fábio guedes de paula machado - culpabilidade no direito penal - ano 2010.pdf
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8/10/2019 Fábio Guedes de Paula Machado - Culpabilidade no Direito Penal - Ano 2010.pdf
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CULPABILIDADE NO
D ir e it o P e n a l
Q u a r t ie r l a t in
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“A Q u a r t i e r L a t i n teve o mérito de dar início a uma novafase, na apresentação gráfica dos livros jurídicos, quebrando afrieza das capas neutras e trocando-as por edições artísticas.Seu pioneirismo impactou de tal forma o setor, que inúmerasEditoras seguiram seu modelo.”
Iv e s G a n d r a d a S i l v a M a r t i n s
Editora Quartier Latin do Brasil
Empresa Brasileira, fundada em 20 de novembro de 2001
Rua Santo Amaro, 316- CEP 01315-000
Vendas: Fone (11) 3101-5780
Email:quarderladn@quamerladn.art.br Site: www.quartierladn.art.br
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o
Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais desde 1989, com atuação emUberlândia desde 1991 até a presente data. Professor Adjunto IV, de DireitoPenal e Direito Processual Penal da Universidade Federal de Uberlândia, comingresso na instituição em agosto de 1992. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Uberlândia, dezembro de 1991. Especialistaem Direito Administrativo pelas Faculdades Integradas do Triângulo, 1995.
Mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP, 1998. Pós-graduado em DireitoPenal - parte geral, pela Universidad de Salamanca, Espanha, 2000. Investigador científico no Max-Planck Instituífür auslãndisches undInternational Strafrecht,
Alemanha, 2000. Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito do LargoSão Franciso, da Universidade de São Paulo, 2002. Professor do programa demestrado em Direito da Universidade de Itaúna desde 2006. Orientador do
programa de mestrado em Direito Público da Universidade Federal de Uberlândia, 2009. Autor de diversos artigos publicados na Revista dos Tribunais e na Rev ista Brasileira de Ciências Criminais. Autor do livro Prescrição Penal - PrescriçãoFuncionalista, publicado pela editora Revista dos Tribunais, em 2000.
C u l pa b il id a d e
n o D i r e i t o P e n a l
Editora Quartier Latin do BrasilSão Paulo, verão de 2010
quartierlatin@quartierlatin.art.br www.quartierlatin.art.br
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EDITO RA Q UA RTIER LATIN D O BRASIL
Rua Santo Am aro, 3 16 - Centro - São Paulo Contato: quartierlatin@quartierlatin. art.br
www. quartierlatin. art. br
Coordenação editorial: Vinicius Vieira
Diagramação: José Ubiratan Ferraz Bueno
Revisão gramatical: Tarsila Nascimento Marchetti
Capa: Miro Issamu Sawada
Machado, Fábio Guedes de Paula —A Culpabilidade no Direito
Penal Contemporâneo - São Paulo: Quartier Latin, 2010.
ISBN 85-7674-442-2
1. Direito Penal. I. Título
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil: Direito Penal
TO D OS OS DIR EITO S RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial,por qualquer meio ou processo, especialmente
por sistemas gráficos, microfilnücos, fotográficos, reprográficos, fonográficos,videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperaçãototal ou pardal, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibiçõesaplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184e parágrafos do Código Penal), com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610,de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
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S u m á r io
Abreviaturas....................................................................................................17
A Título de Prefácio........................... ...........................................................19
Introdução...................................................................................................... 21
Ca p ít u l o 1
A importância da dogmática penal
para a evolução da culpabilidade, 29
C apítulo 2O surgimento da culpabilidade, 35
2.1 A culpabilidade na antiga Grécia.........................................................35
2.2 A culpabilidade na antiga R om a..........................................................35
2.3 A culpabilidade no Direito Canônico .................................................36
2.4 Culpa moral e culpa ju rídica................................................................ 37
2.5 A culpabilidade no Direito Germânico ............................................... 38
Capítulo 3
Desenvolvimento epistemológico da culpabilidade, 41
3.1 O positivismo naturalista.......................................................................42
3.1.1 Concepção psicológica da culpabilidade.....................................45
3.1.1.1 A teoria de von L isz t....................................... .......................47
3.1.1.2 Críticas à teoria de von Liszt.................................................48
3.1.2 Críticas à concepção psicológica...................................................49
3.2 O positivismo normativista....................................................................51
3.2.1 Teorias normativas da culpabilidade................ ...........................533.2.1.1 A concepção normativa de Frank...........................................56
3.2.1.1.1 Críticas à concepção normativa de Frank ......................59
3.2.1.2 O normativismo puro de Goldschmidt ................................59
3.2.1.2.1 Críticas à concepção normativa pura de Goldschmidt ....61
3.2.1.3 A culpabilidade de autor de Freudenthal.............................62
3.2.1.3.1 Críticas à culpabilidade de autor de Freudenthal.......64
3.2.1.4 A culpabilidade normativa de Mezger .................................64
3.2.1.4.1 Críticas à concepção de culpabilidade de M ezger......673.2.2 A culpabilidade pré-finalista.........................................................69
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3.2.2.1 A concepção de Graf zu Dohna ............................................69
3.2.2.2 A concepção de Helmuth von W eber .................................. 71
3.3 O finalismo............................................................................................. 71
3.3.1 A estrutura da culpabilidade de Hans Welzel ............................75
3.3.1.1 O livre-arbítrio finalista..........................................................78
3.3.2 Críticas à culpabilidade finalista.................................................. 81
3.4 A culpabilidade dos discípulos de Welze l....................................... 83
3.4.1 A culpabilidade como atitude interna
juridicamente desaprovada................................................................. 843.4.1.1 Críticas às teorias de Gallas, Jescheck e Schmidtháuser ....88
3.4.2 A estrutura da culpabilidade de Reinhart Maurach ................90
3.4.2.1 Críticas à atribuibilidade .....................................................91
3.5 A crise da teoria normativa.................................................................92
