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Mapeamento de Fundão
Estação Cultural
Estação Cultural
Textos Júlia MottaFotos Marcela Pin
Mapeamento de Fundão
Rio de Janeiro2017
100 páginas. Tiragem: 300 exemplares. Distribuição gratuita.
Motta, Júlia, 1981-Estação Cultural: Mapeamento de Fundão / Júlia Motta.
- Rio de Janeiro : Movida Produções, 2017. 108 p. ; 21 x 15 cm.
ISBN 978-85-94408-01-31.História do Brasil 2.Etnologia 3.Cultura 4.Mapeamento Cultural 5.Espírito Santo 6.Fundão I. Título
CDD 300
CIP - Brasil. Catalogação-na-fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
© Fundação ValeTodos os direitos reservados.
1ª edição2017
Com base no princípio de que todo cidadão tem direito
à cultura, a Fundação Vale busca contribuir para a
democratização do acesso aos bens culturais, valorizando
o patrimônio material e imaterial brasileiro. Nesse contexto,
atua na implantação e gestão de equipamentos culturais
e projetos que colaboram com o desenvolvimento dos
indivíduos e da sociedade.
Esta publicação é fruto do comprometimento da Fundação
em contribuir com a valorização da identidade cultural de
locais onde a Vale está presente. Para sua realização, foram
mapeadas algumas manifestações culturais do município
de Fundão, no Espírito Santo, além da mobilização dessas
pessoas para contar suas histórias.
Esperamos que a publicação Estação Cultural: Mapeamento
de Fundão contribua para o reconhecimento da identidade
cultural do município e que sua população se perceba como
parte dessa identidade.
Apresentação Índice
Resistir é um ato de coragemHistória de Fundão Pegadas no chão da memóriaBens Imateriais RegistradosReligiosidadesEquipamentos CulturaisMúsicaArtes Cênicas e AudiovisualArtes VisuaisArtesanatoSaboresGuardião da MataLazer
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1216364652606474789096
Fundação Vale
Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Quem passa pela BR-101, ainda na região da Grande Vitória, e se
aproxima de Fundão – facilmente identificado pela concentração de
barraquinhas vendendo mexericas no acostamento – não tem ideia
de que ali, naquele pequeno município de pouco mais de 15 mil
habitantes, há um surpreendente bocado de corajosos. Corajosos
que resistem em seus fazeres culturais, produzem conteúdo
autêntico, perpetuam saberes ancestrais e se reinventam.
Uma coragem que inspira, como a de Josi, sua tapioca e sua
valentia na luta pela agricultura familiar. Ou a coragem persistente,
como as letras de Zé Mauro em suas canções-manifesto sobre
a situação sociopolítica do município. Tem ainda a coragem de
multiplicar de mestre Aroldo, que carrega em seu apito a tradição do
congo e em sua bravura prolífera a pureza dessa cultura tão genuína
para as gerações seguintes. Tem também a coragem apaixonada
de Jesiel para (sobre)viver a capoeira e formar novos guerreiros para
enfrentar com muita ginga as adversidades da vida.
Em Estação Cultural: Mapeamento de Fundão, precisei vestir-me
de muita coragem para identificar essas manifestações culturais
do município: uma pesquisa que tinha por objetivo mapeá-las, mas
já sabendo que um mapeamento completo é quase impossível. O
trabalho ganhou ares corajosos, como destacou Pierre Bourdieu,
para “dar a voz àqueles que ‘não têm voz’ é, mais do que tudo, um
compromisso político de cada intelectual e pesquisador que não
separa teoria de prática transformadora”.
Assim, convido os leitores a tomarem fôlego para mergulhar neste
mapa de fazedores de cultura e nas próximas páginas lerem um
pouco mais sobre as dez áreas culturais identificadas no mapeamento:
bens imateriais registrados, religiosidades, equipamentos culturais,
música, artes cênicas e audiovisual, artes visuais, artesanato, sabores,
guardião da mata e lazer. Foram catalogados 27 itens a partir de
dezenas de entrevistas com moradores, representantes do governo e
equipe técnica do governo tanto municipal quanto estadual.
Mapear a cultura é uma ferramenta de memória. Um dispositivo do
afeto. É abrir uma janela para a alma. Olhar o passado e compreender
o futuro. Mapear a cultura é um instrumento de afirmação e de
resgate. É uma necessidade do presente para inspirar outros tantos
corajosos a seguir a luta, juntos, para servir de instrumento para a
gestão da política pública. É uma possibilidade para que busquem
melhorias em seus afazeres e mais visibilidade a suas artes-resistência.
Boa leitura!
Resistir é um ato de coragem
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
A história de Fundão está diretamente ligada à história de
Nova Almeida, antiga Aldeia dos Reis Magos, estabelecida
em 1556 por um padre jesuíta e um índio temiminó, Afonso
Brás e Maracaiguaçu. Elevada à categoria de vila, em 1757,
e de comarca, em 1760, recebeu a visita do imperador dom
Pedro II em 1860.
A chegada da Estrada de Ferro Vitória a Minas foi
determinante para o desenvolvimento da região e para o
declínio de Nova Almeida1. No local onde hoje está a sede do
município de Fundão foi construída parte da ferrovia, com os
trilhos passando pela fazenda de café Taquaraçu, de Cândido
Vieira. A estrada de ferro deu origem à formação de um núcleo
populacional às margens do Rio Reis Magos, batizado de Rio
Fundão, devido a suas profundas águas2.
Em 5 de julho de 19033, o vilarejo tornou-se sede do
distrito, com o nome de Fundão. Passou a município
também num 5 de julho, em 19334. Na partilha territorial
do estado, ganhou Praia Grande, de mar aberto e calmo,
1 In: EFVM – Diagnóstico Integrado em Socioeconomia da Estrada de Ferro Vitória a Minas. Dimensão Histórico-Cultural, junho de 2008.2 In: Arquitetura – Patrimônio Cultural do Espírito Santo, p. 90-93. Secretaria de Estado da Cultura (Secult), 2009.3 A história da formação administrativa do município de Fundão é relatada por diferentes fontes com informações muitas vezes contraditórias. A versão contada aqui é a que está no site oficial da prefeitura.4 In: http://www.fundao.es.gov.br.5 In: Sebrae/ES. Inventário da Oferta Turística Fundão, julho de 1998.
História de Fundão
na foz do Rio Reis Magos, a 30 quilômetros da sede. O rio
delineia a divisa entre os municípios de Fundão e Serra. Ao
desembocar no mar, entre Nova Almeida e Praia Grande, seu
estuário constitui um mangue. Em conjunto, os manguezais
de Fundão, Aracruz e Vitória formam uma das maiores áreas
de mangues preservados do país5.
Toda a mercadoria comercializada na região era levada
de trem, único meio de transporte de seus moradores. Na
memória de muitos, a estação de Fundão era uma festa.
Quando passava o trem, as pessoas iam vê-lo chegar,
principalmente quando transportava os rolos de filmes
que iam para o Cine Redivo, antigo cinema da cidade que
funcionou de 1970 a 1990.
O município tem presença marcante de italianos.
Data de 1875 a chegada dos primeiros imigrantes da
família Agostini – donos da sede da fazenda Taquaraçu,
atual Casa de Cultura. Eles vieram do Tirol e se
estabeleceram em Três Barras (atual Irundi). Durante as
décadas seguintes, dezenas de outras famílias vindas da
Itália se fixaram em Fundão.
Essa forte influência italiana marca a cultura da cidade,
que chegou a contar até com a Associação Cultural Italiana
Colomba Bianca. Fundada em 5 de julho de 1987, foi
registrada como entidade em 29 de maio de 1992. Surgiu
como sociedade civil por iniciativa de pessoas interessadas
no intercâmbio social e na maior integração do Brasil com
a Itália. Tinha como objetivos criar facilidade, organizar e 6 In: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
propagar a cultura italiana, sua língua, seus costumes e sua
história. A associação teve um coral de italianos que
se apresentava em datas festivas do município, na praça
e em igrejas. Formado por 40 pessoas, o grupo encerrou
suas atividades no fim da década de 1990.
Fundão possui localização estratégica para o escoamento
da produção de café, por sua proximidade com o litoral e a
serra ao mesmo tempo. Também se destaca na produção
de mel e no plantio de banana. Hoje, o município é cortado
pela rodovia BR-101 e pela Estrada de Ferro Vitória a Minas,
o que ainda lhe assegura centralidade e acesso. Localiza-se
a 53 quilômetros da capital do Espírito Santo e faz parte da
região metropolitana da Grande Vitória. Além da sede, possui
três distritos: Praia Grande, Timbuí e Irundi6. A população
de Fundão estimada pelo IBGE, em 2016, é de 20.376,
distribuídos em 288.724 quilômetros quadrados de área.
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão10 11
Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Por Adriana Facina7
Nos congados, a palavra, como hálito, condensa o legado ancestral,
seu poder inaugural, e o movimento prospectivo da transcriação,
encenado no ato da transmissão. O evento narrado dramatiza
o sujeito num percurso curvilíneo, presença crivada de ausência,
memória resvalada de esquecimento, tranças aneladas na própria
enunciação do narrado. Assim, na oralitura dos reinados negros, a
memória, insinuante, se envieza nas falas, se esvazia e se preenche
de sentido, como um lugar numinoso, pletora de significantes, do
qual também indagamos: “Afinal, o que fica das pegadas do chão
da memória? Fica o que significa, pode-se pensar. Ou talvez o
contrário: o que significa passa a ficar” .(Leda Maria Martins, Afrografias da Memória)
7 Adriana Facina é graduada e mestre em história, com doutorado e pós-doutorado em antropologia social. É professora no Museu Nacional/UFRJ e no PPCULT/UFF. Pesquisa produção cultural e criação artística, principalmente a realizada em favelas e periferias. Coordena a Universidade da Cidadania, órgão do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ. Publicou os livros Santos e Canalhas: Uma Análise Antropológica da Obra de Nelson Rodrigues, Literatura e Sociedade, Vou Fazer Você Gostar de Mim: Debates sobre a Música Brega e Poesia Favela, Acari Cultural: Mapeamento da Produção Cultural em uma Favela da Zona Norte do Rio de Janeiro.
