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EXCELENTÍSSIMO SENHOR
MINISTRO PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
PEDIDO DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇA
Processo de Origem: 0625999-05.2016.8.06.0000 – TJ/CE
O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO CEARÁ, órgão de previsão constitucional (art.
71, Constituição Estadual de 1989 e art. 75 da Constituição Federal de 1988), inscrito no CNPJ sob
o nº 09.499.757/0001-46, sediado à Rua Sena Madureira, 1047, Centro, Fortaleza/CE, CEP 60.055-
080, presentificado pelo seu PRESIDENTE, CONSELHEIRO EDILBERTO CARLOS
PONTES LIMA, brasileiro, casado, residente e domiciliado à Rua Tibúrcio Cavalcante, nº 440,
apto. 700, Meirelles, Fortaleza/CE, RG nº 109479886, inscrito no CPF sob nº 370735083-53, aqui
assistido pela Procuradoria Jurídica do Tribunal de Contas (art. 74, parágrafo único, CE/1989), vem,
respeitosamente perante Vossa Excelência, propor o presente PEDIDO DE SUSPENSÃO DE
SEGURANÇA consubstanciado nos termos das razões anexas, contra a r. decisão proferida pela
Exma. Sra. Desa. SÉRGIA MARIA MENDONÇA MIRANDA, nos autos do PROCESSO Nº
0625999-05.2016.8.06.0000, de competência do órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado do
Ceará, requerendo desde já o seu recebimento e processamento, em razão dos fatos e fundamentos a
seguir:
I. BREVE SÍNTESE DOS FATOS
Em 25 de agosto de 2016, o Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE/CE) foi
surpreendido com decisão interlocutória monocrática, lavrada pela Exma. Sra. Relatora de Mandado
de Segurança Originário a tramitar no âmbito do C. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, cujos
fundamentos configuram desconsideração frontal e peremptória não só das competências
constitucionais do Tribunal de Contas como também da jurisprudência pacífica deste E. Supremo
Tribunal Federal.
I.1. Fatos ocorridos no Tribunal de Contas do Estado do Ceará.
Com fundamento no art. 113, §1º, da Lei 8.666/93, a pessoa jurídica Somos
Capital Humano Serviços de Locação de Mão de Obra Ltda. protocolou Representação no Tribunal
de Contas do Estado do Ceará (Processo 06312/2016-9), na qual narrou possíveis irregularidades
presentes no Edital de Pregão Presencial nº 20160003/ZPE-CEARÁ, da Companhia Administradora
da Zona de Processamento de Exportação do Ceará, entidade jurisdicionada ao Tribunal de Contas
do Estado do Ceará. O objeto do certame é a “contratação de empresa na prestação de serviços de
mão-de-obra terceirizada, cujos empregados sejam regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas
(CLT)” (Item 4 do Edital). A licitação é do tipo menor preço. Assim, será declarado vencedor o
participante que apresentar a menor taxa de administração (item 14.3., “j”, do Edital).
A exordial da Representação adversou dois pontos. Primeiro, foi questionada a
exigência editalícia no sentido de que os licitantes apresentassem taxa de administração mínima de
1%, regra constante nas cláusulas 12.1 “c” e 14.2 “b” do Edital do Pregão Presencial nº 20160003 –
ZPE (Documento em anexo). Vejamos:
12. DO CONTEÚDO DO ENVELOPE PROPOSTA12.1. A "PROPOSTA" deverá conter os seguintes elementos:a) nome, endereço, CNPJ e inscrição estadual/municipal; b) número do processo e do pregão; c) a proposta deverá explicitar exclusivamente o percentual referente aTaxa de Administração que compõe a Planilha de Composição deCustos do Anexo I - Termo de Referência, a qual não deverá ser inferiora 1,0% (um por cento) ou superior a 7% (sete por cento);
(…)
14. DO PROCEDIMENTO E JULGAMENTO14.1. Após o credenciamento, os licitantes entregarão ao pregoeiro, emenvelopes separados, a proposta de preços e os documentos de habilitação.14.2. A análise das propostas pelo pregoeiro visará ao atendimento dascondições estabelecidas neste edital e seus anexos, sendo desclassificadas aspropostas:a) Em condições ilegais, omissões, ou conflitos com as exigências desteedital;b) que apresentarem taxa de administração inferior a 1,0% (um porcento) ou superior a 7% (sete por cento).
O segundo fundamento diz respeito ao quanto contido na cláusula 13.3 do Edital
em apreço, que exige, para fins de qualificação técnica, a apresentação de atestados demonstrando
experiência de um mínimo estabelecido de postos de trabalho para cada lote, e desde que por um
período não inferior a três anos. Assim encontra-se redigida a cláusula:
13.3. DA QUALIFICAÇÃO TÉCNICA13.3.1. A qualificação técnico-operacional, será comprovada através deatestado comprovando que a licitante executou contrato com um mínimo 67(sessenta e sete) postos para Lote 01, 68 (sessenta e oito) postos para Lote02 e 20 (vinte) postos para o Lote 03. Os atestados serão fornecidos porpessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente registrados nasentidades profissionais competentes, quando for o caso, e com firmasreconhecidas das pessoas que assinaram.13.3.2. A comprovação da qualificação técnico-operacional, se dará aindamediante a apresentação de atestado comprovando que a licitante executouserviços de terceirização compatíveis em quantidade com o objeto licitadopor período não inferior a 3 anos.
Na sua postulação, asseverou a representante que as cláusulas vergastadas ferem a
ampla participação no certame, em ofensa ao art. 3º da Lei 8.666/93, bem como a precedentes desta
Corte e do colendo Tribunal de Contas da União; termos que a fez pedir, conclusivamente, o
deferimento de medida cautelar, para que assim fosse garantida a participação da representante e de
qualquer concorrente no Pregão Presencial no 20160003 – ZPE CEARÁ, sem se sujeitar às
exigências contidas nos itens já mencionados.
