edson nunes
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8/18/2019 Edson Nunes
1/75
Edson Nunes
A G R A M Á T I C A P O L Í T IC A
D O B R A S I L
Clientelismo e Insulamento Burocrático
Prefacio
de
Luiz CARLOS BRESSER PEREIRA
Prefacio
a
terceira
edi?ao
d e
RENATO
LESSA
terceira
edifáo
Jorge Zahar Editor
Rio de Janeiro
-
8/18/2019 Edson Nunes
2/75
Copyright © 1997, Edson Nunes
(enunes@easynet.com.br)
Todos os direitos reservados.
A reprodu9ao nao autorizada desta
publicado,
no todo
ou
em parte,
constituí
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9.610/98)
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2003
desta
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e-mail: jze@zahar.com.br
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A primeira
ed¡9ao
desta obra foi feita em co-edicao com a
Fundacao Escola Nacional de Administracao Pública — ENAP
Diretoria
de Pesquisa e Difusao
Ediíoes anteriores: 1997, 1999
Capa: Sergio Campante
CIP-Brasil. Catalogacáo-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
Nu ne s , Eds on.
N972g A
g ramát ica p o l í t ica
no
B ras i l :
c l ie n le l ismo e
insu -
3 ed. lamento
burocrático
/ Edson Nunes; prefacio Luiz Carlos
Bresser Pereira. - 3.ed- Rio de Janeiro: Jorge Z ahar Ed.;
B ra s i l i a , DF: E NA P , 2003.
A n e x o
Incluí
b ib l iog ra f í a
I S B N :
85-7110-384-4
1. Brasil - Polí tica e gover no. 2. Burocracia - Brasil.
3.
Brasil
—
Historia.
I.
Escola Nac iona l
de
A d m i n i s t r a c ao
Pú b l ica (B ras i l ) . I I . T í tu lo .
CD D -
3 20 .981
03-0641
CD U -
3 2 ( 8 1 )
O
máximo
d e confusáo
samado
ao máximo
de
ordem: parece-me u m cálculo
sublime.
U M BE RTO ECO,
O nome da rosa
-
8/18/2019 Edson Nunes
3/75
S U M A R I O
N O T A D O A U T O R 7
PREFACIO Á TERCEIRA EoigÁo: A GRAMÁTICA POLÍTICA DO BRASIL ,
ou UMA BIOG RAFÍA D O BRA SIL REPUBLICANO
de Renato Lessa 3
PREFACIO:
POLÍTICA E
I N S U L A M E N T O BUROCRÁTICO
NO
BRASIL ,
de
Lu iz Carlos
Bresser
Pereira 11
Capítulo
1 : i N S T i T U i g ó E S ,
P O L Í T I C A
E
E C O N O M Í A
7 5
Capítulo
2 :
T I P O S D E C A P I T A L I S M O , I N S T I T U I C Ó E S E
A g Á o
S O C I A L
. . .
2 7
Variantes d e
capitalismo
e institui§oes 22
Troca específica
e
troca generalizada
n o
capitalismo
26
Acumula9ao
de capital,
instituÍ95es
e clientelismo no Brasil 29
Insulamento burocrático e universalismo de procedimentos
como alternativas
ao
clientelismo 32
Corporativismo
e clientelismo:
tensoes
e complementariedades 36
Variantes de Corporativismo num a perspectiva comparada 37
Corporativismo e
clientelismo como quadros analíticos 39
Conclusao 42
Capítulo
3 :
A C o N S T R u g Á o D O I N S U L A M E N T O B U R O C R Á T I C O E D O
C O R P O R A T IV I S M O E A N A C I O N A L I Z A C Á O D O C L IE N T E L IS M O 4 7
Paño de
fundo:
o
desafio a
modernizacáo
do
Estado brasileiro 48
State building: centraliza£ao política e administrativa 50
-
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4/75
Stíilc huilding'.
intervenfao
na economía 55
State building: o longo
impacto
dos obstáculos internacionais 60
Capítulo
4 :
C A P I T A L I S M O , P A R TI D O S P O L Í T I C O S
E
IN S I I L A M E N T O
B U R O C R Á T I C O N O R E G I M E Pós-45 6 7
Partidos mobilizados internamente
68
Implicafoes da mobilizafao de
dentro:
a
institucionaliza9ao
do clientelismo 77
Em
busca
da
racionalidade: políticos
versas
técnicos
80
Capítulo 5 : M U D A N C A D E N T R O
D A
C O N T IN U I D A D E : V E L H A S
E N O V A S A R E N A S P O L Í T IC A S
N O
PE R ÍO D O P Ó S - G U E R R A
9 5
Velhas e
novas arenas: preparando
o cenado
para
a modernizacao
liderada
pelo Estado
95
Insulamento
burocrático:
a combina?ao de
velhos
e
novos atores
para a modernizacao liderada pelo Estado
98
Urna
ideología
instrumental: o nacional-dese nvolvime ntismo 702
DecisSes
instrumentáis
e
recursos económicos crescentes 10 6
S incretismo político
n o
governo
J K 10 8
Conclusao: a
combinacao
da s
gram áticas como
u m ato de
malabarismo
112
C O N C L U S A O :
O
S I S T E M A
E M
Q U E S TÁ O : C O N T I N U I D A D E ,
M U D A N C A E P E R S P E C T IV A S 7 7 9
Intera9ao
entre as gram áticas 720
Urna
visao
da
ab ertura política
725
A N E X O 1 3 1
B I B L I O G R A F Í A
755
L I S T A D E Q U A D R O S & T A B E L A S
Q U A D R O 1 — Propriedade
vs .
Controle d os Meios de Produgáo
no
Socialismo,
Corporativismo,
S indical ismo
e
Cap italismo .. 39
F I G U R A
1 — Tipos d e
G ramát icas para
Relances
Estado
vs.
Sociedade
42
Q U A DRO 2 — Industrias e Servidos Pertencentes ao Estado e
Administrados pela Bu rocracia Estatal, 1942 58
QUADRO 3 — Industrias e
Servidos
Pertencentes ao Estado e
Nao-Administrados pela Burocracia Estatal, 1942
59
G R Á F I C O 1 —
Brasil: 1900-1943, Taxa
de
Importagáo como
Porcentagem
do s
Rendimentos
do
Estado
60
TÁ SELA
1 —
Filiac.no
Partidaria de
Ministros, 1945-1963
72
TABELA 2 — Coalizóes
ñas Eleicóes para G overnadores
73-4
TABELA 3 — UDN, PSD, PTB:
Tipos
de
Partícipacáo
ñas
Elcigóes
para G overnadores,
1947-1965 75
TABELA
4 — Filiagáo
Part idaria
de
G overnadores Elei tos
cm 1978
76
' A D R O
4 —
Partidos Políticos Comparados Segundo
a
Base
Social
C
os Tipos de Incentivos
Partidarios
78
¡ A D R O 5 — Partidos Políticos no Brasil:
Tipos
de
I
Mobil izagüo
e
Orienta
-
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\
Q U A D R O S 6 E 7 — Ministerios Políticos
vs .
M inisterios
T ecnocrático-Militares Classif icados S egundo a O rigem
do s M inistros Antes e Depois de 1964 87
T A B E L A 7 — Or igem d os Ministros "d a Casa", 1964-1982 88
T A B E L A 8 — Estabilidade Ministerial, 1946-1980
89
TABELA
9 — T ecnoburocratas com Experiencia L egislativa 91
F I G U R A
2 — Mudaba na Continuidade: Clientelismo e
Insulamento Burocrático no Brasil Contemporáneo
11 4
Q U A D R O 8 — Brasil: Comp atibilidade das R elagóes entre
G ramáticas
na
Interagáo Estado
v s.
Sociedade
22 6
N O T A D O A U T O R
Desejo agradecer
ao s
amigos, colegas
e instituÍ9oes
que,
de
muitas manei-
ras, ajudaram
a concretizar o
presente livro.
S ua versao
original constituiu
tese
de doutoramento
em ciencia política
n a
Universidade
da
California,
Berkeley.
M eu
comité
de
tese
foi de
inestimável importancia. Giuseppe
Di Palma representou um exemplo intelectual a ser emulado. Linda L ewin
produziu
comentarios detalhados e impediu-me de cometer varios
erros.
David
Collier, orientador, merece urna referencia especial.
É
leitor impie-
doso. Página após página,
senten£a po r senten?a,
ofereceu comentarios
generosos e abundantes. A estrutura
deste
trabalho foi aperfei§oada pelo
seu competente entendimento do que eu estava fazendo e quena fazer. S ua
insistencia com a precisao,
elegancia
e
p arcimónia
foi de
extrema valia.
Este texto beneficiou-se , em varios estágios, d os comentarios de A lbert
Fishlow, Barbara Geddes, Be n Schneider, Emanuel Adler, Guillermo
O'Donell,
José Brakarz, José Lavareda, Leslie
Armijo,
Luiz Roninger,
M ana Herminia
Tavares de
A lmeida, Renato Boschi, Roberto
Da Matta,
R u t h Cardóse, Simón Schwartzman. Marcia Bandeira contribuiu
de ma-
neira única para
a
realizaQao
deste trabalho.