Ca p ít u l o 4
O Direito Penal contemporâneo e a culpabilidade, 99
4.1 Revisitando o sistema neoclássico e a sua culpabilidade................. 100
4.2 Revisitando o finalismo e a sua culpabilidade..................................101
4.3 O funcionalismo..................................................................................104
4.4 Teorias contemporâneas informadoras do
conteúdo material da culpabilidade.....................................................1114.4.1 A teoria do poder de agir diferente, ou poder médio,
ou da teoria social da culpabilidade................................................. 111
4.4.2 As teorias da motivação.............................................................. 113
4.4.3 Culpabilidade pelo próprio caráter...........................................116
4.4.3.1 Críticas à culpabilidade pelo próprio caráter.....................118
4.5 As relações da culpabilidade com as teorias da pena.......................1184.5.1 A substituição do conceito de culpabilidade pela
perspectiva da prevenção geral - O modelo output........................124
4.5.2 A prevenção geral positiva como conteúdo
da imputação subjetiva.......................................................................127
4.6 O funcionalismo de Roxin ................................................................ 127
4.6.1 Críticas ao funcionalismo roxiniano..........................................130
4.6.2 A culpabilidade em Claus Roxin..............................................131
4.6.2.1 A teoria dos fins da pena.................................................... 1384.6.2.2 Críticas à culpabilidade roxiniana...................................... 143
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4.7 O funcionalismo de Jakobs ................................................................... 144
4.7.1 Críticas ao funcionalismo normativo............................................148
4.7.2 A culpabilidade em Jakobs............................................................ 1514.7.2.1 Críticas à teoria da culpabilidade de Jakobs........................ 158
4.7.3 A culpabilidade comunitária .........................................................163
4.7.3.1 Críticas à culpabilidade comunitária .................................... 165
4.8 O conteúdo material da culpabilidade dado a partir dascontribuições da filosofia contemporânea..............................................166
4.8.1 A construção de Habermas e Klaus Günther.
A teoria do Discurso.............................................................................167
4.8.1.1 Críticas à teoria da pessoa deliberativa..................................170
4.8.2 A teoria da Justiça de Rawls..........................................................171
4.8.2.1 Críticas a Hawls.......................................................................172
4.9 A culpabilidade em Gimbernat Ord eig ..............................................173
4.9.1 Críticas à concepção de Gimbernat Ordeig................................176
4.10 A culpabilidade em Munoz Conde ................. ................................ 178
4.10.1 Críticas à concepção de culpabilidade de Munoz Conde .... 180
4.11 A culpabilidade em Mir Puig............................................................1814.11.1 Críticas à concepção de Mir Puig..............................................185
4.12 A culpabilidade em Zaffaroni. A vulnerabilidade
e a co-culpabilidade...................................................................................186
4.12.1 Críticas à culpabilidade de Zaffaroni........................................191
4.13 A culpabilidade em Bustos Ramírez.................................................193
4.13.1 Críticas à teoria de Bustos Ramírez.......................................... 196
4.14 Críticas gerais ao funcionalismo.........................................................198
Ca pít u l o 5
O Direito Penal brasileiro e o princípio da culpabilidade, 201
5.1 A doutrina e as codificações anteriores a 1984 ................................. 202
5.2 O princípio da culpabilidade no Código de 1984 e na
Constituição Federal de 1988.................................................................203
5.3 A doutrina brasileira contemporânea acerca da culpabilidade........211
5.4 A função e a verificação da culpabilidade nosistema penal brasileiro.............................................................................213
5.4.1 A construção dogmática brasileira...............................................217
5.4.2 A estrutura da culpabilidade........................................................ 225
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5.4.2.1. A capacidade de culpabilidade..............................................226
5.4.2.I.I. A actio libera in causa............................................. ;•.....228
5.4.2.2 A consciência do injusto ................................................ .....230
5.5. As causas excludentes da culpabilidade........................................... ...2315.5.1. A ausência de imputabilidade.......................................... ........232
5.5.2. O erro ......................................................................... ................... 2325.5.3. A coação moral irresistívelea obediência hierárquica................234
5.5.4. O motivo de consciência..............................................................235
5.5.5 A desobediência Civil....................................................................237
5.5.6 O conflito de dever..........................................................................238
5.5.7 O estado de necessidade e a legítimadefesa exculpantes.............2395.6 A culpabilidade integra o conceito dedelito?....... .............................243
5.7 Culpabilidade e pena mínima .............................................................. 247
5.8 Culpabilidade e o Juizado Especial Criminal.....................................249
5.9 Aplicabilidade da nova doutrina.......................................................2575.9.1 O ensino jurídico............................................................................ 257
5.9.2 Problemas de política criminal......................................................258
5.10 A redução da idade penal....................................................................261
5.11 Culpabilidade e responsabilidade penalda pessoa juríd ica..............263
5.11.1 Fundamentos político-criminais da responsabilização
penal da pessoa jurídica,........................................................................264
5.11.2 Fundamentação dogmática contrária à responsabilidade
penal da pessoa jurídica.........................................................................268
5.11.3 Fundamentação dogmática da responsabilidade
penal da pessoa jurídica......................................................................... 271
5.11.3.1 O modelo jurídico-penal de imputação penal à pessoa juríd ica.....................................................................................277