No início da tramitação, a Representação fora encaminhada à Gerência de Análise
Prévia de Editais e Fiscalização de Contratos, órgão técnico do Tribunal de Contas do Estado do
Ceará. Ao seu turno, manifestou-se a referida Gerência expedindo o Certificado 0015/2016
(documento em anexo) que propugnou pela admissibilidade da Representação, com fundamento no
§1º do art. 113, da Lei 8.666/93. Bem assim, sugeriu que o Tribunal adotasse medida cautelar:
“40. No ensejo, submetem-se os autos à consideração superior, sugerindo: (…)
determinar a suspensão cautelar, na fase em que se encontra, do Pregão Presencial
nº 20160003 – ZPE CEARÁ, tendo em vista a caracterização dos pressupostos
básicos: a fumaça do bom direito (fumus boni iuris) e o perigo da demora
(periculum in mora); c) comunicar o Sr. ALEXANDRE FONTENELE
BIZERRIL, Pregoeiro condutor do certame, acerca da medida acautelatória; d)
assinar prazo, nos termos do inciso IV, do art. 15, do Regimento Interno deste
Tribunal, para que, em atendimento à diligência e no intuito de sanear os autos,
seja o Sr. MÁRIO LIMA JÚNIOR, Diretor Presidente da ZPE CEARÁ, instado a
se manifestar acerca dos questionamentos apontados nesta Representação,
referentes aos itens 12.1 ”c”, 14.2 “b” e 13.3 do edital; (...)”.
Atendendo a sugestão da Gerência de Editais, o Conselheiro Relator do Processo
de Controle Externo exarou o Despacho Singular nº 3134/2016, no qual, encampando integralmente
os termos sugeridos pelo Setor Técnico do Tribunal, em 16/08/2016 decidiu pela concessão cautelar
nos seguintes termos:
“Nesse diapasão, percebe-se demonstrada a presença da fumaça do bom direito no
caso em liça, bem como o perigo da demora, haja vista que a abertura do certame
esta marcado para amanhã, dia 17.08.2016, às 14:30. Por fim, considerando que
a solicitação da empresa licitante foi de garantir sua participação no certame
afastando as cláusulas restritivas em vez de suspender a licitação, ponderei
que esta pode ser a melhor solução para o caso em liça, pois a suspensão da
licitação por prazo indeterminado pode trazer possíveis prejuízos à
Administração em face da possibilidade de contratação direta sem licitação,
por exemplo. Por todo o exposto, VOTO, nos seguintes termos: 1) que seja
recebida a presente representação, pois ajuizada por interessado legítimo; 2) pela
homologação da Medida Cautelar, lavrada por meio do Despacho Singular nº
3134/2016”.
Seguindo o seu curso normal, os autos então foram submetidos ao Plenário do
TCE/CE, que na primeira Sessão Plenária possível homologou o Despacho Singular (Resolução nº
1959/2016 – Plenário TCE/CE, de 16/08/2016, Documento em anexo).
De se ver, portanto, que a decisão do Tribunal de Contas do Estado foi no sentido
de ampliar a competitividade do certame, e não de cancelá-lo, bem como de prevenir eventual
dano ao erário que certamente adviria em um “mínimo” para o quantum da taxa de administração.
I.2. A decisão monocrática da Exma. Sra. Desa. Relatora do Processo 0625999-
05.2016.8.06.0000 – TJ/CE (Mandado de Segurança Originário).
Irresignada com a ampliação na competitividade do certame, a pessoa jurídica
“Futura – Serviços Profissionais Administrativos” impetrou Mandado de Segurança (0625999-
05.2016.8.06.0000 – TJ/CE), com pedido de medida liminar, precisamente em face da Resolução
1959/2016 – Plenário TCE, lavrada no Processo nº 06312/2016-9 (cujas circunstâncias de fato
foram acima descritas), apontando como autoridade coatora o Presidente do Tribunal de Contas do
Estado do Ceará.
Antes mesmo dos préstimos das informações, a Exma. Sra. Desa. Relatora
concedeu liminarmente a segurança, entendendo que a decisão do Plenário do Tribunal de Contas
“possui fortes indícios de invalidade” (fls. 148 dos autos). Alinhavou 3 (três) fundamentos em
suporte:
1) O TCE/CE, ao se debruçar sobre o tema incorreu em usurpação da
competência do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, ante a
“incompetência daquela corte de contas para examinar representações que
tenham por finalidade interesse privado e para cancelar certames licitatório”
(f. 146); assim, ao decidir “sobre matéria de interesse eminentemente
privado, contrariando o novo entendimento consolidado no artigo 276 do
Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, que passou a
admitir a adoção de medidas cautelares apenas nas hipóteses de fundado
receio de lesão grave ao interesse público” (f. 148). Prova disso, do interesse
eminentemente privado, é o fato de que a empresa que ingressara com a
Representação no âmbito do TCE/CE já teria intentado 4 (quatro) ações
judiciais no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Ceará sobre o tema,
sendo que em nenhuma delas logrou êxito.
2) O inc. X do art. 76 da Constituição do Estado do Ceará1 (que
integralmente reproduz o inc. X do art. 71 da CF/88) não confere ao
Tribunal de Constas do Estado poderes para cancelar ato administrativo,
mas tão somente para sustar a execução de ato impugnado, e que agindo
assim a Corte de Contas ultrapassou os limites de sua competência
constitucional. Suposta prova disso é que, no MS 28.745/DF, o STF cassou
decisão do TCU que, em processo de controle externo, tinha deferido
cautelar obrigando a Petrobrás S/A a seguir a Lei 8.666/93 e não o seu
regulamento simplificado de licitações (f. 149).
3) A decisão do TCE/CE, por ter determinado “o cancelamento daquele
certame licitatório” (f. 149), comprometeria a realização das atividades-fins
da Companhia Administradora da Zona de Processamento de Exportação do
Ceará (ZPE – Ceará).
A parte dispositiva da r. Decisão Monocrática encontra-se assim vazada:
“Por estas razões, presentes os requisitos autorizadores da concessão de
medida liminar em Mandado de Segurança, DEFERE-SE liminar pretendida
por FUTURA – SERVIÇOS PROFISSIONAIS ADMINISTRATIVOS
LTDA, no intuito de suspender a eficácia do despacho singular nº
3134/2016 e a sua posterior homologação pelo pleno do Tribunal de Contas
do Estado do Ceará nos autos do processo nº 06312/2016-9, possibilitando o
regular processamento do pregão presencial nº 20160003-ZPE CEARÁ” (f.
149).
Com todas as vênias cabíveis, é nosso dever afirmar que a decisão em baila
desrespeita frontalmente as competências constitucionalmente asseguradas a este Tribunal de
Contas e, caso prevaleça, importará em prejuízo ao erário, o que impele a este Tribunal de Contas o
manejo do presente pedido de Suspensão de Segurança, que preenche os requisitos de cabimento
exigíveis à espécie, como examinaremos a seguir.