Pegadas no chão da memória
Falar de memória é falar de silenciamentos: o que lembramos tem
relação com o que esquecemos. Mas a memória também é um
exercício de resistência e de reinvenção da história. A história de
Fundão faz referência à aldeia fundada por um padre jesuíta e um
indígena temiminó, a recordar o processo de aniquilação sofrido
pelas populações originárias no Brasil. Se a presença indígena já não
é parte do cotidiano do município, sua manifestação cultural mais
importante traz traços dessa presença, associados aos da população
afro-brasileira. O congo é pegada no chão da memória de Fundão.
As origens indígenas e africanas foram sincretizadas com
o catolicismo popular, manifestado como devoção a santos
como são Benedito, são Pedro e são Sebastião. Instrumentos
de percussão, apitos, buzinas, tambores aquecidos na fogueira,
danças, cantos e proclamações se misturam numa festa onde são
fluídas as fronteiras entre o sagrado e o profano.
Patrimônio imaterial reconhecido pelo Estado, a importância
do congo no município de Fundão se materializa nas seis bandas
existentes na localidade. O conhecimento dos mestres do congo,
como seu Aroldo, são passados oralmente, em contato pessoal
direto, quase sempre entre familiares. Experiência encarnada
que só se aprende vivendo e não pode ser transmitida por livros.
Como afirma Dion, coordenador de uma das bandas: “Quando eu
tô batendo congo, parece que os antepassados entram na gente.
É muito bonito. É algo inexplicável”.
A Folia de Reis é outro patrimônio imaterial presente em
Fundão. Assim como o congo, é fruto de uma história de
miscigenação, sincretismo e estratégias de sobrevivência,
resultando num festejo onde sagrado e profano se mesclam.
Símbolo dessa mistura, dona Rith, descendente de agricultores
italianos, comanda a Folia de Reis Os Três Reis do Oriente. Aos
91 anos, suas memórias da folia surgem em forma de cantos,
evocando a visita dos Três Reis Magos ao Menino Jesus.
A capoeira, patrimônio imaterial da humanidade reconhecido
pela Unesco em 2014, é praticada em Fundão. Saber forjado na
diáspora negra, a capoeira, como diz a música, “é defesa, é ataque,
é ginga do corpo, é malandragem”. O professor Jesiel é voluntário
nas aulas do Grupo Jogo Livre e realizou um evento, em 2016,
que reuniu mais de 200 capoeiristas de todo o Espírito Santo em
Fundão. Como tantos mestres da cultura popular, o professor não
tem em sua arte o meio de sustento, mas ainda assim arranja tempo
para não deixar morrer a tradição. É uma forma de fazer política
cultural arrancando arte do chão árido da sobrevivência.
A força das tradições afrodiaspóricas no município é
representada ainda pelo candomblé. A Casa Ilê Asé Pajubá Oyá
Igbalê, comandada por Mãe Paula, existe há 26 anos nas margens
da estrada de ferro. Negra e transexual, Mãe Paula é muito
respeitada na cidade e frequenta a igreja católica, um trânsito
inter-religioso comum nas religiosidades populares.
Essa religiosidade pouco dogmática manifesta-se nas festas
dos santos católicos, sincretizados com divindades afro-brasileiras.
São muitas as festas católicas em Fundão, reunindo bandas de
congo, missa, procissão, música, comida e, por vezes, jogos como
bingo e roleta. Além das festas de rua, as comunidades religiosas
também realizam festas em seus salões anexos às igrejas do
município, com comidas típicas, música e jogos.
As manifestações culturais tradicionais convivem com artes,
lazeres e sociabilidades características do mundo urbano.
O grafite nos muros representa tradições como o congo na
linguagem artística urbana contemporânea. Da relação entre
tradição e modernidade nasce também o trabalho do cineasta
Fabio Samora. De sua aproximação com o congo resultou,
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
em 2011, seu primeiro documentário, Mestres da Congada
Fundoense. O filme conta a trajetória de alguns dos principais
mestres, capitães e rainhas do congo de Fundão. Foi exibido no
Canal Futura, na série “Revelando os Brasis”.
Música e artes plásticas participam desses fluxos entre
tradição e modernidade: a viola caipira, a pintura das bandeiras
do congo, a representação pictórica de mulheres africanas são
parte do universo cultural do município.
Lazeres e sociabilidades modernos povoam o espaço urbano de
Fundão. O skate risca o asfalto nos pés da juventude do município.
O jogo de dominó em praça pública e o baile da terceira idade
mostram que a modernidade não é exclusividade da juventude.
Essa marca da invenção e reinvenção de tradições,
misturando origens e referências, é muito forte em Fundão. Um
símbolo dessa dinâmica cultural são as mexericas. Elas estão
por toda parte há mais de 50 anos. Mas, apesar de ser vendida
no município, integrando sua paisagem e seus sabores, a fruta
não é cultivada na área rural. Nos anos 1990, existiu uma Festa
da Mexerica, e ainda hoje muitas famílias vivem da venda da
fruta nas margens da BR-101. A tapioca, os queijos e os biscoitos
italianos vendidos na feira do centro de Fundão ajudam a
compor esses sabores miscigenados do município.
Como acontece em quase todo o país, essa diversidade
cultural convive com a fragilidade do incentivo público para sua
perpetuação. Com toda essa riqueza de manifestações culturais,
Fundão conta com apenas dois equipamentos públicos de
cultura: a Casa de Cultura e a Biblioteca Municipal. A resposta a
essa fragilidade é o fazer autônomo dos agentes culturais.
Seu Tiãozinho, verdadeiro guardião da mata, representa esse
fazer independente. Neto de italianos, de família de agricultores,
seu Tiãozinho colocou seu saberes sobre a mata à disposição do
bem público. Ambientalista, esse guardião reflorestou, doou terras
para a prefeitura criar uma Unidade de Conservação Municipal
e compartilhou seus conhecimentos com pesquisadores da
universidade e alunos das escolas da região. O poder público
deixou morrer as 40 mil mudas de orquídeas que ele doou com o
terreno, mas a persistência do ambientalista resultou em iniciativas
importantes por parte do Estado para a preservação do meio
ambiente. Seu Tiãozinho, assim como outros artistas e agentes
culturais de Fundão, iniciou sua caminhada com investimentos
públicos que hoje desapareceram. As pegadas de fazedores
resistentes da cultura fundoense estarão marcadas para sempre no
chão da memória do município. Mas o que ficará para o futuro? O
que será capaz de significar para ficar?
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Bens Imateriais Registrados
Congo . Folia de Reis . Capoeira
Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
O apito do mestre à frente da banda de congo dá o
tom da batida da casaca e dos tambores. Numa mistura
de música, dança, ritos e devoção, as bandas de congo são
uma marca da cultura de Fundão.
Elas são compostas de homens, mulheres, jovens e crianças
que interpretam canções, dançam e tocam instrumentos como
cuíca, caixa, chocalho e buzina – além de tambor e casaca – e
são acompanhados pela rainha, por dançarinas, pelo capitão
e/ou mestre. A casaca é como um reco-reco de cabeça
esculpida, instrumento musical provavelmente de origem
indígena, formado de um cilindro de madeira, com uma cabeça
esculpida numa das extremidades. Os tambores marcam o
ritmo forte, são feitos geralmente de barris e se aproximam
mais das batidas africanas.
O elemento religioso está fortemente presente. A
imbricação entre catolicismo popular e congo revela-se
também no complexo de ritos e celebrações do mastro: a
cortada, a puxada, a fincada e a derrubada. As apresentações
são feitas normalmente em festas de santos, sendo são
Sebastião, são Benedito e são Pedro como os principais.
No Espírito Santo, o congo é considerado a mais
importante manifestação da cultura popular tradicional e
foi certificado como patrimônio imaterial registrado pelo
Conselho Estadual de Cultura (CEC), em 2014. De acordo
com o documento do CEC, o congo constitui uma forma
de expressão cultural popular que, no estado capixaba, se
apresenta por meio de conjuntos musicais. “Tem origem
indígena; porém, a partir do século 19, foi registrada a
participação dos negros nas ‘bandas de índios’, ocorrendo,
assim, a apropriação por empréstimo entre o escravo africano
e os índios nativos, e com esse sincretismo passou a ter são
Benedito como santo de devoção.”
Das 67 bandas identificadas no Espírito Santo, seis
são de Fundão: Banda de Congo São Benedito e São
Sebastião; Banda de Congo Mirim Santa Clara Estrela Guia;
Banda de Congo Cultural Com-fogo; Banda de Congo
Bandeira 1; Banda de Congo Mirim São Benedito e São
Sebastião de Timbuí; e Banda de Congo São Sebastião
e São Benedito de Irundi e Piabas.
Congo
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Mestre Aroldo
Aroldo Silva nasceu em Fundão, numa família de quatro
irmãos, e só aprendeu a assinar o nome, pois estudou
apenas até o 1º ano do ensino fundamental. Desde criança
trabalhava na roça para ajudar a família nas plantações de café,
milho e feijão. A herança do congo na família de mestre Aroldo
vem dos avós. A mãe morreu quando ele tinha 5 anos, e foi com
essa idade que começou a acompanhar o pai e os tios no congo.
“Eu subia em cima do tambor feito de barril de vinho e já ficava
tocando. Se eles não me levassem junto, ficava bravo”, relembra.
Mestre Aroldo ficou órfão aos 10 anos, quando o pai
morreu. Foi criado por uma tia e madrinha. Quando se tornou
maior de idade, saiu de casa e foi trabalhar. E foi justamente
aos 18 anos que começou a aprender com Horencio
Rodrigues a ser um mestre de congo. Aos 19, já comandava
uma banda. “Aprendi a tocar olhando. Tocavam o tambor e eu
estava prestando atenção em como eles batiam. O mestre de
congo é como um maestro: tem de saber a hora de começar,
saber quem errou. Já formei alguns mestres em Fundão. Uns
continuaram, outros não tiveram o dom de seguir.”