5.11.4. Questões em torno da culpabilidade.........................................282
5.11.5 Questões em torno da pena......................................................... 286
C apítulo 6
O processo penal funcionalista, 291
6.1 As relações entre o direito material e o direito processual.
O processo penal funcionalista................................................................ 292
6.2. E possível compatibilizar o processo penal garantista
com um processo penal funcionalista?...................................................294
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6.3 A nova face do processo penal.............................................................2966.4 A verificação da culpabilidade e da teoria dos fins
da pena no processo penal........................................................................301
6.5 A determinação da pena.......................................................................306
Conclusão......................................................................................................319
Bibliografia....................................................................................................325
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Ao Senhor Professor Dr. Antonio Luís ChavesCamargo, in memorian, Titular de Direito Penal da Faculdade de Direito do Largo São Francisco,
Aos Senhores Professores Doutores e Catedráticos PeterHünerfeld e Albin Eser da Universidade de Breiburg im
Breisgau, e Kai Ambos da Universidade de Giessen,
Ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais,
Ao M ax -Plan ck -Inst i tu t für auslándisches undInternational Strafrecht,
e à Faculdade de Direito da Universidade Federal deUberlândia,
pelas valiosas contribuições prestadas sem as quais seriaimpossível confeccionar as investigações científicas e a própria tese de doutoramento.
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A b r ev i a t u r a s
AP - Actualidad Penal ADPCP - Anuário de Derecho Penal y Ciendas Penales
Boi. IBCCRIM - Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
CPC - Cuadernos de Política Criminal
D P - Doctrina Penal
N D P - Nueva Doctrina Penal
NPP - Nuevo Pensamiento Penal
RBCCRIM - Revista Brasileira de Ciências Criminais
RCP - Revista de Ciências Penales
RDPC - Revista de Derecho Penal y Ciiminologia
RIACP - Revista Ibero-Americana de Ciências Penais
RIDPP - Revista Italiana di Diritto e Procedura Penale
RJ - Revista Jurídica
R P - Revista Penal
RPCP - Revista Peruana de Ciências Penales
Z S tW - Zeitschrift fíir die Gesamte strafrechtswissenschaft
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A T í t u l o d e P r e f á c i o
O convite para a elaboração de um prefácio é, mormente, acompanhado
de inicial felicidade e alegria. Este, contudo, não é o presente caso. Além denão ser, o autor destas linhas prefaciais, o real merecedor do encargo que lhefoi submetido, isso acabou por ocorrer em virtude, de tristeza. Destinava-se,
tal papel, ao caríssimo Professor Titular Antonio Luis Chaves Camargo. Tendo em vista seu passamento em junho último, contudo, o hoje Professor Dou
tor Fábio Guedes de Paula Machado estendeu à minha pessoa tal missão,
que, de pronto, ainda que com dor, foi aceita.
Observe, o leitor, que nenhuma outra razão existe para tal designação afora aamizade que nos une —a mim e a Fábio —de há tantos anos. Alunos fomos ambos
do Professor Chaves Camargo. Com ele, aprendemos e nos inquietamos. Por in
termédio dele, dirigimo-nos ao Velho Mundo em busca de pesquisas comple
mentares à nossa formação. Por ele, enfim, a tristeza da missão posta traduz-se em
orgulho do amigo, por tão brilhante conquista vertida agora em obra comercial
dada ao grande público e em felicidade reflexa da que teria sentido seu orientador.
O autor, conhecido penalista, é Promotor de Justiça do Ministério Pú
blico do Estado de Minas Gerais. Mestre pela Faculdade de Direito da Pon
tifícia Universidade Católica de São Paulo e Doutor em Direito Penal pela
Universidade de São Paulo, é pesquisador ilustre. Participante de cursos no
Brasil e no estrangeiro, investigador no Max-Planck-Instituts fü r auslãndisches
und internationales Strafrecht (Freiburg i. Br.), e palestrante disputado, tem
abordado, ao longo de sua vida científica, e com maestria, os mais diversos
temas da inquietação dogmática contemporânea. Não sem razão, o Professor
Chaves Camargo o tinha entre seus “pupilos” preferidos, havendo poucas coisas de seu maior agrado do que freqüentar a Cidade de Uberlândia, em Minas
Gerais, sempre a convite de Fábio Guedes de Paula Machado.
Fruto de trabalho doutorai, o livro que se descortina ao leitor é prova do
amadurecido pensar do autor. Tendo defendido sua tese em 2002, sempre via-se
cobrado quanto à publicação da mesma. De pronto, afirmava que não se encon
trava ela ainda pronta para publicação, carecendo, quase que eternamente, de maiores
adendos. Isso evidencia, em verdade, o apurado preciosismo de Fábio Guedes.Perfeccionista, nunca exigiu menos que o melhor. E diga-se, não só em sede penal.
De todo modo, cuida, com esmero, da função da culpabilidade no Direi
to Penal contemporâneo. Para tanto, além de avaliar a importância da dogmá
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tica penal para a evolução do conceito de culpabilidade, procura a tudo visu
alizar, tratando desde a antiguidade clássica, até, mesmo* as concepções psico
lógicas, normativas, finalistas e fimcionalistas. Minudente ao extremo, Fábio
Guedes não se satisfaz com a aprofundada tradução de teorias. Procura, sim,utilizar-se destas em âmbito nacional, trazendo considerações sobre o princí
pio da culpabilidade no sistema penal brasileiro. Para tanto, preocupa-se des
de a fixação da pena até a aplicabilidade da nova doutrina. Divaga, como já
fazia seu orientador, mesmo sobre a questão do ensino jurídico, chegando até
a complexa questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Recordando-se da colocação de Schünemann quanto à problematicidade da
dogmática do Direito Penal moderno, estranha aos não-iniciados, incompreensível aos alunos e aparentemente supérflua aos penalistas, é de se dizer que a leitura
do presente trabalho tudo esclarece, tomando a ciência penal - fascinante por
natureza —ainda mais sedutora. Preocupantemente, o Direito Penal nacional tem
sido, ao longo de muitos anos, maltratado e afastado de discussões atuais. Não
raro, diz-se que ele posta-se tantos e tantos anos atrás do temário internacional.
