do engenheiro ao licenciado - sapientia.pucsp.br · “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,...
Post on 15-Dec-2018
213 Views
Preview:
TRANSCRIPT
ROSEMEIRY DE CASTRO PRADO
DO ENGENHEIRO AO LICENCIADO:
OS CONCURSOS À CÁTEDRA DO COLÉGIO PEDRO II E AS
MODIFICAÇÕES DO SABER DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA
DO ENSINO SECUNDÁRIO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
PUC – SP
2003
ROSEMEIRY DE CASTRO PRADO
DO ENGENHEIRO AO LICENCIADO:
OS CONCURSOS À CÁTEDRA DO COLÉGIO PEDRO II E AS
MODIFICAÇÕES DO SABER DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA
DO ENSINO SECUNDÁRIO
Dissertação elaborada no Curso de Pós-
Graduação em Educação Matemática da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial à graduação de
MESTRE EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA,
sob a orientação do Prof. Dr. Wagner
Rodrigues Valente.
PUC – SP
2003
Banca Examinadora
________________________________________
________________________________________
________________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total
ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura: _______________________________ Local e Data: ___________
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,E do bem (se algum houve...) as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía".
Luís de CamõesLuís de CamõesLuís de CamõesLuís de Camões
Dedico este trabalho aos meus pais, José Carlos e Nair,
exemplos de honestidade e lisura; aos meus queridos e
amados irmãos, Renato e Raquel, e às minhas sobrinhas,
Talita e Laura, amores de minha vida.
Meus agradecimentos especiais ao Professor
Doutor Wagner Rodrigues Valente, pela
integridade, competência, profissionalismo,
dedicação, paciência e compreensão ao longo
desse trabalho, sem o que, não seria possível a
realização deste sonho e o término desta
pesquisa.
À Professora Célia Maria Carolino Pires que ao
aceitar participar da banca examinadora, muito
enriqueceu este trabalho com suas críticas e
sugestões.
Ao querido amigo e mestre de outrora, Antonio
Vicente Marafioti Garnica, a quem devo grande
parte de minha inspiração e amor pelo magistério
e que, ao constituir a banca de defesa, mais uma
vez contribuiu de modo significativo na
concretização de mais um projeto pessoal.
Aos Professores do Programa de Estudos Pós-
Graduados em Educação Matemática da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, que
contribuíram na formação, apropriação e
construção de um imenso tesouro que jamais
poderá ser roubado ou destruído: a valorização do
saber.
À querida professora e amiga Ana Paula Jahn,
que muito me encorajou e incentivou ao longo
dessa caminhada.
AGRADECIMENTOS
Aos meus amigos do grupo de pesquisa e do
Mestrado da PUC/SP, por compartilharem
momentos alegres e difíceis nessa minha batalha,
dando força e carinho para que pudesse
finalmente chegar ao término desse trabalho.
À minha família, sem a qual jamais conseguiria
tanta força e firmeza para retirar todas as pedras e
obstáculos que surgiram ao longo desta difícil mas
compensadora trajetória. A ela, devo toda a
realização desse projeto.
Aos mais que amigos que encontrei no decorrer
do curso, Benedito Afonso Pinto Junho e
Aparecida Duarte e seus familiares, com os quais
compartilhei as minhas dificuldades e desfrutei
das alegrias dessa amizade. É muito bom poder
olhar para trás e perceber que, acima de tudo, o
amor, o carinho e o companheirismo são o que de
melhor plantamos. E, se vencemos, é porque
unidos começamos e unidos alcançamos nosso
objetivo.
Aos amigos queridos da família “OAPEC”, aos
quais sei que devo muito, pois me deram muita
força e muito carinho. A todos, sem exceção,
funcionários, alunos, coordenadores, professores
e diretores da Organização Aparecido Pimentel de
Educação e Cultura, a minha gratidão eterna.
Ao meu namorado Marcio que, além de toda a
paciência no decorrer desses anos, também
sempre esteve ao meu lado incentivando e
torcendo para que este trabalho fosse finalizado.
À minha irmã Raquel que, de modo direto, várias
vezes me acompanhou nesta trajetória. Juntas,
mais uma vez, vencemos...
Enfim, a todos aqueles que direta ou indiretamente
contribuíram para que este projeto se tornasse
uma realidade.
A autora
O presente trabalho estuda alguns elementos para a história da formação
do professor de matemática do ensino secundário. Mais especificamente, através
da análise de concursos à cátedra do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro,
buscamos compreender historicamente as alterações exigidas ao saber dos
professores de matemática. Procuramos mostrar que o saber profissional do
professor de matemática está referenciado pelos concursos, sofrendo alterações
com a criação das faculdades de filosofia. O período abordado permite estudar
elementos que estão presentes na transição dos engenheiros para os licenciados.
Essa passagem é analisada a partir das alterações relativas às exigências do
saber profissional daqueles que ensinam Matemática no secundário.
Palavras-chave: Colégio Pedro II, cátedra, Faculdade de Filosofia, Educação
Matemática, formação de professor.
RESUMO
The present work studies some elements for history of mathematics’
teacher formation to secondary school. Through the specific analysis of the
contests to Pedro II School cathedra in Rio de Janeiro we try historically to
understand the changes demanded from knowledge of mathematics’ teachers. We
try to show that professional knowledge of mathematics’ teacher is referred by the
contests suffering changes with the creation of philosophy universities. The
approached period permit to study elements that are present on the transition from
the engineers to the licensed teachers. That passage is analyzed from the
changes related to the demands of professional knowledge of those who teach
mathematics on secondary school.
Palavras-chave: Pedro II School, cathedra, Philosophy University, Mathematic
Education, formation of teachers.
ABSTRACT
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 13
CAPÍTULO 1
CONSIDERAÇÕES TEÓRICO METODOLÓGICAS.........................................17
1.1. Sobre a história da formação do professor de matemática no Brasil .... 30
1.2. Escolhendo um lugar de pesquisa para análise da transição engenheiro-
licenciado ......................................................................................................39
CAPÍTULO 2
O ENGENHEIRO-PROFESSOR DE MATEMÁTICA.
2.1. Os os engenheiros militares e o ensino da Matemática no Brasil ..........62
2.2. As Escolas Politécnicas: O engenheiro-professor................................. 64
2.3. A cátedra: a principal referência para o ensino secundário e superior . 68
2.4. O concurso à cátedra de Matemática do Colégio Pedro II em 1934: o fim
de uma era....................................................................................................71
2.4.1. Os postulantes à cátedra de Matemática do Pedro II ...................... 74
2.4.2. Os examinadores do concurso de Matemática de 1934 .................. 78
2.4.3. A prova de defesa de tese referente à cátedra de Matemática........ 80
2.4.4. A prova escrita dos candidatos .........................................................81
2.5.5. A prova oral do concurso de Matemática......................................... 84
SUMÁRIO
CAPÍTULO 3
O MOVIMENTO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO ENSINO DE MATEMÁTICA,
AS FACULDADES DE FILOSOFIA E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE
MATEMÁTICA.
3.1. O ensino da Matemática no cenário internacional e nacional ....................88
3.2. Os reflexos do movimento de internacionalização do ensino da Matemática
e a necessidade da formação do professor secundário....................................91
3.3. A Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo ..........................97
3.4. A Faculdade Nacional de Filosofia...........................................................101
CAPÍTULO 4
O CONCURSO À CÁTEDRA DE MATEMÁTICA EM TEMPOS DAS
FACULDADES DE FILOSOFIA: DO ENGENHEIRO AO LICENCIADO.
4.1. 1948: Um novo concurso é aberto no Colégio Pedro II para uma cátedra de
Matemática .....................................................................................................109
4.1.1. Os postulantes à cátedra ....................................................................111
4.1.2. As provas dos candidatos à cátedra de Matemática...........................113
4.1.3. As provas de defesa de tese dos candidatos......................................115
4.1.4. A prova escrita do concurso................................................................115
4.1.5. A prova prática dos candidatos...........................................................116
4.1.6. A prova didática do concurso..............................................................118
CAPÍTULO 5
CONCLUSÕES ...................................................................................................122
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................129
13
O presente trabalho que denominamos “Do engenheiro ao licenciado: os
concursos à cátedra do Colégio Pedro II e as modificações do saber do professor
de matemática do ensino secundário”, é parte integrante dos trabalhos que vêm
sendo desenvolvidos no âmbito do projeto “História da Educação Matemática no
Brasil, 1920-1960”, no interior do Programa de Estudos Pós-Graduados em
Educação Matemática da PUC-SP.
O objetivo maior desse projeto é:
(...) escrever a história do percurso seguido pelo ensino de Matemática noBrasil, no período compreendido entre o primeiro movimento demodernização desse ensino e o chamado movimento da matemáticamoderna. Noutros termos, a pesquisa busca reconstruir o trajeto seguidopela matemática escolar situada entre a crítica ao formalismo clássico e asua adesão à axiomática moderna. Tomando a Matemática como um tipode produção cultural, a ser apropriada e desenvolvida em diferentescontextos, inclusive o escolar, o estudo pretende preencher uma lacunaimportante existente na história da Educação Matemática brasileira(VALENTE, 2001c).
Nossa pesquisa aborda aspectos do trajeto histórico de formação do
professor de matemática brasileiro.
Na tentativa de melhor compreender a trajetória da formação do professor
secundário de matemática no Brasil, remetemo-nos a dois momentos-chave: o
primeiro, anterior à criação das Faculdades de Filosofia; o segundo, em período
posterior, considerando os egressos dessas faculdades.
INTRODUÇÃO
14
Esses dois momentos são analisados a partir de dois concursos à cátedra
de Matemática do Colégio Pedro II, instituição-modelo para o ensino secundário
no Brasil desde sua criação, em 1837.
A análise desses concursos intenta responder questões como:
- que modificações ocorrem nos conhecimentos exigidos do professor de
matemática?
- de que modo os concursos interferem na especificidade do professor de
matemática?
- em que medida os concursos analisados representam marcos históricos
da profissionalização do professor de matemática no Brasil?
Essas questões configuram nosso problema de pesquisa que pode ser
sintetizado na indagação sobre a trajetória do profissional do ensino da
Matemática: como se dá a passagem do engenheiro ao licenciado em
Matemática?
Longe de tentar escrever uma história da profissionalização do professor
secundário, a proposta de nosso trabalho, busca alguns elementos para a história
da formação do professor de matemática do ensino secundário brasileiro.
Ao mencionarmos a história da formação do professor de matemática, nos
parece relevante focalizar uma época em que ocorre a transição dos engenheiros
para os licenciados.
Essa mudança pode ser analisada a partir da modificação do saber
profissional daqueles que ensinam Matemática no secundário. Neste contexto,
15
consideramos saber profissional, o saber de referência para o exercício de uma
profissão. No caso presente, saber de referência ao exercício do magistério da
Matemática no ensino secundário brasileiro.
Procuramos mostrar também, que num primeiro momento, especificamente
para o primeiro concurso – anterior à criação das Faculdades de Filosofia, o
saber profissional do professor de matemática é referenciado pelos concursos à
cátedra do Colégio Pedro II. Num segundo momento, ulterior à criação das
Faculdades, estas passam a representar um lugar de formação e apropriação do
saber dos professores secundários. Os exames passam a avaliar as condições
dos professores egressos dessas Faculdades. Deste modo, o exame daqueles
que se candidatam a uma cátedra de Matemática do ensino secundário sofrem
alterações mediante a parametrização estabelecida pelas Faculdades de Filosofia
existentes.
Na medida em que percebemos o centro de referência, que se torna o
Colégio Pedro II, encontramos em outros colégios, seus professores dando aulas
a partir de referências desse Colégio, seja pelos seus livros didáticos adotados e
escritos por autores do Pedro II, pelas próprias leis nacionais estabelecidas e
referenciadas à Instituição ou mesmo através de cursos de capacitação instituídos
para preencher as demandas de professores de matemática não supridas pelas
poucas Faculdades de Filosofia criadas nos anos 1930.
O objetivo geral deste trabalho é, pois, estudar alguns elementos para a
história de formação do professor de matemática no ensino secundário brasileiro.
De modo específico, através da análise de dois concursos de cátedra, de dois
momentos distintos da nossa história, procura-se mostrar que ocorrem
16
modificações e alterações nas exigências dos professores que atuam no
magistério da Matemática.
Logo, dividimos este estudo em cinco capítulos. No primeiro, tratamos da
fundamentação teórico-metodológica na qual se baseia este trabalho, levando em
conta, sobretudo, os ensinamentos da Nova História das Ciências. Neste capítulo,
selecionamos as ferramentas necessárias ao desenvolvimento de nosso estudo.
No segundo capítulo discorremos sobre os nossos primeiros professores
de matemática e tratamos das origens destes profissionais. Abordamos algumas
considerações sobre a cátedra no ensino brasileiro e, apresentamos o concurso à
cátedra de Matemática do Colégio Pedro II, em 1934.
Já no terceiro capítulo, consideramos o movimento de internacionalização
do ensino de Matemática, seus reflexos e discussões geradas em torno de suas
aspirações. Também tratamos das Faculdades de Filosofia implantadas no Brasil
a partir da década de 1930, destacando a Faculdade de Filosofia da Universidade
de São Paulo e a Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro.
No quarto, tratamos do concurso realizado em tempos da criação das
Faculdades de Filosofia.
Finalmente, no quinto capítulo, apresentamos as conclusões do trabalho.
17
CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS
A tentativa de compreender como se dá a passagem histórica do
engenheiro ao licenciado em Matemática busca amparo teórico-metodológico na
perspectiva da Nova História das Ciências (NHC). Neste caso, dois textos de
Dominique Pestre orientam nosso primeiro olhar com vistas à resolução de nosso
problema de pesquisa: Les sciences et l’histoire aujourd’hui e Por uma nova
história social e cultural das ciências: novas definições, novos objetos, novas
abordagens. Como explica Pestre (1996, p. 5), esse novo modo de escrever a
história científica foi diretamente influenciado pela Nova História, por uma história
cultural, que ganha fôlego a partir dos anos 1920:
(...) Num certo sentido, guardadas as proporções devidas para umadisciplina de menor amplitude, a História das Ciências se encontra hojenuma posição homóloga àquela que prevaleceu nos anos 1930 para aHistória em seu conjunto. Seja porque Marc Bloch, Lucien Fèbvre eoutros redefiniam o que eram os objetos legítimos da disciplina, sejaporque propunham submeter a seu domínio uma gama de atividades atéentão mantidas fora de sua jurisdição, seja ainda porque anexavam outraspráticas disciplinares, eles abriam um espaço novo a conquistar,ofereciam à sagacidade do historiador a possibilidade de historicizarpráticas até então não consideradas por ele. Mais especificamente – e aanalogia com o que se passa na História das Ciências é absolutamentepertinente - , eles tornavam caduca a assimilação de uma formahistoriográfica particular à disciplina em seu conjunto, aboliam asupremacia de um gênero único e dominante (o ‘grande gênero’, como sediz em pintura), e tornavam legítimas abordagens até então marginais oumenores.
CAPÍTULO 1
18
Ao se repensar aspectos como a redefinição científica, a universalidade do
saber científico, a reprodução e apropriação do saber, novas idéias e renovações
são sugeridas por essa historiografia. Contudo, o autor não negligencia que a
influência dessa Nova História das Ciências é, antes de tudo, um reflexo nítido de
uma nova história que não se limita ao relato das guerras e à política.
Essa Nova História se configura como a análise da existência de novos
objetos, considerados até então banais e pouco nobres (PESTRE, 1996).
Na verdade, o que se destaca é que, num dado momento histórico, a
maioria das produções e obras se atêm ao convencionalismo, aos feitos dos
grandes homens de sua época, a seus acontecimentos políticos e a seus países.
No entanto, a história tradicional se defronta com momentos de rupturas e de
insatisfações aos anseios e às exigências do novo homem que surge na
sociedade. Fica evidenciado em Burke (1992, p. 7), que não é mais possível dar
continuidade a esta história convencional:
A necessidade de uma história mais abrangente e totalizante nascia dofato de que o homem se sentia como um ser cuja complexidade em suamaneira de sentir, pensar e agir, não podia reduzir-se a um pálido reflexode jogos de poder, ou de maneiras de sentir, pensar e agir dos poderososdo momento. Fazer uma outra história [grifo do autor], na expressãousada por Febvre, era portanto menos redescobrir o homem do que,enfim, descobri-lo na plenitude de suas virtualidades, que se inscreviamconcretamente em suas realizações históricas (...).
Com a abertura de novas possibilidades do fazer historiográfico, busca-se
um novo tipo de história que não despreza o subjetivo, o indivíduo e seu
comportamento. Além da preocupação com as mudanças do domínio histórico ao
redor dos acontecimentos políticos, esta nova história traz inovação no âmbito
interdisciplinar, aproximando os diversos ramos das ciências. A abordagem
19
diferenciada dessa história apoia-se nos grupos e não somente nos indivíduos e
eventos que protagonizam uma época.
Mas, em que condições temos o nascimento desta nova história? Quais os
representantes deste novo engajamento histórico? Quais os frutos do novo
trabalho histórico? Estas são algumas questões que ajudam melhor entender todo
o franqueamento das fronteiras da nova história.
O nascimento da nova história se dá na França, entre os anos 1920 e
1930, e, uma possível explicação para este fato é que, depois da Revolução
Francesa e com o surgimento da historiografia romântica, a sensibilidade histórica
do povo francês aguçou-se, permitindo que a história se enraizasse em seu
cotidiano (BURKE, 1992).
Entre os diversos representantes da diversificação do fazer historiográfico,
encontramos Marc Bloch e Lucien Febvre1, que além de produzirem uma obra
pessoal significativa, fundam a revista Annales, com o explícito objetivo de fazer
dela um instrumento de enriquecimento da história, por sua aproximação com as
ciências vizinhas e pelo incentivo à inovação temática (BURKE, 1992).
Fundada com o intuito de promover uma nova espécie de história, a revista
aponta diretrizes que encorajam a substituição da tradicional narrativa de
1 Lucien Febvre e Marc Bloch tornaram-se os grandes líderes dos Annales. Febvre foi admitido na EscolaNormal Superior de Paris, em 1897. Professor universitário, despertou grande interesse pela introduçãogeográfica e pela geografia histórica. Bloch também freqüentou a École Normale, onde seu pai ensinavahistória antiga. Sua maior influência foi a do sociólogo Émile Durkheim. Apesar de seu interesse pela políticacontemporânea, optou por especializar-se em história medieval. Ambos pensavam de maneira interdisciplinare sob uma perspectiva de uma história – problema. (BURKE, 1992).
20
acontecimentos por uma história-problema2, enfatizando a história das atividades
humanas e que contribuísse com as outras disciplinas.
Dividido em três fases, o movimento dos Annales apresenta características
diversas no decorrer da história. Em sua primeira fase (1920 a 1945), temos um
grupo ainda pequeno lutando radicalmente contra a história tradicional, que se
debruça na história política e de seus eventos. Num segundo momento, depois da
Segunda Guerra Mundial, temos a presença de conceitos diferentes e novos
métodos, especialmente aos das tendências das mudanças na longa duração
das obras históricas. Já, numa terceira fase, por volta de 1968, temos a
fragmentação e a transferência de alguns membros do grupo da história
socioeconômica para a história sociocultural. Devido à grande influência do grupo,
especialmente na França, perdem-se muito algumas especificidades anteriores.
Esta forma de narrativa histórica acaba impregnando toda uma época e
seus reflexos atingem as diversas áreas das ciências. Segundo Burke (1992), a
mais importante contribuição do grupo dos Annales é a expansão do campo da
história por diversas áreas:
(...) O grupo ampliou o território da história, abrangendo áreasinesperadas do comportamento humano e a grupos sociais negligenciadospelos historiadores tradicionais. Essas extensões do território históricoestão vinculadas à descoberta de novas fontes e ao desenvolvimento denovos métodos para explorá-las. Estão também associadas à colaboraçãocom as outras ciências, ligadas ao estudo da humanidade, da geografia àlingüística, da economia à psicologia. Essa colaboração interdisciplinarmanteve-se por mais de sessenta anos, um fenômeno sem precedentes dasciências sociais. (BURKE, 1992, p. 127).
A Nova História das Ciências também é influenciada pelas concepções
desta nova história, ou melhor, é fruto dessa alteração e desse novo modo de
2 História-problema foi um slogan de Lucien Febvre para defender sua idéia de que toda história deveriatomar essa forma. É “uma história orientada por problemas” (Burke, 1992).
21
liberdade de idéias e de relações entre estrutura social e ação humana. Essa
nova história influencia também os trabalhos sobre a história das ciências e, em
particular, vem influenciando a escrita da história da Matemática.
Assim, não diferentemente das demais áreas, as contribuições da Nova
Histórica lançam seus efeitos de modo direto nos diversos ramos da ciência.
Apesar de ainda não ser um paradigma dominante em nossos dias, a NHC
contrapõe-se ao tradicional, redefinindo o significado das práticas científicas antes
apresentada como sistemas de proposições e enunciados, valorizando-se
exclusivamente o seu caráter abstrato. Através de uma redefinição operada pela
NHC, a ciência é repensada como instituição social e está arraigada na sociedade
que a produz.
Assim, através de uma ciência que está envolvida pela sociedade que a
produz, redefine-se aquilo que é interessante, havendo flexibilidade nas
interpretações e modificações que dependem do contexto na qual está a prática
científica inserida (PESTRE, 1998).
A atividade científica também tem sua natureza redefinida pela NHC e
Pestre (1996, p. 17) considera que:
(...) pode-se dizer que toda atividade científica é uma atividade prática deinterpretações e de invenção implicando saberes e saber-fazer, certezasformalizadas e convicção íntima, e que consiste em trazer julgamentos[grifo do autor] sempre contextualmente situados. Entre os atorescientíficos, os modos e critérios de julgamento não são nem dados, nemsempre explicitados. Ao contrário, a definição do que se faz prova e doque é aceitável é precisamente essência do debate.
O caráter de universalidade da produção científica é também redefinido
pela NHC. No dizer de Pestre (1996, p. 20), os saberes científicos circulam e são
22
validados mediante essa circulação e reutilização, adquirindo o caráter de
universal:
Por essa razão, a aparente universalidade dos enunciados científicos, ofato de que eles sejam descritos como “verdadeiros em qualquer parte” ecompreendidos “nos mesmos tempos” por todos não pode constituir umbom ponto de partida para uma análise histórica das ciências. Se ossaberes científicos (da mesma forma que outras formas de saberes)circulam, não é porque sejam universais. É porque eles circulam – isto é,porque são (re) utilizados em outros contextos e um sentido lhes éatribuído por outros - , que eles são descritos como universais (...).
Ao se produzir algo, em um determinado contexto, e depois, ao sair do seu
domínio local de produção, ocorrem processos de apropriação, ou seja, jamais se
transporta intocavelmente produtos culturais de um contexto para outro. A idéia
tradicional de que se é possível transmitir conceitos e seus produtos de maneira
idêntica de uma cultura para outra, dá lugar à idéia de que a transmissão de um
produto cultural que se faz de modo não mais idêntico ao original, sofrendo
transformações e adaptações durante o processo. É o caso da Matemática, que
produzida pela comunidade de matemáticos e nas universidades, assume o
caráter de saber científico. Entretanto, ao transportá-la de uma instituição para
outra, várias são as formas que este saber assume, podendo estar relacionada à
instituição de ensino e sua forma didática de apresentar o saber matemático ao
aluno. Também podemos considerar o tripé - professor, aluno e o saber - ,
repensando na instituição classe e aluno como locais de inserção do saber em
suas diversas formas de apropriação. De todo modo, no momento em que se
transporta uma determinada produção, de um local para outro, ocorrem
transformações e apropriações diversas em relação a este produto.
Outro assunto tratado pelo autor, em sua síntese das propostas da NHC,
refere-se à análise das controvérsias.
23
A análise das controvérsias objetiva focar de perto a prática do cotidiano da
comunidade científica, implica um método que recusa a história julgada,
oferecendo demonstrações eloqüentes no que diz respeito aos “fatos científicos”.
“Esse modo historiográfico combina a escolha de um objeto empírico
documentado dia-a-dia e a centralização de uma polêmica aberta (PESTRE,1996,
p. 10)”.
Tal análise, além de fazer referência à questão do saber permite a
interrogação sobre o que faz com que um consenso particular surja após superar
as diversas proposições iniciais de um debate, torna-se atenta à negociação da
legitimidade dessas proposições na comunidade de especialistas.
As análises são capazes de mostrar, por exemplo, que o estabelecimento
do fato experimental e a interpretação dos resultados não são jamais separáveis.
“Provas, fatos e normas da prova são definidos no mesmo movimento” (PESTRE,
1996, p. 17).
Através da análise das controvérsias é possível evidenciar a construção de
fatos e dar maior clareza a certas situações. As controvérsias podem nos oferecer
os momentos importantes, que possibilitam riquezas e detalhes, oriundos de um
dado acontecimento.
Mas, o que talvez nos pareça mais fértil, em termos de nosso objeto de
estudo, nos textos de Pestre, diz respeito à compreensão dos saberes presentes
no meio escolar. Ao afirmar que em cada contexto ocorre uma nova forma de
escrita da ciência, o autor repensa a atividade científica, relacionado-a com o seu
meio social:
24
A atividade científica é portanto, repensada como uma atividade práticade invenção implicando saberes e saberes-fazer, convicções formalizadas,interações controladas com o mundo material e convicções íntimas. Ela éanalisada como uma atividade humana que consiste em formular osjulgamentos contextualmente situados (...). Estes julgamentos – osenunciados científicos - são apreendidos como os atos de representação,de construções que são o fazer do homem em sociedade (PESTRE, 1998,p. 54, grifo do autor).
A possibilidade de circulação do saber em diferentes contextos efetiva a
importância do papel da escrita da ciência nesses locais. De outro modo, a cada
contexto, temos uma forma de escrita da ciência circulando por ele. E, mais
especificamente, no contexto que estamos analisando – o escolar - , encontramos
uma forma de escrita da Matemática.
Os exames de cátedra, por exemplo, fontes para nosso estudo, estão
submersos no mesmo tipo de contexto, que é o escolar. Contudo, a forma de
escrita da ciência Matemática é dada em função de parâmetros diferenciados e
analisados em termos de um dado momento histórico, o que nos permite
encontrar julgamentos diferenciados acerca dos conteúdos e do saber do
professor de matemática exigidos durante a circulação desse saber na ambiência
escolar em dois momentos diferentes.