1 “Art. 76 – Compete ao Tribunal de Contas: (…) X – sustar, se não atendido, a execução do atoimpugnado, comunicando a decisão à Assembleia Legislativa”.
II – CABIMENTO
II.1. Competência.
O instituto da Suspensão de Segurança insere-se no contexto do regime jurídico de
contracautela2, microssistema vocacionado a fazer frente a eventuais excessos danosos à
continuidade do serviço público. Afigura-se meio adequado para obstar os efeitos de provimentos
liminares em sede de mandado de segurança, desde que presentes as condicionantes legais:
manifesto interesse público ou flagrante ilegitimidade, para fins de cessar ou evitar grave lesão à
ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas (art. 15, Lei 12.016/2009).
Desse conjunto de normas exsurge cristalina a possibilidade de manejo da
Suspensão de Segurança em face de decisão judicial proferida em única instância por Tribunal de
Justiça, que será dirigida ao "presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo
recurso" (art. 15 c/c art. 18, da Lei 12.016/2009): ao C. Superior Tribunal de Justiça, se a matéria
for infraconstitucional, ou ao E. Supremo Tribunal Federal, se de natureza constitucional for o tema
decisório (art. 25, Lei 8.038/1990 c/c art. 297, RISTF).
Nesse sentido: Rcl 475, Rel. Min. Octavio Gallotti; Rcl 497-AgR, Rel. Min.
Carlos Velloso; SS 2.187-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa.
Tem-se que é o caso. A r. Decisão da Exma. Sra. Desembargadora Relatora
afronta, inequivocamente, o plexo de competências dos Tribunais de Contas que lhe fora
constitucionalmente deferido (arts. 70, 71 c/c 75, CF/88) e judicialmente reconhecido por este E.
Supremo Tribunal Federal, consoante trataremos de expor, mais abaixo.
II.2 – Legitimidade ativa do Tribunal de Contas do Estado do Ceará
O Tribunal de Contas do Estado do Ceará possui legitimidade ativa para figurar no
polo ativo do presente incidente processual.
Muito embora a Corte de Contas cearense não seja pessoa jurídica de direito
público interno, é pacífico na doutrina e jurisprudência pátrias que órgãos de extração constitucional
2 Leonardo José Carneiro da CUNHA. A Fazenda Pública em Juízo. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2014,p. 634.
possuem capacidade judiciária para defender em juízo suas prerrogativas institucionais
constitucionalmente deferidas3.
Não poderia ser de outra forma. O pedido de suspensão muitas vezes
consubstancia tutelas que transcendem à pessoa jurídica interessada. A saúde, a segurança, a
economia pública – todos esses interesses tutelados pelo mecanismo processual em análise – não
podem coincidir com a esfera jurídica de ente estatal algum4. Por isso, e com Victor Nunes Leal,
premente conceder que o que importa não é que o requerente tenha ou não personalidade jurídica,
mas sim saber se há, ou não, direitos postos em questão5.
E na expressão “direitos”, calham os direitos públicos subjetivos, segundo o
magistério do E. Supremo Tribunal Federal longamente estabelecido:
MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELA PRESIDÊNCIA DOTRIBUNAL DE CONTAS CONTRA ATOS DO GOVERNADOR E DAASSEMBLEIA LEGISLATIVA, DITOS OFENSIVOS DACOMPETÊNCIA DAQUELE TRIBUNAL. LEGITIMIDADE ATIVA.ÓRGÃO PÚBLICO DESPERSONALIZADO E PARTE FORMAL.DEFESA DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃOCONSTITUCIONALMENTE DEFERIDA AO TRIBUNAL DECONTAS. PODER JURÍDICO, ABRANGIDO NO CONCEITO DEDIREITO PÚBLICO SUBJETIVO. MANDADO DE SEGURANÇACABÍVEL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO
(RE 74.836/CE, Relator p/ Acórdão: Min. RODRIGUES ALCKMIN,Plenário, Julgamento: 07/06/1973)
Reforçada pela Constituição Federal de 1988, a garantia do judicial self-
government, o E. Supremo Tribunal Federal, continuou a reconhecer a legitimatio ad causam e ad
processum dos Tribunais para perseguir em juízo seus interesses judiciais (leading case na vigência
da atual ordem constitucional: QO no AgR no MS 21.291/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal
Pleno, julgamento em 12/04/1991).
E até mesmo em razão de o texto constitucional ter reservado aos Tribunais de
3 Carla Fernanda Leão Barcellos TOMBINI. Suspensão de Segurança na visão dos TribunaisSuperiores. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 37; Marcelo Abelha RODRIGUES. Suspensão deSegurança – sustação da eficácia de decisão judicial proferida contra o Poder Público. 3ª ed. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 139.
4 Leonardo José Carneiro da CUNHA. A Fazenda Pública em Juízo. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2014,p. 643.
5 Victor NUNES LEAL. “Personalidade Judiciária das Câmaras Municipais”. In: Revista de DireitoAdministrativo. Vol. 15. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, janeiro-março de 1949, p. 56.
Contas garantias de autogoverno em tudo semelhantes ao Poder Judiciário (Art. 73, caput, CF/88), a
jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal abriga inúmeras Suspensões de Segurança
requeridas por Tribunais de Contas. Nesse sentido: SS 3789 – MC, Rel. Min. Cézar Peluso, julgado
em 17/04/2009, divulgação no DJe-076 de 24/04/2009, Requerente: Tribunal de Contas do Estado
do Maranhão; SS 1197/PE, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 15/09/1997, Requerente: Tribunal
de Contas do Estado de Pernambuco).
Não por menos, quanto à capacidade postulatória a regularidade também se
verifica, porquanto a peça encontra-se subscrita por advogados integrantes da Procuradoria Jurídica
do Tribunal de Contas do Estado do Ceará (art. 74, parágrafo único, Constituição do Estado do
Ceará), situação que em nada contradiz o art. 132, CF/88, conforme remansosa jurisprudência do E.
Supremo Tribunal Federal6
III – DA LESÃO À ORDEM PÚBLICA
É por demais sabido que embora seja vedada, nesta sede, análise exauriente
acerca do mérito da demanda, ao Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal incumbe
debruçar-se minimamente sobre a questão, de modo a poder verificar se a lesão à ordem pública
subsiste. Assim, “faz-se necessário um juízo de delibação mínimo acerca da matéria veiculada na
lide principal, a fim de se estabelecer a natureza constitucional da questão” (STF, SS 5098/SP, Rel.