Nos anos 1960, fundou, juntamente com a esposa,
Clara Alvarenga, a Banda de Congo Estrela Guia, com
60 integrantes, ele como mestre e Clara como rainha.
Quando se casaram, ele tinha 25 anos e adotaram um
filho (que mora em Aracruz). Foram casados por 30 anos e
organizavam festas para os tocadores de congo. “Quando
a Clara morreu, fiquei sozinho e a banda parou, mas segui
comandando outras bandas. Se você gosta do congo,
segue até quando Deus tira a gente do mundo. Tenho o
congo como minha religião.”
Aos 71 anos, é o mestre da Banda de Congo Mirim Santa
Clara Estrela Guia. Dá aulas para formar novos congueiros e
é o presidente da Associação de Congo de Fundão há dez
anos. Com a associação, as bandas de congo do município
passaram a ter apoio para uniformes, instrumentos,
transporte e alimentação para as apresentações. “Amo ser
um mestre de congo. Comandar uma banda me deixa mais
leve de espírito”, conta mestre Aroldo, que toca sanfona e
violão. “O tambor já não toco mais pelo peso.”
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Banda de Congo Mirim Santa Clara Estrela Guia
Foi criada por mestre Aroldo para dar continuidade à
tradição de congo em Fundão, em 2015. É formada por
19 crianças e jovens, de 6 a 14 anos, das mais variadas regiões
do município. Apresentam-se por todo o estado. Ensaiam
Foi fundada há mais de 30 anos. Dion Pereira,
presidente da Banda de Congo Bandeira 1 de Timbuí,
conta que, quando os pais saíram da roça e foram morar
no Buraco-Quente, ele tinha 4 anos. O tio estava colocando
os instrumentos no sol e ele ficou batucando. “Assim surgiu
a banda mirim. As meninas se vestiam de saco de estorvo.
Os instrumentos eram feitos de lata de leite Ninho. Eu e
minha irmã Diana fazíamos furos nas latas para montar os
tamborzinhos”, relembra Dion. Hoje, a banda mirim conta
com a ajuda da Associação de Bandas de Congo de Fundão
para vestuários e instrumentos. “Antigamente era só
o poder da força e da coragem”, afirma.
A banda tem em torno de 20 integrantes, e muitos
são filhos e sobrinhos de congueiros. Rainha da banda,
Carolina Paola Laghasse, 12 anos, está no 6º ano do ensino
fundamental e é sobrinha de Diana e Dion. Começou no
congo aos 3 anos e, desde os 10, passou a ser uma das
rainhas do adulto também. “Começamos a puxar os menores
Banda de Congo Mirim São Benedito e São Sebastião
para tocar com os grandes para que eles vissem como é a
tradição de perto, para deixar o congo sempre vivo”, afirma
Dion. Carolina conta que já se apresentou na escola no Dia
da Consciência Negra, mas que nem sempre a tradição é
bem recebida: “Já nos apresentamos uma vez, mas nem todo
mundo gosta por questões de religião”, pontua.
Os filhos e os sobrinhos de Diana e Dion fazem
parte da banda mirim. Andrey Mendes Sant’Anna, 12 anos,
toca casaca desde os 3 anos. Ryan Larghasse Mendes
Neto, 13 anos, começou com a casaca e hoje toca tambor.
David Pereira Pinto começou com 3 anos tocando casaca
e hoje está no bumbo. “O congo faz parte de nossa
família”, afirma David.
aos sábados, de 15 em 15 dias, na Igreja Santo Antônio.
“Do jeito que nossa cultura está, se a gente não formar
congueiros, essa tradição vai ficar para trás”, comenta
mestre Aroldo.
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Congo Bandeira 1 de Timbuí
O primeiro registro da formação da Banda de Congo
Bandeira 1 de Timbuí é de 1935. Não se sabe a data
certa de sua fundação, mas o documento revela que nesse
ano já havia 23 integrantes. Das bandas de congo de Fundão,
é a única que mantém a tradição das datas fixas dos ritos de
celebração do mastro: em 8 de dezembro é a cortada; 30 de
dezembro é a visita à bandeira; em 31 de dezembro ocorre o
passeio do navio e a chuva de papel; em 1º de janeiro tem a
puxada do mastro pelo navio e sua fincada na frente da igreja;
e, no domingo de Páscoa, é a retirada do mastro.
É na Rua Euclides Barcelos, em Timbuí, conhecida como
Buraco-Quente, que a Bandeira 1 faz sua concentração. Em dia de
festa, em cima das casas, os tambores secando ao sol anunciam
que logo mais o som das casacas e dos tambores vai invadir o
local e convidar os moradores a dançar e acompanhar a banda.
Pelas vielas do Buraco-Quente, é possível encontrar parte da
família de Diana Aparecida Pereira, a rainha do congo e vice-
presidente da banda de Timbuí. Aos 36 anos, ela trabalha na
recepção do posto de saúde, mas gosta mesmo é de trabalhar
na roça, com café. Diana tem três filhos: Carlos Eduardo (18 anos),
David (14) e Weden Jr. (13). Aos 18 anos, quando foi ter o primeiro
filho, houve uma complicação e a médica disse que não poderia
salvá-lo. “Implorei a são Benedito e de repente veio a dor”, relembra
Diana. Hoje, Carlos Eduardo está afastado do congo, mas chegou a
ser congueiro, casaqueiro e capitão da Banda de Congo Mirim de
Timbuí. Já David e Weden seguem tocando.
Diana entrou na Banda de Congo Mirim São Benedito de
Timbuí aos 3 anos. O avô fazia instrumentos e tocava casaca.
A avó foi rainha até os 97 anos e hoje carrega a bandeira que
era dela. É Diana quem decide o figurino da banda, sempre
tentando manter as cores do grupo: verde, amarelo e vermelho.
“A família toda participa do congo. É tradição mesmo”, conta.
Seu irmão, Dion Pereira, de 38 anos, é o coordenador e
presidente da Bandeira 1. Começou no congo aos 4 anos e, aos
13, saiu da banda mirim e foi tocar na de adultos. Responsável
pela manutenção dos instrumentos, Dion conta que o bumbo
é o coração do congo. “Cada banda de congo tem um estilo de
bater. Na nossa, a batida é mais forte, de repique”, define.
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Em uma sala num terreno da igreja, no mesmo local
onde fica estacionado o navio da banda, Dion guarda os
instrumentos antigos da Bandeira 1. Seu sonho é poder
montar um museu do congo com as peças. “Quando eu
tô batendo congo, parece que os antepassados entram
na gente. É muito bonito. É algo inexplicável. Quando
chega o fim do ciclo (fincada do mastro), é uma sensação
maravilhosa”, revela.
Manoel Benedito Lima, o mestre Bino da Bandeira 1, 49
anos, começou no congo aos 10 e a primeira coisa que pegou
foi a casaca com apito. Avós, pais e tios eram batedores de
congo e aprendeu com eles há quase 40 anos. “Minha mãe
fez uma promessa para são Benedito e são Sebastião pedindo
para que eu ficasse em pé outra vez porque estava muito
doente, e obteve a graça”, relembra.
Com a casaca, o apito e as mãos, mestre Bino guia a
Bandeira 1. Ele conta que o mestre de congo é quem dá
sentido ao que está acontecendo na banda. “O congo
representa a maior cultura do Brasil. Pelo congo, a gente
recupera a história do negro”, conta o artista, que ganhou
um prêmio da Secretaria Estadual de Cultura em
reconhecimento por seu trabalho.
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão28 29
Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Banda de Congo São Benedito e São Sebastião
A banda começou em Nova Almeida, quando Fundão
ainda era distrito de lá. Atualmente, conta com
cerca de 15 integrantes. Os ensaios acontecem no bairro
de Santo Antônio, no barracão de candomblé de
Mãe Paula, a atual rainha da banda.
Walace Alves Machado, 29 anos, é o coordenador da
banda. Começou a tocar tambor no barracão que sua
avó também frequentava. “Ela saía no congo e aí sugeriu
que eu participasse”, conta. O coordenador comenta que
hoje a festa de são Benedito e são Sebastião em Fundão
está muito modificada, com palcos de shows e blocos
de Carnaval. “Em 2017, não teve show, foi só atividade
cultural. Eu me senti com 13 anos, quando comecei no
congo, levando somente a fé, sem interferências que
descaracterizam a festa”, comenta Walace, que já vê a
tradição passar para seus dois filhos, que integram a Banda
de Congo Mirim Santa Clara Estrela Guia. “É importante ter
continuidade. Damos aulas para as crianças também.”
Mãe Paula começou no congo aos 14 anos como
dançarina. Sua mãe de criação era a rainha Natalina
Miguel Poletto, mais conhecida como dona Neném
Poletto, uma das primeiras parteiras e benzedeiras
de Fundão – assim como sua mãe biológic,a Laura
Firmino. Por 40 anos, dona Neném Poletto foi a rainha
da Banda de Congo São Benedito e São Sebastião.
“Herdei a bandeira de minha mãe de criação quando
tinha 28 anos e estou com ela até hoje”, enfatiza Mãe
Paula, que tem 45 anos.
Banda de Congo Irundi/Piabas
Formada por integrantes da comunidade rural de
Piabas, em Ibiraçu, e também de Irundi, do município
de Fundão, tem mais de 60 anos de tradição. Uma de
suas principais marcas é a miscigenação, numa mistura
de culturas entre negros e descendentes de italianos e
austríacos. Tinha como capitão Albino Casimiro dos Reis,
mais conhecido como capitão Bino, falecido em 2013,
que contribuiu por mais de 65 anos para a cultura do
congo do Espírito Santo.
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Folia de Reis
Dona Rith
A Folia de Reis Os Três Reis é também um dos
patrimônios imateriais de Fundão. O cortejo, de caráter
religioso popular, tem tradição europeia e encena a viagem
dos Reis Magos (Melchior, Baltazar e Gaspar) em visita ao
Menino Jesus recém-nascido. A tradição da visitação das casas
é realizada por músicos com instrumentos como bumbo,
tarol, surdo, pandeiro, triângulo, viola e sanfona, entoando as
cantorias num ritmo ao mesmo tempo melancólico e alegre.