Também no âmbito da NHC e, tratando em particular da Matemática,
Bruno Belhoste (1998) é outro autor que consideramos fundamental para ajudar-
nos a compreender o processo de profissionalização do professor de matemática.
Em seu texto Pour une reévaluation du rôle de l’enseignement dans l’histoire des
mathématiques, o autor realiza análises importantes como: o papel do ensino na
organização do campo disciplinar, a profissionalização do meio matemático e a
estandardização das carreiras.
25
Ressalta que ainda hoje, em sua grande maioria, os matemáticos são
professores cujo desenvolvimento da carreira e a organização das suas
atividades se dão principalmente em nível escolar universitário. Deste modo, a
sociedade, em geral, atribui à Matemática o status de disciplina do ensino e ao
profissional da área a figura do especialista relacionado ao campo pedagógico e
escolar. Contudo, para os matemáticos, a atividade de pesquisa é o elemento
primordial que define sua identidade profissional. Segundo seus pares, o ensino
da matemática não é suficiente para ser matemático; é preciso, sobretudo,
produzir resultados matemáticos e contribuir para o progresso da Matemática.
Informa-nos o autor, que é principalmente pelo ensino que a atividade
matemática se profissionalizou na Europa, dando origem à figura moderna do
matemático e às questões referentes a esta profissionalização. Mas, quais são as
relações entre a dinâmica das atividades escolares e a evolução do status
profissional dos matemáticos? Como, em particular, a diferenciação das formas
de ensino influi sobre a organização do saber matemático? Qual a influência do
contexto sobre a periodização da história da Matemática?
Belhoste (1998), na busca da origem da profissionalização do professor de
Matemática salienta que nas universidades medievais, a Aritmética, a Geometria,
a Música e a Astronomia ocupam um lugar marginal, ignorando-se quem são os
profissionais que ensinavam esses saberes.
O autor observa que, apesar de no século XIV, na Itália, França e
Alemanha, os algarismos e o ábaco serem ensinados por uma comunidade de
matemáticos e professores e se constatar a existência de escolas onde se
ensinam a Aritmética Comercial a futuros mercadores, é sobretudo no século XVI
26
que o ensino matemático se desenvolve na Europa. A aparição de novas técnicas
militares, em particular a artilharia, a fortificação e a cartografia suscitam a forte
demanda da formação de matemáticos. A necessidade de dominar e transmitir os
conhecimentos matemáticos leva à criação de cadeiras de Matemática nas
universidades e nos colégios. Entretanto, ressalta Belhoste, os matemáticos
criadores, aqueles de que a história da Matemática retém os nomes, são em sua
maioria originária da corte ou do gabinete de serviços dos príncipes e, somente
depois, são integrados às instituições acadêmicas.
Belhoste nos chama a atenção ao fato de que é no século XVIII que
surgem os ecos dos trabalhos de pesquisa; os historiadores através de fontes
exploram mais sistematicamente os meios ainda não tão conhecidos, tomando
contato com os saberes, os ensinos e suas produções. O período ente 1770 e
1820 simboliza o surgimento do estatuto do matemático profissional, ao mesmo
tempo em que é implantada a pesquisa matemática nas instituições de ensino. O
professor de matemática surge primeiramente na França e depois no sul da
Europa.
Duas razões fundamentais são apontadas pelo pesquisador para
explicarem as modificações ocorridas no processo de profissionalização do
matemático: a necessidade do Estado em poder contar com especialistas desta
área devido a sua consagração como elemento tradicional de sua cultura
profissional (em particular os militares consagrados matemáticos) e a crise do
modelo humanista de cultura escolar do século XVI, sendo a Matemática
introduzida como elemento fundamental na formação intelectual e moral no
ensino de nível secundário, cujo estado vem assegurar sua informação e seu
enquadramento nesses estabelecimentos.
27
O trabalho do historiador ainda aponta que na França, no século XVIII, os
examinadores dos candidatos à admissão à artilharia da engenharia e da marinha
militar são os matemáticos e membros acadêmicos. Antes dos exames, os
preparatórios são criados nos colégios de elite, abrindo carreira para os
professores de matemática. Depois dos exames, as escolas de engenheiros são
abertas dando o primeiro lugar aos estudos da Matemática. A Escola de
Politécnicos herda a experiência acumulada nas escolas de engenheiros e uma
reorganização do meio matemático em torno da atividade do ensino é cogitada na
Europa. A maioria dos professores de matemática do século XIX é formada na
Escola Politécnica (escola de engenheiros) e à Escola Normal compete a
formação dos professores dos liceus, ignorando as atividades de pesquisa. Na
Alemanha, diferentemente, os universitários associam a formação dos
professores dos ginásios às atividades de pesquisa da Matemática.
Na França, encontramos o meio matemático do século XIX estruturado de
modo a colocar num pólo os engenheiros politécnicos e noutro, os professores
agregados à universidade. Os primeiros são hegemônicos à Academia de
Ciências e nos altos estabelecimentos parisienses de ensino e de pesquisas. Os
segundos se concentram quase que exclusivamente nos liceus e nas faculdades
das províncias. A dominação dos politécnicos é devida pelo controle que eles
exercem sobre o ensino da Matemática no nível secundário e superior, tanto pela
intermediação do exame de admissão da Escola Politécnica quanto pelo
Conselho de Inspeção Pública e Inspeção Geral. É preciso esperar o
desenvolvimento do ensino superior, a partir do final do ano de 1870, para que a
situação se transforme progressivamente: os professores das novas
universidades, formados em sua maioria pela Escola Normal Superior, começam
28
a se impor no meio matemático, tanto no ensino como na pesquisa, recuando a
influência dos politécnicos.
Quanto às práticas de ensino e de pesquisa, o pesquisador destaca que
uma melhor compreensão dos diferentes contextos de ensino pode esclarecer
alguns temas clássicos de história da Matemática, como por exemplo, a análise
da produção matemática e seus modos de organização e de representação dessa
disciplina num certo momento e em um dado lugar. Assim sendo, as instituições
de ensino, além de estruturarem o campo disciplinar, também determinam as
práticas e o modo de trabalho que modelam a atividade matemática.
Belhoste afirma que não é surpresa a ação e a interferência das práticas
de ensino nas práticas de pesquisa. A prática de um dado problema em situação
didática pode originar uma prática do problema de situação de pesquisa. Aponta
que muitas vezes a prática didática do problema é reinventada pelos matemáticos
em suas atividades de pesquisa, podendo chegar à invenção de novos conceitos,
de novos métodos, de novas teorias e de novas escolhas que impliquem uma
visão da estrutura do saber matemático. Assim, uma aula magistral, além de
instrumento motivador, pode ser considerada atividade de criação matemática,
tornando-se responsável pelo surgimento de um trabalho de pesquisa. A
colaboração entre professores e alunos, num trabalho coletivo, ilustra a dimensão
da atividade didática e o encorajamento dos alunos na iniciação de um trabalho
pessoal, podendo encadear confrontos e modificações de resultados já
existentes.
No contexto referente ao nosso trabalho, a produção matemática
obrigatória como um dos requisitos necessários à habilitação dos candidatos à
29
cátedra de Matemática do Colégio Pedro II, por conjetura, pode estar intimamente
relacionada ao impacto dos ensinamentos magistrais de seus professores e,
deste modo, tornam-se fontes privilegiadas, elementos da problemática e alvo de
interesse dos historiadores de Matemática. Podemos dizer que, abre-se aqui, um
campo de pesquisa capaz de tocar a história das culturas profissionais e das
culturas científicas no decorrer dos próximos trabalhos na área.
Vimos que, apesar de Pestre não analisar de modo específico a
Matemática, ele se debruça na história do ensino científico, que também a
engloba. Apresenta suas idéias alicerçadas na Nova História das Ciências e
estuda a importância dos diferentes contextos e suas interferências no papel da
escrita da ciência.
De modo mais direto, Belhoste defende uma reavaliação do papel do
ensino na história da Matemática, estudando a profissionalização do meio
matemático, o ensino e o campo intelectual de produção matemática, as práticas
de ensino e práticas de pesquisa.
Ao considerarem que a produção científica e, conseqüentemente, a
produção matemática, não é independente das circunstâncias sociais de uma
determinada época, nem do contexto que em esta está submersa, ambos
proporcionam questionamentos que estão relacionados com o nosso trabalho: em
que medida os contextos dos concursos de 1934 e 1952 demandam um
determinado saber do professor secundário de matemática? Existem, nestes
contextos, mudanças em torno do saber exigido desse professor?
30
1.1. SOBRE A HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA
NO BRASIL.
Em relação ao tema da história de formação do professor de matemática
no Brasil, há ainda poucos trabalhos. Dentre eles, é possível citar textos como os
de Wagner Rodrigues Valente (2002), André Luís Mateddi Dias (2002), Clóvis
Pereira da Silva (1999), Circe Mary Silva da Silva (2002).
Em texto publicado pela Revista da Sociedade Brasileira de Educação
Matemática, Valente (2002) tece alguns comentários sobre a História da formação
do professor de matemática brasileiro. Remete-nos às escolas militares existentes
no final do século XVII, na tentativa de buscar as origens do desenvolvimento da
Matemática no Brasil. Afirma que é nas Aulas de Artilharia e Fortificações,
suprindo as necessidades das práticas de guerra e de defesa do território
nacional, constituindo ingredientes fundamentais na formação militar, que a
Matemática aparece como conhecimento prático e útil. Segundo o autor, é essa
Matemática, inicialmente ligada à pratica e, posteriormente, organizada e dividida
para as diferentes classes das escolas militares, que passará para os colégios e
cursos preparatórios do século XX.
Assim, segundo o autor, o sistema escolar de ensino dessa época reúne
tanto uma Matemática considerada como um saber técnico e especializado cuja
finalidade é a formação do futuro engenheiro militar e guarda- marinha, bem
como, uma Matemática integrante do programa secundário propedêutico do
Colégio Pedro II.
31
As transformações das escolas militares nas escolas politécnicas
influenciam de modo direto na formação dos engenheiros. “São eles os
professores de matemática dessas escolas até o início da década de XX, quando
são implantadas as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras” (VALENTE, 2002,
p. 88).
Os trabalhos de André Mateddi destacam, dentro do tema considerado, o
protótipo do profissional atuante no ensino da Matemática no final do século XIX
até meados do século XX, procurando mostrar quem era o professor de
matemática no Brasil em nossas primeiras instituições oficiais de ensino. De
acordo com o autor, existem pelos menos quatro grandes períodos envolvendo a
história da Matemática em nosso país, cada qual com seus respectivos marcos
característicos:
O primeiro período, das atividades matemáticas desenvolvidas quase quesomente nos colégios jesuítas, foi drasticamente interrompido com aexpulsão dessa ordem religiosa do país em 1759; o segundo período, dasatividades matemáticas desenvolvidas nas escolas de engenharia militar ecivil, que foi demarcado pelas aulas de artilharia e fortificações (1738),pela fundação da Academia Real Militar (1810), da Escola Politécnica doRio de Janeiro (1874) e de outras escolas de engenharia no final do séculoXIX, a depender da região do país, se estendeu inclusive ao século XX; oterceiro período, das atividades matemáticas desenvolvidas nasfaculdades de filosofia, foi demarcado pela fundação de instituições comoa FFCL (1934), a Faculdade de Ciências da Universidade do DistritoFederal (1935), que alguns anos depois foi absorvida pela FNFi (1939), eas outras faculdades de filosofia dos diversos estados do país, ondepassaram a funcionar os cursos de matemática até o advento da ReformaUniversitária em 1968; finalmente, o quarto período, das atividadesmatemáticas desenvolvidas nos institutos ou departamentos dematemática autônomos, como o Instituto de Matemática Pura e Aplicada(IMPA,1952) e o Instituto de Física e Matemática do Recife (IFM, 1954),que se estende até nossos dias (DIAS, 2002a, p. 188).
Sobre o primeiro período analisado, que envolve o desenvolvimento da
Matemática nos colégios jesuítas do Brasil, o autor questiona se é possível negar
as influências e ou repercussões dos padrões institucionalizados nesses colégios,
32
mas não tece detalhes sobre o assunto. Relativamente ao período em que se dá
a implantação dos cursos militares e a fundação das primeiras Faculdades de
Filosofia no país, considera que a Matemática esteve intimamente ligada à
Engenharia. Os professores de matemática, os matemáticos, as pessoas
retentoras do conhecimento matemático são engenheiros formados pelas escolas
politécnicas e pelas academias militares existentes. “As escolas politécnicas e as
academias militares foram os espaços institucionais que centralizaram a produção
e a difusão da Matemática nesse período” (DIAS, 2002a, p.189).
Para Mattedi (2002b, p. 32), trata-se de uma época na qual quem gosta e
sabe Matemática geralmente é engenheiro. O engenheiro identifica-se com o
matemático e a Matemática faz parte da profissão de Engenharia. As escolas de
engenharia são os principais espaços destinados à produção e reprodução dos
conceitos matemáticos.
Como ressalta o historiador, os professores atuantes no ensino secundário
brasileiro ou nas escolas de nível superior são engenheiros, e ensinar Matemática
não é incompatível com as demais atividades dessa profissão. Muitas vezes
incorpora-se o exercício do magistério da Matemática como uma função a mais
devido à escassez de indivíduos qualificados para exercer a profissão. Contudo,
os egressos das Escolas Politécnicas ensinavam a disciplina não somente nos
estabelecimentos oficias ou particulares, também atendiam particularmente os
filhos de famílias abastadas em suas casas como forma alternativa ou
complementar em suas carreiras.
Mattedi nos informa, também, que com a implantação das faculdades de
filosofia no Brasil, as atividades matemáticas sofrem transformações tanto quanto
33
ao espaço físico das mesmas, como na identificação profissional dos especialistas
que atuam nessa área. Já não temos mais os engenheiros predominando como a
figura do professor de matemática. São os licenciados em Matemática que irão
atuar no ensino secundário e superior de nossas instituições, transmitindo o
conhecimento matemático apropriado nas Faculdades de Filosofia do país.
Finalmente, numa última etapa, o historiador ressalta o desenvolvimento
das atividades matemáticas nos institutos ou departamentos de matemática
autônomos, como o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA, 1952) e o
Instituto de Física e Matemática do Recife (IFM, 1954).
Contudo, parece-nos relevante ressaltar que, ainda hoje, há indícios da
prática das matemáticas apropriadas nesses diferentes períodos e contextos. De
outro modo, não é possível abordar os períodos considerado-os como estanques,
como marcos de um determinismo predominante numa época e sem correlação
entre os períodos mencionados. São diversas as influências e interferências das
atividades matemáticas desenvolvidas nas diferentes épocas. Temos arraigadas
ao sistema educacional e ao ensino e aprendizagem da Matemática as marcas
dos diversos períodos de desenvolvimento da disciplina no país.
Ainda, o mesmo pesquisador, Mateddi Dias, levanta algumas questões que
se encontram, segundo ele, em aberto e que são plausíveis de aprofundamento:
Como foi essa passagem da matemática dos engenheiros nas escolas deengenharia, para a matemática dos matemáticos nas faculdades defilosofia e, posteriormente, nos departamentos e institutos de matemáticaautônomos, dos institutos de pesquisa e das universidades brasileiras?Como ocorreu no Brasil a formação dessa nova corporação científica dosmatemáticos? Quando e como esses novos profissionais ocuparam o lugardos engenheiros no monopólio do exercício das atividades matemáticas?Quais estratégias, quais alianças, quais interesses foram mobilizados paraque conseguissem ocupar um território até então exclusivo dosengenheiros? Que contribuições para esse processo decorreram da
34
fundação das universidades e das faculdades de filosofia? Como se deu aconquista, pelos matemáticos, dos novos espaços institucionais ondepuderam implantar o novo modo de fazer matemática, atendendo a seusinteresses e objetivos, organizados segundo suas normas e valores? Comoocorreu esse processo de transformações institucionais nas diversasregiões do país, nas diversas localidades onde existia uma escola deengenharia, onde foi fundada a faculdade de filosofia, onde passou afuncionar um curso de matemática? (DIAS, 2002a, p. 190).
No contexto dessas interrogações, consideramos pertinente aquela
definidora de nosso problema de pesquisa: como se dá a passagem do
engenheiro ao licenciado em Matemática?
Outra historiadora e matemática que se debruça em questões pertinentes
ao nosso tema de pesquisa é Circe Mary da Silva (2002). A autora identifica as
décadas de trinta e quarenta, do século XX, como marcos fundamentais às
transformações da sociedade brasileira. Afirma que o êxodo rural, o crescimento
industrial, os movimentos ideológicos que se manifestam no país, as crescentes
necessidades de recursos humanos devido ao modelo econômico em
emergência, são alguns fatores que geram o interesse ao preparo de
pesquisadores para as investigações nas áreas básicas e da formação de
professores especializados para o ensino secundário, principalmente das
disciplinas específicas do conhecimento, como a Matemática. E, com idéias
liberais e muitas vezes com propósito positivista, as Faculdades de Filosofia
assumem como objetivo a formação das elites culturais e políticas do país. São
elas inauguradas com o propósito de se tornarem o centro de formação para os
professores do ensino secundário (SILVA, 2002).
Ainda, de acordo com a autora, há uma preocupação com a qualificação
dos profissionais da área do ensino bem como a do pesquisador para suas
investigações e produções. A preocupação com o saber científico é claramente
35
notada no interior dessas instituições e se deve, em grande parte, à transmissão
direta do conhecimento matemático proporcionada pelos matemáticos
estrangeiros que aqui chegam a fim de suprir a crescente demanda e necessidade
das escolas secundárias e dos cursos criados nas faculdades e universidade do
país.
A presença de matemáticos estrangeiros é fundamental para aproximar
alunos e pesquisadores brasileiros da Matemática atualizada produzida no
exterior, para mostrar a importância dos intercâmbios e incentivar os iniciantes a
darem prosseguimento a seus estudos (SILVA, 2002, p. 26).
Nas afirmações de Circe, fica evidenciado o interesse com a formação e o
desenvolvimento da pesquisa por parte dos professores egressos das Faculdades
de Filosofia implantadas no Brasil:
Foi com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras daUniversidade de São Paulo (FFCL), em 1934, e da Faculdade Nacional deFilosofia integrante da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro (FNFi),em 1939, que foram estabelecidos cursos específicos visando à formaçãode professores secundários. Essas duas instituições exerceram umaliderança na orientação dos cursos que começaram a surgir nos demaisestados do País, servindo como modelos. Todavia, desde o início dacriação dos cursos de bacharelado e licenciatura, houve uma nítidaseparação entre conteúdo específico e formação pedagógica. Assim, osbacharéis que se graduavam na FNFi poderiam receber licença paralecionar no magistério secundário somente após terem concluído o cursode Didática. O professor secundário aparecia como um subprodutoaltamente especializado daquela instituição que visava, em primeirolugar, a promover a pesquisa. (SILVA, 2002, p. 2).
Contudo, a autora também destaca que após o estímulo à formação de
pesquisadores em Matemática na FNFi, começam a surgir interesses pela disputa
de poder. Torna-se visível a luta de interesses e de demarcação de espaços
mediante a liderança no meio acadêmico.
36
De todo modo, considera Circe (2002), é através da criação da Faculdade
de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em 1934, e da
Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, em
1939, que são implantados os cursos específicos para a formação de professores
do ensino secundário e que temos um grande desenvolvimento da pesquisa
científica no país; portanto, marcos fundamentais ao estudo da trajetória do ensino
da Matemática do país.
Clóvis Pereira da Silva (1999) é outro autor que analisa a história do
desenvolvimento da Matemática no Brasil. Segundo ele, temos várias reformas
ocorridas nos Estatutos da Escola Militar até a implantação da Escola Politécnica
no Rio de Janeiro (1874), onde as cadeiras de Matemática desses cursos
abordam um ensino arcaico, com objetivos técnicos e específicos destinados ao
ensino das engenharias. “O principal objetivo da Escola Politécnica foi graduar
engenheiros e não matemáticos” (SILVA, 1999, p. 144). São essas instituições, no
entanto, que formam os engenheiros-matemáticos atuantes no ensino da
Matemática no Brasil nessa época.
Clóvis também atribui à fundação, em 1934, da Universidade de São Paulo
– USP e sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – FFCL, uma parcela de
responsabilidade na formação de profissionais ligados ao magistério e à pesquisa.
Ao se formarem nessas instituições, dão origem a um novo ciclo do ensino da
Matemática, com diferenciais em relação aos profissionais oriundos das
Politécnicas, da Escola Naval e Militar. “O curso de matemática oferecido pela
USP passa a graduar matemáticos e professores de matemática para o nosso
ensino secundário” (SILVA, 1999, p. 213).
37
Através de uma breve síntese da historiografia da Matemática no Brasil,
percebemos que quase todos os trabalhos colocam acento maior na
profissionalização do matemático, tomando até, a questão do professor como uma
atividade marginal, secundária do matemático.
Falta, no entanto, parece-nos, a esses estudos, um olhar mais focado na
profissionalização do professor de matemática.
O questionamento em torno do surgimento das Faculdades de Filosofia e
o seu papel mediante a demanda da formação dos profissionais que atuam no
magistério do ensino secundário, leva-nos a uma maior reflexão em relação à sua
finalidade inicial e à efetivação do seu objetivo.
De acordo com Amado (1973, p.13), as Faculdades de Filosofia são criadas
com dupla finalidade: formação do professorado do ensino secundário e
aprofundamento cultural. A oscilação entre os dois objetivos acaba não atendendo
bem a nenhum dos dois, ou então, se concentrando em um e menosprezando o
outro. O sistema de formação de professores não acompanha o ritmo de
crescimento do ensino, não só no aspecto quantitativo como no de corresponder
aos novos objetivos e exigências do ensino médio (AMADO, 1973).
Além disso, entre 1933 e 1958, o discipulado do ensino secundário
brasileiro cresce cerca de onze vezes e o atendimento da demanda de
professores deste ensino influencia a função das faculdades de filosofia do país.
Sobre o crescimento demasiado do ensino secundário e as dificuldades com a
formação do professor de matemática, Silva (1969, p. 409) nos informa:
É em larga medida verdadeiro que isto se deu sem que padrõessatisfatórios de preparação de professores fossem atingidos por muitas
38
das faculdades, além de se observar a criação, principalmente dos cursosde mais fácil instalação. O setor constituído pela matemática e pelasciências físicas e naturais, por exigirem dos cursos instalações maiscustosas, além de docentes mais dificilmente improvisáveis, foram osmenos florescentes: de um total de 507 cursos das faculdades de filosofiaem todo o país, apenas 86, ou 17%, eram dessas especialidades.
A idéia inicial é de que todas as Faculdades de Filosofia implantadas no
país, após 1939, assumam como referência a Faculdade Nacional de Filosofia,
tornando-as formalmente idênticas, com mesmas seções e mesmos cursos,
mesmos números de anos de estudo para cada disciplina e os mesmos processos
de verificação do rendimento escolar (SILVA, 1969). Contudo, tal propósito acaba
se perdendo mediante o aumento significativo dessas faculdades.
Neste sentido, será que mesmo com o aumento substancial dessas
faculdades, tais instituições dão conta de suprir a demanda dos profissionais que
atuam no ensino secundário? Tal questão fica evidenciada em Bernardo (1986, p.
66), que destaca o interesse inicial dos alunos por estas instituições:
(...) Um bom exemplo é a criação da F.F.C.L., segundo relata Fernandode Azevedo, que ao serem abertas as inscrições apareceram menos alunosdo que era o número de professores estrangeiros contratados e que ele,pessoalmente, foi de sala em sala convencer os alunos do curso deespecialização e aperfeiçoamento, que eram normalistas, sobre asvantagens de prestarem exames para ingressarem na Faculdade deFilosofia, Ciências e Letras. Diz ele que, no final, os alunos seinscreveram, na reabertura de inscrições feitas pela Faculdade, passaramnos exames, matricularam-se condicionalmente, até verem regularizadasua situação e muitos vieram a ser intelectuais de peso.
Evidentemente, as Faculdades de Filosofia atuam de modo insuficiente em
relação à demanda da formação do professor de matemática na carreira do
magistério do ensino secundário, seja pelo interesse despertado pela profissão e
a pouca procura aos cursos ou mesmo pela escassez de estabelecimentos
instalados com a finalidade específica de formar os profissionais da área de
educação. Assim, outras instituições assumem papel significativo na constituição
39
do profissional da área da educação e, em particular, o da matemática. As
Escolas Normais, do mesmo modo como outras instituições, também representam
meios de profissionalização do professor de matemática e lançam tentativas de
adequar o seu currículo às necessidades de um novo professor, para a sociedade
em mudança, principalmente com a nova demanda educacional (BERNARDO,
1986).
Mas, se é verdade que as Faculdades de Filosofia implantadas no Brasil a
partir da década de 1930 não dão conta da demanda da profissionalização do
professor, é também notória a grande influência e referência em que se tornam
essas instituições. Nas Faculdades de Filosofia encontramos um ambiente
destinado à formação do professor e embora muitas vezes possam ser criticadas
pela alienação para com os compromissos sociais da sua nação, conseguem as
faculdades, através de seus discípulos, semear fertilmente incrementos na
produção científica do nosso país (BERNARDO, 1986).
1.2. ESCOLHENDO UM LUGAR DE PESQUISA PARA ANÁLISE DA
TRANSIÇÃO ENGENHEIRO-LICENCIADO.
Consideramos que uma atenção mais centrada na trajetória do professor
de matemática deva levar em conta uma documentação relativa às atividades
docentes dos militares, engenheiros e, posteriormente, licenciados. Levando em
consideração que a referência para o ensino secundário, desde o Império é o
Colégio Pedro II, procuramos fontes de pesquisa nesse estabelecimento para
abordar a transição engenheiro-licenciado.
40
Estabelecimento-modelo dos estudos secundários brasileiro, criado na
Corte em fins de 1837, pelo ministro e secretário de Estado e Justiça e interino do
Império, Bernardo Pereira de Vasconcelos, o Colégio Pedro II respalda-se no
modelo oferecido por seus congêneres franceses, adotando o sistema de estudos
seriados desenvolvidos em cursos de regular duração.
Oriundo do antigo Seminário de São Joaquim, o Colégio Pedro II torna-se o
único estabelecimento secundário a ser supervisionada pelo Ministério do Império.
