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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do
grau de Mestre em História Moderna e dos Descobrimentos, realizada sob a
orientação científica do Professor Doutor Pedro Cardim.
Ao Pedro,
à Teresa
e ao Francisco.
AGRADECIMENTOS
Para a concretização deste trabalho foi fundamental todo o apoio do Professor Doutor
Pedro Cardim, a quem agradeço por me ter apresentado, ainda durante a Licenciatura,
o fascinante mundo dos Reservados da Biblioteca Nacional, bem como por ter acolhido
o projeto e conduzido a pesquisa de forma a lograr os objetivos gizados.
Agradeço também a vários Professores o interesse manifestado pela minha pesquisa e
a amabilidade com que se disponibilizaram a partilhar os seus conhecimentos:
Professor Doutor Jean-Frédéric Schaub, que me indicou as fontes essenciais para
pesquisa;
Professora Doutora Blythe Alice Raviola, que prontamente cedeu os seus trabalhos
sobre a Duquesa de Mântua;
Professor Doutor Rafael Valladares, pela indicação de fundos documentais e sugestões
de pesquisa;
Professora Doutora Laura Oliván, que me enviou uma completa e atualizada
bibliografia sobre Mulheres e Poder na Idade Moderna;
Agradeço também aos Professores Doutores Fernando Bouza Álvarez e Gaetano
Sabatini a indicação de fundos documentais.
Ao Professor Doutor Bernardo Vasconcelos e Sousa agradeço a constante
disponibilidade e simpatia com que sempre me incentivou a dedicar-me ao estudo da
História.
Agradeço ainda às minhas amigas e colegas Cátia Mourão e Sandra Neves Silva, que
me entusiasmaram para a realização do Mestrado.
Este projeto só foi possível graças à minha Família, que tem proporcionado o tempo,
espaço e silêncio que necessito para me concentrar e escrever.
Agradeço em especial à minha Mãe, pela leitura do texto e ajuda na correção do
Português e à Marta, que formatou o documento.
E, claro, ao Pedro por, uma vez mais, ter acarinhado os meus planos, possibilitando e
facilitando a sua conciliação com o nosso projeto de vida.
MARGARIDA DE SABOIA, DUQUESA DE MÂNTUA (1589-1655)
PERCURSO BIOGRÁFICO E POLÍTICO NA MONARQUIA HISPÂNICA
JOANA ISABEL PACHECO DA COSTA BASTOS BOUZA SERRANO
PALAVRAS-CHAVE: Margarida de Saboia, Duquesa de Mântua; Portugal na Monarquia
Hispânica; Vice-reinado; Poder feminino
RESUMO
Este trabalho aborda o vice-reinado de Margarida de Mântua em Portugal, integrando-
o num percurso biográfico e político vivido sob a influência da Monarquia dos
Habsburgo. Princesa de Saboia pelo nascimento e duquesa de Mântua pelo
casamento, sempre privilegiou e cultivou a identidade com a linhagem materna,
atuando como fiel aliada política do seu primo Filipe IV.
A princesa Margarida foi nomeada para o exercício de um vice-reinado de sangue no
cenário de crise da Monarquia Hispânica em Portugal que antecederia a Restauração
de 1640.
Deparou-se com um contexto de tensão militar com outras potências coloniais,
marcado pela transformação das instituições políticas e da fiscalidade e pela agitação
popular.
Na análise das questões fundamentais que marcaram o vice-reinado, a avaliação da
intervenção governativa da princesa Margarida é frequentemente limitada pelo
preconceito de género, inerente à mentalidade da época, que percorre as fontes
literárias e documentais.
Descrita pelos seus contemporâneos como altiva e orgulhosa, Margarida de Mântua
revelou-se determinada nas suas decisões e persistente nos seus objetivos.
MARGHERITA OF SAVOY, DUCHESS OF MANTUA (1589-1655)
BIOGRAPHICAL AND POLITICAL COURSE IN THE CONTEXT OF HISPANIC MONARCHY
JOANA ISABEL PACHECO DA COSTA BASTOS BOUZA SERRANO
KEYWORDS: Margherita of Savoy, Duchess of Mantua; Hispanic Monarchy in Portugal;
Viceroyalty; Feminine power
ABSTRACT
This paper addresses the Viceroyalty of Margherita of Mantua in Portugal, aiming to
integrate it in her biographical and political course under the influence of the Habsburg
Monarchy.
Margherita was born princess of Savoy and became duchess of Mantua by her
marriage, but always privileged and cultivated the identity with the maternal lineage,
acting as a faithful ally of her cousin Philip IV of Spain.
She was nominated Vice-Queen of Portugal during the crisis of the Hispanic Monarchy.
The kingdom of Portugal was facing a context of military tension with other colonial
powers, marked by the transformation of political institutions, heavy taxation and
popular revolt, that led to the restoration of 1640.
In the analysis of the fundamental issues that marked Margherita’s viceroyalty, the
evaluation of her government intervention is often limited by gender prejudice,
inherent of the mentality of the Age, as seen in literary and documental sources.
Described by her contemporaries as arrogant and proud, the Princess proved to be
determined and persistent in her decisions and goals.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1
1. DE PRINCESA DE SABOIA A DUQUESA DE MÂNTUA: CONTEXTO FAMILIAR E
INTERVENÇÃO POLÍTICA E DIPLOMÁTICA EM ITÁLIA ....................................................... 7
2. A VICE-RAINHA DE PORTUGAL ............................................................................... 14
Portugal na Monarquia Hispânica .............................................................................. 14
A instituição vice-reinal em Portugal.......................................................................... 16
A nomeação de Margarida de Sabóia: um vice-reinado de sangue ........................... 18
A viagem até Lisboa .................................................................................................... 24
O regimento e a instrução secreta ............................................................................. 29
Corte, comitiva e casa da vice-rainha ......................................................................... 33
3. O GOVERNO DA PRINCESA MARGARIDA ................................................................ 42
Principais instituições e interlocutores ...................................................................... 42
A defesa do reino e do império .................................................................................. 45
A armada do Brasil .................................................................................................. 45
A defesa do litoral ................................................................................................... 49
A reforma fiscal e as revoltas populares .................................................................... 54
A intervenção do clero e a questão do colector apostólico ................................... 57
A reação do governo............................................................................................... 61
O conflito com o marquês de la Puebla ..................................................................... 64
O pedido de resignação da Princesa no contexto da reformulação do governo de
Portugal ...................................................................................................................... 75
O Governador Geral das Armas de Portugal .............................................................. 78
4. O RETORNO À CORTE DE MADRID ......................................................................... 86
O 1º de Dezembro de 1640 ........................................................................................ 86
A conspiração contra D. João IV ................................................................................. 96
O regresso a Castela ................................................................................................... 99
Os últimos anos ........................................................................................................ 105
CONCLUSÃO .................................................................................................................. 109
FONTES MANUSCRITAS ................................................................................................ 116
FONTES IMPRESSAS ...................................................................................................... 117
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 121
ANEXO 1 ............................................................................................................................. I
ANEXO 2 ............................................................................................................................ II
ANEXO 3 ........................................................................................................................... III
ANEXO 4 ........................................................................................................................... IV
ANEXO 5 ............................................................................................................................ V
ANEXO 6 ........................................................................................................................... VI
ANEXO 7 .......................................................................................................................... VII
ANEXO 8 ......................................................................................................................... VIII
LISTA DE ABREVIATURAS
AGS - Archivo General de Simancas
ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo
AHU - Arquivo Histórico Ultramarino
BA - Biblioteca da Ajuda
BNM - Biblioteca Nacional de Espanha
BNL - Biblioteca Nacional de Lisboa
BPE - Biblioteca Pública de Évora
1
INTRODUÇÃO
Na edição de 1678 da Historia General de España, a “Sereníssima Senhora Princesa
Margarida, Duquesa de Mântua, filha da Senhora Infanta Catarina de Áustria, que o foi
de Filipe II, e de Emanuel Filiberto, Duque de Saboya”, é descrita como “Princesa em
verdade grande,” “experimentada em várias línguas,” que sempre procurou a
“exaltação do seu sangue” e que “com poucos admitiu igualdade.” Esta breve nota
biográfica que acompanha a notícia da morte de Margarida de Sabóia não poderia
deixar de mencionar a nomeação para “o Governo de Portugal, y su India”, os quais
“governou com prudência, e afabilidade.”1
Pouco unânimes são, porém, tanto o debate em torno dos motivos e objetivos desta
nomeação, como os juízos relativamente ao modo como foi exercido o cargo de vice-
rainha de Portugal por parte da princesa italiana, que seria surpreendida em Lisboa
pelos acontecimentos do 1º de dezembro de 1640.
O impacto da secessão de Portugal, agravando a crise da Monarquia Hispânica, daria
origem a diferentes leituras e interpretações dos acontecimentos, posicionando os
seus intervenientes de acordo com o intuito de cada uma das versões.
Margarida de Sabóia, duquesa viúva de Mântua, prima de Filipe IV de Espanha, surge
tradicionalmente nos relatos como agente das políticas castelhanas que conduziram à
revolta de Portugal:
«Puseram por Vice Rey a duquesa de Mantua, estrangeira, e que não era parenta do rey no grao que se requeria para tal governo; puseram-lhe collateraes e conselheiros estrangeiros, que não se doessem de nós dependentes, para que sugeitassem seus votos.»2
É recorrente a ideia de que a sua ação governativa seria orquestrada, desde Madrid,
pelo ministro Olivares e coartada, em Lisboa, pelo seu conselheiro, o marquês de la
Puebla, e pelo secretário Miguel de Vasconcelos.
O historiador oitocentista Rebelo da Silva discorre do seguinte modo sobre a
nomeação da princesa:
«Margarida provára espirito firme e constante na adversidade, e prudencia na direcção dos negocios. Era bisneta da imperatriz D. Izabel, irmã de D. João III, e
1 Historia General de España…, p. 737.
2 Arte de furtar, espelho de enganos, theatro de verdades..., p.127.
2
como dama e dependente da casa de Austria esperava-se que deixasse todas as portas abertas ao arbitrio de Olivares, e á prepotencia dos validos do valido.»3
A autoridade da princesa seria, desde o início, limitada pelo marquês de la Puebla, D.
Francisco Dávila y Guzmán, o “valido” que lhe fora imposto por Madrid:4
«quando a Princesa de Mântua foi nomeada Vice-Rainha de Portugal, o Marquês de la Puebla (...) assistia a todos os conselhos, e estava presente em todos os despachos. A Princesa não podia fazer nada sem o seu conhecimento.»5
As competências do conselheiro seriam excessivamente abrangentes:
«Tenia esta señora por ayo en Lisboa al Marques de la Puebla de Loriana, (...) y sin la voluntad de él no solo no tenia arbitrio para salir de su Palacio, pero ni aún para esparcir los ojos.»6
No entanto, la Puebla viria a ser eclipsado pelo secretário de Estado:
«Miguel de Vasconcelos (...) apoderou-se do ânimo da princeza regente, convertida em instrumento das violencias inspiradas por elle, e aprovadas pela côrte.»7
A vice-rainha,“sogeitando-se totalmente ao arbitrio do Secretario Miguel de
Vasconcellos, ordenava sem contradiçaõ, e mandava executar sem dependencia.”8
Noutra versão, mais sensacionalista, encontramos uma vulnerável duquesa de Mântua
completamente manipulada pelo secretário:
«Vasconcellos Premier Secretaire, Confident & Favory de Marguerite de Savoye (...) s’étoit arrogé la Souveraine dispensation de toutes choses, ne laissant à la Douchesse de Mantouë que le vain nom de Vice-Reine (...) ; & disposoit de tout sous le nom de la Vice-Reine à sa fantaise, traitant & terminant les plus importants affaires sans lui en faire part (...) ; possedoit seul avec une audace insuportable les bonnes graces de la Vice-Reine sa maîtresse.»9
Numa perspetiva oposta, Manuel de Faria e Sousa relata as divergências entre a
princesa e o secretário:
«avia discordias en la Corte de Lisboa, que la Vireyna se quexava mucho de la insolencia y de la fiereza de Vasconcelos, que no podia sufrir que todos los
3 SILVA, 1860, t. III, p.424.
4 LUXÁN, 1988, p. 407, refere que “D. Francisco Dávila y Guzmán sería el Olivares de Lisboa.”
5 Histoire du détrônement d’Alphonse VI Roi du Portugal, p.117.
6 Caida de su privanza, y muerte del Conde-Duque de Olivares..., p. 23.
7 SILVA, 1860, t.III, p.428.
8 SOUSA, 1748, liv. VII, p.24.
9 Anedoctes du Ministere du Comte Duc d’Olivares, pp.304-305.
3
despachos de Madrid viniessen encaminados à el, y no à ella, que aquello era privarla de sua autoridad.» 10
Margarida de Sabóia é aqui descrita como “Princesa de muchos méritos, y capaz para
governar el Reyno” cujo “grande entendimiento, y (...) mucha capazidad para
governarle” seriam “la causa del menos precio que hazia de ella el primero Ministro del
Rey, intimo amigo de Vasconcelos.”11
A bibliografia sobre a duquesa de Mântua inclui uma biografia publicada por Romolo
Quazza em 1930, bastante completa e detalhada no que diz respeito a todo o percurso
de Margarida de Saboia em Itália, mas parca de informações relativamente ao resto da
sua vida na península Ibérica.12
Mais recentemente, Blythe Alice Raviola13 tem dedicado vários estudos à intervenção
da princesa no contexto político local e internacional, baseando-se sobretudo em
fontes italianas, e destaca que Margarida de Sabóia se considerou sempre uma
Infanta, pelo facto de ser filha de Catarina Micaela de Habsburgo e neta de Filipe II de
Espanha, colocando-se num plano superior a outras princesas italianas.14 A sua
lealdade aos interesses da dinastia Habsburgo viria a ser recompensada com a
nomeação para o cargo de vice-rainha de Portugal, o qual lhe permitiria, aos 45 anos,
exercer o poder que sempre havia ambicionado.15 A mesma historiadora recorda os
traços salientes do carácter desta princesa, em nada inclinado a deixar-se dobrar de
maneira passiva pelos acontecimentos, sugerindo que a “têmpera de mulher de
poder” de Margarida de Sabóia teria certamente deixado a sua marca na vida política
em Portugal.16
Vários aspetos da intervenção governativa da duquesa de Mântua têm sido
mencionados pelos historiadores que se debruçam sobre a Monarquia Hispânica em
Portugal.
10
SOUSA, 1730, p.375. 11
SOUSA, 1730, p. 375. 12
QUAZZA, 1930. 13
Agradeço à Professora Blythe Alice Raviola por me ter disponibilizado os seus trabalhos, aos quais, de outro modo, dificilmente teria tido acesso, e que forneceram informações extremamente úteis. 14
RAVIOLA, 2008, p.333. 15
RAVIOLA, 2013, pp. 47- 48 e 61. 16
RAVIOLA, 2012, pp. 135 e 161.
4
António de Oliveira, para além das referências nas suas obras sobre o poder, oposição
política e movimentos sociais,17 dedica várias páginas da biografia de Filipe III àquela
que governava “em vez do rei de Portugal.”18
Jean-Frédéric Schaub estuda o governo de Portugal no tempo do conde-duque de
Olivares,19 que corresponde a um momento de crise do sistema, acentuada pelo
reforço do envolvimento na guerra dos 30 anos e pelas perdas sofridas pelo império
colonial português entre 1621 e 1640,20 propondo uma análise da situação portuguesa
na confluência de duas grandes problemáticas: por um lado, a autonomia do reino de
Portugal no contexto da Monarquia Hispânica; e por outro, a modernização das
estruturas políticas.21 Refere que a princesa Margarida, nomeada vice-rainha de
Portugal, fora afastada do norte de Itália, onde as suas ambições incomodavam a
diplomacia da Monarquia Católica,22 sendo incumbida de uma missão (que deveria
estar concluída em dois anos), cujo principal objetivo era a reconquista do Brasil e
respetivo financiamento, devendo para tal, conseguir convencer as cidades e vilas
portuguesas a aceitar o aumento dos impostos.23
Schaub analisa detalhadamente o conflito de jurisdições no cenário político da corte da
duquesa de Mântua e revela que o marquês de la Puebla se referia à princesa de forma
insultuosa, descrevendo-a como simples figurante,24 e acusando Miguel de
Vasconcelos e Diogo Soares de serem os “verdadeiros reis de Portugal.”25
Ramada Curto chama a atenção para a excessiva tónica colocada, por algumas
publicações pós-Restauração, no controlo dos negócios de Portugal por Diogo Soares e
Miguel de Vasconcelos, por excluírem da esfera de influência do processo de tomada
de decisões outros nomes relevantes, nomeadamente a princesa Margarida de
Mântua.26
17
OLIVEIRA, 1991; OLIVEIRA, 2002. 18
OLIVEIRA, 2005, pp. 286-295. 19
SCHAUB, 2001. 20
SCHAUB, 2001, p.3. 21
SCHAUB, 2001, p.3. 22
SCHAUB, 2001, p.177. 23
SCHAUB, 2001, p. 179. 24
SCHAUB, 2001, p.182. 25
AGS, Estado, 2656 cit. por SCHAUB, 2001, p. 183. 26
CURTO, 2011, pp. 497-498.
5
Os trabalhos de Fernando Bouza Álvarez são fundamentais para integrar o vice-reinado
da duquesa de Mântua no contexto dos três revezes políticos de Olivares no governo
de Portugal: o fracasso do socorro militar do Império; a resistência à política
conducente a uma maior participação na defesa e geradora de uma fiscalidade mais
pesada, que afetava também os grupos privilegiados; e as alterações populares de
1637 e 1638.27 Com o objetivo de que Portugal sufragasse a sua própria defesa, o
conde-duque procurou organizar a fazenda do reino, e seria a oposição dos
portugueses à execução das medidas fiscais que levaria o valido a conceber um novo
governo para Portugal, com uma maior participação de castelhanos nas estruturas
administrativas e governativas, sendo que a reação final a esta política culminaria na
secessão do 1º de dezembro.28
Rafael Valladares refere, precisamente, que os anos de governo da duquesa de
Mântua representaram o capítulo mais conflituoso do Portugal dos Áustrias e que,
embora as revoltas de 1637/1638 tivessem alertado Madrid para a necessidade de
concluir o ciclo político da princesa Margarida, dando lugar a outro, mais autoritário,
esta permaneceria em Lisboa, debilitando-se a sua gestão a olhos vistos até ao golpe
de estado do 1º de dezembro de 1640.29
O presente trabalho aborda o vice-reinado de Margarida de Mântua em Portugal,
integrando-o num percurso biográfico e político vivido sob a influência da monarquia
dos Habsburgo.
Pretendeu-se contextualizar a nomeação da princesa Margarida para o exercício de um
vice-reinado de sangue no cenário de crise da Monarquia Hispânica em Portugal, e
analisar as questões fundamentais que marcaram o seu governo, procurando inferir
qual teria sido o seu espaço de intervenção em Lisboa, perante a ideia recorrente de
um poder coartado pelo marquês de la Puebla e por Miguel de Vasconcelos.
A documentação arquivística referente ao governo da duquesa de Mântua é variada e
abundante, devido à ampla jurisdição que lhe competia enquanto vice-rainha, mas
também à complexidade da organização da Monarquia Católica. Deste modo,
27
BOUZA, 2000, p. 229. 28
BOUZA, 1987, pp. 848 e 855. 29
VALLADARES, 2013. Agradeço ao Professor Rafael Valladares o envio deste texto.
6
procurou-se privilegiar as fontes que permitissem, de algum modo, perscrutar
características de personalidade da princesa, descrita pelos seus contemporâneos
como altiva e orgulhosa.
Já no caso dos amplamente estudados relatos da Restauração e da queda do conde-
duque de Olivares, o enfoque foi colocado na perspetiva da princesa, destacando-a em
relação a outros protagonistas.
A opção por uma abordagem biográfica, preferencialmente cronológica, permite que
se abra uma janela sobre o século XVII, tendo em conta que “cada biografia que se
pode compor proporciona um conhecimento mais completo da época em que o
indivíduo viveu.”30
30
COSTA, 2005, p.11.
7
1. DE PRINCESA DE SABOIA A DUQUESA DE MÂNTUA: CONTEXTO FAMILIAR E
INTERVENÇÃO POLÍTICA E DIPLOMÁTICA EM ITÁLIA
A 28 de abril de 1589 nascia Margarida de Saboia, a primeira descendente do sexo
feminino de Carlos Manuel, duque de Saboia, e da infanta Catarina Micaela de
Habsburgo, filha de Filipe II de Espanha.
Em 1585, Catarina Micaela despedira-se, em lágrimas, do pai, que a casara com um
duque, e não com um soberano reinante.31 A infanta passaria a ser duquesa, e não
rainha, como possivelmente teria almejado.
Situação semelhante ocorrera, décadas antes, em Portugal, onde a proposta de
casamento do duque Carlos III com a infanta D. Beatriz tinha sido inicialmente
recusada. Porém, a importante posição estratégica do ducado de Saboia, localizado
entre a França, a Suíça e a Itália,32 garantiam à família ducal um lugar de eleição no
jogo matrimonial europeu, embora se tratasse de uma dinastia menos poderosa.33
Apesar da morte precoce de Catarina Micaela, aos trinta anos, na sequência do décimo
parto,34 os seus filhos conservariam durante toda a vida as características da educação
espanhola, que conduziria, no caso de Margarida, a uma ilimitada admiração pelos
Habsburgo de Espanha.35
Margarida, que tinha apenas oito anos quando perdeu a mãe, foi educada num
ambiente austero, marcado pelas práticas religiosas, tendo estudado latim, francês e
espanhol, para além do italiano.36
O forte carácter da princesa e a sua precocidade intelectual levariam o duque de
Saboia a nomeá-la regente, quando acompanhou a Nice os primeiros três filhos que
partiam para Espanha, onde iriam ser educados. Nesta ocasião, o duque conferiu
31
BOUZA, 2005, p. 24. 32
COSTA, 2005, p. 252. 33
POUTRIN E SCHAUB, 2007, pp. 30-31. 34
BENASSAR, 2007, p.148. 35
RAVIOLA, 2012, p. 136. 36
QUAZZA, 1930, p.4.
8
plenos poderes à jovem de catorze anos, reconhecendo que reunia o sangue, a
prudência e as qualidades necessárias à governação.37
Nos retratos da sua infância e adolescência38 a princesa é representada com coroas de
flores, aludindo ao seu provável destino régio.39 Tal como a maioria das princesas
europeias, Margarida estava destinada a deixar a família para viver numa corte
estrangeira, onde a sua presença poderia contribuir para consolidar as relações entre
duas famílias dinásticas e dois Estados.40
Tratando-se da mais velha entre as irmãs, Margarida seria, do ponto de vista das
estratégias matrimoniais, um partido interessante para selar um pacto ou aliança.41
No início do século XVII a península Itálica constituía um cenário secundário do conflito
entre Espanha e França,42 pelo que o destino de Margarida de Saboia poderia ter
passado por um destes reinos, ou até mesmo pelo trono imperial.43
Por outro lado, as ligações familiares poderiam ser úteis para resolver os numerosos
conflitos territoriais entre os estados italianos. Deste modo, Carlos Manuel ponderou o
casamento da filha com o herdeiro do ducado de Mântua, com o intuito de alargar os
territórios saboianos e lançar as bases de uma estreita teia de acordos e interesses
familiares e políticos entre os príncipes italianos.44
As negociações com Mântua foram condicionadas por um hipotético casamento de
Margarida na corte imperial,45 e pelos argumentos do embaixador de Espanha, que
temia que este consórcio pudesse fazer perigar a posição espanhola na região,
alegando que poderia apresentar-se um partido mais favorável para a neta mais velha
de Filipe II.
O casamento de Margarida de Saboia46 com Francisco Gonzaga, filho de Vicente I,
duque de Mântua e Monferrato, realizar-se-ia em Turim, em fevereiro de 1608, entre
37
QUAZZA, 1930, pp.10-11. Quazza refere o duque tinha uma certa predileção pela mais velha das suas
filhas, que era parecida com ele no carácter, inteligente, desejosa de comando e resoluta nas decisões
(p.3). 38
Anexos 1-4. 39
OLIVÁN, 2006, p.40. 40
POUTRIN E SCHAUB, 2007, p. 35. 41
QUAZZA, 1930, p.12. 42
ELLIOTT, 2009, p.81. 43
QUAZZA, 1930, pp. 14-15. 44
QUAZZA, 1930, p.17. 45
QUAZZA, 1930, p.47. 46
Anexo 5.
9
festejos memoráveis, que celebraram igualmente a união de sua irmã Isabel com
Afonso d’Este, duque de Módena.47
A chegada da princesa a Mântua foi também amplamente celebrada, entre um
espetáculo preparado por Monteverdi,48 originais banquetes e até a simulação de uma
batalha naval no lago, opondo as armadas turca e cristã.49
No ano seguinte nasceria a a sua primeira filha, Maria e, em 1611, o príncipe Ludovico.
A princesa teve a sua primeira experiência de governo no ducado do Monferrato, onde
passou alguns meses nos anos de 1609-1610 e novamente em 1611, aproveitando a
oportunidade para manter contactos políticos com o ducado paterno e promover as
elites de Turim, bem como para patrocinar o culto religioso da sua devoção.50
O ano de 1612 ficaria marcado pela elevação, após a morte do sogro, ao estatuto de
duquesa de Mântua, pelo qual seria conhecida até ao final da sua vida, mas de que
usufruiria apenas por breves meses uma vez que o marido viria a falecer em
dezembro, após a morte do filho, em novembro.51
A falta de um herdeiro direto masculino de Francisco Gonzaga conduziu a uma crise
política, pois a princesa Maria, embora excluída pela lei sálica da sucessão de Mântua,
tinha direito ao ducado de Monferrato. O duque de Saboia aproveitou a oportunidade
para declarar guerra aos Gonzaga, na tentativa de anexar o Monferrato, e Margarida
viu-se obrigada a deixar a filha em Mântua, onde seria educada na corte do tio, o
duque Fernando Gonzaga, e regressar ao Piemonte.52
Desta forma se verifica que a rede de parentesco, estruturada e hierarquizada, que
organizava o poder na Europa, desde as grandes potências aos pequenos principados,
nem sempre permitia resolver os conflitos, dando mesmo origem -como seria o caso- a
guerras que tinham como motivo os direitos sucessórios das princesas.53
47
RAVIOLA, 2013, p.49. 48
QUAZZA, 1930, p.89. 49
QUAZZA, 1930, pp. 91-92. Anexo 7. 50
RAVIOLA, 2013, p.50. 51
QUAZZA, 1930, pp.129-130. Nesse mesmo ano a princesa deu à luz uma filha, que morreu com poucas horas de vida. 52
RAVIOLA, 2013, p.49. 53 PERCEVAL, 2007, p. 73.
10
Se o casamento levara Margarida a deixar a casa paterna, a viuvez forçava-a a
regressar.54 Independentemente das suas origens sociais, a partir do momento do
nascimento, qualquer mulher era definida pela sua relação com um homem – o pai, e
depois o marido, eram legalmente responsáveis por ela, e esta devia-lhes honra e
obediência. Era, também, economicamente dependente do homem que controlava a
sua vida, primeiro o pai, e depois o marido.
A dependência de uma mulher era uma questão minuciosamente negociada através da
concessão do dote. As mulheres da aristocracia eram teoricamente senhoras do
rendimento garantido pelo dote que levavam consigo para o casamento,55 mas o caso
do dote de Margarida de Saboia seria bem mais complicado e arrastar-se-ia até ao final
da sua vida: sucedia que Espanha ainda devia ao duque de Saboia uma parte do dote
de Catarina Micaela, que deveria ter sido usada para pagar o dote de Margarida que,
desta forma, não pôde dispor dos seus bens depois de viúva.56
Depois de o pai ter dispensado as suas damas de Mântua, a princesa não voltou a ter
corte própria, passando a viver com as irmãs solteiras, Maria Apolónia e Francisca
Catarina57 as quais, como acontecia frequentemente com as mais novas de uma
numerosa fratria, permaneceram solteiras e optaram por professar.58
Durante as duas décadas em que permaneceu no Piemonte, a princesa procurou
exercer a sua influência de forma indireta, através de uma rede diplomática informal
que a mantinha informada dos acontecimentos políticos e das questões familiares.59
A troca epistolar e de presentes, habitual entre as princesas,60 permitiria a Margarida
manter o contacto com a filha.
Entretanto, a situação em Mântua viria a complicar-se com a morte, sem sucessores
diretos, de ambos os irmãos de Francisco Gonzaga. Vicente II, que sucedera ao duque
Fernando, optou por casar a princesa Maria com Carlos de Gonzaga-Nevers, sem que
54
Ch. Klapish-Zuber " La «Mére Cruelle». Maternité, Veuvage et dot dans la Florence des XIVe-
XVe
siècles", Annales, E. S. C., 38e Année, nº 5, Septembre-Octobre de 1983, p. 1097 cit. por LOURENÇO,
1999, p.41. 55
HUFTON, 1994, pp.23-25 e 66. 56
RAVIOLA, 2013, p.54. 57
QUAZZA, 1930, p.150. 58
POUTRIN E SCHAUB, 2007, p. 36. 59
PÉREZ CANTÓ e MÓ ROMERO, 2012, p.83. 60
POUTRIN E SCHAUB, 2007, p. 43.
11
fosse dado o consentimento de Margarida, de Carlos Manuel e do Imperador, e sem
que os embaixadores de Saboia e Milão presentes na cidade fossem informados.61
Carlos de Gonzaga-Nevers era o pretendente mais direto à sucessão, mas outros
pretendentes reclamavam os seus direitos, se não à totalidade, pelo menos a parte dos
territórios. Os príncipes italianos não alcançaram um compromisso que permitisse
resolver pacificamente o problema da sucessão e procuraram apoio militar no
estrangeiro.62 O interesse das potências europeias pela guerra de sucessão de Mântua
explica-se pela posição estratégica do Monferrato, que fazia fronteira com Milão,
território governado por Espanha, e com o Piemonte.63 Deste modo, a França, a
Espanha e o Imperador acabariam por envolver-se no conflito,64 que conduziria a
quatro anos de guerra e miséria no norte de Itália.65
Com o fim da guerra e a assinatura do tratado de Cherasco, em abril de 1631,66
Margarida de Saboia foi autorizada a juntar-se à filha, que entretanto enviuvara, em
Mântua.67
Enquanto viveu com a filha e os dois netos, Margarida não se limitou a questões
domésticas e tentou influenciar a política de acordo os interesses de Espanha e do
Sacro-Império,68 ao ponto de o rei de França, temendo a sua interferência
desestabilizadora, lhe ordenar, em 1633, que abandonasse Mântua.69
Forçada a sair do ducado, a princesa declararia “que si fuera hombre huviera tratado
las cosas con la espada en la mano, y no de otra manera.”70
A situação de Margarida levantaria problemas de hospitalidade aos estados vizinhos,
que não se queriam comprometer demasiado, nem com a França nem com a
Espanha.71 Entretanto, o cardeal-infante D. Fernando, irmão de Filipe IV, que se
61
QUAZZA, 1930, p.174. 62
PARROT, 2000, pp.345-346. 63
ELLIOTT, 2009, p.379. 64
PARROT, 2000, pp.345-346. 65
ELLIOTT, 2009, p.455. 66
Colleccion de los Tratados de Paz, V, p. 457. 67
QUAZZA, 1930, p.184. 68
RAVIOLA, 2013, p.57. 69
RAVIOLA, 2012, p. 139. 70
AGS, Estado, 3647, Puntos del segundo papel,en los particulares de la Princesa Margarita. 71
RAVIOLA, 2012, p. 139.
12
encontrava em Milão enviou-lhe a Cremona carruagens e duas companhias da sua
guarda, que a escoltaram até Pavia.72
Dali, o destino mais provável seria o Piemonte, mas Margarida desmaia,
dramaticamente, perante os enviados do cardeal-infante, que tentavam persuadi-la a
regressar à terra natal (agora governada pelo irmão, o duque Vítor Amadeu),
mostrando-se “con resolucion de no yr mas alla sino fuesse muerta, y que antes se yria
mendiga por el mundo con un bordon.”73
A princesa apresentava vários argumentos, como o facto de o irmão não lhe pagar o
dote (o qual vinha a reclamar desde que enviuvara) e a fricção com a cunhada, irmã do
rei de França, que intercedera junto do monarca em favor da sua ida para Mântua,
“con promessa, de que no se seguiria disgusto al Rey su hermano.”74
De Pavia, Margarida envia como emissário a Espanha o padre D. Mansueto Merotti,
que entrega a Filipe IV as suas cartas, nas quais descreve o sofrimento por ter sido
forçada a sair de Mântua, deixando a única filha e os netos, apresentando como falsos
e sem fundamento os pretextos alegados para a sua partida, que teria sido instigada
pela fidelidade para com a coroa espanhola:
«la causa por que padecia esta persecucion y havia pasado tanto trabajo que no era sino por tenerme los franceses por parcial servidora dessa corona, y procurado mostrar a mi hija que esto era lo que le conbenia.»75
Em janeiro 1634 reitera esta ideia:
«my inclinacion (...) ha sido siempre y sera de bivir y murir española y asy me llaman y por esto me persiguen.»76
A princesa Margarida pede a proteção do rei no sentido de não ser obrigada a
regressar novamente ao Piemonte:
«aunque procuran persuadirme hazerme resolver de ir a Piemonte no pienso hazer resolucion por la qual yo haga este agravio a la bondad y grandeza de V. M.»77
72
AGS, Estado, 3647, Puntos del segundo papel,en los particulares de la Princesa Margarita. 73
AGS, Estado, 3647, Puntos del segundo papel,en los particulares de la Princesa Margarita. 74
AGS, Estado, 3647, Puntos del tercer papel en los particulares de la Princesa Margarita. 75
AGS, Estado, 3647, Carta da Princesa Margarida, 14 de outubro de 1633. 76
AGS, Estado, 3647, Carta da Princesa Margarida, 21 de janeiro de 1634. 77
AGS, Estado, 3647, Carta da Princesa Margarida, 21 de janeiro de 1634.
13
O Conselho de Estado em Madrid analisa os papéis nos quais a princesa “Suplica a V
Mag.d mande no salga de sus estados, y la reziua bevajo de su Real protection y
amparo.” Os conselheiros reconhecem a “impossibilidad que tiene de poder salir aun
que el Sr Infante ha continuado las diligencias para que lo haga.” 78
O Duque de Alba, não vendo “como pueda V Md. compeler a la Princesa Margarita, a
que salga del Estado de Milan, haziendo ella la resistenzia que dize,” e alegando
também “la sangre, y parentesco que tiene con V Md el havella hechado de Mantua a
ynstancia de Rey de frança”, considera que “pareze que que es bastante caussa para
no desamparalla V Md.,” colocando “en considerazion a V Md si seria, aproposito
traerla aqui a las descalzas.” 79
Perante a situação, o rei concorda com a necessidade de amparar a prima, concluindo
que “la Princesa sin hazer falta a los intereses de su hija podria asistir en otras partes
como fuese ocupada dignamente.”80
A ocupação digna para a prima de Filipe IV, fiel defensora dos interesses dinásticos dos
Habsburgo, viria a ser o governo do reino de Portugal, integrado na Monarquia
Católica pelo avô de ambos.