O símbolo religioso da folia é a bandeira dos Santos Reis,
que remete à Sagrada Família.
Maria Broseghini Pereira, 91 anos, mais conhecida como
dona Rith, é uma das memórias vivas da Folia de Reis de
Fundão. Seus pais vieram da Itália para a cidade capixaba e
foram trabalhar com café e laranja. Os nove filhos – seis irmãs e
três irmãos – participavam da Folia de Reis e a família reunida
cantava de casa em casa. “Nós todos cantávamos quando
crianças com nossos pais”, relembra.
Na folia da família Broseghini, os três Reis Magos, a Cigana
e 12 Pastorinhas participavam, todos com figurinos que eles
mandavam fazer. Dona Rith tocava triângulo e pandeiro. Ela
conta – ou melhor, canta – a Folia de Reis com muito afinco.
Basta citar a tradição capixaba para que sua memória desperte
logo uma das canções: “Oh, senhor, dono da casa, abre a porta
e acende a luz, venha de coração receber o Bom Jesus”.
O ritual da Folia de Reis começa na casa do convidado, no
escuro. Eles cantam, as portas se abrem, eles entram cantando
e, ao fim, as luzes se acendem. Então são recebidos com doces
pelos donos da casa e uma estrela é entregue para a mulher e
a bandeira para o marido, que sempre foi pintada por sua irmã
Ilma. “A bandeira vai entrando com a licença que ela tem. Na
sombra desta bandeira vamos entrar também”, cantarola dona
Rith. Ela segue contando que, depois de entrar nas casas e
cantar, a Cigana entrega um envelope para o dono da casa, que
doa algo para a igreja e corta pedacinhos de fitas da bandeira
como mais uma simbologia da tradição.
Viúva de Moacir Pereira do Vale, mãe de cinco filhos – quatro
homens e uma mulher –, dona Rith relembra que a polenta era
sagrada aos domingos. “É uma de minhas maiores recordações
da família italiana reunida.” O marido tinha fazendas,
caminhões, pensão, padaria e supermercado e foi um dos
fundadores do Maracaia Clube. Mas a música também esteve
presente na vida dele, que tocava trombone de vara na Banda
Municipal, e de seu irmão Manoel, que tocava saxofone. “Minha
casa sempre teve muita música. Fazíamos verdadeiros bailes lá”,
relembra dona Rith.
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Patrimônio imaterial da humanidade reconhecido pela
Unesco em 2014, a capoeira resiste em Fundão por meio
do Grupo Jogo Livre Capoeira Cordel Vermelho, que está há
mais de 25 anos no Espírito Santo. Com aulas coordenadas pelo
professor Jesiel Ricardo Soares, a capoeira acontece na Casa de
Cultura, para crianças e jovens.
Aos 33 anos, Jesiel é frentista e dá aulas de capoeira
gratuitamente. Seu primeiro contato com a atividade foi aos 19
anos, quando fez parte de um projeto do grupo Beribazu realizado
em Fundão, Praia Grande e Timbuí, de 2000 a 2004. Dos 300 jovens
que participaram, só ele seguiu com a capoeira. “Ensino crianças
e jovens, mesmo sem receber nada, porque não quero deixar
a tradição morrer”, conta Jesiel, que é estagiário e instrutor, pois
ainda não se formou. Há oito anos, dá aula em Fundão. “Trabalhei
dois anos como voluntário para não perder a tradição da capoeira.
Já tirei dinheiro do bolso até para trocar lâmpada da Casa de
Cultura e pagar transporte para essa garotada vir jogar capoeira”,
conta Jesiel, que já teve mais de 100 alunos.
Nascido em Vila Velha, foi morar em Fundão aos 9 anos.
Somente aos 10 foi pela primeira vez à escola. Estudou até o
9º ano do ensino fundamental e parou. Retomou os estudos e,
em 2016, formou-se no ensino médio, estudando a distância.
Trabalhou fazendo queijo em um laticínio, de domingo a
domingo, por quase dez anos. Há seis, está no posto de
gasolina e consegue mais tempo para estudar e se dedicar à
capoeira. “O primeiro contato com o esporte foi aos 15 anos,
com o caratê, num projeto da prefeitura. Estudava de manhã,
à tarde enchia sacolinha de café para vender e à noite treinava
caratê, até conhecer a capoeira e me apaixonar”, conta Jesiel,
que, em 2016, realizou em Fundão um evento com 200
capoeiristas de vários municípios do Espírito Santo.
Capoeira
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ReligiosidadesCandomblé . Tradição Católica
Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Casa Ilê Asé Pajubá Oyá Igbalê
A casa de Mãe Paula existe há 26 anos, nas margens da Estrada
de Ferro Vitória a Minas.. A tradição do local é a Festa dos
Êres, em 12 de outubro (Dia da Criança), e de Abadô Oxossi, dia de
são Sebastião. “É quando marca o início do afoxé, justo com a festa do
congo”, comenta Mãe Paula, que coordena o local. Adão Raimundo
Neto, presidente do barracão, cedeu a casa para Mãe Paula. Aos 45
anos, negra, transexual, orgulha-se por ser muito respeitada na cidade.
Inclusive conta que por vezes vai à missa vestida de branco e chega a
comungar. Os encontros no local acontecem de 15 em 15 dias.
Filha de uma parteira e benzedeira, Mãe Paula nasceu em
Jacaraípe, na Serra (ES), e mudou-se para Fundão aos 9 anos. Com
10, recebeu o santo pela primeira vez, mas não queria seguir no
candomblé. Aos 11, foi morar na casa de mãe Neném Poletto. Aos
13, foi levada para fazer a cabeça numa casa para curar a varíola.
“Minha relação com o candomblé começou em prol da minha
saúde. Normalmente, levam-se sete anos para virar pai ou Mãe de
santo; para mim foi em um ano”, conta Mãe Paula, que teve duas
saídas de santo, a primeira com a mãe Oyá Igbalé e a segunda
com o velho Obaluaiê.
Mãe Paula conta que já sofreu preconceito por sua religião,
mas que sua ligação com o congo a ajudou a quebrar as barreiras.
“Foi passageiro, e as pessoas começaram a conhecer meu caráter
de seriedade. O congo é minha essência, meu fôlego de vida,
minha inspiração espiritual, minha fé renovada em Jeová Deus e
os Santos da Corte do Céu.”
No dia a dia, são os filhos da casa que ajudam a manter a
tradição do candomblé viva. Entre eles, está Joana D’Arc dos
Santos, 33 anos, que frequenta o local desce criança, pois o pai
é o presidente da casa. Outro é Robson Rocha Silva, 27 anos, que
nasceu em São Paulo, pois o pai é de lá, mas a mãe é de Fundão.
Há seis anos fez a cabeça, mas frequenta a casa há mais tempo.
Sua mãe também era filha de santo de Mãe Paula. Marcos Paulo
Machado Batista, 18 anos, nasceu na casa e toca tambor nas festas.
Os curiosos que frequentam o terreiro de Mãe Paula vêm de
diversos municípios da região, não apenas de Fundão. Tem gente
de Aracruz (ES), Colatina (ES) e Serra (ES) e todos os domingos à
tarde eles tocam tambores. Um grupo de 15 pessoas frequenta a
casa sempre e, em dia de festa, o barracão enche.
Candomblé
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão40 41
Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
As festas
As paróquias de Fundão fazem festas para diferentes
santos. O sincretismo está presente e nelas há bandas de
congo (na maior parte das vezes), missa, procissão, música,
comida e até bingo e roleta.
Em janeiro, acontecem as principais festas das paróquias
que celebram são Sebastião e são Benedito. Em março, é
a vez de são Pedro, padroeiro de Fundão. Mas ao longo do
ano acontecem outras, como a de Nossa Senhora da Penha,
em abril, realizada em Encruzo e em Timbuí. É quando é
possível ver na frente das igrejas o mastro com as imagens
dos santos e, em algumas festas, o navio que representa
a puxada do mastro, como na capela centenária Nossa
Senhora da Vitória, em Goiapaba-Açu.
As diversas paróquias ou comunidades, como são
chamadas, têm suas tradições. Nas menores, as festas
Tradição Católica
costumam ser realizadas nos salões ao lado da igreja. A
Comunidade de São João Batista, em Carneiros, é uma
delas. Em 25 de junho, realiza a festa de são João Batista,
com leilão, rifa, música no pátio e comidas típicas, como
feijão-tropeiro, capelete, canjica e bolo de aipim. A
igreja foi construída em 1914. “Os padres eram de Santa
Leopoldina (ES) e vinham no lombo do burro realizar as
missas”, conta a coordenadora da comunidade, Maria de
Fátima Zamborline Rodrigues. Próximo ao centenário, o
local passou por uma reforma e, durante as obras, acharam
um cofre escondido com uma garrafa e, dentro dela, a
lista com todas as assinaturas dos fundadores da igreja.
Fizeram uma cópia do documento para cada representante
das famílias e entregaram para eles durante a missa de
celebração do centenário, em 2014.
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Na Comunidade Bom Jesus da Lapa, em Três Barras, a festa
é no dia 23 de julho, com missa, leilão, roleta, almoço e sorteio.
Fundada em 1916, foi construída sobre uma elevação rochosa,
voltada inicialmente para a comunidade que ali existia. O
altar-mor é composto de três nichos com imagens de são
Benedito e do padroeiro Bom Jesus da Lapa. Não há torres
sineiras, apesar da existência de dois
sinos nas janelas do coro.
Já na Igreja Matriz de São José, a festa para o padroeiro
de Fundão é realizada em março, com missas, almoço
das comunidades, música e congo. Localizada no alto
da Escadaria Chrysantho Jesus Rocha, a igreja tem uma
arquitetura simples, com fachada frontal e uma porta
central de madeira. Há apenas uma torre com um sino, que
fica do lado esquerdo. Seu altar original foi substituído por
uma cruz de madeira com Cristo em tamanho natural.
