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ENTRE A BELEZA E A FEIURA NA SALA DE AULA: UMA EXPERIÊNCIA COM O CORDEL “A VIDA SECRETA DA
MULHER FEIA”
Anderson Rany Cardoso da Silva (UEPB)1
Marcelo Medeiros da Silva (UEPB)2
Resumo: O presente artigo é decorrente de nossas intervenções como bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e volta-se para a reflexão sobre um conjunto de atividades realizadas a partir de uma sequência didática que procurou refletir com alunos do ensino fundamental sobre as representações em torno das ideias de beleza e de feiura em nossa sociedade. Para tanto, partimos da leitura e interpretação do cordel “A vida secreta da mulher feia”, de J. Borges e de algumas letras de música vinculadas à temática em estudo, tais como: o “Funk da Dona Gigi” e a “Resposta da dona Gigi”, dos grupos de funk “Os caçadores” e “As experimentas”, respectivamente. Nosso objetivo era proporcionar aos/às alunos/as textos diversos a fim de que pudessem perceber até que ponto, acerca do que é feio e do que é belo, os discursos apresentam uma, ou mais de uma, diretriz ideológica. Para embasarmos as discussões a serem desenvolvidas em sala de aula, tomamos como escopo os estudos de Novaes (2006) que procura pensar como beleza e feiura instauram-se como discursos sociais em construção. Já para transpormos didaticamente o que afirma essa autora, guiamo-nos por uma metodologia e uma pedagogia de leitura voltadas para a formação de leitores na educação básica. Por isso, tomamos como suporte as orientações de Antunes (2003), Cosson (2006; 2014), Geraldi (1997) e Oliveira (2010). Finalizamos o nosso trabalho, reiterando a importância de a temática em torno da construção social da beleza e da feiura ser trabalhada na educação básica a fim de propiciar aos/às alunos/as uma formação guiada para a valorização da diferença e para a contestação de verdades cristalizadas em nossa sociedade, as quais nos impedem de experimentar novas formas de ser e de existir para além dos modelos sociais estabelecidos. Palavras-chave: Beleza. Feiura. Construção social.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é fruto de nossas ações como bolsistas do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (doravante PIBID) no ano de 2015 na
Escola Municipal de Ensino Fundamental Bento Tenório de Sousa situada no munícipio
paraibano de Monteiro. Nosso intuito é relatar intervenções que objetivaram não apenas
a formar leitores de literatura, como também de sujeitos capazes de, por meio de textos
literários, pensar e se posicionar diante de temáticas que quase não circulam em sala de
aula. Além disso, temos como objetivo maior evidenciar propostas metodológicas cujo
1 Discente do curso Letras-licenciatura plena em Língua Portuguesa pela Universidade Estadual da Paraíba e bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID/ UEPB/ CAPES). Monteiro, Paraíba, Brasil.2 Doutor em Letras, professor de Literatura e coordenador da área de Língua Portuguesa no campus VI da Universidade Estadual da Paraíba.
escopo seja a formação literária de alunos da educação básica, visto ser o texto literário,
conforme ensina o professor Antônio Candido, imprescindível à formação humana.
Considerando-se que “é por meio da leitura da literatura [que] temos acesso a
uma grande variedade de textos, pois é próprio do discurso literário a multiplicidade das
formas e a pluralidade dos temas” (COSSON, 2014, p. 49), elegemos o cordel como
gênero literário para trabalho em sala de aula. Entretanto, durante o processo de leitura e
interpretação com os alunos, outros gêneros, não necessariamente literários, como letras
de músicas, foram utilizados seja porque serviram como motivação para o trabalho com
o cordel, seja porque poderiam ampliar o horizonte dos alunos no que tange à temática
trabalhada: a construção social da beleza e da feiura. Por isso, tendo o cordel “A vida
secreta da mulher feia” de J. Borges como eixo norteador da sequência que
desenvolvemos, levamos para a sala de aula “O funk da Dona Gigi” e a “Resposta da
Dona Gigi”, dos grupos de funk Os caçadores e As experimentas, respectivamente,
textos que, como se poderá ver mais à frente, caíram no gosto de nossos alunos.
Tanto nesse cordel citado quanto nesses funks, a beleza e feiura são objetos de
discussão a partir de diretrizes ideológicas diferentes. Com isso, esperávamos não só
mostrar como beleza e feiura são construções sociais, mas, como os discursos
elaborados em torno dessas duas categorias, atuam como grandes forças coercitivas,
sobretudo para aquelas pessoas que não se enquadram dentro do padrão de beleza
imposto pela sociedade e que, consequentemente, são vítimas de exclusão social.
