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Estado da Arte
14
Imprensa da Universidade de CoimbraCoimbra University Press
2013
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José Ribeiro Ferreira
Estado da Arte
José Ribeiro Ferreira, Professor Catedrático Jubilado da Universidade de Coimbra, tem feito investigação e publicado trabalhos no âmbito da cultura clássica, da História Antiga, da Arte Grega; da receção da cultura clássica nas culturas posteriores. Entre outras cadeiras, lecionou História da Cultura Clássica, História da Antiguidade Clássica, Literatura Grega, Arte Grega, Mitologia Greco-Romana. Exerceu vários cargos académicos na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. É Presidente da Direção da ANAI – Associação Nacional de Apoio ao Idoso.
Tem mais de centena e meia de trabalhos — entre livros, artigos em revistas e enciclopédias — publicados em Portugal e no estrangeiro, com realce para Hélade e Helenos. 1 – Génese e Evolução de um Conceito (Coimbra, 21993), A Democracia na Grécia Antiga (Coimbra, 1990), A Grécia Antiga. Sociedade e Política (Lisboa, 22004) Civilizações Clássicas 1 – Grécia (Lisboa, 1996), Manuel Alegre: Ulisses ou os Caminhos da Eterna Busca (Coimbra, 2001), A Busca da Beleza – A arte e os artistas na Grécia Antiga I – Arquitectura Grega (em colaboração Coimbra, Coleção “Fluir Perene”, 2008), Mitos das Origens. Rios e Raízes (Coimbra, 2008), Três Mestres Três Lições Três Caminhos (Coimbra, 2009), Dez Grandes Estadistas Atenienses (em colaboração com Delfim F. Leão, Lisboa, 2010).
No domínio da poesia, publicou: Pesa o momento a eterni dade (Coimbra, 1984), Veleiro da areia (Coimbra, 1985), O santuário e o oráculo (Coimbra, 1985), Ficta Imagem (Coimbra, 1992), Variações sobre o tema de Síbaris (Coimbra, 1994), Telhas de outro alpendre (Coimbra, 1994), Olhos no Presente (Coimbra, 1999), A Outra Face do Labirinto (Coimbra, 2002), Gaivotas (Coimbra, 2010), O Caminho e a Escolha (Coimbra, Fluir 2011).
Em junho de 2004 entrou para Rotary Club de Coimbra, de que foi Presidente no ano rotário de 2009/2010. Para o Clube tem feito algumas antologias evocativas de escritores e efemérides. Pertence ao Conselho de Administração da Fundação Rotária Portuguesa.
Amor e Morte na Cultura Clássica procura estudar, dentro da “dinâmica do mito de Eros ou o homem face à problemática do amor”, o binómio ‘amor e morte’ – ou melhor, apenas alguns aspectos ou pontos essenciais da interseção desse binómio que possam servir de paradigma e incentivo. Assim são analisados casos de amor que provoca destruição, como o de Páris e Helena ou que é causa de morte, como o de Dejanira por Héracles e o de Dido por Eneias; de amor que leva à rejeição da imortalidade para regressar para junto da pessoa amada, como acontece com Ulisses; de amor que vence a morte, de que apresento os casos de Alceste e Orfeu; sem esquecer o caso de Eros e Psique, onde a sombra da morte também paira. Por fim, coloca-se um capítulo sobre a interferência mútua de eros, pólemos e thánatos (ou seja, amor, guerra e morte), casos onde as situações se complicam e as consequências são mais gravosas.