Divide-se em Internato e Externato, cada qual, sob a competência de seu
respectivo reitor. O primeiro, instala-se afastado da cidade, na Chácara da Mata,
no Engenho Velho, hoje Campo de São Cristóvão, a fim de garantir espaço
suficiente para os recreios e exercícios ginásticos. O Externato, tem suas
dependências fixadas no antigo Seminário de São Joaquim, no centro do Rio de
Janeiro. O Imperador, sempre que possível, acompanha de perto as atividades do
Colégio Pedro II, às vezes até assiste às suas aulas, demonstrando sua
preocupação com sua escola predileta (CASTARDO, 2001).
Apesar dos estudos das matemáticas, das línguas modernas, da história,
das ciências naturais e físicas, são as letras clássicas que recebem a maior
atenção e predominam neste período. A criação do Colégio Pedro II, representa
um primeiro passo na direção de mudanças no ensino secundário brasileiro
(MIORIM, 1998).
O ensino secundário, mesmo após a independência do país, ainda se
encontra fragmentado em poucas aulas avulsas, das quais os professores
escolhem seus horários de aula e conteúdos de suas lições. Os alunos, de várias
idades e níveis, assistem à mesma aula, matriculam e retiram-se de modo livre;
41
estudam nas aulas menores até passarem nos exames preparatórios e
parcelados ao ingresso no curso superior, beneficiando a diminuta parcela da
população que almeja alcançar este curso. Além de uma escola preparatória, o
ensino secundário no Brasil se encontra de modo livresco, privilegiando o estudo
das línguas clássicas e uma educação humanística. Não há nenhuma educação
específica para ensinar a viver, ou a trabalhar, ou a produzir; mas, simplesmente,
a ministrar uma educação literária e de modo clássico. A escola, não resolve
nenhum problema presente; os homens se cultivam para ficar de posse de uma
herança literária da humanidade e se fazem os seus apreciadores, seus
comentadores ou continuadores (TEIXEIRA, 1976, p. 143).
É timidamente, através do Ato Adicional3, que encontramos num mesmo
local as aulas avulsas, antes dispersas. O Colégio Pedro II passa a seguir
vigorosamente a tendência de pôr num mesmo local as aulas avulsas. Concede o
grau de bacharel em letras a seus alunos que completam os sete anos de estudos
dos seus dois cursos distintos4, habilitando-os à matrícula em qualquer curso
superior existente, independentemente de novos exames junto às faculdades.
Em meados de 1870, os estudos secundários se encontram de modo
parcelado na grande maioria dos liceus e colégios particulares, visando ao maior
acesso aos cursos superiores das camadas menos favorecidas. O Colégio Pedro
II, mantém os estudos organizados e regulares. Entretanto, começa a sofrer as
3 O Ato Adicional de 1834, destina às Assembléias Legislativas provinciais, o direito de “legislar sobreinstrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la”, com exceção, as escolas superiores jáexistentes e os outros estabelecimentos que no futuro fossem criados por lei geral. Assim, possibilita-se acriação de sistemas paralelos de ensino em cada província (HAIDAR, 1998).4 Os estudos no Colégio da Corte são divididos em dois cursos distintos: primeira e segunda classes. O da 1ªclasse, com duração de 4 anos e estuda-se Gramática Nacional, Latim, Francês, Inglês, Aritmética e Álgebra,até equação do segundo grau, Geometria e Trigonometria retilínea, Geografia e História Moderna, Geografiae História do Brasil, Ciências naturais, Desenho, Música, Dança e Exercícios Ginásticos. Na 2ª classe, comduração de 3 anos, estuda-se Alta latinidade, Grego, Alemão, Geografia e História antiga, Geografia eHistória da Idade Média, Filosofia racional e moral, Retórica e Poética, Italiano (HAIDAR, 1972, p. 113-114).
42
influências dos exames parcelados de preparatórios. Com o número de matrículas
reduzidas nas séries terminais do curso, buscam, seus alunos, de modo mais
acelerado, o ingresso nos estudos superiores, através dos exames parcelados.
Premido pela concorrência que lhe moviam os estabelecimentos particulares
favorecidos pelo funesto sistema de exames, o Colégio de Pedro II acabou por
render-se à desorganização geral (HAIDAR, 1998, p. 71).
A reforma Paulino de Souza, em 1870, procura imprimir aos estudos
realizados no Colégio Pedro II o caráter formativo não somente para os estudos
superiores mas, também, para a vida. Assim, com o intuito de colocá-lo em
condições de competir com os outros estabelecimentos particulares, a reforma
simplifica e racionaliza o plano de estudo do Colégio e admite matrículas avulsas
ao Externato, insistindo nos exames finais por disciplina, equivalentes para fins de
matrícula nos cursos superiores, aos exames gerais (HAIDAR, 1998).
A reforma Leôncio de Carvalho, de 1878, consagra definitivamente a
manutenção das matrículas avulsas e a introdução da freqüência livre e os
exames vagos no Externato do Colégio Pedro II. Entretanto, muitos protestos são
realizados, reivindicando a volta da organização primitiva do Colégio. Exigia-se a
extinção do sistema de exames parcelados, a exigência do bacharelado como
condição de matrícula nos cursos superiores e a equiparação dos
estabelecimentos provinciais ao Colégio Pedro II, bem como a liberdade de abrir
escolas independentemente das provas prévias de moralidade e da capacidade
das províncias. Com exceção da liberdade de ensino, que não chega a ser
legalmente instituída no Município da Corte, mas que é consagrada de fato, as
demais reivindicações nos anos 70 e 80 não chegam a se efetivar (HAIDAR,
1998, p. 76).
43
Em todas as reformas pelas quais passam os planos de ensino do Colégio
Pedro II, durante o período imperial, seja dominando o ensino clássico ou o
científico, as matemáticas sempre se fazem presente, variando na quantidade de
horas e na profundidade de seus conteúdos (MIORIM, 1998).
Com a Reforma Benjamin Constant, em 1890, o sistema educacional passa
por uma ruptura com a tradição clássico-humanista existente até então. Há uma
tentativa de introduzir uma formação científica em substituição à formação literária
existente. A reforma também converte efetivamente o Colégio Pedro II, doravante
Ginásio Nacional, em padrão para os estabelecimentos de ensino secundário.
Não há mais exames parcelados de preparatórios. Para ingressar nos cursos
superiores, é necessário passar por exames de madureza realizados no Ginásio
Nacional ou nos estabelecimentos provinciais a ele equiparados (HAIDAR, 1972).
Com o advento da República, é ainda o Colégio Pedro II tido como
referência ao ensino secundário brasileiro. Os adjetivos “modelo” e “padrão” que
recebe por várias vezes são sinônimos de referências aos estudos secundários
em nosso país durante décadas. A confirmação da importância do Colégio no
cenário nacional se reflete na própria legislação que o assume, em inúmeras
vezes, como referencial às suas atribuições e dispositivos. O Colégio é referência
para o secundário também em tempos da 2ª República ou República Nova.
As legislações que regulamentam o ensino secundário brasileiro de, 1931 a
1961, reúnem Circulares, Portarias, Leis e Decretos referentes a este ensino.
Dentre as várias referências desta legislação, temos aquelas que dizem respeito
ao corpo docente e, portanto, tornam-se alvo de nosso interesse, visto que, a
legislação oficial do ensino secundário brasileiro se debruça em pontos que
44
fazem menção aos professores e que são referenciados pelo Colégio Pedro II.
Melhor especificando, ao analisarmos a legislação e suas diretrizes acerca dos
docentes do curso secundário, notamos que ao serem mencionadas em suas
disposições e em seus respectivos capítulos, estas o fazem sempre tomando
como referência o Colégio Pedro II. Os itens relacionados aos professores, ao
corpo docente, ao concurso de admissão do catedrático, a prática pedagógica
desses professores, têm como referência o Colégio Pedro II e se encontram de
forma explícita na legislação do ensino secundário brasileiro no período
mencionado5.
Até o final da década de 1920, encontramos o sistema de “preparatórios” e
de exames parcelados imperando no ensino secundário, visando ao ingresso ao
ensino superior. Nem mesmo o Colégio Pedro II, modelo da educação secundária
para todo o país, foge à regra e submete-se ao regime de exames parcelados que
eliminam a seriação dos cursos secundários (ROMANELLI, 2000).
A Reforma Francisco Campos6, proposta, primeiramente, através do
Decreto 19.890, de 18 de abril de 1931, e depois consolidada pelo Decreto nº
21.241, de 4 de abril de 1932, traz consigo medidas significativas ao ensino
secundário brasileiro:
(...) A Reforma Francisco Campos teve o mérito de dar organicidade aoensino secundário, estabelecendo definitivamente o currículo seriado, afreqüência obrigatória, dois ciclos, um fundamental e outrocomplementar, e a exigência de habilitação neles para o ingresso noensino superior. Além disso, equiparou todos os colégios secundáriosoficiais ao Colégio Pedro II, mediante a inspeção federal e deu a mesmaoportunidade às escolas particulares que se organizassem, segundo odecreto, e se submetessem à mesma inspeção. Estabeleceu normas paraadmissão do corpo docente e seu registro junto ao Ministério da
5 Ver Joaquim de Campos Bicudo, O Ensino Secundário no Brasil e sua Atual Legislação, São Paulo, 1941.6 Ver ROCHA, José Lourenço, A matemática do curso secundário na Reforma Francisco Campos. Rio deJaneiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001. Dissertação de Mestrado.
45
Educação e Saúde Pública. Estabeleceu também as normas para arealização da inspeção federal, criou a carreira de inspetor e organizou aestrutura do sistema de inspeção e equiparação de escolas(ROMANELLI, 2000, p. 135).
Assim, cabe à Reforma Campos, dentre outros aspectos, a superação dos
exames parcelados, o estabelecimento do currículo seriado, a freqüência
obrigatória, a divisão do curso secundário em dois ciclos e a sua ampliação para
sete anos.
Observamos que o Decreto que dispõe da organização do ensino
secundário brasileiro e, em seu capítulo II, apresenta resoluções sobre o corpo
docente desse ensino, referenciadas pelos professores do Colégio Pedro II.
Assim, por exemplo, no artigo 16, encontramos a lei fazendo menção aos
professores deste Colégio:
Art. 16 ~ Enquanto não houver diplomados pela Faculdade de Educação,Ciências e Letras, o cargo de professor no Colégio Pedro II será providopor concurso nas condições estabelecidas para a escolha dos catedráticosdos institutos de ensino superior, devendo ser indicados pelo ConselhoNacional de Educação os três membros da comissão examinadoraestranhos à Congregação.
Como vimos, a legislação Campos estabelece que o professor catedrático
deve passar por um crivo até finalmente se estabelecer como tal. Para assumir
uma cátedra no Colégio Pedro II devem os professores, enquanto não forem
diplomados pelas Faculdades de Educação, prestar concursos nos mesmos
moldes aos dos cursos superiores existentes. Face à inexistência das Faculdades
de Educação, os professores são submetidos a provas que constam dos mesmos
conteúdos e objetivos dos professores egressos do ensino superior brasileiro.
Assim, nesta época em que vige a legislação Campos, o programa destinado aos
professores do ensino secundário oficial e aos dos cursos superiores são
46
idênticos. O saber matemático exigido dos candidatos à cátedra do Colégio Pedro
II é o mesmo, por exemplo, daquele exigido na Escola Politécnica e na Escola
Militar.
Contudo, ao assumir o Ministério da Educação e Saúde, em 26 de julho de
1934 e permanecendo no ministério até 1945, Gustavo Capanema7, baixa, neste
período, várias instruções sobre o ensino secundário e promulga a Lei Orgânica
do Ensino Secundário8, em 9 de abril de 1942, mediante o decreto-lei n.º 4244.
As instruções baixadas para o concurso de professores de
estabelecimentos secundários, Portaria n.º 187, de 24 de junho de 1939, do
Ministro da Educação, toma como referência, novamente, o Colégio Pedro II.
Relativos às inscrições para o concurso aos cargos de professor
catedrático do Pedro II, são estabelecidos os documentos obrigatórios e o prazo
determinado para o seu encerramento. Quanto à comissão julgadora temos seu
processo de escolha, atribuições e particularidades inerentes especificados na lei.
Os detalhes da realização do concurso, a comprovação do mérito dos candidatos
através da apreciação de seus títulos e de suas respectivas provas (escrita, de
defesa de tese, prática e didática) também são mencionados na legislação. O
julgamento e classificação dos candidatos estão determinados em seus
respectivos artigos e parágrafos. O processo subseqüente e as disposições
diversas relacionadas aos concursos realizados para o preenchimento de
7 Para maiores detalhes, ver DASSIE, Bruno Alves, A matemática do curso secundário na Reforma GustavoCapanema. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001. Dissertação deMestrado.8 Veja O Ensino Secundário no Brasil, Organização ~ Legislação Vigente ~ Programas. Ministério daEducação e Saúde. Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – Publicação n.º 67, 1952.
47
cátedras do Colégio Pedro II apresentam artigos que ressaltam os trâmites legais
a serem cumpridos mediante as normas estabelecidas:
Art. 23. Do julgamento do concurso dentro do prazo de dez dias a contarda aprovação do parecer da comissão julgadora, caberá recurso,exclusivamente de nulidade, para o Ministro de Educação, ouvida acongregação do Colégio Pedro II.
Art. 24. Uma vez aprovado o parecer da comissão julgadora, caso nãoseja interposto recurso de nulidade, nos termos do artigo anterior, odiretor da respectiva seção do Colégio fará organizar processo do qualconstem cópias dos atos essenciais do concurso e encaminhá-lo-á porintermédio do diretor geral do Departamento Nacional de Educação, aoMinistro de Educação e Saúde, que, tomando conhecimento do processotransmitirá ao Presidente da República o nome do candidato indicadopara o preenchimento do cargo.
§ único. São peças essenciais do processo a ata da reunião da comissãojulgadora em que foi decidida a classificação do candidatos, o parecer damesma comissão e a ata da sessão da congregação em que foi votado oaludido parecer.
A Portaria n.º 966, de 2 de outubro de 1951, na qual o Ministro da
Educação e Saúde, trata da incumbência, anteriormente feita à Congregação do
Colégio Pedro II, da elaboração dos programas das diversas disciplinas dos
cursos secundários e, resolve:
Art. 1º. – Ficam aprovados os programas que a esta acompanham, para oensino de Português, Francês, Inglês, Latim, Grego, Espanhol, GeografiaGeral e do Brasil, Matemática, Ciências Físicas e Naturais, Desenho,Física, Química, História Natural, Filosofia, História Geral e do Brasil,Economia Doméstica e Trabalhos Manuais no curso secundário.
Art. 2º - Os programas aprovados pela presente portaria serão adotadospor todos os estabelecimentos de ensino secundário do país e entrarão emvigor progressivamente, a começar pelo ano vindouro, pela primeira sérieginasial e colegial.
Art. 7 – Aos Governos Estaduais e dos Territórios ficará facultada aelaboração de planos de desenvolvimento próprios, que poderão seradotados nos estabelecimentos de ensino secundário equiparados ouparticulares do respectivo Estado, depois de aprovados pelo Ministro daEducação.
Parágrafo único – Nos Estados ou Territórios, em que não houver planode desenvolvimento aprovado nos termos do art. 7º esta portaria, todos osestabelecimentos de ensino secundário ficarão sujeitos ao plano aplicadopelo Colégio Pedro II.
48
Analisando a legislação das reformas mencionadas anteriormente e a
Portaria de 1951, o que nos salta aos olhos, em grande medida, é o papel da
referência que tem o Colégio Pedro II. Na Reforma Campos, fica clara a
equiparação de todos os colégios secundários oficiais ao Colégio Pedro II,
mediante a inspeção federal. Na Portaria de 1951, notamos que os programas do
ensino secundário brasileiro são elaborados por comissões designadas pelo
Ministro da Educação e que após a reivindicação do Colégio Pedro II em elaborar
seus próprios programas de suas matérias ensinadas, além da confirmação do
pedido, este também passa a fornecer os programas oficiais aos demais
estabelecimentos secundários do país.
Tais ingredientes reafirmam o papel do Colégio Pedro II como referência,
não só como já se sabe, no estabelecimento dos programas oficiais do ensino
secundário mas, como referência também, à condição profissional do professor
de matemática. É, também, neste cenário, que se apresenta uma proposta de
alteração da seriação do curso secundário, na qual se pensa em uma mudança
radical para os programas de ensino de Matemática no secundário, refletindo uma
nova proposta educacional, unificando as disciplinas matemáticas sob o título de
Matemática.
O fato de ser o Pedro II considerado como um modelo do nosso ensino,
refletindo nitidamente na demanda de suas vagas, fica evidenciado por Amado
(1973, p. 23), que assume a direção do Colégio de 1947 a 1956:
Vínhamos da direção do Externato do Colégio Pedro II, que havíamosexercido de março de 1947 a abril de 1956. Tivéramos essa oportunidadede uma experiência que nos tinha causado profunda impressão. O númerode alunos e de professores do Externato crescera extraordinariamente. OPedro II suportava o maior peso do ensino médio público no entãoDistrito Federal. A falta de ginásios da Prefeitura e o renome “colégio-
49
padrão” faziam-lhe afluir aos exames de admissão dezenas de milharesde candidatos (...).
E, mesmo hoje em dia, com todas as reformas pela qual o ensino se
deparou no decorrer dos anos, ainda há uma disputa acirrada pelas vagas
oferecidas pelo Colégio a seus futuros alunos. Há indícios de diferenças das
épocas anteriores e da atual: os alunos, agora pobres e ricos, religiosos e leigos,
marcam a existência de uma clientela eclética, distinta da elite de outrora.
Contudo, ainda existem os exames de seleção aos aspirantes das vagas, o que
de certa maneira, lembra-nos um tempo em que se reflete a tradição da
seletividade e, mais ainda, um tempo em que as camadas populares ou a classe
média emergente visualizam o ensino secundário como uma forma de ascensão
social ou uma forma de acrescentar prestígio a seu status (ROMANELLI, 2000).
A análise do trajeto histórico da profissão de professor de matemática, nos
parece, deve considerar, assim o Colégio Pedro II e a legislação que o toma por
padrão, para se pensar o ensino secundário. Essa referência, dada por lei, por
certo é reapropriada ao gosto de diversos contextos que ela deve parametrizar.
Cabe destacar que o que garante o sentido da universalidade das leis não
é o fato de sua obrigatoriedade, mas sim, a sua (re) utilização nos diversos
contextos em que circula e a atribuição de um sentido, que se torna possível
assumir o caráter de universal (PESTRE, 1998). Sempre ligada a seus
portadores, a legislação não tem existência independente. Apropriada, traduzida,
adaptada e transformada por aqueles que a usam, a lei é um dispositivo que
produz e inventa uma ordem.
50
Conforme já mencionado, além da possibilidade de aplicabilidade da lei em
diversos contextos, podemos ter sua reutililização, citação e apropriação,
assumindo a característica de universalidade (PESTRE, 1998). Não queremos
dizer que todas as instituições secundárias a utilizem em seu interior exatamente
do mesmo modo. Mas, em contrapartida, todos os estabelecimentos do ensino
secundário brasileiro têm uma referência: a legislação. Esta tem seu peso e
influência nos meios em que circula; constrói representações, significados sociais,
delimita identidades profissionais à medida que ocorre seu uso no cotidiano pelos
vários sujeitos, enquanto indivíduos ou grupos, atravessando a política
educacional até as suas salas de aula (FARIA FILHO, 1998).
Para Faria Filho (1998), existem vários modos de relacionamento com a lei
e, seja através do seu ordenamento jurídico, da sua constituição de linguagem e
do seu papel como prática social, esta se constitui como “guardiã das formas de
garantia e controle da legalidade”. Além disso, no campo da educação escolar,
organizado segundo os moldes da legislação, temos a possibilidade de vislumbrar
uma interação entre as práticas pedagógicas e legais, relacionando-as com a
produção de novas práticas. A legislação passa a ser inspiradora de novas
práticas, o que coloca o processo de apropriação, ou seja, a ação do sujeito
supostamente inspirada pela legislação. E, de acordo com o autor, uma outra
dimensão da legislação, aborda o aspecto da prática ordenadora das relações
sociais da lei, resgatando o caráter histórico e político, relacionado-os com os
sujeitos responsáveis por esta interação social.
As práticas e representações que circulam ao redor da legislação
constituem objeto de investigações históricas, contribuindo para o entendimento
de fenômenos educativos, como o nosso, que está diretamente relacionado à
51
passagem do engenheiro ao licenciado em Matemática e que é analisado de
forma objetiva através dos concursos e de nossas fontes históricas – os arquivos
escolares. “A legislação, pode se tornar estabelecedora de produtos, ou de
artefatos e dispositivos em sua realização” (FARIA FILHO, 1998, p. 110).
Como resultado destes produtos ou artefatos, está a própria documentação
dos concursos de 1934 e 1952, produzida como fontes e utilizada em nossa
pesquisa. Esta, ao mesmo tempo em que permite perceber uma lógica de
controle do saber matemático, permite também perceber as informações
consideradas, em determinada época, de seus candidatos.
A importância dos concursos se concentra na referência atribuída ao mais
alto grau daquilo que se exige do professor do ensino secundário: ser professor
catedrático. Eles dão referência a uma instituição que é modelo e que a própria
legislação assim o determina.
Assim, não cabe pensar que o saber exigido do professor de matemática
de qualquer lugar do país seja o mesmo daqueles analisados em nossos
concursos, mesmo porque, em outras instituições, nem mesmo há a realização do
concurso de cátedra. Mas, mesmo as determinações não se passando de acordo
com o que está na lei, há uma referência a ser adotada pelos demais
estabelecimentos de ensino secundário brasileiro. É ela fonte primária de
apropriação.
Instituição que se torna referência não somente para a especificidade da
legislação mas também para a prática pedagógica e delimitações do saber
matemático do professor, para a veiculação e circulação dos livros didáticos
utilizados no ensino secundário, para estabelecimento dos parâmetros das
52
instruções dos concursos de admissão do corpo docente dos colégios, o Colégio
Pedro II revela características que o tornam modelo para as questões que
envolvem o secundário; haja vista, a própria legislação se apoiar nesse
paradigma de instituição. Os diversos professores que atuam nos cursos
secundários dessa época ministram suas aulas a partir de referências de livros
didáticos de professores e autores do Colégio Pedro II, como Euclides Roxo, Cécil
Thiré e Malba Tahan, dentre outros. A própria CADES (Campanha de
Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário) lança suas orientações, em
grande proporção, emanadas nos trabalhos dos professores do Colégio Pedro II,
além de tê-los como professores ministrantes de suas aulas e cursos, exemplo
disso, é o do professor Júlio César de Mello e Souza (Malba Tahan),que lecionou
durante oito anos, Didática Geral e Didática da Matemática nos cursos oferecidos
pelo órgão (OLIVEIRA, 2001, p. 35). Assim, os professores dos cursos fornecidos
pela CADES, formadores de outros professores do ensino secundário são,
também, professores do Colégio Pedro II.
Toda essa complexidade da tentativa de manutenção da unidade em torno
da legislação e suas conseqüências, ressalta o papel do Colégio Pedro II
enquanto instituição de referência para se levantar as bases e os argumentos
plausíveis em torno das leis que regem o ensino secundário brasileiro durante
décadas. É neste Colégio que a legislação lança seus olhares a fim de constituir
um corpo homogêneo e exemplar de referências à educação secundária do país.
A criação das Faculdades de Filosofia irá, de certo modo, abalar a
hegemonia do Colégio Pedro II, em sua referência para a profissionalização do
professor de matemática. No entanto, se elas idealmente organizam um padrão
53
de formação, serão os concursos à cátedra da instituição do ensino secundário,
que darão chancela a essa formação.
Assim, para além das Faculdades de Filosofia, que constituem referência à
profissionalização do professor, temos o Colégio Pedro II e, mais
especificamente, seus concursos de cátedra de matemática, referenciando o
saber exigido ao mais alto grau da profissão. De outro modo, estes concursos
representam o mais alto posto da hierarquia do professor do ensino secundário,
em particular, o do professor de matemática, e acabam constituindo uma
referência para o saber desse professor.
A pesquisa nos arquivos do Colégio Pedro II e a análise de seus concursos
de cátedra de Matemática nos revelam a existência de uma documentação
importantíssima para estudo do percurso histórico da profissionalização do
professor de m atemática no Brasil.
A opção pelos arquivos escolares remete-nos a textos como os de Ribeiro
(1992). O texto mencionado é esclarecedor. O autor pondera que um fenômeno
positivo e crescente vem se caracterizando em nosso cotidiano: a preocupação
com a preservação da memória e da identidade cultural de nosso povo. O
acúmulo e a divulgação de fontes de informação que interessam e envolvem a
comunidade estão sendo estimulados e apoiados pelos diversos grupos e
instituições que se agregam à sociedade.
Aos arquivos se aglomeram as fontes de pesquisas que possibilitam,
dentre vários aspectos, sentir a importância da dimensão do tempo do trabalho
científico; além do que, o estado de organização e conservação dos arquivos
54
estão revelando crescente interesse pela preservação da sua memória (RIBEIRO,
1992).
De acordo com o autor, começar a conhecer os acervos documentais,
sensibilizando os seus proprietários para a necessidade de preparação e
preservação dos mesmos, constitui atitudes fundamentais de conscientização da
importância do valor probatório e informativo desse material, o qual contribui para
a obtenção de valiosa fonte de pesquisa.
A importância do valor dos documentos de arquivos é ressaltada em
Ribeiro (1992, p. 48):
O levantamento da situação dos documentos de arquivo, incluindoinformações sobre o acesso para a consulta, é importante, dado o duplovalor desses documentos. Além do significado testemunhal, essesdocumentos são de uso patrimonial, servindo a fins administrativos etécnicos. Sua preservação, por isso, deveria levar em conta tanto ointeresse para a pesquisa acadêmica, quanto a sua utilização pelainstituição que o acumulou.
Para o autor, os acervos documentais escolares na atividade educacional
proporcionam uma forma motivadora e eficaz de ensinar e educar, fortalecendo os
laços da comunidade com a instituição. Os arquivos escolares, além de
verdadeiros “celeiros da história”, são verdadeiros depósitos da memória coletiva,
podendo se tornar um local ideal para a reconstrução e reapropriação da pesquisa
histórica e para a aprendizagem de disciplinas; além do que alguns documentos
podem ser aproveitados para refletir e repensar sobre a atividade pedagógica da
escola.
