;; - aparece em documentos
de 1952-1954 já como parte do currículo escolar, para todos os alunos, em
horário regular de aulas. Depois, de Educação Religiosa, abrangendo outras
atividades como a Ação Comunitária (voluntariado dos alunos);; de Religião e
Ética, nas séries iniciais do Ensino Fundamental 1;; de Cultura Religiosa para o
Colegial;; e, somente mais tarde, de Ensino Religioso, nos Cursos de Ensino
Fundamental 1 e 2, para ficarem de acordo com as indicações legais. De
qualquer forma, o seu conteúdo não precisaria mudar, por se tratar de um colégio
privado que não está sujeito ao que a Constituição diz sobre essa disciplina, e
principalmente, por já estar muito avançado em relação a toda essa discussão.
E, de acordo com o que os Planos Diretores mostram em seus registros,
o modelo de Ensino Religioso usado pelo Colégio, durante um período maior de
tempo, foi mais parecido com o Teológico. Somente depois, no início do séc.
XXI, começa a mesclar com o da Ciência da Religião quando, em 2002 um
professor de Ensino Religioso do Ensino Fundamental 2 também assume a
disciplina de História, caso que se amplia em 2003, com um professor de
Ciências, depois em 2005, com uma professora de Francês - até que, em 2014,
mais uma professora de História assume as aulas de Ensino Religioso,
completando os quatro anos do curso com professores ministrando uma
disciplina específica mais o Ensino Religioso. E o Ensino Fundamental 1, que
85
até então mantinha professoras de Ensino Religioso que também davam aulas
de Catequese, nesse mesmo ano, muda a situação por completo, separando a
função dessas professoras e ficando apenas com as que ministram somente o
Ensino Religioso. Incluindo a contratação de uma nova professora com formação
em Biologia e Psicopedagogia, a autora desse trabalho, para completar o quadro
de professoras dessa disciplina, que logo em seguida, foi fazer Mestrado em
Ciência da Religião.
Todo esse levantamento e pesquisa corroborou para a indicação das
Fases da Educação Religiosa/Ensino Religioso no Colégio Santa Cruz.
1a Fase) Experimental - Plurirreligiosa
De 1952 a 1968.
Desde sua fundação, em 1952, já havia a disciplina “Religião” ministrada
em horário regular de aulas, para todos os alunos do Curso Ginasial.
Os padres estavam em todos os cargos de direção e também ministravam
as aulas de Religião, nas quais falavam sobre o cristianismo, mas, ao mesmo
tempo, tinham uma cosmovisão plurirreligiosa e pregavam a livre escolha. O
contexto educacional era de “escola experimental”;; portanto, tinham liberdade
para escolherem “o quê” seria o conteúdo e “como” as aulas seriam ministradas.
O Colégio Santa Cruz, teve o imenso mérito de reclamar desde
logo a renovação da estrutura escolar e dos métodos pedagógicos, foi
a primeira escola brasileira a sugerir e insistir junto ao Departamento
de Ensino Secundário sobre a criação de classes experimentais para
a renovação dos métodos pedagógicos vigentes, foi a única escola
religiosa masculina e uma das seis ou sete entre os estabelecimentos
oficiais e particulares de São Paulo a lançar em 1959 classes
experimentais. (...) Plano Piloto elaborado por uma comissão de
professores deste estabelecimento, plano esse aprovado pelo
Ministério da Educação e Cultura no parecer no 607, processo no
113.762/58 (LA FRANCE, 1963, p. 5-6).
As aulas de Religião passam a ser chamadas de Prática Educativa, e
passaram para o horário da tarde (as aulas regulares aconteciam na parte da
86
manhã), mas ainda obrigatória para todos os alunos. E o Curso Colegial passa
a ministrar a disciplina Cultura Religiosa, no seu horário curricular, também para
todos os alunos (Planos Diretores 1962-64).
O projeto de classes experimentais se amplia para escola experimental.
Pelo ambiente que a escola cria, as disciplinas que inclui no
programa, os métodos que emprega, ajuda a moldar sua personalidade
e a adquirir atitudes altruístas. Procura em última análise, uma melhor
adaptação da criança, da família e de si própria à sociedade e deseja,
através do desenvolvimento das pessoas, a realização de uma
Humanidade solidária e fraternal onde o progresso das sucessivas
gerações seja proveitoso a cada um dos membros e vice-versa. Que a
escola o queira ou não, ela exerce sempre, quer seja positivamente ou
negativamente, uma influência sobre a formação física, moral, social
ou religiosa da criança. (Plano Diretor, 1965)
Como disse Padre Charbonneau (1973, p. 52): “A escola deve ser um centro de pessoas, cada uma das quais gozando o mais plenamente possível sua identidade. Educar, poder-se-ia dizer, é antes de tudo procurar um rosto, descobrir uma alma, revelar uma pessoa”. Por isso a formação integral, aberta e experimental, era tão importante para os padres de Santa Cruz.
O problema da formação religiosa da criança é mais delicado.
Com efeito, ideias pré-concebidas e empedernidas despontam
facilmente em torno desse assunto. A fé ou a crença, pensa-se muitas
vezes, pertencem à vida particular e não interessam senão à
consciência de cada um. Isto é verdade, sem dúvida. Mas precisamos
entender-nos. Existem problemas que não sejam senão individuais? A
Religião exprime uma das dimensões do homem e nesse sentido é
uma interrogação permanente feita aos nossos espíritos inquietos.
Esforcemo-nos por ignorá-la ou silenciá-la e teremos imediatamente
por resultado graves desequilíbrios. (Plano Diretor, 1965)
Portanto, a razão de ser da escola, o seu papel, talvez “seja menos fazer conhecer o mundo do que incitar o indivíduo a conhecer-se. Se é assim, isto significa também que a escola deverá ser a casa da liberdade”. (CHARBONNEAU, 1973, p. 53).
A escola deve favorecer o desenvolvimento das tendências
religiosas do indivíduo. Com mais razão nada deve empreender que
87
venha a corromper ou abafar essas tendências. Acreditamos que a
Religião, sob forma de História da Atividade Religiosa do Homem, deve
ser ensinada em todas as escolas, assim como as Letras, as Ciências
e as Artes. Dever-se-ia poder conhecer as diversas manifestações do
sentimento religioso no seio das numerosas crenças que agrupam e às
vezes separam os homens. Tal pesquisa constituiria uma espécie de
reflexão acerca das inquietações fundamentais que encontramos em
cada um de nós, aceleraria a aproximação das diferentes confissões
oferecendo-lhes bases de acordo tão vastas e universais quanto
possível, e apressar a marcha da Humanidade para uma Unidade que
o homem hoje em dia pode razoavelmente entrever. Em resumo,
acreditamos que a Religião, encarada numa relação cada vez mais
estreita com as Ciências, as Artes e o conjunto das atividades
humanas, está destinada a desempenhar um papel de relevo no
desenvolvimento da Humanidade.
Os padres de Santa Cruz trouxeram com eles tudo o que aprenderam e o que vivenciaram no Colégio Saint Laurent, no Canadá, como uma escola que ensina para uma formação completa e para um convívio com o “outro”, de forma a olhar para a realidade em sua volta, e mergulhar em todos os seus aspectos humanos: social, cultural, político, espiritual. “Sem ser perfeito, o Colégio Santa Cruz representa, entretanto, longos anos de pesquisa e, embora não pretenda ser o modelo, pode ser considerado como um modelo aplicável em nossa realidade brasileira, que não pede grandes proezas” (CHARBONNEAU, 1973, p. 58).
Em se tratando da educação religiosa cristã ou mesmo, se
quisermos, católica, pertence à Igreja concebê-la e assegurá-la aos
seus adeptos. Pode esta, se servir da escola como de um instrumento
para divulgar a Mensagem Evangélica? Certamente não. A escola é
uma instituição que depende da sociedade civil e tem direito a que
sejam respeitadas sua finalidade própria e sua autonomia. É o meio,
universalmente difundido, pelo qual a sociedade educa seus cidadãos,
transmite-lhes sua cultura e comunica-lhes os valores civilizadores de
que é portadora.
A Igreja pode, sem dúvida, com o mesmo direito que outros
agrupamentos particulares e com o mesmo respeito à autoridade
constituída, criar escolas que se tornam o que, por um nome no fundo
infeliz, chamamos de escolas confessionais. Fá-lo então para
88
compensar alguma insuficiência da sociedade civil e se compromete a
respeitar as normas que regem intrinsecamente essas instituições. De
qualquer forma, o que se pode esperar dela, - e aqui é preciso render-
lhe justiça: em geral ela cumpre essa exigência - é que se prenda a
uma forma de agir que torne mais forte e aperfeiçoe a fé dos fiéis que
ela ali reúne, sem forçar a liberdade de quem quer que seja e sem
prejudicar àqueles que, por um ou outro motivo, se encontram sob seu
teto sem professar o mesmo credo.
Aqui, deixam muito claro de que forma pretendem seguir a construção de seu colégio;; que seja um lugar em que todos possam ser livres para fazerem suas escolhas e possam exercê-las de forma cidadã.
O problema religioso situa-se na raiz de nosso ser. A Religião
dá um grande valor ao sentido comunitário da existência: ela exige o
respeito da liberdade individual, mas, por outro lado, insiste fortemente
sobre a comunhão com valores universais. Eis por que ambos, o
sentimento religioso e a Religião, devem merecer a atenção de todos
aqueles que se dedicam a tarefas educativas.
É primeiramente pela formação do espírito que a escola
pretende exercer uma influência educadora junto à criança. Uma
coordenação judiciosa, de atividades exercitando a reflexão, o
raciocínio, a memória, o espírito crítico, a expressão de si mesmo sob
todos os aspectos, assegurará a formação da inteligência, do coração
e da vontade dos jovens e permitirá levá-los ao alargamento
progressivo de sua experiência pessoal. (Plano Diretor, 1965)
Em 1966, começa um processo de “sacerdotalização” das tarefas,
“desclericalização” das estruturas e “democratização” do Colégio.
Cabe-nos lembrar, a esta altura, remetendo nossos leitores à
obra que os padres de Santa Cruz publicaram pela Editora Herder,
"Educação Brasileira e Colégios de Padres", que as metas norteadoras
do Colégio são a desclericalização, praticamente realizada no Curso
Colegial, a democratização que, embora muito cautelosamente, se
iniciou em 1966, pela eliminação do refeitório, readaptação do conceito
de semi-internato, além da manutenção do sistema de bolsas de
estudo, a que acresce agora, em 1967, o aumento do número de
classes no 1o colegial, a sacerdotalização das tarefas dos padres que
em 1967, trará para a animação espiritual de nossos alunos o Pe.
89
Eugênio (como era chamado) Charbonneau, agora liberado de suas
funções de Diretor de Curso. (Plano Diretor, 1967)
Tudo isso aprovado pelo Congresso de Padres de Santa Cruz, em julho de 1964, no Canadá (CHARBONNEAU, 1973, p. 163). Na qual decidiram quatro proposições: 1) que a Santa Cruz deve continuar presente no problema educacional brasileiro;; 2) que o Capítulo Providencial envie mais sacerdotes preparados para trabalharem na área da educação em diversos setores além de escolas formais;; 3) revisão dos conceitos sobre padre-educador e colégio de padres adaptados às necessidades do país;; 4) intensificar o processo da “desclericalização”, da “democratização” e da “sacerdotalização”.
Fiéis à perspectiva pedagógica que nos diz respeito,
compreendemos que a democratização não se faz apenas por uma
recomposição da população escolar, para permitir a conveniência das
diversas classes sociais, mas também pela formulação duma estrutura
capaz de levar o adolescente a atingir os dois processos básicos de
sua própria educação: a independentização e a enculturação.
Como se vê, tem-se em mira o mundo de hoje, que é pluralista,
no qual e sobre o qual o aluno vai agir. Donde a necessidade de um
curso eclético em que se atende simultaneamente à formação
humanística e a científica, resultando o encaminhamento vocacional de
uma opção verdadeira, baseada num conhecimento menos superficial
da realidade que o cerca. (Plano Diretor, 1967)
Contudo, não adianta essas mudanças ocorrerem apenas com o grupo de padres e com o colégio, mas é necessário que os alunos também entendam que fazem parte da instituição e da sociedade em que vivem, para que, assim, também consigam mudar o que for necessário para tornarem-se adultos responsáveis e engajados.
Declara-se o Colégio, uma instituição temporal de ensino
médio ao serviço da sociedade, apolítica e sem fins lucrativos, aberta
a todos sem discriminações de cor, raça, religião, condição social ou
econômica, desde que sejam aceitos os objetivos educacionais, a
estrutura e a mentalidade cristã que a inspiram, convencidos de que
qualquer forma de discriminação nos direitos fundamentais da pessoa,
deve ser superada e eliminada, porque contraria o plano de Deus. E
garante a todos uma total liberdade religiosa e total liberdade de
manifestarem sua fé, porque a própria natureza social do homem exige
90
que ele manifeste externamente atos internos de religião, que se
comunique com outros em matéria religiosa, que professe sua religião
em forma comunitária. (Plano Diretor, 1967)
Mudanças que talvez já fossem resultado do Concílio Vaticano II, que foi
uma renovação da Igreja ao mundo contemporâneo e “o mais ecumênico de
todos”, segundo PASSOS & SANCHEZ (SIGNORELLI, 2016, p. 7).
Orientação Espiritual: “Todos os cristãos que, pela
regeneração da água e do Espírito Santo, se chamam e são filhos de
Deus, têm o direito à educação cristã. Educação essa que não visa
apenas à madureza da pessoa humana, mas objetiva em primeiro lugar
que os batizados sejam gradativamente introduzidos no conhecimento
do mistério da Salvação e se tornem de dia para dia mais cônscios do
dom recebido da fé;; aprendam a adorar a Deus Pai;; e sejam treinados
a orientar a própria vida segundo o homem novo na justiça e na
santidade” (cfr. Jo. 4,23). Declaração “Gravissimum Educationis” sobre
a Educação Cristã. (Declaração do Concílio Vaticano II).
O texto citado acima lembra, pois, aos educadores a urgência
de dar aos jovens cristãos uma sólida formação religiosa, adaptada à
sua idade e ao mundo de hoje. Eis porque o currículo do Ginásio Santa
Cruz inclui a catequese. (Plano Diretor, 1968)
Os padres ainda estavam experimentando como seria uma disciplina
desse caráter. Por isso, havia uma mescla de temas da vida, da espiritualidade,
da religião, do cristianismo e do catolicismo.
Declaravam-se um colégio apolítico. As ideias de uma educação moderna
os acompanhavam desde o Canadá. Mas, para essas aulas, ainda usavam
conteúdos doutrinais, mesmo que somados à filosofia humanista do seu projeto
educacional, do olhar para o outro e para uma ação solidária, e da liberdade com
responsabilidade. As aulas tinham como objetivo a orientação espiritual e o
despertar do sentimento religioso nos alunos.
91
2a Fase) Secular, Plurirreligiosa
De 1969 a 1987.
O Colégio estava passando por uma “sacerdotalização” e
“desclericalização” de suas funções, apenas a Direção Geral e a Vice-Direção
Geral ainda eram de padres. Nesse período ocorre uma mudança de paradigma,
de uma disciplina “Religião” para uma área de Educação Religiosa.
A tendência a reunir-se em grupos ou comunidades de jovens
se apresenta cada vez mais forte dentro da dinâmica dos movimentos
de juventude da América Latina. As comunidades de jovens se
caracteriza em geral, por serem grupos naturais de reflexão e revisão
de vida, em torno de um compromisso cristão ambiental. (Plano Diretor,
1969)
A juventude moderna atravessa um período de crises
profundas. Estruturas e valores, até há pouco válidos, são
questionados e negados, sem se conseguir, de pronto, uma
substituição pacificante.
Esta crise, de proporções gigantescas, atinge em cheio o
campo religioso. As aspirações juvenis chocam-se, às vezes
flagrantemente, com a mentalidade religiosa do meio ambiente. Os
jovens não aceitam, sem mais, as ideias e práticas religiosas dos
adultos, julgando-as herança morta de uma cultura ultrapassada.
Podemos afirmar que esta mentalidade evolutiva e pragmática está na
origem de todas as mudanças sociais, psicológicas, morais e religiosas
com que atualmente nos defrontamos”.
CHARBONNEAU (1973, p. 100) fala sobre essas questões: “Nos centros
urbanos, especialmente, vai se processando, com muita rapidez, uma
“desmistificação” dos conceitos de autoridade, sexo, moral e religião. (...), a
religião livrou-se das pressões sociais, culturais e mesmo familiares”. Com a
rapidez das mudanças, e com o avanço da secularização45, os jovens
45 O fenômeno histórico-social da secularização está intimamente relacionado com o avanço da modernidade. O direito, a arte, a cultura, a filosofia, a educação, a medicina e outros campos da vida social moderna se baseiam em valores seculares, ou seja, não religiosos. As bases filosóficas da modernidade ocidental revelam uma concepção de mundo e de homem dessacralizadora, profana que contrasta com o universo permeado de forças mágicas, divinas das sociedades tradicionais e primitivas. O desenvolvimento da ciência, da técnica e do racionalismo faz recuar as concepções sacrais e religiosas do homem e mundo. A secularização se caracteriza fundamentalmente pelo declínio da religião, pela perda de sua posição axial e pela
92
necessitam de bases firmes que os ajudem a esclarecer suas crises e dúvidas.