9789892
606712
verificar medidas da capa/lombada: 10mm PANTONE Solid Coated 200C
A M O R E M O R T E N A C U L T U R AC L Á S S I C A
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1
José Ribeiro Ferreira
Amor e Morte na Cultura Clássica
Estado da Arte
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2
Coordenação editorial
Imprensa da Universidade de Coimbra
Email: imprensauc@ci.uc.pt
URL: http://www.uc.pt/imprensa_uc
Vendas Online: http://livrariadaimprensa.uc.pt
ConCepção gráfiCa
António Barros
infografia
Mickael Silva
Imprensa da Universidade de Coimbra
exeCução gráfiCa
Gráfica de Coimbra
iSBn
978-989-26-0671-2
978-989-26-0684-2 (digital)
depóSito legal
366606/13
© Novembro 2013, ImpreNsa da UNIversIdade de CoImbr a
DOI
http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-0684-2
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Sum á r io
Prefácio .............................................................................. 5
Introdução............................................................................. 9
Eroscausadedestruiçãoemorte....................................... 33
Amoremortalidade............................................................ 47
Amorcausademorte.......................................................... 59
Oamorvenceamorte........................................................ 83
AmorePsique................................................................... 109
AdialécticaentrePólemos,EroseThánatos................... 113
Abreviaturas...................................................................... 139
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prefáCio
SempreadmireinaProf.ªDoutoraMariaHelenada
RochaPereiraohábito,ounorma,dedotarascadeiras
quelecionavadosmeiosnecessáriosaoestudodas
matérias,porpartedosalunos.Essefoiumexemplo
querecolhiequemeesforçoporpôremprática.
Amor e Morte na Cultura Clássicanascedesse
desiderato.Quandocomeceialecionaradisciplina
deMitologiaGregaeRomana, incluí,entreosas-
suntosdoprograma,oestudoda“dinâmicadomito
deErosouohomemfaceàproblemáticadoamor”
quecontemplaobinómio‘amoremorte’.Foieste
otemaqueescolhiparaestepequenovolume:ou
melhor,procureifocaraspectosoupontosessenciais
–e sublinhoqueapenas tratoalgunsexemplos–
dainterseçãodessebinómioquepossamservirde
paradigmaafuturostrabalhosdealunos.Assimsão
analisadoscasosdeamorqueprovocadestruição,
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comoodePáriseHelenaouqueécausademorte,
comoodeDejaniraporHéracleseodeDidopor
Eneias;deamorquelevaàrejeiçãodaimortalidade
pararegressarpara juntodapessoaamada,como
acontececomUlisses;deamorquevenceamorte,
dequeapresentooscasosdeAlcesteeOrfeu;sem
esquecerocasodeErosePsique,ondeasombra
damortetambémpaira.Porfim,colocoumcapí-
tulosobreainterferênciamútuadeeros,pólemos
e thánatos (ou seja, amor,guerraemorte), casos
ondeassituaçõessecomplicameasconsequências
sãomaisgravosas.
PretenditransmitiraAmor e Morte na Cultura
Clássicaumaraligeirado,despojando-odecerta
cargade erudição, namedidadopossível, sem
perderqualidade científica. Por isso também se
reduziuaomínimoabibliografia.
Oque fica acimaé,quasena íntegra,oque
escrevi em 2004, no Prefácio da primeira edi-
ção deste opúsculo, saída na Ariadne Editora.
Mantenho-o, porque continua a ser válidopara
estaedição,quefoialteradaemalgunspassose
emcertoscapítulosacrescentada,emespecialna
“Introdução”.
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Considereiapossibilidadedeabordaroutrosmi-
toseoutrassituações,masretardariamuitoolivro,
faceaostrabalhoseafazeresquetenhoemmãos.
Debati-metambémentredarmaiscorpoaoca-
pítulo“AmorePsique”oumantê-losemalteração.
Talvezmerecessemaisumpoucodeatenção,em
especialnoquerespeitaapossíveisinterpretações
e àsque sobreo conto se fazem.Nãome senti,
porém,comciênciaparatal.Omaisquepoderia
adiantarseriaresumirerepetiroqueoutrosjáavan-
çaram.Empróximasedições,seAmor e morte na
Cultura Clássicaasmerecer,repensareiaquestão.
Olivroagorajánãoéapenasmeu,maspassa
tambémaserdequemolê.Sedespertarointe-
ressedosleitoreseseforútilaosalunos,duplica
arecompensadogostoquetiveemescrevê-lo.
Coimbra,nodiadeS.GregórioMagno,Papae
Doutor(3desetembrode2013).
JoséRibeiroFerreira
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introdução
Na cultura clássica oAmor (Eros, no grego)
aparecia como um deus associado a Afrodite/
Vénus,adeusadaseduçãoedaatraçãosexual.