Uma escola, vários alunos, um só desejo: formar leitores discutindo sobre feiura e beleza
Considerando o fato de que ainda, na primeira aula em que estivemos na escola
onde atuamos, não tínhamos ideia com qual público iríamos lidar, pensamos em uma
atividade motivacional cuja finalidade era nos ajudar saber com quais práticas de leitura
e escrita os alunos estavam acostumados. Para isso, levamos dois vídeos: “A menina
que odiava livros” e “Os fantásticos livros voadores do Sr. Morris Lessmore”. Ambos
os vídeos centram-se em perspectivas opostas acerca da relação que nós, seres humanos,
estabelecemos com os livros. No primeiro, a garota odiava ler e, por extensão, todo e
qualquer livro, embora seus pais procurassem demovê-la dessa atitude. No segundo, o
protagonista é um homem que, ao longo de sua vida, fez da leitura e do cuidado com os
livros o mote de sua existência, vivendo de e para os livros.
Como atividade motivacional, a exibição desses vídeos visava fisgar os alunos
para o trabalho com os textos que, posteriormente, seriam trabalhados com eles. Nesse
caso, as atividades de motivação “preparam o leitor para receber o texto, mas não
silencia nem o texto nem o leitor” (COSSON, p. 2006, p. 56). Com tal, as atividades de
motivação se fizeram presentes em boa parte de nossas ações ao longo de toda a
intervenção que realizamos durante o ano letivo de 2015.
Após a discussão dos vídeos, sobretudo acerca de como os alunos poderiam se
ver representados no que tinham acabado de ver, foi possível abrir um espaço para uma
ação metodológica importante: a aplicação de um questionário a fim de identificarmos
as práticas de leitura e escrita dos alunos, os gêneros textuais pelos quais eles mais se
interessavam, os temas de maior interesse, bem como sugestões de como deveriam ser
as aulas de língua portuguesa. O recurso ao questionário foi relevante porque nos serviu
como instrumento que nos auxiliou saber preparar e encaminhar, da melhor maneira
possível, nossas intervenções.
Para o trabalho que envolvia a temática da feiura e beleza, iniciamos com mais
uma atividade de motivação que foi nomeada de “A caixa de pandora”. Nessa caixa,
havia imagens de pessoas que, considerando-se os padrões de beleza atualmente
vigentes, podem ser consideradas feias. Cada aluno era convidado a retirar da caixa uma
imagem e expressar as reações e os pensamentos ao se deparar com a imagem que havia
retirado da caixa:
Algumas imagens que circularam em sala de aula, como também A caixa de Pandora
À medida que os alunos iam retirando as imagens d´A caixa de Pandora e
expressando as impressões provocadas por elas, íamos instigando-os a refletirem sobre
o que é a feiura a partir de perguntas como: em sua opinião, o que é feio? Quais são as
palavras que usamos para falar sobre a feiura? Ser feio faz com que as pessoas sejam
excluídas socialmente? O tempo faz uma pessoa ser feia? Vocês se consideram feios?
Essas e outras perguntas circularam entre os alunos, para que pudéssemos verificar
como cada um deles compreendia o que era ser feio ou o que faz de fato alguém ser
feio. As respostas e as reações dos alunos foram desde a demonstração de nojo até a
verbalização de comentários machistas e preconceituosos contra aqueles que não faziam
parte da diretriz ideológica que achavam ser a natural, a normal, o padrão que procura
homogeneizar todas as formas de ser e existir.
A fim de prosseguir com a discussão em torno da construção da feiura e da
beleza, levamos para a sala de aula duas letras de funk que podem ser vistas abaixo:
Letras das músicas "O funk da Dona Gigi" e "A resposta da Dona Gigi", dos grupos Os caçadores e As Experimentas, respectivamente.
Tendo em vista que o texto central de nossas intervenções de leitura era o cordel
“A vida secreta mulher feira”, de J. Borges, antes de nos determos nele, trabalhamos
com outros textos preliminares. Por isso, levamos, inicialmente, “O funk da dona
Gigi”, que trata de uma personagem extremamente feia, considerando-se os padrões de
beleza em voga hoje em dia. Dessa forma, recebendo dos homens a desculpa da sua
feiura, Dona Gigi passa toda a música vivenciando momentos constrangedores, devido a
sua busca incessante pelo matrimônio. Depois de ouvirmos a música e discutirmos a
letra desse funk, foi proposto que os alunos desenhassem como imaginavam a
personagem Dona Gigi e a produção artística que obtivemos foi a seguinte:
Produção dos desenhos da Dona Gigi.
