edu lobo - o terceiro vértice
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Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do Brasil Programa de Ps-Graduao em Histria, Poltica e Bens CulturaisMestrado Profissionalizante em Bens Culturais e Projetos Sociais
Villa-Lobos
Edu Lobo: o Terceiro Vrtice
Tom Job im
Mestranda: Mnica Chateaubriand Diniz Pires e AlbuquerqueOrientador: Prof. Dr. Celso Castro
Co-orientador: Profa. Dra. Santuza Cambraia Naves
Rio de Janeirofevereiro de 2006
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Edu Lobo estabeleceua sntese em movimento.
Carioca filho de pernambucano, tevea diversidade ao alcance das mos.
Outros tambm a tiveram.Seu gnio permitiu-lhe aproveit-la
melhor do que qualquer outrode sua poca e compor uma traduo
musical de sua gentecomo a que haviam logrado
Villa-Lobos e Jobim.Edu a terceira ponta da trindade
da msica brasileira contempornea.
Mauro Dias( Edu Lobo Songbook)
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AGRADECIMENTOS
Ao CPDOC, na pessoa de meus professores Eduardo Sarmento, Celso Castro, DulcePandolfi, Fernando Weltman, Mnica Kornis e em especial professora Angela de
Castro Gomes. PUC, pela oportunidade em cursar uma disciplina para o mestrado.Aos entrevistados, que carinhosamente colaboraram com a proposta deste trabalho. professora Marieta de Moraes Ferreira, por aceitar o convite para fazer parte daminha banca.Ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro na pessoa do conselheiro presidente Jos Gomes Graciosa, por proporcionar condies para que este mestrado
se tornasse realidade. Ana Maria Soares Skowronski, por acreditar em mim.s minhas colegas de TCE: Gogia Garcia, Slvia Leonardo Pereira, Lucinha Saio,Lcia Reis, Diva Lcia Shotz, Mercedes Lins e Luciana Saldanha, por, juntas,formarem minha torcida organizada. Marta Simonsen Leal, por estimular-me a me inscrever no curso de mestrado. Adriana Diniz de Almeida, por me ajudar na lida com esse bicho de sete cabeas:o computador.Ao Joo Henrique Cesrio Alvim, por ser meu amigo a ponto de superar seuconstrangimento e conseguir uma entrevista com o Chico Buarque para mim. Joana Parente Cesrio Alvim, pela disposio em colaborar. Amanda Duque Horta Nogueira, pela reviso das entrevistas. Mariana Pires e Albuquerque, pela ajuda com o PowerPoint. Ins Blanchart, pela arte-final do CD.Ao professor Leonardo Teixeira, por me dar segurana em saber que estetrabalho passaria por sua reviso cuidadosa. Gracia Saragossi, por ajudar-me a ser uma pessoa mais equipada para enfrentar asdificuldades que encontrei nesta trajetria de mestranda.Ao maestro Zeca Rodrigues, meu amigo, que tantas dicas me deu na parte musical.
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Ao maestro Mrio Ferraro, pelos arranjos feitos com tanto cuidado, pela exaustivadedicao e por todo o carinho.A todos os meus colegas de mestrado que tanto me enriqueceram com seu convvio,em especial a Sheila S, pelas observaes generosas na sala de aula, e a ElianaGranado Craesmeyer, pelas parcerias nos momentos difceis e tambm por partilhar comigo momentos de inesquecveis alegrias.
Agradeo em especial ao meu cunhado Lus Antnio pela ateno em me mandar tudo o que estava a seu alcance sobre Edu Lobo. Glucia Henriques, que me ensinou a arte de cantar, o que aumentou as minhas
possibilidades em fazer uma das coisas de que mais gosto na vida. Nlida Ferraz, minha professora e amiga por toda a ajuda e incentivo a estetrabalho.Aos filhos que tive Andr e Eduardo e aos que conquistei Beto e Antnio , pelo interesse e estmulo a este curso de mestrado.Ao meu orientador professor Celso Castro, pelas indicaes bibliogrficas, ascorrees, e principalmente as aulas de Antropologia, em que pude assimilar
conhecimentos que foram fundamentais para a construo deste trabalho. Santuza Cambraia Naves, minha co-orientadora, pelas dicas preciosasque enriqueceram o trabalho e deram a ele o rumo que tomou. Agradeo o interessee o carinho especial para com esta mestranda, que, depois de tantos anos, voltou vida acadmica.
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RESUMO
Este trabalho pretende situar a trajetria de Edu Lobo no cenrioda msica popular brasileira. Partindo de uma possvelgenealogia que se inicia com Heitor Villa-Lobos, passa por TomJobim e alcana Edu Lobo, estabelecemos uma trade seguindo aatitude modernista de cultivo e resgate de tradies,universalizando-as e recriando-as, no que veio a ser a modernamsica popular brasileira do sculo XX. Por meio dametodologia de histria oral, colhendo depoimentos decompositores, msicos, crticos, cantores, em sua maioria
indicados pelo prprio Edu Lobo, tecemos o cenrio em que sedesenvolveu sua obra.
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ABSTRACT
The very purpose of this paper is to describe Edu Lobostrajectory within the Brazilian popular music scenario. From a possible genealogy commenced with Heitor Villa-Lobos, passingthrough Tom Jobim and finishing with Edu Lobo, this paper willstress the commingled influence of these three composers inadopting a vanguard attitude of rescuing and cultivatingtraditions. The universalization and development of thesetraditions resulted in the modern Brazilian Popular music of theXX century. Through the methodology of oral history and based
on declarations of renowned composers, musicians, critics andsingers, most of them appointed by Edu Lobo himself, this paper analyze the context in which Edu Lobos work has beendeveloped.
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SUMRIO
INTRODUO (PRELDIO)................................................................................ 11. PRIMEIRO MOVIMENTO............................................................................... 151.1 Conceitos e aspectos relevantes da MPB....................................................... 151.2 O Modernismo brasileiro e seu legado musical ............................................. 25
1.2.1 Mrio de Andrade e os princpios modernistas.............................................. 251.2.2 Villa-Lobos, o primeiro vrtice..................................................................... 361.2.3 Antnio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim: o segundo vrtice................... 42
2. SEGUNDO MOVIMENTO............................................................................... 472.1 Eduardo de Ges Lobo: o terceiro vrtice...................................................... 472.2 Edu Lobo e o violo...................................................................................... 622.3 Edu Lobo e os festivais ................................................................................. 662.4 Edu Lobo e o teatro....................................................................................... 692.5 Edu Lobo em Los Angeles............................................................................ 762.6 Edu Lobo e o processo criativo ..................................................................... 832.7 Edu Lobo em parceria................................................................................... 862.8 O menino e o Recife...................................................................................... 933. TERCEIRO MOVIMENTO .............................................................................. 993.1 Heitor Villa-Lobos, um carioca ..................................................................... 993.2 Tom Jobim, um carioca............................................................................... 1023.3 Edu Lobo, um carioca ................................................................................. 105CONSIDERAES FINAIS (POSLDIO)........................................................ 109Referncias Bibliogrficas ................................................................................... 114
ANEXO I DISCOGRAFIA DE EDU LOBO.................................................... 118ANEXO II ANLISE MUSICAL E PARTITURAS ........................................ 132ANEXO III ENTREVISTAS COM EDU LOBO.............................................. 148ENTREVISTA 1 COM EDU LOBO ................................................................... 148ENTREVISTA 2 COM EDU LOBO ................................................................... 173ANEXO IV DEMAIS ENTREVISTAS:........................................................... 202A) Carlos Lyra..................................................................................................... 228B) Chico Buarque ................................................................................................ 249C) Dori Caymmi .................................................................................................. 264D) Lenine ............................................................................................................ 283E) Luiz Paulo Horta............................................................................................. 291F) Maria Bethnia................................................................................................ 306G) Miguel Farias.................................................................................................. 311H) Paulo Jobim.................................................................................................... 331I) Zuza Homem de Mello..................................................................................... 337ANEXO V CD com gravao das msicas........................................................ 355
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INTRODUO (PRELDIO)
A msica tem sido tratada, nos ltimos sculos da cultura ocidental, como
uma das mais importantes manifestaes culturais de uma nao. Certamente, no
Brasil, a msica adquire valor mpar como elemento constitutivo da tradio
cultural, considerada, desde os romnticos aos modernistas como elemento ativo nas
razes de qualquer povo. No Brasil, a msica reveste-se de relevncia incontestvel
na formao da cultura pela fora poderosa com que faz emergir a alma brasileira.
Por alma brasileira entendemos o conjunto de afinidades, tradies e experincias
comuns vividas pelo povo brasileiro. Em suma, entendemos ser a representao dos
valores e smbolos que formam a nossa cultura, conforme nos demonstra Peter
Burke (1989).
Seu poder inaugural reparte-se no dilogo entre as trs etnias formadoras do
povo brasileiro, que teve na msica sua forma mais espontnea de expresso. Na
msica, como supunha Mrio de Andrade, o encontro entre essas tradies tnicas se
dava de forma mais intensa e dinmica, como afirma Lus Rodolfo Vilhena (s/i:22).
Por meio desse dilogo, surgiu o brasileiro numa exploso de ritmo e msica,
tornando-se, assim, visvel como cultura em definio e em oposio herana
lusitana. Se a vida cotidiana colonial dispersava, a msica a todos aproximava. A
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coeso, que ainda no existia em outras linguagens, modelava-se no campo da
msica. (Kaz, 2003/2004:20)
Como primeiro aporte de entrelaamento das etnias, a msica no s foi um
dos principais caminhos para a solidificao da noo de brasilidade, mas
representava, igualmente, uma via de expresso de uma individualidade em meio a
tanta diversidade. Foi assim que o elemento lusitano manifestou a saudade de sua
terra. O fado, originalmente criado no Brasil, e desenvolvido como permanncia emPortugal, guarda, semelhana das nossas modinhas, um lirismo de individualidade,
assim como, ao som da msica, atenuava-se o banzo. A paisagem coloriu-se de
ritmos novos, cuja argamassa j eram os sons da natureza to implcitos nas
manifestaes indgenas. A cor brasileira molda a lngua de herana, o portugus,
dando-lhe musicalidade e fluncia distintas da antiga metrpole. Um processo de
vocalizao da lngua que a tornou especial, brasileira, cujo trao distintivo de
identidade se revelou na alma brasileira. Assim, interessante notar que, sendo a
lngua um dos maiores patrimnios culturais de um povo, ela tenha recebido
mormente na msica seu elemento diferenciador.