Min. Presidente, Ricardo Lewandowski, DJ de 29/02/2016)7.
A causa de pedir do presente pedido é eminentemente constitucional.
A Constituição Federal de 1988 posicionou os Tribunais de Contas como órgãos
centrais ao exercício do controle da Administração Pública – com autonomia institucional em
relação aos demais poderes, fruto do direto fundamento de validade constitucional que milita em
seu favor8.
6 “A jurisprudência desta Corte reconhece a ocorrência de situações em que o Poder Legislativo necessitepraticar em juízo, em nome próprio, uma série de atos processuais na defesa de sua autonomia eindependência frente aos demais Poderes, nada impedindo que assim o faça por meio de um setorpertencente a sua estrutura administrativa, também responsável pela consultoria e assessoramentojurídico de seus demais órgãos” (ADI 1.557/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Plenário, julgamento em31/03/2004, publicação, DJ de 18/06/2004). No mesmo sentido: ADI 94, Rel. Min. Gilmar Mendes,julgamento em 07/12/2011, DJe de 16/12/2011).
7 No mesmo sentido: STF, SS 1015/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 03/06/1996; SS 846/DF, Rel. Min.Sepúlveda Pertence, DJ de 29/05/1996.
8 MILESKI, Hélio Saul. “Tribunal de Contas: evolução, natureza, funções e perspectivas futuras”. In:FREITAS, Ney José de (org.). Tribunais de Contas – Aspectos Polêmicos. Estudos em Homenagem
Com efeito, os arts. 70 e 71, CF/88, preconizam que compete ao Congresso
Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União, realizar controle externo da administração
direta e indireta, exercendo fiscalização contábil, financeira, orçamentária, patrimonial e
operacional, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia
de receitas.
Tal conjugação de esforços deve ser bem compreendida. Conquanto ao Poder
Legislativo seja reservada a titularidade do Controle Externo da função administrativa dos demais
poderes, ao Tribunal de Contas destina-se o exercício dessa atividade. Ora realizada de modo
conjuntivo com o Poder Legislativo, ora de modo isolado – por competência constitucional própria
–, os incisos arrolados no art. 71 da Constituição Federal permitem ver com precisão o que vem a
ser a ação de auxiliar o Poder Legislativo no exercício do Controle Externo9: por meio de um
quadro técnico especializado e dirigido por um corpo de agentes públicos aos quais são devotadas
as garantias inerentes à magistratura, um Tribunal de Contas é órgão coautor do Controle Externo
(porquanto auxilia o Poder Legislativo em igual dignidade constitucional para com ele) e não
coadjuvante (uma vez que não se porta como auxiliar).
Para desempenhar o mister do controle da função administrativa, o regime
constitucional deferiu às Cortes de Contas não apenas as competências expressas nos art. 71, CF/88:
há também competências implícitas, como o poder geral de cautela, reconhecido pelo E. Supremo
Tribunal Federal quando do julgamento do MS 24.510/DF, de Relatoria da Eminente Ministra Ellen
Gracie Northfleet. Competência esta solenemente desconsiderada pela r. decisão aqui em questão,
como veremos a seguir.
III.1. Violação à competência do Tribunal de Contas de adotar provimentos cautelares (STF,
MS 24.510/DF). Possibilidade de controle concomitante de editais de licitação.
Causa, a este Tribunal de Contas, significativa preocupação aquele que figura
como o principal dos fundamentos trazidos na medida liminar a quo:
“Neste sentido, é forçoso reconhecer, a título de cognição não exauriente,
que o ato coator ora impugnado, da lavra do Tribunal de Contas do Estado
ao Conselheiro João Féder. Belo Horizonte: Fórum, 2009, pp. 101-102.9 BRITTO, Carlos Ayres. “O Regime Constitucional dos Tribunais de Contas”. In: O Novo Tribunal de
Contas: Órgão Protetor dos Direitos Fundamentais. 3ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005, pp. 62-68.
do Ceará, possui fortes indícios de invalidade, pois aquela corte de
contas teria analisado questão já suscitada em 4 (quatro) ações judiciais e
decidindo sobre matéria de interesse eminentemente privado,
contrariando o novo entendimento consolidado no artigo 276 do Regimento
Interno do Tribunal de Contas da União, que passou a admitir a adoção de
medidas cautelares apenas nas hipóteses de fundado receio de lesão
grave ao interesse público.” (fl. 148 dos autos). (grifos nossos)
Desconsiderando o fato de a matéria não ser regida pelo Regimento Interno do
Tribunal de Contas da União (TCU), uma vez que o art. 21-A, da Lei 12.509/95 (Lei Orgânica do
TCE/CE) e o art. 16 do Regimento Interno do TCE/CE disciplinam o poder de cautela da Corte de
Contas do Estado do Ceará, o excerto acima padece de uma grande impropriedade: qual seja, a
errônea compreensão de que licitação consistiria em mera disputa entre particulares,
circundada por interesses privados; coerente a isso, um Tribunal de Contas nada teria a dizer
sobre cláusulas de Edital que restringem a concorrência.
Como se isso não bastasse, a decisão a quo vai além. De modo frontalmente
contrário à jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal, afirma que a Constituição do Estado, no
art. 76, inc. X10 (em tudo similar ao art. 71, inc. X, CF/88), apenas confere ao Tribunal de Contas o
poder de sustar a execução de ato impugnado, mas não de cancelar ato administrativo:
“Ademais, a Constituição do Estado do Ceará, no inciso X do artigo 76, não
confere ao Tribunal de Constas do Estado poderes para cancelar ato
administrativo, mas tão somente sustar a execução de ato impugnado. Desta
forma, é possível a constatação de indícios de que o TCE, ao promover o
cancelamento do pregão presencial nº 20160003-ZPE CEARÁ, ultrapassou
os limites de sua competência constitucional. Presentes, pois, os
fundamentos relevantes do pedido liminar do presente mandado de
segurança.” (fl. 149)
Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente, ambos os argumentos da r.