A
estes colegas,
o meu
agradecimento.
Publico este livro
na
íntegra, anos após
s ua
conclusáo.
O
convite para
publicá-lo veio de Lu iz Carlos Bresser Pereira, a quem sou grato. Contra-
ditório, o ministro Bresser Pereira. Convida-me a publicar o trabalho e,
em seguida,
torna-o
desnecessário. Escreveu prefacio tao conciso
e
com-
petente
que bem
poderla dispensar
a
leitura
d o
livro.
Nao fosse
o
talento
d e
L ucia Hipp ólito, esta tradu§ao ainda manteria
o
je itao
d e
tese. Lucia,
além de
brilhante tradutora,
é
atenta leitora
e
feroz
crítica. Monica G rin
foi de
inestimável ajuda
na produ£áo do
texto final.
-
8/18/2019 Edson Nunes
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A G R A M Á T I CA POLÍTICA DO ERASE.
Quando sai do Brasil em 1979 para o doutoramento, provisoes adminis-
trativas
e
políticas vigentes impediam
a
concessáo
de
bolsa
e a
viagem
daqueles estudiosos
suspeitos
de infidelidade ideológica ao regime militar.
Ja naquele momento — e isto agravou-se com o passar d os anos — , n ao
dispunha de apreciável taxa de
fidelidade
ideológica nenhuma,
muito
menos ao governo militar. N ao fosse a decidida atua?ao de um
conjunto
de
colegas,
além
da bolsa da Funda5áo Ford, eu nao tena saído do
Brasil.
Devo esta oportunidade a Wanderley Guilherme d os Santos, Mario M a-
chado, Edmundo Campos, César G uimaraes, G ilberto
Velho,
R oberto
D a
Matta e Shepard Forman. M eu ingresso em Berkeley, após deixar a
Universidade
d e
Chicago, dependeu
do
apoio
d e
A lexandre Barros,
H o-
ward Becker e David Collier.
O
retorno
a
minha instituicao
de
origem, Conjunto Universitario Can-
dido Mendes, após valioso interregno
no
exterior
e em
postos
governa-
mentais, devo ao decidido e cordial apoio, a renovada confian§a e ao
acicate
profissional e intelectual de Candido A ntonio Mendes de
Almeida.
Precisei registrar
o
passado nessa nota (Wanderley, Edson L uiz
e
Laura
sao lacos atemperáis). Q uero encerrá-la, contudo, com urna visao otimista,
esperancosa.
Dedico este
livro
a Eduardo e
R afael.
O
futuro.
PREFACIO
Á TERCEIRA
EDICÁO
A G R A M Á T I C A P O L ÍT IC A D O B R A S I L ,
o u U M A
B I O G R A F Í A
D O
B R A S I L
R E P U B L I C A N O
Coube
a
Lu iz Carlos Bresser Pereira,
no
prefacio
a primeira edicáo deste
l ivro, a cunhagem
de
conciso
e
luminoso u ízo
a
respeito
do
texto
de
Edson
Nunes: "E urna das mais instigantes e origináis análises da política
brasileira." O
comentario
d e
Bresser,
ja
idoso
de
seis anos, segué absolu-
tamente pertinente. Suspeito
qu e seja
definitivo.
Com
efeito,
o
texto
q ue
deu
origem ao livro, produzido como tese de doutoramento e m ciencia
política,
em
Berkeley,
no
inicio
da
década
de
oiten ta, mantém
s ua
origina-
lidade e sua
capacidade incomum para interpretar
a
experiencia ins-
titucional
e civilizatória brasileira, a p artir dos anos trinta.
Mas, antes de qualqu er incursao textual mais detalhada, cabe a pergun-
ta:
de__que
gm ero^afmaJL^se.üaíal Em
outros termos,
a que tradi?ao
analítica o exercício de
Edson
Nunes
está,
de
algum
modo, vinculado? A
pergunta
por certo nao é
técnica
o u
muito menos inocente.
O lho ao
m eu
redor
e constato o impressionante
progresso
obtido, ñas décadas recentes,
no
campo
das
ciencias sociais brasileiras.
M as esse
reconhecimento
é
como que travado pela
percepcao
de que os avances registrados dizem
mais respeito a
investiga9oes
sobre processos, instituicoes e, em urna
palavra,
fenómenos "locáis" e
espe cíficos
do que
tentativas
de síntese, de
vis&o de
conjunto
bu de exercícios "épicos",
para usar
a expressao de
SKeldoh WótrrC™cT ápázes"de*T nstáürar
novós
'conjuntos de fenómenos e
-
A s
visóes
de conjunto,
motivadas
po r
grandes
perguntas_
;:
^guem
Somos,
de**orídevSnos^
para onde
vamosTque "futuro
nos espera, entre
tantas
outras — parecem ter sido
relegadas
as antigás artes do
ensaísmo,
um
exercício infeleHüa¡rfnovi3b póTapóstas, idiossincrasias e, co*mT?e-"
qüftncia, desespero. O texto de Edson Nunes, a meu juízo, pertence a um
-
8/18/2019 Edson Nunes
7/75
A
GRAMÁTICA POLÍTICA
DO
BRASIL
PREFACIO
A
TERCE1RA EDigÁO
género aparentado
ap^ensaísmO j
no que este possui de ambi§ao para tratar
dfe-gfañdes
questóes.
T al
género pode
ser
denominado
de
"InterpretaQoes
do
Brasil". Em termos
mais
diretos,
A
gramática política
do
Brasil pode
ser inserida em urna
tradi^ao inj;ebsctual maiúscula£^ica,
no ámbito do
pensamento
social
e político""brasileiro, voltada
para
a
interpretacáo
da
nossa experiencia civilizatória. A galería de
precedentes
é considerável.
Para ñcarmos
nos
clássicos,
é o
caso
de se
mencionar Oliveira Viana, José
Maria
dos
Santos,
Sergio
Buarque
de
Hollanda, Gilberto
Freyre e
Raymun-
dó Faoro.
Urna
das interpreta9oes
possíveis
do país, o
livro
de Edson Nunes pode
ser lido,
ainda, como
urna
biografía
do Brasil
Republicano, com
enfase
em
su a
fase posterior a 1930, más
sem
desconsiderar os legados provenientes
da
Primeira República.
Seu
momento intelectual deflagrador reside
na
insatisfacap
com formas dualistas de interpretacao da historia do país, ñas
quais
todo l̂losso"ségred^O"clvittZatórío parece* depender da
escolha
da
dicotomía
mais adequada: modernos
vs.
atrasados
ou
tradicionais;
ordem
pública
vi.
ordem privada;
centraliza§áo vs.
descentraliza9áo;
sístole vs.
diástole (para mencionar urna
das
mais pobres
da
serie), entre tantas.
Apars
construens
dessa insatisfa9§o parece decorrer de urna indagacao
simples,
precisa e estrutural na interpreta9áo do autor: é necessário proce-
der
dessa forma?
Ou,
ainda:
nao
seria possível construir urna interpretacáo
na qual
todos os aspectos polares dessas
dicotomías
possam ser preserva-
dos, como partes de explica9óes
plausíveis?
Essa parece ser a aproximacáo
decisiva com o problema teórico e histórico básico do texto: como inter-
pretar o Brasil, supondo-o dotado de urna experiencia sincrética,
um
tanto
assemelhada á antropofagia oswaldiana (para mobiíizarmos outro grande
intérprete
do Brasil), na qual tudo se deglute e se incorpora e nada se
cancela?
A primeira
impressao
do
texto,
portante,
remete
o leitor a um
encontró
com
o
complexo
e
multivariado
processo de
constru9ao
do
Brasil
moder-
no.
Neste sentido, urna
vez
capturados pelo convite, navegamos
npjxmtra-
fluxo do
minimalismo analítico
e da compart imental iza9ao
disciplinar.
V ^,...,.,-"
•"" "'>^.,.'"•-. '
r
'
T
.'..
""V ~*í
~
Mas sena
simplório reduzir
o
alcance
do
texto
a urna
simples
refuta9ao do
minimalismo.
Na verdade, e para isso basta
consultar
a
impressionante
bibliografía
respeitosamente utilizada, Edson Nunes
poe urna
considerável
quantidade de investigacóes ppntuais —
sobre períodos,
políticas,
ins-
tituÍ9Óes etc.
— a
seuservico.
Portante, as
potencializa
e as
reinscreve
em
um
projeto interpretativo teórica
e anal í t icamente
mais ambicioso. Dessa
forma,
trata-se
de um ensaio de interpretacao do
Brasil, alimentado
por
inúmeras contribuÍ9oes
recentes
d as
ciencias
sociais n o
país.
A
síntese indicada, ou
bricolage
teóricamente bem orientada, diz res-
peito
ainda
a urna invulgar familiaridade do autor com
diferentes
tradÍ9pes
disciplinares. No texto estao presentes
contribuÍ9óes
nao apenas da ciencia
política, mas da
antrojpplogia,
da historia, da sociología, da economía,
aliadas a umajjríocur^agaojj^rngarati va
muito forte.