78
AGS, Estado, 3647, Conselho de Estado de 18 de março de 1634. 79
AGS, Estado, 3647, Conselho de Estado de 18 de março de 1634. 80
AGS, Estado, 3647, Conselho de Estado de 18 de março de 1634.
14
2. A VICE-RAINHA DE PORTUGAL
Portugal na Monarquia Hispânica
O reino de Portugal fora integrado na Monarquia Católica por Filipe II, em plena crise
sucessória provocada pela morte, sem descendência, de D. Sebastião, e após o curto
reinado do cardeal D. Henrique.81
Os compromissos assumidos por Filipe II nas cortes de Tomar relativamente à
autonomia do reino de Portugal foram sendo progressivamente desrespeitados nos
reinados de Filipe III e Filipe IV, devido ao agravamento da situação económica da
Monarquia Católica.
Durante o reinado de Filipe IV82 destaca-se politicamente a figura do seu ministro
Gaspar de Guzmán, o conde-duque de Olivares,83 que exerce o papel de valido,
colocando-se como intermediário entre o rei e os seus conselheiros, juristas, magnatas
ou prelados. A sua autoridade torna-se central no dispositivo governamental, na
medida em que apenas o valido, com o rei, pode presidir às consultas dos conselhos da
monarquia. A amizade que o liga ao monarca situa-o no topo da casa do rei
distribuindo cargos e ofícios.84
A afirmação do ministeriato ou valimento afetou o funcionamento da Monarquia
Católica, 85 composta por vários reinos e províncias que se aferravam às suas leis e
formas de governo próprios, naturalmente ofendidos pela impossibilidade de aceder a
um rei que estava ausente. Os portugueses, aragoneses ou catalães não eram
estrangeiros, mas sim vassalos do monarca. No entanto, as pressões financeiras e os
problemas de defesa levaram Madrid a reconsiderar as relações entre as diversas
partes que constituíam a Monarquia.86
Uma questão premente no reinado de Filipe IV era relativa a quem deveria encarregar-
se da defesa militar de Portugal e do seu império, e quem deveria arcar com os
pesados custos dessa defesa. De acordo com os estatutos de Tomar, seria
81
BOUZA , 1987. 82
OLIVEIRA, 2005. 83
ELLIOTT, 2009. 84
SCHAUB, 2001, p.22. 85
SCHAUB, 2001, p.22. 86
ELLIOTT, 2009, pp. 228-229.
15
responsabilidade do conjunto da Monarquia Hispânica, mas Olivares considera que
“cada reino deve acudir ao sustento de seu rei e à defesa própria dos seus términos.”87
Sendo assim, a política do valido passava por introduzir progressivamente o reino de
Portugal numa União de Armas, partindo do pressuposto que o esforço de guerra da
Monarquia Católica deveria ser suportado por todos os reinos e por todos os grupos
sociais, sem que se reconhecessem privilégios particulares.88
Porém, havia que convencer os portugueses a pagar a sua parte, o que não se
esperava fácil de um dos “reinos e províncias que tem privilégios e que são por
natureza inclinados a sublevações.”89
De acordo com Bouza Álvarez, o plano primitivo do conde-duque não se revestiria,
inicialmente, de um carácter político, uma vez que o seu objetivo era unicamente o de
estabelecer uma renda fixa anual em Portugal de meio milhão de cruzados para fazer
face aos gastos da defesa. No entanto, uma vez que as autoridades locais não lograram
a recolha desta renda, ou se negaram abertamente a cobrá-la, decidiu-se recorrer a
oficiais oriundos de outras regiões da Monarquia Hispânica.90
Embora não fosse movido por uma intenção “política”, Olivares estava ciente de que
os seus planos iam contra os privilégios do reino jurados em 1581 nas Cortes de
Tomar,91 uma vez que o seu objetivo pressupunha uma reforma jurisdicional, no
sentido em que sobrepunha a autoridade do rei e do seu círculo às jurisdições e
prerrogativas particulares de cada território.92
Para controlar a implementação da sua política, Olivares escolheu homens da sua
confiança: Diogo Soares, secretário do Conselho de Portugal em Madrid, agia em
articulação com o seu sogro e cunhado, Miguel de Vasconcelos, secretário do Conselho
de Estado em Lisboa, que aplicava em Portugal a política do conde-duque.93
Para além dos seus subordinados, era necessário pensar num sistema de governo mais
eficaz, e Olivares acreditava que os portugueses se conformariam melhor com a
situação se fossem governados por um membro da família real.
87
«Memorial da União de Armas» cit. por BOUZA, 1987, p. 853. 88
HESPANHA, 1999-2000. 89
Carta de 13 de dezembro de 1637, cit. por ELLIOTT, 2009, p.576. 90
BOUZA, 1987, p. 849. 91
BOUZA, 1987, p. 849. 92
SCHAUB, 2001, p.3. 93
SCHAUB, 2001, p.23.
16
Quem governava Portugal como vice-rei em 1633-1634 era D. Luís de Castro, conde de
Basto, cujos intentos de recolher dinheiro e homens para a União de Armas, com o
principal intuito de recuperar o Brasil, provocaram focos de desordem, levando-o a
solicitar a exoneração.94
A instituição vice-reinal em Portugal
Para além da fé, o rei constituía o único elemento unificador na monarquia católica de
âmbito mundial,95 no contexto de um estado dinástico96 orientado na direção do
monarca, que concentrava nas suas mãos diferentes formas de poder e recursos
materiais e simbólicos (dinheiro, honras, títulos, indulgências, monopólios, etc).
Através de uma distribuição seletiva de favores, o rei podia manter relações de
dependência ou de reconhecimento pessoal e assim perpetuar-se no poder, ao mesmo
tempo que mantinha os seus reinos unidos.97
Numa analogia entre poder paterno e poder do príncipe, o modelo de distribuição de
funções dependia da arbitragem do monarca, que administrava os seus reinos como
um pater familiae, estabelecendo com os seus servidores relações baseadas na
fidelidade.98
Os vice-reis exerciam um papel fundamental na gestão das várias partes da Monarquia
Hispânica, na medida em que incorporavam ao seu cargo o nível superior de todas as
funções do soberano, no território que eram responsáveis por governar em seu
nome.99
Durante a segunda metade do século XVI, o estabelecimento da residência da corte em
Madrid e a decisão de governar a partir de uma sede fixa colocou um problema na
articulação interna da Monarquia Católica relativamente ao lugar institucional dos
vice-reis. Fomentando os vínculos pessoais com os melhores dos seus súbditos,
àqueles a quem outorgava responsabilidades e postos de confiança (como eram os
vice-reinados), o rei havia estruturado a subordinação dos seus alter ego como uma
94
ELLIOTT, 2009, p.577. 95
ELLIOTT, 2009, p. 215. 96
Referência à denominação de R. J. BONNEY para as monarquias europeias nos séculos XV a XVIII em The European dynastic states, Oxford, 1991, cit. por MARTÍNEZ MILLÁN, 2009, p. 22. 97
MARTÍNEZ MILLÁN, 2009, p. 22. 98
MARTÍNEZ MILLÁN, 2009, p. 24. 99
RIVERO, 2008, p. 47, cit. por COSENTINO, 2011, p.2.
17
relação puramente pessoal. Estes cessariam as suas funções no caso de não
corresponderem às expectativas neles colocados, sendo que a única limitação à sua
autoridade era a consciência de que o rei faria um balanço da sua gestão, gratificando-
os se estivesse satisfeito; caso contrário, pediria que renunciassem.100 Esta situação
seria alterada com o estabelecimento do modelo dos Conselhos na Monarquia
Católica. Do ponto de vista administrativo, as competências dos conselhos limitaram
extraordinariamente o poder dos vice-reis, passando os secretários a constituir os
intermediários privilegiados entre o soberano e os vice-reis.101
A sucessão de Portugal permitira à monarquia dos Habsburgo governar o mundo, ao
incorporar uma metrópole imperial, com extensão, grau de evolução interna e
diversificação administrativa comparáveis à própria coroa de Castela.102
Porém, logo de início, um dos maiores problemas colocados à Monarquia Católica em
Portugal foi a questão da ausência do soberano, pela difícil conjunção entre um estado
nacional, acostumado a ter o seu próprio rei, e uma estrutura monárquica plural, que
privava a maioria dos territórios componentes da presença, sempre reclamada, do
monarca.103 Portugal, obrigado a ser um reino de monarca ausente durante o governo
dos Habsburgo,104 ficara na saudade do seu rei105 desde a partida de Filipe II, em 1583.
A Monarquia dos Habsburgo abrangia um conjunto de domínios que reconheciam um
príncipe que não residia neles, mas que tinha idealizado uma série de expedientes que
permitiam resolver tal ausência.106 Assim, enquanto retratos e estátuas disseminavam
a imagem do rei e suscitavam o amor e respeito dos súbditos,107 foram criados
expedientes institucionais para a ausência continuada dos reis: o Conselho de Portugal
era a memória do Reino junto do Rei; e os vice-reis ou Governadores eram os alter nos,
mais ou menos semelhantes, do monarca no reino.108
100
MARTÍNEZ MILLÁN, 2008, pp. 46-48. 101
MARTÍNEZ MILLÁN, 2009, p. 38. 102
BOUZA, 2000, p. 113. 103
BOUZA, 1987, p.845. 104
BOUZA, 2000, p. 114. 105
BOUZA, 2000, p.91. 106
BOUZA, 2000, pp. 114-115. 107
BOUZA, 2000, p.115. 108
BOUZA, 2000, p.23.
18
Deste modo, o objetivo da vice-realeza e do Conselho de Portugal seria matizar a
distância que separava o rei dos seus súbditos, numa época em que a presença do
monarca junto dos seus vassalos tinha grande importância.109
No entanto, já Filipe II, aquando da nomeação do seu sobrinho, o cardeal arquiduque
Alberto, ficara bem ciente que para os Portugueses a ausência de um rei e de uma
Corte constituía um vazio que nenhum vice-rei conseguia colmatar plenamente.110
De facto, as medidas tomadas para atenuar a ausência real tiveram um efeito
apaziguador bastante limitado em Portugal, que fora cabeça de um grande império
transcontinental e dificilmente se conformaria com a posição periférica a que fora
sendo remetido.111
A nomeação de Margarida de Sabóia: um vice-reinado de sangue
Os vice-reinados entregues a parentes próximos do rei são denominados governos de
sangue.112 Bouza Álvarez descreve “o vice-reinado ou governo de sangue como um
mecanismo ao qual a Monarquia Hispânica dos Habsburgo recorreu quando se
confrontou com problemas especialmente delicados, em territórios de domínio pouco
seguro, como Portugal e a Flandres, os quais contavam com uma organização própria
muito desenvolvida e com uma consciência viva da sua própria diferença,”113
destacando que nenhum vice-rei que não fosse príncipe seria bom para o reino de
Portugal.114
Por ocasião da visita de Filipe III a Portugal, em 1619, os três estados reunidos nas
Cortes solicitaram ao rei que instalasse a corte em Lisboa e residisse
permanentemente no reino, uma vez que
«de nenhuma parte tão bem como desta cidade pode vossa Magestade com beneficio mais prompto, mais geral e mais efficas acodir a todo o governo de sua monarchia e a deffensão della e offensaõ de seus inimigos, ao aumento do comercio do mar em grande beneficio de sua real fazenda.» 115
109
SCHAUB, 2001, p.18. 110
VEIGA, 2004, p. 283. 111
CARDIM, 2008, p. 946. 112
BOUZA, 2000, p.120. 113
BOUZA, 2000, p.123. 114
BOUZA, 1987, p.836. 115
«Capitolos que os tres estados propuseram a elRey dom Phelipe o 2º deste nome declarando no fim de todos que em quanto se lhes eles não consedião não houvesee sua majestade as cortes por findas», BNL Sec. Pombalina, Cap. I, fol. 422, cit. por BOUZA, 1987, p.835.
19
Caso não fosse possível, pediam a mercê de “deixar o Principe nosso senhor para os
governar.”116
No «Memorial» de 1624, o conde-duque atribuía o desalento dos portugueses à “falta
de assistência real;”117 e em 1628, Duarte Gomez Solís pedia acima de tudo que não
deixasse de haver família real em Portugal, sobretudo um Infante, quando não
estivesse o Rei.118
Em 1624 o rei convocou uma junta para debater a hipótese de enviar o arquiduque
Carlos de Áustria, seu tio, como vice-rei de Portugal; embora a maioria dos
participantes na junta se tivesse mostrado favorável, o rei foi alertado para a
possibilidade de o estabelecimento de vice-reinados de sangue poder despoletar
antigas pretensões nos domínios periféricos da monarquia, nomeadamente em
Aragão.119
Apesar das hesitações, depois de quase quatro décadas de governo de Portugal, optar-
se-ia por regressar aos vice-reinados de sangue,120 com a nomeação do irmão de Filipe
IV, D. Carlos, para o cargo de vice-rei de Portugal. A morte do infante no ano seguinte
obrigaria a adiar esta solução. O outro irmão de Filipe IV, o cardeal infante D. Fernando
viria a governar os territórios da Catalunha, Lombardia e Países Baixos.121
Os vice-reinados de sangue eram os que mais se assemelhavam às regências, sendo
que na dinastia Habsburgo se encontram antecedentes nas regências que Carlos V
começou a entregar a membros da sua família, que exerciam o governo em seu nome
nos domínios onde o rei não podia residir.122 Encontram-se entre estes vários
exemplos de mulheres: em Castela, a imperatriz D. Isabel e a infanta D. Joana; nos
Países Baixos, Margarida de Áustria, Maria da Hungria, e a infanta Isabel Clara Eugénia,
116
«Capitolos que os tres estados propuseram a elRey dom Phelipe o 2º deste nome declarando no fim de todos que em quanto se lhes eles não consedião não houvesee sua majestade as cortes por findas», B.N.L. Sec. Pombalina, Cap. I, fol. 422, cit. por BOUZA, 1987, p.835. 117
BOUZA, 1987, p. 840. 118
Alegación en fauor de la Compañia de la India Oriental y comercios vltramarinos que de nueuo se
instituyó en el reyno de Portugal por Duarte Gomez Solis, s.l., s.n., 1628, cit. por CANOVAS DEL CASTILLO, 1888, p.39. 119
BOUZA, 1987, p.841. 120
BOUZA, 1987, p.857. 121
BOUZA, 1987, p.842. 122
BOUZA, 2000, p.120.
20
tia da princesa Margarida, casada com o arquiduque Alberto, que fora primeiro vice-rei
do Portugal Habsburgo.123
D. Francisco Manuel de Melo, partidário declarado do rei D. João IV,124 procura, na sua
Epanáfora Política, explicar a “inesperada eleição, que se fez em Margarida, para o
gouerno de Portugal,”125 começando por recordar a ascendência portuguesa da
princesa:
«ElRey D. Felipe segundo de Castella, teue entre outros filhos a Infanta D. Catherina, que casou com Carlos Emanuel Duque de Saboya. De quem tambem entre os mais Principes, nasceo Margarida, mulher de Vicencio Gonzaga, terceiro Duque de Mantua, & Monferrato.»126
Descreve em seguida os conflitos que haviam conduzido às “memoraueis guerras, que
em nossos dias oprimiraõ Italia, assi em Mantua, como no Monferrato,” explicando
que “foraõ varios os sucessos, até que vltimamente, conuertida a fortuna contra a
viuua Duqueza Margarita tutora, conselheira da filha, & netos (que já tinha) as cousas
se dispuseraõ de tal sorte, que esta fatal Princeza houue de sahir em espaço de duas
horas, desterrada dos termos de Mantua, & Monferrato por ordem de seus opressores,
recebendo leys, donde quasi toda a vida as hauia dado.”127
Forçada a exilar-se, a Princesa “passou cercada de perigos, a Cremona; de alli a Milaõ,
& de Milaõ a Pauia”128 de onde estabeleceu correspondência regular com o rei de
Espanha.
Coincidiu então que, como relata Francisco Manuel de Melo:
«a hum mesmo tempo se recebião na Corte Castelhana as cartas de Margarida, vindas de Italia, & as queixas dos Ministros confidentes, fundadas na impossibilidade do Reyno; (...) donde os mais interessados julgavão, que se Portugal se gouernasse por pessoas de todo independente do Reyno, à vontade delRey, & Valido, seria facilmente introduzida.»129
123
BOUZA, 2000, pp.120-121. 124
Dicionário de Literatura, II, p.619. 125
MELO, 1660, p. 19. 126
MELO, 1660, pp.15-16. D. Francisco Manuel de Melo nomeia de forma incorreta o cônjuge da princesa. 127
MELO, 1660, p. 16. 128
MELO, 1660, p. 16. 129
MELO, 1660, p. 17.
21
Por essa altura, D. Francisco Manuel de Melo refere que se discutia em Madrid “quaes
serião em Castella os sugeitos mais a proposito de se lhe encarregar nosso gouerno,”
apontando-se como forte candidato “D. Frãcisco de Borja, Principe de Esquilache,
Conde de Mayalde: fora jà Visorrey de todas as Indias Occidentaes, por espaço de doze
anos, que gouernàra mais apraziuel, que prudente. Achauase desocupado na Corte, &
concorrião em sua pessoas algumas calidades, que parece o farião tolerauel a
Portugal; sendo o Principe, filho, & neto de Portuguezes, herdado no Reyno, & Fidalgo
nelle.”130
Mas, como menciona a Epanáfora Política, não convinha a todas as fações que o
príncipe de Esquilache, para “alèm de ser homem sábio, & grãde” fosse “irmão do
Duque de Villa-fermosa, Presidente do Conselho de Portugal, cõ quem naõ podia deixar
de estreitarse de sorte, que a todos os outros Ministros lhes ficasse pequena, & humilde
parte das materias, que dispor.”131
Sendo assim, continua D. Francisco Manuel de Melo:
«achauase por esta causa, enfraquecido o discurso que aprouaua a eleição do Principe de Esquilache, quãdo foraõ recebidas as mais vrgentes cartas de Pauia, pellas quaes Margarida pedia o trânsito a Espanha.»132
De acordo com o mesmo texto, seria o próprio “Duque de Villa- fermosa (...) a troco de
não ver preferir para o gouerno de Portugal, outra pessoa” que “fizera inculca, ou
lembrança da Princeza Margarida.” O duque apresentou vários argumentos para a
pertinência da escolha da Princesa, “apontando com grande destreza, que el Rey assi,
sem algum dispendio da Coroa castelhana, ficaua recebendo, e sustentãdo a Prima,
para que lhe fizesse serviço”; por outro lado “acomodaua em Portugal huma tal
Princeza, donde nunca as resoluçoens reaes achassem contradição, nem fauor os
interesses particulares do Reyno, & nacionaes; e poderia ir ao encontro “da esquecida
pretenção de nossos privilegios (os quaes fóra de pessoa natural, senão estendem mais
que a filho, irmão, tio, ou sobrinho dos Reys) bem se contentarião os Portuguezes, de
que os mandasse huma neta delRey D. Felipe, que tiuerão por Senhor, bisneta de huma
tal Infanta de Portugal, como hauia sido a Emperatris Dona Isabel, mãy de Felipe.”133
130
MELO, 1660, p. 17. 131
MELO, 1660, p. 17. 132
MELO, 1660, p. 17. 133
MELO, 1660, p. 18.
22
Conclui D. Francisco Manuel de Melo que, para além da oportunidade que Filipe IV
teria de agraciar e afastar do conturbado contexto italiano a sua prima, princesa de
sangue real, que poderia governar Portugal de forma neutra e em nome do rei, a
duquesa viúva de Mântua teria aptidão para exercer o cargo, pois ”tinha mostrado (...)
hauer nella hum espiritu constante, para as expedições militares, & hum juizo
prudente, para os negocios ciuis.”134
Manuel Severim de Faria,135 no manuscrito da «História Portugueza»,136 justifica a
nomeação da princesa pelo facto de “nas Cortes últimas” ter pedido “este reino com
instância se lhe desse governador da Casa Real, querendo satisfazer em parte a esta
petição, nomeou por governador e capitão general a Senhora Infante de Sabóia dona
Margarida sua prima, filha dos duques de Sabóia e duquesa que foi de Mântua.”
Blythe Alice Raviola considera que a nomeação para vice-rainha de Portugal não foi
casual, nem ditada por especulações internas da corte de Madrid, que também tinha
necessidade de um peão mais ou menos neutro para colocar num ponto crítico do seu
xadrez europeu, mas sim que terá sido a princesa a conduzir Filipe IV em direção à sua
promoção e a propor-se como válido sustentáculo da coroa.137
O vice-reinado de Margarida poderia ser uma estratégia para combater a resistência
portuguesa à política fiscal de Olivares e para acabar com a incerteza do domínio da
Monarquia Hispânica.138
A expetativa era de que uma pessoa de sangue real, com ascendência portuguesa nas
veias, poderia dar a imagem de respeito às leis do Reino e permitiria sair do impasse à
política que se procurava aplicar desde 1628.139
Com o envio da princesa Margarida a Lisboa, o rei recorria à solução dos vice-reinados
de sangue que o seu avô tinha utilizado na década crucial de 1583 a 1593,140 na
esperança de que os portugueses vissem satisfeita a sua saudade com uma figura tão
134
MELO, 1660, p. 19. 135
Notável erudito seiscentista, cónego e chantre na Sé de Évora http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?idConceito=1045&type=concept. 136
BNP, Cod. 241, fls. 295v-296, cit. por RAVIOLA, 2012, p. 140. 137
RAVIOLA, 2012, p. 140. 138
BOUZA, 2000, p.125. 139
LUXÁN, 1988, p.405. 140
BOUZA, 2000, p.125.
23
semelhante ao rei como podia ser uma neta de Filipe II.141 De facto, os vice-reis
considerados inferiores nunca tinham sido aceites e só a semelhança do rei, encarnada
na pessoa de uma princesa do seu sangue, parecia capaz de poder consolar os súbditos
de um monarca ausente.142
O argumento da proximidade de sangue é invocado na carta régia de 12 de novembro
de 1634, dirigida à Câmara de Lisboa:143
«Havendo dezejado que pessoa de meu sangue va a governar Portugal, por ser a de mayor satisfação para esse Reyno, hey nomeado para que seja viso rey e capitão general nelle a a prinçesa Margarita, minha prima, por concorrerem em sua pessoa todas as partes, que se requerem, para esperar muito acerto em seu governo.»
A nomeação da princesa com base na proximidade de parentesco com o rei seria
bastante debatida depois do 1º Dezembro de 1640. Este período revelar-se-ia fecundo
do ponto de vista da produção literária de teor político, uma vez que era necessário
justificar a insurreição, com o objetivo de convencer os hesitantes, conseguir o apoio
das grandes potências e incentivar o país para os sacrifícios inerentes à guerra.144
João Salgado de Araújo, que defendeu a causa portuguesa145 na sua obra Marte
portugues contra emullaciones castellanas, recorda que, entre as “propuestas inuiadas
al Serenissimo Rey Don Phelippe prudente, quando tratô de señorear a Portugal”146 era
referido “que vuestra magestad haga Gouernador del Reyno vn pariente suyo, para
que los mal afectos se concilien, y los que con afficion se os sugetaren se animen con la
presencia, y authoridad de persona Real,”147 sendo que “no auria Virey, que no fuesse
Portugues excepto persona Real ermano, tio, o sobrino delRey.” Considera que esta
condição não fora cumprida aquando da nomeação da “Duquesa Margarita que salía
de priuilegio por el sexo, y exceder el grado de la sangre Real reseruada en el
capítulo”,148 ou seja, “no era parienta del Rey dentro del grado, que pedian los
priuilegios.”149
141
BOUZA, 2000, p.125. 142
BOUZA, 2000, pp. 125-126. 143
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp. 88-91. 144
TORGAL, 1978, I, p. 139. 145
TORGAL, 1978, II, pp.819-820 146
ARAÚJO, 1642, p.159. 147
ARAÚJO, 1642, p.161. 148
ARAÚJO, 1642, p.182. 149
ARAÚJO, 1642, p.223.
24
O Ecco polytico. Responde en Portugal a la voz de Castilla, outro texto que pretendia
combater a polémica movida por parte de Espanha contra Portugal,150 refere:
«estavan destinados al govierno Portugues Filiberto de Saboya, Leopoldo de Austria, ultimamente el Infante Don Carlos; todo les era màs agradable a los ministros del Rey Catholico que dexar a los Portugueses governarse por si mesmo, y el año que llegò a España Margarita de Saboya dicen estuvo nombrado por Virrey Don Francisco de Borja, principe de Esquilache con el mesmo pretexto que los passados. Pues en ninguno de los referidos (menos en Alberto) se cumplió el juramento del Rey Catholico.»151
Ou seja, argumentava-se que a vice-realeza de sangue na pessoa da princesa
Margarida não cumpria com o definido nos estatutos de Tomar.
Os versos satíricos a propósito da nomeação da princesa deixam transparecer que esta
solução ficava aquém das aspirações dos portugueses:
«Portugal Italiana Rainha sem o ser tens, já não vales dous vinténs.»152
A viagem até Lisboa
“La duquesa de Mántua está en España: dicen la enviarán a gobernar á Portugal”.153 A
chegada da prima de Filipe IV é assim noticiada numa carta do padre Francisco de
Vilches, escrita em Madrid a 26 de setembro de 1634.
Para além das missivas dos sacerdotes jesuítas reunidas no Memorial Histórico
español,154 outras fontes permitem seguir o percurso da princesa Margarida na
Península Ibérica.
A carta escrita por D. Fernando de Borja relatando a passagem da princesa por
Saragoça, entre 18 e 21 de Outubro de 1634, refere que “la visitaron todos los
tribunales y consistorios en la conformidad que V Mg.d mando siguiendo el exemplar de
lo que se hiço con sus hermanos” e destaca elogiosamente que “en el amor que
muestra al serviçio de V Mg.d se conoçe ser hija de su Madre.”155
150
TORGAL, 1978, I, p. 139. 151
Ecco polytico..., p.9. 152
BNL, PBA 475 f.361, cit. por CURTO, 2011, p. 282, n. 18. 153
Memorial Historico Español, t. XIII, p.100. 154
Memorial histórico español: colección de documentos, opúsculos y antigüedades que publica la Real
Academia de la Historia, Madrid, Real Academia de la Historia, 1863. 155
AGS, Estado, 2653, Conselho de Estado de 14 de novembro de 1634.
25
A princesa foi recebida em Madrid com todo o aparato: “salió al campo á recebirla el
Conde-Duque com muchos señores &c. a caballo.”156 Olivares “esteve sempre junto à
liteira, conversando com a Sereníssima Infanta com o chapéu na mão, e como a
Sereníssima Infanta lhe pedia repetidamente que se cobrisse, assim Sua Excelência
encontrava sempre ocasião para estar descoberto, e de tal forma a acompanhou até
ao Retiro, onde o rei a esperava”.157
O rei “en una de las hermidas que salen al camino de Alcala espero a la Señora
Princesa, que en llegando se le hecho a los pies. Su Mag.d la lebanto y dio el bien venido
llamandola Alteça al principio, y despues de Bos.”158
Seguiram ambos no coche real e, das primeiras conversas que teve com a prima, o rei
terá concluído “que era matrona dotada de grande juízo e entendimento.”159
No palácio foi recebida com grandes cortesias pela rainha Isabel de Bourbon, que não
fora ao seu encontro por se encontrar em avançado estado de gestação. “Despues la
condesa de Olivares la llevó al cuarto que llaman el Tesoro, donde tenian aderezado
aposento.”160
A princesa Margarida ficaria assim instalada nos mesmos aposentos onde tinham
residido os seus irmãos, mobilados com uma cama decorada de damasco e veludo
negro que havia sido do rei seu avô:
«A Infanta (...) foi tratada como a própria pessoa da rainha, a qual, tendo percebido que o robe de quarto da infanta não tinha chegado, enviou-lhe um, recamado a âmbar, entre outras gentilezas»161.
Em seguida, como sintetiza o sacerdote jesuíta, “haránla fiestas y despacharánla á
Portugal.”162
Nos dias em que esteve em Madrid a princesa foi cumprimentar os conselhos e visitou
igrejas e conventos, acompanhada de guarda espanhola e tudesca, e com as damas e
meninas do seu séquito vestidas à espanhola.163
156
Memorial Historico Español, t. XIII, p.107, carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 7 de novembro de 1634. 157
ASTo, Corte, Casa Reale, Cerimoniale, Spagna, m. 1, fasc. 3, cit. por RAVIOLA, 2012, pp. 146-147. 158
BNE, Mss. 2365, Sucesos del Año 1634, f. 139. 159
Matias de Novoa, Historia de Felipe IV, Rey de España, cit. por OLIVEIRA, 2005, p.287. 160
Memorial Historico Español, t. XIII, p.107, carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 7 de novembro de 1634. 161
ASTo, Corte, Casa Reale, Cerimoniale, Spagna, m. 1, fasc. 3, cit. por RAVIOLA, 2012, p. 146. 162
Memorial Historico Español, t. XIII, p.107, carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 7 de novembro de 1634.
26
As visitas que o núncio e os embaixadores do Império, de França e de Veneza, para
além de alguns dignitários espanhóis, como o cardeal Zapata, lhe fizeram no dia
seguinte, reforçavam a sua posição de primeiro plano.164
Na visita que recebeu do embaixador francês, a princesa deixou bem patente a sua
animosidade:
«El embajador de Francia fué á besar la mano á la duquesa de Mántua, y ella se
espantó mucho, y le dijo que cómo tenia cara para parecer delante del Rey, su
señor, sabiendo las cavilaciones y mal término que el rey de Francia hacía: esto
contó quien lo oyó.»165
Prepararam-se festejos “en alegria dela venida de la Princesa Margarita, y de los años
del Principe,”166 entre os quais se destacou uma magnífica receção no Palácio do Bom
Retiro, manifestando “quanta satisfação a Espanha sentia em receber uma tão boa e
grande princesa, descendente da falecida e prudentíssima Infanta Catarina, filha do
augustíssimo Filipe II.”167
“A la duquesa de Mántua, gobernadora de Portugal, hacen los Reyes exquisitos
agasajos,”168 enquanto o Conselho de Estado, procurando agilizar a sua saída até ao
reino vizinho, tentava resolver os problemas financeiros da sua viagem.169 Foram
destinados “4.000 escudos de ouro para D. Margarida e 2000 para as suas damas.
Plata y demaás enseres. Así como tapíceria, silleria, doseles y camas que se tomarían
de Portugal.”170
São enviadas ao Conde de Basto instruções com os preparativos que deveria realizar
no palácio para que a governadora fosse acomodada em Lisboa, bem como as
prevenções para o caminho na ida da princesa:
«a Princesa margarida minha muito prezada e amada senhora prima ha de estar em Elvas ate 14 de dezembro que vem, & assi ordenareis (...) as Camaras e Justiças das cidades, villas, e lugares por onde ha de passar, que a venhão a
163
OLIVEIRA, 2005, p.287. 164
RAVIOLA, 2012, p. 146. 165
Memorial Historico Español, t. XIII, pp. 108-109, carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 7 de novembro de 1634. 166
BNE, Mss. 2365, Sucesos del Año 1634, f. 139v. 167
ASTo, Corte, Casa Reale, Cerimoniale, Spagna, m. 1, fasc. 3, cit. por RAVIOLA, 2012, p. 146. 168
Memorial Historico Español, t. XIII, p.111, carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 7 de novembro de 1634. 169
LUXÁN, 1988, p.405. 170
AGS, Estado, Portugal leg 4045, d. 15 cit. por LUXÁN, 1988, p.433, n.185.
27
esperar no principio do lugar a cavallo, e que antes de chegarem à liteira em que vay se apeem e despois de haver feito sua cortezia se tornem a pôr a cavalo, e a vão acompanhando até a casa em que ouver de se aposentar e despois ate o sahir do lugar.»171
A estada em Madrid não seria prolongada: “La de Mantua partió le jueves último de
Noviembre; iba por el Escorial; despidióse del Rey com grandes muestras alternas de
amor e cariño.”172
Em Portugal, onde chegou no dia 14 de dezembro de 1634, o olissipógrafo oitocentista
Eduardo Freire de Oliveira refere que:
«a princeza foi acolhida sem enthusiasmo, antes com bastante frieza e desconfiança, não excedendo as demonstrações de regozijo das manifestações officiaes e obrigatorias. No caminho d’Elvas para a capital, nas cidades e villas por onde passou, receberam-n’a as camaras municipaes e justiças d’esses logares, indo a cavallo esperal-a á chegada, apeando-se e fazendo-lhe a competente venia, tornando a montar a cavallo, acompanhando-a até ás casas em que pernoitou, e depois até á partida.»173
A cidade de Lisboa pediu ao rei instruções sobre o modo como deveria ser recebida a
princesa:
«Soubemos a grande mercê que V. Mag.de, que Deus guarde, era servido fazer a este seu reino, provendo no governo d’elle a princeza Margarida. (...) a tão acertada eleição, será impossivel que se deixem de seguir os bons efeitos que desejamos, e que este reino há mister, conforme ao estado em que se acha; como justamente nos devemos prometer de pessoa, com quem a V. Mag.de lhe correm tão apertadas razões de parentesco, e por sua grande prudencia e raras virtudes. E assim esperamos sua vinda com grande alvoroço, para lhe mostrarmos o contentamento e satisfação geral que temos de nos vir governar. E porque não quizeramos faltar ou exceder nas demonstrações de alegria e obsequio em seu recebimento, pedimos a V. Mag.de seja servido mandar-nos advertir, com particularidade, como n’isto devemos proceder, para nos ajustar em tudo com a ordem de V. Mag.de»174
A resposta do rei seguiu na Carta regia de 14 de dezembro de 1634:
«E no que toca as demostrações, que se devem fazer, como a entrada da prinçesa há de ser pelo Forte [Forte da Victoria, no Terreiro do Paço], ali a
171
BNM, Mss. 2365, Para o Conde Viso Rey sobre as prevenções para o caminho na ida da Princesa, novembro de 1634. 172
Carta do padre Francisco de Vilches, Madrid, 11 de dezembro de 1634 in Memorial Historico Español, t. XIII, p.113. 173
OLIVEIRA, 1888, p. 90. 174
Carta da câmara de Lisboa a el-rei em 23 de novembro de 1634 in Elementos para a História do
Município de Lisboa, IV, p.92.