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Equipamentos Culturais
Casa de Cultura . Biblioteca
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Tombado pelo Conselho Estadual de Cultural (CEC) do
Espírito Santo, em 1985, o casarão da família Agostini
abriga a Casa de Cultura do município. Localizada na Avenida José
Agostini, sem número, no Centro, a edificação, construída em
1882, pertencia à antiga fazenda cafeeira Taguaraçu. Funcionou
como firma exportadora de café e, depois de um leilão, passou a
ser propriedade da família do italiano Augusto Agustini.
O sobrado, erguido nas proximidades da Estrada de Ferro
Vitória a Minas, acompanhou o crescimento econômico do
então distrito de Fundão. Composto de dois pavimentos
mais um sótão, o casarão contava com um estabelecimento
comercial no térreo, ligando-se com o exterior por meio de
cinco portas dispostas sobre o passeio da frente da casa. No
pavimento superior, a residência estava organizada a partir da
valorização da iluminação e ventilação das janelas e portas.
Na fachada da frente, uma sequência de cinco vãos se abre
para o estreito balcão disposto sobre toda essa parte da casa,
repetindo as portas do térreo.
Casa de Cultura
As portas possuem verga reta, ombreira, soleira e folhas de
madeira. As portas-janelas do pavimento superior apresentam
venezianas, caixilhos com vidro e bandeiras. As fachadas
laterais têm janelas duplas, guilhotina por fora e duas
folhas de madeira por dentro. Nessas fachadas, destacam-
se os contrafortes de alvenaria, que conferem resistência à
estrutura. O sótão tem suas janelas voltadas
para a lateral da residência. Na fachada dos fundos,
há uma varanda que integra a casa à rua.
Comprada pela prefeitura de Fundão, entre 1985 e 1986,
a edificação foi restaurada e adaptada para abrigar a Casa de
Cultura. Hoje, lá funciona a parte administrativa da Secretaria
de Cultura Municipal e também a sede de algumas atividades
culturais e esportivas, como o baile da terceira idade,
a capoeira e o caratê.
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Com 6 mil títulos espalhados por suas estantes, a biblioteca
municipal já teve seu endereço fixo na Casa de Cultura, e
atualmente está em um endereço provisório no Centro. Não se
sabe ao certo a data de sua fundação.
Em seu acervo, conta com coleções completas de clássicos
da literatura brasileira, como Machado de Assis, Graciliano
Ramos, Monteiro Lobato, José de Alencar e Jorge Amado.
Também tem a Coleção Capixaba de Literatura Histórica. Sobre
Fundão, possui alguns exemplares de jornais e revistas e o
catálogo do IBGE sobre a fundação da cidade, mas, de acordo
com a bibliotecária, Gabriela de Oliveira Gobbi, concursada
Biblioteca Pública Municipal Professor Mário José
que assumiu há alguns meses a função, não tem nenhum
livro dedicado à história do município.
O local é muito disputado no horário do almoço, em que
os turnos de estudantes estão trocando nas escolas. Isso se
deve a uma das atrações da biblioteca: sua coleção de gibis.
Muitos estudantes do ensino fundamental saem da escola e
gostam de passar no local para emprestar algum exemplar
para ler em casa. A intimidade com a cultura é incentivada
pelas escolas, que estimulam a pesquisa no acervo da
biblioteca, mesmo que limitado e não informatizado. Funciona
de segunda a sexta-feira, das 7 às 17 horas.
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MúsicaViola Caipira . MPB
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O compositor Gabriel Scopel Tonini, de 34 anos, começou
sua relação com a música quando ainda nem sabia falar.
A mãe lhe dava objetos que faziam barulho para estimulá-lo
até ganhar seu primeiro instrumento, uma flauta. Aos 14 anos,
participou de um projeto de aulas de música oferecido pela
prefeitura de Fundão e entrou na Banda Municipal. Tocou
requinte, clarinete e saxofone. “Foi quando comecei a me
interessar de fato pela música, mas era indisciplinado. Tomava
bronca porque não ia aos ensaios. Não gostava de ler partitura.
Aprendia a tocar qualquer música de ouvido”, relembra Gabriel.
O projeto de aulas de música acabou com a mudança do
governo municipal. Como o saxofone era muito caro, aos 18
anos Gabriel formou uma banda de rock com amigos. “Fui
criado na roça com meu avô, ouvindo música caipira. De certa
forma, o rock é parecido com o caipira”, compara.
Foi o tio-avô quem lhe apresentou a viola caipira, instrumento
pelo qual se apaixonou e era muito mais acessível para comprar.
“Onde tinha alguém tocando viola, eu parava para ver e assimilava
rapidamente”. Nem havia aprendido direito a tocar quando
conheceu Mineirinho, que era amigo de seu avô. Passaram a se
apresentar em churrascos e festas particulares e montaram a dupla
Mineirinho & Gabriel. “Chegou uma hora em que não tínhamos
mais tempo na agenda. Quando vi, estávamos em Brasília, na TV
Senado, no programa Brasil Caipira”, orgulha-se.
Depois de três anos da dupla, eles começaram a se
interessar por festivais de música autoral. No primeiro de
que participaram, o 7º Fenaviola, em Itapina (ES), em 2013,
ganharam o troféu de voto popular. “No festival é onde
conseguimos mostrar nossa cara. É como uma vitrine e uma
boa oportunidade de conhecer grandes compositores.”
Viola Caipira
Gabriel Scopel Tonini
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Em 2013, também ficaram em primeiro lugar no 5°
Festviola, em Recreio (MG), e levaram o prêmio de melhor
letra com a música De Viola e Chapéu. Em Linhares (ES), a
dupla conquistou o primeiro lugar no 1° Festival de Moda
de Viola do distrito de Desengano, com a mesma música. Já
em 2015, no 9º Fenaviola Itapina, Gabriel foi eleito o melhor
violeiro. “Pagode de viola é a digital de cada violeiro: cada um
toca de um jeito”, afirma.
A dupla nasceu com a proposta de preservar a música
caipira de raiz. Depois de um tempo, ambos sentiram que
era hora de gravar o primeiro disco. “O pessoal fez a rifa
de uma novilha para a gente gravar um CD”, relembra.
Quando o disco ficou pronto, Mineirinho descobriu que
estava com leucemia e parou de cantar. “Mas ele me pediu
para não desistir, manter o nome da dupla e achar outro
parceiro”, conta Gabriel.
Foi então que o compositor se lembrou de um rapaz que
conheceu numa rádio e fez o convite. Francismar Machado
aceitou; não tinha experiência alguma em shows, mas havia
crescido com música. O pai toca viola, compõe e canta; a
irmã toca violino. “Mas uma dupla demora a ficar boa. Tem o
tempo de aprender a respirar junta”, conta Gabriel.
Começaram, então, por festivais. No primeiro, não tiveram
muito sucesso. No segundo, ficaram em quarto lugar. E assim
foi até vencerem, em 2016, o 2º Fest Viola – Festival Nacional
de Viola de Cariacica, com a música Bom de Briga, que passa
uma mensagem de resistência ao jeito de ser do caipira frente
à música sertaneja da moda atual. Gabriel ainda levou o prêmio
de melhor violeiro.
A dupla Mineirinho & Gabriel – em sua primeira e segunda
formação – já soma mais de dez prêmios em festivais pelo
estado. Ela também faz apresentações em bares e casas de
shows. No repertório, além das músicas autorais, toca em três
vertentes: música de raiz, regional (Almir Sater, Sérgio Reis) e
sertanejo (Gilberto e Gilmar).
Em 2016, Gabriel compôs sua primeira trilha sonora para
um filme. Ele foi autor da música Trem de Ferro, do curta Vovó,
o Trem e Eu, do projeto Curta Vitória a Minas. “Nunca tinha feito
música por encomenda. Recebi o roteiro, li a história e pensei
numa música com um tom infantil por conta da menina
protagonista do curta. Fui olhando o filme e compondo.”
José Mauro dos Santos Amorim nasceu em Fundão, em
1960. Cresceu órfão de pai e a mãe lavava roupa para fora,
capinava pasto, trabalhava com qualquer oportunidade que
tinha para criar os quatro filhos. Zé Mauro é músico autodidata,
pois nunca teve a chance de estudar. Na escola, conseguiu
frequentar até o 2º ano do ensino fundamental.
Queria tocar teclado, então, sua mãe procurou o
responsável pela igreja, e todo dia ele abria o local para que
o menino pudesse estudar sozinho. Depois passou a tocar
nas missas. Começou a aprender violão em 1977. “Vi uma
pessoa tocando violão e quis aprender também, mas não
tinha dinheiro para comprar”, relembra. Para adquirir seu
primeiro instrumento, foi trabalhar vendendo mexerica. O
dono da barraca lhe deu um violão usado e descontava as
parcelas de seu trabalho.
MPB
Zé Mauro
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feita durante o Carnaval de 2015 por conta dos desastres
na BR-101, que atravessa a cidade. A história é sobre
um caminhoneiro que morre num acidente na estrada,
mas seu filho acha que ele vai chegar, vai voltar para
casa. Fez a música Socorro quando a cidade ficou sem
policiamento, com apenas dois policiais para o Centro e
Timbuí. “Às vezes de uma conversa sai uma palavra que
me inspira, às vezes de uma situação política. Posso levar
cinco minutos para compor ou anos. Não tem uma regra”,
conta Zé Mauro.
As redes sociais se tornaram seu maior palco. Nelas,
é possível ouvir parte de seu repertório, como Roceiro,
em que canta com nostalgia sua infância: “Velhos
tempos não me saem do pensamento. Parece que estou
ouvindo o choro do carro de boi. Essas lembranças hoje
me trazem saudades, pois a tal felicidade para longe
de mim se foi”.
No fim da década de 1970, início dos anos 1980, todas as
noites reunia-se com amigos no morro atrás da Igreja Matriz de
São Pedro para tocar violão e cantar. Até que um dia mostrou
para um amigo produtor uma música que ele compôs,
Pensamento. Em outubro de 1986, os dois foram para o Rio de
Janeiro e gravaram a música. “Nunca tinha ido ao Rio. Foi uma
experiência inesquecível”, relembra.
Nos anos 1980, participou da banda de rock Sagitariu’s
como baixista. Eclético, depois foi tocar forró em outros
grupos, além de fazer show de voz e violão tocando MPB pelo
norte do estado capixaba.