“O pedagogo que realmente aceitar o desafio da educação será somente aquele
que fará o adolescente “sentir-se bem em sua pele” e à vontade em sua alma”
(p. 37).
Dessa forma, as aulas de Animação Espiritual, especialmente
nas 3a e 4a séries do ginásio, revestirão dois aspectos que se
completam entre si, 1o o aspecto secular: temas de vida, enfocando
problemas específicos da juventude, do interesse de todos, sem
ligação com a opção religiosa de cada um;; 2o o aspecto religioso do
tema, proporcionando especialmente àqueles que têm a fé cristã.
Nas séries iniciais, a Animação Religiosa era apresentada mais
como uma catequese. Mas também, uma orientação moral e religiosa,
por meio de temas que desenvolviam a consciência crítica do aluno.
Nas séries finais, o curso era mais para uma reflexão sobre
assuntos relacionados com a religião e a fé. Para todos, independente
da opção religiosa de cada um. (Plano Diretor, 1970)
Por isso, nesse ano, fazem um curso com uma outra ideia:
“Nem religião, nem cultura religiosa, nem catequese, mas animação
espiritual”. Ou seja, introduzir um conteúdo histórico, científico,
espiritual e, existencial. Pois há a percepção de um meio pluralista. E
como o curso é para todos os alunos, também tem que ser plural.
Apesar, de ainda ter um conteúdo bíblico e litúrgico. Mas, com
possibilidades cada vez mais “abertas” e multidisciplinar. (Plano
Diretor, 1971)
A cosmovisão do Colégio passa a ser plurirreligiosa;; não só pela presença
de alunos de diversas religiões ou sem religião, mas como no ensino, que
buscava ser mais amplo apresentando outras religiões que não somente a
católica. A chegada do Pe. Lourenço foi um marco, pois ele trouxe ideias
renovadas (que iam ao encontro de alguns temas já abordados e refletidos pelo
Padre Charbonneau).
autonomização das diversas esferas da vida social da tutela e controle da hierocracia. A secularização traz consigo uma série de importantes conseqüências sociais. Talvez a mais importante seja à perda do monopólio religioso da Igreja Católica, no caso brasileiro e de grande parte dos países ibero-americanos e do sul da Europa, que conduziu a liberdade religiosa e ao surgimento do pluralismo religioso. RANQUETAT JR (2008, p. 2). Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/sociaisehumanas/article/view/773. Acesso em: 05 de novembro de 2017.
93
Portanto, o Colégio Santa Cruz, mesmo sendo uma instituição
particular e confessional, não quer impedir nenhuma criança de
tradição religiosa não católica, a participar de todas as atividades da
escola. (...) a partir dos dez anos (o ensino religioso a menores de dez
anos, tem que ser considerado de forma diferente).
Com temas centrais por série, parábolas, estudo da vida de
Cristo, estudo da Bíblia, temas relacionados com a realização pessoal
do adolescente e análise de assuntos relacionados com o tema geral
da fé. Além de integrar o curso no currículo, para todos os alunos de
todas as séries do ginásio, Padre Lourenço o adequou às diretrizes
pedagógicas do colégio, inclusive com conceito no Boletim. Uma aula
por semana por série, e na oitava série, duas aulas semanais. Agora,
já denominado Ensino Religioso. (Plano Diretor, 1972)
Com uma sociedade secularizada, ficava mais fácil abordar temas mais
“difíceis” como namoro, sexualidade, outras religiões, injustiça, preconceito etc.
O nosso mundo continua caminhando apressadamente para a
secularização. A religião, no meio estudantil, não é mais considerada
uma herança cultural, mas como opção pessoal livre e responsável. Na
sociedade pluralista, a religião livrou-se das pressões sociais, culturais
e mesmo familiares. (Plano Diretor, 1972)
As Leis Educacionais mudam e o Colégio as acompanha, mesmo que em
seu currículo já tivessem, a seu modo, disciplinas mais modernas e amplas do
que as exigidas pelo Estado.
O curso ginasial também muda a nomenclatura de seu curso
para Ensino Religioso. “A expressão ‘Animação Espiritual’ é abrangente e refere-se ao Ensino Religioso no sentido da Lei”.
Portanto, o Colégio Santa Cruz, mesmo sendo uma instituição
particular e confessional, acolhe a todos sem distinção de religião.
(Plano Diretor, 1974)
Agora, não há mais o Ensino Religioso propriamente dito, no
currículo, mas um setor de Cultura Religiosa que se propõe a discutir
o tema pela problemática existencial e ideológica dos alunos.
Para isso, prepararam um Programa de História das Religiões
vinculado ao curso de Filosofia, obrigatório, com uma aula semanal
para a 1a série do Colegial. Esse programa “pretende levar os alunos
94
a situar o fenômeno religioso desde suas origens até as suas
implicações históricas atuais”.
Além de grupos de estudo, seminários e conferências sobre a
atuação social da Igreja. (Plano Diretor, 1978)
O curso de Ensino Religioso avança cada vez mais, e vai ganhando status
de disciplina e de área própria, como persistência e trabalho do Padre Lourenço.
Para este ano, a Orientação Pastoral se estruturou em três
grandes seguimentos: Catequese, Cultura Religiosa e Integração
Social.
Sendo que, em Cultura Religiosa, havia o estudo dos aspectos
históricos (origem, difusão, evolução) do cristianismo, judaísmo,
islamismo, budismo, bramanismo, espiritismo (e dos ateísmos);; os
aspectos estruturais (dogma, moral, culto) dessas religiões e,
caracterização de religião, em geral;; além dos aspectos críticos
existentes. Ministrada em parceria com Filosofia, como já acontecia.
(Plano Diretor, 1980)
Durante o ano de 1980, Padre Lourenço escreve o “Marco Referencial da Educação Religiosa no Curso de 1o Grau” (depois revisado em 1983), sendo citado no Plano Diretor e com recomendação de leitura por toda a
comunidade pelo Diretor Geral Padre Lionel Corbeil. Em seguida, o Padre
Lourenço viaja em um ano sabático (para o Canadá e depois para a Índia).
Retornando no início de 1982 e ficando até o final de 1984, quando em 1985, é
nomeado pároco na Paróquia de São José do Jaguaré, comunidade assistida
pelo Colégio.
Ele queria que todos pudessem ler, discutir, refletir e, era o seu desejo,
que todos pudessem seguir o seu Marco Referencial, por achar que estava na
hora de uma mudança mais profunda na Educação Religiosa realizada no
Colégio. Ele trouxe ideias bastante inovadoras e diferentes de tudo aquilo que
se seguia, por isso tão difíceis para aquela época (apresentação do Marco Referencial no Capítulo III).
Um momento importante, em que a sociedade, como um todo, estava
mudando, e o colégio teria que acompanhar e discutir essas questões em sala
de aula. E, assim, tentar refletir, junto com os alunos, sobre essas mudanças.
95
A secularização é um processo pelo qual pensamento, práticas
e instituições religiosas perdem significação social. Os valores
fundamentais que regem as sociedades modernas não derivam de
preceitos religiosos. Os preceitos religiosos já não são mais, nas
modernas sociedades secularizadas, a base da organização social.
RANQUETAT JR (2008, p. 3)46.
As aulas eram ministradas por padres ou por professores leigos, e usavam
de várias fontes como a antropologia, a história, a teologia, a sociologia, e o
objetivo era que o aluno pudesse construir uma cultura religiosa e refletir sobre
questões existenciais e da vida para uma formação integral, como indivíduos
completos.
A programação curricular de Cultura Religiosa, iniciada nas 1as
séries do Colegial em 1977, sob a denominação de História das
Religiões, foi estendida às 2as séries em 1982 e, a partir deste ano,
passa a integrar o currículo das 3as séries do Curso Colegial.
Na 1a série, o objetivo básico é falar sobre o fato cultural da
Religião, na 2a série o tema é Fé e na 3a série, com uma abordagem
expositiva e crítica, fala-se sobre atuação efetiva de pessoas e grupos
na esfera social, política e econômica no primeiro semestre e, sobre os
problemas da passagem do Colegial para a Universidade, como opção
ideológica, drogas, relacionamento afetivo-sexual, no segundo
semestre. (Plano Diretor, 1983)
O objetivo geral do Ensino Religioso é desenvolver a
religiosidade do educando, ajudando-o na busca do sentido da sua vida
e da sua participação na comunidade, bem como no seu
posicionamento religioso. É necessário à formação integral do ser
humano e não exige a Fé dos participantes. (Plano Diretor, 1984)
Com a saída do Padre Ricardo, o Padre Charbonneau assume
a Coordenação da Pastoral do 2o grau. E as aulas em classe ficam
para o Prof. Flávio Vespasiano Di Giorgi, organizando-as assim: no 1o
ano, Curso de História das Religiões, no 2o ano, Curso de Cultura
Religiosa e no 3o ano, Curso de Religião e Cultura. (Plano Diretor,
1985)
46 Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/sociaisehumanas/article/view/773. Acesso em: 05 de novembro de 2017.
96
Mesmo com toda a discussão sobre secularização que estava sendo
realizada, a partir de 1986, o Colégio começa a passar por uma mudança, e a
se aproximar mais das ideias cristãs/católicas. Neste ano, é apresentada na
“Palavra do Diretor”, a importância (ainda maior) do Ensino Religioso numa escola católica e, portanto, passa a ser ministrado em todas as séries dos cursos
primário, ginasial e colegial, com frequência obrigatória.
Mas, modifica-se também a sua programação no Curso Colegial,
introduzindo o estudo do Credo nas 1as séries e do Decálogo nas 2as séries. O
Diretor usa citações do Cardeal Ratzinger para mostrar essa necessidade de
mudança: “O Cristão encontra neles aquilo que deve crer (O símbolo ou Credo),
esperar (O Pai Nosso), fazer (O Decálogo) e o espaço vital em que tudo isso
deve se realizar (Os Sacramentos)”. O curso para a 3ª série muda para Curso
de Filosofia e Cultura Religiosa, todos com o mesmo professor.
Em 1987, o Padre Charbonneau morre “subitamente”, em 11 de setembro.
A Palavra do Diretor em 1988 faz uma homenagem a ele. Na Missa de Corpo
Presente, Padre Corbeil falou sobre os vários papéis exercidos pelo Padre
Charbonneau:
o educador e professor, o teólogo, filósofo e conselheiro, o
escritor e colaborador assíduo do Jornal Folha de São Paulo, o
conferencista titular do Movimento chamado ‘Escola de Pais’. Mas
insisto particularmente sobre uma qualidade que marcou toda a sua
vida: Padre Charbonneau era o homem do amor, amava muito. Padre
Charbonneau era apaixonado. (Plano Diretor, 1988)
E, portanto, é definida, novamente, uma área de Educação Religiosa, que
abrange o Ensino Religioso, Catequese opcional, Liturgia e Ação Comunitária
(prática social).
3a Fase) Teológica-Espiritual, Unirreligiosa
De 1988 a 2011.
Essa é a primeira Fase em que um leigo coordena a área de Educação
Religiosa no Colégio, e foi a mais longa em termos temporais. O Professor
97
Cláudio Antonio Rondello, que ministrava aulas de Ensino Religioso, torna-se o
Coordenador.
Modificou-se gradativamente de um Ensino Religioso plural, para um mais
unirreligioso, em direção à Teologia. Com uma cosmovisão religiosa mais
singular. Chega a trabalhar com temas sobre Vida, Fé, Religião, Sociedade,
Ciência e Religião, mas como conteúdos para a formação cristã dos alunos.
O Ensino Religioso visa à informação sistemática do Antigo e Novo Testamento, à Doutrina e aos Ensinamentos da Igreja. Este curso
é dado a todos os alunos, independente da opção de Fé. (Plano
Diretor, 1992)
Temas como o Antigo e Novo Testamento, doutrina e ensinamentos da
Igreja Católica são inseridos, assim como reflexões sobre a palavra de Deus.
Mas o Colégio, como um todo, ainda mostra os valores educacionais e
filosóficos de uma humanização integral e formação de indivíduos completos, ou
seja, com um olhar para o todo.
A mudança mais significativa desse ano é o encerramento da
direção sacerdotal e sua laicização47. O Padre Corbeil se aposenta e o
Prof. Luiz Eduardo Magalhães assume a Direção Geral do colégio, o
único cargo administrativo que ainda era mantido por um sacerdote.
Que agora fica com os trabalhos na Pastoral, sociais e litúrgicos, já que
agora, a Coordenação Geral também fica a cargo de um coordenador
leigo.
Em sua primeira “Palavra do Diretor”, ele retoma a importância
do Padre Charbonneau e do Padre Corbeil, mas com uma certa
nostalgia e colocando o seu olhar no futuro, o que se seguirá daqui
para a frente. “(...), a página introdutória do Diretor tem inevitavelmente
ultrapassado esses propósitos, e vem registrando um ideário, vem
refletindo as circunstâncias políticas, sociais, econômicas”. Diz que em
1982, o Padre Corbeil é incisivo e fala como não há a possibilidade de
desligar a Educação de um sentido libertador: “Esta escolha significa
basicamente optar pela Justiça e fazer desta o critério por excelência
47 É preciso enfatizar que a laicidade é sobretudo um fenômeno político e não um problema religioso, ou seja, ela deriva do Estado e não da religião. RANQUETAT JR, 2008, p. 4. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/sociaisehumanas/article/view/773. Acesso em: 05 de novembro de 2017.
98
da ação”. Palavras reforçadas pelo Padre Charbonneau: “Sem deixar
de lado as responsabilidades acadêmicas que nos cabem, queremos
que 1982 seja um momento privilegiado do despertar da consciência
sócio-política de nossos alunos”. (Plano Diretor, 1993)
Tudo ainda está um pouco confuso, pois ao mesmo tempo que lembra-se
os dizeres do Padre Corbeil sobre Educação e Liberdade, e os dizeres do Padre
Charbonneau sobre conscientizar os alunos quanto às questões sócio-políticas,
caminha-se por buscar também a (re)conexão com o espiritual, e com a crença
na existência de um “deus”.
Unidade não significa homogeneidade, mas harmonização de
componentes heterogêneos;; o respeito pela diversidade é um princípio
básico quando se busca compor um todo, tão integrado quanto
múltiplo, tão único quanto complexo. (Palavra do Diretor)
Alguns pensamentos do Padre Charbonneau: “Agir é antes de
tudo pensar”, “Somos inquietos. Porque os jovens nos empurram no
caminho da existência e nos forçam todos os dias a nos fazer cem
perguntas insolúveis;; porque exigem de nós respostas;; porque todas
as manhãs, na luz do dia que desponta, erguem à nossa frente o
impenetrável mistério do homem;; porque nos perguntam como tornar-
se homem e por que tornar-se cristão... Eles nos tiram o repouso do
espírito e não nos deixam parar”. (Plano Diretor, 1994)
Há um novo texto do Projeto Santa Cruz, em que se discorre sobre
educação e o seu papel na sociedade e, depois, sobre uma formação
multidimensional e integral, humanizadora e cristã que compõem o projeto
educacional do Colégio. Mostrando que, de alguma forma, o colégio ainda segue
uma linha mestra única.
Formar moralmente uma juventude é ensinar-lhe o compromisso
com o outro, com sua comunidade, com seu país. É apontar-lhe os
princípios que inspiram o amor e a justiça. Essa formação repousa nos
valores cristãos. Aqui a educação também se alicerça na crença de
que toda existência é marcada por uma dimensão transcendental. E,
embora respeite a liberdade de consciência e religião e abra suas
portas indiferenciadamente a todos os que, não obstante diversidades
religiosas, aceitem seus objetivos educacionais, o Colégio Santa Cruz
reafirma sua orientação católica. (Plano Diretor, 1994)
99
Essa fase, fica marcada por uma dualidade de ideias. Ao mesmo tempo
que a escola continua se modernizando em vários aspectos, a Área de Educação
Religiosa, da qual o Ensino Religioso faz parte, não faz nenhuma mudança
significativa. Mas, vai em busca de um resgate de sua identidade confessional.
Creio que, hoje, a sabedoria está na busca do equilíbrio entre os
pólos de ontem. Em lugar do confronto, a dialética. Em lugar da defesa
indiscriminada do novo a cada dia mais efêmero, da novidade quase
sempre superficial, acredito que o projeto educacional do presente
deve estar fundado nas tradições da cultura humanista – incluindo-se
a Filosofia, a Arte e a Ciência – em um diálogo contínuo com o futuro,
com a natureza dinâmica da vida e do homem. Em síntese, incorporar
e transcender a tradição;; incorporar e transcender o novo. Harmonizar
ambos, sem endeusar nem um, nem outro. Esta é uma matriz
paradoxal, dialética e desafiadora. Mas é a matriz sobre a qual se
assenta a história do Colégio Santa Cruz e o princípio que acomoda e
impulsiona seus projetos recentes e futuros”. (Plano Diretor, 1998)
O Plano Diretor de 1999, traz um texto sobre a disciplina de Religião e
Ética, ministrada no Ensino Fundamental 1, como uma área que “articula
situações de autoconhecimento, percepção dos valores familiares e sociais,
vinculadas à construção da ideia de Deus como criador e criatura. Ou seja, a
ideia de que deus se espalha por tudo o que existe, na natureza ou nos homens”.
Indicando um novo caminho a seguir. Além de haver, a partir de agora,
professores que ministram aulas de Ensino Religioso e Catequese, “levando
conceitos de confissão religiosa para as aulas regulares”. E, em 2000, um
professor de outra disciplina (História) começa a ministrar Ensino Religioso,
simultaneamente. O que vai acontecer mais algumas vezes nos anos seguintes.