Isso, tristememente, é verdade inescondível.
A culpabilidade, recorde-se, até pouco tempo atrás ainda era vista, no Brasil, unicamente sob condições herméticas. A própria estruturação da teoria do
delito só recentemente conheceu pensamento mais coadunado com as contem
porâneas discussões. Enclausurado na América e encastelado na sua própria
língua, difícil foi a conquista de terreno científico. Felizmente, de anos a esta
parte, a evolução tem sido bastante significativa. E um dos maiores e mais em
blemáticos exemplos disso é vivificado em Fábio Guedes de Paula Machado.
Ao leitor, convida-se para o estudo tão envolvente da culpabilidade. Quiçá,dessa forma, novas frentes se abrirão ao caminhar penal nacional. Ao autor -
mais que amigo —os parabéns de sempre. Agora não só por ter desempenhado
tão significativo papel, mas, também, por, mais uma vez, e com brilhantismo
invulgar, orgulhar aos seus, ao seu orientador, aos amigos, e à torcida calada.
R e n a t o d e M e l l o Jo r g e S i l v e i r a
Professor Associado do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
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I n t r o d u ç ã o
“O amor à humanidade, à sabedoria, conhecendo a realidade e suas cau
sas, e a virtude como a prática do bem, tem aqui, segundo a admirável concep
ção de Piero Ellero, os grandes motivos pelos quais o penalista realiza sua obrade civilização e progresso.
A reflexão e a experiência provam que a humanidade tem estes mesmos
ideais e os traduz em fatos no decurso dos séculos, de tal sorte que pode
afirmar-se com Mancini, que a verdade e a justiça são eternas e lhes estão
reservados o império do mundo.
Sendo isto exato, é preciso, contudo, atender ao desenvolvimento que
tiveram a verdade e a justiça penal, e quão trabalhosamente recorreram aocaminho do progresso através das gerações.”1
A humanidade das considerações retrata fielmente a importância e perfil
que o tema culpabilidade tem para o Direito Penal, razão pela qual Luis Jímenez
de Asúa afirmou que “o Direito Penal selou seu destino na inseparável compa
nhia da culpabilidade”2, mas não só ao Direito Penal interessa o tema, relacio-
nando-se também com a Teologia, a Filosofia, a Moral, enfim, a todas as dências
humanistas, notadamente no momento atual, em que o discurso de lei e ordem
ganha proporções consideráveis na sociedade brasileira e, também, na sociedademundial. Do gradativo aumento da criminalidade e de sua repulsa por parte da
sociedade e do Estado, traduzido pelo embrutecimento do regime penal em
desprestígio das garantias fundamentais do homem esculpidas em diversas cartas
e tratados internacionais, em particular na Constituição brasileira, aumenta a
nossa responsabilidade na apreciação deste tema.
O princípio da culpabilidade, “nullum crimen sine culpa”, enunciado no
século XIX, marco do pensamento liberal iluminista caracterizava-se, à época,
como princípio derivado da legalidade. Desde então é visto como garantiafundamental do homem, declamada pela impossibilidade de alguém ser con
denado sem ser culpável. Portanto, tem a finalidade de excluir a responsabili
dade objetiva e a responsabilidade pelo fato cometido por “outros”, de maneira
a garantir a subjetivação e a individualização da responsabilidade penal.
1 VALDÉS RUBIO, D. José Maria. Derecho Penal su filosofia, historia, legislación y jurisprudência,
p. 5-6.2 Tratado de derecho penal, vol. V, p. 38.
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F á b i o G u ed e s d e P a u l a M a c h a d o - 23
culpabilidade dá pé a tantas associações incertas que ninguém se encantaria emver esta palavra fora da discussão jurídico-penal”5.
Dentre as várias funções atribuídas à culpabilidade, distinguem-se a função de subjetivação da responsabilidade, afastando-se a responsabilidade objeti
va, vinculando em seu lugar a imposição da pena à causação culpável do resultado,graduando-se a pena em função da forma de vinculação subjetiva do autor com
o resultado; a função de fundamentação dogmática da pena; a função de limitedo poder punitivo estatal na medição da pena; a função de crítica e interpreta
ção do Direito positivo etc6. Entre nós, e no âmbito constitucional-processual, o
princípio da não-culpabilidade consagra uma regra de tratamento que impede
o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado,ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definiti
vamente por sentença do Poder Judiciário7.
De um contexto formal, quase unânime, em que a culpabilidade é a reprova
ção de uma ação típica e antijurídica, destacam-se os elementos que, num sistema
jurídico, estimam-se precisos para a sua afirmação, isto é, o reconhecimento da
possibilidade de imputação do fato antijurídico ao autor, sendo, pois, necessário se
compreender a ratio essendi desta reprovação, em razão de que, no seu conceitoformal, não é indicado o fundamento desta reprovabilidade. Ou seja: por que se
reprova o sujeito pela realização de uma ação típica e antijurídica? Ou o que é
censurável? E neste contexto que surge o conceito material de culpabilidade8,
diversificando-se a partir da concepção metodológica de Direito Penal empregada.
A partir de então, no afã de se buscar o melhor conceito material de
culpabilidade que justificasse, individualmente, a atribuição de um fato penal
a uma pessoa, em consonância com critérios de racionalidade e que mais se
aproximasse do talvez utópico conceito de justiça do ser humano e de suascircunstâncias, diversas teorias acerca da culpabilidade (Culpahaftung) foram
formuladas. Muitas, aliás, vencidas ou ultrapassadas, até porque nenhuma
dessas foi capaz de resistir às críticas9, isto até alcançarmos a constatação de
5 Derecho penal, p. 116.
6 PEREZ MANZANO, Mercedes. Culpabílidad y prevención: Las teoriasde Ia prevención general
positiva en Ja fundamentación de Ia imputación subjetiva y de Ia pena, p. 57.7 STF, HC nfi 80.719-41SP, rel. Min. Celso de Mello, D /28.09.2001.8 CEREZO MIR, José. Derecho Penal - parte general (Lecciones 26-40), p. 18.9 TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal, p. 53.