O tema da
coopera9ao
disciplinar é central para o texto é"2ecorre dó"mo3b pelo qual seus objetos
de análise sao definidos. Se a experiencia republicana brasileira pode ser
apresentada como um processo sincrético,
varias abordagens
e
perŝ
pectivas devem estar presentes no esfo^o de elucida9áo. Em particular, ¡
deve
ser ressaltada a decisao intelectual de tratar os processos políticos e I
macrppolíticos como
configura96es
envolvidas pela vida social
e
pelos
J
fluxos históricos. A influencia de
Karl Polanyijiess,e
aspecto é
notável:f
nao
apenas
os
mercados estao
''ewSeSie^ '̂nas
relasoes sociais,
como
tambérn
as instituic,6es e
práticas políticas ocprrem
em ternpps e
lugares
sufJstañfTváménte preenchidos
pela
experiencia
histórica.
Nao ha,
pois,
lugaTjpára um ij^tuj|onajlismo p _ p r
vezes^au tista,
a despeito do fato de o
livro
tratar do longo processo
deTabríca9áo
institucional na república
brasileira. Trata-se, enfim, da boa e
falível
ciencia da política, atenta as
**ae
S
*>̂~^.t -~* -*-. .,-i-
¡
^ ^ ..
""
dimensoes da historia, da dinámica social e da cultura.
O
foco
do
livro incide
sobre o "processjj de_construcJíQ institucional",
desenvolvido no
país,
em meio a
"profundas
mudabas
económicas
e
Í
sociciis
.
Ucssíi indic&Ccio
occorrc 111x12
intcrprct3.C3o 3 .
rcspcito cuts
rci&cocs
.
-
. ^ » J T « ~ j ~ . « * ~ . - -
. , ^ ^ . . í . ' ^ i - . - ^ ' - A u . . „ .
entre "sociedade^e instituÍ95es_rx)líticas Jforrñlus .
Esse
enquadramento
clássicoTpor^ua
vez,
da
lugar a
urna
inova9ao
analítica de grande monta:
a hipótese de que o processo
de¡^cjanstrucap.
institucional brasileiro é
quádruplo,
ja que sustentado ppr"quatrp padrpes
institucionalizados
de
reíá9§es ou
'gramáticas'
que estruturam os
Ia9os
entre sociedade e ins-
titür^oes formáis no
Brasil:
clíeñteTísmb,
coiporativismo,
insulamento
}
burocrático
e
uflíversalismo
de
procedimento".
'
STéngenhosa
nÓ9ao
de
"gramática",
co m
toda
su a
carga semántica,
indica
a existencia do que poder-se-ia designar como as
diferentes
lingua-
gens em
uso_np,mundp
da política. Se linguagens sao formas de*vi3a, as
"gramáticas"
indicam os priñoDips que as estruturam. No texto, tais
priríclpfos"eStaü"|ire
v
SéTifes"noánodo peío qual instifuÍ9oes e
sistema social
expectativas
humanas
sap,p£oduzidas.
As
gramáticas sugeridas podem, em principio, ser representadas como
se
fossem carnadas arqueológicas,
que ao
longo
da
historia vao
se
produzindo e se sobrepondo. Assim, o clientelismo, enquanto modo
V
-
8/18/2019 Edson Nunes
8/75
A G R A M Á T I C A P O L Í T IC A D O B R A S I L
P R E F A C I O A T E R C E I R A EDigÁO
dominante
de
art icula9áo
entre sociedade
e
sistema político
e
como forma
típica
de comportamento político e social, apresenta-se como traco dis-
tintivo
da República
Velha,
a despeito do formalismo liberal
presente
da
letra
da Constituicao. É de se noíarT rio 'éñtanto já'ñolfnbito da
Primeira
República, a presenca de
um ,
digamos, protp-ánürio
insulador,
voltado
para a
defini§ao
de arenas e
agendas
#
salvo"3a
preda§ao^oíigárgiii^a típica.
"No gOVerno Campos
Salles
(18981902), porexempío, certas"defi-
nicoes cruciais para a agenda do Estado — tais como política económica
e
financeira
— foram
insuladas
em
torno
do
presidente
e nao
submetidas
a "gramática"
predomiiwifeTEm
um ceño jsehti_d.Q , a conceHtragaojle
p^3efe.¿n^"mSós^o
>
|¡re§iclente
—
cujaTneta
era a insularidade absoluta*
— teve como contrapartida o reconhecimento do controle estadual exer-
cido, por sabe-se la que méfSs'̂ peía^olfgarquías sobre_seu¿_temtorios
específicos. Gilberto Hochman, emA~Era~3~o"5áneamento, detectou com
bfilRoinFórmacao de urna consciéncia sanitarista, em pleno Brasil oligár-
quico,
animada por profissionais do sanitarismo, responsáveis principáis
pela implementacjío
de
políticas
de saúde e^sanearnento, por todo_o_país,
expressas ejn
urna
Ímguagier^ffisGn^F"grarnática''
dojclientel^smo.
'"Mas,
mesmcTéssas evidencias a respeito da
presenga
de um pádráo de
acao
social
e
política
com pretensoes
insuladoras
nao sao
suficientes para
alterar a
configuracao
geral
da
sociedade
e de sua interaQ ao com o
sistema
político, marcada predominantemente pelas práticas
e pelos
valores
do
clientelismo.
Coube aos reformadores de 1930 imaginar urna forma de
articulajáo
entre sociedade
e
sistema
políticcTñá
qual
as
práticas
e
valores
dos
"car-
comidos" nao
tivessem
mais
lugar.
Se
insistirmos
na
metáfora arqueológi-
ca,
com os anos
trinta
a República brasileira produz a sua segunda carnada
civilizatória,
caracterizada pela
"gramática" do corporativismo.
Esse
novo
paradigma
opera, na vérdade,
urna
dupla
réfutagao:
a um
so lempo
o idea-
lismo constitucional — para evocar a
interpretagao
do Brasil de
O livéira
Viana
—, caracterizado pelas
ficgoes
do liberalismo, e a
cultura.
predaiória
docJientelismo
sjio
apresentados como fatores de atraso. O que se impoe
é urna
novalorma
de organizagao da sociedade, na qual o atributo trabalho
* A busca da insularidade absoluta está presente na frase lapidar de Campos Salles:
"Quem
se
propoe
a
consultar
opinioes alheias sujeita-se
naturalmente
a modificar as
suas, e era isso que eu quería evitar." A admira§áo
confessada
p or Campos Salles, po r
parte
de proceres recentes na política brasileira, indica a perenidade da busca
mencio-
nada.
aparecern como base de
classificagao
social
e_cornojeferencja
a
gara
a
atr ibui^áo
de
direitos
e
obrigafoes.
O texto de Edson
Nunes"
demonstra de forma inequívoca que as pre-
tensoes de profilaxia tiveram sucesso restrito. As expectativas do
capitao
Frederico Buys, que exigía a
canibalizagao
dos governantes carcomidos
— "Vamos comé-los. Devenios ser rudes como verdadeiros canibais" —,
tiveram retorno relativo. O entulho liberal, com certeza, foi
varrido,
mas
I
a¿^Erarr^cj£^g_cjienteljsmo
e do
corporativismo acabaram
por desco-
V brir formas perenes
e
significativas
de
coopéracao recíproca. Ñesse
as -
*
..V7Tpg»»=ETO.-
J
.̂ .,-...
J
..a:.-.,;.»»
>
¡£̂ .
- - -
•»*•««•»•,«>••«,..*-,>—»
J pecto
reside
um dos pontos fortes do hvro, qual seja o dCj^atar a cultura
do
clientelismo como
um padrao de
troca
que nao
exige
como* coñdicáo
rhecesSaná a presenca^pjagrarísmo e do
atraso oligárquico. Como padrao
nespecírico Be
troca social,
o^cjientelismo pertence
a
niodernidade
e
I
tnajnfjejja^c^omr^tibilidade co,moutras formas
de
configuracao social.
Daí
'
iecorre
a decisao_do texto de tratar do tema do clientelismo sem mobilizar
a
moldura
oligárquica ejigrária da
Primeira República. Como resultado,
Hemos um
" trátameñto
mais sofisticado do tema, sem as inevitáveis
men5oes ao folclore coronelístico, e com capacidade para iluminar as-
pectos
importantes do Brasil urbano e moderno.
Ainteragao e a
fertilizagao
recíproca
entre
as gramáticas do clientelismo
e do
corporativismo
ja
indicam
que a
metáfora
das
carnadas arqueológicas /
deve ser reparada. Nao se trata mais de superposigao, mas de articulajaoj/
e de
desenvolvimentq combinado. Edson Nunes mostra, ainda,
que
cabera
4q*g0
tffv
^̂
t
jV *~**̂~~™
' '* '""•r.ta"*̂
,̂-,~«--*
*
foprTrneiro período
de governo de Getúlio Vargas a
definicao
de criterios
Q̂ y¿«——-̂ .̂ ,̂«̂̂ ^̂ .•.- •̂̂ ..«̂ .̂ ..„„:.••'••" \
r
,„.„„,.•'.'.-'¿ ;̂íi«.ü.™-*'^-'*^'' .̂ ^̂ ^̂ .̂ .̂ .