A possibilidade de professores de catequese darem aulas de Ensino
Religioso também, pode ter causado alguma confusão, tanto no conteúdo
ministrado quanto na mensagem sobre qual o objetivo dessas aulas para os
alunos.
O Padre Corbeil falece em dezembro de 2001, com quase cinquenta anos
de fundação do colégio. E a presença de sacerdotes no colégio vai diminuindo.
Há a inserção de questões sobre a dimensão exterior que é a
que “agrega a experiência das relações humanas”, como “a percepção
100
das diversidades (ética, social, cultural, corporal) e a consequente
atitude de respeito, compreensão e solidariedade, sem abrir mão dos
valores cristãos”. E sobre a dimensão interior que é a da introspecção,
que “possibilita a cada um aprender a dialogar com seu eu profundo e
o mistério de transcendência que nos constitui em essência. (Plano
Diretor, 2006)
Passos em direção a uma busca pelo transcendente, pela espiritualidade,
e a que estão ligados, como estão conectados entre si e com os seres humanos,
se era somente da Igreja Católica ou não. O grupo de Ensino Religioso foi em
busca de literatura e encontrou o Leonardo Boff, teólogo e escritor, que estava
lançando livros com essa temática.
Esse Deus não vem de fora. Ele é aquela Energia poderosa e
amorosa que os cosmólogos chamam de Energia de Fundo do
Universo, inominável e misteriosa da qual saíram todos os seres e são
sustentados, a cada momento, por ela. E nós também. Cosmólogos
como Brian Swimme e Freeman Dyson chamam de Abismo
Alimentador de Tudo ou de Fonte Originária de todos os Seres. Deus
deve ser pensado nesta linha.
É próprio da vida do espírito poder abrir-se a essa Realidade,
deixar-se tomar por ela e entrar em diálogo com ela. O resultado é ter
uma experiência de transcendência, sentindo-se mais sensível e
humano. (BOFF, 2017)48
Dessa forma, o grupo caminhava para um Ensino Religioso não
equidistante do fenômeno religioso, e mais próximo da ideia de que os alunos
podem aprender a contemplar, a meditar e outras técnicas que os levem à
espiritualidade.
Em 2010, o Plano Diretor apresenta o tema a ser trabalhado no 5o ano:
“Refletir e transferir para o dia a dia a palavra de Deus”. Confirmando os passos
numa direção espiritual/teológica.
Nesse ano, que o Colégio comemora 60 anos, faz uma
reavaliação de seu projeto pedagógico e reestrutura o seu apoio
administrativo. E, para este aprimoramento, algumas mudanças já
foram feitas: a criação de uma Direção Pedagógica, exercida pela Vice-
48 Disponível em: http://www.jb.com.br/leonardo-boff/noticias/2017/10/02/ensino-religioso-ou-ensino-das-religioes-e-iniciacao-a-vida-do-espirito/. Acesso em: 05 de novembro de 2017.
101
Diretora Geral. Foram criadas nove comissões disciplinares – Língua
Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes,
Educação Física, Inglês e Ensino Religioso -, que reúnem os
professores de todos os cursos, para um planejamento transversal de
cada área. Cada comissão tem um professor-coordenador e, esses
coordenadores reúnem-se mensalmente com a Direção Geral com a
finalidade de esboçarem seus parâmetros curriculares. (Plano Diretor,
2012)
A partir de 2012, as reuniões do grupo de Ensino Religioso, que já
aconteciam, agora passam a fazer parte das reuniões de verticalidade, como
ficaram conhecidas essas reuniões disciplinares.
4ª Fase) Teórica-Científica, Transreligiosa
De 2012 até hoje.
Nova coordenação, um novo olhar. Exatamente pela dualidade que era
possível ser observada em muitas aulas de Ensino Religioso, um incômodo
aparece e, por causa disso, também uma nova busca por um caminho mais
condizente com a filosofia fundante do Colégio, ou seja, mais plural.
A Pastoral coordena a ação educativa voltada à formação religiosa dos alunos do Colégio Santa Cruz a partir de quatro
dimensões:
- sensibilização para a questão social e o voluntariado pedagógico;;
- ensino religioso e o desenvolvimento da espiritualidade e valores;;
- catequese e a iniciação para a primeira Eucaristia e Crisma;;
- liturgia. (Plano Diretor, 2012)
A Pastoral volta a agrupar toda a área de Educação Religiosa, mais a
liturgia. Nesse contexto, ainda há uma confusão, já que o Ensino Religioso
poderia estar agrupado junto com todas as outras disciplinas, já que busca
constituir uma área de conhecimento.
A dimensão religiosa no Colégio é muito importante, e não há
proselitismo e sim um diálogo religioso. Mas “promove-se o
testemunho cristão e católico nas aulas de ensino religioso, e todos
102
são convidados a participarem das celebrações litúrgicas preparadas
com muito carinho não só nas grandes datas, mas diariamente e aos
domingos”. (Plano Diretor 2013)
Alguns conflitos aparecem nesse momento de mudança e busca por uma
identidade mais teórico-científica do Ensino Religioso. Pois uma outra visão, um
outro paradigma, mais moderno, com uma base teórica e metodológica para a
abordagem do fenômeno religioso dentro da sala de aula, começa a surgir. E,
como fonte, chegou-se na Ciência da Religião, área que trouxe uma cosmovisão
transreligiosa e ideias contemporâneas, para atingir uma sociedade globalizada
e formar cidadãos para esse "mundo novo".
A Professora Renata Usarski, agora coordenadora da Pastoral, por um
trajeto acadêmico, fez observações de como o Ensino Religioso estava sendo
ministrado e, por meio de leituras e participando de simpósios sobre o tema,
percebeu que estava havendo uma confusão, em como essa disciplina estava
sendo organizada e como deveria ser de fato. Observou que, mesmo
respeitando todas as religiões, tinha uma ênfase no catolicismo e no cristianismo;;
pois haviam professoras que estavam no Ensino Religioso e também na
Catequese. Dessa forma, juntamente com a direção pedagógica do colégio,
recorre à academia e suas bases teóricas.
Foram realizadas algumas reuniões sobre a questão com o Prof. Dr.
Afonso Maria Ligorio Soares, coordenador do Departamento de Ciência da
Religião da PUC/SP, que era pesquisador na área de Ensino Religioso e Ciência
da Religião (Prática/Aplicada) como possível base epistemológica para essa
disciplina. Ele pediu alguns materiais, como planejamentos, textos e atividades
realizadas para fazer uma avaliação inicial do que estava acontecendo, e,
concluiu que o Ensino Religioso em questão estava sendo apresentado como
catequético, teológico. Portanto, não condizendo com a base filosófica, fundante
do Colégio, que ia de encontro com as diretrizes apontadas por um Ensino
Religioso com base na Ciência da Religião.
Dessa forma, o Professor Afonso torna-se o assessor/consultor para essa
mudança. Ele vai várias vezes ao Colégio, realiza diversas reuniões tanto com o
corpo de coordenadores quanto com o corpo docente, e organiza tudo nessa
linha, ou seja, na linha da Ciência da Religião.
103
Entre 2013 e 2014, como proposta, houve a construção de um Documento
do Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz, para marcar e definir a área de
atuação, metodologia, objetivos, eixos programáticos.
Há, nesse ano, a separação dos professores de Ensino
Religioso dos professores de Catequese. Para não haver assim, a
possibilidade de uma aula confessional católica, que é função da
Catequese (opcional). No Ensino Fundamental 1 há uma professora
especialista para o 3o e 4o anos, e uma para o 5o ano. No Ensino
Fundamental 2, os professores de Ensino Religioso são os próprios
professores que já ministram outra disciplina na série, no 6o ano é o
professor de História, no 7o ano o de Ciências, no 8o ano a de Francês
e no 9o ano a de História. (Plano Diretor, 2014)
A “nova” disciplina foi implementada no ano de 2014, marcando uma
mudança fundamental no Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz, que agora
conta com um ensino de bases epistemológicas na Ciência da Religião e com
professores específicos para a disciplina. Um Ensino Religioso em constante
formação teórico-científica.
104
Capítulo III
O Modelo atual de Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz
1. O Marco Referencial da Educação Religiosa no Curso de 1o Grau do Colégio Santa Cruz
No início da década de 80, já havia uma inquietação da coordenação de
Educação Religiosa, como era chamada na época, sobre como seguir e
transformá-la numa disciplina com viés mais aberto, ecumênico, de formação de
valores e cidadania, para a convivência solidária e com bases teóricas científicas
e religiosas. Além, de continuar a tê-la no currículo de todas as séries do 1o grau
(1a a 8a séries), como disciplina regular, com avaliações e notas.
O Padre Lourenço, que era o coordenador na época, já havia pesquisado
e lido muito sobre esse tema e, estava sempre atento ao assunto.
Muitos estudos na Inglaterra sobre Ensino Religioso, que são
mais avançados, no sentido da transcendência, que todo ser humano
tem que ter uma visão, mas que cosmovisão? Apenas científica ou
também uma cosmovisão que pode ser religiosa? Ele acha que isso é
105
o futuro! E queria que o que ele estava fazendo também fosse para as
escolas do Estado49.
De 1980 para 1981, escreve o Marco Referencial da Educação Religiosa
no Curso de 1º Grau do Colégio Santa Cruz, que depois teve sua versão inicial
revisada entre 1983 e 1984, a qual foram acrescentadas algumas novas
referências.
O Padre Lourenço começou a trabalhar com o Marco Referencial no
Primário, inicialmente com os professores, em reuniões mensais. Mas houve um
certo desconforto e uma divisão entre eles em relação ao que o Marco
Referencial significava e trazia em si.
Um MARCO REFERENCIAL é o conjunto de doutrina e
filosofia dentro de um contexto sociológico (marco situacional) que
define um posicionamento e determina o que “deve ser”, ou seja, os
objetivos a serem atingidos. O marco doutrinal é necessariamente
abstrato, enquanto que o marco pedagógico é mais concreto. A análise
das relações entre a teoria e a prática dependerá do marco situacional,
doutrinal e pedagógico50.
Esse Marco Referencial foi resultado dos anos de experiência da
Educação Religiosa que vinha sendo realizada no Colégio, um ambiente
pluralista numa escola católica, ou seja, uma teoria que foi elaborada a partir de
uma prática.
O Marco Teórico da Educação Religiosa do 1o Grau foi
elaborado considerando:
a) o próprio contexto sociológico (marco situacional).
b) o conceito de educação integral.
c) a missão evangelizadora-libertadora da escola católica.
d) a orientação da entidade religiosa mantenedora (Congregação de
Santa Cruz).
49 Palestra ministrada pelo Padre Lourenço, no Colégio Santa Cruz, em 2013. 50 Documento: Marco Referencial da Educação Religiosa no Curso de 1o Grau do Colégio Santa Cruz, 1980-83, p. 1.
106
e) as conclusões da Conferência Episcopal Latino-americana
realizada em Puebla, em 1979.
f) a Carta Encíclica “EVANGELII NUNTIANDI” de Paulo VI (1975).
g) Igreja e Educação (estudos da CNBB) 1977.
h) CATEQUESE RENOVADA – Orientações e Conteúdo –
(documentos da CNBB no 26) 1983.
i) Educação Religiosa nas Escolas – 1977 (Estudos da CNBB no 14).
O marco pedagógico difere muito segundo as modalidades de
Educação Religiosa:
• educação religiosa curricular.
• catequese.
• dias de formação.
• liturgia.
• etc. (Marco Referencial, p. 2)
Além de trazer questões como as implicações pastorais e pedagógicas
decorrentes do contexto sócio-religioso do colégio, a Educação Religiosa como
parte integrante do processo educativo e a distinção de Ensino Religioso e
Catequese.
Padre Lourenço esclarece algumas definições que segue em seu Marco
Referencial:
Nos Planos Diretores sempre teve Educação Religiosa, e
depois mudaram para Ensino Religioso por uma questão da legislação.
O Padre Lourenço nunca concordou com Ensino Religioso, porque em
todas as disciplinas fala-se em Educação... Educação Física,
Educação Artística etc. Pois Educação é muito mais abrangente, é uma
formação e não uma imposição, não como uma fábrica que você vai
ensinar exatamente o que tem que ser feito. Era a Animação Religiosa,
depois ele mudou para Educação Religiosa e, depois de uns 3 anos,
mudaram para Ensino Religioso. A separação das professoras de
Catequese dos professores de Ensino Religioso foi importante, porque
a tendência é testemunhar da sua fé. E a linguagem tem que ser
diferente. Não tem que ter Nossa Senhora, Nosso Senhor, nem uma
série de expressões que são eclesiais, católicas. E tem que se preparar
para o ecumenismo e, não é possível fazer isso sem conhecer as
outras religiões. Tem que conhecer bem a própria religião, se não fica
107
tudo no achismo e aí o ecumenismo não vai para a frente de jeito
nenhum51.
Para tanto, discorre minuciosamente em seu Marco Referencial como a
Educação Religiosa deveria ser, não só no Colégio, como nas demais escolas
estaduais.
O Marco Situacional fala sobre como o pluralismo é um reflexo da
secularização, ou seja, a sociedade e a cultura se desprendem da tutela e do
controle religioso. E dessa forma, "uma escola grande, mesmo católica, não
pode escapar à secularização". "A nossa opinião é que a escola católica não
somente aceite, mas venha a assumir o fenômeno da secularização". (Marco
Referencial, p. 4)
Então, por que se ensinar sobre as religiões, por que ter Ensino Religioso
numa escola católica? Segundo a citação do Papa João Paulo II, na Homilia da
Missa de Porto Alegre em 04/07/1980, descrita no Marco Referencial, p. 3:
Não aconteça, delitíssimos pais que me ouvis, que vossos filhos
cheguem à maturidade humana, civil e profissional, ficando crianças
em assuntos de religião. Não é exato que a fé é uma opção a fazer-se
em idade adulta. A verdadeira opção supõe o conhecimento;; e nunca
poderá haver escola entre coisas que não foram sábias e
adequadamente propostas.
Porque é necessário conhecer para poder escolher, ou não, uma religião.
Então é importante falar sobre o que é fé, o que é crença, o que é o sagrado, o
que é o ateísmo etc, para poder saber escolher caminhos e argumentar sobre
eles.
Nesse sentido, o Ensino Religioso tem que ser visto como uma disciplina
regular, com a sua área de conhecimento definida, e não como um momento de
catequese, "instrumento da pastoral", mas sim como um "componente
necessário ao processo de educação global" (Marco Referencial, p. 4-5).
51 Palestra ministrada pelo Padre Lourenço, no Colégio Santa Cruz, em 2013.
108
O Marco Doutrinal, traz a ideia de que a Educação Religiosa é
componente essencial à uma formação integral. Assim, primeiro considera o que
seria o processo educativo global, dizendo que:
Educar é falar da vida, do sentido da existência humana, do
sentido das coisas e dos acontecimentos, do mundo e da sociedade.
Educar é ajudar no desenvolvimento da liberdade e do amor, em
congruência com o que é a pessoa humana. (...) Educar é ajudar
alguém a se desenvolver, a se formar, a ter senso crítico,
personalidade. Personalizar-se é desenvolver seus dotes, saber
acolher o outro, comunicar-se;; enfim, é ser capaz de integrar-se
consciente e ativamente no processo evolutivo da História e da
sociedade. Quer se trate de educação física, artística, científica, moral
ou religiosa, a finalidade primordial é de facilitar o crescimento, isto é,
propiciar a realização do estudante. (Marco Referencial, p. 5)
Para depois, mostrar como a Educação Religiosa está inserida nessa
educação global e como é necessária ao crescimento multidimensional da
pessoa, trazendo duas razões que a justificam:
1) É preciso dar um sentido, uma razão de ser, um significado último.
Quando os jovens começam a se questionar sobre sua própria
existência, sobre vida e morte, o bem e o mal, sobre as injustiças
sociais e incoerências comportamentais;; busca a felicidade, o
amor, a verdade humana, a Educação Religiosa apresenta um
universo de significação. "O significado último sobre o Homem e
o Mundo só pode ser dado a partir de uma cosmovisão ou pela
religião".
2) É importante distinguir religiosidade, religião e cosmovisão. Por
religião entende-se a relação entre o ser humano e o sobre-
humano, ou seja, o relacionamento do ser humano com o
sobrenatural, o misterioso, o divino, o absoluto, o transcendente.
E, objetivamente, é o conjunto de todas as ações, manifestações
e prescrições religiosas que se referem ao Sagrado. Religiosidade
é inata à pessoa humana, é a atitude dinâmica de abertura do
homem ao sentido radical de sua existência. Não se trata de "mais
uma" atitude ou função: a religiosidade é a dimensão mais
profunda de todas as funções da vida humana, ou melhor, da
totalidade da vida humana. Esta abertura ao sentido radical da
existência humana será, por isso mesmo, abertura ao
109
transcendente. É uma característica antropológica. (Marco
Referencial, p. 7)
Essa Educação Religiosa se apresenta num processo de Educação
Libertadora, entendida como método. E, esta deve ser uma educação
humanizante, aberta, personalizante, pluralista e dialogal, e em seus conteúdos
uma educação conscientizadora, renovadora, crítica e transformadora da
realidade.