10 Inc. X: “Sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Assembleia Legislativa”.
decisão a quo foram diretamente enfrentados pelo E. Supremo Tribunal Federal quando do
julgamento do MS 24.510/DF, cuja ementa fora vazada nos seguintes termos:
PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. IMPUGNAÇÃO. COMPETÊNCIA
DO TCU. CAUTELARES. CONTRADITÓRIO. AUSÊNCIA DE
INSTRUÇÃO.
1. Os participantes de licitação têm direito à fiel observância do
procedimento estabelecido na lei e podem impugná-lo administrativa ou
judicialmente. Preliminar de ilegitimidade ativa rejeitada.
2. Inexistência de direito líquido e certo. O Tribunal de Contas da União
tem competência para fiscalizar procedimentos de licitação, determinar
suspensão cautelar (artigos 4º e 113, § 1º e 2º da Lei nº 8.666/93),
examinar editais de licitação publicados e, nos termos do art. 276 do seu
Regimento Interno, possui legitimidade para a expedição de medidas
cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir a efetividade de suas
decisões).
3. A decisão encontra-se fundamentada nos documentos acostados aos autos
da Representação e na legislação aplicável.
4. Violação ao contraditório e falta de instrução não caracterizadas.
Denegada a ordem.
(MS 24.510/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 19/11/2003)
Um exame atento dos votos dos Eminentes Ministros, nos autos do Mandado de
Segurança 24.510/DF, mostra que até determinado momento da sessão una de julgamento, a tese
que estava ganhando audiência era aquela esposada pelo Eminente Min. Carlos Ayres Britto, que
afirmava que as competências do TCU estavam dispostas em numerus clausus no art. 71 da CF.
Como, entre elas, não constava o poder de conceder cautelares, mas, no máximo, assinar prazo para
que se cumpra determinações do Tribunal, o referido Ministro entendeu que não se inseria, nas
competências do TCU, a possibilidade de adoção de medida cautelar.
O E. STF, entretanto, perfilhou a tese contrária, qual seja a de que o poder de
cautela está presente, sim, entre as atribuições das Cortes de Contas, por um motivo que pode ser
eficazmente subsumido em uma passagem constante no voto do Min. Sepúlveda Pertence:
“nenhum poder decisório constitucional é dado para tornar-se ineficaz:
e, por isso, tenho como implícito, na norma que outorga o poder de
decidir, o poder cautelar necessário a garantir a eficácia da eventual
decisão futura”. (f. 522)
É que não se pode ter diante da Constituição a mesma postura hermenêutica que
se tem frente a um decreto. Mais que “legislar”, a Constituição positiva tópicos, posteriormente
concretizados pela jurisprudência e pela sociedade, como atentamente observou o voto do Eminente
Min. Gilmar Mendes:
“Se se admite que a própria Constituição não pode codificar, que ela não
legisla, apenas positiva tópicos, então devemos admitir a possibilidade de
ampliação, de compreensão ou de competências compreensivas” (f. 520)
Interpretar as competências constitucionais como compreensivas é admitir a
aplicação da doutrina dos poderes implícitos (Doctrine of Implied Powers) para o caso brasileiro.
Originariamente surgida no julgado McCulloch v. Maryland – cujo tema de fundo era saber se o
poder federal norte-americano teria a competência de estatuir um banco federal, a despeito de isso
não estar explicitamente disposto em suas atribuições constitucionalmente previstas – essa teoria
aduz que sempre que uma finalidade constitucional é exigida a determinado órgão os meios
“necessários e próprios” para tanto são autorizados11.
Esteirando-se nomeadamente em tal doutrina, pioneiramente proposta por Rui
Barbosa nos seus Cometários à Constituição Brasileira (vol. I), o Min. Celso de Mello, no mesmo
MS 24.510/DF, enfrentou a questão com a erudição que caracteriza o Decano de nossa Corte
Suprema:
“Entendo, Senhor Presidente, que o poder cautelar também compõe a
esfera de atribuições institucionais do Tribunal de Contas, pois se acha
instrumentalmente vocacionado a tornar efetivo o exercício, por essa Alta
Corte, das múltiplas e relevantes competências que lhe foram diretamente
outorgadas pelo próprio texto da Constituição da República. Isso significa
11 Laurence TRIBE. American Constitucional Law. 3ª ed. New York: Foundation Press, 2000, p. 798.
que a atribuição de poderes explícitos, ao Tribunal de Contas, tais como
enunciados no art. 71 da Lei Fundamental da República, supõe que se lhe
reconheça, ainda que por implicitude, a titularidade de meios destinados a
viabilizar a adoção de medidas cautelares vocacionadas a conferir real
efetividade às suas deliberações finais”. (p. 511)
Desde tal julgado, o E. Supremo Tribunal Federal tem adotado, unissonamente, o
entendimento no sentido de que a produção de medidas cautelares é inerente ao exercício das
atribuições imputadas aos Tribunais de Contas pela CF/1988, sendo-lhe um instrumento válido, e
muitas vezes até mesmo indispensável, para obviar a frustração de sua atuação. Nesse sentido,
o sólido decisum monocrático de lavra do Eminente Decano do E. Supremo Tribunal Federal, Min.
Celso de Mello:
“TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. PODER GERAL DE CAUTELA.
LEGITIMIDADE. DOUTRINA DOS PODERES IMPLÍCITOS.