28
deveis ir a esperar com os mais tribunais, como se costuma; e a noite que entrar se porão luminarias pola cidade; e por ella, e polo Terreiro do Paço, se farão as festas e danças ordinarias, e todas as mais demostrações que parecer que não forem custosas.» 175
No dia 23 de dezembro de 1634 a princesa “de Almada se embarcou para Lisboa em
um real bergantim que se fez para servir a pessoa de S. A. em semelhantes ocasiões. O
tempo era mui chuvoso e ainda assim vieram buscar a S. A. muitos ministros e
fidalgos,”176 tendo sido recebida na capital do reino “com todas as formalidades do
estylo, e conduzida debaixo do pallio pelos vereadores, desde o desembarque até ao
paço.”177
Para além da receção protocolar, a chegada de Margarida de Saboia a Lisboa apenas
foi festejada pela sua comitiva de italianos, que mandaram construir uma pirâmide
pirotécnica, sobre a qual se abateu uma tromba de água antes da detonação.178
Os versos laudatórios compostos por ocasião da sua chegada revelavam algumas
expetativas perante a mudança de governo:
«Tambem dizem tras poderes
para grandes e pequenos
de tal sorte que disen
Bento he o fruito
todos lhe quererão muito
visto ser grã señora
E dirão benta a hora
que nasceo.»179
175
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.93. 176
BNP, Cod. 241, fl. 296v. in RAVIOLA, 2012, p. 147. 177
OLIVEIRA, 1888, p. 90. 178
SCHAUB, 2001, p.178. 179
British Library, Add. 20958, fl.94 v., cit. por OLIVEIRA, 1991, pp. 146-147.
29
O regimento e a instrução secreta
Margarida de Saboia recebera dois documentos fundamentais para o exercício das
funções, ambos redigidos em Madrid, em novembro de 1634: o regimento e a
instrução secreta.
O regimento,180 datado de 20 de novembro 1634, era o documento oficial que seria
tornado público perante o Conselho de Estado de Lisboa. Descreve a missão da vice-
rainha no quadro legítimo da união dinástica luso-castelhana atualizando, no essencial,
as disposições de Tomar181 e não apresenta inovações relativamente ao documento
redigido, 50 anos antes, para ordenar o modo de governo que deveria ser seguido pelo
arquiduque Alberto.182
Os regimentos dos governadores e vice-reis eram documentos estereotipados,
destinados a divulgação pública, focando sobretudo a conservação da religião e da
justiça num sentido mais amplo.183 A preocupação fundamental subjacente à sua
redação consiste na organização, ao ritmo do exercício quotidiano do poder, dos
espaços políticos de representação.184
Já a instrução reservada ao uso particular da vice-rainha, muito provavelmente
redigida por Diogo Soares após reuniões com o conde-duque,185 trata-se de um
documento “secreto” ou “oficioso” que revela as verdadeiras intenções de Olivares,
descrevendo o funcionamento dos ofícios e abrangendo a caracterização das principais
personalidades portuguesas contendo, inclusivamente, comentários e conselhos sobre
a atitude que a duquesa deveria assumir junto de cada um.186
Seria na lacuna entre os dois documentos e na constante clandestinidade da instrução
secreta que se definiria o campo político no qual Margarida iria exercer a realeza por
procuração de Filipe IV em Portugal.187
180
BA 50-V-28/15, Regimento de Margarida de Mântua. 181
SCHAUB, 2001, pp. 178-179. 182
BOUZA, 1987, p.859. 183
OLIVAL, 2012, p. 301. 184
CURTO, 2011, p.276. 185
SCHAUB, 2001, pp. 178-179. 186
SCHAUB, 2001, pp. 178-179. 187
SCHAUB, 2001, pp. 178-179.
30
A Instrução Secreta188 foi redigida em Madrid nas vésperas da partida da princesa,
estando datada de 28 novembro de 1634.
O documento, de carácter assumidamente privado, contém as informações essenciais
para o exercício do cargo, fundamentando a missão da princesa numa relação de
confiança com o monarca:
«lo que por aora se offrece de que aduertiros privadamente es esto, en que espero correspondereis enteramente a la confiança que he hecho de vuestra persona, lo demas que se offreciere, se os ira advertiendo como las cosas y el tiempo lo pidieren.»189
O rei destaca a relevância do cargo atribuído à princesa Margarida equiparando-a, em
estatuto e valor, a prestigiados membros da família e limitando o exercício das funções
a um período de dois anos, após os quais poderia regressar a Itália:
«muestro al mundo lo que estimo vuestra persona en haveros encomendado uno de los governos de españa de personas reales, y en esta ocasion el mas importante de todos, y en que estuvo empleado el Arquiduque Alberto mi Tio y para que estava nombrado el Infante Don Carlos mi hermano, para que mientras las cosas estan turbadas en Italia tengais ocupacion fuera della por estos dos años por no apartaros mas tiempo de vuestra hija.»190
A princesa ficava incumbida de “disponer las cosas de mi servicio que penden en aquel
Reino” nomeadamente “la recuperacion del Brasil, que esta casi ocupado de
olandeses,”191 e cuja perda traria danos irreparáveis não apenas a Portugal, que
perderia o comércio, mas também a toda a monarquia, pelo facto de reforçar o poder
dos inimigos.
Era fundamental o estabelecimento de uma renda fixa para a recuperação e
conservação do Brasil, tarefa que obrigaria a princesa a estar atenta às manobras dos
magistrados portugueses, aqui acusados de se preocuparem mais com o “aplauso que
piensan que consiguen de mostrarse muy patricios y zelosos de escusar nuevas cargas
al Pueblo,” do que com o dano superior que causaria a perda do Brasil.192
188
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 189
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 190
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 191
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 192
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida.
31
Era urgente acudir à defesa do Brasil, pelo que Margarida deveria assegurar “la
brevidad en todos los aprestos de armadas (...) que por omission de los ministros corren
con grande dilacion.”193
A vice-rainha tinha também a missão de verificar a conservação dos castelos sem, no
entanto, dar a entender aos portugueses que o rei desconfiaria “de la fidelidade de
aquellos vasallos (...) sino solo por la conservacion propria del Reyno.”194
Poderia ser necessário manter determinadas matérias, mais delicadas ou polémicas,
fora do alcance do Conselho de Portugal em Madrid; a princesa era, assim, advertida
que, no caso de ser “conveniente reservar la noticia de los ministros portugueses que
me assisten en los consejos de aquel Reino embiareis a mi mano el despacho con esta
advertencia.”195
Do ponto de vista político, porém, o aspeto fundamental da instrução secreta é a
regulamentação das funções de Francisco Dávila Guzmán, marquês de la Puebla, primo
do conde-duque e presidente do Conselho da Fazenda de Castela, que acompanhava a
princesa a Portugal “para que os ayude al descanso de tantos negocios.”196
Esta nomeação ficava fora dos habituais quadros institucionais e destinava-se, mais do
que a aconselhar, a superintender a ação governativa da vice-rainha:
«os he nombrado al Marques de la Puebla, ministro independiente (...) sera bien que estes muy atenta a lo que os aconsejara para acomodaros a seguirlo en los casos considerables y dudosos, y en que no hubiere tiempo de comunicar conmigo y esta comunicacion y asistencia a los negocios ha de ser en todos los del govierno del mismo Reino, sin excepcion de ninguno.»197
O processo deveria decorrer com a devida subtileza, para tentar não enfrentar
abertamente as suscetibilidades dos magistrados locais:
«si bien en lo publico han de negociar los ministros Portugueses, como y en la forma que se contiene en la Instruccion que he mandado (...) y no haveis de firmar despacho, ni deis orden sin noticia del Marques.»198
Para assessorar a Princesa nas suas funções de Capitão General tinha sido nomeado o
“secretario Gaspar Ruiz Ezcaray que lo es de mi consejo de guerra, a quien asi mismo
193
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 194
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 195
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 196
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 197
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 198
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida.
32
he elegido para que os asista, y por cuya mano se ha de tomar la final determinacion, y
todos los negocios tocantes a la Capitania general haveis de tratar con sola la
intervencion de los dichos dos ministros de Castilla.”199
Pelo papel fundamental que teriam na execução das políticas de Madrid, o rei advertia
a prima:
«sera bien que destos ministros mostreis particular satisfaccion, honrrandolos y estimandolos como inmediatos a vuestra persona por la confiança que yo he hecho dellos.»200
A princesa recebe também detalhes específicos sobre os procedimentos a ter durante
horas de trabalho em conjunto:
«Y porque con mas comodidad os puedan assistir al despacho el Marques de la Puebla y el Secretario Gaspar Ruiz quando con ellos negociardes pribadamente dareis al Marques silla rasa en que se asiente, y al secretario un banquillo.»201
O monarca acrescenta que “el dicho Marques, demas de la comunicacion universal en
la materia de negocios ha de tener tambien la superintendencia en las cosas de vuestra
casa.”202
A instrução adverte a vice-rainha do procedimento a adotar durante as consultas:
Perante situações que exigissem
«maior atencion o deliberacion, podreis responder que haveis olgado mucho de oir a los ministros, y que esta bien avertido lo que ellos dicen, y con esto pasareis a otra materia, ordenando que se ponga por escrito el parezer de los que han de asistir a este despacho, y lo mismo hareis en todos los nobramientos de personas para prelacias, officio, y qualquier otro genero de ocupaciones, y de todo lo demas que acordardes en el govierno hara el secretario que alli asiste menbretes para embiarlos con las consultas que se huvieren despachado para que ala margen dellas se ponga vuestro parecer en las que huvieren de venir aca, y las resoluciones en las que se huvieren de bolver a los tribunales.»203
Saliente-se ainda a advertência feita a propósito das “audiencias particulares de
vuestro aposento” que deveriam decorrer por intermédio do Marques de la Puebla:
199
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 200
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 201
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 202
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 203
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida.
33
«excusando las delas mugeres lo mas que se pudiere por ser embaraçosas, y amigas de meterse en lo que no les toca, y asi convendra con destreça ir apartando esto, sino es en las ocasiones mas forçosas.»204
A ”observancia de mis reales ordenes” seria para Margarida “guardar a la letra, sin
dispensar nin alterar en ellas” à semelhança do “Infante Cardenal mi hermano,
inviolablemente sin permitirle la relaxacion dellas en ningun caso.”205
António de Oliveira conclui que a princesa “havia sido colocada em Portugal para vice-
reinar, mas não para governar,” sendo que “o objetivo do conde-duque era cerceá-la
de modo a não poder replicar às ordens de Madrid, limitando-se a executá-las, depois
de aconselhada por personalidades que lhe foram nomeadas.”206
O mesmo terá concluído logo a 19 de abril de 1635 a Junta composta pelo Conde
Duque de Sanlucar, Conde de Castrillo, Duque de Villahermosa, Regidor vasconcelos e
Cid de Almeyda, que aconselha o rei a clarificar a instrução secreta através de um
ofício para a princesa e ministros, considerando que a Princesa deveria ter maior
capacidade de intervenção “pues de otra manera quedaria desautorizada, y frustrado
el fin con que se le embio a governar aquel Reyno.”207
No entanto, por essa altura estava já aceso o conflito, que se revelaria insanável, entre
a princesa e o marquês de la Puebla.
Corte, comitiva e casa da vice-rainha
O elemento político que organizou as Monarquias europeias desde a baixa Idade
Média até ao século XVII foi a corte, instância de poder de onde se articulou o governo
dos reinos.208
As cortes eram os núcleos ou instâncias de poder em que residia o monarca com a sua
casa, os seus conselhos e tribunais, a partir de onde se administrava o reino e se
difundia um modelo de comportamento social, cultural e artístico. Este modelo de
articulação política foi adotado pela Monarquia Hispânica com o aumento dos reinos
204
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 205
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 206
OLIVEIRA, 1991, p.147. 207
AGS, Estado, 4045, Parecer da Junta sobre a Instrução sobre o Capitulo de la Instruccion secreta que se dio a la señora Princessa Margarita. 208
MARTÍNEZ MILLÁN, 2009, p. 23.
34
por herança, agregação ou conquista, permitindo a integração das elites oriundas dos
vários territórios. No caso de Lisboa, reforçaram-se os espaços cortesãos pré-
existentes.209
Em 1643 o autor anónimo de El Nicandro o defensa del Conde-Duque de Olivares
criticaria Filipe II por não ter abandonado “a sombra de casa Real que deixou em
Lisboa, porque não vendo eles este aparato, não procurariam alma para aquele
corpo."210
À data da nomeação da princesa Margarida, eram evidentes as divergências entre as
elites sociais portuguesas e o governo central da Monarquia. A tentativa de manter a
coesão do reino a partir da casa real com a ausência do rei, e a nomeação de nobres de
segunda fila ou considerados estrangeiros para o cargo de governador ou vice-rei,
tinham deteriorado a organização política da monarquia portuguesa.211
O monarca desejava com esta nomeação regressar à situação vivida com o arquiduque
Alberto, em que a vice-rainha seria servida no âmbito mais privado pela sua própria
casa (adequando-a, na medida do possível, à forma portuguesa) enquanto se
reforçaria a presença da casa portuguesa e se recuperaria a incorporação das elites no
serviço doméstico-palatino.212
O conde-duque solicitou ao Conselho de Portugal informação sobre os ofícios vacantes
na casa portuguesa, para proceder rapidamente à sua nomeação. Recomendava a
manutenção da organização palatina prévia e, para evitar problemas e interferências
entre os oficiais da própria casa da princesa e os da casa portuguesa, procurou-se
proceder a uma escolha cuidadosa dos servidores. O Conselho de Estado, logo desde a
chegada de Margarida a Castela, solicitou ao conde de Santa Coloma uma relação dos
criados que acompanhavam a princesa (indagando sobre os humores dos mesmos), e
deliberou sobre as pessoas eclesiásticas e seculares que a serviriam, sobre as rendas
209
MARTÍNEZ MILLÁN, 2008, p. 45. 210
Nicandro o antidoto contra las calumnias que la ignorancia, y embidia ha esparcido, por desluzir, y
manchar las heroycas e inmortales acciones del Conde Duque de Oliuares despues de su retiro, Madrid, s.n., 1643, cit. por CANOVAS DEL CASTILLO, 1888, p.38. 211
LABRADOR, 2012, pp.113-114. 212
LABRADOR, 2012, p.116.
35
para a manutenção da casa vice-reinal (para que não se tocassem nas rendas
portuguesas), sobre o aposento da casa e sobre la composição das cavalariças.213
Na «Relacion de los sujetos que ay en elReyno de Portugal (...) con notiçia de calidade,
partes, y suficiência,»214 documento redigido aquando da nomeação da princesa,
Diogo Soares discorre de forma bastante direta e crítica sobre as personalidades que a
vice-rainha ali iria encontrar, referindo as suas aptidões e defeitos.
Entre os oficiais da casa Real encontravam-se o conde de Castelo Novo “que es Veedor
de la casa buena persona, de buen sujetto y aunque moço lo tengo por capaz”; o conde
de Penaguião, “es Camarero mayor cosa poca y se tiene por buen caballero”; Luís de
Miranda Henriques “es estribero mayor buena persona”; Bernardim de Távora
reposteiro-mor seria “buen hombre”; Luís de Melo “portero mayor un poco sobervio y
llevantado”; o aposentador-mor, Aleixo de Sousa e o armador-mor, Francisco da Costa,
considerados de “poca cosa y de poca edad”; Álvaro de Sousa, capitão da guarda, seria
também “buena persona”; Francisco de Melo, “montero mayor (...) aun aguarda por el
R.D.S.” [rei D. Sebastião]; o conde de Redondo, “cazador mayor quasi mente capto”;
Pedro da Cunha “trinchante mayor muy intermetido”.215
A supervisão da casa da vice-rainha fora confiada ao marquês de la Puebla, que não
conhecia a situação da casa portuguesa216 e que se iria incompatibilizar com a princesa
e com o secretário Miguel de Vasconcelos, o que deitaria por terra as esperanças de
um funcionamento harmonioso da corte da princesa, que ficaria marcada pelas
disputas entre os oficiais da casa da princesa e os de Portugal.217
Blythe Alice Raviola estudou os inventários do pessoal, dos géneros alimentícios e dos
utensílios de uso quotidiano que a princesa levaria consigo para Lisboa.218
Entre os trinta e oito servidores da vice-rainha encontravam-se o confessor, o
tesoureiro, o guarda-roupa, alguns cozinheiros e camareiros, o leiteiro, o cabeleireiro e
o reposteiro, todos assalariados com rações de carne e vinho, parte do qual trazido
213
LABRADOR, 2012, pp.116-117. 214
BPE, cod. CV 2-19; outras cópias do documento em BA, 51-VI-1; BA 51-VI-39; AGS, Estado, 4045. 215
BPE, cod. CV 2-19. 216
LABRADOR, 2012, p.116. 217
LABRADOR, 2012, pp.117-118. 218
RAVIOLA, 2012, pp. 140-141.
36
expressamente de Turim.219 Faziam também parte do seu séquito alguns nobres
saboianos e outros provenientes de diferentes partes de Itália. 220
A comitiva da princesa transportava algumas peças de tapeçaria, uma escrivaninha de
ébano, um pouco de prataria, vários instrumentos de cozinha (facas, uma balança de
madeira, uma centena de pratos e bandejas de madeira), numerosas provisões de
alimentos, entre as quais porções de carne, fruta, enchidos, pão e um provimento de
velas.221
A princesa Margarida instalou-se no Paço da Ribeira,222 que fora construído no início
do século XVI por iniciativa do rei D. Manuel, tornando-se a principal residência régia
portuguesa.223 Apesar de ter desaparecido, como consequência do terramoto de 1755,
vários estudos têm logrado reconstruir a sua história e arquitetura com base em
testemunhos documentais e registos iconográficos.224
A duquesa, conhecedora da arquitetura do norte de Itália, onde habitara vários
palácios, nomeadamente o emblemático Palácio do Té, em Mântua, não terá deixado
de reparar que o Paço da Ribeira não possuía, no século XVII, uma entrada
monumental destacada de uma das suas múltiplas fachadas, característica que o
distinguia da maioria dos congéneres europeus, e que era habitualmente registada
pelos viajantes estrangeiros.225
O Paço da Ribeira tinha beneficiado de contínuas transformações,226 em particular
durante o reinado de Filipe II, destacando-se a construção do Torreão, cuja autoria
Rafael Moreira atribui ao arquiteto castelhano Francisco de Mora.227
O último piso do Torreão era ocupado pela sala do trono, com a sua imponente cúpula,
iluminada ao alto pelo lanternim e quatro claraboias. Esta sala estava revestida de
pinturas heráldicas, executadas durante o governo do arquiduque Alberto de Áustria,
formando um conjunto decorativo de modelo italiano, inspirado na cultura alegórica
219
AGP, Histórica, caja 117, Recepciones y hospedajes de soberanos y principes extrangeros, Princesa Margarita de Saboya en 1634, cit. por RAVIOLA, 2012, pp. 140-141. 220
ASTo, Corte, MPRE, Lettere ministri, Spagna, m.25, fasc. 5, c.1/6, Memorial do marquês de Forni de 18 de abril de 1635, cit.por RAVIOLA, 2012, p. 142. 221
AGP, Histórica, caja 117, cit., fls. 72-74, RAVIOLA, 2012, p. 141. 222
Anexo 8. 223
SENOS, 2002, p.17. 224
SENOS, 2002; MARTINHO, 2009. 225
MARTINHO, 2009, p.51. 226
MARTINHO, 2009, p.51. 227
MOREIRA, 1983, p.43.
37
do tempo, integrando diversas empresas usadas ou atribuídas à Casa de Áustria,228 que
seriam, seguramente, familiares à princesa.
No palácio real, os oficiais da Casa Real, responsáveis pelo governo “doméstico,”
coexistiam com os ministros da corte, que tinham como atribuições o governo do
reino, uma vez que os conselhos e tribunais despachavam em salas do Paço da
Ribeira.229
Durante o período filipino, apesar do compromisso assumido por Filipe II de manter a
Casa Real Portuguesa, a personagem crucial do monarca primara pela ausência,230
inviabilizando o conceito de corte enquanto “lugar onde reside o Rey, assistido dos
Officiaes, & Ministros da Casa Real.”231
A presença da princesa Margarida poderá ter preenchido, em parte, esta lacuna, com o
regresso da vida de corte ao Paço da Ribeira, protagonizada por uma figura que
detinha símbolos régios como o “citial e cortina com cadeira (como o mesmo Rey)”232
quando ouvia missa em público.
Conforme refere Maria Paula Lourenço, a crescente presença feminina nas Casas Reais
europeias dos séculos XV a XVIII marcou a fisionomia da corte, transformada em
espaço de civilidade, de etiqueta, de educação e de cultura.233
No caso da corte lisboeta de Margarida de Mântua, seria evidente a profunda vivência
religiosa da princesa, destacada por Manuel Severim de Faria logo desde a chegada
desta a Portugal quando, em Évora, “mostrou grande piedade e religiosidade,”234
venerando as relíquias do Santo Lenho de Vera Cruz do Alentejo e assistindo à missa
no colégio local da Companhia de Jesus.235
228
MOREIRA, 1983, p.45. 229 CARDIM, 2002, p.27; O Desembargo do Paço e o Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens
localizavam-se no Paço (SENOS, 2002, pp.153-154). 230
CARDIM, 2002, p.19. 231 BLUTEAU, Rafael, Vocabulario portuguez e latino…, vol. II, Coimbra, no Collegio das Artes da
Companhia de Jesus, 1712, p.576, cit. por CARDIM, 2002, p.14. 232
British Library, Add. 20958, fl.93 v.,cit. por OLIVEIRA, 1991, p.12, n.17. 233
LOURENÇO, 1999, p.123. 234
BNP, Cod. 241, fl. 296 cit por Raviola, 2012, p. 147. 235
RAVIOLA, 2012, p. 147.
38
O chantre de Évora menciona também que a princesa era “mui contínua nos ofícios
divinos (…). Antes de partirem as armadas, mandou encomendar às Igrejas catedrais
do reino orações pelo bom sucesso de mar e pelas vitórias.”236
A vice-rainha visitava com frequência igrejas e conventos em Lisboa, revelando
particular preferência pelo mosteiro de Santo António, onde gostava de se recolher em
oração e de estar longamente em silêncio, segundo a rígida regra das irmãs.237
A influente posição de confessor da vice-rainha foi ocupada por Frei Domingos do
Rosário, frade dominicano de origem irlandesa, que estivera na corte madrilena e que
permaneceria ao seu serviço até 1640.238
Encontram-se indícios da ação mecenática da vice-rainha no âmbito da produção
literária de índole religiosa, aos quais será feita uma breve referência, apesar de não
ter sido possível averiguá-los com o devido detalhe no contexto deste trabalho.
Em 1635, o capelão Juan Baptista Garcia de Alexandre, “Bacharel pela Universidade de
Salamanca, Licenciado pela de Siguença, Abogado en los Reales Consejos de Castilla,
Juez Protonotario Apostolico en los Reynos de Hespaña, Fiscal de el Real comercio, y
contrabando en estos de Portugal, y de la Junta de el embargo de bienes de
Franceses,”239 dedica a Cancion real al altissimo misterio de el Ave Maria en la
Sacratissima Encarnacion de el Verbo Eterno “a la Serenissima Señora Princesa
Margarita de Saboya, Duquesa de Mantua, y Monferrato; Virrey, Y Capitan General de
los Reynos de la Corona de Portugal, Gouernadora de las armadas que entran, y se
aprestan en este Puerto Real de Lisboa.”240
A dedicatória à princesa, redigida em tom laudatório, começa com “Ave Margarita,” e
salienta as suas “raras virtudes, y perfecciones”, bem como a sua devoção:
«tãbien le concibe, y encarna la Deuocion, y defensa de Misterio tan altissimo para que el gozoso timbre de nuestra preparada Redempcion haga salutaciõ Angelica del AVE MARIA, tan gloriosa.» 241
236
BNP, Cod. 241, fl. 301v cit por Raviola, 2012, p.150. 237
RAVIOLA, 2012, p. 148. 238
LOURENÇO, 1999, p.212; Frei Domingos, depois da revolução de 1640, continuou a receber dos novos soberanos favor igual ao que merecera da duquesa de Mântua, tendo-se tornado confessor da rainha D. Luísa de Gusmão. (PRESTAGE, 1926, p.3). 239 GARCIA DE ALEXANDRE, 1635. 240
GARCIA DE ALEXANDRE, 1635. 241
GARCIA DE ALEXANDRE, 1635.
39
A devoção da vice-rainha enquadrava-se no fervor católico dos Habsburgo:
«la inestimable MARGARITA, oy Princesa de todas las que han renombrado la Excelentissima, y siempre Imperiosa, y Augusta Casa de Austria, como ramo mas proprio, y pululante de la tronca original de Dauid, fuerte asilo, y sagrado constantissimo de nuestra Sancta Fee Catholica.»242
De acordo com o capelão, teria sido a princesa a incentivar a produção da obra:
«Esta pues Serenissima Señora me alentò los principios animosos para aspirar a Tanto Sacramento en el metodo heroico de esta Canciõ Real, que consago a V. A.»243
É de salientar que, juntamente com a Cancion real al altissimo misterio de el Ave
Maria, são publicadas as Décimas ao anjo Gabriel, de D. Bernarda Ferreira de
Lacerda,244 bem como décimas dedicadas a Garcia de Alexandre por vários autores:
Esteban Nieto, “Gvarda de Damas de la Reina nuestra Señora, y de el aposento de el
Principe nuestro Señor, y contralor de la Serenissima Princesa Margarita”; D. Vicência
Baptista, Religiosa Franciscana no Convento de Santa Clara de Lisboa; e D. Serafina de
los Angeles, Religiosa Bernarda do Real Convento de Odivelas.
O licenciado Francisco de Soria, presbítero, natural de Córdova, menciona a princesa
Margarida nas décimas que dedica a Garcia de Alexandre:
«Y oi en vos tan celestial
Se halla, tan infinita,
Que junta a tal Margarita
la eterniçais immortal.»245
Também Soror Violante do Céu,246 religiosa dominicana no Convento da Rosa, dedica
liras ao autor e à obra.
Na mesma edição são ainda publicados sonetos da autoria de D. Francisco de Torres,
“Maestro por la insigne Uniuersidad de Alcala, y de los pajes de Su Alteza Serenissima
Señora Princesa de Saboya Doña Margarita de Austria, y su Capellan;” D. Nicolas de
Crixalba, “Contador de Su Magestad, y Secretario de Don Francisco Dabila Marques de
242
GARCIA DE ALEXANDRE, 1635. 243
GARCIA DE ALEXANDRE, 1635. 244
Bernarda Ferreira de Lacerda (1595-1644), “erudita poetisa do século XVII (…) com poemas em latim, português, espanhol e italiano” in Dicionário de Literatura, II, p.518. 245
GARCIA DE ALEXANDRE, 1635. 246
Soror Violante do Céu (1602-1693) “foi dos poetas mais considerados do seu tempo” in Dicionário de
Literatura, I, p.176.
40
la Puebla;” D. Martin Ortiz de Orve y Ibarguen, “criado de Su Magestad, y su Official en
la Secretaria de la Guerra;” e D. Francisco de Ezcharai y Guebarra, “criado de Su
Magestad, y Official en la Secretaria de la Guerra.”247
Em 1637, o Sermão que pregov o Reverendo Padre Frey Manoel das Chagas, Religioso
da Sagrada Ordem de Nossa Senhora do Carmo, no seu Convento de Lisboa, Sabbado
29 de Nouembro, na solemnidade que Sua Magestade mandou fazer ao Sanctissimo
Sacramento, que no mesmo dia esteue exposto, foi “offerecido a Serenissima Princesa.
pello Padre Eusebio Nunes Tynoco, sobrinho do Autor,”248 que refere, na dedicatória,
que “este Sermaõ, Serenisima Senhora (…), me pareceo digno que V. A. visse, lese, &
considerasse.”
O padre Nunes Tinoco ressalta a devoção da princesa ao Santíssima Sacramento:
«Motiuo me dà de offerecer estas flores, & estes fruitos de devação do Sanctisimo Sacramento a esse Real peito, o qual arde em seu amor, com tantas chamas, quãtas enxergamos, no publico pellas muitas vezes que este Senhor, por mandado de V. A. hexposto, & solemnizado; & no particular, pellas muitas horas que diante delle, assiste de dia, & de noite na tribuna de Sua Real Capella.»249
A vice-rainha seguia, assim, o exemplo da Casa de Áustria:
«Vera tambem V. A. como este amor he herdado cõ o sangue de Seus Reaes progenitores, pois das Imperiaes casas de Portugal, & Austria acharà exemplos, de como os Senhores Reys, & Emperadores (…) na devação do Sanctissimo Sacramento, forão taõ bem afortunados, que conquistarão Reynos, & alcançarão Imperios.»250
O sermão refletia a conjuntura política e militar, ao apelar:
«Desbaratai, Senhor, a contumacia de nossos inimigos, principalmente àquelles que o saõ tambem vossos.»251
Claramente politizado foi o Sermão que fez o Padre Francisco de Macedo da
Companhia de IESVS na festa de S. Thome padroeiro da India, proferido “na capella
247
GARCIA DE ALEXANDRE, 1635. 248
CHAGAS, 1637. 249
CHAGAS, 1637. 250
CHAGAS, 1637. 251
CHAGAS, 1637, f.8.
41
real desta cidade de Lisboa,”252 que servia também a Casa da Índia e evocava,
precisamente, S. Tomé.253
A dedicatória à “serenissima senhora Princesa Margarita” refere:
«Foy taõ bem recebido o Sermaõ que prégou o Padre Frãcisco de Macedo na Capella Real dia de S. Thome, a que V. A. assistio (...). E como V. A. tenha tanto zelo de resucitar a gloria dos passados, & melhorar as cousas daquella Conquista [Índia] me pareceo acertado offerecello a V. A. que polla materia, & modo de tratar das cousas o deue aceitar beneuola, & aprouar escrito, o que V. A. festejou ouuido.»254
João Francisco Marques esclarece que a dedicatória à vice-rainha teria o intuito de
assegurar livre expansão a este sermão de carácter patriótico, apelando ao brio
português.255 As frequentes e audaciosas referências políticas no púlpito da capela
real levaram a princesa a intervir: “chamando os prègadores da Cappella auisouos que
prègassem o Euangelho e naõ mays.”256
252
MACEDO, 1637. 253
SENOS, 2003, p.107. 254
MACEDO, 1637. 255
MARQUES, 1986, p. 129. 256
BNL, PBA 475, f.362v, cit. por MARQUES, 1986, p. 129.
42
3. O GOVERNO DA PRINCESA MARGARIDA
Principais instituições e interlocutores
A articulação do governo de Portugal e do seu império, entre Lisboa e Madrid, era uma
tarefa complexa: o rei governava a coroa a partir de Madrid no Conselho de Portugal,
órgão consultivo criado por Filipe II quando partiu de Lisboa em 1583; em Lisboa, o
órgão consultivo da vice-rainha era o Conselho de Estado.257
O processo de ordenação dos despachos entre o reino e o centro da monarquia258
tinha início na vice-rainha, que os encaminhava ao órgão apropriado, conforme a
matéria e as partes envolvidas, sendo depois remetidos ao Conselho de Estado, daí
para o Conselho de Portugal e, por fim, ao valido ou rei.259
O papel e a tinta eram fundamentais para manter a unidade político-administrativa
deste vasto conjunto imperial de territórios europeus e ultramarinos, permitindo a
circulação de ordens e informações essenciais para a efetivação da governação,
oriunda do centro político madrileno.260
Em Madrid, Diogo Soares, na secretaria do Conselho de Portugal, controlava os
assuntos mais decisivos e tornara-se o braço direito de Olivares nos assuntos
portugueses.261
Em Lisboa, a função de secretário de Estado, ou seja, de secretário do Conselho de
Estado, era um posto chave na transmissão das decisões de âmbito geral e das
informações enviadas à corte.262 Este cargo era exercido por Miguel de Vasconcelos,
que estabelecia com o cunhado (e genro) Diogo Soares um sistema de comunicação
entre as secretarias.263
257
SCHAUB, 2001, pp. 18-20. 258
Embora complexo, o processo não teria de ser sempre demorado. A título de exemplo, a 6 de junho de 1636 a princesa escreve ao rei (sobre a nomeação provisória do conde de Castelo Novo para o cargo de Mestre de Campo General) referindo uma carta recebida dois dias antes, datada de 30 de maio: “carta de trinta de Mayo pasado que Receui en quatro deste firmada de la Real mano de V Mag.d (…)
sobre las preuençiones que se han de haçer para la defensa de este Reyno en casso que la Armada
enemiga llegase a el.” A resposta de Madrid (recordando que a nomeação feita pela vice-rainha seria provisória, vigorando apenas até à chegada do oficial escolhido pelo rei) seguiria para Lisboa a 22 de junho. (AGS, G.A. 1325). 259
COSENTINO, 2011, p.10. 260
COSENTINO, 2011, p.10. 261
SCHAUB, 2001b, p.81. 262
SCHAUB, 2001, p.178. 263
SCHAUB, 2001b, p.81.
43
A princesa tinha sido informada por Diogo Soares de que havia “en Portugal una
parcialidad que entre ellos tienen repartido el govierno daquel Reyno en tal forma que
en muchos tiempos siempre ando en los suyos, e con esta mano estan llenos de
grandes mercedes y bienes de la corona y a este respeto tratan de impedir que
ningunos otros entren en aquel govierno de aquel Reino (...) buscando modos y traças
para que nadie que no sea de su parcialidad llegue a tener lugar.”264
Esta advertência confirma a dificuldade sentida pela tendência centralizadora (a
política do conde-duque) na sua tentativa de submissão de outras forças coexistentes,
igualmente fortes, que apontavam no sentido da descentralização política e da
manutenção da pluralidade de polos de poder.265
Há também que ter em conta que o poder central seiscentista estava repartido por
uma multiplicidade de órgãos com atributos políticos quase soberanos, que
expropriavam o centro de uma decisiva capacidade de intervenção.266
Procurando um controlo político mais eficaz do reino e uma maior operacionalidade de
comunicação com os poderes periféricos lançara-se (com a negociação, em 1631, da
renda fixa267) um novo modelo de representação e trato com o reino, no qual a câmara
de Lisboa intervinha como interlocutora privilegiada do rei e intermediária nas
negociações.268
O Conde de Prado, D. Luís de Sousa, presidente da Câmara de Lisboa desde 1633, é
referido como “muy ambicioso de puestos, y muy mañoso, y tratta de contemporizar
com el Pueblo y dar a entender por outra parte que sirve a Su Magestad, y es el que dio
el papel a la señora Princesa en orden a que haya mas separacion entre Portugal, y
Castilla, de lo que hoy hay.”269
O Presidente do Conselho da Fazenda era o conde de Miranda, que colhia a confiança
de Diogo Soares:
«el Conde de Miranda demas de ser del consejo de estado es presidente de la Hazienda de V Mg.de intelligente en ella bien entendido y muy limpio de manos
264
BPE, cod. CV 2-19 «Relacion de los sujetos que ay en elReyno de Portugal (...) con notiçia de calidade, partes, y suficiencia.» 265
CARDIM, 1998, p. 132. 266
HESPANHA, 1993, p. 10. 267
HESPANHA, 1989, p. 55. 268
HESPANHA, 1989, p. 53. 269
AGS, Estado, m. 2660, 12 de Junho de 1638, cit. por OLIVEIRA, 2002, p. 395.