Assim, as aulas de Educação Religiosa (Ensino Religioso Curricular), tem
como objetivos específicos:
1. Informar ao aluno do conteúdo doutrinal e histórico do Cristianismo
e de outros conteúdos de fé;;
2. Ajudar o aluno a descobrir o sentido evolutivo da História e o sentido
dinâmico e transcendental da sua própria vida;;
3. Proporcionar ao educando informações oportunas, orientações e
experiências ligadas à dimensão religiosa da vida que o ajudem a
cultivar uma atitude de abertura ao sentido radical da sua existência
e a preparar-se para uma opção responsável de seu projeto de vida;;
4. Formular em profundidade o questionamento religioso para que o
aluno dê a sua resposta de forma livre, coerente e engajada;;
5. Aprofundar vivências, melhorando o nível de religião, diálogo e
convivência;;
6. Ajudar o educando a descobrir as incoerências e contradições
existentes entre certos sistemas de valores e os valores promovidos
pelo cristianismo;;
7. Discernir as ações mais condizentes com as opções religiosas
teoricamente assumidas tanto no sentido da moral individual como
da moral social;;
8. Incentivar o educando a prestar serviço gratuitamente libertando-o
do pragmatismo e solidarizando-o com a causa dos pobres.
Quando estes objetivos são operacionalizados dentro de uma visão
propriamente educacional e acadêmica, torna-se claro para o
educando, o seu caráter informativo e a sua importância para uma
formação integral. (Marco Referencial, p. 16)
Tudo isso, para que, como o próprio Padre Lourenço dizia, o aluno possa
posicionar-se para se tornar cada vez mais ele mesmo.
110
Quando estes objetivos específicos, citados acima, são
operacionalizados dentro de uma visão propriamente educacional e
acadêmica, torna-se claro para o educando, o seu caráter informativo
e a sua importância para uma formação integral. O estudante não sente
aquela coação psicológica que a Catequese compulsória exerce.
A aula de Educação Religiosa não se limita à simples
informação sobre um acontecimento como qualquer fato histórico, ou
à mera assimilação da matéria apresentada. Ela deve procurar levar o
educando a uma tomada de posição. (...) O professor não pode ser
apenas um transmissor de informação religiosa. Ele deve ser
sobretudo um animador que respeite uma consciência crítica e mostre
a força criativa da religião na humanização da sociedade. (Marco
Referencial, p. 16)
A outra questão primordial, era a integração com os objetivos
pedagógicos da escola, para ser aceita como qualquer outra matéria e se firmar
como atividade acadêmica, possuindo os mesmos títulos e os mesmos direitos.
Do ponto de vista educativo, não nos parece normal que um
estudante termine o 1o Grau sem ter refletido em algum momento, de
uma maneira ou de outra, sobre o fenômeno religioso. As aulas de
Educação Religiosa, em nosso Colégio, são obrigatórias desde a 1a
série e integradas nos objetivos gerais da escola. As provas são
elaboradas com cuidado. Desde a 5a série todos os alunos são
avaliados, recebendo um conceito de Ensino Religioso em cada
período;; este conceito pode ser sujeito à recuperação de forma igual
às outras matérias.
(...) Os padrões acadêmicos e as exigências de trabalho
devem levar o educando a esforços equivalentes às outras matérias.
Podemos afirmar que, fazendo da Educação Religiosa uma matéria
curricular, operacionalizada sistematicamente, avaliada segundo os
padrões das outras matérias e ministrada com objetividade por
professores competentes, evitando uma certa apologética, exortação
moralizante ou propósito ideológico, conseguimos interessar os
alunos, fazê-los pesquisar e aprender dando-lhes melhores
oportunidades de desenvolvimento harmônico. (Marco Referencial, p.
17-18)
111
Mas não foi possível desenvolver esse trabalho por muito tempo, pois com
a saída do Padre Lourenço, no final de 1984, os professores que não queriam
fazer essas mudanças, que não se identificaram com ela, se vêm livres para
continuarem suas aulas sem alterações e sem muitos questionamentos. Apesar
de continuarem a seguir os planos de aula estabelecidos com os temas e ideias,
mais avançados (“modernos”), que o Padre Lourenço havia deixado como seu
legado.
E assim, não existiu um olhar, de fato, mais aprofundado para esse
documento na época, de maneira que foi deixado de lado e logo esquecido.
2. O Modelo atual
2.1. Origem
No lugar do Pe. Lourenço, em 1985, o Padre Corbeil assume a
Coordenação da Pastoral do Curso Ginasial. E no ano seguinte, o Padre
Charbonneau assume a Coordenação Geral da Pastoral do Colégio, que
agrupava todas as áreas relacionadas à Educação Religiosa (Ensino Religioso,
Catequese, Ação Comunitária, Cultura Religiosa e Orientação Pastoral). Além
de assumirem a Animação Espiritual do Colégio por esse período, que depois,
passa para o Padre Filinto C.S.C, padre indiano que chega de Goa, em 1987.
O Professor Cláudio Rondello, como coordenador da Educação Religiosa,
seguiu as diretrizes indicadas pelo Padre Lourenço, como por exemplo, a que
deixava clara a separação da Catequese e do Ensino Religioso. Mas, a
separação dos professores de Ensino Religioso dos de Catequese não
aconteceu, como era indicado no Marco Referencial. Talvez, porque faltavam
professores com formação especializada nessa área. Todos os professores
ligados a esses dois cursos participaram de um processo no qual era apontada
112
a importância de se separar bem esses dois assuntos;; mas, na prática, não
acontecia exatamente assim. O “testemunho pessoal” muitas vezes era
apresentado, sem um distanciamento científico necessário, o que causava um
conflito entre modelos do Ensino Religioso.
Esse período teve duração de 23 anos, o chamei de 3ª Fase do Ensino
Religioso, Fase Teológica-Espiritual, Unirreligiosa. Nessa Fase houve uma maior
proximidade das áreas afins à Pastoral (Ensino Religioso, Ação Comunitária,
Catequese e Encontro de Jovens), com reuniões que eram realizadas
regularmente, para discussões de textos/livros, palestras, compartilhar as
vivências e experiências de cada grupo, pesquisas da área, participação em
simpósios etc. Houve também uma aproximação, ainda maior, da Ação
Comunitária (ação social dos alunos) das aulas e, uma parceria educacional com
os Cursos, num sentido de "prática" de solidariedade, ou seja, como a prática do
que o aluno tinha assimilado nas aulas de Ensino Religioso e/ou Catequese. Mas
não durou a Fase inteira, porque em 2010 (Plano Diretor) a Ação Comunitária
passa a ser chamada de Voluntariado Educativo, e torna-se uma atividade
pedagógica, já que a proposta passa a ser desenvolver ações ligadas a
aprendizados curriculares, em formatos mais próximos a aulas formais, e menos
ligada às premissas cristãs, de “missão”.
Mas, por outro lado, como o Marco Referencial tinha deixado algumas
ideias importantes sobre a religiosidade ser fundamental para a formação
integral do aluno, o grupo de Ensino Religioso, dirigido por seu coordenador,
"mergulha" em estudos para buscar um "corpo" para essa disciplina e uma linha
mestra a seguir. Optaram pela busca da espiritualidade como tema central e, em
maneiras de como trazê-la para a sala de aula, como visto na descrição da 3a
Fase, no Capítulo II. Por meio de pesquisas sobre o tema, chegaram aos textos
do Leonardo Boff, teólogo e escritor, os quais foram lidos e discutidos.
Segundo Boff, o ensino religioso deve ser introduzido nas
escolas como forma de trabalhar a dimensão espiritual dos alunos.
"Nós ensinamos às pessoas muitas disciplinas, mas não as
introduzimos na meditação, a encontrar com seu ‘eu’ profundo, a ter
um momento de contemplação do universo, da realidade, descobrir o
mistério das coisas, porque é isso que humaniza o ser humano e
113
desenvolve nele o sentimento de grandeza, de respeito". Para ele, uma
das novas funções da escola é incorporar a religião no currículo em
benefício de uma educação mais humanística e mais completa, tendo
em vista as constantes mudanças culturais.
Ele diz ainda, que é possível trabalhar a religião nas escolas
levando-se em conta a diversidade cultural e de crenças. "Em uma
sociedade democrática todas as religiões estão em pé de igualdade,
então, o Estado não pode privilegiar nenhuma delas porque seria
injustiça. Por isso, mais do que falar em religião, podemos iniciar o
estudante no mundo espiritual porque é da espiritualidade que vivem
as religiões. A espiritualidade é um encontro com o mistério do mundo
e da pessoa, com grandes temas como: de onde venho, para onde vou,
o que faço neste mundo, o que posso esperar, qual é a minha missão
aqui. Essas dimensões espiritais não são monopólio das religiões, são
dados antropológicos"52.
Essa postura mostra que a ideia dessa Fase era a de que não podia haver
distância do fenômeno religioso. Por isso, achava-se que ensinar espiritualidade
dentro da sala de aula seria possível, sendo significativo para o aluno e para o
professor.
O Padre José Amaral de Almeida Prado (Animador Espiritual) participou
do primeiro encontro da Comissão de Verticalidade de Ensino Religioso
apresentando um texto sobre os conteúdos da disciplina, disponibilizado no
Plano Diretor de 2012. Segue alguns trechos:
Nos anos 70, no Colégio Santa Cruz, a disciplina curricular
então denominada Religião se desdobrou em Ensino Religioso e
Catequese. A primeira, como parte do currículo obrigatório, elegeu por
conteúdo programático a história e a doutrina das grandes religiões que
pontuaram a trajetória da humanidade, bem como a leitura de textos
bíblicos e a formação dos estudantes alimentada pelos valores
cristãos. (...)
52Disponível em: http://www.itatiba.sp.gov.br/Noticias/27042009-leonardo-boff-qreligiao-deve-ser-introduzida-nas-escolas-para-uma-educacao-humanistica-e-mais-completaq.html. Acesso em: 20 de setembro de 2017. Leitura indicada pelo Professor Cláudio Rondello.
114
O caráter ecumênico e pluralista é um ideal cuja consecução
exige profundo discernimento entre uma visão antropológica da religião
– que em nossa perspectiva pressupõe uma educação sustentada
pelos valores cristãos – e um processo catequético, que envolve a fé e
a doutrina católica. Sendo um colégio de orientação católica, o Colégio
Santa Cruz quer preservar e manter seus princípios religiosos, sem
negar sua condição ecumênica e o respeito à liberdade de pensamento
e a defesa dos direitos humanos. (...)
A modernidade e a pós-modernidade revolucionaram a nossa
visão do mundo e, como consequência disso, transformaram a
linguagem com a qual descrevemos esse mundo novo. As ciências, de
todo o tipo, nos fizeram rever, por exemplo, a leitura dos primeiros
capítulos da Gênesis e o que se via como dogma passou a ser visto
como mito sem que isso desmerecesse a obra de Deus, criador do
universo.
O texto citado acima serve, no contexto inserido, para lembrar que apesar
de ser um colégio pluralista, o Santa Cruz é católico, e como pensar num
currículo que concilie essas duas linhas.
A Professora Cristine Conforti, Diretora Pedagógica do Colégio,
juntamente com a Professora Renata Usarski, coordenadora da Pastoral – setor
ao qual o Ensino Religioso está ligado -, passa a acompanhar mais de perto as
reuniões de verticalidade, e decide que as professoras de 2o ano passem a
ministrar essa disciplina, e não mais os especialistas, com conteúdo voltado mais
a valores, não tanto a religião em si, dada a faixa etária e a proximidade com o
professor de classe.
A devolutiva do Professor Afonso Soares seguiu para uma direção que,
como primeira ação, apontava para a separação dos professores de Ensino
Religioso dos de Catequese, indicação essa já feita pelo Padre Lourenço em
1981 em seu Marco Referencial da Educação Religiosa no Curso de 1o Grau do
Colégio Santa Cruz, como já visto no item 1 desse Capítulo. Por isso, o Padre
Lourenço foi convidado a dar uma palestra para o grupo de professores do
115
Ensino Religioso, retomando o Marco Referencial e suas principais ideias, que
corroboraram para a escolha da Ciência da Religião como base estruturante
dessa disciplina no Colégio. E dessa palestra, participaram também os
coordenadores pedagógicos do Ensino Fundamental 1 e 2, seus respectivos
diretores, além de coordenadores e a diretora do Ensino Médio, e as professoras
de Catequese.
Assim, a partir de 2013, com estudos, formações e encontros de
verticalidade, o grupo se preparou para que a mudança pudesse ser
implementada em 2014, ano em que o documento do Ensino Religioso do
Colégio Santa Cruz é concluído e entregue à Direção do Colégio.
Originando-se desse modo, um novo modelo de Ensino Religioso no
Colégio Santa Cruz, juntamente com uma nova Fase, a 4a Fase: teórico-
científica;; que define o modelo atual. Num processo de adaptação, avaliação,
revisão e de como está sendo sua implementação e seu funcionamento.
2.2. Documento do Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz
Para que seja possível entender as práticas realizadas no Ensino
Religioso do Colégio Santa Cruz é importante conhecer o seu documento.
Esse documento está dividido em três partes, uma introdução geral, um
descritivo de como é pensado e desenvolvido no Ensino Fundamental 1 e um
outro, no mesmo formato, para o Ensino Fundamental 2. Nesses descritivos são
apresentados os objetivos, a metodologia e os eixos programáticos da disciplina.
Foi escrito por todos os professores de Ensino Religioso, em conjunto com as
coordenadoras pedagógicas dos cursos e a coordenadora da Pastoral;; concluído
e oficializado em 2014.
A seguir, o Documento do Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz na
íntegra:
116
Introdução
Com o intuito de buscar modernização e maior adequação a nossos
tempos, o Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz vem sendo objeto de análise
e avaliação, o que culminou em uma série de mudanças, algumas ainda em fase
de implementação.
No início dos anos 80 foi criado pelos padres da Congregação de Santa
Cruz um Marco Referencial que estabelecia clara distinção entre Ensino
Religioso e Catequese. O documento considerou a diversidade e pluralidade que
compunham o campo religioso brasileiro e a crescente secularização, em
especial nas grandes cidades. Esse contexto plural havia atravessado os muros
da escola, e esse fato foi levado em conta.
Sendo assim, o documento deixava explícito que a Catequese pressupõe
a fé, o ensinamento das doutrinas e o anúncio do Evangelho. Destina-se a alunos
advindos de famílias católicas que desejam ser preparados para receber os
sacramentos e adquirir maior aprofundamento da fé cristã.
Já o ensino religioso deve contemplar a pluralidade religiosa existente em
nosso colégio e em nossa sociedade multicultural e, portanto, garantir uma
educação que pressuponha a diversidade e liberdade religiosa de forma a
contribuir para a formação ética e cidadã de nossos educandos.
No entanto, observou-se que essa distinção entre Ensino Religioso e
Catequese tinha que ser feita de forma ainda mais explícita;; a consolidação
plena desse princípio se realizou neste ano (2014), a partir de reformulações
decorrentes das observações feitas nos últimos anos.
Uma das primeiras mudanças que corroboraram para essa consolidação
foi a decisão de que o professor que ministra aulas de Catequese não deve ser
o mesmo que ministra aulas de Ensino Religioso. Dessa forma, o risco de se
conferir um caráter catequético às aulas de Ensino Religioso foi afastado.
A partir daí, fez-se a opção por um modelo de ensino religioso pluralista
e, portanto, mais alicerçado na Ciência da Religião do que na Teologia. Esta
117
escolha justifica-se porque, embora sejamos uma escola confessional católica,
atendemos a um público que reflete a diversidade religiosa de nossa sociedade.
Pareceu-nos mais coerente a adoção de um modelo de Ensino Religioso que
oferecesse reflexões mais inclusivas e democráticas, um modelo de Ensino
Religioso que não tivesse como pressuposto a identificação com algum credo
específico. A Ciência da Religião oferece fundamentos e maior escopo de
possibilidades para contemplar uma demanda tão diversificada;; a Teologia, em
contrapartida, restringe-se à fé cristã.
Para que esse modelo fosse aplicado com eficácia, foi necessário ter
clareza do perfil do professor que ministra cada disciplina. Nesse sentido, foi
importante a separação das matérias. O professor de Ensino Religioso deve
sempre levar em conta os alunos com quem está trabalhando, perceber quais
as necessidades prementes daquele grupo. Deve saber dialogar com a
Antropologia, a Sociologia, a Filosofia e até mesmo a História, que contextualiza
os acontecimentos religiosos ao longo da trajetória humana, nos trazendo à
modernidade e suas complexas indagações. Cabe ao professor de Ensino
Religioso discutir essas questões que podemos chamar de existenciais ou
espirituais, e que auxiliam na formação dos valores e na construção do sentido
de vida dos alunos;; e apresentar as diferentes tradições religiosas, refletindo
sobre seu papel na história e seu impacto na sociedade.
Por reconhecer sua relevância na formação de seus estudantes, temos
claro que o Ensino Religioso é uma matéria como outra qualquer e está inserido
na grade curricular do Ensino Fundamental, como disciplina obrigatória, a partir
do 2º ano (Fundamental 1), estendendo-se até o 9o ano do curso.
Dada as diferenças de faixa etária, essa matéria é abordada sob
diferentes óticas e metodologias nos dois segmentos. Mantém, porém, o mesmo
caráter formativo, a mesma filosofia inclusiva e de respeito às diversidades que
é a adotada pelo Colégio. Cabe ao ensino religioso diluir atitudes
preconceituosas que possam ferir a convivência democrática;; apresentar valores
que estimulem o desenvolvimento da cidadania e da consciência ética;; contribuir
para a compreensão do ser em sua totalidade e abrir possibilidades de se
relacionar com o transcendente, sem qualquer forma de proselitismo.