Falar de msica no Brasil falar de todo um arsenal histrico-cultural que,
numa espcie de sincretismo harmnico, possibilitou o que pareceria impossvel se
pensado como estratgia de integrao. Como as vias de um rio que corre largo seu
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curso, embrenhando-se pelas matas da prdiga terra virgem, Pindorama exaltado
como marca de nacionalismo e identidade, os caminhos da msica no Brasil
refletiram e refletem os passos sincopados da fuso das danas indgenas, dos
minuetos e valsas, dos batuques, num movimento de, com os ps sentindo e fazendo
sentir o cho, criar razes de uma genealogia plural.
Pretendemos, com essa abordagem da msica como possibilitadora de
dilogos vrios, focalizar um dos indcios de nossa identidade, permanncia eruptura em constante eflvio, natural ao jeito de ser brasileiro. O carter de
formao da msica popular evoca a todo instante sua prpria busca de identidade,
percorrendo, das vias aos trilhos, uma histria de que no podemos prescindir se o
tema for sempre aterra brasilis.
Como aparte, guisa de esclarecimento, vale lembrar que, neste trabalho,
utilizaremos determinadas categorias relativas ao universo da msica, tais como
msica de concerto, msica folclrica e Msica Popular Brasileira. Trabalharemos
essas categorias de modo a relacion-las com a obra dos trs compositores
abordados: Villa-Lobos, Tom Jobim e Edu Lobo. neste que concentraremos nossatica de anlise. Como ressalva inicial, importante que se entenda que msica
popular e Msica Popular Brasileira so categorias distintas. Abordaremos essa
distino no interior do trabalho.
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Por trilhos rurais e urbanos, a msica popular brasileira segue seu itinerrio.
E por meio dela que pretendemos abordar a obra do compositor brasileiro Eduardo
de Ges Lobo, mais conhecido por Edu Lobo, cuja trajetria musical e intelectual
constitui o tema do presente trabalho. Pretendemos, nesta abordagem, compor uma
genealogia musical de Edu Lobo. Ela comea em Villa-Lobos, que, ao mergulhar no
folclore musical brasileiro, transpe esses elementos sonoros para a msica de
concerto e cria uma msica brasileira universal, cuja tradio ser seguida por Tom
Jobim e Edu Lobo.
Por meio do Modernismo, a partir da dcada de 20, as razes de nossa
cultura foram reintegradas a seus trilhos longnquos. Ao contrrio do movimento
modernista europeu, que busca romper com suas prprias tradies e passa a
importar elementos de culturas distantes, o Modernismo brasileiro caracteriza-se por
essa via de resgate de nossa autenticidade. A partir da, a tradio europia passa a
ser cooptada numa nova dico, ou seja, ela transforma-se em um dos elementos da
nova arte brasileira. importante destacar que, como primeira tentativa de viso
crtica da realidade brasileira (o Romantismo entregara-se aos idealismos que lhe
serviram de base), o movimento modernista, mesmo com seu trao de irreverncia e
demolio do passado dos primeiros momentos, conjugou uma releitura de Brasil,
em que tanto forma quanto contedo mereciam ser revistos numa inteno de
construir o trao identificador do brasileiro. Na literatura, o vis de diversidade (o
heri sem nenhum carter) apontado por Mrio de Andrade em Macunamae o
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trao irnico-dilemtico do Tupi or not tupi de Oswald de Andrade alaram a
discusso esttica confluncia de culturas. Villa-Lobos, na msica, quem alia o
esprito experimental do movimento a uma busca de expresso da sonoridade
brasilis. Se um p machucado e a conseqente ausncia de sapatos na Semana de
Arte Moderna deu ao acaso a Villa-Lobos a aparncia de quebrar com a aura erudita
da orquestra e do maestro, foi de fato a unio de elementos funcionais aos
instrumentos europeus que garantiu o alerta de que ali se forjaria um caminho
distinto da tradio, muito embora por ela se calcasse e com ela se embalasse. Com
o modernismo, um novo paradigma musical se instala no cenrio cultural brasileiro.
A msica do sculo XX deita profundas razes na nossa formao colonial.
Essas razes longnquas so a mistura dos lundus africanos, dos cnticos religiosos
dos jesutas e dos componentes coreogrficos ou dramticos dos cnticos indgenas,
que juntos formariam as bases da futura msica popular brasileira, entre cirandas,
serestas, chorinho e tantos outros gneros mestios. Ou seja, no importa, so
bonitas as canes (msica: Choro Bandido, de Chico Buarque e Edu Lobo, in:O
Grande Circo Mstico, Dubas Music, 2004).
O compositor Villa-Lobos deu a esses gneros mestios um carter
universal, quando comps, em primeiro lugar, Choros, seguidos de Estudos para
violo, "Serestas e Cirandas, conjunto de obras que, segundo Luiz Paulo Horta
(1987: 48), constituem a espinha dorsal da sua obra, o ncleo essencial da msica
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brasileira. Mais adiante, veremos como essa espinha dorsal sustentar a Msica
Popular Brasileira composta por Tom Jobim e Edu Lobo.
Os ndios incorporaram os primeiros traos da msica portuguesa aos sons
de suas danas, bater de palmas e instrumentos, com chocalhos, varetas e outros. Foi
nos rituais religiosos das misses jesutas que se deu esse processo de assimilao.
Por sua vez, ao introduzirem nas comunidades indgenas instrumentos europeus
como a flauta, o cavaquinho e o clarinete, para citar alguns, promoveram os
primeiros cultos populares em forma de festa, como o reisado e a celebrao do boi,
que, segundo Mrio de Andrade (2005: 26), era o nosso animal totmico nacional. A
cultura musical africana desenvolvida nos quilombos deu origem s primeiras
formas de msica afro-brasileira que, mais tarde, evoluram para o afox, o lundu, o
maracatu, o maxixe e o samba. Estava feita a simbiose das culturas em sua mais
profunda comunicao: a msica.
Na viso modernista de Mrio de Andrade, a msica no Brasil fruto da
expresso sonora das trs vertentes formadoras do nosso povo: o ndio, o portugus
e o negro, que, ao estabelecerem um dilogo entre suas diferentes culturas,
plantaram a semente da diversidade musical. nessa confluncia que surge a
Msica Popular Brasileira. Ns nos realizamos verdadeiramente no nosso
imaginrio na msica. e, por meio dela, seja popular ou clssica, construmos um
processo constante e intenso de nos fazermos brasileiros. Por meio da mistura de
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etnias nos inventamos. O compositor, ao criar suas composies, no apenas
inventa, ele se reinventa absorvendo a tradio musical, e reinventa assim a prpria
msica brasileira, o que permitir que os brasileiros annimos se reinventem ao
tom-la como estmulo esttico ao pensar-se brasileiro.
Luiz Paulo Horta acredita que, antes de Villa-Lobos, havia alguns
segmentos de uma msica brasileira considerada menor. Ainda no existia a msica
de reconhecido valor em densidade e originalidade que viria a conquistar seu devido
lugar no cenrio universal da msica. Segundo Luiz Heitor,apud Luiz Paulo Horta,
o momento em que Villa-Lobos encontrou seu prprio estilo foi o ano de 1917,
quando o impacto, na Europa, de suas composies para ballet (Amazonas e
Uirapuru) revela, naquele continente sedento de renovao artstica, a beleza
selvagem dos trpicos. Tambm o crtico Andrade Muricy,apud Luiz Paulo Horta,
considera o Uirapuru (1917) a primeira das obras-primas do Villa-Lobos
autntico.
Isso quer dizer que, depois dessas duas composies, como o prprio Villa-
-Lobos declara posteriormente, ele perde qualquer inibio com relao presena
das foras telricas brasileiras em suas composies.
A partir dessa conscincia modernista, Villa-Lobos tornou-se o trilho que
alou a msica popular brasileira sua consolidao. E, nesse trilho armado pelo
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av, seguiram trajetria seu filho Tom Jobim e seu neto Edu Lobo, smbolos de
novas geraes. Sem deixar para trs a bagagem da tradio, essas novas geraes
bebiam das fontes que surgiam, em estaes longnquas, num trabalho de constante
reinveno.
Discpulo assumido de Villa-Lobos, Tom Jobim, ex-aluno do professor
alemo de piano Hans Joachim Koellreutter e da professora Lcia Branco, embora
no tenha criado com base nas fontes folclricas como fizera o mestre, dele se
aproxima, quando se volta para a natureza, fonte inspiradora de muitas de suas
criaes, como Matita-Per e Urubu. Tom Jobim seguiu a tradio legada por
Villa-Lobos, no s ao dar continuidade s tradies de universalizar os sons
exuberantes de nossa terra, como tambm por ter assimilado e reinventado a esttica
de Villa-Lobos.
Tom Jobim fez sua estria como compositor em 1953 no Rio de Janeiro,
quando a msica brasileira de concerto j estava criada pelo pai Villa-Lobos. Sua
importncia no cenrio musical da poca foi criar juntamente com o baiano Joo
Gilberto e com o poeta e diplomata carioca Vincius de Moraes um novo estilo
musical que consolidaria a Msica Popular Brasileira, elevando-a a um patamar de
respeitvel posio no cenrio nacional e internacional. Tom Jobim tambm ajudou
a minimizar o preconceito com relao profisso de msico popular no Brasil. Ele
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viria a ser uma referncia to forte, que influenciaria toda uma gerao de msicos,
entre os quais Edu Lobo.