Nostextoshelénicosmaisantigos,osPoemas
Homéricos (Ilíada e Odisseia),nãoencontramos
erospersonificado,masessapersonificaçãonadi-
vindadeErosjánossurgenaTeogoniadeHesíodo.
Vejamosessesdadosdostextosmatriciais,através
dealgunsexemplos.
Na Ilíada, sãováriososmomentosemqueo
amorestápresenteedemodogeralnãofaltaapre-
sençaetutela,declaradaouimplícita,deAfrodite/
Vénus.Vouescolhertrêsdessesmomentos,queme
parecemparadigmáticos,doisdaIlíadaeooutroda
Odisseia.UmdosexemplosdaIlíadaencontra-se
noCanto3,noepisódioemquePáris,vencidoem
confronto individual comMenelau,é retiradodo
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combateporAfroditequeolevaparaotálamoe
neleincutefortedesejoporHelena.Anteacensura
de cobardiaporparte desta, opríncipe troiano
pede-lhequenãolhefalemaisemMenelauese
dediquemantesaoamor(vv.441-442:
Vamospoisparaoleitoevoltemo-nosparao
[amor(philotes).
Nuncadestamaneiraodesejo(eros)meenvolveu
[ocoração
Outropasso,quenosdáideiasignificativamente
claradospoderesdeAfrodite, colho-o também
na Ilíada,nocélebreepisódiodo‘DolodeZeus’
(Canto 14. 153-353). Parapermitir a intervenção
dePoséidon,Heradecidearmar-sedetodaasua
belezaeirtercomZeus,naesperançadeoseduzir
edeo levaradesejarunir-seaelaemamor(v.
163). Para isso, conseguequeAfrodite lhedêo
amoreodesejo(v.198),oseuirresistívelpoder
deseduçãoamorosa(14.198-199):
Dá-meagoraoamor(philótes)edesejo(hímeros)
[comquetuatodos
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De imediatoo coro classifica (v. 1072)o seu
actodehorrível –deinón ergon.Destemodoo
poetamanifestaasuadesaprovação.Adesgraçada
enlouqueceradedesgosto.
Trata-sedecenacheiadepatético.Masosa-
crifício de Evadne, ao contrário do deAlceste,
napeçadomesmonome, edodeMacária nas
Fenícias, não aparece comuma finalidade útil.
Alcesteoferece-sepelomarido,paraqueeleviva,
Macária para salvar a sua cidade,mas Evadne
suicida-seporlheserimpossívelcontinuaraviver
semCapaneu.Porissodarochaselançanapira
paramorrer também e assimmisturar as suas
cinzascomasdele.Quandofalaemfeitoglorioso
ebelotriunfo,Evadneestáautilizaralinguagem
eternadosquemorremporamor.
AcenadeEvadneedeÍfis,cheiadepatético,
visa condenar as expediçõesmilitares, quantas
vezesevitáveis,mostrandoomalqueelasprovo-
cam19.Colocadanofimdapeça temporfunção
19-SobreasinterpretaçõesdacenadeEvadneedeÍfisvideH.D.F.Kitto,A Tragédia Grega II (trad.port.,Coimbra,1972),pp.70-72(apartirdeagora:Kitto,TrG);J.deRomilly,L’évolution
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chamaraatençãoparaosofrimentoqueaguerra
semprecausa,sejaelaumaguerrajustaouinjusta.
AempresainsensatadeAdrastotantotrouxedore
desgraçaanívelcoletivo,aArgosenquantogrupo
social,comodevastouaexistênciaindividualde
Evadnee,pormeiodela,deÍfis20.
du pathétique d’ Exchyle a Euripide (Paris, 1980), pp 37-39; G.Zuntz,PPE,pp.12-13;Collard,Euripides: Supplices,pp.353-356ad980-1113.
20-SobreoproblemadaguerranasSuplicantesdeEurípidesvideJoséRibeiroFerreira,"AspectospolíticosnasSuplicantesdeEurípides",Humanitas37-38(1986)103-117.
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amor e mor talidade
OutrocasodeamoresofrimentoéodeUlisses
ePenélopenaOdisseia.Sebemqueamortenão
compareçaexplicitamente,elanãodeixadeestar
implícitaporoutravia.Vejamoscomo.