118
As aulas de ensino religioso devem subsidiar o conhecimento do aluno
com relação ao respeito e entendimento de culturas e tradições religiosas
existentes nas mais diversas esferas da nossa sociedade, bem como de outras
culturas.
Constatadas as necessidades de mudança e de maior adequação à
realidade plural do Colégio e da sociedade brasileira, nos lançamos à prática:
construir um currículo de ER com base na experiência de nosso dia a dia e com
reflexão continuada dos educadores, em especial no Fundamental 1, onde as
mudanças foram mais significativas e ainda estão sendo implementadas.
As descrições dos planejamentos dos cursos de ensino religioso dos
segmentos EF1 e EF2 feitas a seguir refletem as discussões do grupo nas
reuniões de verticalidade e o trabalho dos professores de ER que, a partir de um
currículo elaborado para atender às necessidades e limites das faixas etárias de
cada ano em cada segmento, exploraram os conteúdos programáticos da melhor
forma possível, por meio de diferentes metodologias, apresentando novos
conceitos sobre valores, bem como diferentes tradições religiosas e de que
maneira elas se manifestam na contemporaneidade.
Ensino Religioso no Fundamental 1
Objetivos
O Ensino Religioso no Ensino Fundamental 1 se modifica e se amplia
para, desde cedo, contribuir para a formação integral de nossos alunos.
Buscamos trabalhar as dimensões espiritual e filosófica do sujeito - significados,
sentimentos, pensamentos - para que, dessa forma, eles possam se constituir
como seres éticos, que assumem valores em sua conduta, se relacionam com o
outro e com o mundo social de que fazem parte.
Cada aluno tem sua história e sua tradição religiosa familiar. Nas aulas,
isso é valorizado de forma a mostrar que a diversidade, em todos os sentidos, é
importante e necessária e que diferentes escolhas devem ser respeitadas.
119
Desse modo, complementando o objetivo formativo, há o informativo, que
procura apresentar diversas religiões, suas práticas, simbologia e valores ao
longo das séries do EF1. O conhecimento dos possíveis caminhos espirituais a
seguir promovem uma ampliação da visão de mundo e, com o avançar dos anos,
a (re)afirmação das escolhas realizadas.
A religião é um fenômeno social, vivenciada através de um conjunto de
símbolos e rituais que a caracterizam e identificam. É um elemento central da
experiência humana e existe em todas as sociedades conhecidas
(DIMENSTEIN, RODRIGUES, GIANSANTI, 201253).
Por isso, conhecer as diversas religiões traz às relações um convívio
pacífico e de troca. “Meu ‘deus’ está onde deposito meu coração. Que nome dou
a ele (Iahweh, Zeus, Olorum, Alá) é uma questão de significantes culturais”
(SOARES, 2012, p.235).
É preciso comunicação e reflexão para que não impere a indiferença ou o
preconceito. Daí a importância de se buscar também um objetivo filosófico no
trabalho com as crianças, promovendo a problematização do cotidiano, dos
encontros, das diferenças, bem como da transcendência.
Metodologia
O Ensino Religioso no Fundamental 1 adota uma metodologia que volta
especial atenção à adequação e às necessidades das faixas etárias nos
conteúdos e temas desenvolvidos, que poderiam de outro modo se apresentar
bastante complexos e inacessíveis. A abordagem é interdisciplinar, pois os
temas estão entrelaçados a outros campos de conhecimento, como a Literatura
e as Artes Visuais, a História e a Antropologia, uma vez que os objetos de ER
encontram representação em diversas linguagens e são alicerçados em
diferentes culturas.
53 Livro: “Dez lições de Sociologia para um Brasil cidadão”. Capítulo 3: Religião. São Paulo: FTD, 2012. p. 74-107.
120
Sendo assim, o trabalho com livros, filmes, poemas, histórias em
quadrinhos é bastante intenso. Também o tratamento de manifestações
religiosas indígenas e africanas, por exemplo, dialoga com nosso programa de
História.
Levando-se em consideração os objetivos propostos, o “como” ensinar
alunos de 2º a 5º anos constitui um diferencial, que pressupõe uma escuta aberta
da parte do professor e acolhimento dos questionamentos e inquietudes dos
alunos, bem como reflexão e discussões a respeito das questões humanas,
como liberdade, preconceito, direitos e deveres, e transcendência. Assim,
nessas aulas, o valor maior não está na exposição de conhecimentos, e sim no
diálogo amplo e distanciado da ideia de que o que se discute tem um ponto de
chegada definido, está certo ou errado. Ouvir e ser ouvido são pressupostos para
o diálogo, permeado pela noção de respeito à diversidade e opinião alheia.
Assim, metodologia e conteúdo disciplinar guardam estreita relação.
Para que as aulas de Ensino Religioso sejam momentos de
aprofundamento e espontaneidade, a disposição das crianças na sala de aula
também é importante: acomodar-se livremente no chão ou ao ar livre, ou mesmo
em trabalhos em grupo, são práticas constantes. Faz-se necessário também que
haja, sempre que possível, vivências relacionadas ao que é conversado, práticas
que possam ser significativas, como a observação atenta da natureza no campus
do colégio ou uma visita à nossa capela. Assim, o aluno experimenta na ação o
que foi abordado no nível das ideias.
Os conteúdos discutidos nas aulas de ER nos quatro anos do
Fundamental 1 são trabalhados em gradação e espiral.
Em gradação, pois, nas séries iniciais, 2º e 3º anos, as reflexões se
baseiam em valores como respeito, amizade e solidariedade, que estão mais
próximos das preocupações e necessidades dessa faixa etária, do “eu em
relação ao outro”. Ao longo da escolaridade, até o 5º ano, a criança vai se
deslocando desse autocentramento e torna-se capaz de olhar o outro como um
ser diverso, que também tem desejos. Nesse sentido, o trabalho com o valor da
121
diversidade e questões de Meio Ambiente parecem muito pertinentes a essa fase
final do Fundamental 1.
Em espiral, pois, mesmo já tendo sido abordados em determinada série,
alguns conteúdos, como as manifestações religiosas ao redor do mundo ou o
valor da paz, podem voltar a ser abordados, sob outra ótica, em outra série. Os
debates e aprendizagens do curso não são considerados concluídos. Eles são
revisitados e ressignificados conforme o desenvolvimento emocional e
intelectual dos alunos, uma vez que, nesse segmento escolar, ocorrem grandes
transformações do pensamento em direção à capacidade de abstração.
Eixos programáticos
O primeiro eixo programático que identificamos é o dos valores, manifestos em atitudes que favorecem o desenvolvimento de uma sociedade
onde o humano possa ser plenamente desenvolvido. São abordados,
prioritariamente, paz, respeito, gentileza, diversidade, gratidão, amizade, amor,
união, justiça, de maneiras diversas: leitura de histórias, exibição de filmes,
discussão sobre situações concretas, expressão da atuação de grandes líderes.
Permeando esses valores, ainda estão presentes o diálogo, a escuta e a
consideração expressos na metodologia de trabalho.
O segundo eixo programático é a relação com o outro, com o que está fora do eu (a alteridade) e que, em certa medida, é diferente e desconhecido.
Nesse sentido, há uma proposição de que os alunos possam olhar para si
mesmos e para seus pares, identificando semelhanças e diferenças,
complementaridade ou oposições que, ao serem consideradas e ponderadas,
podem levar a um crescimento pessoal.
O terceiro eixo programático é o meio ambiente, entendido como o espaço onde vivem, convivem e interagem seres vivos e elementos não vivos.
Esse eixo abrange a dimensão ecológica, foco de grande preocupação na
atualidade, do ponto de vista global;; no entanto, trabalhamos a ampliação desse
conceito, trazendo-o para perto de cada um de nós, a começar pelo espaço da
122
própria sala de aula, do qual somos chamados a cuidar e nos responsabilizar
para que seja um ambiente agradável para todos.
Um eixo de trabalho que permeia todos os demais é a constante retomada
do que vem a ser espiritualidade e religiosidade, por meio de suas diversas
expressões simbólicas e rituais, oferecidas aos alunos em panorama ao longo
das cinco séries, e também por meio das festas especificamente católicas vividas
na comunidade escolar – Páscoa, Festa Junina, Natal.
É importante ressaltar que a ordem de exposição dos eixos do programa
não corresponde à ordem em que estes são desenvolvidos;; trata-se
simplesmente de uma organização expositiva, uma vez que os tempos didáticos
de cada sequência estão intimamente relacionados ao desenvolvimento do ano
letivo e dos conteúdos pedagógicos de cada série.
Ensino Religioso no Fundamental 2
Objetivos
Considerando a especificidade do curso, sua periodicidade e as
características da faixa etária, foram propostas, no final de 2013, mudanças na
composição da equipe docente e na estrutura programática do curso de Ensino
Religioso no EF2 para 2014. Além da competência em dialogar com a faixa etária
e disposição para estudar e ministrar o curso a partir dos alicerces da Ciência da
Religião, foi feita a opção por montar a equipe com professores que já ministram
aulas de outras disciplinas em cada uma das séries e que, portanto, encontram
os alunos de forma mais frequente. Esse contato estreito possibilita o
aprofundamento do trabalho formativo proposto, já que o aluno do EF2 vive um
período de intensas transformações físicas e psíquicas em que está
particularmente propenso a refletir sobre sua existência, sua relação com os
outros e sua atuação no mundo, desde que perceba que há uma real disposição
para o acolhimento e diálogo. Nesse sentido, o curso de Ensino Religioso tem o
potencial de ser um espaço privilegiado para a reflexão e discussão. A partir dos
temas propostos, os alunos comumente trazem para a classe vários de seus
123
dilemas e dificuldades do cotidiano, criando um contexto e um relacionamento
professor-aluno diverso dos demais cursos regulares.
Além disso, fizemos mudanças significativas no programa para que os
alunos tenham maior consciência da estrutura do curso de Ensino Religioso no
EF2 e do seu percurso de aprendizagem. Cabe ressaltar que a escolha do
conteúdo de cada série levou em consideração o momento do desenvolvimento
em que o aluno se encontra, os temas nos quais ele está imerso por conta do
trabalho das demais disciplinas e os conteúdos transversais das séries. Dessa
forma, a disciplina de Ensino Religioso torna-se naturalmente parceira de várias
outras áreas do conhecimento ao longo do percurso, criando uma sinergia que
favorece o aproveitamento do aluno. Partimos de experiências bem-sucedidas
na área e reposicionamos alguns conteúdos para estabelecer uma estrutura
comum composta de quatro eixos e seus objetivos. São eles:
Eixo das tradições religiosas
• Identificar as origens históricas e ampliar o repertório do aluno
acerca das diversas manifestações religiosas.
• Contribuir para que o aluno valorize e respeite as diferentes
expressões religiosas e culturais.
• Estimular o aluno para que ele possa reconhecer no fenômeno
religioso, eminentemente humano, sua expressão espiritual.
• Capacitar o aluno a estudar a religião também como um fator
histórico, que influencia e sofre influência do contexto em que ocorre.
O estudo das tradições religiosas foi distribuído ao longo dos quatro anos,
conforme esquema abaixo. Deste modo, há tempo para aprofundar devidamente
cada uma delas e proporcionar encontros com líderes religiosos e visitas aos
templos, quando necessário. Além disso, o aluno terá mais tempo e níveis
diferentes de maturidade, ao longo do processo, para refletir sobre esses
universos.
124
6º ano: Indígenas brasileiros (animismo, totemismo e xamanismo) e Budismo (na Índia, China, Japão, Nepal e Vietnã).
7º ano: Judaísmo e origem do Cristianismo.
8º ano: Cristianismo, Protestantismo, religiões evangélicas e religiões africanas (Candomblé e Umbanda).
9º ano: Islamismo
Eixo Filosófico
• Subsidiar o aluno na formulação de questionamentos existenciais.
• Estimular o aluno a refletir sobre as diversas definições de religião,
bem como sobre as relações dos homens com o fenômeno religioso.
• Promover a reflexão sobre a existência ou não de uma busca
intrínseca ao ser humano que percorre todas as religiões.
• Estimular a investigação sobre a dimensão religiosa do
conhecimento humano.
• Promover a reflexão sobre a busca de uma verdade pelas religiões
e pela ciência no mundo contemporâneo, bem como sobre o anseio
humano pelo transcendente.
• Discutir as influências históricas e sociais sobre as noções e
definições de direitos humanos.
• Refletir sobre o direito à religião, ao credo pessoal e à prática
religiosa.
• Refletir sobre os fundamentalismos religiosos.
Eixo Valores
• Debater ideias e expressá-las a partir de temas atuais que estejam
relacionados às discussões acerca das religiões de forma respeitosa.
125
• Apresentar os aspectos dialéticos da moral e dos princípios éticos
levando em consideração os contextos social e cultural.
• Reconhecer e valorizar os modelos éticos humanistas.
• Refletir sobre a relação do ser humano com a natureza na
perspectiva espiritual, identificando as questões sociais e ambientais
da contemporaneidade.
Eixo Vivencial
• Sensibilizar o aluno para o compromisso social e estimular sua
participação política. Identificar o agir humano ético e a dimensão da
alteridade.
• Refletir sobre os aspectos transcendentais na relação com os
outros.
• Proporcionar experiências que levem à reflexão sobre a própria
espiritualidade.
3. A Ciência da Religião como matriz
A religião, segundo PASSOS (2007) não é um assunto somente das
pessoas que creem ou que participam de alguma instituição confessional, pois
ela é um fato antropológico e social que está na vida dos cidadãos de diversas
maneiras. Portanto, o estudo da religião é fundamental e indispensável, e o seu
ensino nas escolas, para que os estudantes entendam o seu valor teórico,
político e pedagógico na formação de cidadania e humanização dos indivíduos,
é muito importante. A questão não é “do direito ou não à religiosidade, mas do
direito à educação de qualidade que prepare o cidadão para visões e opções
conscientes e críticas em seus tempos e espaços” (PASSOS, 2007, p. 77).
126
Então, propor a Ciência da Religião como matriz, epistemológica e
pedagógica, pertinente ao Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz, é dar luz a
uma educação para a cidadania plena, e falar
da importância humana dessa abordagem: como dimensão do
ser humano, filosoficamente compreendido como aberto ao
transcendente, e também do ser humano na qualidade de sujeito
culturalmente situado dentro de referências religiosas, informado de
múltiplas maneiras sobre elas e, muitas vezes, agindo
deliberadamente a partir delas. Não se trata de buscar,
prioritariamente, um fundamento último para a ação pedagógica que,
em última instância, pretende formar o educando dentro de
determinados valores, mas de introduzir no universo dos objetos
abordados na escola a religiosidade e a religião e, até mesmo, as
explicitações de fé. (...) O conhecimento da religiosidade e da religião
faz parte do processo educacional, assim como o conhecimento da
matemática, da história, da política etc.
O estudo da religião se torna uma via indispensável na tarefa
urgente de educar para a convivência universal, e mais, para a
sobrevivência humana e ecológica em tempos de crise planetária.
(PASSOS, 2007, p. 76, 125).
Dessa maneira, o Colégio, decidido a mudar o seu Ensino Religioso, se
firmou em seus ideais e em sua filosofia, ou seja, em sua identidade, e escreveu
o seu Documento, argumentando sobre a importância de se olhar para o
contexto plural de sua comunidade e para a sociedade multicultural a sua volta.
Além de, para isso, pensou, refletiu e escolheu objetivos, práticas e conteúdos
que estivessem de acordo com essa realidade.
E a preocupação para que a Ciência da Religião estivesse presente nas
aulas de Ensino Religioso, vem da pertinência do uso constante de suas sub-
disciplinas, como a Sociologia, a Antropologia, a História e a Psicologia. Pois,
dessa maneira, é possível falar de Religião em termos de formação da
sociedade, de valores, de ética, de respeito etc, e principalmente, sobre a
formação básica do aluno-cidadão, pela formação integral indivíduo.
127
O olhar que lançamos sobre o fenômeno religioso não é
confessional nem pertence a esta ou àquela “teologia”;; sua base
epistemológica é a Ciência da Religião. Essa abordagem possibilita a
análise diacrônica e sincrônica do fenômeno religioso, a saber, o
aprofundamento das questões de fundo da experiência e das
expressões religiosas, a exposição panorâmica das tradições
religiosas e as suas correlações socioculturais. Trata-se, portanto, de
um enfoque multifacetado que busca luz na História, na Sociologia, na
Antropologia e na Psicologia da Religião, contemplando, ao mesmo
tempo, o olhar da Educação. Além de fornecer a perspectiva, a área
de conhecimento da Ciência da Religião favorece as práticas do
respeito, do diálogo e do ecumenismo entre as religiões. Contribui,
desse modo, com uma educação para a cidadania, que, mesmo sem
ser anticonfessional, transcende esses compartimentos para poder
incidir na formação integral do ser humano. (SOARES, 2010, p. 11)
A área específica da Ciência da Religião Aplicada dá suporte a todas as
práticas e atividades desenvolvidas pelo Ensino Religioso do Colégio porque vai
de encontro com a sua filosofia fundante, com sua filosofia humanista e
pluralista, que trabalha com a diversidade, com o “outro”, no sentido de vivenciar
e promover uma sociedade mais pacífica, sustentável e justa.