.̂.̂ •.̂ •̂ -
* - •• : •
pira a
foífnagaó
de um novo sistema de servido público — via
DAS P
—
COm características gramaticais próprias, bascadas em
urna
Cultura de
Universalismo
de procedimentos. Nova gramática,
portante,
que vem ao
_̂(l̂ *̂
1
' • . ' , .
.iJ îw-"
7
'V-"*í„,,. * • * * < i™
1
~*- * - - - * \ . 'V**»
IHDndo
envolvida
p or
linguagens'que
n ao I he sao
próprias,
em fun§ao do
OOntexto mais ampio noqual o clientelismo redivivo e nacionalizado e o
Corporativismo estáo implantados e ativos.
»
A
análise contida
n os
capítulos
4 e 5 é
magistral. Ela demonstra como,
pós-45,
a arquitetura institucional do Brasil moderno se constituiu.
i-se do momento mais complexo e rico do sincretismo, no qual urna
im
moderna, politicamente aberta e atravessada por forte crescimento
imico estabelece suas ratinas e formas próprias de organizacao.
s
dois capítulos,
a
experiencia
da Repúblicade
1946
é
dissecada
e o
o
político
de
Getúlio Vargas
eJúsíelino
Kúbitschek
é
posto
em
,
na
arte_d^cornbirláf"as
gramáticas do~clientelismo,
do
corporati-
, do universalismo de procedimentos e do insulamento. Este último
lisrhtTScabou por ser decisivo para a constituicao da grande capaci-
-
8/18/2019 Edson Nunes
9/75
A
GRAMÁTICA
POLÍTICA
DO BRASIL
dade
estratégica,
que o
Estado brasileiro manteve
até o fim dos
anos
oitenta. As principáis
agencias públjcasjjue
sustentaram a modernidade
no país
decorreram
d e arránjos
pelos
quais se
pjetendeu
evitar a^gptuia
pplítica, corporativista ¿"clientelística. ~ ~ ~ '
"A
análise
dé Édsorf
Nuríes
é fundamental
para
o
entendimento
da
dinámica do primeiro experimento democrático brasileiro, o da R epública
de 1946. O desempenho eleitoral e político dos dois principáis partidos
daquele regime — o PS D e o P T B — nao pode ser adequadamente avaliado
sem
o
jo^¿ojitaditóri^̂ pjripjemejTíar_das gramáticas
do
clientelismo,
do corporativismo e do universalismo. Q uanto a U D N , vale a
percep§ao
do
trajeto que vai da defesa asséptica do universalismo a aberta escolha da
subversao da
ordem,
sem que a auto-imagem d e vestal tenha impedido,
em
muitos aquis
e
alis,
o uso de
gramáticas abjetas.
Por fim, a
indaga§áo
de
Bresser Pereira,
em seu
belo prefacio,
é
incontornável:
"Qual é a
relevancia
dessa
análise para
o
tempo p resente?"
Concordo com Bresser em sua avaliac.ao do estado atual do corporativis-
mo: nos lempos que
correm
ele
assume fisionomía marcadamente social.
Trata-se de organizar e
definir
injgresses corporativos
basTd
-
8/18/2019 Edson Nunes
10/75
PREFACIO
P O L Í T I C A E I N S U L A M E N T O
B U R O C R Á T I C O N O
B R A S I L
Multas
sao as teses de doutorado apresentadas por estudantes brasileiros
no exterior. A grande m aioria, embora revele esfor§o imp ortante de
pesquisa ou de formaliza5ao, morre ña s bibliotecas das respectivas uni-
versidades dado o caráter pontual e freqüentemente irrelevante do tema
que tratam. A
tese
dejdoutorado de Edspn
Nunes,
apresentada em
1984
na
Un i versidade da Califo rnia, Berkeley, eslava ameac. ada de ter também esse
destino. Um destino, entretanto, que neste caso seria injusto para o autor
e para o Brasil, ja q ue este trabalho é
urna
da s
mais
instigantes e origináis
análises
d a
política brasileira.
Em boa
hora, Jorge Zahar Editor
e a
Escola
Nacional de Adm inistra9ao Pública resolveram o problema publicando-a
13
anos depois.
O autor parte de um modelo básico: existem quatro
padróes ins-
titucionalizados
de
relagpes
ou "quatro gramáticas" que estruturam os
lacos
entre sociedade
e
Estado
no
Brasil.
Sao elas: o
clientelismo,
o
_• ,̂*-
^ .
. . . , • >
\ ~ - -w
w
*̂ ^
c
*~̂ ™**"̂ *«
'
COrgprativismo, o insulamento burocrático e o universalismo d e procedi-
iffintosTp
clientelismo
f az
p arte da tradi§ao
secular
brasileiraeseus
outros
bis
nomes sao patrimonialismo e
fisiologismo;
ja
a s outras tres institui-
emergemnos anos
30, sob o
governo
deG etú l io
Vargas.
A
partir desse
irnento
as quatro g ramáticas passam a conviver e a se inter-relacionar.
esse compromisso, do
qual
G etúlio Vargas e Juscelino Kubitschek
os
mestres,
que irá viabilizar a
constru9áo
de um
Estado nacional
e
ncia
de um
poderoso processo
de industrializado n o
Brasil.
,sas_quatro
institui^oes políticas dividem o trabalho^^lientelisrnp^e
irati.yisrrio_sao instrumentos de
Iqgitimidade
polftiga^o insuíamento
Ífi,0t,a forma através
da qual as "entes modernizantes
tecnoburocrá-
e empresariais promovem o desenvolvimento; o universalismo de
-
8/18/2019 Edson Nunes
11/75
\
12
A G R A M Á T I CA POLÍTICA DO B R A S I L
PREFACIO 13
procedirnentos,
a afirmacao
lenta dejum regime
burocrático
racional-legal
ejíventualménte democrático. Digo eventualmente democrátór/pbrqúe
o
autor
na o
identifica
o
universalismo
de
procedirnentos co m
a
democracia.
A instaura9áo do universalismo de procedirnentos ocorreu no Brasil, no
período analisado
(1930-60),
principalmente através
de
tentativas de_re-
forma
do
servico público
e da implanta§áo
de
um
sistema
de
mérito.
Embora
as
élites
se
julgassem portadoras legítimas
d e
valores modernos
e
universalistas,
nao estavam entáo particu larmente interessadas na demo-
cracia. Até os anos 60, elas estavam multo mais preocupadas com o
desenvolvimento que entao se
identificava
com a
industrializacao.
.
...̂ __
. . . 1̂ -~̂ . . ',._
;>
,-......,.,
V_,̂-
- ̂
Acombina§ao das quatro gramáticas
ocorre
de maneira
vanada,
depen-
dendo do momento. Vareas faz uso principalmente do
corporativismo,
'
i
1
—'
- O
-__
_.*rf
t
v-w--
através do qual organiza as rela§oes do
Estado
com a
sociedade,
e dWyjjaj-
telismo, qu e
Ih e
permite manter as velhas oligarqu ías políticas sob contro-
leTÜlnsulamento burocrático e o universalismo de procedimentoŝ entre-
tantóCjá estad
presentes em seu primeiro governo. Em seu segundo
governo
e"h€rg8Vé"rño Kübítschek, será o insulamento burpcrátî qííe"3arara"toríica.
O
clíelítBismó'sefá'Sóminjntenogoverno
GouJaj-t^Ños
governos
militares,
tf rmül^élito'blarwraticQ^yolta â ser dominante, acomp anhado pelo cor-
p5rStívlsmcC
éniquanto
o
clientelismo
é
colocado
e m
segundo plano.
* O
clientelismo existirá
em
todos
os
momentos como urna forma
delidar
com os políticos, que no flrasil da época
estudada
sa o intrínsecamente
populistas,
tendo
seu comportamento reforcado
peTo fato
dg_que é um
comportamento esperado
e
desejado
p or
parte
do s
eleitores.
O |psularQen,ta
burocrático é
q
p . s t r a f p . g i a pr.r p . x r v . l f i n i M í i H n s pu fes piíra Hrihl^r fl iW
13
controlada pelosjjartidns políticos. A competencia técnica da burocracia
e o
universalismo
de
procedirnentos
eram os meios
para conter
a ir-
racionalidade populista considerada entao inerente aos políticos. O corpo-
rativismo,
através do qual o Estado interm ediav a os
interesses
de empre-
sarios e trabalhadores, completava a estrategia de
moderniza§ao. Nesse
quadro,
o clientelismo era ao
mesmo
tempo o
instrumento
p olítico por
excelencia para garantir a implementa§ao de políticas modernas, o seu
maior
adversario.