Suas influências vêm da música que ouvia em seu rádio de
pilha. Com canções de Chico Buarque, Maria Bethânia, Fagner
e Gonzaguinha, ia aprendendo a tocar e começou a compor.
Perdeu a conta de quantas músicas já fez, mas, segundo
ele, já passam de mil. Suas letras se inspiram em histórias do
cotidiano de Fundão, como a questão da poluição do rio, da
falta de policiamento e até dos acidentes que acontecem na
Rodovia BR-101, que corta o município.
Há 30 anos, compôs a música Meu Rio, falando que o Rio
Fundão ia secar. Um grupo (Canalhas) a levou para o festival
de Itaúnas e ficou em terceiro lugar. A música O Acidente foi
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Artes Cênicas e Audiovisual
Teatro e Cinema
Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Nasceu em Fundão e foi criado com a irmã no distrito de
Três Barras, na fazenda da família Agustini. O avô cuidava
da fazenda e era congueiro na Banda de São Sebastião e São
Benedito Irundi/Piabas. Morou lá até os 13 anos, quando foi
viver no Centro para estudar. Seus pais ainda tiveram mais
dois filhos. No fim do ensino médio, começou a gostar de
teatro, que conheceu pela primeira vez na escola. “O teatro me
libertou”, afirma Fabio.
Nos anos 1980, fez parte da oficina de teatro oferecida
pela prefeitura juntamente com outros 40 jovens. Da oficina,
fundou com outros colegas o grupo Nós & Cia, com 15
integrantes. Os encontros aconteciam na Casa de Cultura,
no início da década de 1990, e o grupo durou dez anos.
Apresentavam-se no centro cultural e também em Vila
Velha. Faziam comédia e releituras. O grupo se financiava
Teatro e Cinema fazendo vaquinha ou pedágio na estrada e pedia ajuda aos
comerciantes. “Mas, dos alunos da oficina, o único a ficar nas
artes cênicas fui eu”, comenta Fabio.
Em 1994, saiu de Fundão e foi fazer a Oficina de Iniciação
ao Teatro, na Escola de Teatro e Dança Fafi, em Vitória. Lá, teve
aulas de teoria, interpretação, corpo e voz. Depois, foi estudar
teatro em São Paulo, onde ficou de 1996 a 1998. Participou de
teatro amador, mas morava num cortiço com um tio alcoólatra,
a tia e cinco filhos, em péssimas condições. “Aí resolvi voltar
para Fundão”, conta Fabio, que já trabalhou como gerente
de fiscalização sanitária de carne de boi, na roça com enxada
e foice, como frentista em um posto de gasolina e como
entregador de pão. Começou, então, a trabalhar de auxiliar
administrativo na Secretaria de Cultura. Nesse período, às vezes
conseguia fazer alguma apresentação de teatro em uma ação
social da prefeitura. Como gestor cultural, chegou a diretor do
departamento de cultura do município. De 2013 a 2017, foi o
coordenador municipal de turismo e cultura.
Mas o teatro sempre esteve presente na vida de Fabio. De
2002 a 2006, com o grupo Clã de Teatro de Vitória, encenou
a peça A Grande Estiagem, sobre a escassez da água, dirigida
por Gecimar Lima Vianna, o Gê Vianna, figura fundamental na
trajetória de Fabio. “Ele influenciou muito minha vida. Mas
fazer teatro e produção no Espírito Santo é complicado.
Não há muita divulgação nem teatro público”, comenta
o ator, que de 2008 a 2015 deu aula de interpretação e
dramaturgia na Fafi, em Vitória.
Foi no início da década de 2000 que começou sua
relação com o congo, ao trabalhar na secretaria de cultura.
“As bandas têm diferentes problemas, como desemprego,
alcoolismo, tráfico de drogas. É complicado.” Fabio, então,
foi um dos entusiastas para a criação da Associação das
Bandas de Congo do município, que auxilia os grupos da
cidade com instrumentos, uniforme e nas apresentações,
com transporte e alimentação. “Foi uma luta muito grande,
pois a associação não era bem vista.”
Dessa sua relação com o congo, nasceu o Fabio cineasta.
Como roteirista e diretor, assinou, em 2011, seu primeiro
documentário, Mestre da Congada Fundoense. O filme conta a
trajetória de alguns dos principais mestres, capitães e rainhas
do congo de Fundão. Foi exibido no Canal Futura, na série
“Revelando os Brasis”. “Era um sonho antigo falar sobre os
mestres e as rainhas do congo e sobre a festa de fincada do
mastro. Faz parte de minha história”, orgulha-se.
Fabio Samora
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Artes Visuais Escultura . Pintura . Grafite
Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
O artista plástico e professor Cássio Liberato, de 37 anos,
cresceu em Timbuí vendo o congo e, há 15 anos,
herdou da família a arte de pintar as bandeiras que são usadas
todos os anos pela Banda de Congo Bandeira 1. No início de
dezembro, via o avô costurar a lona do navio e as bandeirinhas
para a festa. O avô gostava de inovar: colocava lâmpadas, fazia
pinturas diferentes. Ele pintava a bandeira de são Benedito a
óleo, e depois a mãe de Cássio passou a pintar também. Hoje,
é o artista plástico quem pinta em acrílica sobre tela. “É preciso
manter viva a tradição”, comenta.
Para ele, quando cria a bandeira, ela é uma pintura; mas,
quando vai para o mastro, passa a ter um valor sagrado
durante o período de dezembro até a Páscoa. “Só quando
ela é retirada do mastro é que volta a ser uma pintura”,
afirma Cássio, que também faz esculturas de metal. Seu
Cássio Liberato
pai era ferreiro e sua mãe tinha cursado faculdade de artes;
isso também acabou direcionando-o a fazer artes plásticas.
“Sempre gostei de escultura. A pintura fazia como um
trabalho à parte.”
Formou-se num curso técnico de metalurgia e levou esse
conhecimento para o curso de artes e a escultura. Começou
a trabalhar como monitor para um professor de artes da
Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) justamente
porque tinha esse conhecimento de solda. “Nem todo mundo
quer seguir a área de escultura porque é um trabalho mais
pesado”, pontua Cássio.
Participou de três mostras coletivas. A primeira, chamada
Duo, em que ele e mais um artista expuseram na Galeria de
Artes da Biblioteca Central da Ufes. Fez uma escultura de metal
em tamanho natural, de chapa de ferro. “Foi um desafio com
Escultura
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
a chapinha para ir moldando o corpo.” A segunda exposição
foi na Casa Porto das Artes, com Fernando Accarino e Júlio
Tigre, em 2003. A mostra, intitulada Trissomatos, tinha como
tema o ciclo da vida. Cássio fez uma instalação com formigas
de origami e estruturas de metal (as formigas subiam pelas
estruturas). A outra foi Fertilidade, realizada em Fundão, na
escola EEEFM Nair Miranda, onde compôs quatro esculturas.
“Convidei três artistas e a gente expôs na escola como uma
proposta de aproximar os alunos da arte. Muitos deles não
têm oportunidade de ver uma exposição, pois precisam viajar
até Vitória”, observa Cássio. A mostra ficou três meses em
cartaz e era aberta ao público em geral.
A escolha do local para a exposição não foi aleatória.
Além de aproximar as crianças e os jovens da arte, Cássio
tem relação com as salas de aula, pois é professor de artes
numa escola na Serra (ES). “Tento levar esse conhecimento
para dentro da sala de aula. A arte fora do caderno de
desenho. Hoje tenho feito trabalhos na área de intervenção
urbana e fico muito orgulhoso ao ver que alguns alunos
optaram pelo curso de artes na faculdade.”
Solange Medani nasceu em Rio Bananal (ES); seu pai era
italiano e trabalhava como agricultor na zona rural; a mãe é
uma mistura de índios e portugueses. O avô era negro, congueiro,
e também fazia Folia de Reis. Quando tinha 12 anos, foram morar
em Fundão. Em seu trabalho, é possível ver suas raízes. Aos 48
anos, é professora da escola estadual e também pinta quadros cuja
temática principal são mulheres africanas, o congo e os índios.
Sua relação com o mundo das artes começou pelo teatro.
Nos anos 1990, participou do projeto com oficineiros de teatro
na Casa de Cultura. Depois, montaram o grupo Nós & Cia, com
15 integrantes, e faziam apresentações nos fins de semana. “Era
um tempo em que os moradores começaram a se interessar
pelo teatro e a Casa de Cultura ficava lotada. Foi uma época
fértil, em que ofereciam oficinas gratuitas, mas acabou por falta
de incentivo”, relembra Solange.
Solange Medani
Pintura
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Ela formou-se em pedagogia e artes visuais. Em 2001,
começou a dar aula na Emef Eloy Miranda, no ensino
fundamental e no infantil. Fez artes visuais voltadas para
a educação, mas depois buscou cursos para aprender a
técnica. Sua formação é em pintura a óleo, mas por questões
ecológicas e também de secagem foi para a acrílica. Também
gosta de trabalhar com textura e papel reciclado e faz pratos
com papel machê e terra, além de garrafas e vasos.
Já expôs em Vitória, na Serra e em Fundão. Na Casa de
Cultura, é possível ver o resultado de um trabalho que
fez com seus alunos cujo tema era o folclore capixaba. As
esculturas foram feitas de papel machê, cola e terra, e, depois
de secas, foram pintadas. Em 2013 e 2014, na série “Cantos e
Toadas de Congo”, a artista expôs 12 telas com pinturas da
representatividade do congo: tocador de casaca, rainhas,
princesas e mestre. Outra série que criou é “Meu Brasil
Brasileiro”, de 30 gravuras pintadas com tinta nanquim a partir
de releituras da bandeira, produzidas entre 2003 e 2006.
Também há uma série de mulheres africanas, em acrílica
sobre tela. Formou-se em arte terapia e hoje busca fazer
um trabalho voltado para o feminino, como questões
obstétricas, de saúde e espirituais.