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24 - P r o c u r a ç ã o , m a n d a t o e r e p r e s e n t a ç ã o
que grande parte da doutrina entende que o conceito tradicional de culpabilidade está em crise10.
Entre outros argumentos, destaca-se o de que ela está alicerçada no in-
demonstrável, seja na concepção neokantiana do poder agir de outra maneira,a partir desta constatação por um homem médio, ou na vertente finalista, do
poder de agir conforme o direito, sustentada na liberdade. Destes embates,surgem alternativas como a substituição do conceito tradicional de culpabilidade por outro. Por outras palavras, o vínculo da imposição de pena à causação
dolosa ou culposa não depende da culpabilidade, porque os elementos subje
tivos se encontram no tipo de injusto.
Acerca dessa crise, é importante ressaltar que ela não se refere aos elementos constitutivos da culpabilidade, mas sim ao seu próprio fundamento11.
Como alternativa para a superação dessa problemática, busca parte dadoutrina fundamentar a imputação subjetiva em princípios alheios ao da cul pabilidade, v.g., nas necessidades preventivas de pena. Ou, para negar que a
culpabilidade possa servir de limite da medida da pena, para em seu lugarfuncionar o princípio da proporcionalidade. Enfim, questiona-se até que ponto
a existência do Direito Penal depende do princípio da culpabilidade ou qual
o seu papel na dogmática jurídico-penal12, ainda mais se se considerar que
10 HASSEMER, Winfried. Alternativas al principio de culpabilidad. CPC, na 18, p. 473, e ZULGADÍA ESPINAR, Augustín. Acerca de Ia evolución del concepto de culpabilidade. Libro homenaje al Prof. J. Anton Oneca, p. 565, entre outros. Com posicionamento diverso, aponta jorge Figueiredo Dias, como razão da crítica a rescisão da culpabilidade com a pena retributiva e o desaparecimento do momento ético da culpabilidade. Culpa y responsabilidad. Para uma reconstrución ético-juridica del concepto de culpabilidad en derecho penal, CPC, ns 31, p. 6. Em suma, os autores que atestam a crise do fundamento material da culpabilidade alegam que esta é derivada
da falta de base empírica, acarretando uma crise de suas funções, alcançando conceitos como o da prevenção geral de intimidação, a especial da ressocialização, as próprias relações entre culpabilidade e prevenção, até atingir a própria fundamentação do Direito Penal, conforme será exposto ao longo deste trabalho. No Brasil, Antonio Luís Chaves Camargo atenta para esta problemática, asseverando no sentido de se buscar uma justificativa para a culpa penal, Culpa-bilidade e reprovação penal, pp. 78 a 81 e 87. Mais recentemente, Sérgio Salomão Schecaira, ao analisar a questão, afirma que o parâmetro para a aplicação da pena é delimitado pelo princípio da culpabilidade, e que esta só pode ser aplicada a partir da comprovação do dissenso social, sob a ótica da relevância pública e para a reafirmação dos princípios de convivência existentes na sociedade atual. Penas alternativas, Penas restritivas de direitos, p. 170, e, ainda, Juarez Cirino dos Santos, A moderna teoria do fato punível, 4a ed, p. 200. Em sentido contrário e favorável à culpabilidade expiatória, manifesta-se Jürgen Baumann, Culpabilidad y expiación, son el mayor problema del derecho penal actual? NPP, v. 1, p. 25.
11 PENARANDA RAMOS, Enrique, SUÁRES GONZÂLEZ, Carlos e CANCIO MELIÁ, Manuel. Un nuevo sistema del derecho penal. Consideraciones sobre Ia teoria de Ia imputación de Günther Jakobs, p. 84.
12 GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. Tiene un futuro Ia dogmática juridicopenal? Estúdios de derecho penal, p. 142.
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E s t e v a n Lo R é P o u s a d a - 25
tradicionalmente a explicação das funções de legitimação e fundamentação da
pena e da responsabilidade individual tenham girado em tomo do conceito e
princípio da culpabilidade.
Porém, o que mais impressiona é que, mesmo após um frutífero século tertranscorrido e nele haver sido constatado grandes avanços dogmáticos, até hoje o
tema culpabilidade não está pacificado, daí a pertinente afirmação de Torío
López de que “a teoria da culpabilidade se nutrirá sempre de contrastes e anta
gonismos insuperáveis e o que teoricamente deve se superar são as equivocidades
e mal-entendidos próprios da discussão contemporânea”13, razão pela qual, na
tentativa de mostrar as suas tendências, mister que seja a culpabilidade aborda
da nos seus principais fundamentos epistemológicos e demonstrada sua com
preensão e posição nas diversas fases do desenvolvimento da ciência jurídico-penal.
Deste relato, portanto, percebe-se que as discussões em torno da idéia de
culpabilidade, notadamente no seu aspecto material, nunca foram interrom
pidas, especificamente em torno dos problemas metajurídicos, como a liber
dade de vontade —indeterminismo ou determinismo —, culpabilidade pelo
caráter ou pelo fato, expiação, retribuição e, mais recentemente, em torno da
dignidade humana.
De outro lado, uma questão nova surgiu a partir de reflexões práticas. Ea que trata da importância da culpabilidade para a determinação da pena, eis
que a culpabilidade não é apenas analisada na teoria do delito, mas também
no que se refere à determinação da pena, aqui vista como independente da
culpabilidade. Desta progressão, afirma-se que a análise da culpabilidade se
inicia a partir dos fenômenos metajurídicos, alcançando o moderno tema da
necessidade de prevenção pelos fins da pena e mais, por não existir na dogmá
tica moderna uma concepção unitária sobre o tema serão analisadas, ao longo
do trabalho, algumas das mais importantes construções, notadamente as desenvolvidas pelos autores espanhóis e alemães, em razão de se deterem mais
detalhadamente sobre a questão.