O acervo arquivístico de uma escola é formado, essencialmente, em
decorrência de atividades administrativas e pedagógicas. As atividades
administrativas das escolas são específicas da secretaria, do departamento de
55
pessoal, da tesouraria, da diretoria e da associação mantenedora. Já, as
atividades pedagógicas, encontram seu principal locus na sala de aula,
produzindo materiais e informações diretamente relacionados ao ensino e
aprendizagem.
Embora haja um certo cuidado com os documentos, nem sempre estão
organizados. Sua ordenação está baseada em noções empíricas e de senso
comum, revelando limitações da sua importância para a administração. O próprio
nome atribuído aos mesmos – “ativos ou inativos” (ou “mortos”) – vem acentuar
um sistema de arquivos que não está baseado em um processo criterioso de
avaliação, acumulados organicamente de modo a espelhar as atividades e
funções da instituição (RIBEIRO, 1992, p. 53-54).
Nos dizeres do autor, a dispersão parcial dos documentos, a falta de
identificação e higienização, a inexistência de critérios sistemáticos de
organização, a eliminação indiscriminada de documentos ou da sua perda por
acidente ou negligência, as falhas nas normas que regulam a preservação, a
conservação e qualidade dos documentos, são alguns agravantes e empecilhos
ao acesso aos arquivos como instrumentos de pesquisa e resgate da história
cultural em nosso país. Todavia, algumas normas legais, ressalta o autor, têm
influenciado diretamente na produção, acumulação e preservação de documentos
pelos estabelecimentos de ensino. Através da Lei de Diretrizes e Bases (1961) há
uma sistematização das exigências acerca das documentações relativas ao
ensino primário e médio. Torna-se obrigatória a organização e a escrituração
escolar, registrando os fatos da vida escolar dos alunos e desses
estabelecimentos em seus respectivos arquivos.
56
Ao fazer um relato sobre datas significativas ao tema considerado, Ribeiro
lembra que, em 1965, o Parecer n° 903, emitido pela Câmara de Ensino Primário
e Médio, do Conselho Federal de Educação, determina aos estabelecimentos de
ensino a livre escolha da organização dos seus arquivos e da sua escrituração,
assim como, o modelo a ser estabelecido a seus documentos escolares,
recomendando a regulamentação da eliminação dos mesmos. O ensino de 1° e 2°
graus, em 1976, sob a responsabilidade do estado e do município passa, através
da Deliberação n° 10, do CFE, a obrigar as escolas a manter um sistema de
escrituração e arquivo.
Quanto aos cursos superiores, o texto analisado aponta que o Parecer n°
214/67, vem autorizar as escolas de 3° grau a incinerarem alguns documentos
(provas de exames, listas de presença de alunos, diários de classe) após vinte
anos da data de registro do diploma do aluno. Este parecer retifica a decisão do
extinto Conselho Nacional de Educação (Parecer n° 227/46) que não permitia a
incineração ou destruição das provas escritas e das listas dos pontos das demais
provas realizadas pela instituição. O Decreto n° 68.902, de 13 de julho de 1971,
artigo 9°, permite a permanência nas escolas das provas e documentos de
candidatos inscritos no concurso vestibular “por prazo não superior ao referido
período letivo”. Em 25 de abril de 1975, as escolas superiores recebem a
instrução de guardar suas provas escritas por 2 anos, bem como arquivar as atas
dos resultados finais e a documentação relativa à trajetória escolar dos seus
alunos.
Ainda sobre algumas instruções relativas aos arquivos, Ribeiro nos informa
que a Indicação n° 72/76 do CFE induz à diminuição do volume de documentos a
serem preservados, podendo os originais serem substituídos por microfilmes, e as
57
provas não-finais e relatórios incinerados após determinado prazo estabelecido.
Trata-se de preservar os documentos em função do seu valor probatório e não do
valor informativo que se refere ao uso científico dos mesmos, considerando os
problemas de espaço:
De criação relativamente recente, essas normas mostram-secondicionadas, no entanto, pelo problema do crescimento dos acervos edas dificuldades de armazenamento. Alguns estabelecimentos, muitasvezes esperando solucionar estes problemas com a microfilmagem,buscaram esclarecimentos junto aos conselhos de educação sobre osprazos de guarda dos documentos e eliminação. A orientação geral temsido no sentido de ampliar o leque das espécies documentais que podemser destruídas e reduzir os prazos de guarda temporária (RIBEIRO, 1992,p. 57).
Segundo o autor, o Parecer n° 324/78 do CFE acentua o dever das
instituições de ensino de preservar ‘a História do próprio País’, conservando sua
documentação. Além de recomendar a microfilmagem dos documentos, o Parecer
n° 158, de 19/02/1978, do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro,
indica documentos que deveriam ser preservados indefinidamente. A Portaria n°
21, regulamenta o recolhimento dos arquivos de rede pública e privada, municipal
e estadual do Rio de Janeiro, em caso de extinção do estabelecimento de ensino,
verificando a integridade da documentação.
Citando Jacques Le Goff, Ribeiro (1992, p. 59) observa que “a reflexão
histórica se aplica hoje à ausência de documentos, aos silêncios da história (...)”.
Falar dos silêncios da historiografia tradicional não basta; é preciso ir além e
“questionar a documentação sobre as lacunas, interrogar-se sobre os
esquecimentos, os hiatos, os espaços brancos da história, fazendo seu inventário
a partir da existência e ausência de documentos”.
Assim, compete aos historiadores e arquivistas, informar a respeito dos
seus documentos, sobre suas produções e conservação. Como menciona Ribeiro
58
(1992, p. 59) em seu texto, o papel do arquivista vai além do que a separação de
documentos; é um processo cauteloso e complexo:
O papel do arquivista, no caso, é justamente evitar a formação dos hiatosocasionados pela dispersão e destruição dos acervos. Sua ação consisteem estabelecer planos de destinação para os documentos de arquivo,fixando critérios para os estágios de arquivamento; em organizar econservar os documentos, de modo que o acervo espelhe a totalidade e aorganização das atividades e funções desempenhadas pela instituição oupessoa que o acumulou, além de divulgar o seu conteúdo e significado.Assim, a indagação sobre as lacunas existentes nos arquivos, bem comosobre o seu estado de organização e conservação, interessam tanto aospesquisadores acadêmicos, quanto à comunidade em geral. O interessenão é, pois, exclusivo de ninguém.
Ribeiro delega às secretarias das escolas a responsabilidade pela guarda
da maioria de seus documentos, retendo informações de valor probatório, que
testemunham sobre a vida escolar dos alunos e do funcionamento da escola,
permitindo ao pesquisador estudar o ‘exercício do poder disciplinar e o cotidiano
da vida escolar’. Assegura aos historiadores e arquivistas a competência de
informações a respeito dos documentos, das produções e conservação dos
arquivos.
Apesar do valor informativo de alguns documentos (à exceção dos dossiês
dos alunos), não há atualmente proteção legal referente à guarda permanente
destes. Fica a critério da escola a valorização e a conservação do seu arquivo,
bem como a tomada de consciência do valor destinado ao uso pedagógico dos
arquivos escolares através do contato, da análise crítica de seus documentos e do
conhecimento histórico apreendido pelo cidadão. A recuperação e preservação
dos valores fundamentais à memória de um povo estão intimamente arraigados à
educação e, deste modo:
É este papel ativo que pode ser estimulado através da educação. O colégioque cria o seu museu, que envolve os seus alunos na organização deexposições, na coleta de depoimentos das pessoas mais velhas ou que,
59
utopia possível, organiza o seu arquivo, pondo-o à disposição dacomunidade em geral e da comunidade escolar em particular, este colégioestá de fato contribuindo para a consolidação de valores essenciais para aformação da cidadania (RIBEIRO, 1992, p. 62).
O desenvolvimento de um trabalho que visa resgatar e despertar a
memória coletiva de um povo através de sua história, concorre diretamente com o
desenvolvimento da consciência da necessidade da preservação de valores
essenciais à formação dos diferentes grupos sociais.
Os arquivos escolares são também objeto de reflexão no texto “Exames e
provas como fontes para a História da Educação” escrito por Valente (2001d).
Nele, o autor destaca que nas pesquisas culturais em história da educação, os
arquivos escolares ocupam lugar de destaque. Em particular, o texto destaca um
dos materiais encontrados nos arquivos das escolas: os exames e provas.
Segundo Valente (2001d, p. 6):
Os exames e provas escolares são documentos valiosos para o estudo daapropriação realizada pelo cotidiano escolar das reformas educacionais,por exemplo. Essa documentação cria a possibilidade, dentre outrascoisas, de análise dos conteúdos selecionados pelos professores comomais significativos de seu trabalho pedagógico com os alunos; os examese provas podem revelar também a concepção de avaliação dominante numdeterminado contexto histórico; podem ainda, através da análise dosenunciados dos exercícios e questões, possibilitar a leitura que o cotidianoescolar realiza de uma determinada época histórica (...).
Sobretudo, vale ressaltar que ao debruçarmos sobre os arquivos a fim de
compreendermos certas ortodoxias da história, jamais deixamos de lado a
importância e os atributos de outras escolhas. Sabemos que os arquivos não são
os únicos instrumentos capazes de salvaguardar e sanar ‘os silêncios da história’.
Ele é um dos delimitadores de nosso trabalho.
Na tentativa de estudar a passagem do engenheiro ao licenciado de
matemática e a mudança do saber referenciado no ensino secundário brasileiro,
60
lançamos olhares aos arquivos; são eles nossas fontes de pesquisa e nos
revelam a importância dos concursos de cátedras. São os arquivos que nos
auxiliam e que nos dão as ferramentas para a nossa análise em torno das
modificação ocorridas no saber exigido ao professor de matemática nos
concursos de 1934 e 1952. Os concursos dão referências, apontam as
especificidades e as mudanças ocorridas no mais alto grau da posição do
profissional da área do ensino da Matemática.
Grande parte da documentação que utilizamos possui origem em algum ato
legal; representa a realização, a expressão da própria lei e é produzida
obedecendo à legislação em vigor. As práticas de arquivos interferem diretamente
nas pesquisas devido à forma como eles são organizados, à ausência de guias de
fontes, o modo de conservação, organização e acesso aos mesmos. Além do que,
o Estado exerce uma influência em nosso poder de “interpretar os arquivos”
devido sua égide. Produzir a legislação como um corpo documental significa dar
um enfoque em suas diversas dimensões, dar um enfoque em sua dinamicidade e
inter-relacioná-la com o fazer pedagógico no campo educacional, uma vez que o
poder judiciário historicamente vem se relacionando com a legislação do ensino
(FARIA FILHO, 1998, p. 100).
A preocupação com a compreensão da legislação escolar como um
ordenamento jurídico específico fica evidenciada pelo autor:
Aproximar a lei enquanto ordenamento jurídico significa, além de se darconta de uma tradição e de suas relações com outras tradições e costumes,entender uma certa lógica em funcionamento. Como se sabe, a lei precisaser legítima e legitimada, o que, por sua vez, requer não apenas umaretórica de igualdade mas, minimamente, a colocação em funcionamento,no discurso legal, de uma lógica de igualdade. Se assim não fosse, a leinão seria legítima e, muito menos, necessária (FARIA FILHO, 1998, p.101).
61
Outra dimensão da lei enfocada trata do seu aspecto discursivo, ou seja, a
lei como linguagem. Segundo Faria Filho (1998, p. 102), a lei é “a linguagem da
tradição e dos costumes, do ordenamento jurídico e da prática social e, a lei
somente é lei, porque encontra sua expressão numa determinada linguagem
legal”.
O autor distingue dois momentos fundamentais relacionados à lei: o
momento de produção e o momento de realização da lei. No primeiro, é preciso
estar atento ao tipo específico de legislação de que se trata e aos sujeitos
envolvidos na produção da legislação; o segundo, relaciona-se com a produção
de novas práticas num processo de apropriação do sujeito, estabelecendo novos
produtos.
Destarte, questões relacionadas à história da educação brasileira podem
buscar respaldo na legislação como fonte de pesquisa para historiadores e
estudiosos comprometidos com seus diversos problemas. Através da lei do ensino
secundário brasileiro vislumbramos a importância do Colégio Pedro II mediante a
sociedade da época analisada. É na legislação que encontramos referências a
essa Instituição e a seu corpo docente. O Colégio é referência para os programas
escolares; para o conteúdo didático que o professor tem que saber; para a adoção
de livros didáticos a partir de autores que são professores do Pedro II; é referência
também para os exames de professores catedráticos no país, o ponto mais alto na
hierarquia do magistério. E quem determina essa referência? A própria legislação
e sua circulação nos diversos meios. Deste modo, a lei passa a ser entendida
como uma prática ordenada das relações sociais, resgatando o caráter histórico e
político, ao mesmo tempo em que se relaciona com os sujeitos responsáveis pela
intervenção social (FARIA FILHO, 1998, p. 111).
62
O ENGENHEIRO-PROFESSOR DE MATEMÁTICA
2.1. OS ENGENHEIROS MILITARES E O ENSINO DA MATEMÁTICA NO
BRASIL
Em seus estudos sobre a Matemática escolar no Brasil, Wagner Valente
(1999) analisa, dentre vários aspectos, o aparecimento das Aulas de Artilharia e
Fortificações. Lembra que a relação entre “a arte da guerra” e a Matemática é
remotíssima, remetendo-nos a uma época em que a mecânica se separa da
geometria, tornando-se um ramo da arte militar. Na verdade, a geometria acabou
sendo considerada como geometria prática, ligada intimamente à mecânica e a
geometria especulativa, atrelada à filosofia (VALENTE, 1999, p. 39).
Após mencionar a relação existente entre a Matemática e a guerra, Valente
destaca a transição da Idade Média para a Era Moderna, salientando o
aparecimento das primeiras armas de fogo, sua evolução e aperfeiçoamento no
uso da infantaria, cavalaria e artilharia. Com o surgimento do canhão, a artilharia
interfere de modo direto nas formas de construção das fortificações. As grandes
modificações exigem mão-de-obra especializada, dando origem às Aulas de
Artilharia e Fortificação. A Matemática passa a ser vista de modo predominante
como um conhecimento útil e prático para as construções militares e de artilharia.
CAPÍTULO 2
63
Tal tendência também é verificada entre nós e, dada a preocupação com a
defesa das suas riquezas e das terras conquistadas pela Colônia, a Coroa
Portuguesa impulsiona a formação de militares, treinando-os ao manuseio das
peças de artilharia e à construção de fortes. Com o objetivo de ensinar a
desenhar e a fortificar é criada a Aula de Fortificações no Rio de Janeiro, que
passa a ser obrigatória a todo oficial.
O profissional formado pelas Aulas de Artilharia e Fortificações dá origem
ao novo engenheiro, cuja competência está direcionada às estratégias de ataque
e às defesas através das fortificações resistentes ao inimigo.
A Matemática constitui um elemento integrante dessas Aulas e a Aritmética
torna-se requisito prévio às mesmas. Com status de ensino prático e técnico, a
Matemática passa a ter caráter utilitário para as “artes mecânicas”. Assim como a
Geometria passa a ser extremamente útil para os carpinteiros, arquitetos e
agrimensores, a Aritmética destina-se aos cálculos do comércio tanto quanto à
artilharia e sua utilização na guerra tornam-se instrumentos indispensáveis a uma
matemática prática cumpridora de seus fins. A “geometria prática” representa
matéria fundamental para as Aulas de Artilharia e Fortificações.
Todos os cursos militares são organizados de modo a buscar nas
matemáticas a base e o respaldo inicial dos seus programas. O engenheiro
assume característica de um oficial militar cujos estudos estão centrados nas
Matemáticas. É preciso começá-los pelas abstrações, uma vez que, o trabalho
dos engenheiros deve consistir na tomada inicial de princípios geométricos para
progressivamente concretizá-los com a ajuda de diferentes processos de medida,
de experimentações, etc. (VALENTE, 1999, p. 42).
64
A criação do ensino militar está atrelada às necessidades de defesa dos
domínios ultramarinos gerando seu desenvolvimento nas Academias Militares do
país. Aos oficiais militares formados por estas academias fica reservado o
primeiro ensino de Matemática até a Independência do Brasil. De acordo com
Bruno Belhoste, que prefaciou o livro de Valente (1999, p. 11), essa origem
caracteriza as matemáticas escolares em quase todos os países da América e da
Europa até o início do século XIX.
Assim, o autor também considera que o berço da Matemática no Brasil está
nas escolas militares e não nas escolas jesuítas por aqui já existentes. Segundo
Valente, a Matemática, no decorrer dos duzentos anos de escolarização jesuítica
no país, não tem origem constituída nesses colégios e sim, no ensino leigo e
militar. E, com as transformações ocorridas nas escolas militares, gerando as
escolas politécnicas, temos os engenheiros sendo formados por estas
instituições. Conseqüentemente, são estes engenheiros que, em sua grande
maioria, atuam em nossos estabelecimentos de ensino secundário e superior
como professores de Matemática até o início do século XX. A eles, compete ser
um bom matemático, com domínio dos conteúdos da disciplina e com intensa
cultura especializada, herança das escolas militares. São estes profissionais que
encontramos no Colégio Pedro II, atuando no ensino secundário da Matemática
até o surgimento das Faculdades de Filosofia.
2.2. AS ESCOLAS POLITÉCNICAS: O ENGENHEIRO – PROFESSOR.
Com o intuito de prover a defesa militar do Reino, criam-se em 1808, a
Academia de Marinha e, em 1810, a Academia Militar; para atender as
65
necessidades médicas e cirúrgicas do exército, é fundado, na Bahia, em 1808, um
curso de Cirurgia e, posteriormente, criam-se aulas e cursos de Comércio,
Agricultura, Química e Desenho Técnico. No Rio de Janeiro, são instaladas,
inicialmente, aulas de Anatomia, Cirurgia, Medicina e, mais tarde, temos aulas de
Química, a implantação do Curso de Agricultura, A Escola Real de Ciências, Artes
e Ofícios, que dá origem à Academia de Artes.
A chegada da Corte Portuguesa (1808) representa um marco fundamental
também para as Matemáticas no Brasil. A Academia Real dos Guardas-Marinha
(atual Escola Naval) vinda concomitantemente com a Coroa e a criação da
Academia Real Militar, tornam-se instituições responsáveis em referenciar o
ensino das Matemáticas no país. A Academia Real Militar vem substituir a Real
Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, destinando-se ao ensino das
ciências exatas e da engenharia em geral ( VALENTE,1999, p. 92).
A Matemática introduzida nessas instituições assume uma postura de
saber técnico e especializado, reservado à formação técnica do futuro engenheiro
militar e guarda-marinha. Contudo, a Matemática ganha status a partir das
técnicas militares, como as de artilharias, fortificações, cartografia e
desenvolvimento da marinha de guerra. A necessidade da criação do
conhecimento matemático leva à criação de cadeiras da disciplina.
Os regulamentos, normas e currículos da Academia Real Militar têm como
referência a École Polytecnhique de Paris (1794), cujo lema “pela ciência, pela
instrução e pela pátria” está arraigado às suas origens. Na Academia são
formados os oficiais topógrafos, geógrafos e os das armas de engenharia,
infantaria e cavalaria para o exército do rei, num período de 7 anos divididos em
66
dois períodos: um de 4 anos, básico e que recebe o nome de Matemático, e outro,
de 3 anos, conhecido como Curso Militar.
Os professores que ministram as aulas no curso matemático no Brasil pós-
colônia, constituem a primeira geração de engenheiros-matemáticos formados em
instituições portuguesas, nas quais a pesquisa matemática atrelada ao ensino não
é fator preponderante (SILVA, 1999, p. 67).
Nesse sentido, a historiadora Circe Mary Silva da Silva (2002), destaca a
contaminação da concepção positivista no Brasil durante o final do período
colonial e o início do Império, originada da metrópole portuguesa e influenciando
as posições ideológicas da Academia Militar do Rio de Janeiro e de seus
professores. Há um ânimo do espírito que vê na ciência uma nova atitude
intelectual e que deve contaminar a atividade educativa.
Após a Independência do Brasil, em 1822, a Academia Real Militar tem seu
nome modificado para Academia Imperial Militar e, em 1832, após a extinção da
mesma, fica instituída a Academia Militar e de Marinha do Brasil. Neste mesmo
ano, há novamente a modificação da denominação da Escola do Exército,
recebendo o nome de Academia Militar da Corte e, posteriormente, Escola Militar
(1840). Não é somente a denominação que sofre alteração; seu regulamento
também é modificado, devendo habilitar os oficiais das três armas do exército, os
engenheiros militares e do estado-maior. Contudo, devido às transformações
sociais, políticas e econômicas que atingem o país, torna-se necessária a criação
de uma outra instituição de ensino destinada à formação de engenheiros civis,
separando-a do ensino militar. É criada a Escola Central (1858), que de acordo
com Silva (1999, p. 72):
67
Ainda não houve a separação definitiva dos ensino civil e militar. AEscola Central continuou sendo o centro dos estudos científicosnecessários à formação de engenheiros militares, civis, bem como àformação dos oficiais para as armas do exército e de estado-maior. Porém,com a evolução que se processava no mundo, com relação à ciência e àtécnica, havia necessidade de que tais conhecimentos fossem ministrados,quer aos militares, quer aos civis, e, nas décadas seguintes, isto é, de 1860a 1870, houve forte pressão , junto ao Imperador, para que houvesse aseparação definitiva entre o ensino militar e o ensino civil (...).
A Escola Central é transformada na Escola Politécnica, isto é, uma escola
exclusiva ao ensino das engenharias e subordinada a um Ministro não militar. O
professor mais antigo, Dr. Inácio da Cunha Galvão, assume interinamente a
direção da Escola que, num período ulterior, tem o Professor José Maria da Silva
Paranhos, o Visconde do Rio Branco, como diretor da Politécnica.
A respeito das novas atribuições da Escola Politécnica, Castardo (2001, p.
18-19) nos informa:
Desligada das finalidades militares, agora seria destinada apenas a alunoscivis. Segundo seu projeto original, formaria além de engenheiros ebacharéis, doutores em ciências físicas e naturais. A formação deengenheiros militares, bem como a de oficiais em geral, passou a serrealizada na Escola Militar da Praia Vermelha (1874-1904). A EscolaPolytécnica [grifo do autor] inicialmente oferecia, após a conclusão docurso geral, cursos específicos para a formação de engenheiro de civil, deminas, engenheiro geógrafo ou industrial, além dos cursos de artes emanufaturas; e duas especialidades: em ciências físicas e naturais, e emciências físicas e matemáticas.
O Curso de Ciências Físicas e Naturais, sucessor do Curso Matemático da
Academia Real Militar, tem duração de 3 anos e é mantido até 1896 na instituição
quando, além da nova denominação da Escola – Escola Politécnica do Rio de
Janeiro – são extintos os cursos científicos. De 1896 até 1933, o ensino da
Matemática superior no Brasil passa a ser feito exclusivamente como cadeiras dos
cursos de engenharia, cessando a formação de engenheiro-matemático (SILVA,
1999, p. 73-74).
68
Todavia, as escolas politécnicas e as academias militares representaram
espaços institucionais centralizadores da produção e difusão do conhecimento
matemático nesse período (DIAS, 2002b, p. 24).
Assim, em tempos da inexistência de Faculdades de Filosofia, para
formação dos professores de Matemática, são as Escolas Politécnicas, sobretudo,
que suprem a falta de professores para o ensino secundário e superior, uma vez
que, no dizer de Dias (2002b, p. 32), “quem gostava de matemática normalmente
era engenheiro e quem era engenheiro normalmente sabia Matemática”.
2.3. A CÁTEDRA: A PRINCIPAL REFERÊNCIA PARA O ENSINO
SECUNDÁRIO E SUPERIOR.
Ao que tudo indica, o aparecimento de cátedra no Brasil tem sua
constituição histórica no ensino superior quando, em 1808, com a chegada do
Príncipe Regente, D. João VI, é expedida a Carta Régia, criando escolas
superiores para os brasileiros que não podiam estudar na Europa e autorizando a
escolha de professores para ministrarem essas aulas. Dentre as cadeiras criadas
estão a de Cirurgia, em Salvador e a de Anatomia, no Rio de Janeiro;
posteriormente transformadas em Faculdades de Medicina dessas cidades
(SILVA, 1999, p. 64-65).
D. Pedro I, em 11 de agosto de 1827, sanciona a Carta de Lei, instituindo
os cursos jurídicos no Brasil; um em São Paulo e outro em Olinda, criando-se
cadeiras para tais cursos e a idéia presente em nossas instituições de ensino
durante mais de um século ‘da propriedade de cátedra' (FÁVERO, 2000, p. 87).
69
O Decreto n° 9.360, de 7 de janeiro de 1885, aborda aspectos sobre o
concurso de professor catedrático, constando de defesa de tese e dissertação,
prova escrita, prova oral estudada e de improviso (MOACYR, 1938,v. III, p. 142
apud FÁVERO, 2000, p. 88).
No período que compreende a Proclamação da República e o final dos
anos de 1920, a questão relativa à idéia de cátedra é reforçada pelas reformas no
aspecto das exigências de concurso de títulos e provas, bem como da
vitaliciedade (FÁVERO, 2000, p. 88).
A Reforma “Francisco Campos”9, como ficou conhecida, inicialmente por
meio do Decreto n.º 19.890, de 18 de abril de 1931, depois consolidada pelo
Decreto n.º 21.241, 4 de abril de 1932, vem ratificar o professor catedrático como
o primeiro no patamar do corpo docente, mantendo-se a exigência de concurso
público de títulos e provas para o preenchimento de uma cátedra do ensino
superior e do secundário (decreto n° 19.851 de 11 de abril de 1931, art. 54). Após
a nomeação do catedrático, este poderia gozar de uma validade de 10 anos em
seu cargo e, após findado este prazo, poderia o lente novamente se candidatar ao
cargo, valendo-se apenas do concurso de títulos. Ao reassumir o cargo, o
professor catedrático adquiria garantia de vitaliciedade e inamovibilidade,
perdendo-os somente com o abandono do cargo ou sentença judiciária.
Transcorridos 30 anos de magistério ou quando atingisse 65 anos, o professor
poderia ser aposentado, havendo possibilidade de prorrogar por mais 5 anos as
suas funções no magistério.