44
y no tiene ninguna parcialidad y sugeto de que se puede fiar todo y es muy inclinado al serviçio de V Mg.de.»270
Um dos agentes mais determinantes para a aplicação das decisões de Olivares seria o
doutor Francisco Leitão, alto magistrado e membro do Conselho da Fazenda,271
elogiado por Diogo Soares como “persona muy ben entendida y gran letrado y mui
limpio de manos y inclinado a las cozas de la corona.“272
De entre os clérigos, D. Rodrigo da Cunha, arcebispo de Braga e posteriormente de
Lisboa, “esta tenido en buena reputacion y es letrado.”273 Ganharia a confiança da
princesa, como viria a mencionar mais tarde Diogo Soares:
«comvem conservar [no governo] ao Arcebispo dessa cidade, que tem delle sua Altesa grande conceito.»274
D. Sebastião Matos de Noronha, bispo de Elvas e, mais tarde, arcebispo de Braga é
recomendado como sendo “buen ombre y entendido enclinado al servicio de S
Mg.d,”275 e viria a tornar-se num dos mais fiéis servidores da duquesa.
Entre os conselheiros castelhanos da vice-rainha, para além de la Puebla, encontrava-
se Francisco de Valcárcel, conselheiro das Finanças e fiel colaborador do marquês.276
Tomás de Ibio Calderón já exercia as funções de vedor da armada do mar oceano e
membro do Conselho da Fazenda277 antes da chegada da princesa e era tido como
“persona tan limpia de manos y zelosa del servicio de S. Mgd como se sabe pero su
bondad lo hace engañar muchas vezes en algunas cosas.”278
Fernando de Toledo Henríquez, Mestre de Campo General, era a figura que estava
imediatamente abaixo de Margarida na hierarquia militar, e seria substituído por
Diego de Cárdenas em 1636.
270
BPE, cod. CV 2-19 «Relacion de los sujetos que ay en elReyno de Portugal (...) con notiçia de calidade, partes, y suficiencia». 271
SCHAUB, 2001, p.12. 272
BPE, cod. CV 2-19 «Relacion de los sujetos que ay en elReyno de Portugal (...) con notiçia de calidade, partes, y suficiencia». 273
BPE,cod. CV 2-19 «Relacion de los sujetos que ay en elReyno de Portugal (...) con notiçia de calidade, partes, y suficiencia». 274
BPE, cod. CV/2-19, f. 105, Carta de Diogo Soares a Miguel de Vasconcelos. 275
BPE,cod. CV 2-19 «Relacion de los sujetos que ay en elReyno de Portugal (...) con notiçia de calidade, partes, y suficiencia». 276
SCHAUB, 2001, pp.84 e 188. 277
SCHAUB, 2001, p.252. 278
BPE, cod. CV 2-19 «Relacion de los sujetos que ay en elReyno de Portugal (...) con notiçia de calidade, partes, y suficiencia».
45
A defesa do reino e do império
A armada do Brasil
Uma das principais incumbências da princesa Margarida em Lisboa era a organização
de uma armada destinada à recuperação do Pernambuco, ocupado pelos holandeses
desde 1630.
Neste contexto, é solicitado à câmara de Lisboa que providencie a tripulação que
haveria de embarcar na armada:
«V. Mag.de nos manda que, atento ao estado da guerra do Brazil, para a qual se apresta hum socorro em Cadix, leuantemos aqui quatrocentos ou quinhentos homens, pagos e vestidos por conta dos sobejos das rendas da cidade.»279
Este pedido é contestado pela câmara, elegando que “nos falta fazenda com que
acudir ao gasto ordinario de cada anno, pola grande baixa de todas as rendas (...) E
assim nos pareceo dizer a V. Mag.de, postrados a seus reaes pees, se sirua de mandar
proceder a outros meos, que não sejão em dãno dos pobres.”280
O decreto da princesa, exarado à margem, é peremptório:
«As ordens de S Mde, dadas sobre esta materia, não dão lugar a replicas (...); este meyo de leua he o mais abreuiado e effectiuo (...). Pello que a camara, atendendo a materia, como pede a calidade della, desponha a enzecussão do que S Mde tem rezoluto em toda a forma deuida.»281
Porém “apesar das ordens não darem lugar a réplicas, a câmara foi continuando a
replicar e a demonstrar a impossibilidade em que estava de as cumprir.”282
Em vários decretos a princesa pede contas à câmara de Lisboa sobre o processo de
recrutamento:
«A camara desta cidade me dé logo conta do que se tem feito, em execução do que S. M.de mandou acerca dos quatrocentos ou quinhentos homens, que a cidade ha de leuantar para soccorro de Pernambuco.»283
279
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp. 180-181, 15 de abril de 1636. 280
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp. 180-181, 15 de abril de 1636. 281
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.183. 282
OLIVEIRA, 1889, IV. p.183, n.2. 283 Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p. 208, decreto de 1 de setembro de 1636; e outros semelhantes em 23 e 27 de outubro 1636 (pp.218-219); 3 de fevereiro de 1637 (p. 236); 15 de março de 1637 (pp. 247-250).
46
Em 23 de outubro de 1636 a vice-rainha insiste que “a camara, considerando o mto que
importa em se acudir ao Brazil (...) trate logo de dar cumprimto ao que S. Mg.de manda
nos quatroçentos ou quinhentos soldados.”284
Poucos dias depois volta ao mesmo assunto:
«A camara desta cidade me de conta do que por ella esta disposto em ordem aos quatrocentos ou quinhentos soldados, com que ha de contribuir pa o socorro de Pernambuco, porque, hauendose com o seu exemplo de escreuer ao Rno, conuem não se perder hora de tempo; e com este presuposto torno a encarregar a matria a camra.»285
A 7 de novembro a princesa manda a câmara de Lisboa reunir para decidir como iria
pôr em prática o recrutamento:
«uista a forma de resolução que S Mgde tomou nesta matria, se não deue nem pode parar nella. E asy trate a camra de a yr executando, ajustando os meyos por donde, com mais suauidade, se possa effeituar este seruiço (...) E pa isto se ajuntara a camra esta tarde.»286
No dia seguinte, solicita uma resposta ao presidente da Câmara:
«o conde, prezidente da camara desta cidade, me de conta do que se fez em cumprimto do que ultimamte lhe ordeney, em resposta do que representou sobre os quinhentos soldados, que S Magde manda que de pa o socorro do Brazil, porque conuem que o tenha entendido.»287
Apesar do empenho da princesa, a câmara continuou a protelar a execução das
ordens. Em dezembro chegam novas instruções de Madrid, que são comunicadas ao
presidente da câmara:
«O conde de Prado, presidente da camara desta cidade, e os ministros della trattem logo de executar, sem mais replica nem dilação, o que S. Mg.de manda por esta carta; e me dem conta, cada quatro dias, do que se fôr obrando, para o auisar a S. Mg.de.»288
A câmara responde com uma consulta ao rei, na qual novamente se lamenta do
excesso de tributos e despesa. Na resposta a esta consulta, a princesa acusa a câmara
de não se empenhar na recuperação do Brasil:
284
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.218. 285
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp.218-219. 286
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp.223-224. 287
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.224. 288
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.228.
47
«Si la camara, con el zello que tiene del seruicio de Su M.d, como lo ha mostrado en las occasiones de hasta aqui, considerara atentamente en esta lo mucho que va a todo este Rn.o en la restauracion del Brazil, de otra manera viniera esta consulta, y tambien repararara en que el juizio de las cosas, que contiene el papel incluso en ella, nõ tocaua a los que lo hizieron, y que muchas nõ vienen ajustadas ny bien entendidas.» 289 Concluindo a vice-rainha:
«e assi execute la camara luego, sin que se interponga punto de dilaçion, lo que S. M.d tiene rezuelto, y bueluame hoy esta consulta para passar a sus reales manos.»290
Margarida de Mântua mostra-se saturada quando, a 3 de janeiro de 1637, é
confrontada com mais uma consulta da câmara, na qual os magistrados da capital
insistem nos mesmos argumentos para justificar o atraso no cumprimento das ordens
régias. A ordem da princesa exarada à margem é bastante direta:
«la camara execute luego lo que S. M.d tiene resuelto, escusando mas consultas, y tratando de que se leuante e este promta esta gente, auisando del cumplimiento.»291
Sobre esta questão, a vice-rainha ainda concederia uma audiência ao juiz do povo,
conforme menciona o decreto de 29 de janeiro de 1637:
«O juiz do pouo me falou ontem, reprezentandome as rezões que se lhe offereçerão, para se não hauer de passar adiante na execução das ordens de S Mde, sobre os quinhentos soldados com que tem mandado que sirua a camra desta cidade para o socorro do Brazil.» 292
A princesa salienta a urgência em socorrer o Brasil, concluindo:
«he preçizamente neçessrio porse em execução o que S Mde tem mandado, sem embargo do que sobre isso ouuy ao juiz do pouo. (...) E o conde me dará conta, por escripto, do que se fizer, para eu a poder dar a S Mde.»293
Apesar da urgência, no ano seguinte ainda se ultimavam os preparativos. Em fevereiro,
a princesa avisava a câmara que “a armada se não poderá dilatar mais que ate
marso.”294
Já em março, novo decreto da vice-rainha ordenava:
289
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.232. 290
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.232. 291
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.233. 292
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.235. 293
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.235. 294
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.321.
48
«A camara trate de levantar os quinhentos soldados, por sua uia, como lhe esta ordenado, uzando pera este efeito dos meios que mais comuenientes se oferecerem, pera que se comsiga estarem prontos e prevenidos pera se embarcarem na armada, que esta de partida.»295
No entanto, em abril, o prazo era de novo dilatado, e a princesa responsabilizava o
presidente da câmara pelo recrutamento:
«tenho ordenado que se trate de concluir com tudo o que toca a armada, pondose a ponto para, com o fauor de Deus, poder sayr a nauegar no fim deste mez; (...) conuem que, sem perder hora de tempo (...) o conde prezidente da camara disponha o que toca a leua dos quinhentos homens, (...) aduertindo que, com esta ordem, e com as maes que tem de S Mg.de e minhas sobre esta materia, me ey por descarregada de fazer maes lembranças nella.»296
O processo de recrutamento não seria fácil, uma vez que os pescadores tentavam por
todos os meios escapar ao recrutamento para as armadas, dando origem ao emprego
da força e a tumultos.297
Esta vez não seria exeção e, com autorização do rei, foram aprisionados os marinheiros
que navegavam no Tejo:
«Em razão da grande falta que ha de marinheiros, para se poder aviar esta armada, com a brevidade que requer o soccorro da Bahia, houve V. Mag.de por conveniente que se mandassem commissarios a todos os portos do Ribatejo, para que se prendessem os que se achasse, dos que navegam nos barcos d’este rio.»298
O aprisionamento dos marinheiros acabaria por ter como consequência o corte nos
abastecimentos à cidade de Lisboa, uma vez que, “ feita a execução, resultou que
todos os que escaparam (...) se ausentaram com temor de serem presos.” Deste modo,
“faltando os barcos que navegam este rio, faltarão quasi todos os mantimentos d’esta
cidade, pois só por elles lhe vem o peixe, trigo, azeite, vinho, lenha, carvão, palha, e
ainda a carne.” 299
Em julho a princesa criticava a falta de colaboração da câmara de Lisboa, que tinha
atrasado o processo de recrutamento:
295
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.321. 296
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.336. 297
SCHAUB, 2001, p.280. 298
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.337, Consulta da camara a el-rei em 3 de julho de 1638. 299
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.337.
49
«O cuidado com que a camra tratou sempre do seruiço de S Mgde he mto visto, porem deue aduirtir, no partir desta leua, que a pra ordem que sobre ella lhe mandou S Mgde dar, foi em feuro do anno de 636, que hauendosse continuado a lembrança della por muitas outras, assy de S Mgde como deste gouerno, sempre a camara foi dilatando a sua execução com replicas e outras resões.»300
Como consequência, esgotando-se o prazo, a câmara teria agora que recorrer à prisão
de mendigos para os integrar na armada, o que poderia comprometer o sucesso da
armada:
«e que menos incoueniente era sustentarse esta gte alojada, que poder faltar na occasião, ou ser forsado, plo precizo della, lançar mão da vagamunda, sem fiança, como se faz, que he sempre a de pior qualidade, como a experiençia tem mostrado. E porque o que agra importa he suprirse o que em tanto tpo se dexou de fazer, por todas as vias e na forma que for posiuel, a camra o deue procurar assy, executandosse intramte o que S Mgde tem mandado, tendo entendido que a partida da armada se não podera dilatar.»301
A armada luso-espanhola de socorro ao Brasil (1639-1640) comandada por D.
Fernando Mascarenhas, conde da Torre, não seria bem sucedidada na sua missão de
expulsar definitivamente os Holandeses de terras brasileiras.302
A defesa do litoral
A preocupação com a defesa foi uma constante na atividade governativa da vice-
rainha que, na qualidade de Capitã General, era responsável pelas “preuençiones que
se han de haçer para la defensa de este Reyno en casso que la Armada enemiga llegase
a el.”303
O empenho da princesa nas questões militares é visível na correspondência com
Madrid:
«en diversas cartas tengo representado a V.Mg.d los incobenientes que resultan de faltar el socorro a la gente de guerra deste Reyno.»304
A sua competência é inclusivamente destacada pelo Mestre de Campo General, D.
Fernando de Toledo, como excedendo os limites da sua condição feminina:
300
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp. 338-339. 301
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp. 338-339. 302
MELLO, 1987. 303
AGS, G.A., 1325, Carta da Princesa Margarida, 6 de junho de 1636. 304
AGS, G.A., 1180, Carta da Princesa Margarida, 1 de junho de 1636.
50
«Puedo asigurar a Vmgd que si el çelo y cuidado de la Señora Prinçessa fuera axudado de los que la asistimos y por cuia mano preçisamente a de obrar que el serviçio de Vmgd se hiçiera con mas puntualidad y luçimiento pues su cuidado y inteligensia ecede de los limites de suxesso.»305
Em 1636 a princesa manda realizar a inspeção das instalações militares portuguesas306
“porque se tem de nouo entendido que as armadas dos enemigos estauão já prestes
para poder sair a nauegar.”307
No caso da capital do reino, a câmara é incumbida de providenciar a defesa da cidade
“reconheçendosse os muros e reformandosse onde for neçess.rio (...) E da mesma
maneira se reconheçerão as trincheiras, que no anno de 1625 se hauião feito com
occasião da armada ingreza.” A vice-rainha pretende ser informada das diligências,
que deveriam decorrer com celeridade:
«E do que se fizer e se lhe offereçer que representarme, me dará conta, ajuntadosse, para entender no que a isto toca, todas as tardes.»308
Se as obras iriam decorrer por conta da câmara, já os restantes preparativos eram da
incubência do governo:
«E reformadas as plataformas se prouerá pla capitania general de artelharia e o mais».309
Na primavera de 1640, na perspetiva de um ataque a Lisboa, a princesa encarrega a
câmara de acautelar o abastecimento dos castelos:
«S. Mg.de (...) manda que, para o que neste verão pode sucçeder, respeito dos auizos que ha dos mouimentos dos enemigos, (...) conuirá prouerse o castelo desta çidade, e assy o de São Gião [S. Julião da Barra], de bastimentos; e que isto se deuia procurar com os pouos vezinhos a estes castellos, metendo nelles esta primauera o vinho e pão que pareçesse necessario, (...). A camara desta cidade veja como isto de poderá dispor, assy pelo que toca a este castello, como ao de São Gião.»310
305
AGS, G.A., 1180, Carta de D. Fernando Enriquez y Toledo, 6 de outubro de 1636. 306
SCHAUB, 2001, p.268. 307
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p. 184, decreto da princesa, 16 de abril de 1636. 308
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p. 184, decreto da princesa, 16 de abril de 1636. 309
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p. 184, decreto da princesa, 16 de abril de 1636. 310
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.393, decreto da princesa, 2 de abril de 1640.
51
A vice-rainha pede insistentemente a Madrid o envio de dinheiro para acudir à defesa:
"remita uma gruessa partida de dinero para que com ella se escussen estos
inconvenientes, y yo de cansar tan de ordinario a V Mgd con estas instancias, que son
forcossas” argumentando que "si llegasse el caso de entrar aqui el enimigo no ay con
que poderse defender.”311
A capitania geral tinha a incumbência de organizar o alojamento em presídios das
tropas recrutadas, que constituiam uma garantia face aos ataques das frotas inimigas e
dos corsários holandeses, ingleses, franceses e mouros que infestavam as águas
portuguesas.312
A princesa refere a dificuldade em prover ao sustento das guarnições militares, que
passavam fome e não tinham que vestir, e os inconvenientes que daí advinham, do
ponto de vista da operacionalidadedas tropas:
«pues faltando, como faltan, todas estas cosas se ve de los inconvenientes que seria”(...) si llegasse la ocasion de salir a campear.»313
A hipótese de libertar os homens, recrutados pela força, para que procurassem o seu
sustento, poderia dar origem a desacatos:
«no ay un real en las arcas con que acudirles ni veo forma de onde poderlo remediar en los pocos dias que tardara de llegar este correo y si les faltasse el sustento seria fuerça abrirles las puertas para que se lo busquen cossa de los incovenientes que se vee en gente forçada y ençerrada.»314
Por outro lado, comprometeria o esforço feito na recruta "avra sido ynfructuoso el
gasto que con ella se ha tenido en conduzirla."315
É com estes argumentos que a princesa justifica o recurso a um empréstimo realizado
junto do assentista Pedro de Baeza:
«siendo fuerça abrir las puertas a tal gente para que vusque el sustento. Y que por evitar esto y esperarse que cada hora llegase dinero pedi a Pedro de Baeza Mercader Vezino desta çiudad prestase alguno con que socorrer la gente.»316
311
AGS, G.A., 1180, Carta da Princesa Margarida, 6 de junho de 1636. 312
SCHAUB, 2001, pp.257 e 265. 313
AGS, G.A., 1180, Carta da Princesa Margarida, 6 de junho de 1636; AGS, G.A., 1325, Carta da Princesa Margarida, 20 de junho de 1636. 314
AGS, G.A., 1180, Carta da Princesa Margarida, 8 de outubro de 1636. 315
AGS, G.A., 1180, Carta da Princesa Margarida, 25 de outubro de 1636. 316
AGS, G.A., 1180, Cartas da Princesa Margarida, 16 e 25 de outubro de 1636.
52
Por esses dias, o duque de Medina Sidónia, Capitão General do Mar Oceano e Costas
de Andaluzia, enviara para Portugal pólvora e corda que foram desembarcados em
Mértola, para evitar ataque de piratas, e deveriam seguir para Lisboa por terra.
Sabendo que que as munições estavam em Mértola, mas "por no aver un grano de
polvora ni un palmo de cuerda con que diparar un arcabuz" e encontrando-se “a vista
deste porto la armada enemiga,” a princesa foi obrigada a valer-se de 4 mil reais da
consignação do presídio, justificando ao rei a sua atuação por se tratar de uma
situação de emergência:
«considerando que en ocasiones tales hera de menos inconveniente tomar el dinero de la consignaçion de la gente de guerra que no que llegase (como pudiera llegar) el enemigo hallandose todala confussion y riesgo que se puede considerar.»317
O governo da princesa Margarida ficaria marcado pela ameaça de invasão do território
pela França, que preparou uma força naval com o objetivo de atacar a Monarquia
Hispânica em Portugal. Entre finais de 1638 e julho de 1640, quando a ideia foi
abandonada, o reino viveu um clima intenso de preparação bélica, em simultâneo com
a defesa e recuperação do ultramar.318
Em junho de 1639 a princesa foi informada dos “avisos que se han tenido de la Armada
de francia y promptitud com que esta para salir a navegar”.319
Deveriam ser tomadas várias providências:
«manda V Magd se pongan en defensa los castillos, haciendo se reconoscan las personas que los tienen a cargo.»320
Era necessário assegurar armas e munições para defesa dos castelos, bem como ter a
postos os mecanismos de comunicação “teniendo promptos correos (...) y prebenidas
Mulas, Machueles y Rocines.”321
Havia a suspeição de que o inimigo poderia atacar pelas fronteiras de Espanha e que
eventualmente teria informadores:
317
AGS, G.A., 1180, Carta da Princesa Margarida, 25 de outubro de 1636. 318
OLIVEIRA, 1991, p.247. 319
AGS, G.A., 1325, Carta da Princesa Margarida, 2 de junho de 1639. 320
AGS, G.A., 1325, Carta da Princesa Margarida, 2 de junho de 1639. 321
AGS, G.A., 1325, Carta da Princesa Margarida, 2 de junho de 1639.
53
«se ha entendido esta el enemigo com intento de acometer por las fronteras de España” mostrando “tener inteligencias para conseguir por medio de ellas alguna empressa.»322
A princesa deveria estar atenta, e não dar a entender esta desconfiança, averiguando,
por meios seguros e discretos, se haveria pessoas suspeitas, particularmente
estrangeiros.
Uma vez mais a vice-rainha salienta as limitações da sua acção, quer do ponto de vista
político -“no ha estado en mi mano mas de las instancias y recuerdos que he hecho (...)
sin haverse executado ni conseguido”,- quer da perspetiva financeira -“no se pudiendo
obrar nada sin dinero.”323
Em carta de 17 de julho de 1639, a princesa dá notícia da petição feita pelas mulheres
dos marinheiros para que sejam sustentadas na ausência dos maridos:
«las mugeres de alguna gente de Mar que se halla sirviendo en navios de la Armada que estan en cadiz y otras partes an dado memorial representando que hasta fin del mes de Março passado se les avia socorrido porquenta del sueldo de sus maridos y que acudiendo acobrar lo que montava el mes de Abril no se les dava, por decir el veedor general que no les tocava el socorro sino a las mugeres cuyos maridos se embarcaron para el Brassil pidiendo que no obstante se les continue por la mucha neçessidad que padeçen.»324
O vedor geral, Fernando Albia de Castro, alegava que esta ajuda só era devida às
mulheres dos que tinham embarcado para o Brasil; ”y que sin nueba orden de V. Mag.d
no le parecia se les socorriese.”325
Em seguida o assunto foi remetido para Tomás de Ibio Calderón:
«y aviendo visto de orden mia Thomas de Ibio Calderon del Consejo de guerra de V. Mag.d los informes referidos dijo que tenia por muy justo y del serviçio de V. Mag.d que se socorra a estas mugeres como a las demas.»326
Governadora de um reino que pugnava por defender o litoral e manter o império
marítimo, e profundamente envolvida nos preparativos das armadas, a princesa
considera que, apesar do parecer do vedor geral e da falta de verbas, seria mais
322
AGS, G.A., 1325, Carta da Princesa Margarida, 2 de junho de 1639. 323
AGS, G.A , 1325, Carta da Princesa Margarida, 2 de junho de 1639. 324
AGS, G.A. 1261, Carta da Princesa Margarida, 17 de julho de 1639. 325
AGS, G.A. 1261, Carta da Princesa Margarida, 17 de julho de 1639. 326
Os pareceres contraditórios poderão relacionar-se com o facto de Fernando de Albia e Tomás de Ibio se terem incompatibilizado em 1636 (cf. SCHAUB, 2001, p.277).
54
vantajoso aos interesses da coroa que se acudisse às mulheres de todos os
marinheiros:
«sin embargo de lo que diçe el vedor general y aun que por falta de dinero no se han socorrido las unas ni las otras desde ultimo del mes de Março, de que se sigue conocido daño al Real servicio pues no se hallara ningun Marinero quando sean menester, viendo que estando aussentes no se acude a sus mugeres com la racion y por cuenta de su sueldo.»327
Deste modo, deu ordem “para que haviendo dinero se hiciese en la conformd que
parece a Thomas de Ibio Calderon en tanto que V. Mag.d no manda otra cossa”. Alerta,
porém, o rei, de que “en las Arcas de la Armada no ay un real con que poder acudir a
esto y a otras muchas cossas que cada dia se ofreçen.”328
A reforma fiscal e as revoltas populares
Datava de 1631 o “aspero decreto que elRey D. Felipe, dos seus chamado o Quarto, fez
publicar aos Portuguezes: em que lhes mandaua o seruissem com quinhentos mil
cruzados fixos cada hum anno.”329
Desta forma, o governo de Madrid pretendia estabelecer uma renda fixa anual para a
contituição de uma armada pemanente de 30 velas para o socorro do Brasil e para o
apresto de outros meios militares para a conservação das conquistas portuguesas da
Ásia e da África.330
Esta renda fixa obter-se-ia com recurso ao tributo dao real de água (contribuição sobre
a carne e o vinho vendidos a retalho) e ao aumento do cabeção das sisas (aumento de
25% sobre o valor das sisas), entre outros expedientes, como por exemplo donativos
voluntários por parte dos nobres.331
Procurando dar cumprimento ao principal objetivo político da sua nomeação, poucos
meses depois da sua chegada a Portugal a princesa Margarida recorda à câmara de
Lisboa “as urgentes e preçizas necessidades publicas, e o grande aperto em que os
inimigos desta monarquia tem posto e vão pondo cada dias as conquistas e comerçios
327
AGS, G.A. 1261, Carta da Princesa Margarida, 17 de julho de 1639. 328
AGS, G.A. 1261, Carta da Princesa Margarida, 17 de julho de 1639. 329
MELO, 1660, p.10 330
HESPANHA, 1989, p. 56. 331
BOUZA, 1987, p. 856.
55
deste Reyno” que justificavam “a execução do real de água e do cabeção das sisas (...)
nesta çidade e termo para que, com este exemplo, se faça o mesmo em todo o Reyno.”
No mesmo documento são referidos os procedimentos para a cobrança eficaz dos
tributos “porque se tem entendido que se fazem muitos fraudes, e que pagão os pobres
e não os ricos.” 332
O decreto de 6 dezembro 1635 elucida-nos sobre os passos tomados pela vice-rainha
para a cobrança dos impostos. “Havendo mandado executar os dous meyos [o real de
água e a quarta parte do cabeção das siza]” procurou-se a fundamentação legal dos
mesmos: “mandando eu ver em junta de letrados, doctos e scientes dos estillos e leis
neste Rn.o (...); e junctandosse por meu mandado menistros das callidades refferidas”;
devidamente aconselhada “e tendo eu prezente o que se me hauia proposto e escrito
em ordem a se usar dos dittos meyos (...) resolvui que (...) se executasse logo.” 333
Foram tomadas providências para avançar com este processo em todo o país:
«e não so pello que toca a esta çidade [Lisboa] se derão as ordens necessarias aos ministros ordinarios, que no termo della cosumão lançar as sizas, para que imponhão mais o que importa a quarta parte do rendimento dellas (...); mas tambem as mais çidades, villas e lugares do Reino se tem inuiado as mesmas ordens.»334
A princesa apela à colaboração e ao exemplo dos magistrados da principal cidade do
reino:
«me pareçeo lembrar-lhe [à câmara de Lisboa] (...) que se deue considerar nella o zello e cuidado, com que costuma acudir nas occasiões do ser.ço de S. M.de e das neçessidades publicas do Reino, quando as prezentes são mayores que todas as que nunca ouue.»335
O atraso nos preparativos poderia mesmo por em causa a perda definitiva do Brasil:
«dillatandosse, acabarão os enemigos da sancta fé e igreija catholica de ganhar o Brazil, perdendosse aly a relligião christã e a gloria e substançia desta coroa, que sem aquelle estado ficará tão empobreçida.»
332
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp. 106-107, decreto da duquesa de Mântua de 6 de março de 1635. 333
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.115, decreto da duquesa de Mântua de 6 de dezembro de 1635. 334
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.115 Decreto da duquesa de Mântua de 6 de dezembro de 1635. 335
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.115 Decreto da duquesa de Mântua de 6 de dezembro de 1635.
56
A governante pretendia que o processo decorresse com celeridade, “pelo que resoluo
e mando que o prezidente e offiçiaes da camara, sem mais dillação nem replica,
ponhão em execução os dittos dous meios, concorrendo para isso de sua parte com
todo o calor e pronptidão neçessaria, como delles espero.”336
Em fevereiro de 1636 a princesa, quando a Câmara de Alverca pretende,
argumentando determinados privilégios, “isentar-se da contribuição do Real d’Agoa, e
accrescentamento do Cabeção, que Sua Magestade manda impôr geralmente no
Reino, e que está já imposto na maior parte delle,” a vice-rainha responde que
“poderia isto ser de prejudicial exemplo, por haver outras Camaras que tem a mesma
pertenção, fundada em semelhantes privilegios, a que se não tem deferido”. Assim,
determina que “se ordena pelo Governo, que, sem embargo de tudo, se executem os
dous meios referidos.”337
O governo ordenava, e “obrauão todos os Corregedores do Reyno, segundo as suas
ordens”. Porém, como refere D. Francisco Manuel de Melo, “a nenhum eraõ já ocultas
as grandes dificuldades, que o Pouo oferecia a seu comprimento.”338
Ao tão premente argumento da fome, em anos marcados pela carestia agrícola em
toda a Europa, junta o autor das Epanáforas o argumento de que “segundo os antigos
foros, não pòdem os Principes impor nouo tributo, antes que em Cortes seja
comunicado, pedido, & concedido.”339
De facto, as populações esperavam que o monarca mantivesse a ordem do corpo
social e respeitasse os ancestrais direitos de cada uma das suas partes. A mudança e as
novidades constituíam algo de repugnante para a sensibilidade coetânea, e o
governante que não cumprisse essas expectativas e procurasse inovar, concentrando
em si todos os poderes, tinha boas probabilidades de ser classificado de tirano.340
É nesta conjuntura que despoletam revoltas populares por todo o país, com maior
incidência no Alentejo e Algarve.
As alterações tiveram início em Évora onde, de acordo com o relato de D. Francisco
Manuel de Melo, “foraõ trazidos ao fogo todos os liuros reaes, que seruião de registro
336
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.115 Decreto da duquesa de Mântua de 6 de dezembro de 1635. 337
Collecção chronologica…, p. 73, 7 de fevereiro de 1636. 338
MELO, 1660, p.28. 339
MELO, 1660, p.10. 340
CARDIM, 1998, p. 145.
57
aos dereitos publicos; romperão as balanças dõde se cobraua o nouo imposto da carne;
deuassarão a cadea, dando liberdade aos prezos de quem esperauão ser ajudados,
saqueàrão os Cartorios, desbaratando papeis, & liuros judiciais.”341
O mesmo texto refere que, a ausência de uma pronta reação por parte das
autoridades, “os de Euora (...) começaraõ a gloriarse de suas acçoens, em vez de
temellas, & o que parecia, & foi mais perigoso contra a paz publica, era a comunicaçaõ,
que por cartas introduziaõ com os Pouos vezinhos, & distantes.”342
Deste modo, “chegou, não se sabe qual primeiro, se a fama, ou aplauso, do sucedido
em Euora, aos Pouos circunvezinhos, & pouco despois aos mais apartados da Prouincia
de Alentejo, dõde tão depressa foi tudo ouuido, como imitado; porque como em todos
era comum a queixa, estaua igual a disposição.”343
A intervenção do clero e a questão do colector apostólico
Numa carta ao cabido de Miranda do Douro, datada de dezembro 1637 a vice-rainha
refere que “as alterações que ha havido em Alguns lugares deste Reyno obrigão as
preuençois que ey mandado fazer”, acusando o clero de incentivar a sedição: “tenho
noticias que o principal fundamento de tudo são religiosos e ecclesiásticos sendo como
são interessados que os pouos não contribuam no Real dagoa.”344
Para além de alimentar os desacatos populares, os clérigos não cooperavam com as
autoridades:
«e inda que ey dado diuersas ordens aos Prelados para que castiguem os sediciosos de sua jurisdição não se ha uisto castigo nem emenda e a sedição continua, e aumenta com que eu não poso deixar de acudir a apaziguar esse Reyno, e isto se não pode fazer sem castigo ygual a rebeldia o coal não se chegara a executar nunca como conuem se for necessario ocorrer aos juizes ecclesiasticos, que não hão podido, ou não hão querido castigar esta sedição.»345
O governo estava ciente da influência dos clérigos na agitação que percorria o reino.
341
MELO, 1660, pp. 31-32. 342
MELO, 1660, p.39. 343
MELO, 1660, p.41. 344
Carta ao cabido de Miranda do Douro, dezembro de 1637 in CAVALHEIRO, 1940, pp. 24-25. 345
Carta ao cabido de Miranda do Douro, dezembro de 1637 in CAVALHEIRO, 1940, pp. 24-25.
58
A. M. Hespanha refere-se à Igreja como um pólo político decisivo, salientando que o
poder eclesiástico tinha, nesta sociedade, um impacto local incomparável, e que
constituía, na prática, o único poder que conformava e disciplinava os grandes espaços
territoriais e, nomeadamente, o português, não apenas no plano espiritual mas ainda
no plano temporal.346
Para tentar limitar a interferência do clero, decidiu-se que o jesuíta Dr. Sebastião do
Couto, considerado o principal responsável pelos levantamentos do Alentejo e Algarve,
deveria ser retido num convento castelhano. Para evitar a prisão, que faria recrudescer
o levantamento popular ordenou-se, através da princesa Margarida,347 aos provinciais
de Santo Agostinho, S. Domingos e da Companhia de Jesus que fizessem comparecer
na corte de Madrid quatro religiosos de cada uma destas ordens, “los mas doctos para
comunicar com ellos las cosas convenientes de aquel reyno.”348
Disso mesmo dá conta uma carta incluída no Memorial Historico Español, escrita em
Madrid a 20 de janeiro 1638:
«Vinieron de Portugal el dia de la Pascua quatro religiosos agustinos de los mas graves y calificados de su religion, y unos padres dominicos de la misma calidad, y vienen de la Compañia tambien algunos, y enviados todos por la señora princesa Margarita á informar á S. M. del estado de las cosas de aquel reino.»349
A manifesta animosidade do clero para com as autoridades civis não tivera origem
apenas na fiscalidade. No final de 1635, a vice-rainha fora incumbida de elaborar um
inventário dos bens de raíz que estivessem nas mãos da Igreja portuguesa,
procurando-se dar início à desamortização de uma série de propriedades, em especial
as que serviam para financiar capelas e estavam em situação irregular.350
O colector apostólico Castracani, bispo de Nicastro, que chegara a Lisboa em 1635,
publica no domingo de Ramos (16 de março de 1636) uma carta pastoral
excomungando todos os fiéis que denunciassem aos magistrados a existência de
capelas injustamente na posse de religiosos.351
346
HESPANHA, 1993, p. 11. 347
OLIVEIRA, 2002, p.697. 348
AHN, Estado, liv. 699,” Lebantamiento de Portugal”, cit. por OLIVEIRA, 2002, p.697. 349 Memorial Historico Español, t. XIV, p. 296, carta de 20 de janeiro de 1638. 350
VALLADARES, 2006, pp. 38-39. 351
SCHAUB, 2001, p. 227.