Dessa forma, tanto o Ensino Fundamental 1 quanto o Ensino
Fundamental 2 definiram alguns objetivos comuns: o formativo, que leva em
conta as dimensões espiritual, filosófica, psíquica e relacional, das questões do
dia a dia, das mudanças físicas, da existência;; e o informativo, que apresenta as
diversas religiões e suas práticas e tradições, temas de outras disciplinas e
conteúdos transversais das séries - de forma gradativa e em espiral no EF1.
Fazendo com que o Ensino Religioso seja parceiro de várias áreas do
conhecimento, e um espaço privilegiado de reflexão e discussão sobre diversas
questões. Marcando a presença da Ciência da Religião na combinação de
disciplinas adjacentes existente nessas aulas, em que o aluno não precisa
desmembrar os assuntos, eles podem ser vistos e estudados de maneira
holística.
Uma “autonomia localizada no âmbito da comunidade
científica, dos sistemas de ensino e da própria escola”. Mas qual é o
128
diferencial prático, em sala de aula, que pode oferecer um ensino
baseado na Ciência da Religião?
Conforme explica o professor Peter Antes, catedrático dessa
disciplina na Universidade de Hannover, na Alemanha:
A contribuição da Ciência da Religião consiste em possibilitar [ao
aluno] comparações contrastantes entre sistemas de referência.
Aprende-se que nenhum ser humano que tem sua língua, seus
pensamentos e seus valores pode viver sem um sistema de referência.
Aprende-se também que nenhum sistema de referência pode ou deve
reclamar para si validade absoluta. Com isso, desmascara-se qualquer
forma de eurocentrismo como ilusão perigosa.
Onde o autor diz eurocentrismo, leia-se, entre nós,
“catolicocentrismo”, “evangelicocentrismo” e até, se quisermos,
“ateísmocentrismo”. O importante, aqui, é que, “enquanto teólogos
[cristãos] estudam apenas a fé cristã, é tarefa dos cientistas da religião
descrever, analisar e investigar as religiões universais e populares, as
religiões proféticas e místicas, as religiões crescidas e fundadas no
mundo inteiro”. (SOARES, 2010, 124, 125)
Em relação aos eixos programáticos, os dois cursos diferem um pouco. O
EF1, traz os mesmos eixos em todas as séries (valores, alteridade, meio
ambiente, espiritualidade e religiosidade), além da introdução de algumas
religiões, de forma que, depois, seja possível um aprofundamento, de acordo
com o amadurecimento dos alunos nas séries seguintes. Mas, formando bases
nos alunos, para que possam sempre olhar as diversidades de forma positiva e
compreender os diversos fenômenos religiosos e transcendentais como naturais
da vida humana. E, uma escolha de cada um.
O EF2, apresenta os seus eixos divididos e mais estabelecidos por série
(tradições religiosas, filosófico, valores, vivencial), pois dessa forma, conseguem
um aprofundamento nas diversas religiões e, paralelamente, trabalham as
questões filosóficas, de valores e vivenciais de cada uma delas e as dos próprios
alunos;; assim, mais uma vez, trazem para a sala de aula as investigações
empíricas realizadas por cientistas da religião para que possam refletir e discutir
129
sobre elas, sobre os fenômenos religiosos, e como podem ser relacionados com
o mundo a sua volta.
Portanto, a Ciência da Religião se faz presente e vem colaborar para
deixar cada vez mais claro que nesse planejamento por eixos programáticos, em
que se olha para as religiões e para as crenças individuais de forma crescente
na aquisição de conhecimentos e reflexão, é essencial fazer a distinção entre fé
antropológica e religião ou fé religiosa.
A fé antropológica está no plano dos valores, da significação e,
como tal, é uma dimensão universal. Todos nós temos fé
(antropológica) em alguns valores que, para nós, são absolutos
(justiça, amor, solidariedade etc). Quando a pomos em prática, tal fé
pode ser vivida de forma religiosa (Cristianismo, Islamismo, Budismo
etc) ou não (um ateu que luta por uma sociedade mais justa, por
exemplo).
Quando dizemos fé (antropológica ou religiosa), falamos de
adesão a um conjunto de valores que são ideais de vida, sonhos de
humanidade, utopias, projetos inspirados em algum acervo mítico-
cultural. A prática, porém, sempre guarda uma distância daquilo que
nossa imaginação plasmou como ideal. E nenhuma religião ou escola
filosófica detém exclusividade nesse quesito. Essa distinção entre fé
(nossos valores) e as obras (nossas concretizações) precisa estar
sempre em pauta para evitarmos um mecanismo perverso que
costuma azedar as relações entre grupos distintos, religiões diferentes,
partidos adversários.
O caminho mais fácil é julgar as práticas da religião de outrem à
luz dos belos valores de minha própria visão de mundo. Assim, o outro
sempre estará em desvantagem, pois é julgado pelo que consegue pôr
em prática e não pelos valores/ideais autênticos de sua própria fé.
(SOARES, 2010, p. 129, 130)
O Documento do Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz agrega em si o
modelo da Ciência da Religião, em suas diretrizes e práticas, conteúdos e
organização. E, ainda aberto para revisões, ajustes, como a própria área a que
pertence, a Ciência da Religião Aplicada, ainda em construção.
130
Cada ano tem um tema específico principal e assuntos relacionados. No
Ensino Fundamental 1 apresenta-se também, divididos nos quatro anos,
conteúdos sobre a Congregação de Santa Cruz, sua história, seus padres, seus
colégios e suas missões.
Os eixos programáticos são diferentes nos dois segmentos:
• EF1:
1. Valores: paz, respeito, gentileza, diversidade, gratidão, amizade, amor,
união, justiça.
2. Alteridade: relação com o outro, exercício de autoconhecimento,
diálogo e escuta.
3. Meio Ambiente: dimensão ecológica integral e o "nosso" ambiente, o
particular.
4. Espiritualidade e Religiosidade: expressões simbólicas e rituais de
diversas religiões, festas da comunidade escolar.
• EF2:
1. Tradições religiosas: estudo das manifestações em sua origem
histórica, expressão cultural e espiritual.
2. Filosofia: formulação de questionamentos existenciais, transcendência,
o fenômeno religioso.
3. Valores: diálogo, escuta, debate e expressão de ideias, moral e ética.
4. Vivencial: compromisso social e participação política.
E os temas principais de cada ano, que estão em seus planejamentos
anuais, são:
• 2o ano: Introdução à disciplina de Ensino Religioso.
• 3o ano: Explorações iniciais da dimensão religiosa.
131
• 4o ano: Manifestações religiosas em diferentes culturas.
• 5o ano: Diversidade e cultura de paz, tradições culturais e religiosas,
ecologia integral.
• 6o ano: Comportamento do homem em relação a seus questionamentos
existenciais desde a Pré-História.
• 7o ano: Conceitos e vivências.
• 8o ano: Liberdade e Religião. O Homem e a Liberdade: conceito em
construção.
• 9o ano: Religião no mundo contemporâneo.
4. Um confronto representativo
Os eixos programáticos e os temas principais do Ensino Religioso do
Colégio Santa Cruz aparecem em sintonia com o projeto da Coleção “TEMAS
DO Ensino Religioso”, da Editora Paulinas, que é dividida em quatro temas
centrais: “Pressupostos do Ensino Religioso”, “Questões Fundamentais”,
“Tradições Religiosas” e “Temas Contemporâneos”, e contém 23 livros
distribuídos entre eles.
A seção “Pressupostos” trata das questões de fundo, ou seja, definições,
teorias, paradigmas e sujeitos envolvidos no fenômeno religioso, a seção
“Questões Fundamentais” traz os elementos constitutivos das tradições
religiosas, a seção “Tradições Religiosas” apresenta as matrizes e instituições
predominantes no campo religioso brasileiro e mundial e a seção “Temas
Contemporâneos” mostra alguns processos que dinamizam as religiões.
Esta Coleção foi criada precisamente com o objetivo de fornecer uma
base teórico-metodológica para a formação de docentes de Ensino Religioso a
partir da matriz da Ciência da Religião. Os temas que estruturam a Coleção
recobrem as áreas que constituem a Ciência da Religião (cf. “Compêndio de
Ciência da Religião”, João Décio Passos & Frank Usarski (organizadores),
132
Editora Paulinas: Paulus, 2013) nas suas dimensões teóricas e práticas com
seus referidos métodos sistemáticos e empíricos54.
No Programa de Ensino Religioso do Colégio, cada tema principal
estudado nas séries é um guia para a construção dos sub-temas, que também
são apresentados e trabalhados durante o ano letivo. E esses sub-temas, estão
conectados a todos os eixos programáticos.
Ao relacionar os temas principais e os sub-temas de cada ano com os
temas centrais da Coleção citada, foi possível construir quatro tabelas, nas quais
os conteúdos ministrados foram distribuídos de acordo com a relação direta a
esses temas, mesmo que apareçam mais de uma vez, por estarem relacionados
a dois ou mais temas simultaneamente.
Trata-se de um exercício dualitivo que visa expor a conaturalidade do
Ensino Religioso com as categorias constitutivas da Ciência da Religião segundo
a representativa coleção.
I. Pressupostos
Conteúdo
2o ano
3o ano
4o ano
5o ano - O que é Ensino Religioso?
- Transcendência e religiosidade.
6o ano
54 Até agora foram publicados os seguintes títulos: “Ensino religioso: construção de uma proposta”, “Ensino Religioso: aspecto legal e curricular”, “Que é religião?”, “Religião e Ciência”, Religião e interdisciplinaridade”, “Educação e religiosidade”, “O sagrado”, “Narrativas sagradas”, “Ritos: expressões e propriedades”, “A ética”, “Como a religião se organiza: tipos e processos”, “Catolicismo brasileiro”, “As constelações protestantes” “Pentecostais: origens e começo”, “Religiões indígenas e afro-brasileiras”, “Religiões orientais no Brasil”, “Novos movimentos religiosos: o quadro brasileiro”, “Espiritismos”, “Pluralismo religioso: as religiões no mundo atual”, “Fundamentalismo ontem e hoje”, “Sincretismo religioso”, “Em que crêem as tribos urbanas?”, “O uso de símbolos: sugestões para a sala de aula”.
133
7o ano
- A incerteza e as contradições como estruturantes da condição humana
(Edgar Morin). Em parceria com a disciplina de Ciências, leitura de um texto
de Carl Sagan (1996), sobre a fotografia da Terra que o motivou a escrever
“Pálido ponto azul”. O mistério como elemento que emerge do
reconhecimento de que a busca pode se dar para além dos limites do mundo
físico e material.
8o ano
- Idade Moderna (1453-1789). Leitura de “GALILEU GALILEI - O primeiro
físico”, de James MacLachlan, em uma abordagem multidisciplinar. O
trabalho científico de Galileu no contexto religioso do Renascimento. A
Ciência moderna e os impactos na relação do homem com a Religião.
Liberdade de pensamento. Ciência e Religião. Herança.
9o ano - Religião e Ciência.
II. Questões Fundamentais
Conteúdo
2o ano
- “Eu e o outro como amigo”. Valores: amizade, consideração, respeito.
Discussões a partir dos textos: poema “Amigos do peito”, HQ da Turma da
Mônica, Gilgamesh.
- A História dos Direitos Humanos - BahaiVid 2015.
3o ano
- “O caracol e a baleia”, de Julia Donaldson. Valores: busca de sentido,
amizade, cooperação, persistência, gratidão.
- “O príncipe sem sonhos”, de Marcio Vassallo. Valores: Ter ou ser.
- Transcendência.
4o ano
- O valor da Liberdade, a partir da escravidão dos povos africanos no Brasil
(interdisciplinaridade com História e Geografia). “O presente de Ossanha”,
Joel Rufino. Livro animado.
- Direitos e deveres da criança (ONU e Unesco). Poema Thiago de Mello,
“Os estatutos do homem”. Tema: justiça.
- “Onde está o amor Deus aí está”, Liev Tolstói. Valor: amor.
134
5o ano
- As religiões presentes no Brasil. Os ritos, igrejas e templos, os dogmas, os
símbolos.
- A Regra de Ouro em diferentes caminhos religiosos. As escrituras sagradas
de diversas religiões: “Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem
com você”.
6o ano
- Mitos de origem. A necessidade humana de nomear e refletir sobre o que
é desconhecido e que é expresso de acordo com o contexto histórico, social
e cultural de cada civilização. O contexto das mitologias antigas: Babilônica,
Persa, Nórdica, Egípcia e Grega — permanências e transformações.
7o ano
- Religião como um espaço de busca do ser humano para as grandes
questões existenciais na relação com o sagrado (Mircea Eliade).
- A linguagem simbólica da religião. “O homem que plantava árvores”, de
Fréderic Back. Filme: “Contato”, de Robert Zemeckis. A experiência religiosa.
8o ano - Irmandades religiosas, símbolos, santidades e religiosidade.
9o ano
III. Tradições Religiosas
Conteúdo
2o ano - Templos e preces em diferentes religiões.
- Catolicismo e judaísmo: Páscoa.
3o ano
- Conto da tradição budista: “A jornada de Tarô”, Dosho Saikawa. Temas:
busca de sentido, atitude.
- Interface com o estudo dos brasileiros indígenas (religiosidade indígena).
Leitura: “Meu vô Apolinário - um mergulho no rio da (minha) memória”, de
Daniel Munduruku. Temas: identidade e introspecção.
4o ano - Religiosidade dos povos africanos no Brasil. Sincretismo. Diferentes
manifestações de espiritualidade e expressões religiosas. Candomblé:
orixás e sua iconografia.
135
5o ano
- Estudo do Meio (Oeste Paulista). Imigração no Brasil: diversidade religiosa
e miscigenação. As religiões presentes no Brasil: catolicismo, judaísmo,
budismo, islamismo, protestantismo.
- A Congregação de Santa Cruz, Instituição Católica, no mundo. Leitura do
site http://www.holycrosscongregation.org/. Padre Corbeil, fundador do
Colégio Santa Cruz.
6o ano
- O contexto das mitologias antigas: Babilônica, Persa, Nórdica, Egípcia e
Grega — permanências e transformações.
- Primeiras manifestações religiosas nas Américas: Xamanismo, Totemismo
e Animismo.
- Budismo: história de uma religião que tem origem nas sociedades do antigo
oriente, a origem, as principais crenças e as práticas do universo filosófico,
simbólico e espiritual dessa tradição religiosa.
7o ano
- Cristianismo: origem, condições políticas, econômicas e sociais. Análise de
trechos do filme “Quo Vadis”, de Mervin LeRoy. Ciência Historiográfica:
Jesus de Nazaré, um judeu da Galileia implicado no tecido social de sua
época;; Teologia Católica: Jesus Cristo, a figura sagrada, aquele que
ressuscitou. A Páscoa na perspectiva teológica da ressurreição como
fundante da fé cristã.
- Judaísmo: conceitos fundantes. A aliança com Deus (sacrifício de Isaac).
A história do povo judeu. De Jerusalém à Babilônia. Visita à sinagoga da
comunidade Shalom.
8o ano
- A Igreja Católica e a Reforma Protestante. Luteranismo e Calvinismo.
Origens, crenças e ritos. Contrarreforma e o desenvolvimento da estética
barroca. A estética renascentista e a barroca.
- Estudo do Meio em Minas Gerais: a Igreja Católica Reformada e a Arte
Barroca na colonização da América portuguesa. Formação cultural e
religiosa brasileira. Irmandades religiosas, símbolos e santidades católicas.
O legado da transposição de populações africanas para o Brasil, formação
da sociedade, religiosidade e cultura brasileira.
136
- Candomblé e Umbanda. Crenças e ritos. Liberdade e resistência nas
relações metrópole-colônia, senhor-escravo e na interface das várias
culturas e manifestações religiosas presentes no Brasil colonial.
9o ano - Estudo das crenças, ritos e da origem da religião islâmica.
IV. Temas Contemporâneos
Conteúdo
2o ano
- A História dos Direitos Humanos - BahaiVid 2015.
- “Religiões no mundo”: ficha apresentando breve resumo (Jornal Joca).
Valores: amizade, consideração. Poema “Amigos do peito”, HQ da Turma da
Mônica.
3o ano
- “O caracol e a baleia”, de Julia Donaldson. Valores: busca de sentido,
amizade, cooperação, persistência, gratidão.
- “O príncipe sem sonhos”, de Marcio Vassallo. Valores: Ter ou ser.
- Interface com o Estudo de Meio em Barra Bonita. Leitura: “Velha
Tartaruga”, Douglas Wood. Tema: relação com a natureza.
4o ano
- Consumo consciente. Reflexão sobre o valor e lugar do ser e do ter.
Ganância. Interface com Língua Portuguesa, “De quanta terra precisa o
homem?”, Liev Tolstói.
- O valor da Liberdade, a partir da escravidão dos povos africanos no Brasil
(interdisciplinaridade com História e Geografia). Sincretismo, Candomblé.
- Direitos e deveres da criança (ONU e Unesco). Poema Thiago de Mello,
“Os estatutos do homem”. Tema: justiça.
- “Onde está o amor Deus aí está”, Liev Tolstói. Valor: amor.