Edu Lobo surge no cenrio artstico musical brasileiro, em 1961, no Rio de
Janeiro, no momento em que nossa msica popular j estava consagrada com a
bossa nova, que surgira em fins da glamourosa dcada de 50, a Era JK. Apesar de
sua batida inovadora, a bossa nova trazia consigo, daquelas fontes de estaes
longnquas, elementos do samba tradicional incorporados a elementos do jazz. A
esse respeito, contribui Chico Buarque:
E quando apareceu o Joo cantando e tocando violo erauma coisa inteiramente nova, porque era msica brasileira, msica popular brasileira... para ns, garotos,era uma coisa moderna, dizia alguma coisa para ns,tnhamos 14, 15 anos naquela poca, (...) eu gostava... euouvia aquilo tudo, mas j nessa poca eu gostava mesmode msica americana, gostava muito de jazz. Tinha umaespcie de clube na casa de um amigo meu, a gente ficava
l tocando, eu tentava tocar bateria acompanhando discosde John Coltrane, eu adorava aquele disco do Miles Daviscom arranjo do Bill Evans. Era fissurado por jazz,apareceu essa msica que era, vamos dizer, moderna,apesar de brasileira...1
Na dcada de 1960, Rio de Janeiro e So Paulo eram o eixo cultural do pas.
J consagrada como um novo estilo musical, a bossa nova contava com expoentes
responsveis por grandes sucessos: Carlos Lyra, Roberto Menescal, Lus Carlos
Vinhas, Ronaldo Bscoli, formando sua primeira gerao. Alm disso, ela foi
tambm a mola propulsora da segunda gerao que surgia, naquele instante, movida
1 Entrevista de Chico Buarque a Monica C. D. Pires e Albuquerque
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pelo interesse em compor e participar do cenrio cultural do pas. Essa gerao
caracterizava-se por ser formada, em sua maioria, por jovens universitrios de classe
mdia. Esses jovens promoviam reunies musicais para tocar violo, o instrumento
da poca, cantar e trocar suas experincias musicais baseadas nos dolos da primeira
gerao da bossa nova.
O perodo entre essas duas geraes caracterizou-se por uma estreita relao
entre msica e poltica, que vai do governo de Juscelino Kubitschek, o presidente
bossa nova, ao Ato Institucional n 5 AI-5, promulgado em 13 de dezembro de
1968. A relao existente entre msica e poltica na poca de Juscelino constitua
uma proximidade nova entre os jovens da classe mdia universitria e da elite
poltica.
Essa juventude, que ouvia jazz, Sinatra, Chet Baker, entre outros, encontrou
em seu prprio pas uma msica nova com a qual se identificava. E gerava assim
motivao para compor. Embora nem todos tenham seguido carreira musical, a
vontade de participar das reunies em que se trocavam experincias musicais era
comum a todos. Como alguns dos participantes eram diretamente relacionados
elite poltica, as duas classes acabavam por se aproximar. Essa relao indita veio a
trazer conseqncias significativas para a Msica Popular Brasileira.
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Ajudava, assim, a diminuir a rejeio que at ento havia contra os msicos
e a estimular a profisso como uma possibilidade dentro do mercado de trabalho.
Tom Jobim e Vincius de Moraes, por exemplo, foram convidados por JK a compor
a Sinfonia de Braslia, em homenagem nova capital.
Da era JK ao AI-5, o pas viveu um ciclo virtuoso de brasilidade. (Kaz,
2003/2004:32) A JK sucedeu Jnio Quadros em 1960, que, aps sete meses de
mandato, renunciou, deixando o pas numa grave crise poltico-social. Jnio deixou
a presidncia para seu vice Joo Goulart, que governou sob fortes presses, tanto da
direita, que no aceitava reformas sociais, quanto da esquerda, que o apoiava e ao
mesmo tempo cobrava com veemncia as reformas que julgava necessrias. Jango
foi deposto pelo golpe militar de 31 de maro de 1964. O marechal Humberto de
Alencar Castelo Branco assumiu o poder prometendo restaurar o processo
democrtico. Em dezembro de 68, durante o governo Costa e Silva, esse ideal foi
sepultado pela promulgao do AI-5.
De JK ao AI-5, passaram-se 10 anos de rica euforia na produo das artes
no Brasil. Esse perodo vai da consagrao do msico Tom Jobim, com Chega de
Saudade s msicas de protesto e aos festivais da cano, em que Edu Lobo se
tornou um expoente de sua gerao: a segunda gerao da bossa nova.
Assim afirma Miguel Farias:
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Eu quando eu comecei a fazer, quando eu ouvi pela primeira vez a msica Chega de Saudade, foi umimpacto. Porque pela primeira vez eu acho que eu ouviao garoto gostava de msica e tal, mas era mais...gostava de msica americana, Elvis Presley. E aquilo
para mim foi um choque porque eu apenas escolhi umacoisa que falava a dico da minha gerao. Quando euera garoto, com quatorze, quinze anos, aquilo falando aminha lngua e era uma coisa que estava ao alcance damo, que era brasileira e que para mim foi assim umacoisa determinante na minha vida, eu acho.2
O presente trabalho estuda a trajetria musical do compositor Edu Lobo a
partir de sua afiliao com Tom Jobim e com Villa-Lobos. Pretende-se comparar
algumas semelhanas que revelam uma afinidade no vigor da msica dos trs
compositores e na harmonia sofisticada que resultaram na universalizao de suas
obras. Seja nas Bachianas de Villa-Lobos, seja em Matita-Per de Tom Jobim
ou em Casa Forte de Edu Lobo, em qualquer uma dessas obras percebe-se a
presena marcante das formas sonoras brasileiras. Elas so um fio-terra que conduz
o ouvinte de qualquer latitude a mergulhar no imaginrio da cultura brasileira.
As diferenas entre os trs compositores tambm sero abordadas. Villa-
-Lobos foi diretamente ao folclore e deu-lhe um tratamento musical acadmico para
criar msica de concerto. Tom e Edu fizeram diferente foram ao popular, deram-
-lhe um tratamento sofisticado para criar msica popular. Edu Lobo, como Villa-
-Lobos e diferentemente de Tom Jobim, foi algumas vezes tambm ao folclore para
criar msica popular.
2 Entrevista de Miguel Farias a Monica C. D. Pires e Albuquerque
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Todo esse material foi selecionado de forma a atender convenientemente aos
objetivos da dissertao: construir de forma acadmica a trajetria artstica do
compositor Edu Lobo, que abrange desde msicas populares de festivais at msicas
sofisticadas, msicas especficas para teatro e bals e trilhas sonoras para cinema. E
ainda, na medida do possvel, resgatar o lugar que devido imagem do msico,
compositor, arranjador, orquestrador e cantor Eduardo de Ges Lobo.
Nisso situa-se a relevncia do presente trabalho. Um compositor da ordem
de Edu Lobo, que tanto contribuiu para a cultura musical do Brasil, merece uma
visibilidade mais clara no conjunto da msica popular brasileira. Dessa falta nasceu
a necessidade de levar a cabo uma pesquisa que resultasse em um trabalho que, ao
perfazer a trajetria do compositor Edu Lobo, trouxesse tona a fora artstica
presente em suas inmeras composies.
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1. PRIMEIRO MOVIMENTO
Neste captulo propomos algumas conceituaes e matizes de estilos que
consideramos relevantes para o tema central do trabalho. Queremos ressaltar de
antemo que separamos aqui conceitos quase sempre inseparveis nas obras
pesquisadas, somente para us-los sem ambigidades ou equvocos. No se trata de
conceitos rgidos, embora sejam fundamentais para pensar a msica brasileira
focalizada em nosso trabalho.
Em seguida, construmos a trajetria de Mrio de Andrade e das discusses
modernistas, que serviram de base para a grande transformao musical que o sculo
XX sofreu a partir desse movimento. Apontando musicalmente Villa-Lobos, que
chamamos de primeiro vrtice, como o precursor da elaborao musical a partir dos
ritmos populares, chegamos a Tom Jobim e preparamos a base para a ampla anlise
de Edu Lobo que se seguir nos prximos movimentos.
1.1 Conceitos e aspectos relevantes da MPB
Em primeiro lugar, o que msica popular? No Brasil, a msica popular
uma expresso que resulta e se beneficia do cruzamento entre matrizes diversas. A
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compositores da msica popular egressos do movimento definitivo para a realizao
de uma mudana de patamar da msica popular brasileira: a bossa nova. Tom Jobim
e Edu Lobo so compositores sofisticados. O prprio Edu encarregou-se de
conceituar o estilo sofisticado como sendo o cuidado de compor, de burilar (...)
uma msica mais trabalhada4. De incio, hesitante em aplicar esse termo, Edu acaba
se rendendo a ele:
Mas a palavra essa mesma, sofisticao(grifo nosso),
no tem sada. porque sofisticao no Brasil sinnimode coisa pedante, mas no . Sofisticar no pode ser usada de uma forma pejorativa, (...) polida mesmo, ocara t polindo ali.5
Refinada, trabalhada, cuidada, sofisticada, enfim essa msica popular que
surge, nos fins da dcada de 50, a partir do conhecimento e da descoberta de novas
harmonias, o que ser a marca de Tom Jobim, Edu Lobo e de muitos compositores
ps-bossa nova, entre os quais se destacam Dori Caymmi e Milton Nascimento.
exatamente esse matiz sofisticado o elemento transformador da msica popular
brasileira, naquele momento histrico, a ponto de tornar muitas composies
verdadeiros clssicos da msica popular universal ou, pelo menos, obras-primas
compostas aqui no Brasil. Esse novo repertrio dialoga, num certo sentido, comVilla-Lobos.
4 Entrevista 1 de Edu Lobo a Monica C. D. Pires e Albuquerque5 Idem.
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Portanto, dos anos 1960 em diante, a sofisticao que nasce do conhecimento
de harmonia e ritmo mais elaborados ser passaporte para a entrada de nossos
msicos num registro musical diferente dos anteriores. A professora Santuza
Cambraia Naves (1998:16) considera que essas fronteiras acima definidas so
muitas vezes tnues, acabando por haver uma interpenetrao entre elas. Ainda
segundo Naves, h uma tenso permanente entre o popular e o clssico em certos
compositores do sculo XX, como Bernstein, Piazzola, Tom Jobim e Edu Lobo.
Essa tenso no autorizaria definies pontuais, uma vez que a msica um
cruzamento do popular com o culto, o que acaba por confundir e dissolver
hierarquias rgidas. A circulao e a troca entre ritmos e harmonias de fontes
diversas o que se ouve e que se afirma como msica, apontando melhor sua
qualidade, na medida em que ela expe o que se considera no s identidade
cultural, mas tambm obra universal.