59
A princesa opõe-se ao colector na defesa da jurisdição da coroa face à da Igreja,352
num processo que se prolongaria por mais de três anos, sendo atribuídas a Castracani
responsabilidades nos levantamentos populares, devido ao interdito lançado sobre os
fiéis.353
Em carta de 3 de fevereiro de 1637, o rei refere as diligências levadas a cabo pela vice-
rainha:
«as consultas que me enviastes, do Conselho de Estado, e da Junta que ordenastes em vossa presença, sobre o Edital que o Colleitor mandou publicar em Domingo de Ramos do anno passado de 1636, contra as pessoas que denunciavam Capellas, que possuem alguns Mosteiros e pessoas ecclesiasticas.» 354
A situação foi cuidadosamente analisada em Madrid:
«mandei vêr, com todos os mais papeis que com ellas vieram, pelos Ministros do Conselho desse Reino, que residem junto a mim, e pelos do Conselho de Castella, e outros muitos Juristas e Theologos.»355
Seguem-se as instruções para a Princesa:
«e havendo concordado todos em que o Colleitor tem procedido com grande excesso (...) resolvi, que ao Colleitor se ordene, que reponha logo o Edital, e tudo o mais que neste negocio tiver feito.»356
Ou seja, o colector deveria ser levado a retirar o interdito, delicada negociação que
ficaria nas mãos da vice-rainha:
«lh’o direis, pela via que vos parecer melhor; estranhando-lhe muito o haver publicado o Edital em Dia de Ramos quando toda a gente está nas Igrejas, occasionando perturba-la na paz temporal e espiritual, e usar nelle de palavras indecentes e escandalosas; (...) e dizendo-lhe tudo o mais, que a este intento se vos offerecer.»357
Previa-se, porém, desde logo, que haveria resistência em ceder às ordens do rei:
«não querendo o Colleitor cumprir e fazer o que fica referido».358
352
SCHAUB, 2001, p. 227. 353
SCHAUB, 2001, p. 227. 354
Collecção chronologica…, p.119. 355
Collecção chronologica…, p.119. 356
Collecção chronologica…, p.119. 357
Collecção chronologica…, p.119. 358
Collecção chronologica…, p.119.
60
Nessa situação, esclarece o monarca, “ordenareis que se use com elle do que o Direito,
Costume e Leis desse Reino permittem.”359
Em última instância, o colector poderia chegar a ser expulso do reino:
«e se não bastar tudo, se usará da mão, que o Direito e o Costume me hão concedido, como Rei e Principe Soberano, para deitar de meus Reinos aos Ecclesiasticos, nos casos, que, tendo elles obrigação de obedecer e cumprir o que se lhes manda, como neste, o não fazem.»360
O rei confiava que seria possível resolver a contenda “caminhando pelos meios
juridicos como espero do vosso zêlo e da inteireza dos Ministros desse Reino, que o
saberão obrar.”361
No entanto, critica o modo como a questão tinha sido conduzida pelo governo:
«Se bem que não posso deixar de vos dizer, para que lh’o advirtaes, que em negocio de tanta importancia se ha procedido ahi com alguma frouxidão, e ainda mais espaço, do que materia tão grave requeria.» 362
Teriam sido o Desembargo do Paço e a Casa da Suplicação a referear a acção da
princesa, considerada demasiado vigorosa.363
O marquês de la Puebla propõe-se mediar a questão entre o colector e a vice-rainha,
mas apenas conseguiria que este suspendesse por seis meses os interditos e
censuras.364
Dete modo, e depois de ter convocado Castracani por três vezes, sem sucesso, a
princesa decide, dando cumprimento às ordens de Madrid, proceder à expulsão do
colector no final de Agosto de 1639, medida que suscita fortes reações, chegando ao
ponto de ter de colocar os magistrados sob proteção da sua guarda alemã e proibir os
monges de sair dos mosteiros, para evitar que estes agitassem a população.365
359
Collecção chronologica…, p.119. 360
Collecção chronologica…, p.119. 361
Collecção chronologica…, p.119. 362
Collecção chronológica…, p.119. 363
SCHAUB, 2001, p. 227. 364
AGS, Estado, 4047, Junta do despacho ordinário de Portugal, 20 de setembro de 1639. 365
SCHAUB, 2001, p. 228.
61
A reação do governo
D. Francisco Manuel de Melo afirma que a vice-rainha não se terá apercebido, logo de
início, do alcance da revolta popular:
«Recebida em Lisboa a nova do sucesso de Evora pella Princeza margarida, governadora do reyno, não se fez della o verdadeiro juizo; (...) só se julgou por particular dissolução de algumas pessoas inquietas, cometendose a informação do sucedido aos tribunaes de justiça, pera que fizessem castigar os culpados, como em crime ordinario.»366
De acordo com o autor das Epanáforas, seria a disseminação da ação dos revoltosos a
colocar a princesa em alerta:
«A Princeza Margarida, bem que ao principio (...) havia desentendido a calidade do negocio, jà com grande afecto não cessava de o representar urgentíssimo a elRey D. felipe, em repetidos avisos.»367
O mesmo texto refere que estes avisos eram “numerosos” mas “incertos”, uma vez
que a princesa estaria “temerosa de que se lhe imputasse alguma culpa no excesso da
execução, ou na dilação do remédio”. Deste modo, e “por conselho e industria do
Secretario Miguel de Vasconcelos, seu favorecido, referia a elRey ou mais, ou menos,
ou diferentes cousas de aquellas que verdadeiramente se passavão.”368
A sátira intitulada «A inundação que fes a privada do Castello de Lisboa quando
arrebentou»369, dirigida à vice-rainha, dá a entender o impacto que a insurreição de
Évora teve em Lisboa:
«Senhora, aquelle despeio
que o castelo fes de sy
dizem todos por aquy
foi com medo do Alemtejo»
Caberia à princesa a responsabilidade de lidar com os revoltosos, aqui personificados
na figura inimputável do pobre demente Manuelinho:
«Se V.A. quizer
mostrarse mais amoroza
Manoelinho ha de render
366
MELO, 1660, p.29. 367
MELO, 1660, p.32. 368
MELO, 1660, p.32. 369
in BOUZA, 2000, pp.35-36.
62
que nunqua se vio molher
a menino rigorosa
e se não fiqua o stado
com vergonha e grande pejo
pois se tem averiguado
que o Castelo estar borrado
foi com medo do Alentejo.»370
Em Janeiro de 1637 a vice-rainha recebeu de Madrid a ordem de recolher em segredo,
mantendo o anonimato dos informadores, os nomes dos principais responsáveis pelos
levantamentos.371
D. Francisco Manuel de Melo relata que, entretanto, “procurava a Princeza nestes dias
todo o possível achar meyos com que atalhar a sedição.” Nomeou novo corregedor
para Évora, Jerónimo Ribeiro, que “não cessava de avisar à Princeza, pedindolhe
acodisse com remedios de mayor força; de que assobrada e confusa Margarida,
procedendo com feminil resolução, ora abraçava os violentos, ora deixava estes por
seguir os moderados.”372
Outras tentativas de abrandar a sedição, referidas na Epanáfora Política, foram a
decisão de enviar a Évora Frei Manuel de Macedo, da ordem de S. Domingos, “para
que pregando naquele povo (...) os pudesse reduzir à quietação”373; também Fernão
Martins Freire, “senhor da casa de Bobadella”, natural de Évora “bem quisto” aos
fidalgos e “poderoso entre o povo foi da Princeza escolhido e mandado” como
intermediário “para que ajudasse por todos os meyos a dispor a concordia.”374
De acordo com o mesmo texto, estas medidas não se revelaram eficazes pois “o mal
não parava á vista dos discursos, ou prevenções, e jà alguns povos destroutra banda do
Tejo se hião declarando pella opinião dos de Alentejo.”375
D. Francisco Manuel de Melo transmite a imagem de uma governadora desconcertada,
perante uma situação que parecia incontrolável:
370
BOUZA, 2000, pp.35-36. 371
OLIVEIRA, 2002, p. 587. 372
MELO, 1660, p.33. 373
MELO, 1660, p.34. 374
MELO, 1660, p.35. 375
MELO, 1660, p.36.
63
«Desesperada a Priceza, e temerosa de tomar sobre si o peso da revolução de Portugal, não quis dissimular por mais tempo de representar a el Rey o desengano com que se achava, de que não era o poder que no reyno tinha bastante a castigar, ou reter a furia que levavão os inquietos; finalmente consultando à corte sua desconfiança (...) punha em mãos delRey o perigo e o remedio.»376
Em resposta à princesa, em dezembro de 1637 Filipe IV recorda os motivos que haviam
estado na origem da nomeação da vice-rainha, de forma a corresponder aos desígnios
do reino:
«Ainda que, depois que succedi n’esses reinos, hei procurado, como cousa mais própria de minha obrigação, a satisfação de todos os meus subditos. E não foi pequena demonstração pô-lo em pessoa tal e independente (...) que os inferiores conseguirão justiça com igualdade e sem contemporisações dos poderosos (...) e tão conveniente, para os livrar de opressão, estar seu recurso em mãos de quem, tão livremente como vós, fareis administrar justiça: com que não pude obrar mais n’esta parte, depois de morto o infante D. Carlos, meu muito amado e prezado irmão, que dar-lhes tal governadora.» 377
O rei lamenta a ingratidão dos portugueses:
«E quanto mais me oferece a consideração dos beneficios que de minha mão hão recebido, tanto maior dôr me causa vêr desencaminhados os povos.»378
O monarca informa que tinha sido decidida em Madrid a necessidade de uma
intervenção militar para reprimir os tumultos:
«Estando prevenido isto, resolvi informar-me de vós, do governo, do conselho de estado, do duque de Bragança, dos fidalgos d’Evora e mais pessoas bem afectas.»379
As tropas congregadas na Extremadura e Andaluzia entraram em Portugal, derrubaram
a oposição e a 5 março de 1638 proclamou-se o perdão geral, com exceção dos
cabecilhas, pondo assim fim aos motins.380
376
MELO, 1660, p.37. 377
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp.302- 310, capítulo da carta régia de 3 de dezembro de 1637 . 378
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp.302- 310, capítulo da carta régia de 3 de dezembro de 1637. 379
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, pp.302- 310, capítulo da carta régia de 3 de dezembro de 1637. 380
ELLIOTT, 2009, pp. 582-583.
64
O conflito com o marquês de la Puebla
O fracasso na obtenção do relacionamento institucional e pessoal entre a princesa e o
marquês de la Puebla, nos moldes estabelecidos pela instrução secreta, acabaria por
agravar a instabilidade governativa no reino de Portugal.
Se, por um lado, a presença do marquês constituía uma novidade que foi muito mal
recebida pela nobreza portuguesa, sobre a qual até então tinha recaído o principal
peso do governo do reino,381 faltou também ao primo do conde-duque conquistar a
confiança pessoal da princesa, o que comprometia o exercício do seu cargo, numa
época em que a amizade era fundamental para as relações políticas.382
O marquês começa por revelar prepotência e falta de tacto quando, chegado a Lisboa,
convoca para os seus aposentos particulares o conde de Miranda, presidente do
Conselho da Fazenda e principal responsável pelo financiamento das armadas. Este
mostra-se indignado com a convocação, feita fora do quadro institucional, e com a
rudeza com se lhe dirige la Puebla, que pretendia comandar os oficiais do porto de
Lisboa.383 Desde logo a princesa, informada pelo memorial de Diogo Soares da
relevância política do conde, compreende que correria o risco de o afastar se se
submetesse à vontade do marquês de la Puebla, o que iria comprometer o
equipamento da armada, processo cujos detalhes o conde conhecia
detalhadamente.384
Outro elemento de discórdia seria, desde o início, a corte de italianos da princesa
Margarida,385 tal como transparece na correspondência com Madrid.
Numa carta para o rei, datada de 1 de fevereiro de 1636, o marquês de la Puebla
refere a falta de confiança que a princesa tinha nos servidores espanhóis que lhe
tinham sido designados, por acreditar que estes teriam roubado o seu irmão, o
príncipe Filiberto, explicando que “deve de haver sido causa esta desconfiança de que
algunos criados que aqui se han reçivido se an buscado Piamonteses.”386
381
BOUZA, 2000, p. 228. 382
SCHAUB, 2001, p.183 383
SCHAUB, 2001, p.183. 384
SCHAUB, 2001, p.182. 385
LUXÁN, 1988, p.416. 386
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 1 de fevereiro de 1636.
65
Ao mesmo tempo que afastava os castelhanos, substituindo-os por criados
piemonteses da sua confiança, a princesa autorizava o conde Bainetti e o padre D.
Mansueto a entrar no despacho.
O marquês vê-se preterido no seu papel de superintentende da casa da princesa:
«He tenido por muy conviniente al seriçio de V Md y para que se lograsse lo Prinçipal dexar que los Criados y Hacienda de su A. se governase a su voluntad por el pareçer del Conde Baynete y del Pe don Mansueto.» 387
O marquês fica, assim, afastado da gestão da casa da princesa até ter sido chamado a
resolver um problema de falta de dinheiro:
«Y a mi cassi nunca se me a dado quenta de nada (ni de los criados que se an despedido y reçivido) sino es en los meses passados faltando dinero para la cassa que su A. me ynbió a mandar que procurase que se supliese como se hiço.»388
Procurando averiguar o motivo dos gastos excessivos, o marquês pediu as contas da
cavalariça, vindo a descobrir que tinha sido desviado dinheiro da cevada para o conde
Bainetti e D. Juan de Castillo.
La Puebla mostra-se indignado, garantido que sob sua gestão tal situação não teria
ocorrido “su A. savia que el govierno de la cassa no havia corrido por mi ni se me havia
dado cuenta de nada que si huviera corrido huviera procurado disponer las cosas de
manera que no huviera faltas en la cassa de su A.” 389
Para obviar a situação, sugere então que se pedisse um adiantamento ao tesoureiro da
alfândega “por quenta de primer quartel de este año.” 390
A princesa teria ficado insatisfeita com esta proposta, por considerar que o marquês
poderia agilizar de outra forma a situação, recorrendo ao seu estatuto de presidente
do Conselho da Fazenda de Castela:
«He entendido que su A. a estado desabrida por esto, no se serviendo de que se executase este medio diçiendo que bien podia yo como Pressidente el consejo de haçienda de Castilla llamar un asentista y dalle consignaçion para que pagase este dinero.» 391
387
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 1 de fevereiro de 1636. 388
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 1 de fevereiro de 1636. 389
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 1 de fevereiro de 1636. 390
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 1 de fevereiro de 1636. 391
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 1 de fevereiro de 1636.
66
Meses mais tarde, o marquês acusava os criados italianos de terem intrigado contra a
sua pessoa junto da princesa, conduzindo ao seu afastamento:
«Las conbenencias de sus criados me hiçieron mal visto de Su A. no se enbaraçava conmigo aunque estuviese mucho rato en su apossento antes me dava particular notiçia de sus cossas de su hija y de su dote.»392
O marquês queixava-se sobretudo do ascendente que a camareira-mor, a marquesa
Tassoni, teria sobre a princesa:
«Desde Évora se descubrió la camarera mayor su actividad y codiçia y brevemente se reconoçio quan poderosos eran sus criados com su A. La camarera mayor porque deve de ser la perssona demas sangre que su A. tray consigo y de ordinario la amenaça con que se yra.»393
Muito influentes eram também o mordomo-mor “el Conde baynete porque su A. le
haçe mucha md” e o padre “Mansueto por esta raçon y porque deve juzgar que
neçesita de su ynteligençia para sus negoçios.”394
A princesa procurava recompensar os seus fiéis servidores:395
«Siendo cossa que su A. diçe algunas veçes que les tiene obligaçion porque la han servido y por que la han de bolver a servir.»396
Até mesmo o pedido de envio de mais dinheiro era justificado pela princesa devido à
necessidade de sustentar o seu séquito:
«Deste año no ay consignacion y sin ella no se podra pasar adelante no ay cosa que haga ma de mala gana que pedir para my si bien esto mas es para otros porque los que me sirven como los mas no son de aqui y este año todo esta tan caro la pasan mal.»397
Embora agindo no cumprimento de um dos capítulos das instruções, a tentativa por
parte do marquês de coartar o poder paralelo e profundo dos criados da princesa
392
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 13 de agosto de 1636 393
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 13 de agosto de 1636 394
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 13 de agosto de 1636 395
Na correspondência para Madrid encontram-se vários exemplos que ilustram esta situação, como a intercessão junto do conde duque no pedido de patente de coronel para o genro da marquesa Tassoni, ou a referência a mercês solicitadas pela princesa para o conde Bainetti e o padre Mansueto: “tambien
ha un año que estoy aqui y delas mercedes que se me prometieron para el Conde Ludovico y el padre Don
Mansueto no he visto ningun effecto.” (AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida ao conde-duque, 1636). 396
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 13 de agosto de 1636. 397
AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida ao conde-duque, 1636.
67
acabaria por agudizar o conflito,398 que se revelava também na gestão do governo.
Volvidos seis meses sobre o início do governo, já o conselho de Estado reconhecia que
“la carta de la S.ra Princesa muestra poca satisfacion de como corren los negocios en
aquel Reyno y paresce que comprehende misterios en el modo con que quiere discurrir
en los ministros que la assisten.”399
A governadora queixava-se da prepotência que queriam adquirir no governo os seus
protectores, dando ordens sem o seu conhecimento:400
«La S.ra Princesa se quexa de que el Marques de la Puebla tiene gran superioridad.»401
Miguel de Vasconcelos relataria mais tarde que a princesa se recusara assinar as
consultas quando lhe eram apresentadas com o despacho do marquês, comentando
ironicamente que lhe traziam as lições já feitas:
«[El Marq.s] quizo introduzir que luego se puziesse en las consultas el despacho de lo que en sua caza resolvia, como se puzo en muchas, y acordado deve estar Gaspar Ruiz de haverme dicho que reparando V. A. en esto no quiziera señalarlas diziendo: bueno está traerdesme tan echas las liciones.»402
Por outro lado, em carta de 4 de fevereiro de 1636, o marquês lamenta-se ao conde-
duque de não conseguir cumprir as funções para as quais foi enviado a Portugal:
«En el correo passado escrivi que no solo estava Portugal çien leguas de madrid, sino mas lejos que la yndia, aora digo s.or que esta en la china.»403
Para la Puebla o principal defeito da princesa era “desear que corran los negoçios por
su mano”, situação que considerava incompreensível, justificando que"nunca las
mugeres governaron sin Asistençia de ministros.”404
Todas as iniciativas levadas a cabo pelo marquês para se inteirar dos negócios saíam
goradas, e as suas ordens não eram cumpridas:
«Si digo que se enbie alguna orden no se haçe, si trato de que se junten conmigo algunos ministros tanpoco se da lugar a ello.» 405
O principal interlocutor da princesa era o secretário Miguel de Vasconcelos:
398
OLIVEIRA, 1991, p.150. 399
AGS, Estado, 2656, Conselho de Estado de 24 de julho de 1635. 400
LUXÁN, 1988, p.412. 401
AGS, Estado, 2656, Conselho de Estado de 24 de julho de 1635. 402
AGS, Estado, 4047, relato de Miguel de Vasconcelos, 21 de abril de 1637 403
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636. 404
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636. 405
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636.
68
«[As consultas] de mano de Su A. ban a la de vasconçelos sin que yo sepa quando an benido y se despachan quando quiren y con los ministros que quieren.» 406
La Puebla garantia, porém, ter sempre tido uma atitude de reverência para com a
Princesa: “enquanto a la beneraçion de Su A. yo he tenido tanta en palabras y en
demonstraçiones e echo quanto me se a sido posible;”407 pelo que não compreendia o
afastamento e isolamento a que tinha sido votado: “yo me allo aqui haçiendome su A.
muy poco favor y no rreconoçiendo ninguno los que entran en mi apossento y me
asisten.”408
O marquês suspeitava de que teriam sido levantados falsos testemunhos para
predispor a duquesa contra si:
«El daño es que se podia creer lo mucho que abran dicho a su A. y testimonios que me habran lebantado (...) para procurar que apartandose de mi pudieses obrar a su voluntad.» 409
Estava, porém, ciente de que a princesa enviaria para Madrid uma versão diferente dos
acontecimentos:
«En la consulta que havia rremetido su A. en el correo anteçedente yo lo dificultava o cassi ynposiblitava todo.» 410
A perspectiva da vice-rainha era, naturalmente, oposta à do marquês de la Puebla. Em
carta ao rei, e assumindo a sua habitual postura dramática, Margarida começava por
afirmar que “querria ser un Angel para no poder errar y tener la inteligencia que seria
menester para mejor servir a V. M. y obviar inconvenientes.”411
Admitindo o conflito com aquele que deveria ser o seu braço direito, a princesa
aproveitara o período do Natal para refletir sobre a questão, concluindo que seria difícil
concretizar determinados pontos das instruções que recebera do monarca:
«Estos dias de fiestas con particular cuydado he procurado poner en la memoria mys instruciones y assy en lo cerimonial como en lo esencial ay algunas cosas que no se como se podran bien ajustar.»412
406
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636. 407
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636. 408
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636. 409
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636. 410
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636. 411
AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida, 1 de janeiro de 1636. 412
AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida, 1 de janeiro de 1636.
69
A princesa mostra intenção de resolver o problema:
«El otro dia llame a los dos secretarios Don Francisco Valcarcel y Francisco leyton y Tomas d’Ibio Calderon y les dije como deseava que estas cosas se ajustasen y assy iremos tratando dello.»413
No entanto, revela-se descontente com a falta de autoridade que lhe tinha sido
atribuída, uma vez que se considerava tão competente e experiente quanto o marquês:
«Las noticias de aca sino soy muy lerda podria haverlas aprendido tan bien como el Marques de la Puebla pues ni la edad ny las del Mundo me faltan.»414
Na correspondência com o conde-duque a princesa mostra-se ciente da dificuldade
que haveria em discernir a questão a partir de Madrid:
«Con mucho gusto escrivo a V. E y por otra parte escrivo muy de mala gana y mas quando no siento poder dezir todo lo que seria menester para que V. E. tenga entendido las cosas como son el tiempo lo dira.»415
Margarida afirma que não pretendia contrapor os argumentos dos seus opositores,
nem alimentar as intrigas:
«Si de cada cosa yo quisiese hazer una istoria no tendria poco en que occuparme no me sobra tiempo para esso mys acciones seran las que hablaran por my qui yo no naci para relatora ni para hazer mal a nadie harto me pesa quando ellos mismos se lo hazen.»416 Reitera que “en nada perdi diligencia y vigilancia” e mostra-se empenhada em tomar
as rédeas da situação:
«Es menester que entiendan que yo soy la que obra y ha de obrar.»417
O conselho de Estado de 25 janeiro 1636 analisa as cartas da princesa e do marquês de
la Puebla acima referidas:
«Se va descubriendo la llaga con que unos escriven de los otros.» 418
Conclui que a tentativa de pacificar o governo de Portugal por intermédio da vice-
rainha estava a ser um fracasso:
«Las materias no pueden estar en peor estado hallandose los ministros tan
413
AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida, 1 de janeiro de 1636. 414
AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida, 1 de janeiro de 1636. 415
AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida ao conde-duque, 1636. 416
AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida ao conde-duque, 1636. 417
AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida ao conde-duque, 1636. 418
AGS, Estado, 4047, Conselho de Estado de 25 de janeiro de 1636.
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discordes unos de otros syn haverse conseguido el fin que tanto se desseo y impostava de unir unos con otros por mano de la sa Princessa.»419
A princesa estava do lado dos portugueses e não envolvia os ministros da confiança de
Madrid na governação; por seu turno, os ministros portugueses, aproveitando-se do
carácter voluntarioso da princesa, manipulavam-na contra la Puebla:
«Los Portuguesses se han juntado y tienen de su parte a la sa Princessa que separadam.te pueden obrar sin intervençion ni comunicaçion de los otros [los ministros de Castilla] siendo que combenia que la sa Princessa se valiera de los de aca.»420
Os conselheiros sugerem que o marquês de la Puebla deveria continuar a tentar
implementar as políticas de Madrid, mas recomendava-se-lhe que fosse mais subtil na
sua actuação, por modo a não melindrar a vice-rainha:
«Se podria advertir tambien al Marques que no combiene se entienda que el es el que govierna en aquel Reyno sino antes bien deve mostrar que todo lo haçe la sa Princessa y devaxo de sus ordenes procurar el disponer y encaminar quanto se offreciere del serviçio de V. Mg.d pues de otra manera no seria raçon siendo la Prinçesa la persona que es y de la actividad y entendimiento que reconoçe en todas sus acçiones.»421
Quanto à princesa, deveria ficar reconhecida pela honra que lhe fora feita: “tambien
conbendra que con esta ocassion entienda la sa Princesa quanto mayor favor se lo hiço
V. Mg.d en la forma que le encomendo aquellos cargos” atribuindo-lhe “el titulo de
Cappitan General (...) haviendose seguido con esto el estilo que se observa con el Sor
Infante Don Fernando y se observo con la Infanta en Flandres.”422
Em Agosto de 1636, o marquês de la Puebla, em resposta a uma carta do rei pedindo
uma relação do estado dos negócios do reino, analisa detalhadamente as instruções
dadas à princesa sobre o governo, indicando os pontos que não estavam a ser
respeitados.423
O marquês acusa a princesa de não cumprir as instruções por ter deixado de consultá-
lo, e ao secretário Escaray:
«La sra Prinçessa fue servida de que las consultas de los tribunales biniesen a las
419
AGS, Estado, 4047, Conselho de Estado de 25 de janeiro de 1636. 420
AGS, Estado, 4047, Conselho de Estado de 25 de janeiro de 1636. 421
AGS, Estado, 4047, Conselho de Estado de 25 de janeiro de 1636. 422
AGS, Estado, 4047, Conselho de Estado de 25 de janeiro de 1636. 423
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 13 de agosto de 1636.
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manos del secretario Gaspar Ruiz escaray y las mias (...) esto fue çesando desde el mes de Abril de seisçientos y treynta y çinco y particularmente desde que poco tiempo despues bolvio el P.de Don Mansueto de Madrid (...) y siempre a ydo en diminuçion de manera que a mucho tiempo que el s.rio Gaspar Ruiz y yo no savemos lo que se consulta por los tribunales.»424
Excluídos os conselheiros castelhanos, os assuntos do governo eram tratados entre a
princesa em colaboração com os servidores italianos da sua confiança e os secretários
portugueses:
«Las consultas de los tribunales se an entregado en manos de su A. y de los suyos a los secretarios Portugueses.»425
A princesa estaria certamente ciente destas acusações quando escreve novamente ao
conde duque, tentando justificar a sua atitude com base no comportamento incorreto
do marquês.
Uma vez mais, inicia a missiva de forma dramática, com uma referência ao seu sangue,
que a animaria a lutar pela verdade e justiça:
«Tendo sangre en las venas que sabra no sufrir lo que no se deve, y querra que se cumpla con lo que es devido.»426
Numa alusão ao passado atribulado, recorda que “no soy persona que no sepa que sea
de tolerar algo, y que no aya sobrellevado mucho.”427
A querela chega a um ponto em que os argumentos, de ambos os lados, passam pela
descrição de pequenas intrigas e desencontros do quotidiano, como o facto de o
marquês não respeitar os horários e compromissos da princesa:
«Diversas vezes el Marques de la Puebla y esto desde el principio no venia cada dia sin estar malo y quando yo queria salir a algun convento si hazia malo y buscava achaques yo lo disimulava y con salir de tarde en tarde lo iva remediando.»428
Esta atitude teria sido corrente, e fizera a princesa desconfiar dos achaques do
marquês:
«Otro dia despues se me offrecio salir a las carmelitas y le embie avisar desde la noche porque no hiziese como otras veces que quando se imagina que podria ser que saliese se iva la mañana muy temprano, pero ya que no se pudo escusar
424
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 13 de agosto de 1636. 425
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 13 de agosto de 1636. 426
AGS, Estado, 4047, Carta da Princesa Margarida ao Conde-Duque, 4 de novembro de 1636. 427
AGS, Estado, 4047, Carta da Princesa Margarida ao Conde-Duque, 4 de novembro de 1636. 428
AGS, Estado, 4047, Carta da Princesa Margarida ao Conde-Duque, 4 de novembro de 1636.
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con otra cosa dijo que no estava bueno a otro dia le embie a visitar y ver como estava y despues pienso otra vez que me digeron que no estava bueno.»429
O que é um facto é que o marquês deixou de apresentar-se regularmente no despacho
com a princesa, que começou a insistir na comunicação por escrito:
«Procure que lo mas que se pudiese passase por escrito.» 430
A situação extremou-se quando o marquês se recusou ostensivamente a comparecer
perante a vice-rainha que, despeitada, tenta impedir os restantes colaboradores de
visitar o marquês:
«Pregunte a Ezcaray: porque dize el Marques que no sube? Dijome por que no quire competencias. No ay esta occasion, le dixe, pues el no haze lo que deve y recibire disgusto si meteis pie en su aposento; y quando yo sali no le embie a avisar y fui sola con el Conde Bainete y Don Juan a quien tambien ordene que no fuese a verle y tambien lo dixe a Francisco de Valcarcel y Francisco Leiton que quien fuesse alla me daria disgusto que seria por poco tiempo y que los negocios se podian comunicar por escrito entretanto.»431
Encontramos o mesmo episódio relatado por Gaspar Ruiz Escaray a pedido do
marquês de la Puebla:
«Dixe a S.A. que avia unos despachos, que si era servida de señalarlos, dixo que sí (...) y ley seis, o ocho ordenes para differentes tribunales, y S.A. los señalo, y estando señalando el ultimo, me volvio a decir: y qual es la causa porque el Marques no sube aca? yo respondi, dice que ha dado quenta della a S. Md y que lo haçe por evitar inconvenientes. S. A. entonces se levanto, diçiendo: Pues quien fuere a ver al Marques, no me venga a ver a mi.»432
Em abril de 1637 a princesa tenta explicar ao rei a sua versão sobre a ruptura:
«Lo que el marques de la Puebla va divulgando que no sabe nada de los negocios mas que si estuviera en Madrid me ha obligado a dar dello cuenta a V. M. y procurar sacar a luz la verdad.»433
A vice-rainha reconhecia que o conflito prejudicava o funcionamento do governo:
«A V. M. di cuenta el año pasado el desconcierto que passava entre ministros castellanos y portugueses y el embaraço de la forma del despacho.»434
429
AGS, Estado, 4047, Carta da Princesa Margarida ao Conde-Duque, 4 de novembro de 1636. 430
AGS, Estado, 4047, Carta da Princesa Margarida ao Conde-Duque, 4 de novembro de 1636. 431
AGS, Estado, 4047, Carta da Princesa Margarida ao Conde-Duque, 4 de novembro de 1636. 432
AGS, Estado, 4047, relato de Gaspar Ruiz Ezcaray, 15 de novembro de 1636. 433
AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637. 434
AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637.
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Margarida defende que tentara cumprir as instruções do rei, contando com a
colaboração dos secretários:
«Es cierto y verdad que yo me havia declarado y ordenado a los secretarios que cumpliesen con su obligacion conforme a las Reales ordenes de V. M. y que comunicasen a el Marques todo y llevassen los despachos por no andar yo con aquel cuydado sino en las cosas que pedian mas consideracion.»435
Refere ocasiões em que tinha trabalhado diretamente com o marquês:
«Y estoy muy bien acordada que en los aposentos donde estoy el verano (...) y muchas personas lo an podido ver que estava despachando con el Marques de la Puebla y Ezcaray.»436
Porém, vice-rainha acusa novamente o marquês de não respeitar os horários: “de
ordinario a la ora que venia el Marques las mas veces quando ya era ora de comer.”
Por vezes, ”enfadada de que me havian hecho aguardar toda la mañana o que havia
embiado a llamar el Marques y no le havian hallado (...) quando venia y traian
consultas mandavalas poner sobre el bufete cerradas y dezia serán para despues que
ya es ora de comer.”437
Quebradas igualmente as hipóteses de entendimento entre o marquês e o secretário
Miguel de Vasconcelos, a princesa tenta, ainda assim, limitar as perturbações que as
intrigas na corte teriam sobre os assuntos do governo. Dando conta a Madrid desta
preocupação, a vice-rainha recebe intruções para que os pareceres sejam todos feitos
por escrito:
«Quando [o marquês] se desconcertou con Basconcelos y despues corri yo con los negocios en la forma que me dezian si bien despues que tuve mas noticias y vi que se me hazian creer algunas cosas que no eran assy y otras mudavan y dezia el Marques de no haver dicho sino assy de que di quenta a V. M. y entonces ordeno V. M. que tomasse el parecer por escrito.» 438
Também o conde-duque, “en diversas cartas suyas me dize que passe por escrito que
es lo mas seguro.”439
Estas indicações seriam seguidas, com“mucho cuydado y diligencia,” por Francisco de
Valcárcel e Tomás de Ibio Calderón “en todo lo que es del servicio de V. M.”440
435
AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637. 436
AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637. 437
AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637. 438
AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637. 439
AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637.
74
Porém, o marquês recusava-se a cumprir as novas ordens:
«Solo el Marques de la Puebla no quieres recibir papeles de Basconcellos ny trata con el.»441
Uma carta do secretário Miguel de Vasconcelos ao seu compadre Diogo Soares sobre
os motins de Évora, relatando várias reações e opiniões, mostra bem o ambiente de
tensão e conflito que se vivia no seio do governo, no Outono de 1637. Francisco de
Valcárcel, colaborador do marquês de la Puebla, insinua que um eventual movimento
independentista teria de ter um líder, e que este não poderia ser outro que não o
duque de Bragança ou a própria vice-rainha:
«Descorrendo (...) Dom Francisco de valcassere com S. A. lhe disse que se este Reino se leuantasse de verdade, que não podia ser sem cabeça, e que esta ou auia de ser ella ou o Duque de Bargança.» 442
A princesa mostra-se “muito alterada que se pudesse duuidar de sua fidilidade” e
revela o seu lado mais dramático “dizendo que antes perderia mil vidas que encontrar
o servi.co de S Magde nem dar favor a quem o encontrasse.”443
Valcácer insiste no seu ponto de vista, dizendo, de forma quase premonitória:
«Isso entendemos todos porem nestes casos poderão serrar a V. A. em hum aposento e obrigalla por força a que firme papeis e de ordens ainda que não queira.» 444
A princesa “lhe tornou a responder que nada a poderia obrigar ao que ella não
quisesse”. Margarida “ficou alterada” perante a hipótese de se ver involuntariamente
envolvida numa ação contra o rei, apercebendo-se também de que “os pensamentos
que via em Dom Francisco que erão os mesmos do Marquez e Escaray todos pella
disacreditar.” De acordo com Vasconcelos, estes procuravam “por todos os meios de
fazer suspeitosa S. A. ao serviço de S Mag.de”, sendo mesmo o marquês o provável
autor de um pasquim que por então circulava “semelhandose e a letra” à de um oficial
de Escaray.445
440
AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637. 441
AGS, Estado, 4047, carta da Princesa Margarida, 22 de abril de 1637. 442
BA, 51-V-80, f.44, Carta de Miguel de Vasconcelos a Diogo Soares (Outono de 1637 cf. SCHAUB, 2001, p.200, n.133). 443
BA, 51-V-80, f.44. 444
BA, 51-V-80, f.44. 445
BA, 51-V-80, f.44.