9 Francisco Luís da Silva Campos, natural de Dores do Indaiá, Minas Gerais, nasceu em 18/11/1891 efaleceu em Belo Horizonte no dia 1/11/1968. Formado na Faculdade Livre de Direito de Belo Horizonte, emdezembro de 1914, além do trabalho na advocacia, ocupou vários cargos públicos: professor concursado deDireito Público Constitucional da faculdade onde se formou, tendo início em 1918; Deputado Federal porMinas Gerais (1926 - 1930), Ministro da Educação e Cultura (1930 – 1932), Consultor Geral da República(1933 – 1937) e, finalmente, Ministro da Justiça (1937 – 1941) (ROCHA, 2001, p. 178-179).
70
A Constituição de 1934 vem reforçar a idéia de cátedra contida no Estatuto
das Universidades Brasileiras: garante a liberdade de cátedra, vitaliciedade e
inamovibilidade aos professores nomeados para as instituições do governo;
aproveita o lente em outra cadeira em caso de extinção da cátedra inicial; proíbe
a dispensa do concurso de títulos e provas no provimento dos cargos oficiais do
magistério. Quanto ao julgamento inicial dos títulos dos candidatos para o
concurso de cátedras, este consta de uma apreciação apenas para os fins de
justificar a admissão, ou não, de cada candidato às provas do concurso,
importando em verificar se os mesmos satisfazem as formalidades legais e as
exigências constantes do edital de abertura. As instruções não exigem que seja
atribuída uma nota de julgamento dos títulos de cada candidato, salvo em caso de
empate dos candidatos igualmente classificados no concurso das provas.
Com a Constituição de 1946, que vigorou por mais de duas décadas,
também é exigida a realização de concurso de títulos e provas para o ensino
secundário oficial e ensino superior (oficial ou livre), assegurando aos professores
admitidos a vitaliciedade e liberdade de cátedra.
A partir de 1967, o Decreto-lei n° 252/67 reduz legalmente a autonomia da
cátedra, integrando-a ao Departamento Universitário.
Com a Lei n° 5.540 de 1968, através do art. 33, § 3°, torna-se extinta a
cátedra na organização do ensino superior no Brasil. Ocorre, então, o
desaparecimento legal da figura do catedrático, centralizador das decisões
acadêmicas (FÁVERO, 2000, p. 96).
71
2.4. O CONCURSO À CÁTEDRA DE MATEMÁTICA DO COLÉGIO PEDRO II
EM 1934: FIM DE UMA ERA.
Já dizia Anísio Teixeira (1976) que o segredo da eficiência do ensino
superior estava no professor e que, embora muitas vezes este curso não
oferecesse todas as condições práticas para a formação do estudioso, o lente
poderia despertar e provocar no aluno o gosto pelos estudos. Os especialistas e
homens de alta cultura dessa época eram frutos do estímulo desses
profissionais. E ainda: “a vitória do aluno nos concursos de catedráticos sempre
representou a sua verdadeira graduação como colega de magistério de sua alma
mater” (TEIXEIRA, 1976, p. 230).
A escolha dos professores catedráticos é, então, feita por um concurso
público e competitivo, para o qual os estudos se dão de modo prolongado e
requerem aptidão para os mesmos. A lei, o governo e a opinião pública dão a
esse professor uma posição de grande prestígio e privilégios especiais.
O poder para a direção das escolas compete à congregação dos
professores catedráticos, elegendo um diretor para melhor representá-la. Em se
tratando do Colégio Pedro II, instituição do ensino secundário, a Congregação é
também formada por catedráticos e professores do Internato e do Externato, cuja
competência lhe assegura legislar sobre os concursos para catedráticos. Para ser
catedrático do Pedro II, é necessário seguir os mesmos moldes das escolas
superiores existentes. O professor deve ser especializado numa determinada
área do conhecimento, elaborar determinada obra científica, defender idéias
renovadoras em sua área, fazer exame de cátedra, passar pelo crivo da banca
examinadora e ser nomeado pelo ministro competente (TAVARES, 2002).
72
Em relação à legislação vigente no concurso de 1934, percebemos que os
mesmos dispositivos legais que regulamentam os concursos para o provimento
de uma cátedra no ensino superior também são extensivos ao ensino secundário
durante um certo período da nossa história, inclusive na década considerada.
Logo, o concurso para o provimento das cátedras do Pedro II obedece aos
preceitos do decreto n° 19.851 de 11 de abril de 1931, relativo ao ensino
universitário (determinação feita pelo decreto n° 19.890 de 18 de abril de 1931).
O processo 12.238, que se encontra nos arquivos do Colégio Pedro II, no
Rio de Janeiro, torna-se fonte preciosa e privilegiada de um dado momento
histórico, capaz de referenciar o conteúdo necessário para o mais alto grau da
profissionalização dos professores de matemática – o catedrático. Em meio a
documentos de difícil acesso devido à maneira de organização, ordenação dos
mesmos e sem instrumentos de pesquisa (fichas, guias, etc.), consegue-se
levantar, dentre as prateleiras de aço, documentos nos mais variados estado de
conservação. Mas, o que poderia representar tais papéis e documentos?
Percebemos que a aparência inofensiva dos papéis já desbotados e com certa
dificuldade de manuseio, representa fontes depositárias da memória coletiva e
dignas de pesquisa histórica e aprendizagem (RIBEIRO, 1992). Contudo, como
qualquer documentação que busca tornar-se fonte histórica, não é suficiente
encontrar exames e provas de professores realizados noutros tempos. Há
necessidade de contextualizar, enredar esses documentos em todo um conjunto
de outros materiais que possibilitem construir significados (VALENTE, 2003).
Assim, consta, na página do Diário Oficial, no dia 02 de abril de 1933, que
para o preenchimento de uma cátedra de Matemática no Colégio Pedro II, são
73
necessários documentos e procedimentos preestabelecidos aos candidatos e
confirmados no ato da inscrição:
a) prova de que é brasileiro, nato ou naturalizado;
b) prova de sanidade e de idoneidade moral;
c) prova de haver completado o concurso de humanidades ou diploma de
instituto idôneo onde se ministre o ensino da disciplina em concurso;
d) documentação relativa ao exercício do magistério, da atividade literária
ou científica do candidato;
e) recibo do pagamento da taxa de inscrição na importância de 300$000
Quanto às provas, o Diário Oficial contendo informações do concurso,
estabelece que devem constar da:
a) defesa de tese;
b) prova escrita para as cadeiras de Português, Latim e Matemática, e
prova experimental para as de Química;
c) prova didática;
Com relação à tese, esta deve englobar uma dissertação sobre assunto da
cadeira e de livre escolha do candidato.
A prova escrita e a experimental versam sobre questões ou temas
propostos por ocasião da prova e relativas ao ponto sorteado de uma lista de
vinte, organizada pela comissão examinadora e aprovada pela Congregação do
Colégio.
Essa lista é publicada 30 dias antes do início do concurso.
74
A prova didática, que deve ter duração de 50 minutos, é oral e consta de
uma dissertação sobre ponto sorteado com 24 horas de antecedência, de uma
lista de 30 pontos, estabelecida no dia do sorteio pela comissão organizadora e
aprovada pela Congregação.
O candidato deve apresentar 100 exemplares da tese, que poderá ser
impressa, mimeografada ou datilografada.
As inscrições têm prazo de 120 dias, contados do dia imediato ao da
publicação em edital, para serem efetuadas pelos candidatos interessados ao
cargo do magistério oficial.
De acordo com os documentos do processo (12.238, p. 59), ao término das
inscrições do concurso para provimento do cargo de professor de matemática do
Colégio Pedro II, Internato, temos os seguintes professores inscritos: Alberto
Nunes Serrão, Cesar Dacorso Netto, Haroldo Lisboa da Cunha, Julio Cesar de
Mello e Souza. Posteriormente, em 27 de outubro de 1933, Luiz Sauerbronn tem
sua inscrição oficializada após recurso interposto pelo candidato, devido ao
indeferimento da mesma, por motivo de atraso na entrega dos documentos na
secretaria do Colégio.
2.4.1. OS POSTULANTES À CÁTEDRA DE MATEMÁTICA DO COLÉGIO
PEDRO II.
Os cinco candidatos ao provimento da cátedra de Matemática no Colégio
Pedro II, cumprem as exigências legais do concurso. O Diário Oficial de 31 de
agosto de 1934 informa que a comissão examinadora habilita todos os inscritos
75
para o concurso de Matemática mediante análise de títulos e documentos
exigidos por lei. Os pedidos de inscrições no concurso e os documentos
apresentados pelos candidatos encontram-se anexados ao processo instaurado
no final do concurso (12.238, p. 89-97). A documentação apresentada pelos
candidatos aspirantes à cátedra de Matemática do Pedro II estão selecionadas a
seguir:
Alberto Nunes Serrão, engenho civil e geógrafo pela Escola Politécnica do
Rio de Janeiro, apresenta seu diploma de engenheiro civil; dois exemplares do
trabalho “A parte vaga da cadeira de Cálculo Infinitesimal da Escola Politécnica do
Rio de Janeiro”; recibo de pagamento da taxa de inscrição; atestados diversos
provando exercício do magistério; exemplar do livro “Lições de Álgebra Superior”,;
atestado de assistente da cadeira de Cálculo Infinitesimal da Escola Politécnica;
um exemplar datilografado do trabalho inédito “Sobre as singularidades de alguns
tipos de equações diferenciais ordinárias”; atestado relativo ao curso secundário
pelo Colégio Santa Rosa, em Niterói e certidão da Escola Politécnica relativa ao
exame de Cálculo realizado pelo requerente. O candidato também apresenta 100
exemplares de sua tese “Sobre a resolução algébrica das equações”.
Cesar Dacorso Netto, engenheiro geógrafo e aluno da Escola Politécnica
do Rio de Janeiro, apresenta, no ato de sua inscrição ao concurso, atestado da
Escola Politécnica por onde prova ser diplomado pela mesma no curso de
engenheiros geógrafos; atestado de exercício no magistério assinado pelo reitor
do Ginásio de São Bento; certificado da Diretoria Geral de Educação, provando
ser professor registrado; certidão da Escola Politécnica sobre prêmio obtido no
exame vestibular; certidão do Ginásio de São Bento sobre prêmios obtidos no
curso secundário; quatro exemplares da revista “Alvorada”, órgão oficial do
76
Ginásio São Bento, contendo os artigos “Nota sobre função e o seu conceito
moderno”, “Matemática”, e “A Matemática e a sua importância”. Apresenta 100
exemplares da tese “Esboço sobre a transformação em Matemática elementar“.
Haroldo Lisbôa da Cunha, 24 anos, natural do Distrito Federal, engenheiro
geógrafo, civil e eletricista pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, professor de
Matemática Elementar da Escola Profissional Paulo de Frontin, exibe seus
documentos relacionados à sua inscrição, como o diploma de engenheiro civil e
eletricista pela Escola Politécnica da Universidade do Rio de Janeiro; título de
engenheiro geógrafo, conferido em virtude do Decreto n°19.150 de 27 de março
de 1930, que restabeleceu para os alunos que, em 1929, terminaram o curso de
engenheiros civis (quarto ano da Escola); certidão da Diretoria Geral de Instrução
Pública da Prefeitura do Distrito Federal atestando ser professor de matemática
Elementar; título de nomeação de professor e assistente na Escola Nacional de
Belas Artes e na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, respectivamente;
certificado do registro de professores de matemática; trabalho original intitulado “A
Matemática e o conceito de função”; artigo intitulado “Equação da linha elástica”,
publicado na Revista da Escola Politécnica; o artigo “Sobre a quadratura do
círculo”, a ser publicado na Revista Nacional de Educação; certidão da Escola
Politécnica, pelo que foram concedidos ao candidato vários prêmios no decorrer
de sua vida estudantil. Cem exemplares de sua tese “Sobre as equações
algébricas e sua resolução por meio de radicais”.
Julio Cesar de Mello e Souza, engenheiro civil, catedrático interino do
Colégio Pedro II, adjunto de Matemática do Instituto de Educação, apresenta os
documentos exigidos pelo edital de concurso para o provimento efetivo do cargo
de professor catedrático de matemática: certidão da Escola Politécnica da
77
Universidade do Rio de Janeiro declarando que é engenheiro civil por aquela
Escola; certidão da Escola Nacional de Belas Artes relativa à nomeação do
mesmo como professor interino da cadeira de Matemática; portarias do Diretor
Geral do Departamento Nacional do Ensino de nomeação para reger
interinamente a cadeira de Matemática do Internato do Colégio Pedro II (5 de
novembro de 1926), nomeação como examinador de vários concursos,
declaração do curso realizado na antiga Escola Normal; apresenta obras e artigos
publicados, bem como os 100 exemplares da tese cujo título é “Estudo elementar
das curvas planas – Funções modulantes”.
Luiz Sauerbronn, engenheiro geógrafo pela Escola Politécnica do Rio de
Janeiro, professor adjunto da cadeira de Matemática do Colégio Pedro II, com 26
anos de idade, apresenta seus documentos relacionados ao concurso. Entre eles,
a certidão da Escola Politécnica da Universidade do Rio de Janeiro, declarando
que era aluno matriculado na 4ª série do curso de engenheiros civis; declaração
de participação nas comissões julgadoras dos exames; atestado das atividades
realizadas no magistério, bem como os bancos de honra que alcançou na cadeira
de Matemática por haver obtido notas distintas; atestado passado pelo secretario
da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, declarando que o Sr. Luiz Sauerbronn,
saiu do prédio onde leciona às 16:45 h. do dia 31 de julho de 1933. O candidato
apresentou os 100 exemplares da tese “Teoria das Frações Contínuas”.
Devido ao atraso de 5 minutos da inscrição do candidato Luiz Sauerbronn,
chegando às 17:05h. do último dia das inscrições, a Congregação do Colégio
Pedro II, em sessão realizada no dia 3 de agosto de 1933, não aceita o pedido de
inscrição do requerente no concurso de Matemática. Todavia, o candidato recorre
ao ato da Congregação que lhe negou a inscrição e fica decido em última
78
instância, pelo Ministro da Educação e Saúde Pública, Washington Pires, apoiado
pelo diretor do Colégio do Internato do Colégio Pedro II, Euclides Roxo, a inclusão
do mesmo no rol dos candidatos. Em 27 de outubro de 1933, Luiz Sauerbronn
tem seu nome colocado na lista juntamente com seus concorrentes a uma cátedra
de Matemática do único estabelecimento federal de ensino secundário civil da
República.
2.4.2. OS EXAMINADORES DO CONCURSO DE MATEMÁTICA DE 1934.
Em 05 de outubro de 1933, Euclides Roxo, diretor do Internato do Colégio
Pedro II, nos termos do artigo 16 do decreto n° 19.890, de 18 de abril de 1931 –
Reforma “Francisco Campos”, envia ao Diretor Geral da Educação, Dulcídio
Cardoso, os nomes dos dois professores que farão parte como examinadores do
concurso, escolhidos pela Congregação do Colégio e que irão se juntar aos
outros três professores de outras instituições superiores ou profissionais
especializados de instituições técnicas ou científicas, escolhidos pelo Conselho
Nacional de Educação. São eles: Joaquim Ignácio de Almeida Lisboa e Agliberto
Xavier (12.238, p. 60).
Existem catedráticos do Pedro II que não se encontram em condições legais
de participar do concurso como membros da comissão julgadora, como é o caso
do próprio Euclides Roxo, além de Cécil Thiré, por serem co-autores de livros
didáticos com Mello e Souza, um dos candidatos inscritos no concurso e,
portanto, não satisfazem os seus dispositivos regulamentares.
79
No dia 11 do mesmo mês, Euclides Roxo comunica ao professor Almeida
Lisboa sua designação para fazer parte da comissão examinadora, que acaba
aceitando a escolha (12.238, p. 62). No dia 20, Agliberto Xavier, em resposta ao
ofício enviado anteriormente, agradece à Congregação pela escolha, mas recusa
o convite (12.238, p.63). Mesmo com o apelo de Euclides Roxo, o professor não
fará parte da banca examinadora.
Os nomes de Octacílio Novaes, Maurício Joppert da Silva, Júlio Cesar
Noronha e dos suplentes Sebastião Sodré da Gama e Aurélio Falcão são
designados pelo Conselho Nacional de Educação para membros da comissão
julgadora do concurso de Matemática (12.238, p. 67). Os professores Maurício
Joppert e o almirante Júlio César de Noronha, por motivos de força maior, não
aceitaram examinar o concurso. Sendo escolhido para substituir Júlio Cesar de
Noronha, o professor Sodré da Gama, também não faz parte dos componentes da
banca. Finalmente, a comissão é constituída pelos professores catedráticos do
Colégio Pedro II, Joaquim Almeida Lisboa e George Sumner; pelos professores
designados de outras instituições, Augusto de Brito Belford Roxo e Octacílio
Novaes da Silva (catedráticos da Escola Politécnica do Rio de Janeiro), Raul
Romeu Braga Antunes (professor catedrático da escola Naval do Rio de Janeiro).
Dentre as atribuições competentes aos membros da comissão constituída
estão a apreciação dos títulos apresentados, aprovação dos pontos selecionados
para as provas, classificação dos candidatos por ordem de merecimento,
fundamentação minuciosa do parecer, acompanhamento da realização de todas
as provas do concurso e julgamento das competências do catedrático de
matemática.
80
De acordo com o que reza a lei, a comissão conta com membros cujo
conhecimento é aprofundado na disciplina em concurso.
2.4.3. A PROVA DE DEFESA DE TESE REFERENTE À CÁTEDRA DE
MATEMÁTICA.
A comissão, em 22 de agosto de 1934, analisa os títulos apresentados
pelos candidatos e, através de um julgamento inicial, justifica a admissão de todos
os cinco inscritos, por terem satisfeito às exigências legais estabelecidas no edital
de abertura de inscrição e às respectivas instruções referentes aos processos de
concursos de títulos e provas destinados ao provimento das cadeiras vagas
existentes no corpo docente do Colégio Pedro II (12.238, p. 97).
É deliberado pela comissão julgadora que o relator do parecer e
conclusões sobre o exame de títulos e documentos fica a cargo do professor
George Sumner. Ao professor Almeida Lisboa compete a direção das provas do
concurso.
Em 23 de agosto de 1934 é comunicado ao diretor do Colégio que, por
unanimidade, todos os concorrentes estão julgados e habilitados a prosseguirem
nas demais provas do concurso (12.238, p. 98).
No dia seguinte, em 24 de agosto, o Diário Oficial (12.238, p. 99), informa a
decisão da comissão examinadora em habilitar os candidatos e estabelece que
as provas de defesa de tese serão realizadas no salão nobre do Externato, às 16h
dos dias indicados, observando a ordem de inscrição:
81
Candidato 1 – Alberto Nunes Serrão – 2ª feira – 03/09/1934 – Tese:
“Resolução Algébrica da Equações”;
Candidato 2 – Haroldo Lisboa da Cunha – 2ª feira – 10/09/1934 – Tese:
“Equações Algébricas e suas Resoluções por meio de Radicais”;
Candidato 3 – Cesar Dacorso Netto 6ª feira – 14/09/34 (transferida para
24/09) – Tese: “Esboço sobre as transformações em Matemática Elementar;
Candidato 4 – Julio Cesar de Mello e Souza – 6ª feira – 21/09/1934
(transferida para 01/10) – Tese: “Estudo elementar das curvas planas – Funções
Modulantes”;
Candidato 5 – Luiz Sauerbronn – 3ª feira – 25/09/1934 (transferida para
08/10) – Tese: “Teoria da Frações Contínuas”.
Todos os candidatos têm assegurado, de acordo com os termos da lei, o
tempo de 20 minutos para sua defesa sobre as objeções formuladas pelos
senhores examinadores.
O candidato Haroldo Lisboa da Cunha é impedido de assistir aos trabalhos
da prova do seu oponente Alberto Nunes Serrão por se tratar de teses de mesmo
assunto em questão.
Em 11 de outubro de 1934, foi feito o julgamento das provas de defesa de
tese a que foram submetidos os candidatos.
2.4.4. A PROVA ESCRITA DOS CANDIDATOS.
Em 26 de junho de 1934, a comissão examinadora do concurso seleciona
os 20 pontos (12.238, p. 81-83) para a prova escrita de Matemática. Em 06 de
julho, os pontos são publicados em Diário Oficial, reeditados no dia 25 do mesmo
82
mês, sofrendo retificações em 22 de agosto de 1934. Os pontos selecionados
para a prova escrita são:
1. Interpolação – Fórmula de Newton e de Lagrange – Fórmula do resto –
Figuras homotéticas planas
2. O desenvolvimento da idéia de função – A noção de continuidade –
Homotetia e semelhança no espaço – Homotetia de 4 esferas
3. A fórmula de Taylor – Plano radical e plano polar
4. Cálculo das raízes incomensurávies – Métodos de Newton – Raphson, de
Daniel Bernoulli, de Ruffini- Horner, de Graeff – As raízes
incomensuráveis calculadas sob formas de séries polar e polar no
círculo
5. As generalidades da idéias de número – Os números algébricos e sua
classificação – Os números algébricos do segundo grau – Problemas
que resolvem com a régua e compasso
6. As funções simétricas – Peso – Fórmulas de Waring – Semi-invariante e
semi- covariantes – Eixos radicais e círculos ortogonais no plano
7. Formulação dos invariantes e covariantes. Discriminantes – Eixos
radicais e círculos ortogonais na esfera
8.Transformações ortogonais – Invariantes – Covariantes – Interpolações
geométricas – Transformações por polares recíprocas
9. Transformações de Tschirnhausen – Estudo de Hermitte – Polo e polar
nas cônicas
10. O teorema de Sturm – Cônicas polares recíprocas
11. Os grupos simples e compostos – Os subgrupos invariantes – Estudo
dos grupos de grau 3 e de grau 4. O teorema de Frobenius. Involução
12. O grupo de uma equação algébrica em um domínio dado –
Redutibilidade e irredutibilidade – Divisões e feixes homográficos
13. A função n! valores – As resolventes de Galois – Os grupos
transpositivos
83
Relações anarmônicas na esfera
14. Equações solúveis pelos radicias – Os grupos cíclicos regulares –
Equações Ciclotônicas
Teoremas de Galois, Jordan e Holder sobre a resolução das equações
pelos radicias – Inversão – Figuras analagmáticas
15. As equações solúveis e irredutíveis de grau primo. Estudo de seu grupo
– A relação anarmônica no plano
16. A teoria dos grupos característicos – propriedades das funções
pertencentes a um mesmo grupo -
Homografia e homologia
17. As equações abelianas – O princípio de dualidade em Geometria
18. Eliminação pelas frações simétricas – Ordem e peso do resultante – Os
poliedros regulares
19. Os resultados sob forma de determinantes – Estudos de Sylvester e
Cayley – Teoremas de Pascal, Brianchon e Desargues relativos às
cônicas
20. As substituições lineares – sua classificação. Os grupos lineares de
duas variáveis. Os grupos de poliedros regulares. As pseudo-
substituições lineares. Aplicações geométricas.
Inicialmente, a data estabelecida para a prova escrita está marcada para
02 de outubro de 1934. Contudo, com as mudanças das datas das provas de
defesa de tese, o candidato Luiz Sauerbronn, sendo o último a defendê-la e,
contando com o apoio dos demais candidatos, pede ao Presidente da
Congregação do Colégio Pedro II, Raja Gabaglia, o adiamento da prova escrita,
marcada até então para 18 de outubro de 1934. Seu pedido é deferido, sendo
transferida para o dia 26 do mesmo mês. As datas são alteradas novamente, de
02 de novembro, para 12 de novembro de 1934, às 13h.
84
O ponto sorteado pelo candidato Alberto Nunes Serrão é o de número 19.
Após a entrega do papel devidamente rubricado aos referidos candidatos, em
suas respectivas mesas sorteadas, passaram eles a se ocupar da prova. A
comissão estabelece o tempo de 8 horas para a realização do trabalho. A prova
escrita é a única a ser realizada sem a presença do público, de acordo com o que
reza os preceitos legais. Em 14/11/1934 concretizou-se a leitura das provas
escritas por cada um dos candidatos e em 23/11 o julgamento das mesmas.
2.4.5. PROVA ORAL DO CONCURSO DE MATEMÁTICA.
Em 22 de novembro de 1934, é aprovada pela comissão julgadora a lista
dos pontos para a prova oral (12.238, p. 102). A seguir, às 13h 10mim, os
candidatos, depois de assistirem à inclusão, na respectiva urna, dos 20 pontos,
numerados de 1 a 20, ficam cientes da retirada, por Alberto Nunes Serrão, do
ponto, novamente o de número 19, escolhido para a preleção. Os pontos para a
prova oral são os seguintes:
1. Teorema de Rouché – Aplicações
2. Propriedades elementares das funções contínuas. Teorema de Rolle,
Lagranje e Cauchy
3. Estudo da função exponencial
4. Os polígonos regulares
5. Eixos e Planos radicais
6. O cálculo de ¶
7. Homotetia e semelhança
8. Figuras esféricas
85
9. Poliedros regulares
10. Transformações de equações
11. Teorema de Sturm
12. Separação de raízes
13. Teorema das raízes iguais
14. Funções simétricas
15. Dedução e discussão da fórmula de Taylor
16. Números imaginários
17. Polos e polares ( geometria pura)
18. Relação anarmônica
19. Cálculo das raízes incomensuráveis
20. Estudos das cônicas sob o ponto de vista da Geometria Antiga
Em 23 de novembro, às 13h35min, são realizadas as provas orais dos
candidatos referentes ao ponto já sorteado no dia anterior. A seguir, temos o
julgamento dessa mesma prova e às 19h 40 min, do mesmo dia, terminadas as
provas orais, a Comissão examinadora, passa ao julgamento final do concurso de
Matemática. Em 28/11 do referido ano, ocorre a votação do parecer da comissão
julgadora que indicou ao governo da cátedra de matemática do Internato do
Colégio Pedro II o candidato Dr. Haroldo Lisboa da Cunha, por 9 votos contra 8.
Contudo, devido à interposição do candidato Alberto Nunes Serrão,
pedindo nulidade do concurso, inicia-se o processo que acaba ouvindo a
Congregação do Colégio Pedro II. Após examinados os documentos constantes
do processo e seus anexos, verifica-se que nenhum dos dispositivos
regulamentares deixou de ser observado na realização do concurso, ratificando o
nome de Haroldo Lisboa da Cunha ao provimento do cargo de professor
catedrático do colégio. Este contou com o apoio do Diretor do Colégio Pedro II,
86
Euclides Roxo, sendo nomeado pelo próprio presidente Getúlio Vargas, em
documento assinado pelo então Ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo
Capanema, em 24 de junho de 1935.