Integradona expedição contraTróia,Ulisses
nela se demoroudurante dez anos, a combater
a nas peripécias que envolveramo cerco;mas,
conquistadaacidade,maisoutrosdezhaviamjá
decorrido. Todos os outros chefes aqueus já ti-
nhamregressado,edeUlissesnãohavianotícia
de que estivesse vivo oumorto.O seupalácio
viviadiasdifíceis,ocupadopelosPretendentesque
assediavamPenélope.Estacontinuavaàesperado
regressodeUlisseseprocuravaprotelaromomen-
todaescolhapormeiodetodososestratagemas:
omaisconhecidoéodateiaqueteciadediae
denoitedesmantelava(Od.19.137sqq.).
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EntretantoUlisses,depoisdeperipéciasetra-
balhosvários,aportaraaumlugaredénico,ailha
deOgígia, e aí se encontrava retidopela ninfa
Calipso.Tomadadeamoresporele,oferecia-lhea
imortalidadeeumavidafeliz,seconsentisseem
ficarcomela.E,noentanto,noprimeirocontacto
quetemoscomoheróivamosencontrá-lo,afastado
dosaposentosdaninfa,juntoàpraia,sentadonum
rochedoachorarpeloregresso(Od.5.152-153):
Nãoselheenxugavamosolhosdelágrimas.
[Consumia
adocevidaasuspirarpeloregresso...........21
Denoite via-se obrigado a dormir na gruta,
contra-vontade,comaninfaqueodesejava,mas
malraiavaamanhã(Od.5.156-158)
passavaosdiassentadonasfalésiasdamargem,
[sacudidopelopranto,pelossuspirosedores,]
21 - Tradução de M. H. Rocha Pereira, Hélade (Lisboa,102009),p.81.
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olhandoopélagoestéril,edeixandocairas
[lágrimas.22
Imagem impressionante do exilado. A ninfa
acabaporodeixarpartir,porordemdosdeuses.
Aindaotentacomasuabeleza,emnadainferior
àdePenélope(Od.5.203sqq.),comaprofeciadas
penassemcontaqueoesperam,antesdechegara
casa,ecomaofertadeimortalidade(Od.5.206-210):
Seemteuespíritosoubessesquantaspenas
odestinotereserva,antesdechegaresàterra
[pátria,
tuficariasaquicomigoaguardarestamorada,
eseriasimortal,emboradesejassesmuitover
tuamulher,porquemsempresuspirasdiaadia.
Na respostaUlissespedeàninfaque senão
zangue,masconfessaterconsciênciaplenadeque
Penélope,nasuaqualidadedemortal,éinferiora
umaimortalquenãoestásujeitaàvelhice.Apesar
22-TraduçãodeM.H.RochaPereira,Hélade(Lisboa,102009),p.81.
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disso,prefere-aedesejaatodoomomentovoltar
paracasaeverodiadoregresso(Od.5.215-220)23.
Paraissosuportarátodasaspenasqueosdeuses
lheenviem,comotantasoutrasjásofreunomar
enaguerra.DessemodoUlissesdárespostaaos
três pontos essenciais do discurso de Calipso:
abelezadela,odesejodeleemregressaràterra
pátriaeossofrimentosqueoesperam.
Assim,obtidosdaninfaaautorizaçãodepartire
ojuramentosolenedequelhenãoarmaumacilada
(Od.5.160sqq.e182sqq.),comafã,lançaUlisses
mãoàconstruçãodajangada.Prontaesta,faz-seao
mar.Umaviolentatempestade,desencadeadapor
Poséidon,atira-oparaaterradosFeaces.Acolhido
porestescomosuplicante,narra-lhesasaventuras
porquepassoueéporelesrepatriado.EmÍtaca,
vinga-sedospretendentescomaajudadofilhoe
doporqueiroEumeuerecuperaodomíniodopa-
23-Esteepisódio,talvezconhecidoatravésdeumatraduçãodaOdisseiadeLecontedeLisle,inspirouEçadeQueirósnacom-posiçãodoconto "Perfeição".SobreoassuntovideManueldosSantosAlves,"DeEçadeQueirósaHomeroatravésdeLecontedeLisle",Arquivos do Centro Cultural Português17(1982)253-333.