Alm dessas diferenas fundamentais para nossa abordagem, preciso, em
segundo lugar, nos atermos questo da msica popular brasileira como percebida
e ouvida hoje. O que se percebe no Brasil, aps o surgimento da bossa nova, so
compositores que conhecem a estrutura musical, no se limitando a compor
intuitivamente, de ouvido. H uma maior elaborao nas harmonias e uma busca
no aprimoramento da qualidade das composies. Esse processo funo direta dos
elementos criadores dessa msica, ou seja, esses elementos so provenientes da
cultura da classe mdia universitria. Apesar de no ter sido controvertido, o
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nascido de uma necessidade de auto-expresso de todo um grupo de jovens
freqentadores da praia de Copacabana.
A esse respeito refletiu Roberto Menescal:
Voc imagina a gente com quinze anos, com dezesseis,dezessete anos, comeando a tocar violo, e a msica quese tocava nos rdios nessa poca era o samba-cano,cujas letras no tinham nada a ver com a nossa geraoque vivia em Copacabana. (...) Ou aquela msica doAntnio Maria que dizia: Se eu morresse amanh demanh minha falta ningum sentiria... Ns ramos ocontrrio disso. Ns achvamos que todo mundo nosamava, todo mundo queria a gente. (Duarte & Naves,2003:57).
Vendo a bossa nova por um outro ngulo, mais formal, o maestro Jlio
Medaglia afirmou sobre a obra de Tom Jobim:
A capacidade de reduzir os componentes musicais ao
mnimo, num despojamento to extremado que a msica parece flutuar numa esfera onde reside apenas a mais purasensibilidade, rara na histria da msica e, talvez, scomparvel a um Satie com suas gymnopediesou aosdivertimentos para corda de Mozart. (Vogue, Edio Especial Tom Jobim. 1995: 114-115)
Era uma nova viso da msica popular brasileira que se abria pela vontade
de mudar, de buscar uma expresso mais dinmica, o que acabou por se traduzir na
famosa batida do Joo. Alm desse papel fundamental do violo, a bossa nova
recebe fortes influncias dos arranjos de jazz americano. Novas harmonias tambm
eram assimiladas pelos musicais da Metro.
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A respeito do violo, vale aqui ressaltar sua trajetria na msica popular
brasileira. No sculo XIX, prximo da guitarra portuguesa que produziria o fado, o
instrumento no era bem-visto pela elite, que se apropriara do piano como objeto de
consumo e smbolo de status. Nas reunies ltero-musicais, o piano comandava os
eventos de lazer na cidade do Rio de Janeiro, que desejava respirar ares de burguesia
europia. O violo permaneceu por muito tempo como smbolo da classe popular,
como atesta Carlinhos Lyra:
J, j tnhamos aberto a porta, porque at ento tocar
violo era coisa de vagabundo, de crioulo de botequim. Ens mudamos isso. No caso, eu pessoalmente, o meu tiotocava violo muito bem, n? O Menescal , quem foiensinar violo a ele fui eu. Quer dizer, o homem doviolo. O Joo Gilberto era o do violo e o Tom Jobim,do piano.7
Por no ser um instrumento clssico de orquestra, sua identificao com as
composies populares aponta em vrias culturas ocidentais. Seja como guitarra
portuguesa, espanhola, banjo ou o nosso violo, o instrumento porttil de cordas
registrou a essncia das culturas regionais. Compondo uma trajetria de
resistncia, mesmo como base da composio do samba, s ganhar destaque
elevado na bossa nova, alado categoria de instrumento nobre e instrumento de
fundao do movimento com a clebre batida de Joo Gilberto. Como disse Chico
Buarque, bossa nova foi aquilo criado por Joo Gilberto, uma maneira de tocar
violo, de cantar... uma msica, uma estilizao do samba, vamos dizer assim.8
7 Entrevista de Carlos Lyra a Monica C. D. Pires e Albuquerque8 Entrevista de Chico Buarque a Monica C. D. Pires e Albuquerque
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questo de vontade de criar . Um novo ambiente musical e artstico em geral se abria,
no Rio de Janeiro, agonizante capital federal nos idos de 50. Em meio a essa agonia,
os jovens cariocas e outros para ali atrados resistiam, revirando nossa tradio
musical pelo avesso, ao mesmo tempo em que criavam um imenso e enriquecedor
repertrio. O talento das caladas de Copacabana espalhava-se pela cidade.
Encerramos este captulo destacando a importncia dos ritmos populares
para a msica brasileira criada no sc. XX. Villa-Lobos, Tom Jobim e Edu Lobo, os
trs compositores abordados neste trabalho, compartilham a mesma viso da
importncia da msica folclrica na criao de cada um.
nos ritmos populares que repousa o tesouro inesgotvel, do mais arcaico e
milenar, em nosso caso o pr-colombiano. A msica brasileira, seja a clssica criada
por Villa-Lobos, seja a clssica popular de Tom Jobim e de Edu Lobo, partilha a
mesma incorporao de etnias amerndias, africanas e europias. Graas a essa
convergncia feliz de ritmos, melodias e sons diferentes, o sculo XX veio a
produzir esta grande arte universal que a msica brasileira. O coroamento se d
com o movimento modernista, que, fazendo um balano da nacionalidade no
centenrio da Independncia (1922), dialoga criticamente com o passado, por vezes
rejeitando-o esteticamente, mas buscando-o como forma de entender as razes
constituintes da frgil identidade ainda no especificada. na busca dos ritmos
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correspondncia. Essa avaliao tomou substncia na conferncia O Movimento
Modernista, pronunciada em 1942. Os princpios nela enunciados so hoje
clssicos da crtica da arte brasileira. Esses princpios so: nacionalismo e formao
de uma conscincia criadora nacional, o direito permanente pesquisa esttica e a
atualizao da inteligncia artstica brasileira.
Para a consecuo deste trabalho, parece-nos fundamental que, primeiro, se
esclarea, ainda que resumidamente, cada um desses princpios. E o prprio Mrio
de Andrade fornecer os meios para compreend-los, como se ver adiante. Em
seguida, trataremos de algumas das principais modificaes introduzidas pelo
movimento modernista no cenrio musical brasileiro. De antemo, destacamos a
importncia da adeso de Villa-Lobos Semana de Arte Moderna. Tendo resistido
ao convite inicial, acaba por ceder e nela se apresentar e apresentar tambm suas
jovens obras. bom lembrar que, a partir de 1914, Villa-Lobos vinha incomodando
os defensores da tradio clssico-romntica com suas obras renovadoras e
revolucionrias pelo tratamento harmnico e rtmico audacioso a elas dado pelo
jovem compositor carioca.
Naquele momento histrico de fevereiro de 1922, havia uma preocupao
nacionalista que, sem negar o que ela devia ao romantismo do sculo anterior, como
projeto de uma identidade nacional, clamava, agora, por uma autenticidade, ainda
indita, na vida intelectual brasileira. O Centenrio da Independncia, a ser
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regionalismo do Nordeste, trazendo uma viso mais crua da realidade brasileira. A
dcada de 1920 mostra, portanto, um nacionalismo de vrias faces que sofrer dois
grandes abalos: a Revoluo de 1930 e a Revoluo Constitucionalista de 1932,
quando a idia de Brasil foi repensada de modo agudo. Esse foi um perodo de
convulso poltica, social, econmica e artstica que transformou significativamente
o Brasil do perodo entre guerras.
importante configurar, em linhas gerais, a concepo muito particular que
Mrio de Andrade nutria sobre nacionalismo. Sua crtica sobre esse tema muito
pessoal e mostra que suas idias acerca dele se transformaram com o tempo, com
sua experincia individual e histrica. O nacionalismo de Mrio torna-se pblico em
1917, quando pronunciou um curto discurso no Conservatrio Dramtico-Musical
de So Paulo. Na conceituao de ptria daquele momento, nota-se um tom
ufanista, moda de Olavo Bilac (Criana, jamais vers um pas como este). Mas,
j em 1924, Mrio condenar esse tom grandiloqente. Da em diante, seu
nacionalismo transforma-se, escapando a uma viso patritica estreita, recheada de
exotismos, que tanto condenar, e de regionalismos radicais. Em meados de 20,
Mrio quer descobrir o que a conscincia nacional que ele acredita ser ntima,
popular e unnime. Mrio procura na poesia e na msica, no folclore e nos usos da
lngua (falares) manifestaes dessa conscincia: a alma brasileira.
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lugar sagrado da arte. Prefere, ento, diante de uma repblica que no educa
ningum e sacrifica gente do povo, ser apenas um livre e ingnuo poeta no sentido
mais virginal, mais anti-social da palavra. (Andrade, 1958:80). Mrio no foi,
porm, contra si mesmo, um alienado. Tratou de tudo de seu tempo, de seu prprio
jeito. Mesmo ao se retirar, lutava. Tratou da poltica, das revolues, do sentimento
ntimo, da paulistanidade, da migrao para o Sul e, principalmente, da cultura em
geral e da cultura popular em particular: o folclore, os mitos, as vrias linguagens
que os expressavam. Sua obra foi a de um homem do seu tempo, obra que exprime
vigorosamente uma dolorosa conscincia do mundo e suas contradies, dos homens
e de si mesmo. Na verdade, Mrio proclamava (contra os idealistas sem efeito de
uma nacionalidade falsa e ufanista) que aquilo que ele buscava ainda no existia.
Era, portanto, urgente promover seu aparecimento. E isso s seria possvel no
encontro dos artistas com as fontes populares e o folclore. Tratava-se, portanto, de
procurar, agora por um caminho diferente do j traado pelos romnticos do sculo
anterior, uma conscincia nacional. Onde encontr-la? No povo, como alma
brasileira e inconsciente coletivo; no direito permanente pesquisa esttica, ou seja,
no experimentalismo apoiado nos fatos do presente e no contato com as vanguardas
europias e, finalmente, na descoberta de uma tradio pura no intelectualizada.