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Como uma galeria a céu aberto, quem passa
próximo à Estação Ferroviária de Fundão pode
conferir seus 130 metros de muro grafitado, resultado
do Projeto Arte no Muro, realizado pela Fundação Vale. É
possível admirar vários elementos da cultura fudoense: o
congo, a zona rural e até manifestações artísticas em tom
de crítica política estão presentes.
Em junho de 2015, aproximadamente 30 moradores
participaram de um curso sobre a técnica do grafite.
Após as aulas teóricas e práticas, ministradas por artistas
especializados, os desenhos produzidos nas oficinas
estamparam as correiras transportadoras, utilizadas na
vedação da ferrovia para reforçar a segurança e reduzir o
ruído. O projeto foi realizado em parceria com a prefeitura
de Fundão e teve como objetivo fortalecer o relacionamento
da Vale com a comunidade.
Um dos alunos foi Igor Camargo Tesch Francisco, de 23
anos. Ele, que faz faculdade de administração a distância,
sempre gostou de artes, pintura e desenho. Quando soube do
projeto, viu uma oportunidade de aprender a técnica. “Fazer
algo diferente foi o que me motivou”, conta Igor. No muro,
buscou retratar a realidade, o momento político, educacional
e da saúde do Brasil. Depois de ter realizado o grafite ao lado
da linha férrea, foi chamado por um vizinho para grafitar outro
muro, onde fez uma pomba da paz, e também já grafitou em
ambientes internos, na casa de uma moradora. “Gostaria de
continuar a grafitar, mas em Fundão não tem tinta apropriada
para o grafite”, lamenta.
Grafite
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
ArtesanatoCestos de Café
Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Cestos de Café
Embora a indústria seja uma das principais atividades
econômicas de Fundão, o café ainda tem força na região.
O município cresceu e se fortaleceu pelo escoamento do
grão. Nas fazendas, colher o café ainda guarda a memória de
rituais que resistem ao tempo e à modernidade. É possível
encontrar cestos que são verdadeiros objetos de arte
no ato de peneirar o grão.
Há 25 anos, todos os sábados, Odair Copper, de 50 anos,
está na feira livre no Centro de Fundão. Logo na entrada,
é possível notar seu trabalho de artesão: os cestos de
café. Feitos de fibra de plástico e eucalipto, são tecidos um
a um por Odair. A peça, usada como utensílio nas fazendas,
ganha outro significado nas mãos e na imaginação do
artesão. Ele transforma cada cesto num objeto único,
utilizado não só no trabalho agrícola mas também como
uma peça decorativa. “Produzo uma peneira por dia.
Tenho uma máquina (tela) que ajuda”, comenta o artesão,
que é agricultor e trabalha na roça de café.
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
SaboresMexerica . Tapioca . Queijos . Biscoitos Italianos
Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Mesmo não sendo o município produtor, somente vendedor,
as mexericas são uma marca registrada de Fundão há mais
de 50 anos. Nos acostamentos da BR-101, que corta a cidade, as
barracas vendem mexerica numa tradição que passa de pai para
filho. Muitas famílias vivem unicamente dessa renda.
A tradição é tão forte que, nos anos 1990, já houve algumas
edições da Festa da Mexerica para divulgar ainda mais esse
trabalho. Nessa época, a venda era feita em ramalhete: as
mexericas eram costuradas em barbante, técnica típica de
Fundão, que hoje, no entanto, não existe mais. A Empresa de
Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Espírito
Santo (Emater) chegou a realizar uma pesquisa na região sobre
a produção e venda da mexerica e relatou que, na década de
1990, existiam 34 agricultores que cultivavam o produto, além
de identificar 56 famílias que viviam inteiramente da venda de
mexerica, iniciada em 1966.
Nos meses de abril, maio e junho, há maior produção da fruta,
que é comprada de produtores rurais do município vizinho Santa
Mexerica Tereza (ES) e, fora de época, na Serasa. É o caso de Jerônimo
Corrêa da Vitória, que vende mexericas há 43 anos, tradição
herdada de seu pai, que já vendia a fruta na BR. Aos 82 anos, pai
de 13 filhos – com apenas 11 vivos –, Jerônimo e a esposa, Maria
Dalva Corrêa, de 72 anos, estão todos os dias, da 6 às 18 horas, na
margem da rodovia. “Antes os meninos ajudavam, mas agora estão
todos trabalhando. Hoje sou eu e Dalva. Passamos o dia juntos
e só nos separamos quando ela vai preparar o almoço”, conta o
vendedor, que mora ao lado da estrada. “Já somos famosos aqui.
Vem gente da Bahia, de Santa Catarina para comprar e tira foto
com a gente”, brinca Jerônimo, que chegou a vender também nos
trilhos do trem, quando ainda era permitido.
Mexerica poncã, mexeriquinha e até laranja-da-baía e caqui
são vendidos na barraca de Clemilda da Vitória Cravo, de 38 anos,
e Márcia das Graças da Vitória Pinto, de 57 anos. Elas também
são de uma família com tradição da venda de mexerica e estão
há 30 anos no ofício. “Primeiro a gente vendia o ramalhete
na vara. Comprava solta e amarrava em casa com barbante.
Tinha 8 anos quando comecei a amarrar, uma a uma”, relembra
Clemilda. “Depois, a prefeitura investiu e melhorou as barracas,
padronizando tudo, mas cada um tem seu jeito de vender, e os
clientes fixos reconhecem nossa tradição”, sintetiza.
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Josiane Almeida, de 37 anos, nasceu em Linhares (ES)
e mudou-se para Fundão quando o padrasto ficou
desempregado e foi para a cidade trabalhar como vaqueiro.
Casou-se aos 18 anos, tem três filhos – Lucas (18 anos), Maria
Alice (13) e Ana Rosa (7) –, estudou até o 6º ano do ensino
fundamental e aprendeu com a família do marido, Aroldo Pereira
de Castro, a fazer tapioca. Na família de Aroldo, a tradição vem
desde seus avós, que puxavam a mandioca no lombo do burro e,
por décadas, preparavam a goma em casa e vendiam na feira.
Hoje, Josi mora na zona rural, na comunidade de Munitura.
Junto com a família, em seu sítio, desenvolve diversas etapas
da tapioca. O caminhão com mandioca chega ao sítio toda
segunda-feira. A mandioca é colocada no lavador para
descascar. Depois é cortada e transformada em massa, que é
lavada e fica secando até virar polvilho. Em seguida, é posta
no forno para se transformar em tapioca dura e a goma é
guardada para vender. Por semana, a produção é de 1.000
quilos de polvilho, e há no cardápio da Tapioca da Josi
Tapioca
32 receitas com recheios diferentes, que vende em feiras orgânicas,
na Praça do Papa, em Vitória, e, aos domingos, em Timbuí.
Representando o Espírito Santo, ela esteve em Brasília ao lado
de outras sete produtoras familiares que fazem tapioca para discutir
o tema. Josi liderou a 4ª Festa da Tapioca que, em 2016, não teve o
apoio da prefeitura. Diversos produtores familiares de 12 municípios
vizinhos participaram do evento, que teve o apoio do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais e da Feira da Agricultura Familiar e Reforma
Agrária do Espírito Santo (Feafes).
A festa contou com música e almoço comunitário, e os
produtores e sindicalistas de vários municípios votaram na melhor
tapioca. “O forte de nosso município é a agricultura familiar. Na festa,
conseguimos mostrar nossa força. É muito importante para nós”,
afirma Josi, que também faz parte do movimento de pequenos
agricultores. “O evento divulga a cultura da cidade. Houve época em
que éramos mais de 40 famílias de produtores familiares, mas é uma
cultura que está morrendo pela falta de incentivo”, sintetiza Josi, que
já passou para seus cinco irmãos a tradição da tapioca.
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão84 85
Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Em Fundão, há dois laticínios: o Lorena e o Canto da Roça,
que fabricam e vendem queijos. Apresentam
uma diversidade de queijos, todos feitos artesanalmente, numa
produção familiar. Além de terem compradores fixos, como
bares, restaurantes, supermercados e hotéis, ambos os laticínios
possuem uma loja para a venda dos próprios produtos.
O Laticínios Lorena existe há 22 anos e foi criado por
Edson Luiz Fosse. Começou com uma produção de 80 litros
por dia, e hoje já está em 1.400 litros. “Meu pai começou bem
pequeno. O primeiro freezer veio da casa deles. Agora temos
fábrica e loja. O leite vem da baia leiteira de Fundão. O nome
do local remete a minha irmã, que faleceu”, comenta Gabriela
Fosse, de 34 anos, filha de Edson, que, ao lado do irmão,
Leonardo Fosse, de 39 anos, toma conta do local. O laticínio
funciona diariamente e possui nove funcionários. “Não usamos
maquinaria. A produção é toda feita à mão”, pontua Leonardo.
A família de Gabriela e Leonardo é descendente de italianos;
a mãe deles, Maria Flora Tótola, participava do coral italiano.
Queijos
Não muito distante é possível encontrar outro laticínio.
A Canto da Roça existe como loja há quatro anos, mas Marcos
Tadeu Tótola Vieira Rosa vende há 16 anos. Produzem 26 tipos
de queijos, além de manteiga e iogurte. “Já tive proposta
para triplicar a produção, mas não quis perder a qualidade”,
conta Marcos, de 53 anos. O pai tirava leite e vendia na rua,
e com o que sobrava fazia queijos. Era o filho mais velho e
sempre gostou de ficar olhando. Marcos era bancário e quase
morreu de tanto estresse, até pedir demissão. “Vim para cá
com um latão de 50 litros de leite. Hoje, manipulo 1.000 litros.
Tudo começou por necessidade e sonho”, relembra. Para se
aprimorar, passou 25 dias estudando na Queijaria Escola,
em Friburgo (RJ), e também esteve no Instituto de Laticínios
Cândido Tostes, em Juiz de Fora (MG).
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
Biscoitos Italianos
Todos os sábados acontece a feira de frutas e verduras
no Centro de Fundão. As primeiras barracas já são
montadas a partir das 3 horas e ficam até o meio-dia. Um
dos primeiros a chegar é Alexandre Antônio Broetto, filho
de italianos e vendedor de biscoitos, pães e bolos, tudo
produzido artesanalmente. Mais famosas, as mentiras são as
primeiras a ser vendidas. A receita é de sua mãe, assim como
o biscoito de trança e o de polvilho.