A
política
de
mo^e^Tiizac^p_e_de^er^)Kqrnento
ficava a cargo da
instituicao do insulamento burocrático. A través déla os tecnoburocratas
estatais se protegiam da influencia política em agencias de governo como
o
D A S P ,
onde pontificou a burocracia clássica, como a S U M O C , dominada
por urna tecnoburocracia nacionalista (Cleanto de P aiva L eite , G lycon de
Paiva, Rómu lo de A lmeida, Jesús Soares Pereira, Ignacio R angel). Nao se
imagine, entretanto, que estes homens eram apenas técnicos. Eram técni-
eos
políticos, que se envolv iam permane ntemente em estrategias políticas
para garantir sua autonomía sempre precaria.
Embora concentrando
su a
análise
no
período
de
1930
a
1960, Edson
Nunes
prossegue p elo regime militar, mostrando,
co m
dados
muito
claros,
como foijenorme o aumento dj j insulame nto burocrático,
nesse
período.
Deixa,
éntretantoTde'dar a
importancia necessária
ao
Decreto-lei
200,
d e
1967, através do qual os m ilitares tentam realizar
uma^féfjórma adminis-
tíaü~vlfpT5TieTrlCdl;^^^
\
B
_
H
«jia»M¡B*>=5ra¡**
A pergunta qu e cabe agora é: qual a relevancia dessa análise para o
tempo presente?Trés mudanzas fundamentáis ocorreramdepo is da análise
contida neste
livro:
a
sQciedade
civil ampliou-se, modernizou-se e
tornou-
. se mais, democrática. A democra^a^fcTféstarjelecrda em'T985 e, dez anos
jdepois, em 1995^ o governo
Fernando Henrique
Cardoso propós urna
/reforma
administrativa centrada
na idéia da transÍQap de urna adminis-
t̂rSĝ ^̂ icaburocrática rjara urna administracao pública
gerencial.
Com o retorno d a democracia,
refor§a-se
o universalismo de procedi-
rnentos,
agora entendido
de
forma plena.
Com sua
contrapartida,
o
clien-
reaparece como prática, embora cada
vez iríais
r. O corporativismo^por
sua,yez,
perdelarga,
deixando
de ser
urna forma
de organiza^ao da
sociedade intermediada pelo
Estado, para se transformar em mera e strategia d e defesa.
¿e iriteresses
po r
determinados grupos sociais.
E o
insulamento burocrático
é
colocado
em
cheque como
antidemocráticorÑesTé"quadro,
a tecnoburocraicia
estatalc—,
peTae" poder na medida em que nao consegue mais legitimidade para se
insular
na
política. Perde poder,
além dissorporquéá
queda
do regime
7
militar está relacionada
a urna profunda
crise
do
Estado
nacionál-desen-
volvimentista, que fora sua p rincipal obra.
S ua
reacáo
diante
da
crise
e da
perda
de
poder
é
perversa:
ela, que se
propunha ser o
principio
de
racionalidade
na
arena p olítica brasileira, p arte
para a defesa irracional e logra, na ConstituÍ9ao de 1988, eliminar todos
os avanzos que
haviam
sido
alcanzados desde
o
D ecreto-lei
200 na direcáo
dé~ümá'ádmínistrac.ao política gerencial mais moderna
e
voltada para
confióle de
resultados,
a o
invés
do
controle rígido
do s
processos.
O
retro-
cesso burocrático, entao ocorrido, cria priyilégjos_para a burocracia na
forma de
estabilidade plena
e
aposeñtádoria^ integral, engessa toda
a
affiuni?tfa5ab pública tornando-a dramáticamente centralizada e inéfi-
fiiente, e'eoríoi álmágem da'altáltmrocracia
pública"que
tantos servidos
prestara ao país.
No plano político, por sua vez, ocorre um grande avanco democrático.
O clientelismo cont inua presente nos partidos políticos, mas a crítica da
,
-
8/18/2019 Edson Nunes
12/75
14
A
( ¡R A M Á T I C A
P O L Í T I C A
IX )
B R A S I L
sociedade a
esse
tipo de comportamento é cada vez mais forte, abrindo
. >*-_™>_fc ,U**̂¿, „«__ ..V^V—-v i--A *'
1
'-- ' a t—̂ **-*-_
u
-
dc
~* »««-• '*
éspafcf
para
o
aparecimento
de
políticos modernos, situados tanto
na
esquerda qu anto na direita do espectro p olítico-ideológ ico. Será com
base
em urna sociedade civil ampliada e democratizada e na lideranca de
/ pólít icósmo3ernüs apoiados
ñovamenté"nos
melhores setores
da
tecnobu-
rocracia qu e, a partir de meados dos anos 80,
inicia-se
amp io processo de
\ J L j
rrignoj^emBora mais
.rígido politicam ente, de
forma
a
ganhar
governabili-
*
/
"
I.
dade. E na dire§áo de um
Esjado
mais fptte^financeijamente e dotado d e
i instituicoes e
estrategias
administrativas
gerenciais,
qu e Ihe
permitem
1
aumentar
seu
grau
d e governanca.
Dentro
desse
quadro, será ainda necessário manter
a
estrategia
de
compromisso que caracterizou o período analisado neste livro, principal-
mente os anos 50? Compromissos,
acordes
e concessoes mutuas sempre
serao necessários.
Af inal , a política é a arte do compromisso. Mas os
compromissos
e as
permutas
(trade-offs)
serao outros. A través
das "agen-
cias
autónomas"
e das "organizaQóes
sociais"
o
Estado b rasileiro
póHérá
contar
co m
instituicoes
muito mais
nexiveis,
eficigntes
e
yolj^da^para
resultados. Instituigoes, entretanto, que nao serao caracterizadas princip al-
mente pelo insulamento bmocráüco, mas pelo controle de urna alta buro-
K
cracia,
situada
no
núcleo estiatégico
do
Estado,
a
qual responderá
ao s
políticos éleitos.
Á eficiéncia^somar-se-á,
assim,
a
demanda
de_resp,Q,nsa-
^
biliza?áo (^cco untaSüity^T'or
outro lado, o controle
daTa^Io
das agencias
autonórnas
elías^órgíffízagoes sociais
nao ocorrerá
apenas através
de
contratos de gestao firmados com os políticos e burócratas situados no
núcleo estratégico, mas, de forma crescente, através de mecanismos de
o { pjrti^ipaslosocial, em que os cidadaos controlem os servicos prestados
pelo Estado.
Na conclusáo do livro, Edson Nunes afirma que as élites reformistas,
preocupadas com a governabilidade, deverao ter sempre em mente as
gramáticas que relacionam Estado e sociedade. Nao ha dúvida. Nesse
sentido, sua contribui§áo intelectual — ao explicar essas gram áticas ou
instituicoes
integradoras
e
organizadoras
da sociedade
brasileira
— é
fundamental. A s instituifoes integradoras e,coordenadoias boje relevantes,
entretanto, nao sao
rnajs^SJa^smas. Á"defini§áo
de quais sejam elasjios
anos
90 Fc5rfio~sé~íriter-relacionarn é urna tarefa a ser
realizada, para
a
qual esse
livro servirá de poderosa inspira§ao.
Lurz CARL OS BRESSER PEREIRA
Mato de
1996
CAPÍTULO 1
iNSTiTuigóES,
P O L Í T IC A
E
E C O N O M Í A
O
Brasil pertence
ao
grupo
d e
países
q ue
adotaram,
no s
últimos
50
anos,
urna economía
capitalista moderna
e
internacionalizada. Países
qu e
pro-
curam
implantar urna
ordem
capitalista moderna tém de criar novas
instituic.óes. A operac,áo de um
sistema capitalista modern o exige com por-
tamentos individuáis
e
institucionais compatíveis
com a
lógica
da
produ-
gáo económica.
A moderna ordem económica capitalista penetra todas as esferas da
vida
social
e
estende-se
a
outras
instituic,óes; a
lógica
do mercado
torna-se
a
regra predominante para
a
organizado
da vicia política e social, e os
cómparTárñentósIndividuáis também sao
embutidos
na
lógica
da
produgáó
ec^nornicar"""""
~~-~~
Observando o impacto da produgáo capitalista na sociedade, M ax
Weber
chamou
a atenc,áo
para
a
mesma ordem
de
problemas
que se-
riam mais tarde brilhantemente reunidos pela
antropología
económica
de
Polanyi:
A
economia
capital ista
do s
dias
de
hoje
é um
¡menso
cosmo
dent ro
do
qual
o
i ndiv iduo nasce e que se
aprésenla
a e le , ao menos enquan to individuo, como urna
inalterável ordem de coisas dentro da
qual
ele deve viver. Porga o individuo, na
medida
em que
este está envolvido
no
sistema
de
relajees
d e
mercado, ajuLaptar-se
a
normas_cap¡talistas de
aguo.
O
empresar io
que a
longo prazo
ag e
contra essas
normas será inevitaveímente el iminado d o cenado económico, da mesma manei ra
que o t rabalhador que nao
possa,
ou se recuse a ada ptar-se a elas será at irado á r úa
sem
trabalho.