Mrio de Andrade insiste na descoberta de uma legtima conscincia criadora
nacional de base popular e folclrica. Nessa realizao estaria a contribuio mpar
do modernismo para a identidade nacional. O movimento lana-se, ento, pesquisa
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porm, ao mesmo tempo, representativas daqueles grupos como uma fora que
subia de baixo para cima. Adiante, Mrio observa como essa mesma msica
religiosa(grifo nosso) passa de vscera a epiderme. (Andrade, 1965:22-24). A luta
pessoal e social de Mrio que nunca permitir consider-lo alienado foi
ressuscitar aquelas vsceras populares aterradas l no andar de baixo da lenta
construo social de uma cultura brasileira, artificialmente erudita e nobre
(ibidem), para torn-la mais prxima de si mesma, de seu primitivismo original
pau-brasil.
Sem dvida, a paixo de Mrio de Andrade pela msica conduziu grande
parte de seu projeto cultural revolucionrio. Ele esteve no centro do pensamento
musical de seu tempo, um tempo em que a msica brasileira comeou realmente a
marcar sua presena no mundo. O esprito pragmtico de Mrio, associado ao
carter didtico de sua obra, deu o selo escola nacionalista, assim como estava
vinculado ao magistrio que Mrio exerceu ao longo de sua vida, no Conservatrio,
frente de Departamento de Cultura, ainda em So Paulo, e, finalmente, no Rio de
Janeiro. Entre as inmeras conferncias pronunciadas acerca da msica, destaca-se o
Ensaio sobre a Msica Brasileira.
Restou destacar que a luta modernista, principalmente a de Mrio e de
Oswald de Andrade, foi sempre uma luta pela atualizao da inteligncia artstica
brasileira, de modo a p-la em conexo consigo mesma, em primeiro lugar, e a partir
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da com o mundo. Por intermdio das idias de ambos e de outros, instalou-se um
conflito e uma ciso na alma brasileira recm-nascida. De um lado, um positivismo
que teimava em persistir atravs de grande parte do sculo XX. De outro, uma nova
viso, aberta ao popular e s razes formadoras da nacionalidade brasileira, a se
nutrindo a autntica alma brasileira em trocas e contatos permanentes com outras
culturas.
Mrio de Andrade traz intelligentsiao que no estava sistematizado como
conhecimento elaborado. Suas obras Danas Dramticas do Brasil e Msica de
Feitiaria no Brasil revelam toda a sua dedicao em registrar, analisar e catalogar,
at mesmo com partituras, as manifestaes dos ritmos musicais populares. Com tal
contribuio, alm de compor um acervo inestimvel de memria, era possvel
conhecer melhor o Brasil musicalmente, se se buscava, tambm na msica, um
aspecto de identidade que se lhe pudesse destacar. No entanto, a identidade-
-diversidade defendida em Macunamaconstitui o tom da pesquisa, construindo-se,
por meio dos diversos registros, fatores de unificao nacional agregando os
sentidos e sentimentos regionais. Mrio de Andrade revela-se, assim, como o
fundador da pesquisa etnomusical e sua possvel valorizao pelos meios
acadmicos. Uma fundao, ao lado de toda a sua contribuio para o movimento
modernista, que definitivamente constituiu uma ruptura com o olhar passadista e
europeizado. Na experincia dessa ciso, a inteligncia artstica brasileira viveu, ao
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Posteriormente, foi aluno de Lcia Branco, que o exercitaria nos clssicos de Bach,
Chopin, Beethoven, Ravel, Debussy e Villa-Lobos. Foi a professora Lcia quem o
estimulou a compor. Tom Jobim viria a aprimorar seus conhecimentos de harmonia
com o professor, regente e compositor Paulo Silva. Tambm aprendeu a tocar flauta.
Tom Jobim chegou a cursar o primeiro ano da faculdade de arquitetura, mas
a abandonou para seguir sua real vocao: a msica. Segundo o prprio Tom Jobim,
sua msica era essencialmente harmnica, composta em piano, instrumento
harmnico por excelncia. Parafraseava Villa-Lobos dizendo que quem compe
num instrumento deve dar parceria ao instrumento.
Admirava as pessoas que compunham msica brasileira com os sons do
Brasil. Esses sons produzidos pelas florestas, pelos pssaros, contidos nas obras de
msicos estrangeiros como Maurice Ravel e Claude Debussy, exerceram tambm
influncia nas composies de Tom Jobim, contribuindo para universalizar sua obra.
Em 1956, depois de ter tocado nas principais casas noturnas do Rio de Janeiro,
trabalhado na gravadora Continental, fazendo arranjos e orquestraes para
compositores que compunham de ouvido, aconteceu o encontro que seria definitivo.
O poeta Vincius de Moraes procurava algum para compor a msica de uma pera
negra carioca aclamada pela crtica europia:Orfeu da Conceio. Tom Jobim
aceitou o convite. Nasceu, dessa forma, uma das maiores parcerias da Msica
Popular Brasileira. Compuseram inmeros sucessos. O primeiro, Se todos fossem
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A revista Down Beat , a bblia do jazz, chegou a declarar que nenhuma outra
expresso musical externa nos ltimos 40 anos havia influenciado o jazz como a
bossa nova.
A personalidade criativa e pesquisadora de Tom Jobim ressaltada por Edu
Lobo. Tom Jobim lembra Edu, gostava muito de ensinar, mas jamais perdia a
ocasio de tambm aprender. Edu se recorda: Quando ele gostava realmente de
uma msica, ele ia para o piano, feito criana que quer aprender o que o outro fez.19
Mas, segundo Edu, Tom sempre deixava, na composio do outro, uma marca
prpria. Fazia isso muito naturalmente, ao acrescentar, por exemplo, dois acordes
numa composio alheia. Era uma forma sutil de humor e parceria implcita, o que o
fazia dizer ao ouvir seus prprios acordes, por exemplo, numa composio do
prprio Edu Lobo: Edu Lobo, voc um craque.20 Tom , portanto, reconhecido
por Edu Lobo como mestre eterno, pai de muitos e lder daquele grupo, autorizado
por sua competncia de conhecedor de msica.
19 Entrevista 1 de Edu Lobo a Monica C. D. Pires e Albuquerque.20 Idem.
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um estilo refinado e intimista que se contrapunha ao anterior das canes dor de
cotovelo. Foi a chamada primeira gerao da bossa nova.
A gerao de Edu Lobo, que cresceu ouvindo msicos americanos, passou a
encontrar, em seu prprio pas, uma msica com a qual se identificava e que
provocou em muitos a vontade de participar desse clima, compondo inspirados por
esse novo ritmo. Surgiram, assim, alguns compositores da gerao posterior aos da
bossa nova, da qual fez parte Edu Lobo. Essa gerao tinha em comum o fato de
serem classe mdia, da Zona Sul do Rio de Janeiro e de manterem um dilogo
permanente com outros segmentos da produo cultural em consolidao como
tradio artstica. De harmonia sofisticada, com elementos assimilados do jazz e do
samba, a bossa nova penetrava com fora irreversvel na vida musical brasileira.
Vrios mestres surgiam como mentores de uma nova gerao sedenta de
compor segundo o modelo criado pela primeira gerao. Alm de Tom e Vincius, j
citados, aparecem compositores como Carlos Lyra, que, no convvio com os jovens,
vo disseminando o novo estilo musical. Essa convivncia tem sabor de uma escola
pela primeira vez atuante na msica popular brasileira.
Foi nessa poca (1961) que Edu Lobo comeou a freqentar o Beco das
Garrafas, onde se apresentavam grandes msicos da bossa nova, entre os quais Lus
Ea, Srgio Mendes e Roberto Menescal. Alm do Beco das Garrafas, Edu Lobo
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trio com Marcos Valle e Dori Caymmi. Em 1962, freqentando a casa de Luiz Ea,
onde se reuniam, entre outros msicos, Carlinhos Lyra, Tom Jobim e Vincius de
Moraes, motivou-se a editar algumas composies.
Nesse ambiente, assimilava a produo desses msicos e comeou a
construir a base de sua formao musical. Tambm foi marcado por Chega de
Saudade e pela batida do violo de Joo Gilberto, como a maioria dos msicos de
sua gerao. Quis ser bossa-novista. Comeou no estilo Tom Jobim e Carlos Lira, e
logo viu que sua trajetria seria outra. Queria tambm criar seu prprio estilo.
Posterior bossa nova, a ideologia de contedo poltico toma o lugar do
lirismo romntico. O Teatro de Arena, composto por atores ligados esquerda
poltica, em oposio ao Teatro Brasileiro de Comdia, que tinha uma concepo de
cultura europia, buscava um teatro baseado na realidade brasileira. Esses atores
tambm escreviam os textos de suas peas, formando opinio sobre o mundo na
viso do teatro. Esse estilo recebeu a adeso de pintores, msicos, arquitetos,
jornalistas, que pareciam trabalhar em conjunto para reconstruir o pas. Nessa linha,
Edu Lobo comeou a compor para teatro, escrevendo em 1963 as msicas para a
peaOs Azeredos mais os Benevides, de Oduvaldo Vianna Filho, em que se destaca
Chegana, em parceria com o prprio Oduvaldo. Outra composio levada ao
teatro foi Borand, sem parceria, no musicalOpinioem 1964. Nesse mesmo ano
compe msicas paraO Bero do Heri, de Dias Gomes, e recebe o convite de
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Dessa forma, o CPC da UNE pretendia que os intelectuais levassem a
cultura s massas, por considerar a arte poltica a nica sada para combater o
processo de alienao. O perodo histrico dos anos 60 foi frtil nas diversas
manifestaes artsticas, em que a busca de uma conscincia crtica nas relaes de
poder se fazia presente. A efervescncia cultural do pas e o esprito inovador dos
produtores de arte eram o cenrio ideal para a construo de uma histria em que o
trabalhador se tornasse o personagem principal.
Apesar de participante dos CPCs, no se pode dizer que Edu Lobo tenha
sido um compositor de protesto. Ele estava, sim, conectado com seu tempo, o tempo
do Cinema Novo e do Teatro de Arena, quando as diversas formas de manifestao
cultural dialogavam entre si como se estivessem em sintonia, para, segundo aquela
juventude, conquistar um Brasil melhor.