A hipótese de que o concurso de 1934 seja um dos últimos concursos que
revelam a figura do engenheiro predominando no ensino da Matemática no Brasil,
leva-nos ao fim de uma era em que para ser professor de matemática significa
passar por um concurso que, seja o da Escola Politécnica, o da Escola Militar ou o
do Colégio Pedro II, respalda-se num mesmo programa e rol de conteúdos. De
outro modo, os professores que atuam nessas instituições possuem um cabedal
de conhecimento matemático que garante aos mesmos suas atuações na carreira
do magistério e no ensino superior da Matemática. Exige-se dos candidatos um
saber matemático que é o mesmo exigido tanto na Escola Politécnica, na Escola
Militar ou no Colégio oficial do ensino secundário, o Colégio Pedro II. Contudo, o
conteúdo determinado pela lista de pontos para as provas do concurso à cátedra
do Colégio Pedro II não nos dá indícios de que os mesmos são abordados,
necessariamente, em sala de aula. Ao contrário, o programa de ensino da
Reforma Campos em nada tem a ver com esses conteúdos. Não fica registrada a
preocupação com o saber a ser ensinado pelo professor em suas atividades com
seus alunos. Há sim, uma preocupação com o domínio dos conteúdos exigidos.
Conteúdos estes, de estágio avançado do conhecimento dessa ciência.
Ser professor de matemática é ter domínio do conteúdo adquirido em seus
cursos de engenharia e que qualificam ao magistério, seja do curso secundário ou
do curso superior. Os candidatos aspirantes ao cargo de professor dessa
disciplina nesse período são procedentes das Escolas Politécnicas, engenheiros
87
formados com cursos de Matemática e, assim sendo, habilitam-se como
professores de um conteúdo que dominam (PRADO; VALENTE, 2002).
Os conteúdos exigidos no concurso de 1934, e que vêm habilitar os
candidatos ao cargo de professor catedrático do Colégio Pedro II, também são
conteúdos ensinados nas escolas de engenheiros, podendo este concurso ser
aplicado concomitantemente às outras instituições de ensino superior, haja vista a
própria lei estabelecer tal fato. A preocupação com o saber matemático do
professor se debruça no rol dos conteúdos da Matemática superior exigidos pelos
concursos, mesmo que estes não sejam abordados em sala de aula.
O concurso de 1934 chancela como saber profissional, do professor de
matemática do ensino elementar, os conteúdos do ensino superior, de formação
do matemático.
Atualmente, tais conteúdos são os abordados em cursos superiores e até
mesmo de pós-graduação em Matemática. Além disso, quanto às exigências
estabelecidas pelo concurso no ato da inscrição, temos a obrigatoriedade da
entrega de teses que dissertam sobre os assuntos da cadeira. A produção
matemática é requisito necessário para a habilitação dos candidatos e envolvem
áreas do conhecimento superior em Matemática, que supostamente revelassem
suas habilidades e competências na área de domínio.
Assim, dominar a produção matemática de alto nível e demonstrar-se
produtor de tal saber qualifica o professor catedrático de matemática do Colégio
Pedro II para o ensino elementar desse saber. É essa a condição principal da
cátedra preenchida por engenheiros da Escola Politécnica.
88
O MOVIMENTO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO ENSINO DE
MATEMÁTICA, AS FACULDADES DE FILOSOFIA E A FORMAÇÃO
DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA.
3.1. O ENSINO DA MATEMÁTICA NOS CENÁRIOS INTERNACIONAL E
NACIONAL.
Até o final do século XIX e início do século XX, ainda nos deparamos com
uma batalha entre os defensores do desenvolvimento lógico mais rigoroso da
Matemática euclidiana e os partidários de uma matemática mais ligada às
aplicações práticas; que partisse do intuitivo e indutivo; do concreto para o
abstrato; com predominância essencial do ponto de vista psicológico no ensino da
matemática elementar e secundária.
Contudo, somente no final do século XIX surgem as primeiras iniciativas,
ainda que escassas, que vieram incorporar um movimento internacional de
reações à forma de ensino da Matemática nas escolas secundárias:
(...) existiam alguns “humanistas” que perceberam que o rigor exageradono ensino da matemática poderia tornar tal disciplina inacessível à quasetotalidade dos jovens, passando a se preocupar mais com o estudante(sujeito do ensino) do que com a matéria a ser ensinada (objeto doensino). Entretanto, foram iniciativas isoladas e só começaram a tomarvulto e integrar-se em um movimento internacional a partir do final doséculo XIX (ROCHA, 2001, p. 73).
CAPÍTULO 3
89
Em abril de 1908, na Itália, mais precisamente em Roma, matemáticos se
encontram reunidos no Quarto Congresso Internacional, a fim de discutirem
questões ligadas ao ensino da Matemática, além da reorientação dos métodos de
ensino voltados para a intuição e suas aplicações (VALENTE, 2003).
Aprova-se, então, a criação da comissão internacional para o ensino de
Matemática, designada pelos alemães de IMUK - Internationale Mathematische
Unterrichtskommission - e pelos franceses de CIEM - Comission Internationale de
l’Enseignement Mathématique.
Após a constituição da comissão, é eleito um comitê central formado pelos
matemáticos Félix Klein (1849-1925), presidente; Henri Fehr, secretário geral e
George Greenhill, vice-presidente.
Dentre os objetivos oficiais do movimento de reforma da Matemática estão
a reorganização dos métodos de ensino no sentido da intuição e das aplicações,
bem como a apresentação de relatos aos delegados nomeados dos diversos
países participantes sobre o estado atual do ensino de Matemática no que diz
respeito à organização, finalidade, método e tendências modernas da disciplina.
Segue-se ao Congresso de Roma, o V Congresso Internacional de
Matemática, em Cambridge, no ano de 1912. Inicialmente, o comitê também
deveria apresentar relatórios a respeito do estado da instrução Matemática nos
diversos países. Essa tarefa é ampliada buscando-se ajuntar aos objetivos iniciais
a disseminação de uma proposta de reforma do ensino de Matemática
(SCHUBRING, 2003).
90
No entanto, somente no final de 1920, essas discussões internacionais
sobre o ensino de Matemática começaram a fazer eco no Brasil:
No Brasil, até finais da década de 20, imperou no ensino, a matemáticatradicional. Isto é, o ensino da Matemática em seus diferentes ramosindependentes, pensada como elemento de exercício intelectual, dedesenvolvimento do raciocínio conseguido através do trabalho com alógica dedutiva. É no âmbito da chamada Reforma Francisco Campos, em1931, que se intenta abalar e transformar a matemática a ser ensinada nasescolas brasileiras. Essa pretendida transformação busca incorporarpontos defendidos pelo Movimento Internacional para a Modernização doEnsino da Matemática, que teve seu início organizado a partir do IVCongresso Internacional de Matemática, em 1908, realizado em Roma(VALENTE, 2000a).
Euclides Roxo, professor de Matemática e diretor do Colégio Pedro II, foi o
introdutor, no Brasil, dos debates ocorridos nos congressos internacionais sobre a
reforma do ensino de Matemática. Sua proposta de inovação dos programas e do
ensino de Matemática aparentemente é bem aceita pelos membros da
Congregação do Colégio Pedro II. Contudo, o retorno de Almeida Lisboa às suas
funções e ao Colégio, modifica a situação:
Com o falecimento de Eugênio de Barros Raja Gabaglia e a viagem deJoaquim Almeida Lisboa ao exterior, uma nova geração assume ocomando, no Colégio Pedro II, do ensino da matemática. Essa novageração, encabeçada por Euclides Roxo aparentemente não encontradificuldades de produzir inovações no ensino através da modificação deseus programas. Porém, logo essas inovações começarão a sercombatidas. Lisboa retorna ao Colégio e assim se pronuncia na Reuniãoda Congregação cuja ordem do dia era a votação dos programas para oano de 1931: “Declaro que voto contra os programas de matemática”(VALENTE, 2003, p. 79-80).
Voto vencido, Lisboa não se contenta. Procura a imprensa com o intuito de
fazer eco ao seu descontentamento quanto às idéias modernizadoras do ensino
de matemática.
91
3. 2. OS REFLEXOS DO MOVIMENTO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO
ENSINO DA MATEMÁTICA E A NECESSIDADE DA FORMAÇÃO DO
PROFESSOR SECUNDÁRIO.
O descontentamento do professor Lisboa torna-se público e notório através
da utilização da imprensa como meio fortalecedor de suas opiniões, insatisfações
e manifestações provenientes que se reduziam a um único ponto: os programas
de matemática possuíam um caráter utilitário e essencialmente prático (DASSIE,
2001).
O Jornal do Commercio de 21 de dezembro de 1930 dá voz ao
descontentamento do professor Joaquim Inácio de Almeida Lisboa relativamente
à reforma do ensino de Matemática. A reforma, inicialmente levada a cabo no
Colégio Pedro II, posteriormente foi transformada em lei nacional com a Reforma
‘Francisco Campos’. Lisboa inicia seu artigo, intitulado “Os programas de
Matemática do Colégio Pedro II” (afirmando ser o mais antigo professor
catedrático do Colégio Pedro II): “declaro não ter colaborado, nem de leve, nos
seus atuais programas de Matemática. Sou fundamentalmente contra eles: não os
considero sequer programas de ensino, porque tudo destróem”.
Lisboa busca ridicularizar a renovação do ensino de Matemática no Brasil,
tentando destruir a argumentação que vinha, na própria imprensa, sendo utilizada
por Euclides Roxo para defender a reforma. Além disso, desafia as determinações
legais recusando-se a adotá-las em suas aulas:
É puro disparate apresentar a horrível mutilação do nosso atual ensinocomo prelúcio da nova orientação que resultou do CongressoInternacional. É como se os mais eminentes arquitetos tivessem fixado asregras da elegância e proporção, definindo a nobreza dos estilos e, nointerior da África, uma tribo selvagem apresentasse seu pobre casebrecomo fruto desses preceitos modernos. Perdoe-me o meu ilustre colega a
92
desagradável comparação; mas não vejo outra para sua reforma de ensinomatemático. A competência que reconheço no jovem professor fazia-meesperar coisas bem diferentes: os programas de Matemática nãocorrespondem ao juízo que formo desse autor. Quanto a mim, nadapretendo reformar, se não a mim próprio: mas não seguirei os novosprogramas, por oficiais que sejam. Não posso lecionar futilidades. É compesar que digo.
Para Lisboa que valoriza exclusivamente o rigor matemático no ensino da
disciplina, os livros didáticos de Euclides Roxo, escritos a partir da legislação
renovadora do ensino, são alvos de crítica e descontentamento:
Não há vestígio da mais simples demonstração de qualquer teorema, pormais elementar que seja; existem apenas verificações materiais, e portantoimperfeitas e grosseiras. Desapareceu o raciocínio modelar, característicode uma demonstração da própria Matemática. Há noções erradas ouimprecisas. Foi abolido tudo o que era útil ao desenvolvimento intelectualdo aluno.
Uma semana depois, exatamente no domingo seguinte, Euclides Roxo
responde a seu oponente, através do mesmo Jornal do Commercio. Roxo faz
publicar, no dia 28 de dezembro de 1930, o artigo intitulado “O ensino de
Matemática na escola secundária – réplica ao Sr. Professor Almeida Lisboa”.
Roxo inicia sua réplica considerando que Lisboa não entende de questões
ligadas ao ensino de Matemática:
Surpreendeu-me o artigo do Sr. Professor Almeida Lisboa. Surpreendeu-me, não porque eu não esperasse ataques ainda mais violentos contra areforma do ensino de Matemática no Pedro II, nem porque supusesseestar S.S. de acordo com a nova orientação: conheço a sua completainciência no que diz respeito ao ensino secundário. Por várias razões,entretanto, eu não podia esperar o artigo do Sr. Lisboa. Primeiro, porquenunca supus que, depois de 15 ou 20 anos de completo alheamento àscoisas do ensino, se é que esse alheamento jamais deixou de existir,pudesse ainda o Sr. Lisboa tornar-se de tamanho ardor por uma questãodesta natureza.
Em seguida, Roxo destaca, ao que parece, de modo inédito até então, as
diferenças existentes entre o conhecimento matemático e o ensino de
Matemática. Para ele, Almeida Lisboa é caso exemplar: um grande conhecedor
93
de Matemática e ignorante das questões ligadas ao ensino da disciplina. Euclides
Roxo toma como exemplo Almeida Lisboa para defender a necessidade que tem
o país de estruturar a formação do professor secundário. Diz o replicante:
Quero, entretanto, antes de começar a rebater as críticas do Sr. Lisboa,explicar, as causas desta profunda divergência entre dois colegas decátedra em estabelecimento oficial, com as responsabilidades do Pedro II.Mesmo porque, da rápida análise que vou fazer da vida professoral do Sr.Lisboa, podem-se tirar ilações em benefício do aperfeiçoamento doensino secundário entre nós. Com efeito, o Sr. Almeida Lisboa é a provamais eloqüente e a demonstração mais viva da necessidade inadiável emque estamos (e para a qual sei que felizmente o Sr. Ministro da Educaçãovolta as suas vistas) de cuidar da formação do professorado secundário. OSr. Lisboa entrou para o Colégio Pedro II, graças a um memorável ebrilhantíssimo concurso, em que revelou profundo conhecimento deMatemática. Foi isto em 1902. Quando em 1904, entrei como aluno parao primeiro ano do Internato, ainda lá retumbavam os ecos desse famosocertame, ecos que ainda não morreram de todo...Pois bem, comparável aoruído desse concurso, só o fragoroso desastre da sua carreira nomagistério ginasial. Não há talvez notícia de um maior fracasso noprofessorado daquela casa.
Com detalhes da trajetória profissional de Lisboa no Colégio Pedro II, Roxo
busca reforçar a tese de que a seu oponente falta formação pedagógica e, deste
modo, os reflexos de sua prática pedagógica geram resultados negativos ao
aprendizados dos alunos:
(...) nas suas aulas, o prof. Lisboa só tinha em mente mostrar aosespantados meninos do Pedro II a sua vasta cultura Matemática. Lembro-me ainda de quando, em 1906, sendo eu aluno do Internato, o Sr. Lisboavoltou da Europa, no meio do ano e foi dar a sua primeira aula naquelacasa. Perguntou aos alunos em que ponto estavam e como estes lherespondessem que em equações do segundo grau, o prof. Lisboa começoua expor àqueles pobres indigenazinhos os métodos de Viète, de Grünnert,de Clebseh, de Heilermann, etc., para dedução da fórmula. Era acontinuação da sua prova de concurso. Daí por diante, a ineficiência doseu ensino no Pedro II foi, cada vez mais, se acentuando, até tornar-seproverbial. Não sei se, de algumas centenas de meninos, que passarampor suas mãos, haverá meia dúzia que tenham podido com ele aprenderalguma coisa.
Se para Lisboa falta conhecimento pedagógico, sobra-lhe matemático. É o
que Euclides Roxo reafirma ao tentar mostrar que seu colega de profissão
94
encontra-se deslocado no ensino secundário. Roxo revela seu pensamento a
respeito dos grandes matemáticos, conhecedores profundos dos conteúdos da
disciplina mas, sem nenhum envolvimento com as questões relativas ao ensino
da Matemática:
(...) entretanto, o Sr. Lisboa é um belo talento, um grande matemático, umbom professor de “curso anexo” ou vestibular da Politécnica. Disso possodar testemunho porque fui seu aluno e muito apreciava as suas bonitaspreleções; mas eu tinha 20 anos de idade e seis ou oito de estudo deMatemática, criteriosamente orientados. Digo mais, e é o que todossentem. O Sr. Lisboa deveria ser um ótimo professor da Politécnica,talvez uma notabilidade no nosso magistério superior se as circunstânciasnão tivessem privado aquela alta escola desse verdadeiro luminar dasciências exatas. No Pedro II, porém, ele concretiza a maior catástrofe quese poderia imaginar no magistério. Esses fatos que, para muitos, pareceráencerrar uma contradição chocante, nada têm, entretanto, deextraordinário: imaginem que WEIERSTRASS fosse ensinar Matemáticana primeiras classes de uma höhere Schule alemã; o desastre seria talvezmaior do que o do prof. Lisboa.
Continuando sua réplica, Euclides Roxo retoma o tema da necessidade da
criação de escolas para a formação do professor secundário, a fim de evitar,
segundo ele, exemplos catastróficos ao ensino, como o de Almeida Lisboa:
(...) desculpe-me o Sr. Lisboa estas análise em público. Mas já que S.S. seexpôs, eu não posso deixar de apresentá-lo como o mais forte argumentoque encontro em favor da criação, entre nós, de uma escola normal paraprofessores secundários, ou melhor, de um instituto de educação, nosmoldes dos teachers colleges americanos, onde se formem professoresdignos desse nome, isto é, indivíduos que, além de uma forte culturaespecializada, conheçam a psicologia infantil e se possuam das modernasidéias sobre pedagogia e metodologia.
De acordo com a opinião de Euclides Roxo, a admissão de professores ao
magistério também merece crítica. Ao mesmo tempo que prega a criação de
cursos e institutos para a formação do professor secundário, faz uma análise
crítica do processo de seleção dos professores envolvidos com o ensino da
Matemática. Os concursos realizados para o preenchimento das cátedras da
disciplina no ensino secundário, praticamente em nada se diferem dos que
atualmente selecionam professores para darem cursos de formação a futuros
95
matemáticos e pós-graduados. As falhas na seleção e no tratamento de suas
provas são apontadas por Roxo:
(...) não se pode mais admitir, como processo de recrutamento deprofessores secundários o simples concurso, que, no dizer acertado domeu colega, Professor Delgado de Carvalho, “é uma prova falha nas suasvirtudes seletivas porque, se evidencia às vezes competências, nãopermite julgar das capacidades, metodológica e pedagógica, docandidato: a chamada prova didática tem sido a monstruosidadepedagógica mais evidente deste processo seletivo”. Se isso já não fossemais que evidente, bastaria o “caso Lisboa” para demonstrá-lorigorosamente.
Como já mencionado, as críticas lançadas por Roxo e que envolvem o
sistema de avaliação e seleção que habilitam os candidatos que realizam os
concursos de Matemática existentes até então, não são eficientes e capazes de
julgar as capacidades pedagógicas e metodológicas dos mesmos. Para ele, ser
matemático não basta; é necessário capacitar a figura do professor que atua na
formação dos alunos do ensino secundário. O matemático e o professor de
matemática não são figuras idênticas e, por isso, critica Lisboa enquanto
matemático atuante no ensino da Matemática, grande retentor de conhecimentos
matemáticos mas carente de conhecimentos ligados ao ensino da disciplina.
Assim, vemos que a defesa da reforma no ensino de Matemática no Brasil,
resultado das apropriações feitas por Euclides Roxo do movimento internacional
iniciado em 1908, enseja uma discussão pública sobre o problema da formação
do professor de matemática para o ensino secundário brasileiro.
Toda essa controvérsia gerada pelas opiniões antagônicas dos professores
Euclides Roxo e Almeida Lisboa perante a problemática da formação de
professores de matemática para o ensino secundário brasileiro, faz emergir, em
meio aos debates, a idéia da formação do professor de matemática, apesar da
96
questão não ser descrita nesses termos, preocupado não somente com o
conteúdo a ser ensinado, mas também com outros aspectos que envolvem o
ensino e aprendizagem da Matemática. São fornecidos muitos ingredientes
preciosos para a compreensão de concepções diferentes acerca do ensino de
Matemática10. É questionado o processo de produção da Matemática, o ensino
dessa disciplina e o papel do seu professor:
Além de partilhar dessa consciência da necessidade da criação de umaescola para formar professores do ensino secundário, na explanação doprofessor Euclides Roxo fica bem clara a sua visão, ainda hoje bastanteatual, da distinção entre o matemático e o professor de matemática(principalmente da escola secundária); além disso, percebe-se que, pelomenos de forma incipiente, ele possuía a idéia de que a disciplina“Matemática” era algo distinto da ciência Matemática (ROCHA, 2001,p.126).
Em substituição ao professor de matemática, habilitado por sua ciência do
conteúdo matemático, tem início o debate sobre a necessidade da formação
pedagógica desse profissional. Almeida Lisboa é símbolo do matemático, do
engenheiro que virou professor. Por outro lado, Euclides Roxo erige-se como uma
figura preocupada com as questões relacionadas ao ensino da matemática de
nosso país, diferentemente dos engenheiros que atuam em nosso magistério. De
acordo com Prado e Valente (2002):
Até o início dos anos 1930, não há escolas para formação do professor deMatemática para o ensino secundário. A cátedra de Matemática éreservada, sobretudo, aos egressos das escolas politécnicas. Não está, atéessa altura, colocada em questão, a condição do engenheiro comoprofessor de Matemática. Engenheiros são profissionais que foramformados com cursos de Matemática e, assim sendo, habilitam-se comoprofessores de um conteúdo que dominam. São os concursos que irãooficializar e transformar engenheiros em professores e catedráticos deMatemática.
10 Além dos textos que Euclides Roxo continua publicando aos domingos no Jornal do Commercio, com o fimde justificar a reforma do ensino de Matemática, segue o debate entre ele e Almeida Lisboa. Vários são osestudos existentes e que envolvem essa disputa que possibilita a retirada de elementos importantes para ahistória da Educação Matemática no Brasil: Carvalho (2002), Rocha (2001) e Duarte (2002).
97
Ao considerar, dentre outros fatores, que o conhecimento do processo
através do qual o aluno realiza mentalmente suas operações é também um fator
importante para a efetivação da aprendizagem, Euclides Roxo trava seu discurso
e apóia-se em idéias renovadoras do ensino da matemática escolar em nosso
país, entrando em oposição direta ao então colega de profissão Joaquim Lisboa.
Num contexto diferente do atual, Roxo já é capaz de trazer consigo preocupações
renovadoras ao ensino e aprendizagem das disciplinas escolares e que são
pertinentes às questões da Educação Matemática atualmente estudadas.
3.3. A FACULDADE DE FILOSOFIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO.
As questões políticas e econômicas surgidas na década de 1920 e
agravadas na década de 1930, causadas pela insatisfação do Estado com o
Governo de Getúlio Vargas, culminando na Revolução Constitucionalista de 1932,
vêm suscitar medidas capazes de amenizar as perdas ocorridas no Estado; entre
elas, a criação da USP e da FFCL, pelo Governador de São Paulo, Armando de
Salles Oliveira em 12 de janeiro de 1934 (SILVA, 1999, p. 92). A Universidade de
São Paulo nasce do empenho de uma elite inconformada com a derrota do
Estado, na Revolução de 1932, e que deseja sua supremacia cultural e política
(BERNARDO, 1986, p. 32). Trata-se de uma época em que o nosso ensino
superior e o nosso ensino secundário são organizados em função das
necessidades da elite que então dirige o pais. Daí, a atenção dos fundadores da
Universidade de São Paulo ter-se voltado principalmente para as elites da época
(RODRIGUES, 1959).
Considerado como um dos marcos fundamentais para o ensino e
desenvolvimento das Matemáticas no Brasil, a criação da Universidade de São
98
Paulo (USP), juntamente com sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
(FFCL), vem estabelecer, de modo sistemático, os primeiros cursos de
Matemática com o objetivo de formar professores especializados na área,
atuando na pesquisa e no ensino dessa disciplina. Contudo, como ressalta
Rodrigues (1959), a preocupação principal dos candidatos pioneiros das
Faculdades de Filosofia da Universidade de São Paulo é, em sua maioria, com a
busca da alta cultura e de suas realizações como matemáticos, físicos,
sociólogos, etc., o que reflete nitidamente na baixa procura pelos cursos nos
primeiros anos de existência da Faculdade. Não há necessariamente uma procura
específica por uma profissão que lhes assegure uma conveniente posição social
e econômica.
Em seu estudo sobre formação de professor de Matemática, Edda Curi
(2000), faz referência à fundação da Faculdade de Filosofia da USP e de sua
estruturação:
Em 1934, por Decreto Estadual, foi criada a Universidade de São Paulo –USP. A criação da Faculdade de Filosofia, com idéias liberais, tinha comoobjetivo a formação das elites culturais e políticas de São Paulo. Oprojeto original da USP incluía, além da Faculdade de Filosofia, Ciênciase Letras, uma Faculdade de Educação, criada apenas em 1970. Nestaestrutura, a Faculdade de Educação deveria ser o centro de formação paraprofessores do Ensino Secundário, e a Faculdade de Filosofia deveria sero centro de cultura livre no qual se desenvolveria uma espécie de cursobásico preparatório para todas as escolas profissionais, inclusive para aFaculdade de Educação, que complementaria a formação pedagógica aoslicenciados na Faculdade de Filosofia (CURI, 2000, p. 2-3).
Fundada com o objetivo de formar os professores para as novo ciclo para o
ensino e o desenvolvimento das Matemáticas no Brasil, com um curso de
graduação na área, formando exclusivamente matemáticos e professores de
matemática para o ensino superior e secundário; dotada de filosofia distinta das
instituições existentes até então, a FFCL da USP tem preocupação com a
99
pesquisa básica e continuada, atrelada ao ensino e atuante em diversas áreas do
conhecimento (SILVA,1999, p. 93).
Recentemente, em seu trabalho publicado pela Sociedade Brasileira de
História da Matemática, o pesquisador André Luiz Mattedi (2002) analisa algumas
narrativas de matemáticos sobre suas versões formuladas em torno da história da
Matemática no Brasil.
Mattedi destaca a existência de historiografias distintas relativas ao
desenvolvimento da Matemática no país. Entre as diferentes perspectivas,
encontra-se aquela que divide a história da Matemática do Brasil em duas fases
distintas: uma anterior à fundação da FFCL da USP e, a outra, posterior a essa
criação. Tal historiografia aponta que, na primeira fase, encontramos uma
matemática praticada nas escolas de engenharia, com caráter utilitário, visando à
formação de engenheiros e desprendida da pesquisa científica. Já na fase ulterior
à existência das universidades e faculdades de filosofia implantadas no Brasil,
destaca-se a preocupação com a formação do professor secundário e com a
pesquisa científica, conseqüência da chegada de professores estrangeiros neste
estabelecimento de ensino.