Por tais considerações de conflito dogmático, sendo até aqui imprescin
dível o Direito Penal e a pena, esta reconhecida como um meio necessário e
terrível de política social, corroborado ainda pelo aumento e diversidade da
13 TORÍO LÓPEZ, Ángel. Indicaciones metódicas sobre el concepto material de culpabilidade. CPC, nQ30, p. 760.
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26 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e i t o P e n a l
criminalidade, é que somos obrigados a conviver com o Direito Penal, daí
resultando que a dogmática jurídico-penal tem futuro14, razão que, por si só,
já justifica a confecção deste trabalho.Portanto, se já não fossem bastantes os problemas em torno da culpabi
lidade em nível de direito material, inserindo-se aqui as polêmicas em torno
da concepção de Direito Penal do fato ou do autor, ou sobre o seu conceito
dogmático-sistemático, ou sobre o conceito de culpabilidade na medição da
pena e sobre o conceito de culpabilidade na teoria da pena e sua relação com
a medida de segurança, há ainda o conceito constitucional-processual de cul
pabilidade. Este reúne questões em torno do princípio da presunção de ino
cência e das prisões cautelares, tal como apontado acima a partir de aresto doSupremo Tribunal Federal.
Ainda sobre esse embate, sistematiza Achenbach a questão em três ní
veis de discussão para melhor compreendê-las:
Io nível) A idéia de culpabilidade se desenvolve no princípio constitu
cional “não há pena sem culpabilidade”. Neste, a culpabilidade é concebida
como fenômeno, fundamento e limite do poder penal estatal, sendo aqui
analisadas as questões em torno da liberdade de vontade, da culpabilidade pelo fato ou pelo caráter, a partir de princípios filosóficos, antropológicos e
sociológicos, enfim, o porquê da pena.
2o nível) A culpabilidade como fundamento da pena é a categoria dog
mática, e aqui se discute se dolo e culpa são tipos ou formas de culpabilidade
e as questões em torno do erro de proibição.
3o nível) Neste nível aborda-se a culpabilidade como medida da pena,
em especial referência ao momento de sua aplicação no caso concreto, discu
tindo se o fato doloso contém maior culpabilidade do que o culposo, ou se o
desvalor da ação e do resultado têm significação para a culpabilidade, ou,
ainda, se a gravidade da culpabilidade depende de fatores que não tenham
relação direta com o fato15.
14 GIMBERNAT ORDÉIG, E. Tiene un futuro Ia dogmática juridicopenal? Estúdios de derecho penal, p. 160.
15 ACHENBACH, Hans. Historische und dogmatische Crundíagen der strafrechtssystematischen Schuldlehre, p. 9 e 19.
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Pelo destaque acima realizado, percebe-se que Achenbach não defende
um conceito uno de culpabilidade. Ao invés, estabelece pontos conflitantes
nas três acepções citadas que impedem o reconhecimento da unidade, figurando, como razão, a independência das concepções sobre a idéia de culpabi
lidade frente aos seus elementos16, pois se a idéia de culpabilidade remete ao
que ela deve ser, o seu conceito remete ao que ela é na aplicação do Direito.
Esta idéia se refere à assertiva de que para Achenbach, as construções sobre a
idéia de culpabilidade são só projetos do seu conceito e não podem se confun
dir com a culpabilidade enquanto parte da lei penal relativa ao exercício do
poder estatal baseado nos direitos fundamentais17.
Também quanto à distinção da culpabilidade enquanto fundamento e
medida da pena, igualmente não há coincidência, ao contrário, há diferença
entre ambas, em razão de que na medição da pena, o juiz leva em consideração
a gravidade do injusto e não propriamente a culpabilidade em si18.
Ainda que concordemos com a separação do conceito de culpabilidade,
mormente porque nem tudo que fundamenta a pena igualmente a limita,
tem-se que na concepção tradicional, a culpabilidade como fundamento da
pena, trata da questão de verificar se o autor pode ser reprovado, consideradoculpado na forma legal por ter praticado determinado injusto típico. Já na
culpabilidade como medida da pena, trata-se de estabelecer a quantificação
desta na sentença, valendo-se de um complexo de informações extraídas do
fato e do agente. De qualquer forma, não se pode negar a existência do debate
em torno da questão, merecendo aceitação a concepção que melhor se adequar
metodologicamente com a forma de Estado existente19.
Em síntese, o vocábulo culpabilidade contém pelo menos três significados: 1 - “Culpabilidade” como fundamento do princípio de culpabilidade
enunciado sob o aforismo latino “nulla poena sine culpa"\ 2 —“Culpabilidade”
16 Ressalte-se aqui o árduo debate estabelecido entre os causalistas e finalistas em torno daculpabilidade.
17 Op. cit., p. 9-10.18 ACHENBACH. Historísche und dogmatische Grundlagen der strafrechtssystematischenSchuldlehre, p. 11.
19 No artigo "O desenvolvimento metodológico do Direito Penal", sustentei que a interpretaçãofuncional do Direito positivo deve ser sempre uma interpretação constitucional, isto é, deve-se partir metodologicamente da existência de um sistema político e social. Boi. IBCCRIM, n9 79, p. 3.
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28 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o P e n a l
como elemento dogmático do delito; e 3 - “Culpabilidade” como elemento
legitimador da pena e do jus puniendi.