Assim reflete Miguel Farias:
(...)hoje, eu penso o seguinte: que a bossa nova e oCinema Novo eram quase que duas faces da mesmamoeda. Porque a bossa nova cantava um Brasil assim...como seria bonito se o Brasil fosse assim. (...) Um Brasilsolar, harmnico, se o Brasil inteiro fosse comoIpanema, que bom que e tal. E o Cinema Novo falava
exatamente ao contrrio, o horror que aquilo que agente no quer que seja. Os filmes do Cinema Novo eramesses.24
E mais adiante, na mesma entrevista:
24 Entrevista de Miguel Farias a Monica C. D. Pires e Albuquerque
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hoje distante do grande pblico, mas sua msica se mantm atual, como a de seus
mestres.
Em entrevista recente ao reprter Luiz Fernando Vianna, da Folha de So
Paulo (5/11/2004), reafirma sua influncia no perodo da bossa nova e sua opo
pela composio:
Aprendi muito com o Baden: esse violo para fora, percussivo. J no era mais a batida do Joo Gilberto. As
pessoas aqui falam em bossa nova, depois Tropiclia.Baden no bossa nova nem Tropiclia. Baden Baden. um estilista, inventou uma maneira de tocar violo. Eutenho certa implicncia com nome de escola, porque parece que uma escola acabou e depois comeou outra. Jfui chamando de inventor da MPB. Eu me senti com 270anos. Se eu fui inventor da MPB, (Dorival) Caymmi oqu? Tem que inventar um nome para o que ele faz? tudo ligado. Se eu, com 19 anos, fosse tocar bossa novanaquelas casas que eu freqentava, com Tom (Jobim),Carlinhos (Lyra), Baden, eu estava frito. Isso me levou a procurar algo diferente para sobreviver.
E em outro trecho da entrevista:
Sempre achei que existia essa profisso: compositor. Sevoc descobrir que eu fiquei dez anos sem fazer show,no tem problema nenhum. Se descobrir que eu fiqueidez anos sem fazer msica, a srio.
Edu Lobo d continuidade tradio, reinventando-a. Essa continuidade da
tradio funo da possibilidade de reinvent-la. Os arranjos jazzsticos feitos por
Edu Lobo para Memrias de Marta Sar, no Free Jazz, de 1996, demonstram o
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Seu pai, o jornalista, radialista e compositor Fernando de Castro Lobo, autor
de obras como Zum Zum, em parceria com Paulo Soledade, e Nega Maluca, em
parceria com Dorival Caymmi, entre outras, depois de muita insistncia de Edu
Lobo para que o ouvisse tocar violo, entusiasmou-se e passou a ser seu aliado e
admirador. Interessado, divulgou o talento do filho aos seus amigos, entre eles o
poeta Vincius de Moraes, a quem disse: L em casa tem um garoto que toca um
violo!
Pode parecer bvio que, por ser filho de Fernando Lobo, Edu Lobo tenha
seguido a carreira artstica, j que seu pai fazia parte de uma elite intelectual
brasileira. Era um homem bem relacionado no meio cultural, tendo seguido uma
carreira de compositor com vrios sucessos, como Nasci para bailar, Chuvas de
vero e Nega maluca. Entretanto, Edu Lobo afirma que sua escolha pela msica
em nada teve a ver com a pessoa do pai.
Apesar de trilharem vises musicais distintas, conviveram nos momentos de
efervescncia musical no pas, como se pode lembrar pelo Festival da Msica
Popular Brasileira, da TV Record, em 1967, em que Fernando Lobo classificou
Diana Pastora e Edu Lobo saiu vitorioso com Ponteio.
A forte ligao de Edu Lobo com a msica veio da famlia materna. At os
dezoito anos, Edu Lobo passava frias no Recife em Pernambuco, lugar de imensa
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riqueza de sons. Sons esses que o compositor guardaria em sua memria para
enriquecer e personalizar sua obra. Foi tambm o violo que aproximou Edu Lobo
da cantora e violonista Wanda S, com quem teve um perodo de aulas. Das aulas,
passaram ao namoro e ao casamento no dia 30 de abril de 1969, na Capela Santa
Ins, na Gvea, ao som de Reza, Canto Triste e Ave Maria, todas de autoria
de Edu Lobo. Dessa parceria, nasceram Mariana, produtora; Bernardo, msico; e
Isabel, atriz.
Edu Lobo, com o cuidado constante de aperfeioamento tcnico, harmnico e
meldico, perseguia a msica que j trazia consigo na memria longnqua do garoto
no Recife e no se limitou a reproduzir o violo da bossa nova (a batida do Joo).
Criou sua marca, sua assinatura, e delimitou seu espao ao tornar-se referncia e
elemento de identidade para seus colegas de profisso e gerao.
O que faz do Edu o mais brasileiro de minha gerao oviolo dele. Ele tem o violo extremamente criativo, pessoal, ligado s razes nordestinas em certos casos.Voc pega Moda de Viola, o violo dele (cantarola)...Ele tem um violo nico. Poucas pessoas tm umaidentidade violonstica para mim. Alm de umacomposio marcante, ele tem uma identidade com oviolo que eu acho que o instrumento do brasileiro.26
Refletindo sobre sua assinatura musical com o violo, afirma Edu Lobo:
Mas eu acho que foi quase como o cara que quer sobreviver, no meio de tanta fera, de tanto cobra, se eu
26 Entrevista de Dori Caymmi a Monica C. D. Pires e Albuquerque.
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no inventar alguma coisa... e a a partir da msicaBerimbau, eu fui ter essa conscincia dessa msicaagora fazendo um documentrio sobre Vincius doMiguel, est filmando... e eu tinha escolhido o Tom e navspera me bateu uminsight , eu falei: Mas pera, a
msica que transformou a minha vida, que me fez tocar oviolo que eu toco, no foi Garota de Ipanema, naverdade...27
E mais adiante, na mesma entrevista:
(...) Chega de Saudade foi um espanto e tal. Mas o quetransformou o meu violo foi o Berimbau. Foiquando... o Baden tocando aquele violo mais batido,mais percussivo, que muito mais o que eu toco, e que
comeou a me dar essa possibilidade de misturar com ascoisas do Norte, Nordeste, enfim, de Pernambuco, eucomecei a fazer frevo, mas com as harmonias da bossanova...28
E de como processou a influncia de Baden:
Agora quando eu te falo no Baden, que a eu comecei a perceber que o Baden com essa histria dos afro-sambasestava pegando as coisas da Bahia e trazendo dum jeito
diferente do Caymmi. Caymmi outro gnero, outrahistria, outra poca e tal. Mas a o Baden j tinha asharmonias da bossa nova e os sons da Bahia. Eu te digocom toda a sinceridade, eu no fiz um projeto, eu nosentei e pensei: E agora o que eu vou fazer?. Foi umacoisa instintiva. E eu acho que de sobrevivncia mesmo.Bom, o Baden faz por aqui. Quem sabe se eu misturar ofrevo?. Sei l, Cordo da Saideira, por exemplo. Seeu misturar isso aqui com as harmonias que eu aprendi doTom? Quer dizer, era um frevo-cano, mas no do jeitodo frevo do Antnio Maria, por exemplo. Antnio Maria
fazia... as harmonias eram mais simples, eles notocavam violo. Meu pai tambm fazia coisas assim...mas eles no tocavam instrumento nenhum. Ento eucomecei a misturar para ver o que dava. E eu acho quecom isso foi que o meu trabalho deu a partida, porque ele
27 Entrevista 1 de Edu Lobo a Monica C. D. Pires e Albuquerque.28 Idem.
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Ficou entre as finalistas com a cano Jogo de Roda, em parceria com Ruy
Guerra interpretado por Elis Regina no 2 Festival da Msica Popular Brasileira da
TV Record, em 10 de outubro de 1966.
O xito nos festivais teve como resultado o estouro nas paradas de sucesso de
seu primeiro disco, que conseguiu excelentes resultados de vendas. Edu Lobo no se
acomodou, dedicou-se intensamente ao trabalho de composio da pea Arena
Conta Zumbipara entregar as msicas no prazo da estria.
2.4 Edu Lobo e o teatro
A primeira lembrana que tenhode querer ser alguma coisa na vida
foi ser o cara que comps aquela trilha.
(Edu Lobo, a respeito de Bernsteine a trilha de WestSideStory32)
Nos anos 60, o Brasil viveu uma fase de intensa e rica movimentao
cultural. Teatro, cinema, literatura, msica e outras manifestaes artsticas
dialogavam entre si como que se buscassem uma alternativa para os problemas
sociais existentes no pas.
32 In: MPB Compositores Edu Lobo, p. 5
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(Oduvaldo Vianna Filho) por causa dele. E a sobrou paramim uma pea do Vianna, porque o Carlinhos fazia tudocom o Vianna e eu acho que alguma coisa ele no podiafazer; assim eu fiquei sendo o segundo ali. O Viannaento me pegou para fazer a pea que estrearia o Teatro
UNE:Os Azeredos mais Os Benevides. (Naves, 1999:23)
Essa pea nunca chegou a ser estreada, pois o teatro foi queimado antes de
sua primeira apresentao. Da trilha deOs Azeredos mais os Benevides, ficou a
cano Chegana, que Edu Lobo gravou posteriormente. Apesar de a pea no ter
acontecido, o conhecimento com Oduvaldo Vianna Filho possibilitou a Edu Lobo
conhecer Gianfrancesco Guarnieri. Este o convidou a ir a So Paulo para fazer um
musical.
Qual o musical que voc quer fazer? E ele falou:No sei. Ele era muito tmido e eu tambm, entohouve um perodo longo de silncio (risos), um perodo barra pesada de silncio. A eu comecei a pegar o violo
para me livrar daquela situao, comecei a tocar tudo queeu sabia, o que eu no sabia tambm, e a calhou que eutinha acabado de fazer uma cano com o Vincius que sechamava Zumbi. Quando eu toquei, ele falou: Zumbi?P, isso pode ser um musical! (Naves: 1999:23)
Surgiu, assim, o Arena conta Zumbi. Edu Lobo tentou compor a letra para a
cano que havia feito com Vincius, mas no gostou do que fez. Pediu ao Ruy
Guerra para fazer a letra, e ele tambm no gostou. Vincius, que nessa ocasio
estava na Europa, voltou e foi procurado por Edu Lobo, que j tinha, alm de
Zumbi, algumas msicas prontas. Entre essas msicas, estavam Arrasto e
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a confirmao de uma obra mais arrojada, complexa e amadurecida, que coloca o
compositor no patamar dos grandes expoentes da msica popular brasileira.