75
O pedido de resignação da Princesa no contexto da reformulação do governo de Portugal
O mau funcionamento interno do governo da princesa Margarida e a instabilidade
provocada pelas revoltas populares levaram o conde-duque a convocar para Madrid os
principais representantes da nobreza, do clero e da administração, com o objetivo de
encontrar uma solução para a substituição da princesa e reorganização do governo de
Portugal. 446
Diogo Soares refere, em carta a Miguel de Vasconcelos, que “o Conde Duque anda
dando com a cabeça pellas paredes de como se ha de formar o governo desse
Reyno.”447
Olivares apercebera-se de que a tentativa de reorientação da política através da
princesa Margarida não tinha sido bem sucedida, sendo discutida a substituição da
princesa por um vice-rei não natural, sem necessidade de possuir sangue real, que
exerceria simultaneamente o poder político e militar.448 Para que a mudança não fosse
tão radical, o governo deveria inicialmente ser exercido por tres governadores, dois
deles “muy biejos y el capitan general por tercero de buena hedad y circunstancias,
para que quedase por virrey muertos los dos.”449
Antes de proceder às alterações no governo, a junta constituída para o efeito
pretendeu que fosse aprovada por dirigentes e governantes portugueses: determinou-
se que em Portugal seriam ouvidos, entre outros, a vice-rainha, o marquês de la
Puebla, o doutor Francisco de Valcárcel, Gaspar Ruyz Escaray e o duque de
Bragança.450
Em março de 1639 o rei decretaria a dissolução do Conselho de Portugal e sua
substituição por duas juntas, uma em Madrid e outra em Lisboa, sob a chefia de Diogo
Soares e Miguel de Vasconcelos, respetivamente.451
446
SCHAUB, 2001, pp.230-231. 447
BPE, cod. CV/2-19, f. 105, Carta de Diogo Soares a Miguel de Vasconcelos. 448
OLIVEIRA, 2002, p.696. 449
AHN, Estado, liv. 699,” Lebantamiento de Portugal”, cit. por OLIVEIRA, 2002, p.696. 450
OLIVEIRA, 2002, p.699. 451
VALLADARES, 2006, pp. 40-41.
76
Enquanto se discutia um novo modelo governativo para Portugal, a princesa via
sucessivamente adiados os seus pedidos para retornar a Itália.
O Conselho de Estado analisa, em setembro de 1638, os documentos levados a Madrid
pelo conde Bainetti, em que a princesa solicitava licença para regressar a Itália
“alegando la falta de salud,” agravada pela sobrecarga de trabalho que tinha em
Lisboa:
«No sabe como se le pueda obligar a que continue con el trabajo tan grande como el a que obliga un govieno tan molesto y de tanto cuydado como el de Portugal.»452
O rei considera que a questão da saude era melindrosa e concorda com a proposta de
que se respondesse à princesa que seria mais conveniente adiar a viagem para depois
do inverno, já que “este tempo em nenhuma parte mexor que en lisboa se puede
passar.”453 Era necessário protelar a partida da vice-rainha até que se decidisse quem a
substituiria no governo em Lisboa.454
Para além da crise e reformas no governo de Portugal, também a situação dos estados
italianos era tida em conta, procurando-se prever o impacto do regresso da princesa a
Itália.
Nesse sentido, a correspondência de Margarida com a filha era assunto de estado,
escrutinada em Madrid e analisada em conselho de Estado, cirunstância que apenas
podia ser contornada através do envio de emissários de confiança.
A duquesa Maria de Mântua tinha confidências que gostaria de partilhar com a mãe,
mas estava consciente “che tutto non si puo metere in carta”, referindo que, caso a
princesa Margarida enviasse o padre Mansueto ou outro confidente, teria “molte cose
da dire; che non posso meter in iscrito.”455
Na sua correspondência com Mântua, para além do interesse pela saúde da filha e dos
netos, a princesa procura informar-se sobre a situação em Itália, mostrando-se atenta
à evolução política e procurando aconselhar a filha, regente do ducado durante a
menoridade do duque Carlos III.
452
AGS, Estado, 3647, Conselho de Estado de 2 de setembro 1638. 453
AGS, Estado, 3647, Conselho de Estado de 11 de setembro 1638. 454
AGS, Estado, 3647, Conselho de Estado de 11 de setembro 1638. 455
AGS, Estado, 2664, cópia de carta da duquesa Maria de Mântua à Infanta Margarida de Sabóia, 4 de fevereiro de 1640.
77
Em carta ao conde-duque de abril de 1640 Margarida confessa que “las cosas de Italia
me tocan tanto que me tienen el animo muy perturbado” e que tudo quanto almejava
era “dar la bendicion a my hija, y nietos y procurar un rincon donde con quietud pueda
prepararme para la jornada inevitable,” o que também poderia ser vantajoso para
Espanha: “lo que me queda de vida emplearlo en el servicio de V. M. y no pienso ser de
poco my ida a Italia” onde melhor poderia encaminhar a filha e os netos para “la
devocion antigua a esta corona.”456
No Verão de 1640, para além do regresso a Itália, a princesa pedia autorização para
usar o “titulo de Infante representando largamte las causas y raçones que ay para
ello.”457 O Conselho de Estado refere que "esta misma pretension ha tenido la Sra
Princesa otras veçes," mas considera que a satisfação deste pedido poderia trazer
inconvenientes no relacionamento com outros principes da familia, propondo “que se
le podria mantener en el mismo estado que hasta aqui favoreçiendola y honrrandola V
M.d como lo esta haciendo.”458
Não obstante os insistentes pedidos para regressar a Itália, a vice-rainha continuava a
manifestar-se empenhada no cumprimento da sua missão e envolvida nas questões
governativas mais prementes.459
456
AGS, Estado, 2664, carta da Princesa Margarida ao rei, 17 de abril de 1640. 457
AGS, Estado, 2664, Conselho de Estado de 14 de agosto de 1640. 458
AGS, Estado, 2664, Conselho de Estado de 14 de agosto de 1640. 459 No mês de julho de 1640 a princesa recebeu instruções de Filipe IV para que lhe enviasse um rol de
todos os conventos de religiosos que havia no reino de Portugal (e conquistas) e que tinham esmola e ordinária de especiaria, com a indicação rigorosa de quanto se dava a cada um e que quantidade de drogas ( AHU, cod. 30 - Registo de Consultas do Serviço Real. Diferentes possessões, 1640-1643, f. 29v, 25 de julho de 1640). Este documento insere-se no âmbito da política fiscal que agravava o descontentamento da Igreja, que vinha sendo ameaçada de medidas desamortizadoras e sujeita a contínuos pedidos de dinheiro (HESPANHA, 1999-2000). Durante o mês de Agosto são dirigidas ordens régias ao Conselho da Fazenda para que dê o seu parecer sobre o apresto da armada para a Índia e como proceder quanto à sua administração, como atesta a carta régia «Sobre o socorro que S. Magestade manda que inuie a yndia na Monção de Septembro que uem deste ano de 1640», que instava a a vice-rainha a obter o dinheiro tão rapidamente quanto possível (AHU, cod. 30 Registo de Consultas do Serviço Real. Diferentes possessões, 1640 -1643, f. 21v. segs., 7 de agosto de 1640 e 18 de agoto de 1640).
78
O Governador Geral das Armas de Portugal
Seguindo a política de reformas que se sucedeu ao fim do motim de Évora, e na
iminência de um ataque francês, o conde-duque decidiu criar a figura de um
Governador General das Armas de Portugal, cargo atribuído por sua insistência ao
duque de Bragança.460
João Salgado de Araújo refere-se a esta nomeação no Marte Portuguez:
«Pareció al [Rey] de Castilla en el año de 1639 que conuenia preuenir la defensa de Portugal, de manera, que una armada de que tenia noticia que se ordenaua en Francia no intentasse en alguna hostilidad, y no le pareciendo, que bastaua la assistencia de la Princesa Margarita Virey y Capitan General del Reyno, nombro al Duque, para gouernador general delas armas. No faltaron muchos (segun se diz) del consejo de Castilla, que contradixeron la elecion entendiendo que no conuenia poner las armas del Reyno en la mano donde deuia estar el sceptro.»461
De facto, D. João, 8º duque de Bragança era, simultaneamente, o maior fidalgo do
reino e herdeiro direto de uma antiga candidata ao trono, D. Catarina, o que lhe
conferia uma certa legitimidade dinástica.462
D. Catarina, a prima de Filipe II preterida na sucessão ao trono, ainda chegara a propor
que que o seu filho D. Teodósio sucedesse ao arquiduque Alberto no cargo de vice-rei;
mais tarde, D. Duarte, o irmão mais novo de D. Teodósio também pretendera ocupar o
cargo.463
Dinastia rival da de Avis, a vastidão do seu património, disperso por todo o reino,
faziam da casa de Bragança, só por si, um principado.464
Desde finais do século XV a residência permanente dos duques era em Vila Viçosa,
tendo realizado avultados investimentos na construção e engrandecimento do palácio.
Os duques apenas se deslocavam à corte em momentos significativos – casamentos,
batizados, funerais ou reunião de cortes.465
460
SALAS, 2011, p.112; OLIVEIRA, 1991, p.249. 461
ARAÚJO, 1642, p.225. 462
BOUZA, 1987, p. 851. 463
SCHAUB, 2001b, p.65. 464
SCHAUB, 2001b, p.63. 465
CUNHA, 2000, p.35.
79
Mesmo afastados, a partir da sua corte de Vila Viçosa, os duques de Bragança
exerciam a sua influência nos conselhos, sem nunca um membro da família ter
chegado a exercer o cargo de vice-rei ou ter participado no Conselho de Estado.466
O duque D. João evitava qualquer comunicação com os secretários Diogo Soares e
Miguel de Vasconcelos e impunha um protocolo complexo, com o objetivo de
defender a dignidade da casa de Bragança. Apesar das tentativas de Olivares, este
nunca conseguiu garantir a influência sobre a mais importante família portuguesa.467
Quando o conde-duque convocou, em 1638, os representantes mais destacados do
clero e da nobreza de Portugal com o objetivo de se aconselhar sobre como melhorar a
administração e como empreender a recuperação dos territórios ultramarinos
portugueses, o duque de Bragança conseguiu um pretexto para não comparecer na
corte.468
A princesa Margarida fora informada por Diogo Soares em 1634 de que o duque de
Bragança não era considerado perigoso e tinha boa reputação, e era aconselhada a
conservar o tratamento grandiloquente reservado à casa de Bragança.469
Porém, a questão das cortesias seria sempre um ponto sensível, que causaria, desde o
início, fricções entre a princesa e os nobres do reino:
«De Lisboa escribe un padre de la Compañia, que los caballeros y títulos de Portugal están muy sentidos de que la señora duquesa de Mantua no los trate las cortesías que ellos quisieran; y así la asisten poco, y por haber tratado de señoria al Excmo. Señor duque de Berganza un criado que le mandó la Gobernadora, no quiso ir á Palacio.»470
Com a nomeação do duque em 1639 a princesa mostra-se apreensiva relativamente ao
protocolo e pede instruções ao rei no sentido de “evitar embaraços que se podrian
ofreçer cerca del tratamento y forma en que me tengo de aver com el Duque.”471
A vice-rainha seria informada de que “resolvío su Md se inviase orden a la Senora
Princessa para que le llamase Ex.a y le dise silla igual quando concurriese en su
pressencia adviertiendo que las ordenes que le enviase y quando le escreviese (…) le
466
SCHAUB, 2001b, pp. 64-65. 467
SCHAUB, 2001b, pp.66-67. 468
ELLIOTT, 2009, p. 584. 469
BOUZA, 2000, p. 217. 470
Memorial Historico Español, t. XIII, p.155, carta do padre Sebastian Gonzalez, Madrid, 1 de abril de 1635. 471
AGS, G.A. 1325, Carta da Princesa Margarida, 7 de fevereiro de 1639.
80
trate de Ex.a y le llame governador general de las Armas.”472
A eleição do duque de Bragança para o cargo de Governador General das Armas de
Portugal colocava a vice-rainha numa posição complexa.473 A princesa, incapaz de
manejar as armas em virtude da sua condição feminina, não deveria ser porém ser
desautorizada. Deste modo, optou-se por distinguir o poder militar do poder
administrativo, ficando assim o duque de Bragança diretamente dependente do
Conselho de Guerra.474
Procurando reforçar o prestígio da instituição vice-reinal, o governo de Lisboa, ou seja,
Vasconcelos, aconselha a princesa a organizar uma revista militar em Lisboa, ocasião
que virá a revelar três autoridades incapazes de se coordenarem: a Capitã General, o
Governador Geral das Armas e o Mestre de Campo General.475
O Mestre de Campo General era a mais alta autoridade militar em Portugal depois da
princesa, a Capitã General.476 O cargo era exercido à data por D. Diego de Cárdenas.
No dia 11 de abril de 1639 a princesa escreve ao rei, justificando a decisão de organizar
a revista militar, que fora agendada para o aniversário do monarca:
«Ha muchos dias que diferentes ministros y otras personas celosas del serviço de V M.d me dijeron importaría tomar una muestra general dela gente de los quatro terçios delas coronelias desta ciudad y companias de previlegiados y tambien de la caualleria que en ella ay y teniendolo yo por conveniente me pareçio señalar para esto el dia ocho del presente por ser el en que V M.d Díos guarde cumplio años.»477
A princesa assume que a situação era de guerra viva: “no se podia dubdar estase en la
occasion de guerra viva quando los avisos dela Armada enemiga heran muy frequentes
(…) demas de hauer mandado que para los quinçe de Março pasado estuviese cada uno
en sus puestos;” pelo que “la muestra general me tocaua como a Virrey y como tal
hauía de dar en ella las ordenes neçessarias.”478
Quanto ao papel de D. Diego de Cárdenas, a princesa esclarece:
472
AGS, G.A. 1325, Sobre el tratamiento del Duque de Berganca. 473
ALMELAS, 2011, p.112. 474
OLIVEIRA, 1991, p.249. 475
SCHAUB, 2001, pp. 236-237. 476
SCHAUB, 2001, p.184. 477
AGS, G.A. 1325, Carta da Princesa Margarida, 11 de abril de 1639. 478
AGS, G.A. 1325, Carta da Princesa Margarida, 11 de abril de 1639.
81
«Me pareçio que haviendo de etar junto a mí sín apartarese el maestro de Campo general haviendo acordado conmigo las ordenes que se huviesen de dar en la muestra las diese el absolutamente sin decir que yo lo mandava.» 479
No entanto, D. Diego de Cárdenas discordou da decisão da princesa e recusou-se a
participar na parada militar nas condições impostas pela vice-rainha, por considerar
que contrariavam a hierarquia estabelecida para estas ocasiões. Deste modo, “no
haviendo de executar interamente su oficio como lo tocava entanto que V Md no
mandase lo que se havía de hacer se escuso de la asistençia.”480
A princesa insistiu na comparência do Mestre de Campo General:
«Y aunque el mismo Viernes por la mañana antes de salir de palaçio le embie a llamar para (…) que en la forma que se há dicho fuese conmigo para que le hize embiar un coche respondio que se allava com calentura que era la caussa deno venir.»481
O Discurso ajustado con la muestra que hizo de la gente de guerra de la ciudad de
Lisboa S. A. la Serenísima infanta Margarita de Saboya, duquesa de Mantua y
Monferrato, virreina de las coronas conquista de Portugal, imprenso em 1639
simultaneamente em Lisboa e em Madrid,482 deixa transparecer as divergências
relativas ao modo como deveria decorrer a parada militar:
«Auiendo remitido (...) la señora Infanta Margarita las ordenes necessarias para el acierto de todo, y ofrecidose no pequeñas dificultades en su cumplimiento sobre su inteligencia, y competencias entre los ministros de las dos Coronas; y vencidose con las prudentes razones de S. Alteza, cuerdos, y esperimentados votos de los Consejeros de Estado, y govierno que la assisten.»483
A longa jornada teve início logo de manhã:
«Auiendo venido todos los contenidos a Palacio aquella mañana com sumo aliño de galas, y estimacion de joyas a las siete horas de ella baxò S. A. por la escalera grande de la casa en filla al terrero de Opaço à tomar su coche.» 484
A comitiva da princesa iniciou o seu percurso até Alcântara:
«Elegida la marina de San Amaro por sitio de formar los esquadrones, parecio a S. A. mayor comodidad yrse a comer a la Quinta del Rey.»485
479
AGS, G.A. 1325, Carta da Princesa Margarida, 11 de abril de 1639. 480
AGS, G.A. 1325, Carta da Princesa Margarida, 11 de abril de 1639. 481
AGS, G.A. 1325, Carta da Princesa Margarida, 11 de abril de 1639. 482
Em Madrid, por Diego Diaz de la Carrera e em Lisboa por Lourenço Craesbeeck. 483
Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 484
Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra...
82
Pelo caminho, a vice-rainha foi aclamada com “general aplauso, y bendiciones de todo
el pueblo, estando las ventanas de las calles, y huertas coronadas de Damas, que este
dia con particular aliño dessearon ver a S.A.”
Chegada a Alcântara, a princesa instalou-se “a vna ventana de la galeria que sale a la
calle”486 para assistir ao desfile das tropas de infantaria e da cavalaria comandadas por
oficiais espanhóis e portugueses em grande uniforme.487
Também a refeição foi tomada à janela:
«Sendo preciso comer S.A. mãdò poner el cubierto en otra ventana de dõde a vn tiempo se le pudiesse seruir la viãda, y ver marchar la gente.» 488
A princesa pretendeu mostrar que estava à altura do seu cargo de Capitã General,
fazendo menções de ser ela própria a passar revista às tropas, como é elogiado em
tom laudatório pelo autor do relato:
«Este dia obrò mas en S.A. la sangre de hija del mayor soldado de todas las naciones que el retiro del estado de su viudez, y fortuna; pretendia a cavalo, de bastão na mão, examinar as tropas.» 489
A esta encenação da princesa correspondeu o seu séquito:
«Opusieronsele muchas suplicas de todas las señoras, y caualleros que la siruen, y algunos graues Consejeros, y Titulos, representando el vigor con que el Sol assistia tambien a ver su lucimiento, que bañando su cabeça (en que tiene hartos dolores).» 490
A princesa acabaria por desistir do seu intuito, mas deixando claro que estaria pronta
para cumprir a sua missão em caso de guerra, “declarando en aquel punto que el
palafren no le auia hecho traer para ponerse en el, que esta accion la guardaua para
quando el enemigo estuuiesse en las riberas, sino por alentar con ella la gente, y
componerla si huuiesse algun alboroto subiendo en el cauallo.” 491
485
O Palácio ou Quinta real de Alcântara “nos inícios do século XVII não deveria passar de uma modesta
casa de campo na qual Filipe II mandou fazer algumas obras sob a direcção do arquitecto Teodósio de
Frias”, sendo uma “habitação opulenta mas de cunho campestre e extremamente simples (...) onde os
nossos monarcas iam repousar e gozar o bom ar do campo, tonificando-se da atmosfera do Paço da
Ribeira” (CASTELO-BRANCO, 1990, pp. 74-75). 486
Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 487
RAVIOLA, 2012, p. 155. 488
Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 489
Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 490
Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 491
Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra...
83
Instala-se então numa “litera, que era de terciopelo, y damasco noguerado y negro sin
vaquetas, ni tejadillo mas del necessario para el reparo de los rayos del Sol,”492
acompanhada pelas suas damas, oriundas de famílias nobres espanholas, portuguesas
e italianas, conduzidas pela camareira-mor.493
Dois detalhes deste relato permitem vislumbrar o ambiente austero da corte da vice-
rainha:494 o traje das suas damas - “vestidos negros, que S. A. no les permite traer otra
color, aunque este dia dispenso (por los años de Su Magestad) en mangas y petos
bordados de plata y oro, y joyas de diamantes y perlas”- e os preceitos morais
impostos pela princesa - “acompañauanlas à decente distancia muchos fidalgos, con
este presepuesto, no con el de Galantêo: porque S.A. (aunque es tan licito en Palacio)
no à permitido que en el suyo se tenga.”495
Nesta ocasião é elogiado o papel desempenhado por Gaspar Ruyz de Escaray “bien
conocido, y estimado de nuestro grã Monarca, y por tal de su orden assite a S.A. que le
ama, y fauorece: siendo en los negocios mas graues su mayor aliuio.”496
De acordo com este texto, a parada fora um sucesso e alcançara os seus objetivos, pois
“los estrãgeros que estauan a la mira en los nauios, quedaron suspensos, y atonitos de
la accion.”497
No entanto, a reação do rei chega em tom de repreensão.
A carta da princesa referindo as divergências com o Mestre de Campo General tinha
sido analisada em Madrid:
«En el mi consejo de estado y guerra pleno y en junta particular en que concurrieron los del y diferentes ministros de esse Reyno se ha visto vuestra carta de once de Abril en que daís quenta de auerse hecho la muestra general en Lisboa y lo que referis passo con Don Diego de Cardenas de mi consejo de guerra y Maestre de campo general de la de esse Reyno que se escusso de assistir como tal a la distribucion de las ordenes.»498
A razão estaria, pois, do lado de D. Diego de Cárdenas, mas a crítica não vai dirigida
expressamente à vice-rainha, e sim aos seus conselheiros:
492
Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 493
RAVIOLA, 2012, p. 155. 494
Anexo 6. 495
Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 496
Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 497
Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra... 498
BL, Add. mss. 28705, f. 98-99, in REVAH, 1950, pp. 73-76.
84
«No fuiste bien aconsejada porque a los governadores de esse Reyno de ninguna suerte toca la disposicion de la muestra general tanto mas concurriendo en vos ambos cargos y siendo la voz de Cappitan general a quien esto perteneçe, Don Diego de Cardenas el qual no excedio en averse retirado pues tuuo obligacio de volver por le auer hordenado y que he m.as de su cargo.»499
Reconhece-se, porém, que D. Diego de Cárdenas não tivera a atitude correta com a
princesa:
«Aun que pudo tomar mejor temperamento de modo que sin faltar a la obligacion de su officio cumpliera con los terminos que debia proceder con vos.”500
O argumento de guerra viva não convencera o governo de Madrid, que considera que
a princesa deveria ter seguido o exemplo de outros governadores de Portugal:
«Y assi ha parecido advertiros que deuiaredes averos governado en la muestra como lo hiçieron el conde de Fuentes serviendo de Cappitan general deuajo de las ordenes del S.r Archiduque Alberto mi tio y despues el Conde de Portalegre uno de los governadores y tambien Cappitan general que usando deste cargo dieron las ordenes conuenientes sin dependencia de los governadores, con que se conoçe que se ha altado a lo que se devio executar.»501
A questão das hierarquias e precedências viria a inviabilizar o Conselho de Guerra
extraordinário, que o duque de Bragança deveria ter presidido juntamente com a vice-
rainha. As negociações sobre o protocolo a respeitar prolongar-se-iam por dois meses,
conforme refere o padre Seyner, capelão do marquês de la Puebla:502
«Muchos dias estuuo el Duque en Almada sin besar la mano de su Alteza, por no ajustarse el modo, hizo la detencion prolongada.»503
De acordo com o mesmo texto, o duque foi recebido em Lisboa no dia 2 de julho de
1639 entre forte aclamação popular:
«Los barcos hazian calles en la ria para ver al Duque quando passasse (...); fue tanta la multiud, que ni en aquella tan grande espaciosa Plaça de Palacio auia por donde romper, ni las calles de barcos dexauan descubierto el Mar.»504
499
BL, Add. mss. 28705, f. 98-99, in REVAH, 1950, pp. 73-76. 500
BL, Add. mss. 28705, f. 98-99, in REVAH, 1950, pp. 73-76. 501
BL, Add. mss. 28705, f. 98-99, in REVAH, 1950, pp. 73-76. 502
COSTA e CUNHA, 2006, p.14. 503
SEYNER, 1644, p.12. 504
SEYNER, 1644, p.12.
85
O entusiasmo com que D. João foi recebido teria levado o marquês de la Puebla a
comentar com vice-rainha, conforme menciona a obra Histoire du détrônement
d’Alphonse VI Roi du Portugal, “que o duque tinha vindo menos para lhe prestar os seus
respeitos, que para lhe exibir a sua magnificência, e lhe mostrar quanto era amado
pelo povo.”505
O encontro com a vice-rainha ficaria marcado pela questão protocolar, situação que é
mencionada em vários textos, como o do padre Seyner:
«Llegò, con no poco aprieto, a la sala donde esperaua su Alteza, cuyas cortesias fueron salir dos passos de la tarima donde estaua su silla, y hazer el Duque la suya, para que boluiesse a ocuparla. Estauan debaxo del dosel dos sillas igualmente seguidas; y en tomando su Alteza la suya, ladeò un poco la suya el Duque, sin salir del dosel, y haziendo su cortezia se sentò.»506
A posição relativa das cadeiras assumia um papel fundamental, sendo que nenhum dos
dois queria ficar atrás do outro e, conforme relata o historiador oitocentista Rebelo da
Silva, a princesa teria tentado assumir o lugar mais destacado:
«Tendo D. Lourenço de Sousa, capitão da guarda real, atrazado um passo a cadeira posta para D. João, Thomé de Sousa, filho do védor da casa de Bragança, adiantando-se, igualou-a com a da princeza, para que nem mesmo n’uma sala, e diante de uma dama seu amo parecesse ceder do que lhe pertencia.»507
O capelão do marquês de la Puebla destaca ainda a brevidade do encontro,
mencionando que o duque de Bragança, após “poco mas de un quarto de hora:
despidiòse con las mismas cortesias, y sin entrar en la Ciudad se embarcò, y boluiò a
Almada.”508
505
Histoire du détrônement d’Alphonse VI Roi du Portugal, pp.156-157. 506
SEYNER, 1644, p.13. 507
SILVA, 1860, t.IV, pp. 44-45. 508
SEYNER, 1644, p.13.
86
4. O RETORNO À CORTE DE MADRID
O 1º de Dezembro de 1640
Na Catalunha, onde a Monarquia Hispânica se enfrentava militarmente com a França,
a tentativa dos agentes reais de recrutar tropas e recolher dinheiro também dera
origem a uma onda de protestos.
A 7 de junho de 1640 Barcelona foi invadida por uma multidão de camponeses
revoltosos que se dirigiram ao palácio do vice-rei, o conde de Santa Coloma, a quem
consideravam um traidor. Este, sem homens que o defendessem, fugiu para o porto
com intenção de se refugiar numa das galeras, mas acabaria por ser morto a
punhaladas na praia. A notícia do assassinato da pessoa que representava a autoridade
real no principado causou grande consternação em Madrid,509 e teria eco em Lisboa.
Um mês depois do sucedido, a câmara de Lisboa escreve ao rei criticando a
desobediência e excessos dos vassalos de Catalunha, ao que o rei responde:
«Pareceu-me dar-vos, em primeiro logar, muitas graças pelo affecto com que este reino se mostra n’esta occasião a meu serviço.» 510
A restauração do domínio de Filipe IV na Catalunha obrigaria a uma intervenção
militar,511 na qual o reino de Portugal seria chamado a participar:
«Eu el-rei faço saber aos que este alvará virem, que, por quanto estou resoluto a, com o favor de Deus, ír celebrar côrtes ao reino de Aragão, e de caminho apaziguar e aquietar os movimentos que se têem offerecido em catalunha, e para este efeito ordenei aos meus vassalos da corôa d’este reino me acompanhassem n’esta jornada. (...) E este [alvará] (...) vai assignado pela senhora princeza Margarida, minha muito amada e prezada senhora prima.»512
No Outono de 1640 temia-se que a situação verificada na Catalunha se repetisse em
Portugal: o governo da duquesa de Mântua era impopular, a coroa não tinha
conseguido ganhar a lealdade da nobreza, que se tinha mostrado passiva perante os
motins de Évora, e o duque de Bragança apresentava sempre pretextos para não
aceitar os cargos que lhe eram oferecidos ao serviço do rei fora de Portugal.513
509
CALVO POYATO, 1995, pp.109-113. 510
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.409. 511
ELLIOTT, 1963. 512
Elementos para a História do Município de Lisboa, IV, p.405, 11 de outubro de 1640. 513
ELLIOTT, 2009, p. 652.
87
Os problemas do reino estavam a assumir proporções incontroláveis514 e, de acordo
com Manuel Severim de Faria, não obstante o habitual “grande cuidado e zelo de S.
A.”, cresceram em número os “inimigos de Espanha”, por causa das “esterilidades” e
dos “infortúnios neste reino que está reduzido a miserável estado.”515
D. Francisco Manuel de Melo refere que “os Conselheiros de Estado do reyno (...)
deixauão que a Princeza, & os Ministros que nelle interuieraõ, lidassem só, por só, com
os inconuenintes; entendendo que a Princesa como estrangeira, & seus fauorecidos
como interessados, hauião derigido esta màquina, atè ao estado perigoso em que se
achaua.”516
A necessidade de ordenar o reino depois da sedição de Portugal de 1637 fora
aproveitada pelo conde-duque para tentar mudar o governo português, de forma a
que pudesse estabelecer-se efectivamente a cobrança da renda fixa, através da
introdução de dignitários estrangeiros na administração portuguesa, originando o fim
do tempo histórico do Portugal Católico saído das Cortes de Tomar.517
A possibilidade de o governo português ser entregue a não-naturais, seja como vice-
reis ou como governadores capitães generais, contrariava o particularismo português
precisamente na maior dignidade do governo territorial do reino, a quem estava
encomendada a representação do monarca ausente.518
A saída da coroa portuguesa da união dinástica traduz, assim, uma rejeição radical da
reforma das instituições pretendida pelo conde-duque.519
Uma carta escrita em Madrid dez dias depois da Restauração dava notícia do sucedido
em Lisboa:
«Tres dias há llegó aviso de Portugal de cómo habian muerto al secretario Vasconcelos, cortádole las narices, orejas, manos y piés, y echádole por las ventanas de Palacio abajo; que habian alzado por rey al duque de Berganza y tomado todos los castillos del reino y puertos el mismo dia; que á la señora Infanta la retiraron á un convento acompañandola mucha parte de la nobleza.
514
RAVIOLA, 2012, p. 150. 515
BNP, Cod. 241, fl. 319, cit.por RAVIOLA, 2012, p. 150. 516
MELO, 1660, p. 44. 517
BOUZA, 1987, p.863. 518
BOUZA, 1987, pp. 866-867. 519
SCHAUB, 2001, p.3.
88
Esta nueva se ha sabido por Badajoz, y por otras dos partes. Han faltado los correos ordinarios del regalo que á S. M. se traía.»520
Muitos outros relatos se sucederam, sendo que cada uma das numerosas narrativas
que surgiram posteriormente pretendia fixar uma determinada memória dos
acontecimentos, que se ajustava aos interesses dos autores ou protagonistas, facto
que explica as divergências na descrição de alguns episódios.521
A Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ do mui alto, & mui poderoso Rey
Dom Joaõ o IV constitui uma das fontes mais credíveis, tratando-se da primeira
publicação impressa, datada logo do início do ano de 1641.522
A obra Uzurpaçaõ, Retençaõ, Restauraçaõ de Portugal é da autoria de João Pinto
Ribeiro, que participou ativamente na conspiração e era um dos letrados mais
próximos do duque de Bragança.523
Naturalmente, o manuscrito castelhano «Relacion de lo succedido en el llevantamiento
del Reyno de Portugal» apresenta uma perspetiva diferente, tal como a Historia del
Levantamiento de Portugal, da autoria do padre Seyner, capelão do marquês de la
Puebla e testemunha dos acontecimentos, redigida com o objetivo de convencer a
corte da culpabilidade exclusiva de Soares e Vasconcelos nos acontecimentos que
conduziram ao 1º de dezembro 1640.524
O sacerdote italiano Vittorio Siri, contemporâneo dos acontecimentos, situava-se do
lado oposto à princesa relativamente ao conflito entre Espanha e França e apresenta
uma versão quase sensasionalista dos acontecimentos nas suas Anedoctes du
Ministere du Comte Duc d’Olivares.525 Também o historiador francês Vertot, um dos
mais famosos historiadores do século XVIII, autor da Histoire des révolutions de
Portugal, foi frequentemente criticado por preferir uma narrativa cativante em
detrimento do rigor dos factos.526
520
Memorial Historico Español, t. XVI, p.91, carta do P.e Sebastián González ao P.
e Rafael Pereyra, 11 de
dezembro de 1640. 521
COSTA e CUNHA, 2006, p.22. 522
COSTA e CUNHA, 2006, pp. 15 e 21. 523
SCHAUB, 2001, p.80. 524
SCHAUB, 2001, pp. 116-119. 525
http://www.treccani.it/enciclopedia/vittorio-siri/ (consultado a 31/3/2014). 526
C. Volpilhac-Auger, «Mon Siège est fait ou la méthode historique de l'Abbé de Vertot», Cromohs, 2 (1997): 1-14, <URL: http://www.unifi.it/riviste/cromohs/2_97/volpil.html>, consultado em 31/3/2014.
89
Independentemente das versões, os relatos estão de acordo no que se refere à
atuação da princesa Margarida, no 1º de dezembro de 1640, em vários aspetos: a
tentativa de se dirigir à população para debelar a revolta; a insistência junto dos
conjurados para que retrocedessem nos seus propósitos, garantindo o perdão de Filipe
IV; e a resistência em assinar a ordem para rendição do castelo de Lisboa.
Na manhã do 1º de dezembro de 1640, a vice-rainha, ao aperceber-se do “ruydo y
tumulto salio (...) a la bentana y dixo al pueblo a boçes que se aquietase que viendo
que no podia ser mando abrir las puertas de su quarto y salio para yr aquietarlo en
persona”527
Porém, “encontro con los fidalgos que se lo estrovaron poniendo las pistolas delante
que apartandolas con mucho balor les dixo, que haceis que teneis, respondieron que
tenian Rey si por cierto que teneis el Rey mi señor y vuestro, no decimos eso sino que
tenemos al Duque de Bergança por nuestro Rey.”528
João Pinto Ribeiro também destaca a atitude corajosa da princesa e acrescenta o
detalhe de que os conjurados já tinham previsto a possibilidade do fiel conde Bainetti
tentar socorrê-la:
«Vivia o Conde Bayneto no coarto superior do forte, & pera atalhar a passagem, que naquella ocazião havia de fazer, pera a parte em que assistia a Duqueza de Mantua, ocupou Dom Antão de Almada a sala de cima, & varanda, em coanto seus companheyros ocupavaõ a primeira sala. A Duqueza com animo varonil, & mayor do que prometia cazo taõ repentino, acudiu a huma janella, & em vozes altas disse. Que es esto, Portuguezes, ado [sic] està vuetra fidelidad.»529
A Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ contrapõe a atitude
descontrolada da princesa à atitude respeitosa dos fidalgos:
«Descomposta, colerica, assombrada, & meia fora de huma das janellas do paço, que cae sobre as portas da capella, gritaua a Infelisissima Infanta de Saboia, pedindo socorro, & procurando em vaõ com lagrimas mouer os animos, & por obstaculo à Lusitana ira (...).530 Subirão logo Dom Antaõ de Almada, Dõ Luis de Almada seu Filho, Antonio de Saldanha Gouernador da torre de Belem, cõ outros muitos, à aquella mesma sala de dõde a afligida senhora sair queria, com animo de ver se a Magestade de seu aspeito, era bastante a suspender o
527
BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.363. 528
BNM, Mss. 2373, Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal, f.363. 529
Uzurpaçaõ, Retençaõ, Restauraçaõ de Portugal, f. 52v. 530
Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ...