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lácio.SóafielPenélopeaindanãoestáconvencida
dequeseencontranapresençadeUlissesedecide
submetê-lo aumaúltimaprova.Astuciosamente
ordenaquetragamoleitoconjugalparaomégaron.
ÉentãoqueUlissesexclamaestupefacto:Mascomo
épossívelsefoifeitosobreumtroncodeoliveira
eseencontraagarradoaosolo.Certificadaagora
dequeestánaverdadenapresençadomarido–só
elesosdoisconheciamosegredodaconstrução
do leito –,Penélope retomaa alegriadeviver e
recupera«avalia,belezaeporte»que,dissera(Od.
19.124-126),lhehaviamlevado
................osimortais,quandoembarcarampara
[Ílion
osArgivos,entreosquaisseguiaUlisses,meu
[marido.
Estamosnocanto23epossivelmenteopoema
terminaria aí, comodefendemvárioshelenistas,
comoreencontrodocasal24.Nãoseriamportanto
24-Sobreabibliografiaeosdadosessenciaisdaquestãovide
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autênticososcercadeoitentaúltimosversosdo
canto 23, emqueUlisses conta a Penélope, de
formabreve,assuasaventuraseocanto24,em
que as almas dos Pretendentes são conduzidas
paraoHadesporHermes,Ulissesvaivisitarseu
paiLaertes,eosdoiscomaajudadeTelémaco
lutamcontraasfamíliasdosPretendentes,atéque
Atenarestabeleceapaz.
Nestaversão,opoematerminarianoverso296
docanto23quedescrevea idadosdoisparao
leito.Setalacontecia,comomeinclinoapensar,
ésignificativoqueopoematerminecomoreen-
controdemaridoemulherecomaentradados
doisparaoquartoconjugal.
DessemodosubjacenteàOdisseiaeaotema
centraldafidelidadedosdoisespososseencontra
obinómioamor/morte.Ulissesrejeitaaimortalida-
deeprefereacompanhiaeoamordePenélope
queémortal,portantomenosperfeitaembeleza
eestaturadoqueCalipsoeaelainferior.Como
ocomentário,daautoriadeA.Heubeck,aosversos23.297-24.548dovolumeVIdaediçãodaOdisseia,daFundazioneLourenzoValla(1986,pp.317-320).
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acentuaoUlissesdoconto"Perfeição"deEçade
Queirós,naspalavrasfinaisquerecusamaoferta
daNinfa:
–Ohdeusa,oirreparávelesupremomalestá
[natuaperfeição!
O homem, um sermortal e imperfeito, não
consegue viver com a perfeição absoluta.Nem
sequerapodeconseguir.Éumserperecível,por
issoestásujeitoàsmarcasdotempoeviveparedes
meiascomamorte.
OmitodeEoseTitonopareceilustraroque
seacabadedizer.NarradonoHino HoméricoV–
A Afrodite, é aduzidopela deusado amor eda
seduçãoparajustificarasuadecisãodeabandonar
Anquisesedeonãotornarimortal.
Afrodite, como vimos, é a deusa que tudo
submete ao seu domínio e em todos infunde
odocedesejo–nosdeuses,noshomens,nasaves
eemtodososanimaisqueaterraeomarnutrem.
RefereoHino (vv. 7, 33, 38)queAfrodite ilude
osamantes,demodoafazer-lhescrerqueagem
espontaneamente,quandoafinalsesujeitamauma
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sofista,dadotratar-sedeumdiscursomodelo,oferece
umindíciodequeessaargumentaçãoconstituiria
umtópicododomíniopúbliconaaltura.Nãoseria
aliásexemplosemprecedênciaemEurípides,jáque
muitosdosagônes dassuaspeçassãooreflexode
debatesediscussõeshabituaisemAtenas.