Posterior a essa produção, provocamos a reflexão crítica acerca de tais desenhos
que apontavam para uma concretização da interpretação de leitura por parte dos alunos.
Sendo assim, deixamos os desenhos expostos no quadro branco da sala para que os
alunos se conduzissem ao quadro, identificassem seu desenho e explicassem os motivos
que originaram aquela produção. Sendo assim, os desenhos dos alunos, que por sinal
ficaram bem produzidos, nos revelam que aqueles que formavam o nono ano da escola
Bento Tenório haviam entendido a mensagem de desenhar uma mulher feia, contudo o
feio para eles é restrito apenas aos aspectos físicos de uma pessoa. No caso do desenho
da Dona Gigi, eles mantiveram uma preocupação maior em ilustrar axilas cabeludas,
pernas tortas, dentes quebrados, cabelo crespo, características essas que não apenas no
imaginário deles, como também da sociedade hodierna são responsáveis por
determinarem o modo como alguém pode ser visto como feio ou não:
Exposição e discussão dos desenhos.
Em seguida, foi solicitado que os alunos se posicionassem no lugar da
protagonista do funk e pensassem em que respostas Dona Gigi poderia apresentar contra
o fato de ela não corresponder ao padrão de beleza imposto socialmente e com o qual
parecem comungar os compositores da música, os integrantes do grupo “Os caçadores”.
Com isso, é importante mostrarmos algumas dessas produções para que possamos
refletir em torno delas.
Carta 1
Carta 2
Carta 3
Carta 4
É possível ver, através da leitura e reflexão, que os horizontes dos alunos, em
torno daquilo que seja feio e belo, se restringem, na maioria das situações, apenas ao
fenótipo. Por essa razão, a existência de diversos xingamentos que são encontrados nas
cartas, indo desde a nomear o compositor da carta de cabeça de coco de praia até
mesmo a compará-lo a animais, como um urubu. Sobre essa política do corpo
interiorizada pelos alunos, Novaes (2006, p. 15) afirma que é “[uma] representação,
suporte de símbolos culturalmente produzidos e historicamente contextualizados. Um
corpo, portanto, que pertence indissociavelmente ao indivíduo e à sociedade”. Sendo
assim, o corpo não somente pertence ao indivíduo, como é, sobretudo, um construto
social, ocupando assim o papel de representação do ser, então, se seu corpo for de
determinada forma, ele poderá dizer quem é você. Outro aspecto de extrema relevância
é o sentimento de inferioridade que, na mentalidade dos alunos, toda e qualquer pessoa
feia poderá possuir.
Logo após essa discussão em torno das respostas escritas, foi pertinente passa-
las para o gênero carta-respostas. Diante disso, iniciamos uma explanação em torno do
gênero, para que assim os alunos possam ter o conhecimento prévio para fazer o
procedimento. Para esta ação, levamos diversos modelos de cartas3 para a sala de aula.
Com cada carta resposta em mãos e devidamente produzidas, foi plausível
confeccionarmos uma carta coletiva a partir de todas as produções, ou seja, partimos de
inúmeras produções e criamos uma única, aquela que seria a carta resposta para os
insultos que foram feitos à Dona Gigi e, dessa forma, visamos uma atividade interativa
de escrita, pois, de acordo com Antunes (2003, p. 45) “A atividade de escrita é, então,
uma atividade interativa de expressão, de manifestação verbal das ideias, informações
[...]”. Sendo assim, criamos apenas um trabalho diante de tantos outros que foram
escritos, tentamos sintetizar todos os sentimentos dos alunos em torno da construção
social da feiura e beleza, para termos uma ideia do resultado que obtivemos, segue a
carta coletiva dos alunos:
Carta coletiva produzida pelos alunos do novo ano da Escola Bento Tenório de Sousa.
Com a produção da carta coletiva, foi possível abrirmos um espaço para que a
criatividade dos nossos alunos pudesse ser trabalhada em sala de aula. Essa criatividade
3 As cartas eram tanto de cunho formal, quanto informal.
já está presente no nome do local (Paracosa) e do destinatário (Senhorele) da carta. Mais
uma vez, reiteremos que os alunos veem o feito como algo ligado intrínseco à ideia de
fenótipo corporal. Isso pode ser corroborado pelo fato da pouca preocupação deles em
discutir o espaço que o feio ocupa na sociedade, os preconceitos vividos por alguém
feio e as angústias e tormentos que sofrem uma pessoa que, por motivos culturais e
sociais, é considerada feia.