90
horrisono tumulto, & como com spreça, que pedia hum tão riguroso a perto, se arremeçaua já à porta, para decer abaxo, & ver logrado seu desejo; impedirãolhe o passo todos estes senhores, não colericos, mas acautelados, & com o respeito, que a huma Infanta descendente delRey Dom Manoel era bem se guardasse.»531
O capelão do marquês de la Puebla salienta a atitude corajosa da princesa:
«Viendose (...) sitiada de la multitud de los Caualleros armados, acudiò a las ventanas, y sin perder aquel aliento grande (que sin duda es mucho) diò vozes, diziendo: Que es esto Portugueses? Donde està vuestra fidelidad devuida a vuestro Rei? Parad, y oidme: y procuraua templar con razones, lo que no podia impedir con las armas.»532
Ameaçada pela força, a princesa deu ordens para que se abrissem as portas da “sala
grande, donde su Alteza daua las audiencias (...) esperando en medio de vna sala, con
solas tres, ò quatro señoras de honor, todo aquel tropel de hombres armados.”533
Quando a vice-rainha faz menção de descer, João Pinto Ribeiro relata que “lhe fez Dom
Carlos de Noronha huma breve falla, mas com tanta efficacia que ella ficou de todo
assombrada; disselhe por remate, que naõ quizese dar ocazião a que se lhe perdesse o
respeyto. Alterouse, ouvindoo, & tornandolhe: ami, como? replicou elle: lançando a V.
A. por huma janella dessas. Ficou fria, & comessou a obedecer ao que o tempo, & a
razão lhe ensinavaõ.”534
Ao ouvir Noronha, o arcebispo de Braga, que também estava presente, não pôde
conter a sua cólera, e arrebatando a espada de um soldado que se encontrava perto,
em plena fúria pretende lançar-se aos conjurados para vingar a vice-rainha, sendo
impedido por D. Miguel de Almeida, que o obriga a retirar-se.535
O autor da Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ abrevia este episódio,
mencionando apenas que “estes Fidalgos primeiro cortezes, despois seueros fizeraõ
que se recolhesse.”536
O padre Seyner mostra-se chocado com tamanha falta de respeito, considerando que
“quien nace sin obligaciones, no puede saber la veneracion grande, con que de tan
531
Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ... 532
SEYNER, 1644, p. 64. 533
SEYNER, 1644, p. 64. 534
Uzurpaçaõ, Retençaõ, Restauraçaõ de Portugal, f. 53. 535
VERTOT, 1734, pp. 95-97. 536 Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ...
91
grandes Princesas se deue hablar;537 e atribui à vice-rainha a iniciativa de se retirar de
cena, com toda a dignidade:
«Oyò, pues, aquella Princesa vn desacato de aquella especie (que es indecible) y estaua tã en si, que con el valor mismo que mandò abrir las puertas (haziendo rostro a todo aquel tumulto de armados, sin mudar el semblante) cõ el mismo les boluiò las espaldas, sin hablarles palabra alguna, y se entrò en su Oratorio. Y entonces se quedaron muchos haziendo guarda.»538
A versão portuguesa acrescenta que “Dom Antaõ de Almada não quis deixar aquella
estancia, por que esta senhora não saisse, & fosse causa de alguma perturbacaõ.”539
Francisco Sanchez Marquez, que estava em Lisboa por ocasião da revolta de 1640,
exercendo o ofício de Pagador geral da Gente de Guerra, refere que o Coronel António
de Saldanha ficou incumbido de guardar a princesa até que a levaram para o convento
de São Francisco de Xabregas. 540
O capelão de la Puebla destaca que, apesar de doente, a princesa não baixou a guarda:
«Su Alteza se allava enferma pero con grande animo, y sin acostarse asistiendola desde aquel punto el Marques de la Puebla sin apartarse de su lado (...) y lo mismo an hecho el secretario Sarasa y el bispo Don Mansueto e don Pedro la Mota.»541
Mal sucedida no seu intuito de acalmar os ânimos populares, a princesa não desistia
de tentar convencer os fidalgos portugueses a desistir da conjura:
«Tratou de persuadir aos fidalgos, que com ella se acharão, que naõ passasse o negocio a vante, offereceulhes o haver perdaõ geral de ElRey de Castella.»542
A Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ atribui-lhe as seguintes palavras:
«O que està feito, senhores, atè qui (...) se não foi acertado, contudo se disculpa com as insolencias desse injusto ministro, que oje pagou seus erros cõ a vida. Não passe o furor adiante, elRey de Espanha tem grande coração, eu me ofereço a acabar com elle, naõ somente que perdoe esta desordem: mas que a repute por merecimento, se não se leuar ao cabo.»543
537
SEYNER, 1644, p. 65. 538
SEYNER, 1644, p. 66. 539 Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ... 540 ANTT, Nossa Senhora da Graça, M. 5 T. 5 f. 237-252 «Memórias dadas a El Rei D. Filipe 4º por
Francisco Sanches Marques sobre o sucesso da rebelião em Portugal em 1640», 1 de janeiro de 1641. 541
BNM, M. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.365. 542
Uzurpaçaõ, Retençaõ, Restauraçaõ de Portugal, f. 52v. 543
Relaçaõ de tudo o que passou na felice aclamaçaõ...
92
O padre Seyner refere que a princesa mandaria reunir o Conselho de Estado, junto de
quem lamentara o insucesso da sua missão:
«Hizo llamar Su Alteza el Consejo de estado y de govierno a quien hizo un raçonamiento a este modo que sentia mucho que teniendo tanta sangre Portuguesa no hubiese acertado a governar aquel Reyno, pero que siempre havia procurado cumplir con su obligacion y conciencia y que el principal intento por que se havia echo era matar a Basconcellos.»544
A princesa disponibilizava-se, inclusivamente, para ir a Madrid negociar o perdão e
mercês régias:
«Que se obligava no tan solamente a sacar el perdon de su Mag.d pero a que les hiciese muchas mercedes y que asi escriviesen una carta que seria su Alteza la portadora partiendose luego.»545
Procurando alcançar um acordo, teria mesmo proposto que o duque de Bragança
aceitasse o cargo de vice-rei:
“Y que enquanto a haver nombrado caveça no haviendo acertado a governar la suya ninguna podia ser mejor que la del Duque de Bergança.”546
Tentando apelar à honra e lealdade dos seus interlocutores, o discurso de Margarida
apenas terá conseguido atingir os sentimentos dos castelhanos:
«Y que asi considerasen lo que dirian todas las naciones estrangeras de la mas Ilustre y leal gente del mundo y otras muchas razones (...) a que no respondieron palabra saliendo fuera desaziendose en lagrimas algunos castellanos que se allaron presentes.»547
O texto de Vittorio Siri também refere um longo discurso da princesa, insistindo no
tom dramático e destacando as qualidades inerentes à sua categoria e mérito, bem
como a intrepidez própria da casa de Saboia.548
Os argumentos da princesa não foram suficientemente fortes para reverter o
processo, no qual seria, inclusivamente, obrigada a participar:
«Los fidalgos pidieron a su Alteza aquel mismo dia savado que del castillo de Lisboa no se tirasse ni saliese gente.»549
544
BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.366. 545
BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.366. 546
BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.366. 547
BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.366. 548
Anedoctes du Ministere du Comte Duc d’Olivares, p.349. 549
BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.364.
93
A duquesa teria chegado a ser ameaçada de morte:
«Lo que deseava su Alteza hera que aunque embiava las dichas ordenes (...) que no se guardasen porque estava tan apretada que era fuerça darlas diciendo los fidalgos a voces que la havian de entrar a matar con todos sus criados.»550
Mostrou grande resistência em assinar a ordem de rendição do castelo, sendo que um
dos relatos garante que teriam sido o marquês de la Puebla e o secretário Sarassa551 a
convencê-la, com medo de sofrer represálias:
«El dia siguiente que fue domingo pidieron orden a su Alteza la diese de que se entregase el Castillo de Lisboa cosa que lo sintio muchissimo y respondio que antes moriria que darla recibiendo grande enojo los fidalgos con el Marques de la Puebla y Secretario Sarasa por que dician que se lo aconsejavan y que los hecharian por la ventana.»552
O padre Seyner descreve que “su Alteza (...) recelando mas el riesgo de toda su gente,
que temiendo el de su vida, cediò al furor de tantos, y firmò lo que le obligò la
violencia”,553 ainda na esperança que os militares não cumprissem uma ordem
arrancada à força:
«Firmò su Alteza el escrito, persuadida, a que Soldado que lo fuera, no auia de entregar la Plaça por firma suya.»554
O arcebispo de Lisboa, que assumiria o governo até à chegada do duque de Bragança,
“luego embiò recado a su Alteza, diziendo era forçoso que el Palacio se
desembaraçasse para limpiarle, y prepararle, porque su Magestad (que es el Duque)
vendria mui presto.” 555
A proposta feita pela princesa de regressar de imediato a Castela não é aceite, uma vez
que se pretendia negociar a liberdade dos nobres portugueses que estavam na corte:
«Su Alteza respõdio, que dandole carruage para venir a Castilla se partiria luego; esto se cõtradixo por los rebeldes, assegurando que hasta que V. M. pusiesse en libertad la mayor parte de la nobleza de aquel Reyno, que estaua detenida en Madrid, no auia modo para que la Señora Princesa saliesse del de Portugal.»556
550
BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.364. 551
Oficial da equipa de Gaspar Ruiz de Escaray (SCHAUB, 2001, p.184). 552
BNM, Mss. 2373, Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal, f.365. 553
SEYNER, 1644, p. 67. 554
SEYNER, 1644, p. 68. 555
SEYNER, 1644, p. 82. 556
BNM, Porcones, 303, Processo de D. Pedro de la Mota Sarmiento.
94
Sendo assim, “Lunes tres del dicho mes la llevaron por mar a los Palacios de xabregas
fuera de Lisboa con todos sus criados sin que fidalgo algun la acompañasse.”557
O arcebispo de Braga manter-se-ia fiel à governante deposta:
«Sirviò, pues, en esta ocasion acompañando a su Alteza el Arçobispo de Braga, que ya por su mucha fidelidad, ya por coraçon que lleua desahogos de tanto aprecio, acompañò a su Alteza desde Palacio a la casa que la dieron, que era vna mui larga distancia.»558
O padre Seyner critica as condições em que a princesa foi instalada:
«Hallose su Alteza mui desacomodada de viuienda, por ser tan poca, y tan desacomodada la que la dieron, y su gente mucha. Y de tal suerte la desacomodaron, que estuuo en la cama muchos dias, era lastima ver da descomodidad de las señoras, que seria la de sus criadas?»559
A princesa preocupou-se com o destino dos seus conselheiros castelhanos:
«Quisieron llevar pressos al castillo de Lisvoa todos los ministros y oficiales de Su Mag.d por quienes intercedio Su Alteza les diesen sus casas por carzel.”560 Deste modo, “o Marquez de la Puebla, o Mestre de Campo General D. Diego de Cardenas, Thomas de Ybio Calderon Conselheiro da Fazenda foraõ presos con guardas.»561
Impedida de sair de Portugal, a duquesa procura negociar com o novo governo:
«Invio su Alteza a llamar al Arcobispo de Lisvoa y le propuso tres cosas la primera que se le diese lizencia para despachar correo a Castilla; la segunda que se le diesse vagaje para si y sus criados para partirse; la tercera se le diesse pasaportes a todos los ministros y oficiales de su Mag.d »562
A maioria dos servidores da princesa seria enviada para Espanha, e a princesa mudada
para o convento de Santos-o-Novo:
«Reformaronle (...) a su Alteza la Casa, dando passaportes a todos los criados de mayores, ò menores puestos: dexando a la Alteza con tan pocos, como auia menester para seruirse en la prision de vn Conuento. Repararon con mucha priessa vnos aposentos en el Conuento de los Santos, que es del Orden de Santiago; y alli encerraron a su Alteza, y todas las Damas, y sus criadas: donde passaron con mucha descomodidad todo el riguroso del Verano, hasta el fin de Setiembre.»563
557
BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.366. 558
SEYNER, 1644, pp. 82-83. 559
SEYNER, 1644, p. 83. 560
BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.366. 561
Copia de huma carta em que se da breve notícia do succedido desde o dia da felice acclamaçaõ
delRey nosso Senhor ate o prezente, data de Lisboa, ultimo de outubro de 1641, f.259. 562
BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.367 563
SEYNER, 1644, p. 103.
95
Quando recebeu autorização para estabelecer comunicação com Madrid, a princesa
propôs enviar o “Padre don Mansueto, y a don Bernardino Foglea su Secretario de
Camara, y al Conde Baynete, Cauallerizo mayor. No se cõformaron cõ estos los
ministros de aquel Duque, por ser Italianos, y no teniendo la señora Princesa otro
criado Castellano de calidad que a dõ Pedro de la Mota sarmiento, le eligieron para
esta jornada.”564
Chamando o seu mordomo-mor, a duquesa explicou-lhe “que tenia mucho gusto
viniesse a madrid, y que no auer hecho eleccion de su persona era por la falta que
causaria en su seruicio; pero que primero era el de V. M., y que don Pedro haria esto
muy bien, por auer sido testigo de vista de todo. (...) Mandole luego escriuisse vnos
capitulos (...) y don Pedro hincado de rodillas al lado de vn bufete” tomou nota das
propostas referentes ao regresso a Castela da sua comitiva, entre outros assuntos.
Mais tarde, “mandò (...) a don Pedro fuesse a la prision del Marques de la Puebla, y le
dixesse de su parte diesse por instruccion todas las noticias que sabia del seruicio de V.
M. “565
D. Pedro de la Mota levaria cartas para o rei, o conde-duque, “ y vna instruccion escrita
de letra de don Bernardino, y firmada de su Alteza de lo que auia de obrar en Madrid
en su seruicio.”
Para além do que ia por escrito, mais importantes seriam certamente as instruções
transmitidas oralmente pela princesa:
«Y los papeles, y cartas en vna cartera de ambar la entregò a don pedro, y dandola la mano, le dixo: Mirad don Pedro no se os oluide nada de lo que aueis de dezir a su Mag. que lleuais muy ocupada la memoria.»566
Passadas “pocas semanas se supo le tenian preso en Madrid, por muchas calumnias
falsamente imputadas.”567 D. Pedro de la Mota Sarmiento difundira em Madrid que a
rebelião de Portugal tinha sido provocada pela política de Olivares e pela indiferença
revelada por este face aos avisos da princesa Margarida sobre a iminência de uma
revolta.568
564
BNM, Porcones, 303, Processo de D. Pedro de la Mota Sarmiento. 565
BNM, Porcones, 303, Processo de D. Pedro de la Mota Sarmiento. 566
BNM, Porcones, 303, Processo de D. Pedro de la Mota Sarmiento. 567
SEYNER, 1644, p.109. 568
VALLADARES, 2006, pp.64-65.
96
Porém, as instruções da princesa para os seus negócios particulares desapareceram
depois de terem sido entregues ao protonotario Villanueva; e a sua credencial para a
Missão a Madrid fora-lhe retirada em Badajoz pelo conde de Frigiliana, por ordem de
Olivares. Não tendo na sua posse estes documentos, D. Pedro de la Mota foi acusado
de crime de lesa-magestade, por alegadamente ter ocultado à vice-rainha as notícias
acerca da iminente sublevação de Portugal e por ter atuado a favor dos rebeldes desde
a chegada a Madrid.569
A conspiração contra D. João IV
A princesa fora afastada para os arredores de Lisboa e colocada sob vigilância:
«Poniendola una compañia de guardia en que esta muy apretada sin consentir que nadie la entre a visitar ni a ninguo de sus criados ni que tanpoco salgan permitiendo que solamente dos salgan a comprar la comida con quatro soldados de guarida.»570
No entanto, os cuidados não foram suficientes para evitar a comunicação da vice-
rainha deposta com outras personalidades descontentes com a subida ao trono do
duque de Bragança:
«A Duqueza de Mantua, que vivia no Mosteiro de Santos, para donde a passaraõ do paço de Xabregas, porque se entendeo ficava mais retirada para communicar os animos duvidosos, e fomentar os que seguiaõ a facçaõ de Castella, o que em breve se veyo a conhecer; pois sem embargo de toda a cautella, ella havia sido a authora das conspirações contra ElRey.»571
A conspiração de 1641, que tinha como objetivo o assassinato de D. João IV, a
reposição de Filipe IV no trono e o regresso da Duquesa de Mântua ao governo do
reino,572 envolveu três grupos: a alta nobreza assimilada a Madrid, a Inquisição e
membros de topo da hierarquia eclesiástica, favorecidos pelos Habsburgo; e os
cristãos-novos assentistas cujos negócios estavam ligados à coroa espanhola.573
O arcebispo de Braga liderou a conspiração, alegadamente movido pela estreita
amizade que tinha com a Duquesa de Mântua:
569
VALLADARES, 2006, pp.66-67. 570
BNM, Mss. 2373, «Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal», f.366. 571
SOUSA, 1748, liv. VII, p.80. 572
WAGNER, 2007, p.171. 573
VALLADARES, 2006, p.57.
97
«Parecia ao arcebispo que a duqueza lhe pedia a sua liberdade, como prémio de todos os favores que lhe tinha feito, o que aumentava a su cólera, fazendo com que se resolvesse a revolver céu e terra para vingar-se dos seus inimigos, resolveu valer-se da força para matar o rei e dar liberdade à Duquesa, para que recuperasse a sua autoridade.»574
Para além do arcebispo estiveram envolvidas outras personalidades, como o marquês
de Vila Real, o duque de Caminha, o inquisidor-geral D. Francisco de Castro e Pedro de
Baeça, banqueiro de origem cristã nova.575
Mafalda de Noronha Wagner, que estudou detalhadamente este episódio,576 conclui
que não há uniformidade nas fontes quanto ao plano que se deveria executar, uma vez
que conluios políticos desta natureza, além de serem de difícil e morosa preparação,
geram pouca documentação, sendo esta, também, muitas vezes destruída, para evitar
a apreensão de pistas comprometedoras.577
Os conspiradores planeariam "ganhar o paço, elogo hir buscar a Duqueza de Mantua, e
entregarlhe o governo do Reino"578 acreditando que "p.lo modo que se tirou a Princeza
se poderia restituir."579
No «Treslado dos auttos que se processaraõ sumariamente contra Dom Miguel de
Menezes Duque de Caminha, filho do Marques de Villa Real» várias testemunhas
confirmam o envolvimento da princesa na conjura.
Os criados de D. João Soares de Alarcão, alcaide-mor de Torres Vedras, António Araujo
de Carvalho, e sua mulher Maria Ferreira, regressados de Madrid, confirmam “que
tambem lhe disse a dita Sua (...) ama D. M.a que o dito Arcebispo [de Braga] hia de
noite vezitar a Duquesa de Mantua.”580
D. João Soares de Alarcão encontrava-se entre os fidaldos que visitaram “su Alteza a
deshoras, dando satisfacion de su fidelidad, y reconocimiento. A los quales respondiò
su Alteza, se guardassem para mejor ocasion, y no se arriesgassen por entonces.”581
574
SOUSA, 1730, p. 387. 575
VALLADARES, 2006, p.57. 576
WAGNER, 2007. 577
WAGNER, 2007, pp. 171 e 174 (n. 392). 578
BNL, PBA 476, f. 377, «Treslado dos auttos que se processaraõ sumariam.e
contra Dom Miguel de Menezes Duque de Caminha. filho do Marques de Villa Real, e Sentença porque foi comdemnado a morte». 579
BNL, PBA 476, f. 375. 580
BNL, PBA 476, f.394. 581
SEYNER, 1644, pp. 82-83.
98
Na carta que D. João Soares de Alarcão Alcaide Mor de Torres Vedras, e Mestre Salla
de El Rey escreveo a seu Irmão ao tempo que fugio para Castella, o fidalgo afirma que
“fui à Senhora Princeza Margarita, e lhe Ofereci a vida por meu Rey [Fellippe] na forma
e Posto que ella em seu nome me Ordensse, e a Senhora Princeza me Ordenou da parte
d'ElRey dissimulasse por entaõ ate me poder por em Liberdade e em tempo que minha
morte fosse util, e de proveito."582
A acima referida Maria Ferreira relatou que, acompanhando os seus senhores a
Tânger, fazendo escala em Gibraltar, D. Maria abriu em frente das criadas uma caixa
de onde tirou muitas cartas para Filipe IV, Olivares e Diogo Soares, que estavam
ocultas debaixo de "huma camada de bocados de marmelada dourada"583 e "na di.ta
cayxa hiaõ tambem dous massos de cartas p.a El Rey de Castela da Duqueza de
Mantua."
A mesma testemunha refere "que o autor de tudo era o Arcebyspo de Braga que
mandou a dita cayxa e corria com a Duqueza de Mantua e a vizitava de noute (...) E
que tambem o Inquizidor Geral a vizitava, e todos lhe faziam offerecimento de
dinheiro, e fazendas.”584
Outra testemunha, Manuel Valente Vilas Boas refere que foi enviado pelos
conspiradores "falar ao arcebispo de Braga para que este lhes mandasse dizer que
sinal levaria [a Castela] (...) para la lhe darem credito o Conde Duque Diogo Soares e o
Confessor (...) e o dito Arcebispo respondeo, que dicessem a quem fosse [a Castela] que
dicesse a Diogo Soares que por sinal escrevera a elle Arcebispo em cifra, e a Duqueza
de Mantua, e ao Conde Duque lhe escrevera por D. João Soares quando se foi desta
cidade.”585
A conspiração viria a ser denunciada pelo conde de Vimioso, D. Afonso de Portugal.586
Os conspiradores foram presos e serveramente condenados e os castelhanos
separados por diferentes prisões fora de Lisboa, tendo sido decidido “a vna sola que
582
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, cod. 537 in Correspondência da restauração (publ. e anot. António Gomes da Rocha Madahil) Coimbra, Imprensa da Universidade, 1929, separata de O
Instituto, vol 78, nº 2. 583
BNL, PBA 476, f.395. 584
BNL, PBA 476, f.395. 585
BNL, PBA 476, fs. 413-413v. 586
VALLADARES, 2006, p.57.
99
quedaua, y tan grande como su Alteza, echarla del Reino: que aun teniendola en vn
Conuento presa, no se asegurauan de lo que podria obrar, en su daño.”587
A autorização para a princesa sair de Lisboa datava de junho de 1641, logo depois de
se ter sabido que D. Duarte de Bragança, o irmão de D. João IV, tinha sido feito
prisioneiro na Alemanha, pelo que a libertação de Margarida de Mântua visava evitar a
execução do infante português, ou até mesmo propiciar a sua libertação. No entanto, a
expulsão da princesa só viria a ocorrer no final de Agosto, coincidindo com a
descoberta da conjura contra D. João IV.588
A princesa queria de facto deixar Portugal, mas ainda tentou que a ordem viesse de
Filipe IV, para não ter de se rebaixar perante o duque de Bragança:
«Assim se resolveo o mandarse dizer à Duqueza, se preparasse para passar a Madrid, a que ella respondeo, que o faria depois, que tivesse resposta da carta que havia escrito a ElRey Catholico, e naõ se lhe admittindo a replica, se lhe ordenou, se preparasse para partir, o que com effeito fez.»589
Este episódio é confirmado pela versão do padre Seyner:
«Resoluieron, pues, que su Alteza salisse del Reino, y viniesse a Castilla. Embiaronla a dezir, que quando fuesse seruida podria hazer su jornada. Y la respuesta fue, que su Magestad tenia cuidado de embiar por ella, que quando embiasse saldria. Refiriòme esta respuesta, vn Religioso que podia saberla con certeza. Embiaron segundo recado, diziendo, que para tal dia estaria apercebido todo carruage, que aduertisse su Alteza a estar preuenida, porque era fuerça salir quando se le señalaua. Viendo la violencia de esta resolucion, se huuo de disponer toda aquella Casa, y saliò de Lisboa a mediado Setiembre con todos aquellos calores.»590
O regresso a Castela
No satírico Testamento de Miguel de Vasconcelos a vice-rainha não fora esquecida:
«A Senhora Infanta Margarida deixo minha muleta por ser pessoa a quem em meos dourados tempos se guardou mais respeito que a hum cetro de que a dita senhora esta tam falta e tambem por me parecer justo que va em muletas pera Castela quem nelas hja pondo a Portugal.»591
587
SEYNER, 1644, p.204. 588
VALLADARES, 2006, p.68. 589
SOUSA, 1748, liv. VII, pp. 80-81. 590
SEYNER, 1644, p. 205. 591
«Testamento de Miguel de Vasconcelos», Biblioteca do Palácio Fronteira, Papéis velhos e curiosos, t. 8, fol. 8 v, in MATOS, 1946, p.40.
100
Deposta do cargo de vice-rainha e expulsa de Portugal, o regresso a Castela seria, de
facto, bastante difícil para a orgulhosa princesa, obrigada a permanecer afastada da
corte, primeiro por motivos de saúde, e depois por questões políticas, naquela que se
revelaria uma longa travessia da desértica Meseta Ibérica.
A princesa regressava a Castela em plena crise do ministeriato do conde-duque, para a
qual contribuíra grandemente a revolta em Portugal.592 Por essa altura, decorria o
julgamento de Pedro de la Mota Sarmiento, pelo que convinha a Olivares manter a
princesa afastada de Madrid. Com esse mesmo intuito, sugeriu a nomeação de
Margarida como generalesa das forças que iriam combater D. João IV, proposta
recusada pela princesa.593
Por outro lado, nos momentos que se seguiram ao 1º de dezembro, a destituição do
conde-duque teria equivalido, por parte do rei, ao reconhecimento da sua
cumplicidade com o valido; Filipe IV, que estava perfeitamente a par da estratégia de
Olivares, Soares e Vasconcelos, via-se obrigado a resguardar a sua autoridade, tirando
partido das rivalidades entre os responsáveis da administração da monarquia católica
em Portugal. A chegada de Margarida a Madrid poderia ter deitado esta estratégia por
terra, daí ter sido retida em Ocaña sem uma explicação plausível, até ao final de 1642,
altura em que a destituição de Olivares era já inevitável, provocada pelo agravamento
da conjuntura.594
Sendo assim, encontramos uma profusão de textos associando a duquesa de Mântua à
queda do conde-duque, com relatos nem sempre coincidentes. A análise da
correspondência coeva permite esclarecer algumas contradições e imprecisões.
As dificuldades passadas à chegada a Castela são descritas pela própria duquesa em
carta ao rei:
«En Portugal adonde fue servido embiarme procure siempre en todo y por todo de complir con mis obligaciones, y no dexe de ofrecer la vida, que de buena gana sacrificaria para evitar el mal suerte de aquel Reyno, despues del qual sabemos lo que padeci en nueve meses de prision, y en la salida que me obligaron con tanto peligro y descomodidad que me causo la enfermedad que tube en Badajoz (...) Fue detenida en Merida siete meses con non menores
592
ELLIOTT, 2009, pp. 652-657. 593
VALLADARES, 2006, p.69. 594
VALLADARES, 2006, pp.68-70.
101
encomodidades en una casa yerma sin poder nunca salir a tomar un poco de aire por no tener en que.»595
Durante este período a duquesa manteve sempre o contacto com Madrid, insistindo
na autorização para regressar à corte:
«Suplicó muchas veces á S. M. que la librasse del destempladísimo ayre de Estremadura; y finalmente, por gracia muy singular obtuvo licencia para venir á vivir á Ocaña.»596
A princesa, que estava manifestamente bem informada dos passos do rei, aproveitou
esta hipótese de se aproximar do monarca, que ultimava os preparativos para viajar
para Aragão.
Uma carta de D. Bernardino, secretário da princesa, escrita em Mérida, a 19 abril 1642
relata que “S. A. con deseo de llegar a Ocaña antes de la jornada de S. M.d, ahier por la
mañana se resolvio de partir de esta ciudad, y a la tarde lo executo, dexando aqui por
falta de carruaje las personas contenidas en la lista inclusa.”597
Determinada em conseguir um encontro com o monarca, a princesa saiu de Mérida
com toda a pressa, deixando para trás um grande número de criados.
Em anexo a esta carta surge uma interessante “lista de las personas de la casa de S.A.
que han quedado en Merida”, num total de 50 pessoas, elaborado pelo secretário, que
“he quedado para assistir a estas señoras” e pede “lo necessario para el sustento desta
familia”.598
Filipe IV pretendia juntar-se às suas tropas, que combatiam contra a França e contra os
rebeldes catalães, mas interromperia a jornada logo em Aranjuez, para se dedicar à
caça. A duquesa de Mântua teria aproveitado a ausência de Olivares, para se encontrar
com o rei que também recebeu o duque de Alba, responsável pelas operações
militares na fronteira portuguesa, e outro dos inimigos do valido.599
595
AGS, Estado, 4045, carta da Princesa Margarida ao rei. 596
Caida de su privanza, y muerte del Conde-Duque de Olivares..., p. 31. 597
AGS, Estado, 4045, Carta de D. Bernardino, 19 de abril 1642. 598
“La marquesa de Villa Nueba guarda Mayor con quatro criadas y un criado; Mª Casilda Manrique
contres criadas y un criado; quatro Damas con quatro criadas; tres Moças de la Camera con dos criadas;
La guarda Menor, emfermera y Barandera; dos lavanderas; D. Bernardino Secretario de la Camera con
dos criados; el despençero Mayor con un Moço; un guardadams un repostero y un portero; un
comprador y dos mestres de Estado con tres moços; dos cosineros y dos moços; mas dos meninos y un
criado.” AGS, Estado, 4045, Carta de D. Bernardino, 19 de abril de 1642. 599
CALVO POYATO, 1995, p.125.
102
De acordo com uma das cartas do Memorial Historico Español, o encontro com a vice-
rainha deposta já estaria previsto:
«Sábado 26 de este salió S. M. para Cataluña (…). Pasará el jueves á Aranjuez y Ocaña á verse com la señora princesa Margarita, su prima.»600
Não seria esta primeira entrevista com o monarca a garantir o regresso da princesa a
Madrid. Filipe IV seguiria para Aragão, numa jornada real cujo fracasso ditaria a
destituição de Olivares.601 Os inimigos do valido aproveitam, então, a circunstância de
a princesa pretender eximir-se de responsabilidades do sucedido em Portugal602 para a
envolver nas intrigas.
Margarida de Mântua apareceria em Madrid de forma inesperada, sem ter sido
convocada pelo monarca, tendo apresentado como explicação as dificuldades
económicas e a falta de condições com que fora instalada em Ocaña:
«Llegando por esto su necesidad á tal extremo, que su Mayordomo andaba mendigando el sustento de su Alteza en las casas y Conventos de Ocaña, y quando vió estar las puertas cerradas, movida de la miseria y extrema necesidad que padecia, determinó venirse á Madrid improvisadamente.»603
No entanto, há indicações de que tenha sido a rainha, também envolvida nas intrigas
políticas, a conseguir que a princesa, com quem mantinha uma discreta
correspondência, viesse até à capital.604
Vittorio Siri descreve de forma dramática a chegada da princesa, que pareceria
verdadeiramente reduzida à mendicidade com o seu hábito da Ordem Terceira de S.
Francisco,605 a não ser pelo “porte magestoso, o ar orgulhoso e desdenhoso, e o modo
imperioso com que se dirigia aos Grandes de Espanha.”606
600
Memorial Historico Español, t. XVI, p. 342, Madrid, 29 abril 1642, carta de D. Juana Idiaquez Isassi. 601
SIMON, 2010, 265-266. 602
VALLADARES, 2006, pp.68-70. 603
Caida de su privanza, y muerte del Conde-Duque de Olivares..., p. 31. 604
SICARD, 2009; Vittorio Siri relata que “la veritable cause du prompt depart de la Duchesse de
Mantouë d’Occagne sans en avoir reçu la permission fut un ordre secret de se rendre à Madrid, qu’elle
avoit receü de la reine, laquelle la prioit de venir à son secours, & souhaittoit de l’avoir pour compagne
dans l’enterprise qu’elle avoit formée de perdre ce premier Ministre“ in Anedoctes du Ministere du
Comte Duc d’Olivares, p.388. 605
Esta informação é verosímil, tendo em conta que no seu testamento Margarida pede para ser sepultada com o hábito das clarissas: “sono sorella, ancorchè indegna, del venerabile ordine terzo…di
San Francesco” (ASTO, Corte, Materie politiche per rapporto all’Interno, Cerimoniale, Testamenti, m. 4, fasc. 16, 1 September 1652, Testamento della principessa donna Margarita di Savoia, duchessa di
Mantova, cit. por RAVIOLA, 2013, p.64 n.65). 606
Anedoctes du Ministere du Comte Duc d’Olivares, p. 390.
103
A chegada da princesa à corte é confirmada por uma carta datada do dia de Reis de
1643:
«La duquesa de Mántua sin pensar, se vino de Ocaña á Madrid. Está aposentada en un cuarto de la Encarnacion, con guarda á la puerta, como persona real. La causa há sido porque realmente padecia, segun se dice, grande necesidad, y no se la proveia, ni à S. A. ni familia de dinero para el sustento, com que esta alcanzadísima; y viendo su aprieto y que otros medios no habian tenido el efecto que deseaba, tomó este por mas conveniente, que estando mas cerca de SS. MM. Será fuerza se le acuda com mas puntualidad y brevedad.»607
No dia 11 de janeiro o marquês de Castañeda relata ao rei o encontro que teve com a
duquesa, que lhe descrevera “las estremidades a que la havia llegado la necesidad en
Ocaña, refiriendome algunas de ellas.” 608
Quase sem dar hipótese de resposta ao seu interlocutor, Margarida procurara justificar
o sucedido em Portugal:
«Y sin dexarme passar de alli entro en la relacion del sucesso de Portugal, pero quando lo hizo pausa dixe à S. A. lo mucho que V Md sentia la descomodidad de su aposento y la imposibilidad de podersele mejorar.» 609
O marquês, que vinha incumbido de tentar convencer a duquesa a regressar a Ocaña,
obtém como resposta um discurso dramático:
«Con un semblante caido me hizo relacion de lo que esta Corona y su Real sangre la havian devido en Italia y en España de fidelidad, de amor, de travaxo.» 610
A princesa sentia-se, sobretudo, humilhada:
«Estimava mas que su comodidad su honrra sobre que se hablava mucho en Italia con ofensa de la casa de su hija y de su nieto mirandola (...) desterrada en Ocaña; que menos podia dejar de estrañar que para una muger de su sangre venida al servicio de V Md, faltase un rincon donde recoxerla, escusandola ocasionar (...) su mayor desconsuelo, lo que se discuriria en Italia, y que era bien que V Md supiese que no era Ocaña residençia para su perssona.» 611
607
Memorial Historico Español, t. XVI, p.490, Madrid, carta de Sebastian Gonzalez, 6 de janeiro de 1643. 608
AGS, Estado, 4045, carta do marquês de Castañeda, 11 de janeiro 1643. 609
AGS, Estado, 4045, carta do marquês de Castañeda, 11 de janeiro 1643. 610
AGS, Estado, 4045, carta do marquês de Castañeda, 11 de janeiro 1643. 611
AGS, Estado, 4045, carta do marquês de Castañeda, 11 de janeiro 1643.