Feitacombasenumaargumentaçãotradicional,
adefesadeHelenanãoéconvincente–eeraesse
precisamente o objectivo visado.Discordo, por
isso,daopiniãodeVellacott85,deque,aoculpar
Hécuba e PríamopelaGuerra de Tróia e suas
consequências, aspalavras deHelena são «uma
irónica reductio ad absurdum domesmo argu-
mentoaplicadoaelaprópria»(p.141)edeque,
aoapontarafatalidadedopoderdoamor,estáa
reclamarumdireitoqueoshomensconsideravam
exclusivamenteseu–aliberdadedeasmulheres
escolheremourejeitaremomarido(p.143).Aceito
queacenaapresentasituaçõesepassoseivados
423eII,p.151,«DieAnfangedergriechischenPoetik»,NGG1920,pp.16-17(=KleineSchriften II,pp.460-461).Preuss,DeEuripidis Helena (Leipzig,1911),data-ade414,entreasTroianas eaHelena.
85Ironic Drama, pp.138-148.
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deironia,aceitotambémqueEurípidesvêamulher
«comoumaigualmeiapartedaraçahumana»(p.
144),masnãomeparecequeofaçaoupretenda
dizernestacenaepelabocadeHelena.
Hécuba,incitadapeloCoro,respondeaHelena,e
tambémmenãoparecequeaargumentaçãodarainha
seja improcedente. Se, aoacusá-lade ter seguido
de livrevontadePáris, seduzidapela suabeleza,
estáaconfirmaraconfissãodaprópriaHelenanos
versos945-947,nãosepodedizerquearainhade
Tróianãoprofiraumaúnicapalavradecontestação
àalegaçãodafilhadeZeusdetersidoimpedidade
fugirporDeífobo,depoisdamortedePáris(vv.952
sqq.)86.Nãoserádifícilverumarespostanaafirmação
dequepreferiraoluxoeareverênciadosBárbaros.
Hécuba racionaliza os deuses e dignifica-os.
AconselhaHelenaanãofazerdas«deusasinsensatas
paraembelezaroseuvício»(vv.981-982)erecusa-se
aacreditarqueHeraeAtenafossemaoIdapelo
«frívologozodeumconcursodebeleza)epossam
chegaràinsensatezdevenderArgosaosBárbaros
86P.Vellacott,Ironic Drama,pp.145-146.
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eAtenasaosFrígios(vv.971-981).DesejariaHera
conseguirumesposo superior aZeuse «andaria
Atena à caça de algum deus», quando obteve
dopaioprivilégiode ser virgempor ser avessa
aocasamento?TambémnãotemlógicapôrAfrodite
porcompanhiaeserventedePáris(vv.981-992):
Nãofaçasdasdeusasinsensatasparaembelezar
o teu vício, que não persuadirás quem souber
pensar.Disseste – e é coisa bem ridícula – que
Cípria foi ao palácio deMenelau na companhia
do meu filho. Então ela não podia permanecer
tranquilanocéuelevar-teparaTróiacomacidade
deAmiclasetudo?Foiabelezasuperiordomeu
filhoeoteuespíritoque,aovê-lo,setransformou
emCípria.Todaaintemperançaéparaosmortais
Afrodite, e é com razão que o nome da deusa
começa comoo de afrodisíaco. Ao vê-lo com as
suas vestes bárbaras, refulgente de ouro, o teu
espíritoentrouemdelírio.87
87TraduçãodeM.H.RochaPereira,Eurípides,As Troianas(Lisboa,Edições70,1995).
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Comessa atitude,predispõe-nos a aceitaros
seusargumentos88.Paraela,oqueHelenaapelida
depoderevontadedeAfroditenãopassaraafinal
de falta de senso (aphrosyne, v. 990) – e liber-
tinagem.Preferira o luxodopaláciodePríamo
eestimavamuitoareverênciadosBárbaros.Por
isso,nuncaacederaaosseuspedidosinsistentes
paraquepartisseepusessefimàguerraentreos
HelenoseosTroianos(v.1019).Nofim,arainha
e o coro aconselhamMenelau amatarHelena,
coroandoaHéladededignidade(v.1030)eevi-
tandoincorrernasuareprovação(v.1034).Nada
conseguem.Issonãojustificaqueseacuseaar-
gumentaçãodenãoconvincente.Menelaudárazão
aHécuba(vv.1036-1041)edeclaraHelenaculpada.