1
É
evidente
que a
idéia
de que a
realidade social
é
organizada
em
torno
i
de um
complexo
entrelac,amento de forjas
mais "modernas"
e
menos
"modernas" de
comportamento
ja foi
amplamente debatida. Entretanto
o
15
-
8/18/2019 Edson Nunes
13/75
16
A G R A M Á T I CA
P O L Í T I CA
D O
B R A S I L
estudo das relagóes entre características do mercado e da
auséncia_de
mercado, entre modernidade e
tradigao,
continua a ser um ponto básico de
referencia ñas ciencias sociais. Ño contexto dos
éstudos
brasileiros, as
interpretagóes do Brasil contemporáneo tém sido prolíficas n a produgáo de
dicotomias, todas representando variagóes
em
torno
do
tem a clássico
dos
"dois
Brasis":
desenvolvimento
versus
subdesenvolvimento, Brasil urba-
no versus Brasil rural, industrializagáo versus oligarquía rural, poder p ú -
blico versus ordem privada, centralizado versus pode r local, sístole versus
diástole, representado
versus
cooptagáo, tradigáo
versus
modernidade,
Brasil versus India. A h istoria do país tem sido freqüentemente explicada
em termos da tensáo constante entre dois polos que se alternam em ciclos
iRtermináveis, ou e ntre dois polos em p ermanente contradicáo mutu a.
Dessa forma, Néstor Duarte , OHyeira Viana
e Víctor
Nunes Leal
enfatizaram a rrmMIiáQ PÍ9_d& íP,de|,prpado como urna barreira a cons-
trugáo d e urna ordem pública. De O liveira Viana e Francisco Cam pos a
Raimundo Faoro e Simón S chwartzman, os estudiosos investigaran o uso
do
poder público
na
criacáo de umajprdem estatal.
De
M aria Isaura Pereira
de
Q ueirós
a G olbery do Couto e Silva, enfatizaram a importancia de
sucessivos momentos
de centralizagáo e
descentralizagáo,
de
sístole
e
diástole, na formagáo da sociedade e do Estado brasileiro. A B e l ín d ia d e
Edmar Bacha,
p or
exemplo,
é a
mais recente manifestagáo, desde
a
ótica
dá~desigualdade, deste "olhar". Nao é exag ero dizer que a idéia dos dois
Brasis tem exercido um permanente fascínio, em suas variadas formas,
sobre a vida intelectual brasileira.
A s dicotomias se
mostraram
úteis na produgáo de mu í
tas
jmájises
perspicaze s sobre a política e a
economía
brasileiras. Entretanto o sistema
institucional évoluiu pa ra
urna forma
que transcende a nogáo dos "dois
Brasis".
A o
mesriio tempo
que tém
surgido críticas
á
tese
da
sociedade
dualista,
ja é tempo de a literatura avang ar além das observagóes g erais
de
qu e elementos de tradigáo e modernidade interagem d e formas elaboradas,
~e part ir
para
a
análise sistemática dessa
interagáo e
para
a
construgáo
de
um
arcabougo
analítico que capture as varias dimensóes de sua interagáo.
.
"Em geral, grande parte
da
crítica
ao
paradigma
da
sociedade dualista
origina-se
de
urna
perspectiva
neomarxista,
qu e
focaliza
as
complexidades
«̂— îi- "̂̂ —̂—
^
, «
w
-~_^-~-~
t
->^»__-'<
envolvidas na articulagáo de modos de produgáo. Freqüentem ente, a critica
abordou o problema a
partir
de urna ótica económica e internacional. Agora
é oportuno
degagjegaj;.,Q enfoque
da
sociedade
dualista, partindo de urna
perspe ctiva que combine a preocupag áo com a economía e um foco sólido
najnteraglQ .entrevárias^djmensóes instUucionais, dentro da
esfera
política
de um caso nacional.
I N S T I T U i g O E S , P O L Í T I C A E E C O N O M Í A
í
17
No
contexto deste foco político interpretativo, é importante demonstrar
como emergiram noyosjjpos de organizacóes políticas A sociáis, como se
tornaram institucionalizadas e qué'ímpacto causaram em grupos, resolu-
980 de conflítos, padroes de intermediagáo de
interesses
e governabilidade.
Defendendo a relevancia do estudo das
instituiqóes
políticas, Arthur
Stinchcombe sugere que, ao responder á questáo sobre como as relagóes
de classe s ao
agregadas
n a
sociedade, nao podemos olhar
simplesmente
para
a
esfera económica.
A resposta
"depende
de
como
o
sistema político,
e nao a
economía,
as
agrega".
2
A s
instituigóes
políticas desem penharam u m papel crucial na formagáo
/de relagpes dg glasse e de padroes de
acumulagáo
de capital, no processo
; diTímplantagáo de urna moderna ordem económica industrial no Brasil.
Desempenharam tambera
um
papeljrucial na
manutengáo e
integragáo
dentro de um marco naciori5i7~de~muitas relacóes que nao refletem a
*̂~~1~
-•-,
-•••̂
1
... . ̂_ .̂̂ .̂ .~-.._^ ^ ^ *
existencia de um m oderno modo de produg áo capitalista no país.
No
processo de
adogáo
do capitalismo moderno, o Brasil teve de criar
muitas instituigóes novas em período de tempo relativam ente curto. Con-
tradizendo os diagnósticos de Weber e Polanyi, entretanto,
nenj
todas
foram
penetradas pela lógica
impessoal
das modernas
relagóes
de rnerca-
déf. 'Esté processo de construgáo institucionaí, em meio a profun das
mudangas económicas e sociais, constituí o foco deste livro. Proponho,
aquí, um arcaboug o interpretativo para comp reender as relagóes entre
sociedade e
instituigóes políticas formáis
no
Brasil contemporáneo.
A
análise inicia-se
c om
urna discussáo
das
características
do
capitalis-
mo em sociedades industriáis avangadas, em contraste com sociedades
camponesas e sociedades cap italistas periféricas e nao-industrializadas. O
objetivo, obviamente,
nao é
rejficar estes contrastes,
mas tomá-los
como
ponto de partida para distinguir diferentes conjuntos de relagóes pos-
sív^fs é f i t T e mt>dó de produgáo, padroes de agáo social e instituigóes
políticas
formáis, e ainda propor que existem quatro padroes institucio-
nalizados de relagóes ou "gramáticas" que
estruturam
os lagos entre
sociedade e instituigóes formáis
no
Brasil: clientelismo,
corporativis-
mó, insulamento burocrático e universalismo de procedimentos. Dos qua-
ÍÍO, apenas o último reflete claramente a lógica do moderno mercado
capitalista.
Vi»ifc"n
i'"
J
'
Após expor a estrutura teórica, realizo urna análise histórica dos fatores
qu e contribuirán para a existencia desse quádruplo
sistema institucional
brasileiro. No s tres capítulos subseqüentes, mostró como o corporativis-
mo,
o
insulamento burocrático
e o
universalismo
de
procedimentos incor-
poram-se ao clientelismo ja existente.
-
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18
A
G R A M Á T I CA
P O L Í T I C A D O B R A S I L
Me u argum ento é o de que a institucionalizagáo das quatro gramáticas
progrediu
d^
maneira desig ual através
do
tempo,
tomando-se
como ponto
de partida o prmteiro governo
Vargas
(1930-45). Na
década
de 30, a
legislac_áo
corgora_tivista
surgiu como um esforzó para sejyiar uma.soli-
dariedade social e relagóes pacíficas entre grupos e classes, onde nao
tetiam
lugar"
a
tradicional
divisad entre
partidos
políticos nem os erros da
ordem ecdñomicajiberal.
Em
1933
o
Brasil elegeu urna Assembléia Constituinte permeada pela
representagáo
corporativista. O reg ime de 1934 foi substituido por urna
ditadura, e m
1937,
mas os
dispositivos corporativistas estáo em vigor
até
hoje:
náojcriaram
a
solidariedadjs^pcial
entáo desejada, mas funcionaran
como
poderoso instrumento de controle e atrelamento do trabalho ao
Estado.
No período
pós-30,
um
processo
de centralizacáo eolítica desenvolveu-
»V~
.-.-- ~>_. S^ ..
J
í̂ *̂**
H
>*a*̂~*̂ ^ --aro
se paral clámente
a
instaurado dos regulamentos corporativistas, retirando
detestados
e municipios quase todos os meios para o exercício dapojítica
clientelísta
e
transformando
o
governo federal
no
mais poderoso ator
pórtico
da
período.
D e
1937
em
diante, quando
se consolidou a
ditadura,
as
normas
CQjpqrativistas intensificaram-se,
e fortaleceu-se a centralizado. No en-
tanto,
centralizado
e corporativismo nao conseguirán
destruir
o
cliente-
lismo.
A o contrario, geraram novos recursos para su a prática, recursos
agora administrados pelo'govérnWfederal. ""
O Estado Novo (1937-45) procurou também alterar as bases tradicio-
nais do Estado brasileiro através de urna r e f o r mad o j ie r v ico p ú b l i co
baseada
n o
universalismo
de
procedimentos.
O
novo regime criou, ainda,
um
corpg_Jécnicp,
isolado
das
disputas políticas, para
assessorá-lo na
formulagáo
de
políticas.