Como último passo dessa etapa, levamos para a sala de aula mais uma letra de
funk. Tratava-se de “A resposta da Dona Gigi”, do grupo As experimentas, como pôde
ser visto anteriormente. A inserção de mais uma música de funk não só objetivava
falar/trabalhar com os alunos a partir de textos ligados ao universo cultural deles, mas
também levá-los a perceberem, por meio da intertextualidade, como se dá o diálogo
entre textos não só os produzidos pelos compositores das letras em estudo como os
produzidos pelos próprios alunos, visto que as cartas-respostas deles apontavam
semelhanças e divergências com os textos motivadores da aula.
Prosseguindo com as discussões em torno da feiura e da beleza, começamos
agora com a experiência através do cordel, contudo antes promovemos mais uma
atividade de motivação que são primordiais para, dessa forma, haver uma melhor
interação entre educador e educando. Perante isso, inventamos uma dinâmica nomeada
de “Espelho cego” a qual um aluno vendado ficaria no centro da sala com um nome,
que seria colocado em sua testa, de uma mulher famosa feia, ou que já foi feia, mas que
por procedimentos estéticos conseguiu alcançar a beleza que é exigida pelo público,
como Geisy Arruda, Joelma da banda calypso, mulher fruta-pão, entre outros nomes.
Em torno dessa dinâmica, tentamos mostrar ao nosso alunado o quanto de
ideológico há no que é naturalizado como feio ou bonito em nossa sociedade dentro da
qual, dada à primazia que o corpo em sua materialidade física adquiriu, o interior e os
sentimentos dos sujeitos, assim como o caráter, estão cada vez mais assumindo papéis
irrelevantes e o corpo se tornando um centro das atenções, pois, de acordo com Aldana
(2006), a cultura do momento é ter um corpo da moda.
Segue abaixo algumas imagens que conseguem traduzir o quanto foi prazeroso
esse momento das intervenções e que, além disso, fez com que fosse possível provocar
inquietações sobre os motivos que levam mulheres e homens a se submeterem a
procedimentos estéticos em busca do corpo perfeito e da beleza eterna:
Momentos de ludicidade com a dinâmica do espelho cego.
Encerrado esse momento de descontração entre bolsistas e alunos, iniciamos,
então, a leitura do cordel “A vida secreta da mulher feia”, de José Francisco Borges. A
metodologia de leitura usada foi a seguinte: pedimos que cada um dos alunos fizesse a
leitura de uma estrofe do cordel. Findada a leitura na íntegra, foi solicitado que eles
expressassem as primeiras impressões sobre o texto: se gostaram ou não e por quê;
quais os versos que chamaram a atenção deles; se concordam com a forma como é
descrita a vida da mulher feia, de que forma a personagem Dona Gigi, mostrada em
aulas passadas, poderia se encaixar no modelo de vida descrito pelo cordelista. Em
seguida, aplicamos um questionário sobre a temática em estudo e o cordel que foi lido.
Atividade de leitura do cordel "A vida secreta da mulher feia" de J. Borges.
Com as perguntas do questionário, objetivamos pensar em torno da construção
social do feio, ainda por cima, fazer com que os alunos pensassem nos motivos que
levaram o autor do cordel “A vida secreta da mulher feia” a retratar a saga de uma
mulher feia e não de um homem feio, quais motivos sociais enlaçavam a história. É
válido ressaltar que diversas expressões linguísticas, mostradas no cordel, determinam
se fulano é feio ou não. Na maioria, ou em quase todas as situações, as expressões
faziam referência ao corpo da protagonista. Sendo assim, é de suma importância trazer
algumas das questões que circularam em sala de aula.
Algumas questões sobre o cordel "A vida secreta da mulher feia"
Diante não somente das perguntas, como também das respostas que foram
emitidas pelos alunos, é necessário ressaltarmos que os estudantes ainda são submetidos
àquilo que é imposto socialmente, como, por exemplo, a questão do autor J. Borges
falar sobre uma mulher feia e não de um homem feio, segundo o discurso de um dos
alunos, “já que ele era homem, então deveria falar de mulher”. Outro ponto importante,
que já foi falado em outro momento, é a relevância que os alunos dão aos aspectos
físicos da personagem do cordel, uma vez que, de acordo com eles, o corpo dela é o que
determina seu tipo de beleza e, portanto, a forma como ela pode ser vista e o lugar
social que deve ocupar. Sobre esse aspecto, os alunos citaram como exemplo o fato de
que as oportunidades de trabalho/emprego são dificultadas para aqueles que são
considerados socialmente feios, pois o mercado de trabalho não abre as portas para
quem tem, por exemplo, uma perna maior do que a outra ou um dente quebrado. Ou
seja, pessoas que fogem ao ideal de beleza imposto socialmente.