Ecomessasentençamostratambémqueaguerra
foraumerro,porsebasearnaindignidadedeuma
mulher89.Porém,nãoamata.Deixaapromessa
dequeo fará, quando chegar a Esparta. Todos
sabem,noentanto,queissonãovaiacontecer.Um
88R.Scodel,The Trojan Trilogy of Euripides,p.96.89AssimentendeKitto,TrG2,p.52.
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sentimentopoderososelheopôs.Otombruscoque
MenelautemparaHécuba(vv.1036sqq.)édisso
adenúncia.Eurípidesnãoodizexpressamente,mas
deixaclaroqueo reideEsparta sucumbiráante
osencantosdeHelena,comoaconteceracomesta
aoverPáris.Ironiaevidente!Adeclaradaculpada
nãoépunidaeferecomomesmoferrocomque
fora atingida.As cativas troianas são explícitas,
ao lamentarem-se,noestásimoque se segue,de
queaescravaturaasesperanaHélade,enquanto
a filha de Zeus semirará em espelho de ouro
(vv.1105-1109).EdesdeaOdisseia queatradição
amostraaviver, com faustoe feliz,emEsparta,
na companhiadeMenelau.Escapara a vingança
sobreaúnicaculpada,oflagelodaHéladeedos
Troianos (vv. 1114-1117), como refereocoroque
formulaodesejodequeelaeMenelaunãovoltem
averaLacónia90.
O fogo envolve a cidade de Tróia que se
desmorona.Hécubatentaembrenhar-senaurbe
90 Sobre a cena do julgameno de Helena, vide G. M. A.Grube,The Drama of Euripides(london,1941),pp.291-295;K.H.Lee,Euripides:Troades(London,1976), pp.XXI-XXIV.
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em chamas e acabar juntamente com ela,mas
é impedida. As trombetas chamampara a par-
tida. A peça termina com as palavras do coro:
«Desventurada cidade!Vá, caminhemospara as
barcosdosAqueus»(vv.1331-1332).
Nãoé seguraaconclusãoa tirardacríticade
Eurípidesàguerra. Seumaspeças suasparecem
apontarparaadefesadaharmonizaçãodosHelenos,
nageneralidadeaatençãodotragediógrafoincide
nosinocentes–mulheresecrianças–que,semterem
culpadaguerranemparaelahaveremcontribuído,
sãodosquemais lhe sofremas consequências.
Aocondenaraguerra,Eurípidesnãotememmente
umpovoouraça,masvisaahumanidade.
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aBreviaturaS
Damosaseguirasabreviaturasdasobrasmais
utilizadas:
Blaiklock–E.M.Blaiklock,The Male Characters of Euripides(Wellington,1952).
Dale–A.M.Dale,Euripides: Helen(Oxford,1967).
E.,A.–Eurípides,Alceste.
E.,And.–Eurípides,Andrómaca.
E.,El.–Eurípides,Electra.
E.,Hi.–Eurípides,Hipólito.
E.,IT.–Eurípides,Ifigénia entre os Tauros.
E.,M.–Eurípides,Medeia.
E.,Or.–Eurípides,Orestes.
E.,S.–Eurípides,As Suplicantes.
E.,Tr.–Eurípides,As Troianas.
H.H.–Hinos Homéricos.
Il.–Ilíada.
Od.–Odisseia.
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JRF, E., Andr. – J. Ribeiro Ferreira, Eurípides: Andrómaca(Coimbra,1971).
Kitto, TrG –H.D. F. Kitto, A Tragédia Grega (trad. port.Coimbra,1972).2vols.
Lesky–A.Lesky,A Tragédia Grega(trad.port.,SãoPaulo,1971).
O.,M.–Ovídio,Metamorfoses.
Romilly–J.deRomilly,A Tragédia Grega(trad.port.,Lisboa,1999).
S.,Tr.–Sófocles,As Traquínias.
V.,G.–Virgílio,Geórgicas.
Zuntz, PPE – G. Zuntz, The political plays of Euripides(Manchester,1955,repr.1963).
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