Um de meus
objetivos nesse livro
é
examinar
o
legado
d a
década
de 30, no
qual
o
corporativismo constituí,
s em
dúvida,
urna de suas parcelas mais importantes. A s tentativ as de implantado tanto
do universalismo de
.procedimentos
quanto do insulamento burocrático
na o foram
t áo
bem-sucedidas nem tiveram tanto apoio quanto os regula-
mentos corporativistas.
O
regime democrático
d e
1946 emergiu quando
urna da s
novas gramá-
ticas,
o corporativismo, ja se encontrava e m pleno funcionamento ao lado
da antiga,
o
clientelismo.
O s
npvos partidos políticos, criados com
a
redemocratizagáo,
fizeram largo u so
d o
ciientelisrjl
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20
A
G R A M Á T I C A P O L Í T IC A D O B R A S I L
Neste
sentido, analiso o problema da articulaqao desta sociedade que se
industrializa, do ponto de vista de suas estruturas
políticas
e m interac_áo
com a sua transformacjáo económica.
N O T A S
1. Ma x Weber, Th e Protestant Ethic and Spirit
of Capitalism;
ver também Karl
Polanyi,
Th e Great Transformation; e G eo rge Dalton, "Primitive, Arc ha ic an d Modern
Economies: Karl Polanyi ' s Contribution to Economic Anthropology and Comparat ive
Economies",
Essays
in
Economic Anthropology, Dedicated
to the
Memory of Karl
Polanyi.
1.
A r t h ur S t inchc omb e ,
Economic So ciology ,
p.247.
CAPITULO 2
T I P O S D E C A P I T A L I S M O , I N S T I T U I C Ó E S
E
AgÁo S O C I A L
Quatro principáis gramáticas definem as relajees Estado versus sociedade
no Brasil: clientelismo, corporativismo, insulamento bu rocrático e univer-
salismo de
procedimentos.
As institaicpesformaispodem operar Jjuma
variedade; de
modos, segundo_uma_oujnais_gramáticas.
G rupos sociais
podem,
igualmentejbasearsuas
aqóes em consonancia com
urna
ou mais
gramáticas.
Para
colocar a discussáo na perspectiva apropriada, este capítulo desen-
volve-se em tres etapas. Primeiro, revé conceitos que tém sido utilizados
na discussáo das
diferencias
e similaridades entre as instituigóes formáis e
O S padroes de intermediagáo de interesses ñas modernas formagóes capi-
ta¿istas fndustrializadás e num á periférica e semi-industrializada como o
Brasil. T ambém salienta
o
papeFcrucial desernpenhado pelo timing erñt|ue
elementos universais similares podem
combinar-se
para
a gera^áo de
diferentes resultados sociais
e políticos na
perife ria nao-industrializada,
*m
comparagáo com o centro industrial. A pesar de as categorías de centro
e periferia serem altamente agregadas e conterem, obviamente, enormes
variaQÓes
no seu
interior,
elas sao
úteis como
uní
ponto
de
referencia
inicial
para introduzir os conceitos utilizados neste capítulo.
¡i
Em segundo lugar,
introduz
o tema do clientelismo como um compo-
r
I nente distintivo
de
certas sociedades capitalistas. O clientelismo é contras-
tadcTcom o universalismo de procedimentos"9as sociedades capitalistas
Industrializadas, através de urna
distinc^áo
entre "troca específica" e
"troca
generalizada"
ña s
sociedades de mercado. ~ ^
1
Finalmente, estabelece um contraste entre o corporativismo — como
Urna d as principáis característica1T9¥TóTmá~9é govemoTírasileira — e o
clientelismo. A conclusáo é a de que a noció do clientelismo pode
21
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22
A
G R A M Á T I C A P O L Í T I C A
DO
B R A S I L
T I PO S D E C A P I T A L I S M O , IN S T I T U i g ÓE S E A C Á O S O C I A L
23
complementar com sucesso os esforgos dos estudiosos do corporativismo,
preenchendo varias lacunas aínda na o cobertas pelos analistas.
V A R I A N T E S D E C A P I T A L I S M O E INST IT UYES
O
capitalismo
é
geralmente entendido como um modo
de
produgáo
em
que ajprogriedade
e o
controle
dos meios de proíugáo esfáó na máo da
burguesía. Este
mocfó
de produgáo
requeFaíxistenciá
de um mercado de
traBaího íivre. Os p roprietários dos meios de produgáo compram no
mercado a quantidade de trabalho necessário a producto de bens. Esta é a
base de um conjunto de relagóes de classe em que capital e trabalho
constituem dois polos necessários.
1
No capitalismo moderno a extraqáo de mais-valia é feita indiretamente.
Nao
existe o
conflito
armado da colheita nem a taxagáo direta do que é
produz ido pelos trabalhadores. O cap italismo moderno
na o
faz uso de
meios
extra-económicos
para
a extragáo da
parcela destinada
a s
fragóes
dominantes, embora possa utilizá-los para reforqá-la.
Di
estra
multiplicidade de grupos de interesses.
2
No capitalismo moderno a ac,áo
"concertada" de grup os de individuos depe nde de varios fatores, tais como
posicáo
do grupo na matriz da
estratificacáo
social, acesso ao uso de
reoirsjDsjiolíticos,
grau de
satisfagáojias^necessidades^económicas,
ar-
ranjos dominantes para
a
agregagacTe interméTiíágaode interesses,
e
assim
po r
diante. A situacjío de classe
na o
constitui base suficiente para a
a§áo
coletiva
e para" o
conflito político.
3
"'
'""Üo
ponto
de
vista
político,
alguns autores partem
da
hip ó tese
de quej)
liberalismo é o
pompanheirojjplítico
apropriado ao capitalismo moderno
porque classe e cidadaniá'sáo entidades antagónicas que o liberalismo
procura reconciliar através do "dominio público". Sufrágioj; cidadama sao
os equ ivalentes políticos
do
mercado económico. Ja
foi dito que a
cidaoÉT
niá constitui a principal revolugáo de nossa era. O "dominio pú blico", onde
individuos funcionan como eleitores, como checks
an d
balancés'dó poder
do Estado, como cidadáos,
tem
sido visto como
urna
conseqüéljcia do
funcionamento d o mercado económico livre . O dominio público é o espago
abstrato onde
as
contradigóes entre
a
lógica
da
producto capitalista
e as
demandas
d a
sociedade
sao
reconciliadas.
'~
O Estado moderno se transformou no p rimeiro detentor da forc,a como
um atributo de sua autoridade. A cons trugáo de urna au toridade racional e
territorialmente
universal foi um fator-chave no desenvolvimento dos
Estados capitalistas contemporáneos.
4
Esta autoridade foi desenvolvida
através de varios tipos de dominagáo que marcaram progressivamente a
separado
entre Estado e sociedade. Históricamente houve concentrado
de autoridade ñas máos do Estado, mas parcela razoável de autoridade
permaneceu ñas máos das élites locáis. A industrializagáo e a mobilizagáo
social erodiram a autoridad e local e ge raram um
dominio
publico nacional,
onde
os individuos se relacionan
un s
c ornro
outros'lfrom'TrEstado
de
maneira impessoal
e
mais individualizada.
O
dominio
pú blico é regulado por
normaste
insjjtuie.óes
bascadas
n o
universalismo
de
proced imen tos ,
isto
é,
n orma s "que podem
ser
formal-
melitejiTiIIzadas por
todos
o s
individuos
dapolity, ou a
eles aplicadas,
ao
elegeremR epresentantes, prótegefém-se cbní|a_abusos de poder pelo Es -
tado,
testaren
o poder das instituigóes formáis e fazerem demandas ao
Estado.
"Liberdade
de
exp_ressáo,
liberdade de reuniáo e liberdade de
impjensa_sáo aspectos básicos da representagáo" procedural' . Quando
essas garantías de procedimento sao suprimidas, é extraordinariamente
difícil para o povo form ular e exprimir seus interesses." O universalismo
de procedimentos por si so nao garante a existencia da democracia, mas é
umjde
seus
componentes cruciais.
5
D
longo processo histórico d o desenvolvimento d a moderna sociedade
capitalista
na o
somente representou urna
revolugáo
económica mas tam-
bém marcou a
redefinigáp
do s padróes d e relagóes sociais e políticas no
interior
d os Estados-na$áo. SignificoÜ a
reformulagáo
das
relacjóes
entre
individuos, redefiníu instituic.óes básicas como a Igreja, a
familia
e a
propriedade, reformulou o conceito de liberdade.
6
*•" Esta "grande
transformacáo",
nao obstante, teve lugar apenas mima
parte muito peq ueña do globo, aquela constituida pelas
nagóes
do noroeste
da Europa e dos Estados Unidos.
7
O s termos "capitalismo moderno",
"sociedades democráticas" e "civilizacáo ocidental" estáo estreitamente
relacionados a essas nagóes. A s sociedades capitalistas do A tlántico Norte
8§0 o
produto
de
urna
combinagáo de
múltiplos fatores
históricos
e
circunstancias
conj
un turáis que, digamos assim, ajudaram a "congelar"
um conjunto
de
elementos cruciais para
a
criagáo
d as
sociedades demo-
cráticas ocidentais.