5o ano
- Diversidade. A metáfora da orquestra: disparador de reflexão. (Orquestra
Sinfônica Del Vallés – flashmob). Os diferentes papéis e funções na
sociedade. O respeito pelo direito de escolha. A importância da diversidade
para a sobrevivência humana e cultura de paz. Playing for Change: projeto
137
musical para mudanças globais. Músicas: “United” e “A better place”. A
imagem da obra de arte "Coexistence" de Piotr Mlodozeniec, do Museum on
the Seam em Jerusalém. Mural da diversidade.
- Pluralismo religioso no Brasil e no Mundo. Estudo do Meio (Oeste Paulista),
imigração no Brasil: diversidade religiosa, miscigenação, sincretismo.
- Líderes pacifistas: Gandhi, "Quando uma pessoa dá um passo em direção
à Paz, toda a humanidade avança um passo em direção à Paz". Filme:
“Gandhi: seu triunfo mudou o mundo para sempre”;; e a luta não violenta pela
igualdade na África do Sul e liberdade da Índia. Mandela, filme “Invictus”,
parceria com Educação Física.
- Ecologia integral. O respeito pelo coletivo e o cuidado com o meio
ambiente/planeta. Vídeo: “Money”, WWF (World Wildlife Fund). Problemas
socioambientais. O projeto de sustentabilidade do Colégio, “Santa Recicla”.
Trecho da Carta Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco. Vídeo e
Documentos da ONU: “O que é desenvolvimento sustentável”, “Agenda
2030” e os “17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”. Documentário:
“Trashed”, de Candida Brady, Reino Unido (2012) e Mostra Ecofalante de
Cinema Ambiental.
6o ano
- Primeiras manifestações religiosas nas Américas: Xamanismo, Totemismo
e Animismo. As questões indígenas e seus desdobramentos na
contemporaneidade.
- Estudo do Meio na Baixada Santista: cultura dos primeiros habitantes do
litoral brasileiro e a interação com os europeus. Líderes religiosos e seu
papel na organização das comunidades de hoje.
7o ano
- Estudo do Meio: Ilha do Cardoso. Relação do homem com a Natureza.
Alteridade. Análise do filme “Blackfish”, de Gabriela Cowperthwaite. A vida
dos caiçaras em comparação à vida dos estudantes.
- Filme: “Contato”, de Robert Zemeckis, e a experiência religiosa hoje.
8o ano
- Estudo do Meio em Minas Gerais: a formação cultural e religiosa brasileira.
Irmandades religiosas, símbolos e santidades católicas. O legado da
transposição de populações africanas para o Brasil, formação da sociedade,
religiosidade e cultura brasileira contemporânea.
138
- Liberdade e Iluminismo: lemas da Revolução Francesa e seus significados
no atual contexto histórico. Direitos humanos. Discussão multidisciplinar
sobre as liberdades individuais e a coletividade.
9o ano
- Reflexão obre a religiosidade no mundo contemporâneo (pós-
modernidade) – ocidental e islâmico. Relação entre informações de
diferentes áreas das humanidades.
- Religião no mundo ocidental: dessacralização do mundo e laicização do
Estado (revolução americana e francesa – séc. XVIII) + “neoateístas” crentes
na razão e na ciência do século XXI, o lugar da religião no mundo ocidental
atual. Positivismo (Comte) e socialismo científico (Marx e Engels). Pós-
modernidade: a retomada da discussão sobre Deus e da expressão da
religiosidade. Zygmunt Bauman e “modernidade líquida”. O sujeito pós-
moderno e a religião. Terry Eagleton: o debate com os “neoateístas”;; o
fundamentalismo religioso (islamismo radical) e o fundamentalismo
científico.
- Religião no mundo islâmico: Islamismo no mundo contemporâneo.
Condições históricas. Conceito de Orientalismo (Edward Said);; a imagem do
Islã para o Ocidente;; práticas de dominação. Estudo das crenças, ritos e da
origem da religião islâmica;; compreensão dos conflitos atuais no mundo
islâmico.
Analisando as tabelas acima, pôde-se perceber uma predominância nos
conteúdos relacionados aos “Temas Contemporâneos”, e uma menor
quantidade dos conteúdos relacionados aos “Pressupostos”. Considerando o
Documento do Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz, que organiza os
objetivos, a metodologia e os conteúdos ministrados, isso, talvez, aconteça, por
causa da faixa etária do grupo em questão, ou seja, o fato do público se restringir
a crianças e adolescentes de 8 a 15 anos do EF1 e do EF2. Valorizando fatos
concretos e da vida cotidiana deles, há uma ênfase nos temas contemporâneos
porque podem ser discutidos em vários níveis de complexidade e compreensão,
além de estarem mais próximos da realidade da vida diária dos alunos. Assim,
trabalhados em gradação, com conteúdos que estão mais próximos das
necessidades e preocupações de cada faixa etária, e, em espiral, pois um
139
mesmo assunto pode voltar a ser abordado, sob outra óptica, em outra série,
sendo “revisitado e ressignificado conforme o desenvolvimento emocional e
intelectual dos alunos, uma vez que, nesse segmento escolar, ocorrem grandes
transformações do pensamento em direção à capacidade de abstração”. Além
de irem ao encontro dos temas desenvolvidos pelas demais disciplinas e dos
conteúdos transversais das séries.
Todos os cursos em que o Ensino Religioso é ministrado, tem suas
especificidades e modos de realização, principalmente pela faixa etária e
consequente amadurecimento dos alunos. Por isso a diferença entre EF1 e EF2,
no primeiro os assuntos se repetem e evoluem, ficam mais complexos, de acordo
com o crescimento dos alunos, e no segundo, já é possível demarcar eixos
específicos em cada série.
O Ensino Religioso é realizado uma vez por semana, sendo uma aula de
50' por classe, do 2o ano do EF1 até o 9o ano do EF2. No 2o ano são as próprias
professoras de classe que ministram as aulas, do 3o ao 5o ano são as
professoras "especialistas", ou seja, professoras que ministram especificamente
o Ensino Religioso, e do 6o ao 9o ano são os professores disciplinares, ou seja,
divididos por disciplina. Mas nesse caso, os professores ministram duas
disciplinas cada um, o Ensino Religioso e a outra disciplina de formação, sendo
dois professores de História, um de Ciências e uma de Francês.
No EF1 os alunos não fazem provas, mas têm uma nota de atitude. No
EF2 os alunos fazem provas e têm notas de Ensino Religioso no boletim,
podendo até ficar de recuperação. As outras atividades são trabalhos em grupo,
leitura de textos, vivências e encontros com líderes espirituais, filmes, livros
paradidáticos, pesquisas, rodas de conversa etc.
O material das aulas, são formulados pelos próprios professores
específicos de sua série e orientados pelos coordenadores pedagógicos de seus
cursos. Podem ser apostilas, fichas de atividades, avaliações e outros. Todos
produzidos pelos setores de editoração e gráfica do Colégio.
140
Considerações Finais
O percurso pelo qual passou o Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz é
muito singular, em sua construção;; mas, ao mesmo tempo, muito global e aberto
ao que diz respeito à forma como foi sendo construído, podendo contribuir com
as pesquisas da área do conhecimento da Ciência da Religião Aplicada.
Fornecendo caminhos, diretrizes e visões de como outros colégios podem
também seguir a sua experiência.
Desde a origem da Congregação de Santa Cruz, instituição mantenedora,
na França, pós Revolução Francesa, que já tinha como base e meta a educação,
até os dias de hoje, pudemos conhecer um pouco mais a história da fundação
do Colégio Santa Cruz, pelos padres canadenses, e o trajeto de sua Educação
Religiosa. As fases pelas quais passou, e a que está nesse momento, de acordo
com as questões mais relevantes que apareciam, como discussão sobre a área
religiosa e da forma como conviviam com as demais religiões, além da Católica.
Épocas de ditadura, e de avanços científicos e tecnológicos, tempos de
secularização e globalização. Épocas de padres-educadores e tempos de leigos.
Para conhecer o seu Ensino Religioso e colocá-lo no tempo e espaço do
Estado, vimos um pouco sobre o percurso dessa disciplina nas Leis
Constitucionais, nas reflexões e discussões acadêmicas e no próprio Colégio,
entre padres, professores e famílias. Um colégio católico que não era proselitista,
141
que tinha a catequese como opcional e a Educação Religiosa obrigatória (hoje,
tudo continua assim).
Olhando para os modelos de Ensino Religioso, o Catequético, o Teológico
e o da Ciência da Religião, o trabalho passa por todos eles, pelo Projeto
Educacional do Colégio Santa Cruz, pelos Planos Diretores e pelo Marco
Referencial da Educação Religiosa no Curso de 1o Grau do Colégio Santa Cruz,
para mostrar como foi possível chegar ao modelo atual, o da Ciência da Religião,
e, à Fase Teórico-Científica, Transreligiosa, em que se encontra atualmente.
Para, enfim, chegar na escrita do Documento do Ensino Religioso, apresentado
e oficializado em 2014.
Em seguida, são apresentados os eixos programáticos, temas principais e
os sub-temas de cada ano dos cursos de EF1 e EF2, em concordância com os
pressupostos definidos, descritos e firmados pelas bases epistemológicas da
Ciência da Religião. Sendo apresentada na interpretação e análise do
Documento.
Dessa forma, logo percebeu-se uma sintonia entre os conteúdos
desenvolvidos no Colégio e os temas publicados na Coleção “TEMAS DO Ensino
Religioso”, da Editora Paulinas, assim, foram construídas tabelas com esses
conteúdos distribuídos nos quatro temas apresentados na coleção. E, após a
análise das mesmas, concluiu-se que os conteúdos foram pensados e
separados pelas séries de acordo com a faixa etária e maturidade dos alunos,
segundo o Documento do Ensino Religioso do Colégio Santa Cruz.
Portanto, o Ensino Religioso, por ser apresentado e conduzido dessa
maneira, garante uma formação integral dos alunos de acordo com seu
desenvolvimento cognitivo e etário. De acordo com as linhas básicas e filosóficas
do Colégio, uma formação para a cidadania e humanização.
O trabalho teve limites também, por tratar-se de uma pesquisa de estudo
de caso. Mas, ao mesmo tempo, muito amplo;; por tratar-se de um colégio, os
resultados podem ser transportados para outras escolas, mesmo com perfis
diferentes. Pois, a partir de agora, com essa pesquisa realizada, pôde-se verificar
142
que um Ensino Religioso com base na Ciência da Religião pode ser construído,
com ideias do que precisa seguir, do que deve ter como conteúdos e
organização;; e assim, ficar mais tangível e possível sua transposição.
E, mais especificamente, como uma pesquisa da Ciência da Religião
Aplicada, área ainda recente e em construção, que gera conhecimento útil e
utilizável. Uma área ainda nova e aberta a discussões, reflexões e aplicações,
assim, espero que essa pesquisa possa corroborar para que os estudos dessa
área avancem, e tornem-se cada vez mais sólidos, principalmente, para a sua
constituição como base epistemológica da disciplina de Ensino Religioso.
Para mim, alcançar o meu intuito, de confirmar que o Ensino Religioso do
Colégio Santa Cruz tem como modelo, hoje, a Ciência da Religião,
demonstrando e elucidando qual foi esse percurso, me deixa realizada. Foi um
trabalho de muita pesquisa histórica, com visitas a instituições da Congregação,
com bibliografia e documentos mais antigos, um pouco difícil de serem
encontrados;; mas, uma pesquisa muito feliz também, pelas descobertas feitas e
por conhecer tantas pessoas que fizeram e fazem parte dessa história, e
também, claro, por tratar-se do Colégio em que trabalho há quase 15 anos, como
professora.
Conhecer sua história a fundo, seus personagens, suas origens, sua
essência, e poder verificar que ele é pioneiro em muitas ações educacionais, não
só municipais, mas também nacionais, inclusive ter o seu Ensino Religioso no
modelo da Ciência da Religião, é restaurador. E me deixa muito esperançosa e
revigorada para poder pesquisar ainda mais sobre o Ensino Religioso em suas
diversas frentes de trabalho. Como implementá-lo em escolas de perfis
diferentes, o que e como ministrá-lo, fazer parte ou não do currículo escolar,
enfim, colaborar para que o Ensino Religioso possa ser constituído como
disciplina e como uma área de conhecimento.
143
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148
ANEXOS
149
ANEXO 1 – PLANOS DIRETORES DO COLÉGIO SANTA CRUZ
150
A seguir, o percurso do Ensino Religioso, registrado nos Planos Diretores,
de acordo com suas mudanças e transformações. Os trechos transcritos estão
exatamente como nos Planos e marcados com aspas. Comentários e
interpretações estarão redigidos entre os trechos.
Foram escolhidos alguns Planos Diretores como exemplo: 1965 e 1967
(1a Fase/1952-1968);; 1974 e 1983 (2a Fase/1969-1987);; 1994, 2006 e 2010 (3a
Fase/1988-2011);; 2012 e 2014 (4a Fase/2012-até hoje).
1965: Plano Acadêmico do curso Ginasial do Colégio Santa Cruz.
O Plano amplia-se para o Curso Ginasial também, que até então estava
estabelecido nas Classes Experimentais.
Primeira Parte: objetivos gerais
1. O ambiente:
“Pelo ambiente que a escola cria, as disciplinas que inclui no programa,
os métodos que emprega, ajuda a moldar sua personalidade e a adquirir atitudes
altruístas. Procura em última análise, uma melhor adaptação da criança, da
família e de si própria à sociedade e deseja, através do desenvolvimento das
pessoas, a realização de uma Humanidade solidária e fraternal onde o progresso
das sucessivas gerações seja proveitoso a cada um dos membros e vice-versa.
Que a escola o queira ou não, ela exerce sempre, quer seja positivamente ou
negativamente, uma influência sobre a formação física, moral, social ou religiosa
da criança.
O problema da formação religiosa da criança é mais delicado. Com efeito,
ideias pré-concebidas e empedernidas despontam facilmente em torno desse
assunto. A fé ou a crença, pensa-se muitas vezes, pertencem à vida particular e
não interessam senão à consciência de cada um. Isto é verdade, sem dúvida.
Mas precisamos entender-nos. Existem problemas que não sejam senão
individuais? A Religião exprime uma das dimensões do homem e nesse sentido
151
é uma interrogação permanente feita aos nossos espíritos inquietos. Esforcemo-
nos por ignorá-la ou silenciá-la e teremos imediatamente por resultado graves
desequilíbrios. De qualquer forma, porque essa questão é importante, a ela nos
dedicaremos com mais vagar.
A escola deve favorecer o desenvolvimento das tendências religiosas do
indivíduo. Com mais razão nada deve empreender que venha a corromper ou
abafar essas tendências. Acreditamos que a Religião, sob forma de História da
Atividade Religiosa do Homem, deve ser ensinada em todas as escolas, assim
como as Letras, as Ciências e as Artes. Dever-se-ia poder conhecer as diversas
manifestações do sentimento religioso no seio das numerosas crenças que
agrupam e às vezes separam os homens. Tal pesquisa constituiria uma espécie
de reflexão acerca das inquietações fundamentais que encontramos em cada
um de nós, aceleraria a aproximação das diferentes confissões oferecendo-lhes
bases de acordo tão vastas e universais quanto possível, e apressar a marcha
da Humanidade para uma Unidade que o homem hoje em dia pode
razoavelmente entrever. Em resumo, acreditamos que a Religião, encarada
numa relação cada vez mais estreita com as Ciências, as Artes e o conjunto das
atividades humanas, está destinada a desempenhar um papel de relevo no
desenvolvimento da Humanidade.
Em se tratando da educação religiosa cristã ou mesmo, se quisermos,
católica, pertence à Igreja concebê-la e assegurá-la aos seus adeptos. Pode
esta, se servir da escola como de um instrumento para divulgar a Mensagem
Evangélica? Certamente não. A escola é uma instituição que depende da
sociedade civil e tem direito a que sejam respeitadas sua finalidade própria e sua
autonomia. É o meio, universalmente difundido, pelo qual a sociedade educa
seus cidadãos, transmite-lhes sua cultura e comunica-lhes os valores
civilizadores de que é portadora.
A Igreja pode, sem dúvida, com o mesmo direito que outros agrupamentos
particulares e com o mesmo respeito à autoridade constituída, criar escolas que
se tornam o que, por um nome no fundo infeliz, chamamos de escolas
confessionais. Fá-lo então para compensar alguma insuficiência da sociedade
civil e se compromete a respeitar as normas que regem intrinsecamente essas
152
instituições. De qualquer forma, o que se pode esperar dela, - e aqui é preciso
render-lhe justiça: em geral ela cumpre essa exigência - é que se prenda a uma
forma de agir que torne mais forte e aperfeiçoe a fé dos fiéis que ela ali reúne,
sem forçar a liberdade de quem quer que seja e sem prejudicar àqueles que, por
um ou outro motivo, se encontram sob seu teto sem professar o mesmo credo.
O problema religioso situa-se na raiz de nosso ser. A Religião dá um
grande valor ao sentido comunitário da existência: ela exige o respeito da
liberdade individual, mas, por outro lado, insiste fortemente sobre a comunhão
com valores universais. Eis por que ambos, o sentimento religioso e a Religião,
devem merecer a atenção de todos aqueles que se dedicam a tarefas
educativas.
É primeiramente pela formação do espírito que a escola pretende exercer
uma influência educadora junto à criança. Uma coordenação judiciosa, de
atividades exercitando a reflexão, o raciocínio, a memória, o espírito crítico, a
expressão de si mesmo sob todos os aspectos, assegurará a formação da
inteligência, do coração e da vontade dos jovens e permitirá levá-los ao
alargamento progressivo de sua experiência pessoal”.