104
Margarida de Mântua mostra-se inflexível, pelo que o marquês acabaria por desistir:
“perdi la esperanza de reducirla.”612
A própria duquesa escreve ao rei justificando a sua chegada imprevista a Madrid:
«El haver sido tan de repente ha procedido de la estrema necessidad, que no me dio lugar a dilatarlo.»613
Começa por argumentar que só reconhecia motivo para se afastar da corte se fosse
para regressar a Itália:
«Que yo vine a españa para obedecer a V M.d que se sirvio de mostrar que le seria de gusto verme para ampararme; (...) jamas pense de haverme de apartar de los ojos de V M.d sino para servirle o bolver a Italia supuesto esto no me puedo persuadir que V M.d me aya de obligar a vivir en Ocaña.» 614
Em seguida, lamenta o exílio forçado que viveu em Ocaña, argumentando que estaria a
ser penalizada injustamente:
«Cierto es que el mundo jusgará que el estar una persona como yo en Ocaña es un genero de pena. Esta supone culpa, y pues no la tengo, antes me asseguro que no ay exemplar de mayor fuerza, observancia, y affecto al servicio de V M.d.» 615
Por outro lado, acrescenta que “en muchas partes de europa sè que se ha estrañado mi
residencia en Ocaña.”
Seguem-se os argumentos relativos ao estado de saúde:
«Mis años, mi poca salud, y mis achaques son tales que no pueden sufrir aires tan secos (...) como los de Ocaña, lo que requieren es descanso y consuelo.» 616
Para além das necessidades por que passara, refere também a difícil situação dos seus
servidores, os quis não remunerava havia mais de dois anos, para além “de haver cada
uno dado lo que tenia para ayuda de pagar mis deudas, y de salir de Portugal.” A
situação dos criados era dramática: “Los criados que aqui estan no tienen raçion, y los
que han quedado en Ocaña padecen de ambre.”617
A entrevista direta com o monarca, que Olivares terá tentado impedir, realizar-se-ia
por intermédio da rainha:
612
AGS, Estado, 4045, carta do marquês de Castañeda, 11 de janeiro 1643. 613
AGS, Estado, 4045, carta da Princesa Margarida ao rei. 614
AGS, Estado, 4045, carta da Princesa Margarida ao rei. 615
AGS, Estado, 4045, carta da Princesa Margarida ao rei. 616
AGS, Estado, 4045, carta da Princesa Margarida ao rei. 617
AGS, Estado, 4045, carta da Princesa Margarida ao rei.
105
«A la Reyna le fue muy agradable la venida de su Alteza: y si bien el Conde-Duque impidió la Audiencia, que debia darla el Rey, y la desacreditaba en el Consejo de Estado, sin ir á visitarla, con maravillosa admiracion de toda la Corte; con todo eso la Reyna la convidó á su quarto, y dispuso que hablase por espacio de dos horas en su presencia con el Rey.»618
Margarida terá então tido finalmente a oportunidade de se ilibar de responsabilidades
relativamente à secessão do reino de Portugal, atribuindo–as a Olivares, a quem
acusou de ter ignorado os avisos que repetidamente enviara para Madrid:
«Mostró todas las copias de sus cartas, llenas de importantes advertencias, y las pocas respuestas que habia tenido, y se disculpó de tal manera, que la pérdida de Portugal cargó toda sobre la inadvertencia, y capricho del Conde-Duque.»619
Esta questão seria devidamente aproveitada e amplamente divulgada pelos opositores
de Olivares, que se retirou da cena política a 17 de janeiro de 1643.620
Com esta oportuna versão dos acontecimentos, a princesa recuperava uma posição
prestigiada na corte de Madrid.
Os últimos anos
Poucos dias após a queda de Olivares, Margarida de Saboia é integrada no círculo mais
restrito do monarca:
«Salieron el Rey, la Reyna, el Principe, la Infanta, y la Duquesa de Mantua en público, dirigiéndose al Convento de las Descalzas Reales. Fueron seguidos del numeroso pueblo, que á gritos decian: vivan los Reyes, y el Principe nuestros Señores, y muera el mal gobierno.»621
No mês seguinte, o padre Francisco Negrete relata a visita régia à casa dos Jesuítas,
por ocasião de uma festividade religiosa:
«Venia tambien la duquesa de Mantua en el coche com el Rey y Reina, sus primos (…). Estuvieron los Reyes y Principes en su sitial todos cuatro, y un poquito mas atrás la de Mantua, todos de rodillas, haciendo oracion al Santissimo.»622
618
Caida de su privanza, y muerte del Conde-Duque de Olivares..., p. 31. 619
Caida de su privanza, y muerte del Conde-Duque de Olivares..., p. 32. 620
SIMON, 2010, 266. 621
Caida de su privanza, y muerte del Conde-Duque de Olivares..., p. 52. 622
Memorial Historico Español, t. XVII, p.17, 17 de fevereiro de 1643.
106
Ainda no rescaldo da queda do conde-duque, é descrita a atitude altiva da princesa
Margarida para com a condessa de Olivares, que permanecera ao serviço da rainha:
«El dia de la procesion fué la Reina nuestra señora á las Descalzas com la infanta y la duquesa de Mantua e condesa de Olivares. Al entrar en coche se sentó la Reina en la popa y á la infanta sentó á su lado. Entró luego la de Mantua, y sentóse muy ancha al lado de enfrente donde tiran los caballos. Al entrar la de Olivares le dijo la Reina «sentaos allí» y venia á ser al lado de la de Mantua. Esta replicó: “suplico á V. M. considere soy nieta del Rey D. Felipe II, mi señor, y hija de la infanta Doña Catalina y duquesa de Mantua, y que nos es decente vaya á mi lado la condesa de Olivares”. Por fin habló com tal resolucion que la Reina hubo de mandar á la condesa se sentase en el estribo. Obedeció y fué bien mortificada.»623
Em 11 agosto 1643, uma carta do padre Sebastian Gonzalez dava conta de que “la
duquesa de Mantua está ya en las Descalzas, en el cuarto en que vivió la señora
Emperatriz; tiene buena casa y bastante número de criados y criadas; dánle cada año
para su sustento 24. 00 ducados.”624
“Servida, y estimada,”625 a princesa Margarida estaria doravante presente em
momentos significativas da vida da corte, como as cerimónias fúnebres da rainha
Isabel de Bourbon, em 1646 e os festejos realizados, dois anos mais tarde, por ocasião
do casamento de Filipe IV com Mariana de Áustria.626
É possível que a sua intervenção diplomática em Madrid,627 conjugada com a
constante correspondência com Mântua, tenham influenciado os casamentos de
ambos os netos: o duque Carlos Gonzaga casou no ano de 1649 com a arquiduquesa
Isabel Clara de Áustria, tendo nascido a 31 de Agosto de 1652 o bisneto de Margarida,
Fernando Carlos; e a princesa Leonor tornar-se-ia imperatriz pelo seu casamento, em
1651, com Fernando III.628
623
Memorial Historico Español, t. XVII, p.37, carta de 2 abril de 1643. 624
Memorial Historico Español, t. XVII, p.183 carta de 11 de agosto 1643. 625
Historia General de España ..., t.II, p. 737. 626
OLIVEIRA, 2005, pp.180,184-185. 627
O professor Rafael Valladares alertou-me para as fontes austríacas, que poderão desvelar o papel diplomático da princesa em Madrid. 628
SOUSA, 1748, liv. III, p.243. Num memorial datado do ano de 1640, a princesa Margarida mostrava-se empenhada em que o casamento da neta, a princesa Leonor, fosse concertado de acordo com os interesses da coroa de Espanha (AGS, Estado, 2664).
107
Nos seus últimos anos de vida, a duquesa de Mântua dedicar-se-ia com bastante
insistência à questão da recuperação do seu dote e do de sua mãe, a infanta Catarina
Micaela, 629 e nunca desistiria do intuito de regressar a Itália.
A notícia da partida da duquesa já corria no ano de 1646:
«A la princesa de Mantua se dice la da S. M. dos pueblos de Nápoles para que de la renta de ellos se sustente, y así se entiende se partirá para allá com toda brevedad.»630
A Historia General de España relata que a princesa “pedio intempestivamente licencia
de irse a Italia, creyose fue por puntos de lugar, y preeminencias, com quien le era
inferior, y aunque com pesar, y resistencia de su Magestad la consiguò, dandola cinco
mil ducados de ayuda de costa para el camino, y las alhajas Reales de que se servia. Su
habitacion auia de ser en Bejeuen [Vigevano], Ciudad del Estado de Milan, sus
alimentos quatro mil ducados de plata al mês.”631
Em junho de 1653, na sequência da autorização concedida pelo rei, Margarida de
Mântua escreve a Don Luis de Haro pedindo que libertasse a verba prevista, de modo a
que a ida para Itália se concretizasse, o mais tardar, em meados de Agosto, para evitar
as chuvas e frio na Lombardia, que seriam perigosos para a sua saúde.632 No ano
seguinte, escreve-lhe novamente, queixando-se da, desconsideração e das promessas
não cumpridas, acusando-o de “ entreterme con vanas esperanças.”633
Em 20 de julho de 1654, tendo tido notícia da chegada dos galeões, a princesa espera
receber finalmente o dinheiro para regressar a Itália, e pede que “se me de lo
prometido para poder executar mi jornada para Italia, que despues del servicio de V.
Mag.d es lo que mas deseo y me importa en esta Vida,” insistindo, dramaticamente,
que iria “a pie con un bordon a la mano (...) si no supiera que Su Mag.d no lo tendria
por bien.”634
A viagem só teria lugar no ano seguinte:
«Llena de sentimientos partiò su Alteza, dandola para la preuencion del camino hasta Francia, fuera del saluoconduto de aquella Reina su sobrina, un Alcalde
629
RAVIOLA, 2012, p. 161. 630
Memorial Historico Español, t. XVIII, p.399, carta de 11 de setembro de 1646 631
Historia General de España ..., t.II, p. 737. 632
BNM, Mss. 18176, Cartas originales de la princesa Margarita a Don Luis de Haro. 633
BNM, Mss. 18176, Cartas originales de la princesa Margarita a Don Luis de Haro. 634
BNM, Mss. 18176, Cartas originales de la princesa Margarita a Don Luis de Haro.
108
de Corte, com quatro Alguaziles para preuenir los camino, y posadas, y que no se alterassen los precios de lo necessario. Llevó tambien un Medico de Camara.»635
Porém, a tão desejada jornada terminaria abruptamente em “Miranda de Ebro, donde
enfermò de una calentura pestilente, a que sucediò una disenteria, que Viernes a veinte
y cinco de Mayo le conduxo a la muerte, y al cielo, tal fue su vida.”636 Ficaria por
cumprir o tão almejado objetivo de regressar a Itália e de rever a filha.
A notícia foi recebida com pesar em Madrid: “sabido su fallecimiento, fue grande el
sentimiento de los Reyes, y de la Corte.” 637
No seu testamento, embora ciente de que poderia vir a falecer noutro local, a princesa
pedira para ser sepultada em Mântua, com o hábito franciscano.638 As circunstâncias,
porém, levaram a que fosse sepultada em Burgos:
«Depositaran su cuerpo, de orden de su Magestad, en el Real Convento de las Huelgas de Burgos. Sus funerales se celebraran magestuosamente en el Real Convento de las Descalças.»639
635
Historia General de España ..., t.II, p. 737. 636
Historia General de España ..., t.II, p. 737. 637
Historia General de España ..., t.II, p. 737. 638
RAVIOLA, 2013, pp. 63-64. 639
Historia General de España ..., t.II, p. 737.
109
CONCLUSÃO
Com a nomeação para o cargo de vice-rainha de Portugal, Margarida de Saboia
alcançara a satisfação de ver reconhecido o seu estatuto superior no contexto na
Monarquia Católica.
Embora nascida em Itália, a princesa sempre privilegiara e cultivara a identidade com a
linhagem materna. Se a infanta Catarina Micaela se tornara duquesa pelo casamento,
a sua filha, princesa de nascimento e duquesa pelo matrimónio, sempre pretendeu o
uso legítimo do título de Infanta, pelo qual era muitas vezes nomeada.
Para além do sentido do dever e da fidelidade para com o rei de Espanha que lhe
haviam sido incutidos, o cargo de vice-rainha implicava o exercício de um poder
efetivo, que Margarida teria ambicionado desde a nomeação para a regência do
ducado de Saboia,640 e que experimentara brevemente no Monferrato, enquanto
consorte de Francisco Gonzaga.
A viuvez poderia ter-lhe trazido a oportunidade de exercer a regência do ducado, não
fosse o facto de a única filha sobrevivente ter sido envolvida numa crise sucessória,
que obrigaria, inclusivamente, a princesa Margarida a regressar ao Piemonte.
Estas circunstâncias remeteram a princesa à habitual posição feminina, exercendo a
sua influência na esfera do indireto e do oficioso.641 As cortes europeias, na época
moderna, permitiam à mulheres uma intervenção no poder por meio de uma
influência informal, inerente ao prestígio da linhagem e da honra alcançada pelo
casamento, que lhes permitiam angariar favores e distribuir mercês, bem como
participar das relações de aliança e de fação no seio da corte.642
A princesa Margarida, ao atuar como fiel aliada política de Filipe IV, associando a sua
condição e talento à persistência, lograria aceder a uma forma de poder
tradicionalmente associada aos homens.643
Na Idade Moderna as mulheres só em raras exceções exerciam papéis políticos ou
cargos oficiais de relevo,644 sendo mesmo considerado que a chegada de uma mulher
640
QUAZZA, 1930, pp.10-11. O autor refere o duque de Saboia tinha uma certa predileção pela mais velha das suas filhas, que era parecida com ele no carácter, inteligente, desejosa de comando e resoluta nas decisões
(p.3).
641 SICARD, 2009.
642 LOURENÇO, 1999, p.123.
643 OLIVÁN, 2006, p.28.
110
ao trono correspondia a um momento de crise como sucedia, por exemplo, na
ausência de herdeiros varões ou do monarca em funções, ou em caso de menoridade
do rei.645
No caso particular da monarquia espanhola dos Habsburgo, porém, devido à dispersão
das suas possessões territoriais, a delegação do poder às mulheres da dinastia tinha
sido estabelecida como sistema de governo, uma vez que se preferia, sempre que
possível, entregar o governo a membros da família reinante.646 Margarida de Saboia
tinha, aliás, o exemplo bastante próximo da sua tia Isabel Clara Eugénia, governadora
dos Países Baixos.
A duquesa viúva de Mântua foi nomeada para um cargo exigente num momento de
crise.
Grande parte da documentação analisada é testemunho da realidade complexa do
Portugal de Seiscentos, nas suas múltiplas cambiantes de reino integrado numa
monarquia dual e cabeça de um império ultramarino.
Perante um quadro institucional em evolução, a gestão das tarefas governativas
passava por delegar e supervisionar, consultar e decidir, pelo que a princesa Margarida
lidava diariamente com uma vasta estrutura que abrangia, inclusivamente, outros vice-
reis ou governadores (do Brasil e da Índia).
Verificamos que a avaliação da intervenção governativa da princesa Margarida é
frequentemente toldada pelo preconceito de género (inerente à mentalidade da
época647), que percorre as fontes literárias e documentais, começando pela própria
Instrução, ao mencionar que as mulheres são “embaraçosas, y amigas de meterse en lo
que no les toca.”648
O próprio Olivares consideraria o género como uma limitação para o exercício do
cargo:
«Le premier Ministre qui la regardoit comme une femme plus propre à l’administration economique d’une famille qu’au Gouvernement politique d’un Royaume.»649
644
SICARD, 2009. 645
OLIVÁN, 2006, p.28. 646
POUTRIN e SCHAUB, 2007, p. 44. 647
Laura OLIVÁN afirma que “antes de que la reina comenzara su reinado, los juicios contra el mismo
estarían ya condicionados por su sexo femenino.” (OLIVÁN, 2006, p.28). 648
AGS, Estado, 4045; AGS, Estado, 2656, Minuta da instrução secreta para a princesa Margarida. 649
Anedoctes du Ministere du Comte Duc d’Olivares, p.326.
111
Rebelo da Silva, na sua perspetiva oitocentista, considera a nomeação de Margarida de
Mântua como uma ofensa para os portugueses:
«Portugal, descontente e aggravado, viu na escolha da duqueza uma nova offensa a seus privilegios, tanto por a princeza ser mulher, como por não se achar no grau de parentesco com el-rei, que dispunham as capitulações de Thomar.»650
De acordo com a Ivstificaçam dos Portvgueses sobre a acçam de libertarem seu Reyno
da obediencia de Castella, texto que se insere no âmbito da bibliografia histórico-
jurídico-política da Restauração,651 a escolha seria duplamente ofensiva por ser
estrangeira e mulher:
«O segundo capricho do valido, foi entregar o gouerno, não sò a hum homem estrangeiro, mas a huma molher estrangeira, se foy intento, caro lhe custou, se foy acaso mouido de outras conueniencias, pudera aduertir que era erro sogeitar hum Reyno tam bellicoso, & vencedor de tantos homens a huma molher.»652
A estratégia de Olivares para garantir a submissão do reino aos seus desígnios
políticos teria passado pela nomeação da princesa, antevendo que esta poderia
“conformarse com os dous secretarios, a cuja conta estaua a execuçam do dinheiro,
parecendolhe, que mais facilmente se sogeitaria a elles huma molher, que hum
homem, por menos brioso que fosse.”653
Esta decisão estaria, à partida, condenada:
«Em outro lugar apontei hum oraculo da Sybilla, que diz se acabará o mundo, quando o gouerno delle estiuer à conta de huma molher. Viram os Castelhanos neste Reyno huma semelhança do comprimento deste oraculo, acabandose pera elles pello entregarem a huma molher.»654
A condição feminina da princesa Margarida torná-la-ia vulnerável à influência pro-
Monarquia Hispânica de D. Sebastião Matos de Noronha: “a Duquesa de Mantua, (...)
650
SILVA, 1860, t.III, pp. 425-426. 651
TORGAL, 1978, II, p.822. 652
Ivstificaçam dos Portvgueses sobre a acçam de libertarem seu Reyno da obediencia de Castella, Offerecida ao Serenissimo Principe Dom Theodosio Nosso Senhor Pello Doutor Antonio Carualho de Parada (...) Em Lisboa por Paulo Craesbeeck Anno 1643 in CRUZ, 1967, p. 194. 653
Ivstificaçam dos Portvgueses, p. 194. 654
Ivstificaçam dos Portvgueses, p. 194.
112
gouernaua com assistencia do Arcebispo de Braga,” uma vez “que como molher se
conformaua com o parecer de hum Prelado.”655
O principal responsável pelo governo seria, assim, Miguel de Vasconcelos, a quem a
princesa teria sido obrigada a submeter-se:
«A Duquesa de Mantua que gouernaua, naõ tinha mais que as aparencias de Gouernador (...), & se tal, vez a piedade de molher a obrigaua a zelar alguma desordem era aduertida se conformasse com o Secretario, porque conuinha assi ao seruiço delRey.» 656
Se há autores que destacam pela negativa o facto de se tratar de uma mulher, no
entender de outros prevalece, porém, o facto de se tratar de um membro da dinastia
reinante, reconhecendo que é possível o governo feminino quando se trata de um
membro da família real. Tal é o caso de Francisco Velasco de Gouveia, autor da Justa
acclamação do Serenissimo Rey de Portvgal Dom Ioão o IV, que é considerada a mais
importante obra de legitimação do movimento restaurador:657
«Ouue sempre, & ha hoje em dia muitas femeas, em que se achão em summa perfeiçaõ as virtudes da prudencia, fortaleza, & constancia, & liberalidade, & todas as partes necessarias para reynarem; como em nossos tempos se vio neste Reyno na Raynha D. Catherina molher delRey D. Ioaõ o III. & se vè hoje na Raynha D. Luiza N. S. & no de Castella na Rainha Catholica D. Isabel, & na Infante D. Isabel gouernando os Estados de Flandres. E chegarão muitas Princesas, em todos os Estados, a taõ alto grao de perfeição, que merecerão ser canonizadas pella Igreja Catholica (...). Sendo que as dittas virtudes saõ muito mais certas nas femeas, que descendem da casa Real, assi pello sangue de que procedem, como pella criaçaõ, & doctrina que tem, & pello exemplo domestico, que pella maior parte seguem.»658
Também o erudito oitocentista Canovas del Castillo, que se interessou particularmente
pela história política dos Áustrias,659 conclui que “houve que recorrer a uma mulher,
ainda que celebrada pela sua discrição em Itália; e por mais que esta não mostrasse,
como era de temer, à hora do perigo suficiente energia, é justo recordar que os
governos das Princesas estavam muito em favor desde o tempo de Carlos V na Casa de
Áustria.”660
655
Ivstificaçam dos Portvgueses, p. 191. 656
Ivstificaçam dos Portvgueses..., p. 180. 657
TORGAL, 1978, II, p. 858. 658
GOUVEA, 1641, p.114. 659
PASAMAR e PEIRÓ, 2002, p.158. 660
CANOVAS DEL CASTILLO, 1888, p.40.
113
O poder das mulheres originava uma situação contraditória: por um lado, numa
sociedade definida pela diferença jurídica, o governo feminino era aceite, sem limites,
quando baseado na prioridade outorgada pelo estado e pelo sangue; por outro lado,
havia uma clara perceção da debilidade deste governo, só por si propenso a rebeliões
e vulnerável a ataques internos e externos.661
A nomeação da duquesa de Mântua era um exemplo desta indefinição:
«Se bem que os dotes, e a nobreza daquela Senhora a faziam digna do cargo, os portugueses abominavam o seu governo por ser mulher, parecendo-lhes mal que uma representante do sexo cobarde tivesse o título de Capitão Geral das Armas.»662
A instabilidade interna e externa era um elemento comum aos governos femininos na
Idade Moderna, que as suas protagonistas tentavam combater recorrendo a
estratégias de conservação e legitimação do poder.663
O episódio da revista militar em Lisboa surge como uma estratégia de manipulação da
propaganda política, amplificada pelo recurso à divulgação do texto impresso
simultaneamente em Lisboa e em Madrid, que descreve o acontecimento como
grandioso e bem sucedido. Todo o cerimonial foi organizado com plena perceção de
que a imagem régia (neste caso, da representante de Filipe IV) era uma construção
cultural feita de gestos e cenários, e dela dependia a perceção e o reconhecimento por
parte dos súbditos.664
A princesa aproveitou a ocasião para potenciar as virtudes masculinas associadas à
vertente militar inerente ao seu cargo, fazendo menções de ser ela própria a passar
revista às tropas, deixando claro que estaria pronta para cumprir a sua missão em caso
de guerra:
«Este dia obrò mas en S.A. la sangre de hija del mayor soldado de todas las naciones que el retiro del estado de su viudez, y fortuna; pretendia a cavalo, de bastão na mão, examinar as tropas.»665
661
OLIVÁN, 2006, p.28. 662
BIRAGO,1646, p.109. 663 Laura Oliván refere, entre outras, a manipulação da propaganda política, a utilização da imagem
própria (potenciando virtudes masculinas ou recorrendo à ambiguidade dos sexos) e o cerimonial cortesão (OLIVÁN, 2006, pp.28-30). 664
PÉREZ CANTÓ e MÓ ROMERO, 2012, p.52. 665
Discvrso aivstado con la mvestra qve hizo de la gente de guerra...
114
O empenho da princesa nas suas funções de Capitã General fora, aliás, elogiado por D.
Fernando de Toledo, que destacara o “çelo y cuidado de la Señora Prinçessa”
considerando que “su cuidado y inteligensia ecede de los limites de suxesso.”666
Os relatos do 1º de dezembro contradizem a ideia de que se teria arrancado “à feminil
fraqueza da duquesa de Mantua a ordem de render as fortalezas."667
É mais verosímil a afirmação, atribuída à princesa, de “que antes moriria que darla.”668
A mesma intenção já fora proferida, anteriormente, quando “ficou alterada” perante a
hipótese de que poderiam “serrar a V. A. em hum aposento e obrigalla por força a que
firme papeis e de ordens ainda que não queira,” mostrando-se “muito alterada que se
pudesse duuidar se sua fidilidade (...) dizendo que antes perderia mil vidas que
encontrar o servicio de S Magde nem dar favor a quem o encontrasse” e afirmando
perentoriamente “que nada a poderia obrigar ao que ella não quisesse.”669
As demonstrações de fidelidade, obediência e gratidão para com Filipe IV são também
recorrentes na correspondência, afirmando certa vez que “querria ser un Angel para
no poder errar y tener la inteligencia que seria menester para mejor servir a V. M. y
obviar inconvenientes.”670
Surgem várias vezes documentadas as reações dramáticas, reveladoras da
impetuosidade e génio da princesa que, perante a saída forçada de Mântua, declarara
que “que si fuera hombre huviera tratado las cosas con la espada en la mano, y no de
otra manera.”671
A sua relutância em regressar o Piemonte levara o duque de Alba a reconhecer que
não havia como “compeler a la Princesa Margarita, a que salga del Estado de Milan,
haziendo ella la resistenzia que dize.”672
A princesa afirmara a “resolucion de no yr mas alla sino fuesse muerta, y que antes se
yria mendiga por el mundo con un bordon,”673 imagem que voltaria a usar vinte anos
mais tarde para tentar agilizar o seu regresso a Itália.
666
AGS, G.A., 1180, Carta de D. Fernando Enriquez y Toledo, 6 de outubro de 1636. 667
CANOVAS DEL CASTILLO, 1888, p. 143. 668
BNM, M. 2373, Relacion de lo succedido en el llevantamiento del Reyno de Portugal, f.365. 669
BA, 51-V-80, f.44, Carta de Miguel de Vasconcelos a Diogo Soares. 670
AGS, Estado, 4047, Carta da princesa Margarida, 1 de janeiro de 1636. 671
AGS, Estado, 3647, Puntos del segundo papel,en los particulares de la Princesa Margarita. 672
AGS, Estado, 3647, Conselho de Estado 18 de março de 1634. 673
AGS, Estado, 3647, Puntos del segundo papel,en los particulares de la Princesa Margarita.
115
Margarida de Mântua também se mostrara inflexível quando o marquês de Castañeda
a tentara convencer a regressar a Ocaña, acabando este por admitir ao rei que perdera
“la esperanza de reducirla.”674
O carácter determinado que a princesa revela em várias circunstâncias, e a altivez
descrita pelos seus contemporâneos parecem, pois, não se coadunar com a atitude
passiva de quem se deixaria dominar pelos ministros e conselheiros.
Isto não significa, naturalmente, que a princesa Margarida tivesse governado de forma
imparcial ou que fosse imune à influência das facções que a tentariam captar, uma vez
se mostrava amplamente envolvida nas intrigas da corte.
Dotada de uma força de espírito fora do comum, e sempre plenamente consciente da
sua posição,675 a vice-rainha mostrou-se empenhada no cumprimento das suas
funções.
Na perspetiva do marquês de la Puebla o principal defeito da princesa era,
precisamente, “desear que corran los negoçios por su mano,” situação que considerava
incompreensível, justificando que"nunca las mugeres governaron sin Asistençia de
ministros.”676
674
AGS, Estado, 4045, carta do marquês de Castañeda 11 de janeiro 1643. 675
RAVIOLA, 2012, p. 137. 676
AGS, Estado, 4047, Carta do Marquês de la Puebla, 4 de fevereiro de 1636.
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Imprensa Nacional, 1860.
Simon i Tarrés, Antoni- “La «jornada real» de Catalunya que propició la caída del
conde duque de Olivares” in Revista de História Moderna, nº28, Universitat Autònoma
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Valladares, Rafael, Felipe IV y la Restauración de Portugal, Málaga, Editorial Algazara,
1994.
Valladares, Rafael, A Independência de Portugal. Guerra e Restauração (1640-1680),
Lisboa, A Esfera dos Livros, 2006.
Valladares, Rafael, “Saboya, Margarita de, Duquesa de Mantua” in Diccionário
Biográfico Español, Vol. XLIV, Madrid, Real Academia de la Historia, 2013.
Veiga, Carlos Margaça “O governo filipino (1580-1640)” in João Medina (dir.), História
de Portugal vol. VIII, Do Portugal Cativo ao Portugal Absolutista, Amadora, Ediclube,
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Volpilhac-Auger, C., “Mon Siège est fait ou la méthode historique de l'Abbé de Vertot“,
in Cromohs, 2, 1997, pp. 1-14, (http://www.unifi.it/riviste/cromohs/2_97/volpil.html,
consultado em 31/3/2014).
Wagner, Mafalda de Noronha, A Casa de Vila Real e a conspiração de 1641 contra D.
João IV, Lisboa, Colibri, 2007.
130
ANEXOS
ANEXO 1 - Giovanni Carracci, Margarida de Saboia com seis anos.
ANEXO 2- Sofonisba Anguissola, Margarida de Saboia com um anão.
ANEXO 3- Sofonisba Anguissola (atrib.), Retrato de Margarida de Saboia.
ANEXO 4- Federico Zuccaro (atrib.), Retrato de Margarida de Saboia.
ANEXO 5- Frans Pourbus II, Retrato de Margarida de Saboia.
ANEXO 6- Domingos Vieira (atrib.), Retrato de D. Margarida de Saboia, Duquesa de
Mântua.
ANEXO 7- Os grandiosos festejos no Lago.
ANEXO 8- Dirk Stoop, Terreiro do Paço no século XVII.
I
ANEXO 1
Giovanni Carracci, Margarida de Saboia com seis anos
Coleção Gabriela de Saboia
Fonte: KUSCHE, 2009, p.290.
II
ANEXO 2
Sofonisba Anguissola , Margarida de Saboia com um anão, 1595
Óleo sobre tela, 149x125 cm
Coleção Privada
Fonte: The Bridgeman Art Library http://www.bridgemanart.com/en-GB/asset/71626/
III
ANEXO 3
Sofonisba Anguissola (atrib.), Retrato de Margarida de Saboia, 1604
Óleo sobre tela, 199 × 108
Turim, Galleria Sabauda
A princesa é retratada com as joias que herdou da infanta Catarina Micaela, que por
sua vez herdara da mãe, Isabel de Valois. A cabeça está adornada com a meia-lua,
símbolo de pureza, e a mão repousa sobre o leão genealógico dos Saboia.
Fonte: KUSCHE, 2009, pp.290-292.
IV
ANEXO 4
Federico Zuccaro (atrib.), Retrato de Margarida de Saboia, c.1605
Óleo sobre tela, 120 x 99.1 cm
Atribuído por Francesco Petrucci ao pintor Federico Zuccaro, cuja estadia em Turim,
com o objetivo de retratar as princesas, está documentada. Margarida é retratada com
uma cadela spaniel, símbolo de fidelidade e fertilidade.
Fonte: Historical Portraits Picture Archive
http://www.historicalportraits.com/Gallery.asp?Page=Item&ItemID=1227&Desc=Marg
herita-of-Savoy-by-Federico-Zuccaro
V
ANEXO 5
Frans Pourbus II, Retrato de Margarida de Saboia, 1608
Óleo sobre tela, 206.5x116.3 cm
S. Petersburgo, Hermitage
A princesa veste o traje nupcial ricamente bordado com as iniciais do noivo e a coroa
ducal.
“A noiva não está mal, mas também não é uma grande beleza; tem duas coisas boas –
porte majestático de princesa e muita prudência”- escreveu o sogro, Vicente Gonzaga,
a 11 de Março de 1608” (QUAZZA, 1930, p. 63).
Fonte: http://www.arthermitage.org/II-Frans-Pourbus/Portrait-of-Margaret-of-Savoy-
Duchess-of-Mantua.html
VI
ANEXO 6
Domingos Vieira (atrib.), Retrato de D. Margarida de Saboia, Duquesa de Mântua
Século XVII
Óleo sobre tela, 191x111 cm
Museu de Évora
“D. Margarida aparece-nos num retrato de corpo inteiro, ligeiramente voltada à
esquerda, com uma das mãos pousada sobre as costas de uma cadeira que se encontra
à sua esquerda. A outra mão está pousada à altura da cintura. Está retratada como
uma mulher de meia-idade, de rosto pálido e austero, sem grande beleza. Veste um
vestido em tons de cinzento, de corpete ajustado ao corpo, que termina em forma de
bico, com um pequeno decote enfeitado por uma faixa com uma flor negra. A saia, que
cai em pregas verticais, abre ao meio. Sobre os ombros uma capa negra, comprida. Na
cabeça, um toucado de renda transparente. O fundo é escuro e toda a pintura está em
tons de branco, cinzento e preto o que confere um ar de grande austeridade.”
Fotografia: Teresa Crespo
Fonte:http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdR
eg=13748
VII
ANEXO 7
Os grandiosos festejos no Lago (1608)
Compendio del Follino, Biblioteca Comunale, Mântua
Fonte: QUAZZA, 1930.
VIII
ANEXO 8
Dirk Stoop, Terreiro do Paço no século XVII, 1662
Lisboa, Museu da Cidade
1230 mm X 1725 mm
“Importante obra de referência no panorama artístico de seiscentos, a pintura de Dirk
Stoop constitui uma das mais relevantes vistas do Terreiro do Paço nos meados do séc.
XVII e um importante testemunho para o conhecimento da sociedade da época.
Marcando cenograficamente toda a composição, o Paço da Ribeira destaca-se com o
torreão de Filippo Terzi, ou de Juan Herrera, a Casa da Rainha e a Galeria das Damas.
Ao fundo, no alto da colina, sobressai o Convento de S. Francisco da Cidade. Na praça,
o pulsar da cidade evidencia-se pelo deambular de crianças, cavaleiros, fidalgos, alguns
acompanhados de criados ou moços militares, homens do clero e diversos tipos
populares: negros, criadas e vendedoras. Junto do chafariz de Apolo, no centro do
quadro, alguns aguadeiros enchem as bilhas enquanto outros se envolvem numa rixa.”
Fonte: http://www.museudacidade.pt/Coleccoes/Pintura/Paginas/Terreiro-do-Paco-
no-seculo-XVII.aspx
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