A s
modernas sociedades cap italistas industriáis sao constituidas por:
a)
padráo distinto de
autOTidaderacional
baseada no universalismo de
¡edimentos;
b) um
p adráo dominante
d e
acáo social baseada
n o
ipdi-
Blismo
e no
irnpersonalismo
d e
procedimentosrque repousa
e m
urna
iiplicidade d e
fragóes
de
classe, grupos
d e status,
pa rtidos políticos
e
ladania; c) urna economia de mercado baseada na transferencia impes-
-
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24
A
G R A M Á T I CA
P O L Í T I C A DO
B R A S I L
soal
de recursos económicos, onde as trocas que ocorrem independen da s
características pessoais dos individuos envolvidos. Em poucas palavras, o
que chamamos de capitalismo
moderno
é um composto, urn a combinacjáo
interconectados.
Seria
problemático utilizar
a
historia
das
sociedades
capitalistas indus-
triáis como um paradigma para prever o futuro das sociedades capitalistas
periféricas, náo-industriais ou semidesenvolvidas, porque o centro percor-
reu
estágios
e
patamares específicos
a sua
próp ria historia.
A s
combi-
nac_óes, isto é, os conjuntos de relagóes entre condi§óes económicas,
estrulura social
e
arranjos políticos
qu e ali
ocorreram
— e q u e
sao
résponsáveis pela heterogerieidade no interior do
próprio
centro — nao
seráo encontrados em outro lugar.
Po r
simples
razóes
probabilísticas, nenhuma perspectiva
evolucionaría
linear
q ue
tomasse
o
centro como paradigma
poderla s er
capaz
de
prever
os desdobramentos
históricos
dos países nao-centrais:
nestes, diversos
fatores internos teriam que se repetir da mesma maneira que no
centro,
e
varios outros fatores internacionais, que
constituirán
o cenário para o
desenvolvimento dos países centráis, teriam que estar novamente pre-
sentes. Para complicar mais
as
coisas,
o
timing
da
combinagáo
dos
eventos
deveria
ser o
mesmo.
8
Além disso teria que existir urna
condicjáo final
impossível: os países
centráis deveriam estar ausentes do mundo atual porque sua simples
existencia n ao apenas altera
o espado no qual os
países periféricos devem
subsistir, mas também fixa parámetros, incentivos e limites para
esses
países. Mesmo na porqáo do mundo a que me refiro, de modo simplificado,
como o "centro", os que se
industrializaran
mais cedo determinaran a
agenda para os que chegaram mais tarde. Comparando a Inglaterra com as
nagóes continentais por volta de 1848, William L anger concluiu "que todo
o continente, co m a possível excegáo da Bélgica, eslava
urna
geracjáo
inteira atrás da Inglaterra".
9
Como afirma Bendix:
A historia moderna tem sido caracterizada por consecutivas
revolucóes
ou res-
tauragóes, e
cada urna
d estas transforma^óes
inf luenciou
a
scguintc (.. .) Cada urna
destas revolucpes
ou
restaurares
fo¡
u rna resposta
co le t iva u
condigóes
in ternas e
est ímulos externos. Cada urna teve
repercussóes
a lém d as frontuiras d o país em que
ocorreu. Após
cada
t ransfo rmagáo , o m u n d o m u d o u no sentido
de
Herácli to, de que
nao
é possível
banhar-se duas
vfczes ña s
mesmas
í iguas de um
rio.
A
par t i r
do
momento
em que o r ei
ing lés
fo i
destronado
c o
P a r l a m e n t o declarado supremo,
outras
m o n a r q u í a s se
to rnaram inseguras ,
e a idé ia do govcrno
p a r l am e n t ar
fo i
lanzada.
A
par t i r
do
momento
em que a
industrializacfio
fo i
iniciada,
outras
economías se
tornaram atrasadas.
A pa r t i r do momento em que a
idéia
d e
igualdade
TIPOS
D E
C A P IT A L I S M O ,
INSTITUigÓES E AgÁO
S O C I A L
25
Ibi
proclamada peran te
o
mundo ,
a
desigualdade
s e
tornou
um
fardo pesado demais
para se
carregar.
1
"
Quando o capitalismo é entendido como um pacote de condigóes e
relaqóes entre variáveis no contexto da producáo capitalista, torna-se
possível
falar
de "variantes de capitalismo", que podem partilhar tragos
similares, enquanto
sao,
ao
mesmo lempo,
profundamente diferentes
urna
da outra. " T ome-se, por exemplo, as sociedades capitalistas náo-indus-
triais ou semi-industrializadas. O que as separa do capitalismo moderno
nlo é apenas urna defasagem no
lempo,
ou urnas poucas elapas
numa
hipolética escala
de modernizatjáo.
O capitalismo industrial moderno e o capitalismo periférico podem ser
t-íubstantivamente
similares no que diz respeito a estrutura capitalista
sica
e, ao
mesmo
lempo,
diferentes
no que diz
respeito:
a) aos
desdo-
|i>ram"enlbs históricos
qu e
produziram
o
cap ilalismo
na
pe riferia, como
Sseqüéncia de sua exisléncia no cenlro; b) aos desdobramenlos his-
(Nóricos
— e o
timing
— d os
conflilos
e
qqntradicpes existen
tes na
periferia
tóíño fungáo d a importancia relativa de cada ator
político principal;
c) aos
1
ÍíÍTBíjos""polñicos
que foram estabelecidos para adminislrar a ordem
CSpitálísfá,
e os padróes de separaqáo, ou de integracáo, entre Estado e
lOCiedade; d) aos padróes de
agáo
social e de orientacáo normativa dos
hldivíduos
como mem bros de diferentes classes, grupos ou
facgóes;
e) as
distintas "passagens" que
tiyeram lugar
em
cada sqciedade periférica
e que
^wárárr?a*
tl
coñgeraT
:
'
r
ou recriar importantes aspectos daquela sociedade
determinada;
f)
as características do processo de acumulado de capital.
O entendimento do capitalismo como um pacote de
condiqóes
e re-
lacpes deve incluir as característigasjio sistema de propriedade e conlrole
dos
meios
de
producto, padróes^dejgao^social, tipojde_a¡itQridade pública
6 padróes de intermediagáo
deinteresses. Este
procedimento nao deixará
Cspágo
para
a díscussáo do
capitalismo periférico como urna transigáo
entre o tradicionalismo e o capitalismo moderno; dirigirá, ao contrario, o
foco
da análise para a
combina§áo
distinta e durável de elementos que
firacterizam urna sociedade específica em comparagáo com outras.
12
Á nogáo de
combinado
(e o timing desta
combinado)
é crucial.
Desdobrámentos históricos sao lanío produlo
daacmnuJ¿icjígJe_faíQ4:es
íruturais
como
o
sao
de
escolhas
yirluais
ou de
"oportunidades de,
Ida".
13
CondÍ9Óes e slruturais forriecem
o cenário, a "janela", para esco-
5,
coalizóes e
resolugóés
3e
conflitos.
Islo quer dizer que as condÍ5Óes
aturáis similares, se exislem, podem produz ir diferentes resullados em
""Mes"distintas, depenHendo do padráo das escoTRás feitas pelos
cipais atores políticos. Urna
"oporlunidade"
estruturalmente criada
-
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26
A G R A M Á T I CA
P O L Í T I C A
DO
B R A S I L
nao
garante nada. Oportunidades, para
serem
aproveitadas,
devem_ser
Semp re que ocorre
urna transfOT rna^áojrnportante, urn a passagem
—
como
a
industrializaqao
ou
urna revolugáo pol í t ica— , ela exclui varias alternativas e abre inúmeras
outras.
15
'
Pensemos na
industrializado.
E la cria novas oportunidades para co -
alizóes políticas assim como novos tipos
d e
conflitos, oferece novas bases
para a
compe^áo política,
mina o poder das élites fundiárias e torna
impossível pa ra elas governar de forma oligárquica. A lém disso,
promove
a emergencia
de
novos atores coletivos. Isto significa que,
ao mesmo
tempo, a industrializagáo cria novas oportunidades e evita a ocorréncia de
varias outras alternativas. Em qualq uer caso, os resultados políticos exis-
tentes serio sempre
o
produto
da combinado de
varios f atores importan tes
em dada
seqüéncia
temporal.
No cascado
Brasil,
a
industrializacjío
leve
lugar
nu m
contexto
em que
os grupos oligárquicos ja estavam
enfraquecidos
p or
confrontos
políticos,
pélsraSpfesiáo" mundial no final da década de 20, pela prejenc_ajÍ£jirna
.ejSergstatal
crescentemente forte e peía existencia de grupos comp etitivos.
A
emergencia
de
urna
nova ordem
na
década
de 30, e
aínda
mais nítidamen-
te na década de 50, aconteceu na ausencia de
urna
faccjáo Dominante,.he-
gemónica. O
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