Entretanto, outros historiadores destacam a importância histórica de outras
instituições na formação de nossos docentes. Dentre eles, Bernardo (1986)
analisa a idéia inicial dada à Faculdade de Educação, voltada à pesquisa e com
“status” igual ao da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de
São Paulo. Para a autora, a Faculdade não consegue atingir totalmente seu
objetivo e êxito. Atribui à Escola Normal as raízes da formação do professor
secundário e justifica essa origem:
100
“Re-vendo” a formação do professor secundário nas universidadespúblicas, do Estado de São Paulo, verificamos que suas raízes advêm daEscola Normal e não da primeira Universidade, fundada em 1934, como aprincípio se poderia supor. Essa origem se dá porque o projeto de criaçãoda Universidade de São Paulo não integrou uma Faculdade de Educação,voltada que estava para o saber desinteressado, sustentado por umaconcepção elitista de preparar apenas pesquisadores. A formação doprofessor veio para a Universidade como um apêndice, inicialmente, porforça da lei e, subseqüentemente, por força do processo histórico-social(BERNARDO, 1986, p. 122).
De caráter pioneiro na América Latina, a primeira Escola Normal é criada
em 1830, em Niterói, no Rio de Janeiro. É também, a primeira escola normal de
todo o continente, de cunho público. Com mais de uma dezena de escola normais
criadas até 1881, estas escolas experimentam um desenvolvimento mais
acelerado no período republicano. Porém, não têm organização fundada em
diretrizes estabelecidas pelo Governo Federal. Com cursos de habilitação e
especialização, conforme determina a lei, assumem a responsabilidade, dentre
outras, de especializar professores para educação pré-primária, ensino
complementar primário e ensino supletivo. Por muito tempo e em muitos locais,
torna-se o único fornecedor de pessoal docente qualificado no ensino primário
(ROMANELLI, 2000, p. 165). Entretanto, ocorre a predominância de matérias de
cultura geral sobre as de formação profissional em seu programa, descuidando
das disciplinas de formação especial, uma vez que se trata de um curso
profissionalizante.
Bernardo (1986) afirma que com a criação das Escolas Normais à época do
Império, notamos uma série de entraves e obstáculos de ordem sócio-cultural que
dificultam a propagação de um magistério de categoria entre nós. Inspirada nos
modelos das nações desenvolvidas, a Escola Normal sedimenta um ensino
enciclopédico em detrimento da formação pedagógica de seus professores.
101
De todo modo, é fato notório e inquestionável a importância da criação da
USP e da FFCL. É um marco histórico que produz um período novo na História da
Matemática no Brasil e que se torna referência ao ensino do país. Levando em
conta nossas considerações anteriores, esse estudo dá ênfase à referência em
que se tornam as Faculdades de Filosofia, através das quais se lança um
paradigma do saber do professor de matemática do ensino secundário no país.
Além de ser a primeira Faculdade de Filosofia instalada no seio de uma
Universidade, correspondendo de modo próximo à Faculdade de Educação,
Ciências e Letras prevista por Francisco Campos, a Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo realiza um trabalho criador e
renovador considerável, constituindo um palco de debates em torno do papel
cabível à Faculdade de Filosofia na estrutura universitária (SILVA, 1969). As
estruturas de nossas Faculdades de Filosofia são construídas, durante certo
período, sobre o padrão da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo.
3.4. A FACULDADE NACIONAL DE FILOSOFIA (FNFi).
Com acentuado atraso e estruturação tradicional, o ensino superior
brasileiro se dá de modo embasado na organização da maioria dos países
europeus, transplantada desde cedo para as colônias americanas de origem
espanhola e inglesa (SILVA,1969). Inspiradas num respeito pela cultura
intelectual herdada de nossas tradições humanísticas de aristocracia do espirito e
da inteligência (TEIXEIRA, 1976), a implantação das universidades no país revela
demasiada resistência, seja por parte dos jesuítas que tentam trazê-la para a
colônia, indo de encontro aos interesses da Coroa ou mesmo após a
102
independência do Brasil. E, mesmo depois com a República, é somente em 1920
que finalmente é criada a Universidade do Rio de Janeiro.
Já, o ensino secundário, através do seu currículo fixo e enciclopédico, da
uniformidade dos programas e da seriação rígida, assume, em grande proporção,
um sentido de caminho para a universidade, de alcance de um grupo reduzido e
que representa o ensino básico para a formação da elite intelectual (AMADO,
1973).
Até 1930, sob a vigência da Constituição de 1931, é da responsabilidade
do Distrito Federal a manutenção do ensino primário e normal. A Constituição
também considera competência privativa do poder federal o provimento do ensino
secundário e superior na capital do país (SILVA, 1969, p.399). Além do Colégio
Pedro II, a União mantém os institutos de ensino superior que, em 1920, dão
origem à Universidade do Rio de Janeiro.
A origem da Faculdade de Filosofia no Brasil remonta de 1931, quando a
lei de reorganização da Universidade do Rio de Janeiro prevê a criação de uma
Faculdade de Educação, Ciências e Letras. Contudo, somente oito anos mais
tarde é que temos a criação de uma unidade universitária correspondente àquela
prevista por Francisco Campos, com objetivos de desenvolvimento cultural
desinteressado, fora dos moldes tradicionais das Faculdades de Medicina, Direito
e Engenharia, bem como, atender as necessidades de preparo dos professores
para o ensino secundário.
Vinculada à Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, a Faculdade
Nacional de Filosofia, criada em 1939, inicia, como na Faculdade de Filosofia da
USP, o processo de formação dos profissionais ligados ao magistério e a
103
pesquisa científica no país e no estado. Com a criação da Faculdade Nacional de
Filosofia, as demais faculdades de filosofia passam a ministrar cursos constantes
da estrutura do padrão federal e, cada curso adota o currículo e seriação
prescritos pela faculdade “nacional” (SILVA, 1969).
Com um tipo de ensino superior distinto do profissionalizante desenvolvido
nas escolas já existentes, o ensino da Matemática neste estabelecimento passa a
vivenciar um novo ciclo, desvinculado das Escolas de Engenharia, consideradas
como o “berço da Matemática no Brasil”.
Em um de seus trabalhos sobre o tema, a historiadora Circe Mary Silva da
Silva (2002) dedica algumas páginas à importância da fundação da Faculdade
Nacional de Filosofia, contribuindo na formação de professores e pesquisadores
de Matemática; bem como, os reflexos da contratação de professores
estrangeiros para atuarem no ensino e pesquisa na área.
De acordo com a autora, antes da criação da Faculdade Nacional de
Filosofia, são as escolas politécnicas que atuam, de modo isolado, na formação
dos pesquisadores de Matemática, cujo objetivo maior está voltado para a
resolução de problemas práticos e de interesses da Matemática pura quanto na
aplicada e áreas afins (SILVA, 2002, p. 2).
Com a chegada de professores estrangeiros na FNFi, autorizada pelo
presidente Getúlio Vargas, em 1939, torna-se responsabilidade destes o ensino
da Matemática e a formação dos professores desta disciplina que são
preparados a atuar nas escolas secundárias e nos cursos criados nas faculdades
e universidades do país. Além disso, há um estímulo da pesquisa matemática,
aproximando alunos e pesquisadores brasileiros da Matemática atualizada
104
produzida no exterior, incentivando os intercâmbios e o prosseguimento dos
estudos dos alunos (SILVA, 2002, p. 26).
A autora também nos informa que a preparação do professor de
matemática nas FFCL da USP e na FNFi, integrante da Universidade do Brasil,
ocorria de forma semelhante: um curso com duração de três anos, para formar o
bacharel, a quem é oferecida a possibilidade de se tornar licenciado, com mais
um ano complementar. Assim, aos concluintes dos cursos ministrados nas várias
seções – Línguas, Matemática, Filosofia, etc. – é conferido o diploma de
‘bacharel’. Os alunos, ao concluírem o bacharelado e o “curso de Didática”
recebem o diploma de licenciado. Forma-se assim, o professor de matemática,
isto é, Matemática + Didática = Licenciatura em Matemática. Essa forma que, logo
em seguida, passa a ser conhecida como 3 + 1, torna-se modelo das
licenciaturas: três anos de conhecimentos específicos somados a um ano de
formação pedagógica (VALENTE, 2002b). Seis são as disciplinas que constituem
o quarto ano de Didática: Didática Geral, Didática Especial, Psicologia
Educacional, Administração Escolar, Fundamentos Biológicos da Educação e
Fundamentos Sociobiológicos da Educação.
Contudo, ao conjeturar sobre a distinção existente entre o curso de
bacharelado e licenciatura oferecidos pela FNFi, Circe aponta para um possível
dicotomia entre as preocupações e objetivos iniciais da Faculdade:
A proposta inicial do curso de Matemática da FNFI, visando à formaçãode bacharéis com a duração de três anos, e com um curso adicional deDidática de um ano para a formação de professores de Matemática,evidencia, em primeira instância, uma preocupação com a transmissão dosaber científico, e só em segundo lugar uma preocupação com a formaçãopedagógica, semelhante ao modelo da FFCL da USP. O curso visava emprimeiro lugar à formação de pesquisadores em Matemática e em segundoplano à formação de professores (...) (SILVA,2002, p. 25 ).
105
A separação entre conteúdo específico e formação pedagógica interfere na
atuação dos bacharéis formados pela FNFi, os quais passam a lecionar na
escolas secundárias somente após o término do curso de Didática.
Silva (2002) inclui em seu texto, impressões diversas de alguns ex-alunos
da Faculdade Nacional de Filosofia sobre o curso de licenciatura que fizeram.
Sobre o curso de Didática, colhe opiniões diferenciadas. Ana Barroso, licenciada
em 1949, afirma que o curso de Didática “era o fim da picada, tirando o Lourenço
Filho que era um bom professor”. No entanto, a também ex-aluna de licenciatura
em Matemática da FNFi, Maria Laura Mouzinho, ao lembrar de suas aulas, afirma
que os alunos consideravam “uma babozeira o professor Mattos ensinando
apagar o quadro”. Numa análise a posteriori, porém, a professora considera que o
trabalho desse professor, em Didática Geral, foi inovador e propiciou aos alunos
as primeiras leituras de Dewey.
No entanto, num Estado que, numa determinada época, é considerado
médio em matéria de desenvolvimento, o Rio de Janeiro, na década de 1950,
aponta cerca de 9% de seus professores de ensino de segundo grau diplomados
por Faculdades (AMADO, 1973). A julgar pela atuação dos professores no interior
dos estados, geograficamente distante, portanto, dos grandes centros onde se
encontram as Faculdades de Filosofia e de difícil acesso mediante as condições
da época, esta se dá de modo acentuadamente prático.
O problema da falta de professores chama a atenção do Ministério e de
legisladores, que buscam formas para complementar o processo regular de
habilitação das Faculdades de Filosofia.
106
Com a implantação de outras instituições relativas ao ensino secundário,
como a CADES11 (Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino
Secundário), cria-se a possibilidade de aperfeiçoamento dos professores,
técnicos, pessoal administrativo e difusão do ensino secundário no país. Ao
programa de treinamento inicial, associa-se o de aperfeiçoamento, envolvendo os
professores graduados ou não, bem como os mais qualificados. Depois de um
ano de orientação, prolonga-se a preparação do professor na atividade de
serviço, em comunicação com a CADES, que lhe responde a consultas e lhe
envia publicações. Procurando encaminhar soluções objetivas para os problemas
urgentes de um ensino secundário que aumenta de modo significativo, a CADES
busca atender certas necessidades e aspirações dos professores, levando em
consideração suas diversidades e dificuldades, principalmente a do profissional
das cidades do interior, que deparam com vários obstáculos para a sua
qualificação e aperfeiçoamento:
A área que atacou mais contínua e extensivamente foi a do professoradoque, nas cidades do interior e até em algumas capitais, era recrutadocomo o permitiam as limitadas possibilidades locais. Da multiplicação deginásios na maioria dos Estados havia resultado a improvisação denumeroso corpo de professores, não só sem preparo específico para afunção, como em muitos casos, de baixo nível cultural. Essa proliferaçãode escolas secundárias, que demonstrava vigoroso impulso de extensãode oportunidades de educação, teve que enfrentar uma quase totalcarência de meios materiais e humanos. Era entretanto uma arrancada nosentido da generalização do ensino e da exploração deste como fatorprimordial de desenvolvimento (...) (AMADO, 1973, p. 37).
Através da realização de cursos e estágios de especialização e
aperfeiçoamento para professores para além do domínio das Faculdades de
11 Criada em novembro de 1953, a CADES nasce com os objetivos de “promover, por todos os meios a seualcance, as medidas necessárias à elevação do nível e à difusão do ensino secundário no país, com afinalidade de tornar a educação secundária mais ajustada aos interesses e possibilidades dos estudantesbem como às reais condições e necessidades do meio a que a escola serve, conferindo ao ensino secundáriomaior eficácia e sentido social” e de “possibilitar a maior número de jovens brasileiros o acesso à escolasecundária” (AMADO, 1973, p. 22-23).
107
Filosofia, figura a possibilidade de desafogar um pouco a demanda do professor
secundário formado por estas Faculdades, além do que, a questão das
dificuldades encontradas pelos professores do interior também refletem na
profissionalização e especialização dos mesmos.
Um estudo da posição do professor secundário no interior sugere uma
certa improvisação do profissional, gerando um certo inconveniente devido à falta
de preparo prévio desse pessoal, fica evidenciado a seguir:
A observação nos mostra que, em grande volume de casos, há umcompanheiro constante na fundação de um estabelecimento de ensinomédio no interior: a improvisação. Ressalvando o que acontece nascidades mais desenvolvidas, em geral, os ginásios são frutos de umespírito sonhador que se manifesta numa abnegação louvável, mas que,nem sempre contribui efetivamente para o aprimoramento do educando.Nessa improvisação, requisitam-se os intelectuais da terra: o padre, omédico, o juiz. Quando esses titulares não são suficientes em números,vêm as professoras primárias e estará formado o corpo docente da casa(TORRES, 1957, p. 170).
Todavia, o progresso científico passa a exigir do mestre um conhecimento
da matéria que leciona e gera a necessidade da preparação do profissional que
se dedica ao ensino. A complexidade da vida social, a divisão do trabalho, as
atividades de cada elemento na sociedade geram a estratificação dos grupos
profissionais. Assim, a dedicação dos abnegados não é suficiente para
transformá-los em professores. Há necessidade de uma preparação prévia
daquele que se debruça aos ensinamentos do magistério (TORRES,1957).
De todo modo, não podemos deixar de considerar a influência da
Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro,
contribuindo para a formação dos professores em termos de referência para a
formação e ensino. As idéias precípuas de formação do professor para o
magistério do ensino secundário, atuação e preparação de especialistas e
108
pesquisadores, contribuem de modo significativo para o desenvolvimento das
pesquisas relativas ao ensino no país. Dando a seus cursos um cunho
acadêmico, de predominância do conhecimento das matérias, da teoria
pedagógica e informação mais que vivência dos métodos de ensino, a
preocupação maior das Faculdades de Filosofia se concentra na transmissão da
cultura assentada, sem relação com o processo da expansão escolar, e na
formação de professores conscientes das mudanças sociais (AMADO, 1973).
E, de modo análogo à Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo, a FNFi do Rio de Janeiro, também não dá conta da demanda do
profissional que atua no ensino secundário, ela se torna uma referência ao saber
do professor e representa marco significativo à formação do professor secundário
e às pesquisas científicas no país. O fato de termos um número reduzidíssimo de
Faculdades de Filosofia implantadas no país no período analisado, ou mesmo,
considerarmos os seus estudos centrados nas capitais e, portanto, de difícil
acesso às demais regiões, não pode negligenciar o papel dessas instituições
mediante a referência na qual se tornam. Além da elevação do índice cultural, as
Faculdades de Filosofia passam a possibilitar a equiparação do profissional da
educação mediante a outros intelectuais de nível universitário. O trabalho dessas
Faculdades, dá importância significativa à formação do professor secundário,
trazendo uma melhoria acentuada da situação moral para este profissional
(TORRES, 1957).
109
O CONCURSO À CÁTEDRA DE MATEMÁTICA EM TEMPOS DAS
FACULDADES DE FILOSOFIA: DO ENGENHEIRO AO
LICENCIADO.
4.1. 1948: UM NOVO CONCURSO É ABERTO NO COLÉGIO PEDRO II PARA
UMA CÁTEDRA DE MATEMÁTICA.
Os arquivos do Colégio Pedro II contêm, além de papéis referentes ao
concurso de 1934, documentos relativos a um outro concurso à cátedra de
Matemática da instituição. Trata-se do concurso que inicia sua primeira
convocação em 1948.
O edital publicado no Diário Oficial de 1 de outubro de 1948, folhas
14.394/95, de ordem do Sr. Diretor Professor Vandick Londres de Nóbrega,
anuncia que de acordo com as instruções baixadas pelo Exmo. Sr. Ministro da
Educação e Saúde, com a portaria n° 187, de 24 de junho de 1939, e publicadas
no Diário Oficial de 31 de julho do mesmo ano, torna-se público, para
conhecimento dos interessados, que desta data, 1 de outubro de 1948, até 29 de
março de 1949, às 15 horas, estão abertas as inscrições para o provimento de
uma cadeira de Matemática, no internato do Colégio Pedro II, conforme decidiu a
Congregação desse Colégio, em sessão de 15 de agosto do corrente ano.
CAPÍTULO 4
110
Para a inscrição, os candidatos devem apresentar requerimentos instruídos
com os seguintes documentos, encaminhados ao Sr. Diretor do Internato:
a) prova de ser brasileiro nato ou naturalizado;
b) atestado de sanidade;
c) prova de bons antecedentes, mediante folha corrida;
d) carteira de reservista ou prova de estar quite com o serviço militar;
e) prova de haver completado o curso de humanidades ou diploma de
Instituto idôneo onde se ministre o ensino da disciplina em concurso;
f) 50 exemplares de uma tese sobre assunto da disciplina em concurso,
de livre escolha do candidato, podendo ser impressa, datilografada ou
mimeografada;
g) documentação relativa ao exercício do magistério e a atividades
literárias, artísticas ou científicas, relacionadas com a disciplina em
concurso;
h) recibo de pagamento da taxa de inscrição de Cr$ 100,00 (cem
cruzeiros).
Além do selo de petição, os candidatos devem colocar, em cada um dos
pedidos de inscrição, a estampilha Federal de Cr$ 20,00, conforme prescreve o
Decreto-lei n° 4.665, de 3 de dezembro de 1942. Este selo de Cr$ 20,00 será
inutilizado pelo Secretário. O concurso consta sucessivamente de:
a) apreciação dos títulos e documentos que tiverem sido apresentados
pelo candidato no ato da inscrição;
b) prova de defesa de tese;
c) prova escrita;
111
d) prova didática.
Todas as provas e julgamentos do concurso devem ser realizados em
sessão pública, excetuada a prova escrita e, todos os atos do concurso seguem o
que estabelece a Portaria n° 187.
Os candidatos podem assistir às defesas de teses dos seus concorrentes,
salvo aqueles que não tenham sido chamados, por terem apresentado tese sobre
o mesmo assunto, caso em que devem ficar incomunicáveis durante a defesa.
Todas as provas deverão obedecer à ordem das inscrições.
O Diário Oficial, de 11 de abril de 1949, publica os nomes dos candidatos
legalmente inscritos no concurso ao provimento de uma cátedra de Matemática
do internato do Colégio Pedro II. São eles: Cyro da Cruz Soares, Hélio Carvalho
d’Oliveira Fontes, Josué Cardoso d’Affonseca e Lauro Pastor de Almeida.
Posteriormente, em 3 de maio de 1949, é retificado, em Diário Oficial, o nome de
um dos inscritos: Sila da Cruz Soares.
4.1.1. OS POSTULANTES À CÁTEDRA DE MATEMÁTICA DO PEDRO II.
De acordo com a relação dos títulos e documentos que se encontram
anexados ao processo do concurso para catedrático de Matemática do Colégio
Pedro II, os quatro postulantes ao cargo entregam as documentações necessárias
às exigências cabíveis à realização do concurso.
O candidato Lauro Pastor Almeida apresenta, dentre seus documentos, o
diploma de licenciado em Matemática registrado no Ensino Superior; atestado de
112
trabalho em várias instituições, inclusive o do próprio Colégio Pedro II; diploma de
bacharel em Matemática; tese de concurso para a Escola Nacional de Agronomia;
artigo publicado na revista “A Escola”; cópia de vários artigos já publicados em
revistas; um exemplar do “Calculador de Médias”; um exemplar de Matemática –
Licença Ginasial em colaboração com o professor Cecil Thiré; o original da
Aritmética Racional – prefaciada pelo professor Cecil Thiré. Entrega, também, 50
exemplares da sua tese “Divisão Harmônica”.
Josué Cardoso D’Affonseca, a fim de concretizar sua inscrição, dispõe da
documentação necessária, como o diploma de bacharel em Ciências e Letras
pelo Ginásio Grambery, Juiz de Fora, Minas Gerais; diploma de engenheiro civil e
eletrotécnico pela Escola de Engenharia de Juiz de Fora, diploma de “Graduate
Student” do Departamento de Educação da Duke University, Durham, North
Carolina. U.S.A; atestados de sua atuação no magistério em várias disciplinas;
atestado de exercido do cargo de diretor e vice-diretor em algumas instituições de
ensino; atestado de membro do Conselho Nacional de Educação; atestado de
Presidente da Federação das Escolas Evangélicas do Brasil; atestado do cargo
de Secretário do Departamento de Educação da Sociedade de Amigos de Alberto
Torres, em Juiz de Fora; atestado da sua designação de examinador em
concursos de provas e títulos de várias faculdades e de colaborador no projeto de
currículo para o curso secundário, apresentado no segundo Congresso de
Estabelecimentos Particulares de Ensino. Também são parte integrante de sua
documentação, suas publicações méritos recebidos no decorrer de sua vida
escolar, além dos exemplares de sua tese “Três Conceitos Fundamentais da
Matemática, sua importância no Ensino Secundário”.
113
Helio Carvalho d’Oliveira Fontes, preenchendo as exigências do edital de
concurso para a cadeira de Matemática do Colégio Pedro II, apresenta a folha do
Diário Oficial comprovando seu título de bacharel em Matemática pela Faculdade
Nacional de Filosofia, datado de 31 de dezembro de 1941; atestado do exercício
do magistério no I.N.E.P (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos) e Diário
Oficial, de 9 de junho de 1948; atestado do exercício do magistério na Faculdade
de Filosofia do Instituto La-Fayette e atestado da Fundação Getúlio Vargas.
Apresenta os 50 exemplares de sua tese “A Divisão da Circunferência em Partes
Iguais – Construções Geometrográficas”.
Sylla da Crua Soares, engenheiro metalurgista, com quarenta e quatro
anos de idade, major da reserva de 1ª classe do Exército, residente no Rio
Grande do Sul, após constituir representante seu irmão Cyro da Cruz Soares,
residente no Rio de Janeiro, consegue efetuar sua inscrição no concurso de
Matemática do Colégio Pedro II. Junta ao seu requerimento, seis declarações
firmadas por ex-alunos; uma cópia da carteira de identidade; folha corrida;
diploma de engenheiro; recibo da taxa de inscrição; certificado de boa conduta
emitido pela Repartição Central de Polícia; atestado médico. Sua tese é “Frações
Contínuas”.
4.1.2. AS PROVAS DOS CANDIDATOS À CÁTEDRA DE MATEMÁTICA.
No dia 13 de março de 1952, é enviado ao Jornal do Brasil, Diário de
Notícias, O Jornal, Correio da Manhã, Diário da Noite, A Noite, O Globo e Jornal
do Comércio, o comunicado do secretário da Congregação do Colégio Pedro II,
114
da reunião da comissão julgadora do concurso, às 16 horas, do dia 17 de março,
a fim de estabelecer o horário dos respectivos trabalhos.
É solicitada a presença dos senhores candidatos inscritos para o devido
conhecimento.
A comissão estabelece as seguintes resoluções sobre o referido concurso:
18/03 – 10:30h – julgamento dos títulos dos candidatos;
19/03 – 19h – argüição da tese do candidato Sylla da Cruz Soares;
20/03 – 19h – argüição da tese do candidato Hélio Fontes;
22/03 – 19h – argüição da tese do candidato Josué d’Affonseca;
24/03 – 19h – argüição da tese do candidato Lauro Pastor;
25/03 – 8h – aprovação dos pontos para a prova escrita e imediata
comunicação aos interessados sobre os mesmos;
26/03 – realização da prova escrita e leitura do julgamento da mesma;
aprovação e comunicação aos candidatos dos pontos para a
prova prática;
27/03 – prova prática;
28/03 – 8h – leitura e julgamento da prova prática, sorteio do ponto para a
prova didática;
29/03 – 19h – início da prova didática para os candidatos e julgamento final
do concurso.
A presidência dos trabalhos é assumida pelo professor Ciro Romano
Farina. O presidente da Congregação do Colégio Pedro II, na data da realização
do concurso, é o catedrático Gildásio Amado.
115
4.1.3. A PROVA DE DEFESA DE TESE DOS CANDIDATOS.
A prova de defesa de tese visa verificar a erudição de cada candidato e,
de acordo com o edital, suas qualidades dialéticas. É realizada em sessão
pública, perante a comissão julgadora e a Congregação do Colégio Pedro II. Os
candidatos obedecem à ordem de inscrição para a realização da mesma,
observando o prazo máximo de 20 minutos cada um para a sua defesa. Cada
membro da comissão julgadora faz a argüição sobre as teses apresentadas. Em
caso de teses do mesmo assunto, os candidatos concorrentes devem permanecer
incomunicáveis durante a defesa; os demais candidatos podem assitir às outras
defesas.
4.1.4. A PROVA ESCRITA DO CONCURSO.
A prova escrita visa verificar o critério com que o candidato procede na
escolha e na apresentação da matéria destinada a constituir as aulas.
Em 25 de março de 1952, às 9:25h, temos a aprovação dos pontos para a
prova escrita dos candidatos e a imediata comunicação aos mesmos:
1. Polinômios
2. Determinantes
3. Equações algébricas de uma incógnita
4. Circunferência e círculo
5. Relações métricas no polígono
6. Sistemas de equações lineares
7. Poliedros
8. Potências e raízes aritméticas, expressões irracionais
116
9. Retas e Planos no espaço. Superfícies (definições, propriedades,
classificações)
10. Linhas proporcionais
11. Cálculo numérico aproximado
12. Linhas e funções trigonométricas (definições, cálculo, variações,
relações e transformações)
13. Corpos redondos
Esta é realizada no dia seguinte, às 9:55h. O ponto sorteado é o de número
6: “Sistemas de Equações Lineares”. Às 14h, ocorre a leitura e o julgamento da
prova escrita.