Destes significados, pode-se desde logo concluir que distintas são as fun
ções, daí derivando importantes conseqüências. Frente a essa constatação, buscar-se-á, ao longo deste trabalho, evidenciar o desenvolvimento da culpabilidade
dentro do sistema de Direito Penal, destacando-se alguns dos principais auto
res que discorreram sobre o tema, levando-se em consideração, primordial
mente, o respeito à metodologia do Direito Penal para, ao final, se apontar um
modelo que possa ser observado pelo Direito Penal brasileiro. Evidentemente,
respeitando a sua grande diversidade cultural e social, sem nunca olvidar de
estabelecê-lo a partir da obediência irrestrita ao sistema constitucional, mormente ao princípio da dignidade da pessoa humana20.
Em conclusão, é correto afirmar que, estabelecer em que medida o prin
cípio da culpabilidade pode cumprir as suas funções, depende de como se
determina o seu conceito material. Este, o escopo final deste trabalho.
20 Afirma Higuera Guimera que a dignidade da pessoa humana é o fundamento da ordem política e da paz social, sendo o princípio da culpabilidade a exigência do respeito à dignidade da pessoa. La culpabilidad y el proyecto genoma humano. AP, ne 42, p. 763.
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F á b io G u ed e s d e Pa u i a M a c h a d o - 29
C a p í t u l o 1
A IMPORTÂNCIA DA DOGMÁTICA PENAL
PARA A EVOLUÇÃO DA CULPABILIDADE
As disciplinas que têm por objeto o estudo e a análise do fenômeno
criminal configuram a ciência penal. A ciência do Direito Penal, ou dogmáti
ca penal, e a Criminologia são os seus maiores ramos. Ao Direito Processual
Penal, na visão moderna, caberá a instrumentalização do direito material ou,
conforme se abordará posteriormente, se estabelecerá uma relação de comple-
mentariedade entre o Direito Penal e o Direito Processual Penal21. Estas ciên
cias têm como finalidade a investigação, estudo e atuação sobre o fenômeno
criminal e sua erradicação. Não se confundem, contudo, em razão da divergência no método de análise e objeto de estudo.
A dogmática penal preocupa-se com a interpretação, sistematização e desenvolvimento dos preceitos legais e doutrinários, sendo a teoria do delito ou
teoria geral do fato punível, o tema que alcança as mais elevadas cotas de abstra
ção, estudo e desenvolvimento, embora Jorge Figueiredo Dias assevere que o
tema das conseqüências jurídicas do crime possua exatamente a mesma hierar
quia jurídico-científica que a doutrina do crime. E mais: no campo prático ou
visual, tem a problemática das conseqüências jurídicas do crime maior impor
tância do que a teoria geral do delito, “quer para o delinqüente que sofre a con
seqüência jurídica, quer para a sociedade em nome da qual é aplicada, quer ainda
para a vítima do crime, o sistema das reações criminais e os processos da sua
determinação e aplicação surgem como os pontos de mais decidido relevo”22.
Polêmicas à parte, até porque, a meu aviso, a confrontação não é possí
vel, em razão de que as teorias têm aplicação em momentos distintos, embo
ra não se negue a infinita complexidade da teoria do delito, que a propósitocompreende, explica e sistematiza os pressupostos gerais e os elementos que
concorrerem em uma conduta para que possa ser qualificada como delito esancionada com uma pena23.
21 Também neste sentido: Fernando Fernandes, O processo penal como instrumento de políticacriminal; Claus Roxin, Derecho procesal penal, p. 6; e Jorge de Figueiredo Dias, Direito
processual penal, p. 28-29.22 Direito penal português - As conseqüências jurídicas do crime, p. 41.23 CUESTA AGUADO, Paz M. de Ia. Tipicidad e imputación objetiva, p. 18.
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30 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
Importante lembrar que a dogmática jurídica se identifica com a idéia
de ciência do Direito, tendo por objeto o direito positivo vigente em um dado
tempo e espaço, e tem por tarefa a construção de um sistema de conceitoselaborados a partir da interpretação do material normativo, segundo procedi
mentos intelectuais de coerência interna. Disto, decorre que a dogmática jurí
dica tem por finalidade ser útil à vida, isto é, à aplicação do Direito. Por sua
vez, o jurista, com a palavra da lei e a linguagem do fato, somando-se ainda a
fidelidade metodológica, formulará as respostas aos conflitos sociais que apa
recerem, e assim se construirá a justiça possível.
Desta forma, pode-se afirmar que as teorias do delito e da pena são o
objeto central do estudo da dogmática jurídico-penal, como também é o mode
lo de Estado que determina a concepção de Direito Penal, ou seja: determina o
que pode ser apenado e o que pode ser proibido pelo Direito Penal, informando
os elementos que devem concorrer para tanto, destacando-se os princípios da
legalidade e da proteção ao bem jurídico-penal, levando-se em consideração que
o Direito Penal é a ultima ratio.. Isto é, só será necessária a sua intervenção em
razáo da gravidade do delito ou em havendo necessidade da pena.
A teoria do delito possui pressupostos gerais e elementos essenciais doconceito analítico de delito, aliás, comuns a todos os crimes. Estes, entretanto,
possuem aspectos diversos que justamente os diferenciam dos demais. Acerca
da situação atual da teoria alemã do delito, berço da dogmática jurídico-pe
nal, é interessante ressaltar que, ainda hoje, se observa a sua contínua expansãoe internacionalização, sendo, inclusive, adotada e debatida em diversos países
asiáticos, ainda que mantidas as características de cada cultura e de cada orde
namento, a se constatar pelos colóquios realizados envolvendo autores ale
mães, chineses, japoneses, entre outros24.