PRECEDENTE (STF). CONSEQUENTE POSSIBILIDADE DE O
TRIBUNAL DE CONTAS EXPEDIR PROVIMENTOS CAUTELARES,
MESMO SEM AUDIÊNCIA DA PARTE CONTRÁRIA, DESDE QUE
MEDIANTE DECISÃO FUNDAMENTADA. […]
3. O TCU tem legitimidade para expedição de medidas cautelares, a fim de
prevenir a ocorrência de lesão ao erário ou a direito alheio, bem como
garantir a efetividade de suas decisões, consoante entendimento firmado
pelo STF. […] Com efeito, impende reconhecer, desde logo, que assiste, ao
Tribunal de Contas, poder geral de cautela. Trata-se de prerrogativa
institucional que decorre, por implicitude, das atribuições que a Constituição
expressamente outorgou à Corte de Contas. Entendo, por isso mesmo, que o
poder cautelar também compõe a esfera de atribuições institucionais do
Tribunal de Contas, pois se acha instrumentalmente vocacionado a tornar
efetivo o exercício, por essa Alta Corte, das múltiplas e relevantes
competências que lhe foram diretamente outorgadas pelo próprio texto da
Constituição da República. Isso significa que a atribuição de poderes
explícitos, ao Tribunal de Contas, tais como enunciados no art. 71 da Lei
Fundamental da República, supõe que se reconheça, a essa Corte, ainda que
por implicitude, a possibilidade de conceder provimentos cautelares
vocacionados a conferir real efetividade às suas deliberações finais,
permitindo, assim, que se neutralizem situações de lesividade, atual ou
iminente, ao erário. […] Na realidade, o exercício do poder de cautela, pelo
Tribunal de Contas, destina-se a garantir a própria utilidade da deliberação
final a ser por ele tomada, em ordem a impedir que o eventual retardamento
na apreciação do mérito da questão suscitada culmine por afetar,
comprometer e frustrar o resultado definitivo do exame da controvérsia. […]
O Tribunal de Contas da União tem competência para fiscalizar
procedimentos de licitação, determinar suspensão cautelar (artigos 4º e 113,
§ 1º e 2º da Lei nº 8.666/93), examinar editais de licitação publicados e, nos
termos do art. 276 do seu Regimento Interno, possui legitimidade para a
expedição de medidas cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir a
efetividade de suas decisões). […] Não se pode ignorar que os provimentos
de natureza cautelar – em especial aqueles qualificados pela nota de
urgência – acham-se instrumentalmente vocacionados a conferir efetividade
ao julgamento final resultante do processo principal, assegurando-se, desse
modo, não obstante em caráter provisório, plena eficácia e utilidade à tutela
estatal a ser prestada pelo próprio Tribunal de Contas da União.”
(MS 26.547/DF – MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em
23/05/2007, DJ de 29/05/2007).
Em atenção a esse posicionamento jurisprudencial consolidado, a Presidência do
E. Supremo Tribunal Federal tem deferido pedido de suspensão de segurança, requeridos inclusive
por Tribunais de Contas, em casos similares ao que ora é levado à cognição de Vossa Excelência,
como testemunha a SS 3789-MC:
“1. Trata-se de pedido de suspensão de segurança, ajuizado pelo Tribunal de
Contas do Estado do Maranhão, contra decisão do Des. Jaime Ferreira de
Araújo, do Tribunal de Justiça desse Estado, que concedeu liminar, em favor
do Estado do Maranhão, nos autos do MS nº 10363/2009, tornando sem
efeito a suspensão dos efeitos orçamentários, contábeis e financeiros dos
Decretos nº 25.119/2009 e de nº 25.130/2009 a 25.180/2009 (fls. 03/04),
todos de abertura de créditos suplementares, e suspensos cautelarmente pelo
ora requerente. Alega o Tribunal de Contas que tais Decretos violam as
previsões contidas na lei orçamentária, o que reclama sua atuação, nos
termos do art. 71, IX e X, da Constituição Federal, para sustar,
liminarmente, atos que, aparentemente ilegais, são aptos a produzir grave
lesão ao erário.
2. É caso de deferimento de suspensão. (…) E está presente tal requisito,
pois em jogo, aqui, alegada violação ao art. 71 da Constituição da
República. O TCE pretende lhe seja reconhecida competência
constitucional, para, diante de fundado receio de lesão à ordem
jurídica, expedir medidas cautelares, tendentes a prevenir gravames ao
erário e a garantir a efetividade de suas decisões. E tem razão, como se
tira ao que já o afirmou esta Corte ao propósito”
(SS 3789 MC, Rel. Presidente Min. Gilmar Mendes, Decisão Proferida pelo
Min. Cezar Peluso, julgado em 17/04/2009, publicado em Dje-076,
divulgado em 24/04/2009, publicado em 27/04/2009).
Ante o exposto, faz-se possível verificar, sem maiores dificuldades, que a decisão
a quo da Exma. Sra. Desembargadora Relatora se apegou ao voto vencido, que negava ao TCU o
poder de adotar provimentos cautelares ao argumento de ser juridicamente impossível
reconduzir tal atribuição à competência de sustar execução de ato quando não atendido prazo
assinado (art. 71, inc. X, CF/88).
Em acréscimo, calha asseverar que, ao contrário do que entende a decisão a quo
vergastada, o fato de tal providência do Tribunal ter se dado em sede de processo licitatório em nada
enfraquece o quanto dito acima. Afinal, o próprio MS 24.510/DF fora impetrado por particular em
contexto de procedimento licitatório suspenso cautelarmente pelo TCU.
E se revela também absolutamente impertinente à espécie, por razões singelas, a
invocação, como o fez a decisão a quo, do MS 28.745/DF, julgado que versou sobre o procedimento
licitatório simplificado da Petrobrás S/A. A propósito, o que se observa da jurisprudência do E.
Supremo Tribunal Federal é o inequívoco compromisso que este E. Sodalício tem para com o
poder geral de cautela dos Tribunais de Contas, invariavelmente fortalecido em seus julgados;
assim atesta o recente reconhecimento da constitucionalidade de medida cautelar de
indisponibilidade de bens de gestores públicos, por parte do Colendo TCU, em razão de dano ao
erário (MS 33.092/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2º Turma, julgado em 24/03/2015).
Outrossim, o fato de a pessoa jurídica que ingressou com a Representação no
TCE/CE ter também proposto ações no âmbito do Poder Judiciário consiste, do ponto de vista da
atividade jurisdicional do TCE/CE, um elemento extrajurídico, que simplesmente não é
considerado. A análise empreendida pelo Certificado 0015/2016 é exclusivamente técnica, e
teve como parâmetro o exame em abstrato da cláusula editalícia, sob o prisma da
economicidade, do dano ao erário. Cognição, aliás, que jamais poderia ser empreendida no
âmbito do Poder Judiciário: primeiro, porque tal parâmetro de controle não pode ser adotado em
sede judicial; segundo, porque em hipótese alguma o Poder Judiciário poderia averiguar, em tese,
cláusula editalícia. Tais elementos – além de vários outros, como a impossibilidade de se antever
uma “litispendência” entre uma vara da fazenda pública e o Tribunal de Contas, que sequer integra
o Poder Judiciário – evidenciam a fragilidade da “usurpação de competência” gizada na r. decisão a
quo, data maxima concessa venia.
Conclusivamente, necessário convir que se há alguma “usurpação de
competência” tal fora levado a efeito não pelo TCE/CE, mas pela r. decisão a quo, que adentra
indevidamente no marco de competência do Tribunal de Contas do Estado do Ceará de velar pela
incolumidade do erário, e o faz de modo grave, porquanto circundada por frontal desconsideração
à jurisprudência pacífica da Corte Suprema do Brasil.