Segunda Parte: fatos pedagógicos
2. Pessoal
“Na medida em que a Educação Religiosa exige um ensino e, por
conseguinte, um programa definido, um lugar no horário semanal e a inserção,
no calendário anual, de algumas atividades próprias, o Coordenador Pedagógico
é conduzido a consultar a Equipe responsável por esse setor essencial da
formação do indivíduo”.
Haviam salas especiais para todas as disciplinas. As aulas de Educação
Religiosa (ou, Religião, como também era chamada) eram realizadas na Capela.
153
A Educação Religiosa fazia parte das Práticas Educativas com número de
horas definidas no quadro de disciplinas regulares (currículo), sendo destinados
às essas aulas 66 minutos semanais, de 1a à 4a séries. Mas, não havia uma nota
específica.
1967: Plano Diretor do Curso Colegial do Colégio Santa Cruz
Nossa concepção comunitária de escola
“Cabe-nos lembrar, a esta altura, remetendo nossos leitores à obra que
os padres de Santa Cruz publicaram pela Editora Herder, "Educação Brasileira
e Colégios de Padres", que as metas norteadoras do Colégio são a
desclericalização, praticamente realizada no Curso Colegial, a democratização
que, embora muito cautelosamente, se iniciou em 1966, pela eliminação do
refeitório, readaptação do conceito de semi-internato, além da manutenção do
sistema de bolsas de estudo, a que acresce agora, em 1967, o aumento do
número de classes no 1o colegial, a sacerdotalização das tarefas dos padres que
em 1967, trará para a animação espiritual de nossos alunos o Pe. Eugênio (como
era chamado) Charbonneau, agora liberado de suas funções de Diretor de
Curso.
Fiéis à perspectiva pedagógica que nos diz respeito, compreendemos que
a democratização não se faz apenas por uma recomposição da população
escolar, para permitir a conveniência das diversas classes sociais, mas também
pela formulação duma estrutura capaz de levar o adolescente a atingir os dois
processos básicos de sua própria educação: a independentização e a
enculturação.
Como se vê, tem-se em mira o mundo de hoje, que é pluralista, no qual e
sobre o qual o aluno vai agir. Donde a necessidade de um curso eclético em que
se atende simultaneamente à formação humanística e a científica, resultando o
encaminhamento vocacional de uma opção verdadeira, baseada num
conhecimento menos superficial da realidade que o cerca”.
154
Conteúdo curricular
Às disciplinas regulares, acrescentar-se-ão os horários de Educação
Física, Esportes, Orientação Pedagógica e Religiosa.
Vida comunitária e religiosa
“Declara-se o Colégio, uma instituição temporal de ensino médio ao
serviço da sociedade, apolítica e sem fins lucrativos, aberta a todos sem
discriminações de cor, raça, religião, condição social ou econômica, desde que
sejam aceitos os objetivos educacionais, a estrutura e a mentalidade cristã que
a inspiram, convencidos de que qualquer forma de discriminação nos direitos
fundamentais da pessoa, deve ser superada e eliminada, porque contraria o
plano de Deus. E garante a todos uma total liberdade religiosa e total liberdade
de manifestarem sua fé, porque a própria natureza social do homem exige que
ele manifeste externamente atos internos de religião, que se comunique com
outros em matéria religiosa, que professe sua religião em forma comunitária”.
A Animação Religiosa do Curso Colegial tem como orientador o Padre
Charbonneau.
“Cultura Religiosa: por maior que seja a regularidade e a profundidade
deste curso, estavam convencidos de que ele não se podia confundir, por seu
caráter eminentemente vivencial, com os demais cursos a que todos estavam
obrigados”. Assim, em 1967, ele se torna facultativo, realizando-se uma vez por
semana, na Capela. “Ministrado por sacerdotes e leigos, terá lugar, como
acontecia nas primeiras comunidades cristãs, na primeira parte da Santa Missa,
a Liturgia da Palavra”. A grande vantagem dessa forma de instrução religiosa
sobre a anterior (aulas regulares, em classe) parece ser o fato de se “unir o
ensinamento à vivência litúrgica e sacramental”. São também fonte de
evangelização os Retiros Anuais, que atingem a todas as classes, ao nível de
série.
155
1974: Plano Diretor do Curso Ginasial do Colégio Santa Cruz
Nesse ano, o curso ginasial também muda a nomenclatura de seu curso
para Ensino Religioso. “A expressão ‘Animação Espiritual’ é abrangente e refere-se ao Ensino Religioso no sentido da Lei”. Portanto, apenas uma mudança
de nome para um curso que sempre existiu no Colégio, que sempre foi uma
preocupação dos padres de Santa Cruz.
“O curso de ‘Animação Espiritual’ não é catequese propriamente dita, e
não é, especificamente, um curso de cultura religiosa”. Por isso, ainda havia
tanto temas relacionados ao cristianismo, à Bíblia quanto temas relacionados à
vida cotidiana, valores, moral etc. Como recebiam alunos pertencentes à várias
tradições religiosas, queriam que houvesse o respeito à essa liberdade de
escolha. “Portanto, o Colégio Santa Cruz, mesmo sendo uma instituição
particular e confessional, acolhe a todos sem distinção de religião”.
E, continua a oferecer a catequese, de inscrição facultativa.
A carga horária muda novamente, 2 horas semanais na 5a série, uma hora
na 6a série, duas horas na 7a série e uma hora na 8a série.
1983: Plano Diretor do Curso Colegial do Colégio Santa Cruz
“A Orientação Pastoral do 2º Grau do Colégio Santa Cruz procura aplicar
na vida escolar as linhas mestras da Ação Pastoral da Igreja Católica em São
Paulo, assim como apresentadas nas Diretrizes Pastorais da CNBB para o
período de 1983 a 1986. Estas diretrizes, em suma, englobam as diferentes
dimensões da ação da Igreja Católica no Brasil”. São elas: comunitária e
participativa, missionária, catequética, litúrgica, ecumênica e de diálogo
religioso, profética e transformadora.
Programa de Cultura Religiosa no Curso Colegial
“A programação curricular de Cultura Religiosa, iniciada nas 1as séries do
Colegial em 1977, sob a denominação de História das Religiões, foi estendida
156
às 2as séries em 1982 e, a partir deste ano, passa a integrar o currículo das 3as
séries do Curso Colegial”.
Na 1a série, o objetivo básico é falar sobre o fato cultural da Religião, na
2a série o tema é Fé e na 3a série, com uma abordagem expositiva e crítica, fala-
se sobre atuação efetiva de pessoas e grupos na esfera social, política e
econômica no primeiro semestre e, sobre os problemas da passagem do
Colegial para a Universidade, como opção ideológica, drogas, relacionamento
afetivo-sexual.
1994: Plano Diretor dos Cursos de 1o e 2o Graus do Colégio Santa Cruz
Nesse ano, há apenas um Plano Diretor, integrando todos os Cursos e Atividades do Projeto Santa Cruz. Uma grande novidade e a oportunidade de
organização detalhada de todos os Cursos, Áreas e atividades do Colégio.
A Palavra do Diretor fala sobre isso, e explica a importância de se ter essa
unidade, apesar de prezar pela diversidade e liberdade, ou seja, “unidade não
significa homogeneidade, mas harmonização de componentes heterogêneos;; o
respeito pela diversidade é um princípio básico quando se busca compor um
todo, tão integrado quanto múltiplo, tão único quanto complexo”.
Há um novo texto do Projeto Santa Cruz, em que se discorre sobre
educação e o seu papel na sociedade e, depois, sobre uma formação
multidimensional e integral, humanizadora e cristã que compõem o projeto
educacional do Colégio.
Apresenta como o Colégio pensa a formação da inteligência, psicológica
e moral. “Formar moralmente uma juventude é ensinar-lhe o compromisso com
o outro, com sua comunidade, com seu país. É apontar-lhe os princípios que
inspiram o amor e a justiça. Essa formação repousa nos valores cristãos. Aqui a
educação também se alicerça na crença de que toda existência é marcada por
uma dimensão transcendental. E, embora respeite a liberdade de consciência e
religião e abra suas portas indiferenciadamente a todos os que, não obstante
diversidades religiosas, aceitem seus objetivos educacionais, o Colégio Santa
Cruz reafirma sua orientação católica”.
157
E, por fim, relembra que o Santa Cruz sempre vai além dos limites
mínimos exigidos pelas deliberações legais, ou seja, com mais dias letivos, com
novas alternativas disciplinares, atividades formativas, culturais e esportivas
para todos os alunos. Valorizando a capacidade de aprendizado e criação deles.
O Ensino Religioso aparece na área de Pastoral e Ação Comunitária,
dirigida a todos os alunos do 1o Grau, e em palestras sobre formação religiosa
para os alunos do 2o Grau.
O Ensino Religioso
“No Curso de 1o Grau, as aulas de Ensino Religioso compõem o currículo
normal de cada série;; objetivam o conhecimento do evangelho, a orientação
espiritual e a introjeção de valores humanitários;; para isso, além dos temas
programados e desenvolvidos nas aulas, a Campanha da Fraternidade inspira a
realização de atividades extraclasse, tais como visitas organizadas a
comunidades carentes e campanhas de solidariedade pertinentes ao tema de
cada ano.
No Curso de 2o Grau, o trabalho da Pastoral não é um componente
curricular, mas desenvolve-se através de palestras em cada série, oferecidas no
horário normal de aulas, além de reflexão sobre os temas referentes às
Campanhas da Fraternidade por parte dos professores de Filosofia e de outras
áreas afins. Essa estratégia deriva dos objetivos específicos da Pastoral do 2o
Grau: desenvolver no aluno o aprofundamento da espiritualidade, a opção
existencial consciente e a sensibilidade para a realidade social”.
A descrição dos temas apresentados aula a aula é retirada do Plano
Diretor. O que dá mais liberdade à formulação dos programas, planejamentos
curriculares e conteúdos disciplinares.
2006: Plano Diretor dos Cursos de 1o e 2o Graus do Colégio Santa Cruz
Ano de implantação do Ensino Fundamental de 9 anos, que no Colégio
Santa Cruz não foi uma simples adaptação das séries existentes para “anos” e,
158
sim, a criação de um novo 1o ano. Em que as séries irão seguir até acabarem, e
o novo ciclo se inicia e, a cada ano, um novo “ano” surge.
O Ensino Religioso não é mais ministrado no 1o ano. E, para tanto, há
modificações do texto sobre o Ensino Religioso no Ensino Fundamental 1.
Há a inserção de questões sobre a dimensão exterior que é a que “agrega
a experiência das relações humanas”, como “a percepção das diversidades
(ética, social, cultural, corporal) e a consequente atitude de respeito,
compreensão e solidariedade, sem abrir mão dos valores cristãos”. E sobre a
dimensão interior que é a da introspecção, que “possibilita a cada um aprender
a dialogar com seu eu profundo e o mistério de transcendência que nos constitui
em essência”.
“No 2o ano do Ensino Fundamental de nove anos (série em que se inicia
o Ensino Religioso), o tema gerador das aulas e projetos é Eu e o outro. No 3o
ano, A amizade e o encantamento pelo mundo em que vivemos (o maravilhar-
se). No 4o ano, o tema a ser desenvolvido é Tomar consciência de si e da
importância da vida para todos”.
No Ensino Médio a Cultura Religiosa sai do currículo como parte da
Disciplina de Filosofia, ficando apenas como atividade optativa dentro da
Pastoral.
2010: Plano Diretor dos Cursos de 1o e 2o Graus do Colégio Santa Cruz
Neste ano, com a chegada do 5o ano do Ensino Fundamental 1, um
complemento o texto de Ensino Religioso, com o tema a ser trabalhado: Refletir
e transferir para o dia a dia a palavra de Deus.
O Pe. José Amaral de Almeida Prado C.S.C., assume a Animação
Espiritual do Colégio.
2012: Plano Diretor dos Cursos de 1o e 2o Graus do Colégio Santa Cruz
Nesse ano, que o Colégio comemora 60 anos, faz uma reavaliação de seu
projeto pedagógico e reestrutura o seu apoio administrativo. E, para este
159
aprimoramento, algumas mudanças já foram feitas: a criação de uma Direção
Pedagógica, exercida pela Vice-Diretora Geral. Foram criadas nove comissões
disciplinares – Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia,
Artes, Educação Física, Inglês e Ensino Religioso -, que reúnem os professores
de todos os cursos, para um planejamento transversal de cada área. Cada
comissão tem um professor-coordenador e, esses coordenadores reúnem-se
mensalmente com a Direção Geral com a finalidade de esboçarem seus
parâmetros curriculares.
O ano de 2012, “é também especial para a Congregação de Santa Cruz,
que finaliza a fusão, no Brasil, com os Padres de Santa Cruz, reunidos, agora,
nos Religiosos da Congregação de Santa Cruz”. Corrigindo, a fusão entre os
Padres e os Irmãos de Santa Cruz, que se iniciou em 2010. Descrita com
maiores detalhes no texto: “A Congregação de Santa Cruz, Ontem e Hoje”,
escrito pelo Pe. José de almeida Prado, C.S.C. (Presidente do Conselho
Administrativo do Colégio e Orientador Espiritual do Colégio), no Plano Diretor
desse ano.
Em seguida, um texto da Profa. Cristine Conforti (Vice-diretora Geral e
Diretora Pedagógica) com o título “Educação na Pós-Modernidade: 60 anos do
Projeto Santa Cruz”, dividido em quatro partes: 1) “Introdução: Diário de bordo”,
que, metaforicamente, coloca a educação como o leme do navio em que viajam
os jovens em sua formação, 2) “Da modernidade à pós-modernidade: o itinerário
da história”, em que discute, filosoficamente, as mudanças dos tempos e a
influência na área educacional, 3) “Modernidade sólida e pós-modernidade
líquida: os limites e a resistência da educação”, em que, partindo da análise do
sociólogo Zigmunt Bauman, sobre a sociedade (efêmera) em que vivemos e
passando sobre os pensamentos de Walter Benjamin, em que a existência
humana não corresponde à incorporação das respectivas experiências, que os
acontecimentos não tornam-se significados, não transformam o sujeito.
Relacionando-os com o papel que deveria ser o da educação e, 4) “A pedagogia
no Colégio Santa Cruz: pluralismo e humanismo, permanência e transformação”,
que discorre e reflete sobre o fundamento que sustenta o projeto pedagógico do
Colégio, que lembrado pelos dizeres do Pe. José, expressa a conciliação entre
a doutrina católica que orienta a instituição e sua concepção educacional
160
pluralista, de defesa e respeito à liberdade de pensamento e demais direitos
humanos: uma educação multidimensional de caráter humanista, por meio de
definições histórico-sociais do que é “humanismo”. Para concluir, de onde veio e
como se forma e consolida o programa educacional, ou seja, a proposta
pedagógica do Colégio Santa Cruz.
Formação Religiosa
O novo texto descrito no Plano Diretor:
“A Pastoral coordena a ação educativa voltada à formação religiosa dos alunos do Colégio Santa Cruz a partir de quatro dimensões:
- sensibilização para a questão social e o voluntariado pedagógico;;
- ensino religioso e o desenvolvimento da espiritualidade e valores;;
- catequese e a iniciação para a primeira Eucaristia e Crisma;;
- liturgia”.
2014: Plano Diretor dos Cursos de 1o e 2o Graus do Colégio Santa Cruz
Nesse ano, tem-se a apresentação do Programa Socioambiental, Santa
Recicla, que surgiu inicialmente como uma ação dos alunos participantes do
Voluntariado Educativo, e hoje, segue também com a formação de um Comitê
de Sustentabilidade que planeja e executa ações, campanhas etc.
No Capítulo da Pastoral, há uma nova apresentação:
“A Pastoral compõe, de modo abrangente, o projeto pedagógico e
educacional do Colégio Santa Cruz. É um dos pilares estruturantes do programa
de formação ética, que constitui e concretiza o conteúdo essencial da concepção
humanista do Colégio. A pastoral desenvolve, no âmbito da reflexão e da ação,
os valores a serem incorporados pelos educandos em seu processo de
formação, para conscientizá-los da necessidade de atuação transformadora, e
de corresponsabilidade na construção de uma sociedade mais justa e menos
desigual”.
161
E o texto do Ensino Religioso aparece com uma pequena alteração. “O
Ensino Religioso é oferecido a todos os alunos do Colégio e faz parte da grade
curricular, tendo início no 2o ano do Ensino Fundamental e término no 9o ano.
São aulas semanais que permitem ao educando situar-se diante do fenômeno
religioso de forma livre, coerente e engajada. Para tal, o aluno toma
conhecimento de diferentes tradições religiosas, incluindo a cristã, vivencia
valores humanos, desenvolve o potencial para uma vivência espiritual e é
estimulado a uma prática consciente de solidariedade”. Lembrando que o Ensino
Médio não tem essa disciplina em seu currículo. E no Ensino Fundamental 1, no
2o ano, passa a ser ministrado pela professora de classe, e não por um
professore especialista.
Há também, nesse ano, a separação dos professores de Ensino Religioso
dos professores de Catequese.
162
ANEXO 2 – DOCUMENTO: O MARCO REFERENCIAL DA
EDUCAÇÃO RELIGIOSA NO CURSO DE 1O GRAU DO COLÉGIO SANTA CRUZ
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ANEXO 3 – LIVROS DO PADRE CHARBONNEAU: UMA
ILUSTRAÇÃO
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