Alexandre nasceu em Santa Teresa (ES), tem 56 anos e
morou por 18 anos em Fundão, onde ainda mantém uma
residência. O avô veio da Itália e cultivou a tradição de fazer
biscoitos na família: em casa sempre tinha, pois a avó fazia
para os filhos e netos. Quando casou, há 20 anos, Alexandre
começou a fazer a receita sozinho e, há oito anos, passou a
vender. “É o primeiro item que acaba na barraca”, enfatiza.
Ao lado da esposa, Rosiléia Demuner Gustavo Broetto,
de 45 anos, produzem em torno de 30 quilos de biscoitos
por semana. A receita da mentirinha leva leite, açúcar, ovos,
margarina, farinha de trigo e fermento. De segunda a quarta-
feira, eles produzem os biscoitos de outros sabores também. Os
bolos e pães fazem às sextas-feiras, véspera da feira de Fundão,
única de que participam. Também trabalharam na roça de café
e banana, em Goiapaba-Açu, no distrito de Irundi.
Antonio Zerefino D’Avila, 63 anos, nasceu em Itarana (ES)
e mora há 30 anos em Fundão. Descendente de italianos,
também aprendeu a receita com a mãe, que, por sua vez,
aprendeu com a avó italiana. Vende biscoitos, além do capelete
e do pão de cristo (com fermento natural). Antonio faz tudo
sozinho e diariamente produz pães, mentira seca e mentira
grossa, biscoito de polvilho e casadinho com goiabada e rosca
amanteigada. “A mentirinha é uma tradição aqui da feira. Todo
mundo quer”, conta.
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Guardião da MataSebastião Francisco Tótola
Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
É no Viveiro Refúgio dos Pássaros que trabalha hoje
Sebastião Francisco Tótola, de 78 anos, mais conhecido
como seu Tiãozinho. Descendente de italianos, por 18 anos
cuidou do Horto Florestal Municipal. Ficou no terreno por dez
anos e realizou um trabalho intensivo na coleta de sementes
das plantas nativas da região, produzindo mudas e reflorestando
a área. Construiu até estrada. Em 1990, doou para a prefeitura
56 hectares de terra, com vista de Linhares a Guarapari, para a
criação de uma Unidade de Conservação Municipal. No local,
deixou 40 mil mudas de orquídeas no vidro. “Era só plantar, mas
abandonaram tudo”, lamenta seu Tiãozinho.
Amante incondicional da natureza, um verdadeiro
guardião da mata, Sebastião já ganhou alguns prêmios,
como o de ambientalista do estado do Espírito Santo e uma
medalha de reconhecimento como ecologista do estado.
Ajudou pesquisadores da Universidade Federal do Espírito
Santo (Ufes) no livro Anfíbios do Goiababa-Açu, Fundão,
Estado do Espírito Santo, de Aparecida Demoner Ramos e
Sebastião Francisco Tótola
João Luiz. “Eu os acompanhava na pesquisa, mostrando onde
encontrar os sapos. Foram dois anos e meio fazendo esse
livro”, orgulha-se seu Tiãozinho, que ganhou uma página
dedicada a ele na publicação.
Neto de italianos, sétimo dos 11 filhos dos produtores
rurais José Tótola e Emma Carreta Tótola, seu Tiãozinho
nasceu em 28 de julho de 1939, em Três Barras, distrito
de Irundi, em Fundão (ES). Parou de estudar no 4º ano do
ensino fundamental, mas sempre foi interessado em tudo.
“Meu pai conhecia todo tipo de madeira. Aprendi com ele
o nome de várias árvores e plantas, inclusive as medicinais”,
relembra Sebastião, que costumava escalar numa bicuíba e
passar o dia. “Subia uns 30 metros e ficava horas lá em
cima. Levava até a marmita amarrada na corda.” Em 1977,
casou-se com a professora Aurora Tonini, com quem teve
três filhos: Maria Aparecida Borges Cuzzuol, adotada
aos 6 anos, Thiago Tonini Tótola, adotado com uma hora
de vida, e Dayanni Tonini Tótola.
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Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
No Horto, recebia 35 alunos na parte da manhã e 30 à
tarde. Eles passavam o dia aprendendo sobre plantas e sobre
a importância da preservação da natureza. Foram seis anos
de projeto com os alunos. Quando chegava novembro/
dezembro, preparava 100 mudas e doava 20 para cada escola.
Seu Tiãozinho colaborou ativamente para a criação do
Parque Natural Municipal do Goiapaba-Açu, em 1994, por
meio do decreto estadual nº 3.796-N, dentro da área que
doou à prefeitura. A partir da implantação do parque, foi
criada uma Unidade de Conservação denominada Área de
Preservação Ambiental (APA) de Goiapaba-Açu. Seu Tiãozinho
foi reconhecido pela Revista Ecologia e Desenvolvimento como
um dos três grandes ecologistas capixabas.
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LazerBaile . Dominó . Skate
Estação Cultural: Mapeamento de FundãoEstação Cultural: Mapeamento de Fundão
O relógio ainda nem marcou 16 horas, os músicos
nem chegaram, mas no salão os bancos vão sendo
ocupados por senhores e senhoras bem vestidos. Chapéus
de caubói, blusas xadrez, sapatos lustrados. Flores na cabeça,
vestidos e saias rodadas, salto alto e batom. Há 20 anos, o
Baile da Terceira Idade é realizado todos os sábados, das
16 às 20 horas. Atualmente, acontece na Casa de Cultura, e
apenas pessoas acima de 50 anos podem frequentar. O forró
é que embala os casais e, pela falta de homens, as senhoras
se juntam para o maior objetivo do dia: dançar e se divertir.
Dalia Pivetta D’Avilla, de 77 anos, nasceu em Santa
Tereza (ES) e mora em Fundão há 12 anos. É aposentada e
desquitada e tem quatro filhos. Morava na roça, mas fazia
questão de ir ao baile mesmo assim, apesar da distância.
“Frequento há quase 20 anos. Gosto de ir para não ficar
Baile da Terceira Idade
em casa sozinha”, conta Dalia, que voltou a dançar por
recomendação médica, pois esteve à beira da morte, com
um problema no coração. Descobriu que parou de dançar e
a saúde piorou. “A pessoa que sai e dança é mais saudável.
Quem fica em casa adoece antes do tempo”, afirma.
Mario Garcia, 79 anos, é o tesoureiro do grupo e um
dos organizadores do baile. Para ele, o baile é vida. “Adoro
dançar e estou semanalmente aqui.” É o mesmo caso
de Efigênia Lopes Monteiro, de 67 anos. Ela nasceu em
Central de Minas (MG) e mora em Fundão há 30 anos.
Mãe de quatro filhos, começou a dançar com 55 anos,
depois que ficou sozinha e com depressão. “O médico
recomendou para a saúde e meus filhos me apoiaram.
Quando estou aqui, parece que estou em família, pois
todos se conhecem.”
Baile
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Dominó
O dominó é tradição em Fundão há mais de 30 anos.
Os jogadores se reúnem todas as manhãs (das 9 às
11 horas) e as tardes (a partir das 15 horas até o último ir
embora), na chamada Praça dos Aposentados. A paixão
pelo dominó é tamanha que eles se juntaram e compraram
as peças, que são usadas coletivamente, e o tampo
das três mesas de mármore da praça para jogar,
além de melhorarem os bancos.
Natálio Ferreiro, 85 anos, foi sapateiro por 63 anos. Casado
há 58 anos, pai de seis filhos, hoje está aposentado e joga
dominó todos os dias na praça. “Para melhorar nosso jogo,
resolvemos nos juntar para comprar as peças e reformar as
mesas”, conta Natálio, que é de Aracruz (ES), mas foi morar
em Fundão na década de 1940. Com a enchente que atingiu
Fundão em 1942, perderam tudo e ficaram só com a roupa
do corpo. Depois se reconstituíram. Contador de histórias,
guarda parte da memória da cidade, além de ter ajudado a
fundar a Banda Municipal, que hoje não existe mais.
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Para os jovens de Fundão, não há muitas atividades
de lazer. Mas, mesmo sem uma pista adequada, o skate
se destaca. Eles costumam praticar as manobras na rua atrás
da Estação Ferroviária de Fundão. “Já pedimos pista, fizemos
abaixo-assinado, mas a prefeitura dificulta. Na cidade só tem
uma quadra de esporte, e ela está bem detonada”, comenta
Thiago Amâncio Cuzzuol, 22 anos.
Entre a escola e o trabalho, os jovens usam o skate como
meio de transporte, mas gostam de se reunir à noite para
praticar juntos. É o caso de Anderson Celestino Lucas, de
22 anos, que faz faculdade de educação física e trabalha
num supermercado; de Matheus Matos Costa, de 18 anos;
de Murilo Henrique Rudio Alves, de 21 anos; e de Gabriel
do Espírito Santo de Oliveira, de 16 anos. “A gente tenta se
divertir como pode. Também gosto de jogar vôlei de areia e
há alguns meses montei uma banda de MPB com amigos de
infância. Mas o skate eu curto muito”, comenta o estudante
Gabriel, o mais novo do grupo.
Skate
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Fundação Vale
Diretora-PresidenteIsis Pagy
Diretor-ExecutivoLuiz Gustavo Gouvêa
Gerência Fundação ValeMarcos Reys
Gerência de CulturaFernanda FingerlCamila AbudDiogo BarbosaNatalia Chamusca
Mapeamento Cultural
RealizaçãoMovida Produções
Coordenação Geral e Pesquisa de CampoJúlia Motta
Coordenação de ConteúdoAdriana Facina
Pesquisa HistóricaManuela Lima Green
FotografiaMarcela Pin
Publicação
Edição Movida Produções
Produção de TextoJúlia Motta
FotografiaMarcela Pin
Coordenação de ConteúdoAdriana Facina
Revisão de ConteúdoMariana Filgueiras
RevisãoMarca-Texto Editorial
Design GráficoLígia LourençoFernanda Rossi
Impresso porJ. Sholna
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