Um dos pontos mais relevantes dessa aplicação do questionário foi a questão de
número oito do mesmo que pedia o seguinte: Em determinada estrofe, a mulher feia diz
que vai mandar uma mensagem por rádio, televisão ou internet para ver se lhe aparece
um cabra feio e machão. Para você, como seria o teor dessa mensagem? Coloque-se no
lugar da mulher feia e escreva um anúncio em busca de um namorado. Ou seja, os
alunos teriam que produzir um anúncio em busca de um namorado para a mulher feia,
retratada no cordel de J. Borges.
Atividade de produção dos anúncios
É válido lembrar que antes de partirmos para a produção propriamente dita dos
anúncios, o gênero anúncio foi explanado com bastante clareza para os alunos, como
forma de fazer com que eles conhecessem sobre o gênero em estudo naquele momento.
Tendo os anúncios produzidos, foi propiciada mais uma atividade, escolhemos o autor
do melhor anúncio. Para isso, formamos uma banca julgadora em que nela havia a
minha presença, da nossa supervisora e de mais dois bolsistas que atuam na escola.
Mesa julgadora responsável por escolher o melhor anúncio da turma.
Anúncio julgado pela banca como o melhor da turma.
A aluna vencedora produziu um texto que atendia às marcas estilístico-formais
do gênero “anúncio” bem como demonstrou um bom domínio de linguagem na
modalidade escrita padrão, o que revelou, segundo a comissão de avaliação, que a
autora do texto ganhador conseguiu compreender como se configura um texto
pertencente ao gênero em questão.
Observando o viés da feiura e beleza que é emitido pelo cartaz produzido pela
aluna, o texto revela que, na óptica da aluna, se a mulher é feia, ela, necessariamente,
não precisa procurar um homem bonito. Apenas um que queira compromisso sério, pois
como escreve a personagem criada pela aluna: “Estou solteira e a procura de um homem
machão (não precisa ser bonito). Quero compromisso sério”. Além disso, como a
personagem não possui os atributos físicos esperados, ela se coloca como possuidora de
outras características que podem compensar a falta de tais atributos, pois ela se assume
uma pessoa fazedora de todas as tarefas domésticas. Com isso, acreditamos que a aluna
compreendeu aquilo que foi o grande mote de todas as nossas aulas: a relação entre
beleza e feiura não é um imperativo biológico, mas, sim, produto de um paulatino
processo de construção social que não pode escapar das injunções históricas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Da experiência por nós vivenciada através do trabalho com discussões acerca da
feiura e beleza, é importante destacarmos que podemos provocar mudanças nos
indivíduos que frequentavam a sala de aula através do coletivo, pois, em diversas
situações, trabalhamos unidos, não de forma isolada e como sabemos “uma mudança só
se produz coletivamente” (GERALDI, 1997, p. 25). E não apenas isso, como também
mudarmos os horizontes dos alunos sobre os assuntos que circularam em sala de aula,
principalmente quanto se tratava de beleza e feiura, principal temática trabalhada com a
turma.
Além disso, percebemos que os alunos estavam muito ligados à cultura do
corpo, uma vez que os aspectos físicos sempre eram protagonistas em nossas
discussões, já que na mentalidade deles as deformações corpóreas eram o que realmente
definia alguém como sendo feio ou belo. Finalizamos o nosso trabalho, reiterando a
importância da temática escolhida para ser trabalhada em sala de aula que propiciou
aos/às alunos/as uma visão que os levou à valorização das diferenças e à contestação de
verdades cristalizadas em nossa sociedade, as quais nos impedem de experimentar
novas formas de ser, agir e existir para além dos modelos sociais estabelecidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola
editorial, 2003.
COSSON, Rildo. Letramento literário: Teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.
_____________. Círculos de leitura e letramento literário. São Paulo: Contexto,
2014.
GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
NOVAES, Joana de Vilhena. O intolerável penso da feiura sobre as mulheres e seus
corpos. Rio de Janeiro: ed. PUC-Rio: Garamond, 2006.
OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de português precisa saber:
A teoria na prática. São Paulo: Parábola editorial, 2010.
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