III.2. Correta compreensão da extensão dos efeitos da Resolução 1959/2016 – Plenário: não há
falar em cancelamento.
Na exordial do Mandado de Segurança Originário, o impetrante induziu o Relator
a erro, fazendo-o acreditar que a Resolução 1959/2016 – Pleno, que homologou a medida cautelar
deferida pelo Sr. Conselheiro Relator (no Despacho Singular 3134/2016), teria determinado o
cancelamento do Pregão Presencial nº 20160003 – ZPE, incorrendo assim em ilegalidade.
A Exma. Sra. Relatora parece não ter atentado a esse expediente, tanto que o
encampou:
No que atine ao perigo de ineficácia de medida, ao seu turno, resta evidente
que o cancelamento daquele certame licitatório pode comprometer a
realização das atividades-fim da Companhia Administradora da Zona de
Processamento de Exportação do Ceará – ZPE CEARÁ, que estaria
impedida de realizar contratações essenciais para o seu regular
funcionamento. Assim, tal situação reclama uma rápida tutela jurisdicional,
no intuito de não impor àquela companhia o risco de lesões graves de difícil
ou impossível reparação. (f. 149 dos autos)
Tal cenário não guarda qualquer correspondência com a realidade.
Analisando a parte dispositiva do Despacho Singular homologado, transcrito no
corpo da Resolução 1959/2016 – Pleno, constata-se:
“Defiro medida cautelar, inaudita altera pars, por entender presentes seus
requisitos autorizadores e determino:
a) ao Diretor Presidente da ZPE, Mário Lima Júnior, que, em face da
presença dos requisitos autorizadores da concessão da medida cautelar,
cancelem (sic) a realização do certame marcado para o dia 17.08.2016 e,
caso queiram dar continuidade ao certame, observem o disposto no art.
21, § 4º da Lei 8.666/93, reabrindo prazo para apresentação das propostas,
com ampla divulgação aos interessados em participar da licitação, de que
restam afastadas as cláusulas 12.1 “c” e 14.2 “b” do edital do Pregão
Presencial nº 20160003 – ZPE, até ulterior decisão desta Corte de Contas”.
Ora, o texto da decisão refere-se ao Edital e, portanto, revela-se técnica ao seguir
exatamente os mesmos termos utilizados pelo instrumento convocatório. Quando o Edital utiliza o
vocábulo “CERTAME”, ele se refere às sessões públicas do Pregão que, não esqueçamos, é
Presencial. Senão vejamos:
“6. DA DATA E HORÁRIO DO CERTAME
6.1. PRIMEIRA SESSÃO PÚBLICA: 17/08/2016, às 14h30min.”
Quando todo item “a” do Despacho acima colacionado é lido em sua inteireza,
observa-se nitidamente que o provimento cautelar do TCE/CE não cancelou o Pregão Presencial (e
nem o poderia), mas sim o desenvolvimento da sessão pública, presencial, marcada para o dia
17/08/2016: sessão que, nos termos do Edital, é designada pelo significante certame.
Ademais, se o trecho em análise realmente tivesse cancelado a licitação pública,
ficaria deveras difícil entender o porquê de o Conselheiro Relator ter conferido a opção de,
alternativamente, o gestor poder dar continuidade ao Pregão Presencial, se por ventura afastadas as
cláusulas restritivas e danosas ao erário.
Não nos assusta que tal argumentação seja levada a efeito em sede de uma petição
inicial de mandado de segurança, no contexto de uma licitação que envolve elevada materialidade.
O que nos surpreende – e em face a isso nos levantamos – é que isso sirva de fundamento para que
competências do Tribunal de Contas sejam solenemente desconsideradas.
IV – DOS PRESSUPOSTOS DA CONTRACAUTELA
O contexto enfrentado pelo Tribunal de Contas do Estado do Ceará é merecedor
de deferimento, para que, de imediato, a segurança monocraticamente concedida tenha seus efeitos
suspensos, urgentemente.
O fumus boni juris resta presente porque consignada está a lesão à ordem pública;
por dois motivos.
Primeiro, porque os fundamentos da r. decisão a quo militam em franca
oposição à jurisprudência sedimentada do E. Supremo Tribunal Federal, pelos motivos já
declinados acima e que dispensam repetição, incorrendo, seus efeitos, – nas palavras do Eminente
Ministro Celso de Mello – “em interdição ao legítimo exercício da mais expressiva função
institucional que a Constituição da República atribuiu aos Tribunais de Contas em geral”.
Com efeito, em sede de Suspensão de Segurança rogada pelo C. Tribunal de Contas do Estado do
Rio de Janeiro, que adversava decisão do C. Tribunal de Justiça fluminense que suspendeu decisão
daquela Corte de Contas que declarou a ilegalidade de Edital de concessão de serviço público, o
então Presidente do E. Supremo Tribunal Federal vislumbrou o fumus boni iuris nos seguintes
cânones:
“Essa interdição genérica, fundada na liminar mandamental em causa,
parece ofender a competência institucional do Tribunal de Contas, por
neutralizar, indevidamente, o desempenho da insuprimível atribuição
fiscalizadora que, às Cortes de Contas, assiste no sistema de direito
constitucional positivo vigente no Brasil, especialmente se se considerarem
os paradigmas ético-jurídicos que devem pautar a atuação do Poder
Público.”
(SS 1308, Rel.: Min. Celso de Mello, julgado em 09/10/1998, publicado em
DJ 19/10/1998, p. 26)
Segundo, o fumus boni iuris mostra-se evidenciado nos fundamentos constantes
no Certificado 015/2016 (em anexo), do Setor Técnico do Tribunal de Contas, que inclusive
integram a motivação da Resolução 1959/2016 – Plenário, indevidamente suspensa pela r. decisão a
quo:
“26. Conforme se observa no presente arrazoado, a representante defende
que os itens 12.1 “c” e 14.2 “b” do edital, que se referem à limitação da taxa
de administração, dentre o percentual de 1,0% e 7,0%, comprometem a
competição, por proibir que licitantes ofertem o percentual da taxa de
administração menor, nulo ou negativo, indo de encontro à jurisprudência
desta Corte de Contas e do TCU.
(...)