A prova escrita é dissertativa, contendo a distribuição da matéria por aula,
o número de aulas, orientações metodológicas, o conteúdo relativo ao ponto
sorteado, citando referências e tendências da época. Os programas elaborados
pela Congregação do Colégio Pedro II são mencionados no desenvolvimento da
prova, de modo a comparar o número de aulas estabelecidas no curso ginasial e
colegial. Existe uma menção aos moldes do programa antigo e do atual,
ressaltando suas diferenças e adaptações realizadas. Quanto ao ponto sorteado
para a prova, existe uma preocupação com a distribuição dos assuntos por aula,
com metodologia a ser desenvolvida, com os diferentes métodos de resolução e
com os “pré-requisitos” do conteúdo.
4.1.5. A PROVA PRÁTICA DOS CANDIDATOS.
A prova prática versa sobre questões relativas aos pontos de assuntos do
programa da cadeira em concurso. O secretário da Congregação do Colégio
117
Pedro II, Dr. Octacílio Álvares Pereira, funcionando no concurso para catedrático
de matemática do mesmo Colégio, torna público, em 26 de março de 1952, às
17:10h, a lista dos pontos aprovada para a prova prática do referido concurso:
1. Logaritmos, Equações e trinômio do 2º grau, corpos redondos usuais
(áreas)
2. As 4 operações aritméticas fundamentais, sistemas de equações lineares,
esfera e suas partes
3. Números primos, determinantes, pirâmide e prisma
4. Cálculo numérico aproximado, propriedades gerais das equações
algébricas, circunferência e círculo
5. Divisibilidade aritmética, variação das funções, cálculo de ¶
6. M.D.C. dos números inteiros, derivadas, linhas proporcionais e
semelhança
7. M. M. C. dos números inteiros, transformações trigonométricas,
poliedros em geral
8. Progressão aritmética, composição de equações e elipse
9. Progressão geométrica, operações sobre polinômios, parábola
10. Arranjos simples, expressões irracionais e racionalizantes, hipérbole
11. Combinações simples, identidades algébricas, relações métricas nos
polígonos em geral
12. Quadrado e raiz Quadrada de números inteiros, divisibilidade algébrica,
corpos redondos usuais (volume)
13. Cubo e raiz cúbica dos números inteiros, equações trigonométricas,
áreas de figuras planas
14. Números fracionários, binômio de Newton, tronco do cone e da pirâmide
Os candidatos, após receberem uma cópia da comunicação da lista, são
convocados a realizar a prova prática, às dezoito horas e quinze minutos do dia
27 de março de 1952. Dentre as 42 questões postas na urna – agrupadas três a
três para corresponderem aos 14 pontos da prova prática aprovados pela
Congregação – foram sorteadas as 3 do ponto número 1:
118
- Logaritmo – em que sistema o logaritmo de um número coincide com o
próprio número;
- Trinômio e Equação do 2º Grau – escrever o trinômio do 2º grau para o
qual x = ½ alcança um valor máximo de 25 e para o qual a soma dos cubos
das raízes é 19;
- Corpos Redondos Usuais – tem-se uma esfera de raio dado e pede-se a
determinação do cone à mesma circunscrito, tendo (esse cone) área total
equivalente à área de um círculo dado.
A prova prática também é dissertativa, contendo conteúdos do curso
secundário e que serão ensinados aos alunos que cursam este ensino.
No dia seguinte, às 8h, ocorre a leitura e o julgamento dessa prova.
4.1.6. A PROVA DIDÁTICA DO CONCURSO.
Em 28 de março de 1952, reunida a comissão julgadora do concurso de
Matemática do Colégio Pedro II, às 19h, é divulgada a lista dos pontos
selecionados para a prova didática. São eles:
1. Análise Combinatória Simples;
2. Elipse
3. Parábola;
4. Hipérbole;
5. Seções Cônicas
6. Equações Recíprocas;
119
7. Esfera;
8. Transformações Trigonométricas em geral;
9. Circunferência e Círculo;
10. Determinantes;
11. Derivadas;
12. Superfícies em Geral (geração e classificação);
13. Variação das Funções;
14. Propriedades Gerais dos Polinômios;
15. Pirâmide;
16. Trinômio do 2º grau;
17. Poliedros em geral;
18. Áreas das figuras planas;
19. Retas e planos no espaço;
20. Ângulos poliédricos.
A prova didática é marcada para o dia 29 de março de 1952, às 19h. Tem
seu início, mais precisamente, às 19:48h. O presidente da Congregação, Gildásio
Amado, pede ao secretário Octacílio Pereira para conduzir os candidatos, que se
encontravam no recinto da Congregação, ao salão de leitura do externato do
Colégio Pedro II, onde ficaram incomunicáveis, depois de iniciada a prova, os
demais concorrentes ainda não chamados. O primeiro candidato, na ordem de
inscrição, o Sr. Sylla da Cruz Soares é introduzido no local e tem o direito à
palavra após leitura, pelo presidente dos trabalhos, o professor Ciro Romano
Farina, dos dispositivos das instruções. O candidato esgota seu tempo de 50
minutos na realização da prova didática, dissertando publicamente sobre o ponto
sorteado no dia anterior: “Propriedades Gerais dos Polinômios”. Daí por diante,
seguiram-se os demais concorrentes: Helio Carvalho d’Oliveira Fontes, Josué
120
Cardoso d’Affonseca e Lauro Pastor Almeida. Às vinte e três horas e cinqüenta
minutos ocorre o encerramento da prova, o julgamento da mesma, apuração final
em sessão pública para verificar a habilitação e a classificação dos candidatos do
concurso.
É levado ao conhecimento do Presidente da Congregação, em 19 de abril
de 1952, que além de aprovado o parecer da comissão julgadora do concurso
para o preenchimento de uma vaga na cátedra de Matemática existente no
internato, Helio Fontes é o vencedor, não sendo interposto recurso de nulidade,
dentro do prazo estipulado pelo art. 23 das respectivas instruções, tendo-se em
vista que o prazo começou a ser contado no dia 9 do corrente mês, com a
publicação do edital levada a efeito no Diário Oficial. Assume a cátedra de
Matemática, um egresso da Faculdade Nacional de Filosofia.
Uma característica marcante do concurso de 1952 é aquela que dá
especificidade ao professor secundário do Colégio Pedro II. As exigências feitas
aos candidatos à cátedra de Matemática agora têm delimitação definida: a
competência nos assuntos que o professor deve ensinar em sala de aula aos
seus alunos do curso secundário. Ser professor de matemática do curso
secundário, neste segundo momento, implica ter domínio dos conteúdos relativos
ao curso que se vai ministrar.
Os candidatos, em sua maioria, têm origem nas faculdades de filosofia já
existentes e possuem formação pedagógica adquirida nos cursos de licenciatura.
A Matemática exigida dos cursos das faculdades de filosofia aos futuros
professores, é aquela que efetivamente eles ensinam aos alunos do secundário
(PRADO; VALENTE, 2002, p. 18).
121
Ainda existem engenheiros concorrendo à cátedra mas, estes são em
número reduzido se comparados com os candidatos do primeiro concurso; há
uma predominância dos licenciados aspirantes ao cargo.
Os conteúdos exigidos no concurso de 1952 revelam itens até hoje
presentes nos cursos de ensino médio no Brasil.
As teses que ainda são apresentadas pelos candidatos como exigência
para habilitação dos concursos, mostram uma transformação em relação às
apresentadas no concurso de 1934. A produção matemática destaca assuntos
pertinentes àquilo que o professor secundário deve saber para poder atuar no
ensino da Matemática.
122
CONCLUSÕES
Retomemos agora nosso problema de pesquisa: este trabalho buscou
estudar alguns elementos na trajetória da formação do professor do ensino
secundário de matemática. Atentamos para uma época em que está ocorrendo a
transição dos engenheiros para os licenciados.
Escolhemos um cenário principal para focar e levantar questões
subjacentes ao nosso trabalho: o Colégio Pedro II. Criado na Corte em 1837,
como estabelecimento-modelo do ensino secundário no país, o Colégio abriga
uma diminuta parcela da sociedade que busca o ensino superior. No entanto,
torna-se referência para a educação brasileira. É referência para os programas
das demais instituições de ensino secundário, para a adoção dos livros didáticos
de autores que trabalham no Colégio, para os parâmetros adotados nos
concursos de seus professores catedráticos, para os exames de admissão, para o
saber matemático do professor de matemática. E, nos dizeres de Haidar (1972),
mesmo sendo o ensino ministrado no Colégio Pedro II durante o Império um
padrão ideal, é este um padrão real que fornece elementos pertinentes aos
ensinos preparatórios e aos exames parcelados do secundário, forma que
assume esse grau de ensino durante mais de um século.
CAPÍTULO 5
123
É neste cenário de referência para a educação brasileira que focamos
nossa pesquisa. Indo ao Colégio Pedro II encontramos, em seus arquivos, nossas
fontes de pesquisa.
Através de dois concursos de cátedra de matemática do Pedro II, em dois
momentos distintos, vislumbramos a possibilidade de interpretar e analisar o
papel desses concursos na trajetória da profissionalização do professor de
matemática.
Os concursos ganham uma importância significativa à medida que se
tornam referência para o saber do professor de matemática. São referência para
o máximo saber exigido para o mais alto grau da posição de um professor de
matemática, o professor catedrático.
Contudo, essa referência do mais alto grau da profissionalização na
carreira do magistério se altera de uma época para outra. E por que se altera? Se
altera, dentre outros fatores, pela criação das Faculdades de Filosofia
implantadas no Brasil na década de 1930. E em que medida ela se altera? Na
medida em que ocorre a valorização do aspecto pedagógico para o ensino da
Matemática.
Estudando objetivamente os concursos, percebemos uma alteração na
exigência do saber do professor de matemática. Tais alterações, são devidas, em
grande parte, à criação das Faculdades de Filosofia.
Como já se disse, se em tempos anteriores a referência para o saber do
professor secundário estava posta pelos concursos ao estabelecimento-padrão, a
partir da criação das Faculdades de Filosofia surge um modelo de formação do
124
professor de matemática a ser analisado também por esses concursos à cátedra
do Colégio Pedro II.
Assim, anterior às Faculdades de Filosofia, para além dessas instituições,
encontramos o Colégio Pedro II, quase que de maneira isolada, referenciando o
que o professor de matemática precisa saber para ser considerado como tal. Há
um nítido reflexo, no primeiro concurso, de 1934, do saber matemático exigido
aos candidatos à cátedra de Matemática. Os candidatos à cátedra do Colégio
necessitam dominar um cabedal de conteúdos que são também exigidos pela
Escola Militar ou mesmo pela Escola Politécnica. Matemático e professor de
matemática são considerados categorias sinônimas. Logo, o mesmo concurso
serve de modelo também para as escolas de cunho superior, sem distinção de
conteúdo e de programa a ser seguido. O saber matemático exigido ao lente da
Politécnica ou da Escolar Militar é o mesmo daquele exigido ao professor do
Pedro II, mesmo que este não seja ensinado em sala de aula. Contudo, é
necessário, para o ensino elementar, dominar o conteúdo da Matemática superior.
Mas por que o professor tem que dominar tais conteúdos se não os utiliza no
ensino? Tal questão não é relevante ou mesmo existente no primeiro concurso.
Já o concurso de 1952 nos revela uma especificidade que vem da
influência das Faculdades de Filosofia: é preciso dominar um rol de conteúdos
matemáticos necessários ao profissional que irá dar aula e que os irá ensinar.
A criação das Faculdades de Filosofia chancela o conhecimento didático-
pedagógico do professor de matemática como novo ingrediente de seu saber
profissional. Esse novo saber revela-se na modificação dos concursos à cátedra.
125
A partir das listas dos conteúdos exigidas nos dois concursos, encontramos
pontos relevantes de modificações ocorridas ao saber matemático exigido dos
seus professores. A primeira, trata de uma lista com conteúdo destinado às
necessidades de uma matemática pronta a atender o profissional do ensino
superior das engenharias e que não é usada no cotidiano da matemática escolar
elementar. Os 20 itens apresentados envolvem praticamente todas as áreas da
Matemática superior e que hoje são até mesmo abordados em cursos de pós-
graduação em Matemática. A segunda, apresenta conteúdos que são ensinados
em sala de aula pelos professores, abrangendo os diversos assuntos da
disciplina. Os 13 itens nos apontam para conteúdos presentes nos cursos do atual
ensino médio brasileiro.
A importância atribuída às questões pedagógicas do profissional do ensino
agora ganha relevância, haja vista uma prova específica ter sido implementada no
concurso de 1952.
A prova escrita dos concursos analisados assumem características
diferentes e, em 1934, trata de verificar, de modo exaustivo, a capacidade dos
candidatos em relação aos conteúdos matemáticos exigidos nas demonstrações
de teoremas da Matemática superior e rigor no desenvolvimento das questões.
Os conteúdos retratam uma matemática destinada à prática e aos interesses de
uma época.
O concurso de 1952, de forma menos exaustiva, e com conteúdo que
envolve o ensino da Matemática elementar, apresenta a prova escrita sob outro
aspecto. Trata de destacar aspectos do ponto de vista pedagógico, como a
progressividade na aprendizagem da Matemática pelos alunos. Ressalta a
126
preocupação com o número de aulas a desenvolver o conteúdo, bem como a
metodologia e procedimentos adotados. Cabe à prova prática a verificação do
domínio dos conteúdos pelos candidatos. Esta se faz de modo a privilegiar os
assuntos que são ensinados em sala de aula até os dias de hoje.
Apesar de receber o mesmo nome da prova de 1934, mas assumindo
características totalmente distintas, a prova escrita de 1952 valoriza aspectos não
considerados anteriormente. O aspecto pedagógico aparece sendo avaliado,
através desta prova, interferindo no âmbito geral das condições exigidas ao futuro
professor de matemática do ensino secundário brasileiro.
Como já mencionado, o saber exigido do professor de matemática se altera
de um concurso para outro, haja vista os próprios conteúdos e as provas
analisadas nos concursos de cátedra do Colégio Pedro II. E por que os concursos
se modificam em relação ao saber exigido nas provas realizadas pelos
candidatos? A julgar pela transição entre esses períodos históricos, podemos
conjeturar que ocorre, por exemplo, a influência das Faculdades de Filosofia
implantadas no país, após a década de 1930, alterando as exigências do saber do
profissional que atua no magistério secundário do estabelecimento-modelo e,
mais especificamente, do saber matemático deste professor.
Vale ressaltarmos que as diferenças relativas às mudanças dos conteúdos
e abordagens exigidas nos concursos analisados não creditam exclusivamente à
criação das Faculadades de Filosofia as diferenças apontadas. Outros fatores
além da crição dessas instituições podem estar agregados às alterações
ocorridas, como por exemplo, a importância do movimento da Escola Nova.
127
Contudo, fica aqui uma nova questão a ser analisada posteriormente a futuros
pesquisadores e interessados no assunto.
De todo modo, temos no primeiro contexto escolar analisado, uma
referência muito arraigada com a própria formação do matemático. Há a presença
de um saber matemático exigido do professor do ensino secundário vinculado
àquele fornecido pelos cursos das escolas politécnicas.
Todavia, ao focarmos o mesmo meio escolar, mas num contexto
diferenciado, o concurso de 1952 revela a mudança do saber matemático exigido
aos professores. Estamos num contexto de profissionalização do professor de
matemática e não mais do engenheiro que dá aulas.
As listas de pontos e as provas dos concursos analisados no Colégio
Pedro II para provimento da cátedra de Matemática são frutos da circulação de
saberes matemáticos apropriados em contextos distintos: o da Matemática
produzida nas escolas que formam engenheiros e o da Matemática produzida nas
Faculdades de Filosofia, que formam os professores do ensino secundário. Isto
quer dizer que, a Matemática exigida no concurso de 1934 é uma apropriação das
Escolas de Engenharia da época, constituída por uma seara de engenheiros e, a
solicitada no concurso de 1952, faz parte da Matemática apropriada nas
Faculdades de Filosofia então existentes, geradoras de professores para o ensino
secundário.
Assim, é possível descartar a hipótese adotada pelo senso comum de que,
de modo a-histórico, o ensino de Matemática, analisado nos concursos à cátedra
do Colégio, nos anos de 1934 e 1952, passa por etapas de abaixamento de nível.
Na verdade, um dado modelo disciplinar pode servir numa determinada época e
128
mostrar-se inadequado ou inconveniente à outra. Não há um padrão ideal de
saber que possa manter-se único, em trânsito por diferentes etapas históricas. O
que está em jogo são as diversas formas de apropriação e reelaboração do saber,
no contexto ao qual está inserido. Temos a Matemática saindo de um contexto e
sendo praticada em outro, interferindo nas produções e (re) produções dos
professores e alunos, uma vez que, são inseparáveis de suas culturas.
Finalmente através das análises dos dois concursos de cátedra de
matemática, percebemos o fim de uma era e o estabelecimento da transição do
engenheiro ao licenciado. Fim, não no sentido de que não existam mais
engenheiros dando aula de Matemática. Considerar tal fato como verdadeiro é
negar a própria história atual que nos revela ainda hoje esses profissionais
atuando no magistério e no ensino da Matemática. Contudo, queremos dizer que
é fim de uma era no sentido de mudança do saber profissional exigido ao
professor de matemática do ensino secundário.
Logo, as exigências feitas a todo aquele que deseja ser professor de
matemática no ensino secundário também podem levar em consideração duas
fases distintas: a primeira, até a criação das Faculdades de Filosofia,
selecionando professores para darem cursos de formação a futuros matemáticos
e identificando o professor de matemática com o matemático (MATEDDI, 2000) e,
a segunda, posterior à criação dessas instituições, onde os concursos passam a
chancelar o profissional do ensino.
129
AMADO, G. Educação Média e Fundamental. Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio Editora; Brasília, INL, 1973.
ARQUIVO PESSOAL EUCLIDES ROXO. APER. São Paulo: PUC – Programa de
Pós-Graduados em Educação Matemática.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: informação e
documentação: referências – elaboração. Rio de Janeiro, 2002.
BELHOSTE, B. Pour une réévaluation du rôle de l’enseignement dans l’histoire
des mathématiques. Revue d’histoire des mathématiques, vol. 4. p. 289-304,
1998.
BERNARDO, M. V. C. Re-vendo a Formação do Professor Secundário nas
Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Tese de Doutorado. São
Paulo: Psicologia da Educação. PUC–SP, 1986.
BICUDO, J. C. O Ensino Secundário do Brasil e sua Atual Legislação. São
Paulo: Associação dos Inspetores Federais de Ensino Secundário de São Paulo,
1942.
BURKE, P. A escola dos annales: 1929-1989 a revolução francesa da
historiografia. 2ª ed.. São Paulo: Editora Unesp, 1992.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
130
CASTARDO, C. F. A Matemática na Escola Polytéchnica de São Paulo: uma
análise do Curso Preliminar , 1894 – 1931. Dissertação de Mestrado. São Paulo:
História da Ciências. PUC–SP, 2001.
CURI, E. Formação de professor de Matemática: realidade presente e
perspectivas futuras. Dissertação de Mestrado. São Paulo: PUC – Programa de
Pós-Graduados em Educação Matemática, 2000.
DASSIE, B. A matemática do curso secundário na Reforma Gustavo
Capanema. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: PUC – Departamento de
Matemática, 2001.
DIAS, A. L. M. A Matemática no Brasil: um estudo da trajetória da historiografia.
In: Revista Brasileira de História da Matemática – vol. 2, n° 4. p. 169-195,
2002a.
___________ Engenheiros, mulheres, matemáticos – interesses e disputas na
profissionalização da Matemática na Bahia (1896 – 1968). Tese de Doutorado.
São Paulo: Departamento de História da FFLCH–USP, 2002b.
DUARTE, A. S. Henri Poincaré e Euclides Roxo: elementos para a história
das relações entre Filosofia da Matemática e Educação Matemática.
Dissertação de Mestrado. São Paulo: PUC – Programa de Estudos Pós-
Graduados em Educação Matemática, 2002.
FARIA FILHO, L. M. et al. Educação, modernidade e civilização. Belo
Horizonte, MG: Autêntica, 1998.
131
FÁVERO, M. L. Universidade do Brasil: das origens à construção. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ/INEP, 2000, v. 1.
HAIDAR, M. L.; TANURI, L. M. A Educação Básica no Brasil. Dos primórdios até a
primeira Lei de Diretrizes e Bases. In: Estrutura e Funcionamento da educação
básica. São Paulo: Pioneira, p. 59–101, 1998.
HAIDAR, M. L. O ensino secundário no império brasileiro. São Paulo: Grijalbo,
1972.
INSTITUTUTO NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS. Ensino Secundário
no Brasil. Organização ~ Legislação Vigente ~ Programas. Ministério da
Educação e Saúde – Publicação nº 67, 1952.
MIORIM, M. A. Introdução à História da Educação Matemática. São Paulo:
Atual, 1998, p. 88 a 103.
OLIVEIRA, C. C. Do Menino “Julinho” a “Malba Tahan”: uma viagem pelo
oásis do ensino da Matemática. Dissertação de Mestrado. Rio Claro – S.P –
UNESP: Instituto de Geociências e Ciências Exatas, 2001.
PESTRE, D. Les sciences et l’histoire aujourd’hui. Le débat, n° 102 – nov./dez..
Paris: Gallimard, 1998.
_________ Por uma história social e cultural das ciências: novas definições,
novos objetos, novas abordagens. Cadernos IG/UNICAMP. Vol. 6, número 1.
Campinas, SP. 1996
132
PRADO, R. C.; VALENTE, W. R. Do engenheiro ao licenciado: alguns
elementos para a história da formação do professor de Matemática do
ensino secundário brasileiro. XXIV ISCHE. Paris, França: Lycée Louis – le –
Grand, 10 a 13 de julho, 2002.
PROCHASSON, C. Atenção: Verdade! Arquivos privados e renovação das
práticas historiográficas. In: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Revista Estudos
históricos da Fundação Getúlio Vargas. Arquivos Pessoais. Número especial,
Vol. 11, nº 2, 1998.
RIBEIRO, M. V. T. Os Arquivos das Escolas. In: NUNES, C. (Coord.): Guia
Preliminar de Fontes para a História da Educação Brasileira. Texto n.º 6.
Brasília: INEP, 1992.
ROCHA, J. L. A matemática no curso secundário na Reforma Francisco
Campos. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro. PUC – Departamento de
Matemática, 2001.
RODRIGUES, A. M. Sobre o problema da formação do professor secundário e do
pesquisador. Anais do III Congresso do Ensino da Matemática. Rio de Janeiro,
CADES, 20 – 25 de julho de 1959.
ROMANELLI, O. História da Educação no Brasil. Petrópolis, Rio de Janeiro:
Editora Vozes, 24 ª edição, 2000.
133
SCHUBRING, G. O primeiro movimento internacional de reforma curricular em
matemática e o papel da Alemanha IN: Euclides Roxo e a modernização do
ensino de Matemática no Brasil. Brasília: Editora da UnB/SBEM, 2003.
SILVA, C. M. S. A Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) e a urgência de formar
professores e pesquisadores de Matemática. IV Congresso Luso – Brasileiro de
História da Educação. Porto Alegre: PUC–RS, 2 a 5 de abril, 2002.
SILVA, C. P. A Matemática no Brasil: uma história do seu desenvolvimento.
São Leopoldo, RS: Ed. Unisinos, 1999.
SILVA, G. BASTOS. A Educação Secundária: perspectiva histórica e teoria.
São Paulo: Editora Nacional, 1969.
TAVARES, J. C. A Congregação do Colégio Pedro II e os Debates sobre o
Ensino da Matemática. Dissertação de Mestrado. PUC–S.P: Programa de Pós-
Graduados em Educação Matemática, 2002.
TEIXEIRA, A. Educação no Brasil. Atualidades Pedagógicas. Vol. 132. São
Paulo: Editora Nacional; Brasília, INL, 1976.
TORRES, R. O professor secundário e os ginásios do interior. Anais do 1°
Congresso Nacional de Ensino da Matemática no Curso Secundário.
Salvador, Universidade da Bahia, 4 – 7 set. 1955. Salvador: Tip. Beneditina Ltda.,
1957.
VALENTE, W. R. Uma história da matemática escolar no Brasil (1730 – 1930).
São Paulo: Annablume, 1999.
134
VALENTE, W. R. Os primeiros sinais de modernização da matemática escolar no
Brasil. In: Anais do III Encontro luso-brasileiro de História da Matemática (no
prelo). Coimbra, Portugal: Departamento de Matemática, Universidade de
Coimbra, 7 a 12 de fevereiro, 2000 a.
__________ Anos 30: o primeiro movimento de modernização da matemática
escolar no Brasil e a produção de uma nova vulgata para o ensino. In: Livro de
Resumos do III Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação.
Coimbra, Portugal: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, 23 a 26 de
fevereiro, 2000 b.
__________ História da matemática escolar: Problemas Teórico-Metodológicos.
In: Anais do IV Seminário Nacional de História da Matemática, p. 207-219.
Sociedade Brasileira de História da Matemática/Departamento de Matemática da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN. 8-11 de abril, 2001a.
___________ O conceito de função: política e educação matemática no Brasil dos
anos 1930-1945. In: Caderno de Resumos do VII Encontro Nacional de
Educação Matemática: Sociedade Brasileira de Educação Matemática - Rio de
Janeiro - IM/UFRJ. 19 a 23 de julho, 2001b.
___________ (coord): História da Educação Matemática no Brasil, 1920 –
1960. Projeto de Pesquisa. São Paulo: PUC - FAPESP, 2001c.
___________ Os Exames de Admissão ao Ginásio: 1931 a 1969. Arquivos da
Escola Estadual de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em
Educação Matemática. PUC–SP, 2001d, 3 CD- ROM.
135
___________“História da Matemática na Licenciatura: uma contribuição para o
debate” IN: Educação Matemática em Revista. Ano 9, n° 11A – Edição Especial.
São Paulo: SBEM – Sociedade Brasileira de Educação Matemática, 2002.
___________ “Euclides Roxo e o movimento de modernização internacional da
matemática escolar”. IN: VALENTE, W. R. (org): Euclides Roxo e a
modernização do ensino de Matemática no Brasil. Brasília: Editora da
UnB/SBEM, 2003.
top related