O aperfeioamento da teoria musical aproximou Edu Lobo do clssico37 e
conseqentemente distanciou-o do popular. Entretanto, tal acontecimento no se
traduz numa perda de identidade com o Brasil. Ao contrrio. a que o compositor
mais se aproxima de seus mestres, Heitor Villa-Lobos e Tom Jobim.
Equivocadamente, foi apontado como elitista e acusado de perder as razes do
Brasil.
Um de seus defensores, Gianfrancesco Guarnieri, assim afirmava:
No penso que Edu seja erudito, nem que ele queiraelitizar a msica que faz. Ele quer ficar na memria popular, s que acha que pode fazer msica popular sem
se limitar ao intuitivo. Pode ser uma coisa bem elaborada.(Barros, s/i: 10)
A respeito de sua ligao com Tom Jobim, afirma Edu Lobo:
(...) o Tom sempre foi uma espcie de modelo pra minhagerao. Como compositor, que eu conhecia, que sabialer, sabia escrever, que conhecia orquestrao, sabia piano, enfim, que era um msico completo, pronto. Naquela poca, os compositores no eram to assim. Umtocava violo direito, outro tocava violo legal, mas uma pessoa que reunisse tantas qualidades era difcil.38
37 Aqui se entende clssico como sinnimo de erudito.38 Entrevista 2 de Edu Lobo a Monica C. D. Pires e Albuquerque
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a pele dela e o desejo dele.Ento, o boxeur Rudolf que era ateu
e era homem-fera derrubou Margarete e a violou.Quando acabou, o ateu se converteu, morreu.
Margarete pariu duas meninas que so o prodgiodo Grande Circo Knieps.Mas o maior milagre so as suas virgindades
em que os banqueiros e os homens de monculo tm esbarrado;so as suas levitaes que a platia pensa ser truque;
a sua pureza em que ningum acredita;so as suas mgicas que os simples dizem que h o diabo;
mas as crianas crem nelas, so seus fiis,seus amigos, seus devotos.
Marie e Helene se apresentam nuas,danam no arame e deslocam de tal forma os membros
que parecem que os membros no so delas.A platia bisa coxas, bisa seios, bisa sovacos.Marie e Helene se repartem todas,
se distribuem pelos homens cnicos,mas ningum v as almas que elas conservam puras.
E quando atiram os membros para a viso dos homens,atiram as almas para a viso de Deus.
Com a verdadeira histria do Grande Circo Kniepsmuito pouco se tem ocupado a imprensa.
Para Zuza Homem de Melo, Edu est equipado para fazer uma carreira fora
do comum, que acaba atingindo um de seus pontos culminantes noGrande Circo
Mstico. Esse trabalho marca o incio de algumas parcerias formadas por esse dois
paradigmas da Msica Popular Brasileira.
O surpreendente que Edu Lobo e Chico Buarque tenham sido rivais na
poca dos festivais da cano, no incio dos anos 60, para quase vinte anos mais
tarde formarem uma parceria to afinada.
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data de entrega, as idias surgem. Essas idias so acionadas pelo prprio trabalho,
que funciona ao mesmo tempo como presso e estmulo.
Mas se eu pudesse escolher a maneira ideal de fazer umamsica, seria dentro de um musical, onde eu j tenho omote, como assim: a personagem se chama Beatriz; ela assim, assado, tem que ser uma cano lrica, elarepresenta isso na pea. Da eu j tenho a histria. (...) porque j tem um objetivo, tem um tema. (Naves,1999:44)
Trata-se tambm de um compositor harmnico, e, segundo Zuza Homem de
Mello, os compositores que conhecem harmonia comeam compondoharmonicamente atravs daquilo que eles ouvem como acorde, no atravs do queeles criam como melodia. A melodia vem como uma decorrncia.43
No conjunto de compositores da Msica Popular Brasileira, assim apontaMaria Bethnia:
E eu acho que o Edu, alis, est comprovado que o Edutem a compreenso total da musicalidade brasileira. (...) Eele se incorpora ao que for. Se for necessrio, (...) elecomo msico, como maestro, n... eu acho que o Edu,assim, tem umas precedncias assim, ele muito bom, eletem aceitao mundial, o Edu uma pessoa reverenciada, baixa a cabea para o Edu, porque tem que baixar mesmo. O Edu mais contido, mas no atrapalha acriao dele.44
A respeito do seu processo criativo, afirma Edu Lobo:
Eu imagino um personagem de uma certa maneira e voufazendo a msica pra esse personagem. Isso o que maisme fascina nesse trabalho de encomenda. Eu nunca fizuma msica to jazzstica na minha vida como a Lily
43 Entrevista de Zuza Homem de Melo a Monica C. D. Pires e Albuquerque.44 Entrevista de Maria Bethnia a Monica C. D. Pires e Albuquerque.
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cantada. E o Recife veio a funcionar como um diferencial na msica dos
compositores do perodo:
Eu convivia com pessoas de altssima categoria, que
naquela poca, voc entrava na casa de todo mundo eficava vendo e tal. Eu acho que foi uma maneira, que oueu vou inventar um pouquinho, quer dizer, misturar umacoisa pra ter uma identidade ou eu vou morrer aqui. Se eufosse fazer o sub, a sub-bossa nova , no ia dar p. Eu iasumir ali no meio de tanta gente boa, tanta gente craque.Eu acho ento que fui misturando essas coisas de Recife. No tem nada a ver com o meu pai, que tambm umaoutra histria que aparece tantas vezes publicada e toerradamente. (...) A gente viveu separados durante muitosanos.54
E mais adiante, na mesma entrevista:
Eu no sei nem se estudei porque era estudioso ou se noqueria ficar aqui. Eu sou mais a favor da segunda possibilidade. Era uma espcie de sonho ir pra Recife. Euficava 3 meses, s vezes mais que 3 meses, porque euchegava 15 dias depois das aulas, porque depois eurecuperava, estudava e passava com nota boa. Ento eutinha essa paixo pela cidade, tinha mesmo. A minha vidafoi impregnada por esses sons todos do frevo, maracatu,marchas de carnaval, das msicas do Capiba, da banda do Nelson Ferreira. Isso nunca saiu da minha cabea. Masisso era a minha histria com meus tios, meus primos,com a famlia da minha me.55
Para finalizarmos esse item, achamos interessante citar algumas definies
dadas pelo cantor e compositor Lenine, pernambucano, em entrevista no dia
22/09/2004, acerca dos ritmos e danas brasileiras que formam o folclore
nordestino.
54 Entrevista 2 de Edu Lobo a Monica C. D. Pires e Albuquerque55 Idem.
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Tipo Entrevista Lenine Dicionrio HouaissCaboclinhoouCabocolinho
Caboclinho indgena. Sondios. A parte rtmica s umacaixa. A marcao dada por uma flecha que no passa peloarco e tem um toque de madeira.Ento, ele estica e solta e s d osom. Toda dana indgena, noo negro.
Grupos de bailados com temticaindgena, na poca do carnaval. (p.545)
Ciranda A ciranda uma coisa mais presente na vida de um pescador danando na beira da praia, numagrande roda. A formao umterno, uma marac, um pombinhoe uma caixa. (...) Tem essa noodo maior e do menor datonalidade.
Dana de roda infantil ou adulta,oriunda de Portugal, com trovascantadas que determinammovimentos figurados; cirandinha.(p. 725)
Coco O coco aparece mais pela batida. Tocado com o tambor,caixa e pandeiro. Depende daformao.
Msica, tipo de dana de roda, emcompasso binrio ou quaternrio,cantada em coro que responde aocoqueiro (cantor) e acompanhada por percusso; pagode.Cantiga independente que s vezes,acompanha a dana. (p. 750)
Forr Segundo Lenine, a histria doFor All mito. O forr vemde forrobod, que existe desdeChiquinha Gonzaga e estassociado festa, brincadeira.Foi s a palavra que atrofiou. (...) Nela se toca de tudo: xaxado,
xote, baio e samba, que so narealidade estilos rtmicos.
Baile popular, em que se dana aos pares com msica de origemnordestina; arrasta-p. Essa msicade gneros variados (coco, baio,xote, etc).Baile popular, arrasta-p, festana.(p. 1377)
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3. TERCEIRO MOVIMENTO
3.1 Heitor Villa-Lobos, um carioca
Sim, sou brasileiro e bem brasileiro. Na minha msicadeixo cantar os rios e os mares deste grande Brasil. Euno ponho mordaa na exuberncia tropical de nossasflorestas e dos nossos cus, que transportoinstintivamente para tudo que escrevo.56
O carioca Heitor Villa-Lobos nasceu num momento de transio, em que o
pas deixava de ser parte de um imprio colonial para tornar-se repblica. Tal
mudana promoveu, ento, na formao do imaginrio popular, idias de liberdade emodernidade, que viriam a contribuir para mudanas de padres estticos
importados da Europa.
No campo musical, o Imperial Conservatrio de Msica passou a ser
Instituto Nacional de Msica. Essa mudana apontava para uma necessidade de
reestruturao nas opes estticas e apontava tambm para a necessidade em criar
um novo posicionamento em relao forma da expresso artstica.
A msica erudita no Brasil Imprio estava restrita s funes eclesisticas,
compostas por mestres-capelas como Marcos Portugal e Padre Jos Mauricio. O
elemento nacional encontrado nessas composies musicais brasileiras limitava-se
ao idioma, j que a msica, esta apenas, cumpria o padro clssico europeu, em nada
identificada cultura de seus habitantes.56 Villa-Lobos. In:http://musicaclassica.folha.com.br/cds/20/biografia-2.htm
http://musicaclassica.folha.com.br/cds/20/biografia-2.htmhttp://musicaclassica.folha.com.br/cds/20/biografia-2.htm -
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Essa ambigidade do espontneo em Villa-Lobos arecriao, ou descoberta da brasilidade na msica, contrao panorama da msica europia tradicional o que hde mais caracterstico, mais interessante e mais difcil deinterpretar na obra do maior compositor do Brasil. Para
quem v de longe, ele no s o maior, mas virtualmenteo nico compositor brasileiro de msica de concerto.57
Heitor Villa-Lobos era filho de um msico, um bom msico, que tambm
trabalhava na Biblioteca Nacional e era colecionador de livros. Em funo disso,
teve uma formao culta, o que lhe possibilitou aprender as primeiras noes do que
mais tarde viria a criar: a msica brasileira.