28. Ora, este órgão técnico entende que, se existe empresa licitante
interessada em fornecer para o Estado, comprovando que aqueles
parâmetros de referência adotados para a disputa foram estimados a maior,
podendo até se tornar nulo ou negativo, e sendo passível de ser executado, o
que torna mais vantajoso para a Administração, além, inclusive, de
fundamentar seus argumentos em jurisprudências de outras cortes, como
também, deste próprio Tribunal em decisão recente, questiona-se o porquê
de o edital ter sido elaborado com as restrições levantadas.
29. Não obstante, pelo que se depreende do art. 44, §3º, da Lei nº
8.666/1993, o qual não admite propostas com preços simbólicos, irrisórios
ou de valor zero, deduz-se que a intenção do dispositivo não era inviabilizar
a obtenção de ofertas mais vantajosas, mas sim de resguardar a
administração pública de possível prejuízo, em virtude da inviabilidade da
execução do contrato. Com efeito, a inferência deverá ser analisada em face
de cada caso concreto.
30. Corroborando o entendimento, este Tribunal de Contas, mediante a
Resolução nº 2485/2013 nos autos do Processo nº 06675/2013-2, de acordo
com o Certificado nº 0059/2013 da 7ª ICE, resolveu homologar a cautelar
que suspendeu o Pregão Eletrônico nº 20130021-SEPLAG, recomendando
às autoridades competentes que, em conformidade com a jurisprudência do
TCU, esposada no Acórdão nº 552/2008, fosse permitida a utilização de
ofertas com taxas de administração negativas, o que foi atendido e
modificado no novo edital da SEPLAG
31. No que toca ao segundo questionamento, referente à comprovação da
qualificação técnica, constante no item 13.3 do edital, a demandante afirma
que é ilegal a exigência de atestados que comprovem a prestação mínima de
serviço idêntico ao que é licitado por um período mínimo de três anos.
32. Para esse ponto, esta Gerência entende que as exigências de capacidade
técnico-operacional devem ser limitadas aos mínimos necessários que
garantam a qualificação técnica das empresas para a execução do contrato,
devendo a Administração abster-se de estabelecer exigências excessivas que
possam restringir indevidamente a competitividade dos certames,
cumprindo o que prescreve o art. 37, XXI, da Carta Magna e art. 30, II, da
Lei nº 8.666/1993, como também, conforme diversos Acórdãos da Corte de
Contas da União (p.ex. 1284/2003 e 2088/2004, ambos do Plenário), cujas
decisões consideram razoável o percentual mínimo de 50%, salvo em casos
excepcionais, que deverão ser tecnicamente justificáveis.
33. Na mesma linha, o Relator do Acórdão nº 553/2016-TCU asseverou que
a jurisprudência do TCU “vem se firmando no sentido de que, nas
contratações de serviços de terceirização (serviços contínuos prestados
mediante dedicação exclusiva da mão de obra), os atestados de capacidade
técnica devem, em regra, comprovar a habilidade da licitante na gestão de
mão de obra, a exemplo dos Acórdãos 1.443/2014-TCU-Plenário e
744/2015-TCU- 2ª Câmara”, e prosseguiu: verifica-se que pelo menos um
dos atestados apresentados pela representante – o atestado emitido pelo
Serviço de Limpeza Urbana do Governo do Distrito Federal, acompanhado
de cópia do contrato firmado e de seus aditivos – atenderia, em princípio,
aos requisitos de qualificação técnica, tendo em vista demonstrar capacidade
da licitante na gestão de mão de obra no quantitativo mínimo exigido –
trinta postos, conforme item 8.6.3 do edital – e pelo período mínimo exigido
– três anos, conforme item 8.6.2. [Informativo de Licitações e Contratos nº
277 – TCU]
34. No caso em tela, observa-se que a comprovação através de atestados que
a licitante executou contrato com o mínimo de 67 (sessenta e sete) postos
para o lote 01, 68 (sessenta e oito) postos para o lote 02 e 20 (vinte) postos
para o lote 3, equivalem à 50%, 49,63% e 55,55%, respectivamente, do total
de postos a ser contratado, o que, nesta peça vestibular, mostra-se razoável.
35. Dito isto, este órgão instrutivo entende presente a fumaça do bom
direito, sendo caracterizada pela irregularidade citada acima, nos itens
12.1 “c” e 14.2 “b” do edital, a qual pode restringir a competitividade
do certame e, por conseguinte, não gerar economia para a
Administração Pública.”
Por seu turno, o periculum in mora afigura-se palpável quando se considera que a
referida decisão interlocutória a quo levantou qualquer óbice a que seja realizada a sessão pública
do Pregão Presencial (ou “certame”, nos termos do Edital), que pode ser levada a cabo nos
próximos dias (embora a nova data ainda não tenha sido marcada pelo Pregoeiro). E pelos motivos
acima declinados, caso a mesma ocorra com o estabelecimento de um “piso” para a taxa de
administração, o dano ao erário restará inequívoco. Donde o risco de lesão à ordem econômica
pública.
Nesse quadro, entendemos que o caso reclama a adoção de medida contracautelar
inaudita altera parte, porquanto preenchidos os pressupostos legais.
V – DO PEDIDO
Isto posto, presentes os requisitos legais para o cabimento do presente incidente
processual, bem como evidenciada a ameaça de grave lesão à ordem e economia públicas, requer-se
a Vossa Excelência:
1. O deferimento para suspender, inaudita altera parte inclusive, os efeitos da
segurança concedida pela r. decisão interlocutória monocrática de lavra da Exma.
Sra. Relatora do Processo 0625999-05.2016.8.06.0000, do C. Tribunal de Justiça
do Estado do Ceará.
2. A declaração de que os efeitos da suspensão deferida perdurarão até o trânsito
em julgado da ação mandamental.
3. Por fim, que as publicações sejam feitas em nome de ambos os causídicos,
Paulo Sávio Nogueira Peixoto Maia e Geraldo Pinheiro Silva Neto (art. 272, §5º,
CPC).
Nestes Termos,
Espera Deferimento.
Fortaleza/CE, 1º de setembro de 2016.
Conselheiro Edilberto Carlos Pontes Lima
PRESIDENTE
Tribunal de Contas do Estado do Ceará
Assistido por:
Paulo Sávio Nogueira Peixoto Maia
PROCURADOR-GERAL
Procuradoria Jurídica do TCE/CE
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