Teve a vivncia de um Rio de Janeiro onde os chores estavam em plena
atividade. Nessa poca, em todo o Brasil e principalmente em sua capital, o Rio de
Janeiro, havia uma enorme diviso entre arte culta e a arte popular, ambas
caminhavam separadas.
Coube a Heitor Villa-Lobos uni-las. Coube a ele derrubar as barreiras que
separavam esses dois estilos que juntos formariam a alma da msica brasileira de
concerto, at ento inexistente.
O compositor Alberto Nepomuceno j teria tentado antes de Villa-Lobos
somar aos elementos da msica de concerto as msicas de nosso folclore. Mas
faltou-lhe a alma, esse mistrio que Villa-Lobos soube decifrar to bem.
57 Arthur Nestrovski. In:http://almanaque.folha.uol.com.br/villa2.htm
http://almanaque.folha.uol.com.br/villa2.htmhttp://almanaque.folha.uol.com.br/villa2.htm -
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popular. claro que arte culta uma coisa, arte popular outra coisa, no para misturar tudo. Mas no tinha mais barreira, voc ouve certas coisas do Villa-Lobos e voccai sentado. Bom, finalmente temos a o Brasil brasileiro.61
3.2 Tom Jobim, um carioca
Voc, Cludio, que gosta de fazer canes,tome cuidado, porque agora tem o Tom Jobim,
que anda por a fazendo coisas formidveis.62
Ao iniciarmos este item, achamos pertinente esclarecer que no se pretende
negar nenhuma outra influncia musical sofrida pelo maestro Tom Jobim.
conhecido o respeito pela obra do maestro Radams Gnatalli, que, tambm com
formao musical erudita, recriou o popular. E, ainda, as possveis influncias de Ari
Barroso na obra do maestro Tom Jobim tambm so reconhecidas. Contudo, nosso
foco a influncia que sofreu do maestro Villa-Lobos, em virtude de semelhanas
que consideramos mais representativas e que se mostram presentes neste trabalho.
61 Entrevista de Luiz Paulo Horta a Monica C. D. Pires e Albuquerque62 Villa-Lobos ao maestro Cludio Santoro. In:http://www.brasileirinho.mus.br/artigos/villalobos.htm
http://www.brasileirinho.mus.br/artigos/villalobos.htmhttp://www.brasileirinho.mus.br/artigos/villalobos.htm -
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Tom Jobim assumiu a influncia de seu maestro soberano no apenas
declarando-a publicamente, mas citando-a em suas composies. Uma das peas de
Tom Jobim em que mais se percebe a presena do maestro Villa-Lobos
Modinha, em parceria com Vincius de Moraes. Essa composio consta do CD
anexo.
A respeito da obra de Tom Jobim, reflete Luiz Paulo Horta:
A msica vai se tornar popular independentemente da suagnese. Voc no vai chamar uma msica como Luza,(...) Por toda a minha vida, no uma msica decmara. Tem gente que conhece... Tem ali a marca doVilla-Lobos, mas a inteno do Tom no era fazer msicade cmara, seno no chamaria poetas populares, comoVincius se tornou a partir da parceria com Tom, parafazer letras. Porque no prescindiria de letras ou ento pegaria uma cantora lrica. msica popular. Popular
pode se tornar popular de verdade dependendo do veculoque ela utiliza. Eu lembro duma msica de Tom que eraabertura de uma novela. Se no me engano, era umanovela das oito. Foi Luza. Ento todo mundo cantavaLuza.64
Como a de Villa-Lobos, a obra de Tom Jobim vasta e constri uma
trajetria diversificada, que se transforma ao longo dos anos, como atesta o prprio
Edu Lobo:
64 Entrevista de Chico Buarque a Monica C. D. Pires e Albuquerque
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...se voc analisar a obra do Tom, por exemplo, voc v atransformao do Tom de 1958 para os anos 80 e 90. Amsica foi se transformando o tempo inteiro. Matita--Per no tem nada a ver com Desafinado. Voc vque o mesmo compositor, mas que tem um
desenvolvimento a, tem um caminho longo, imenso, queele foi indo cada vez mais para a coisa do Villa-Lobos, damsica mais ampla, mais brasileirona. (Naves, 1999:36)
Sem pretenses de realizar uma anlise musical profunda, possvel, com
grande intensidade, observar a diversidade de culturas formadoras do Brasil na obra
de Tom Jobim e Villa-Lobos, elemento que ressalta aos ouvidos de todos. A
elaborao musical, as modulaes, as harmonias sofisticadas, guardando-se as
devidas propores relativas ao msico erudito e ao popular, no escondem o
sentimento de apreo e pertencimento sua terra. Como afirma Edu Lobo:
O som do Brasil o Tom Jobim, o Villa-Lobos, quer
dizer... Villa-Lobos o som do Brasil da floresta at...quando voc ouve parece que a terra t mexendo, algumacoisa que s podia ser feita por um brasileiro e o Tomtem isso com o Brasil, mas mais especificamente com oRio de Janeiro. A trilha do Rio de Janeiro do Tom.Voc anda pelas ruas, voc ouve as msicas, como emSalvador voc ouve o Caymmi.65
3.3 Edu Lobo, um carioca
Eu vos sadoem nome de Heitor Villa-Lobos,teu av e meu pai.
Um Antnio Brasileiro.66
65 Entrevista 1 de Edu Lobo a Monica C. D. Pires e Albuquerque66 Tom Jobim. In:Songbook Edu Lobo, p.5
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diversificado e transformado ao longo dos anos. Entretanto, percebe-se no jovem
compositor de Canto triste com modulao e intervalos sofisticados a vontade
de ousar em suas composies. Mais tarde, j depois de um aperfeioamento tcnico
adquirido em sua estada em Los Angeles, percebe-se um formato de msica clssica
infiltrada por contextos sofisticados na msica popular de Edu Lobo, alm de uma
possibilidade de vos mais altos, longe dos padres tradicionais de uma composio
popular. Confirmando o afastamento dessa linha de composio, em Choro
bandido, percebe-se uma linha meldica sinuosa.
Edu Lobo, ao compor, entre algumas outras, a jobiniana Valsa brasileira, ao
mesmo tempo rende uma homenagem ao mestre e aponta para um caminho mais
ousado.
Isso muito caracterstico dessa msica mais moderna doEdu, por exemplo, uma sofisticao harmnica. Voc temmodulaes bastante sofisticadas. Para um msico popular tradicional, seria uma coisa complicada de tocar.Porque o msico popular tradicional est acostumadocom aquela modulao-padro.68
Qual seria o motivo que fez Tom Jobim fazer aquela dedicatria noSongbook
de Edu Lobo, j que outros contemporneos do compositor Edu Lobo tambm beberam dessa fonte ligada por Villa-Lobos e Tom Jobim? Nossa interpretao
que o compositor em questo assemelha-se na fora e na pujana com que
68 Entrevista de Luiz Paulo Horta a Monica C. D. Pires e Albuquerque
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universaliza essa cultura diversificada que vem da alma brasileira, valendo ser
identificado como um pilar dessa trade. Assemelha-se ainda no cuidado com a
orquestrao, na elaborao das harmonias e no compromisso de buscar uma
linguagem esttica sofisticada, mas sem jamais perder o fio-terra com o Brasil. Edu
Lobo , assim, um msico brasileiro.
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CONSIDERAES FINAIS (POSLDIO)
Trs compositores brasileiros, trs compositores cariocas. Gostaramos de
ilustrar com uma histria narrada pelo compositor Tho de Barros69:
Um grupo de artistas foi fazer um show em Juiz deFora. Na volta, quando o carro estava descendo a serra,um msico disse:
Ah... Estamos chegando ao Rio.Um amigo paulista que estava junto perguntou: Como que voc sabe? porque o verde diferente!Parece conversa de cachorro doido, mas a verdade
que o verde diferente mesmo. Qualquer paisagista irme chamar de blasfemo, mas por detrs da Botnica, pode ser que os duendes zeladores das matas confiramum matiz todo especial ao verde do Rio. Ou talvez sejamos olhos do amor que realizem esse milagre. O fato queh algo de estranho no reino da Guanabara. O Rio temalma.
E mais adiante:
...na msica dos grandes compositores cariocas, eureencontro essa sensao de no sei qu, que diferencia amsica do Rio das demais. No me perguntem o que .Devem ser os duendes. At hoje eu nunca ouvi falar emcorporativismo espiritual. Ser que isso?
Essa mesma interrogao serviria para os trs compositores em questo. Ao
desenvolverem toda uma tcnica de tratamento do material folclrico, fizeram-na a
partir de uma viso urbana carioca.
69 A narrativa, ainda no publicada, me foi enviada por Tho de Barros via fax em 9/12/2005.
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A busca pela reinveno torna-se um trao comum entre os trs, cada um em
sua poca, com seus estilos marcantes e suas assinaturas singulares, que passam
adiante indefinidamente como crculos num movimento constante de recriao da
tradio cultural. O que podemos criar, como metfora deste trabalho, a imagem
de um movimento espiral dos trs compositores, colocando-os num patamar de
contemporaneidade, em que os laos desse parentesco metafrico se dissolvem na
medida em que cada um possui, dentro das suas semelhanas, uma assinatura
singular. Ao mesmo tempo, os trs compositores tiveram a percepo da riqueza
musical existente no pas e continuam como referenciais de contribuio a elas.
Muito embora o presente trabalho tenha se dedicado a buscar as intersees
entre Villa-Lobos, Tom Jobim e Edu Lobo, ntido que no reduzimos aos trs a
responsabilidade pela construo da trajetria musical brasileira. Ao traarmos uma
genealogia na Msica Popular Brasileira, no gostaramos de incorrer no erro de
ignorar atores histricos que tambm contriburam para sua universalidade. Dentre
vrios
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