Com metodologia oposta à dogmática alemã, apresenta-se o sistema
“coramom law”, de origem anglo-saxã e com aplicação precípua na Inglaterra
e nos Estados Unidos da América. Aproximando-se a este modelo na Europa
continental, na França e países escandinavos, propugna-se pela adoção do
modelo pragmático de solução de conflitos. Como decorrência do conflito
24 No período de investigações científicas realizadas junto ao Max-Planck-Institut für auslãndisches und International Strafrecht, ao longo do primeiro trimestre de 2000, pude constatar a influência que a dogmática alemã exerce nos sistemas penais destes países, respeitadas as diferenças cultural, social e religiosa.
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F á b i o G u e d e s d e Pa u l a M a c h a d o - 31
entre os sistemas, surge o embate doutrinário dogmatismo versus pragmatismo,
a fim de estabelecer o método que melhor legitime o sistema penal.
Já tendo sido constatado que a ciência do Direito é dinâmica, e tendo
como sua conseqüência o reconhecimento de que o Direito Penal moderno
deve ser visto como um sistema aberto. Isto é, ele pode ter modificado o seu
conteúdo, ou as suas estruturas em função de mudanças valorativas, ou de
variações na relação existente entre os fins do Direito Penal e do sistema da
teoria do delito. Deste modo, os valores de referência de cada categoria e as
finalidades incidentes na atribuição de conteúdo a cada conceito racionalizam
a intervenção do Direito Penal. Ou seja, estará a dogmática jurídico-penal
apta a percepção de novas influências, inclusive de natureza extrapenal, poissão os elementos do conceito analítico de crime rediscutidos e redesenhados
continuamente pela doutrina, a partir da clássica conceituação analítica de
que o delito é o fato típico, antijurídico e culpável, até o moderno injusto
penal e responsabilidade criminal dentre outras conceituações.
Sobre a teoria geral do delito, esta parte da lei, da norma jurídica positi-
: va, que atua confo axioma, advindo daí o qualificativo dogmático para as suas
construções, considerando não só aspectos jurídicos, mas também valorativos,
filosóficos e políticos.
Como função, a teoria geral do delito ordena e sistematiza preceitos le
gais, princípios gerais e estruturas, conceitos abstratos etc., relacionando-os
entre si e construindo um sistema completo e unitário com o objetivo inicial
de facilitar o estudo do material jurídico destinado aos operadores do Direito,
e permitir a formação e existência de uma jurisprudência racional, objetiva e
igualitária, a razão de que a existência de elementos conceituais altamente
depurados permite prever e calcular a concreta aplicação das normas penais,contribuindo para a segurança jurídica, evitando arbitrariedades ou interpre
tações individuais distorcidas. Em síntese, pode-se dizer que o debate doutri
nário prévio delimita também as interpretações, evitando que estas sejam
injustas na aplicação da norma.
Na concepção que aqui se defende, o sistema da teoria geral do delito
deve ser aberto. Deve estar apto a receber todo o tipo de contribuição e
influência, em especial das orientações dadas pela política criminal e volta
das às suas conseqüências. Também recepciona as contribuições das ciênciasnão-penais, propiciando a busca de uma intensa racionalização do Direito
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32 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e i t o Pe n a l
Penal tão profundamente irracional em suas origens históricas25, em prol da
consecução da decisão correta.
A conseqüência de se adotar o sistema aberto para a teoria do delito é
que o Direito Penal não tem impedido o seu desenvolvimento e a sua aproximação com a realidade social, privilegiando a sua dinâmica, facilitando o pro
gresso social e as relações de poder. Importante frisar que o conceito de delito,
visto à luz de suas conseqüências, igualmente é receptivo à evolução e ao desenvolvimento social, tomando-se, como exemplo, os novos conceitos surgidos
a partir da sociedade moderna, como v.g., o risco permitido.
O sistema aberto está sempre apto a receber contribuições não-penais, e
neste aspecto os pensamentos filosófico e sociológico sempre se destacaram aolongo do desenvolvimento histórico das ciências penais. De outro lado, parte
da doutrina tenta superar essa influência propugnando unicamente pela cons
trução de conceitos normativos puros, fundamentando-os unicamente desdea parte geral do Direito Penal.
A partir desse posicionamento é que se diz que muitos conceitos do Direi
to Penal foram redesenhados, adequando-se a este novo modelo e, inegavelmen
te, a partir dos resultados obtidos dos estudos dogmáticos, e orienta-se o legislador
penal ao realizar as reformas da legislação penal, visando manter o Direito Penal
próximo da realidade, outorgando-lhe, assim, legitimidade e aplicabilidade.
De qualquer forma, para ser delito é necessário que uma conduta huma
na infrinja o Direito positivo (princípio da legalidade), por meio da realização
do cometimento de uma conduta descrita na norma, devendo estar em conso
nância com os princípios constitucionais e suas derivações, guardando resso
nância com o bem jurídico tutelado (princípio da proporcionalidade), quando
então esta conduta será contrária ao ordenamento jurídico, isto é, antijurídica.
Mas não é só, para uma das modernas correntes exige-se que o agente seja
responsável por sua conduta desde que tenha capacidade para ser motivado pela
norma, isto é, capacidade psíquica para compreender a mensagem da norma de
determinação (norma de conduta) e possibilidade de assim atuar como conse
qüência. O conceito de delito também recai sobre o juízo de desvalor sobre o
fato - antijuridicidade e juízo de desvalor sobre o autor do fato - culpabilidade.
25 TIEDEMANN, Klaus. Estado actual y tendencias de Ia ciência juridico-penal y de Ia criminologia en Ia Republica Federal Alemana. CPC, nQ14, p. 269.
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F áb i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 33
Pelo conceito inicial de tipicidade, o legislador seleciona, entre todas as
condutas antijurídicas possíveis, as que mais gravemente atentam contra os
bens jurídicos mais importantes e as sanciona com uma pena ou medida de
segurança. Estes bens objeto de proteção deverão estar de acordo com a concepção metodológica escolhida, isto é, serão desde bens jurídicos explicitados
pela Constituição Federal, como a vida, o patrimônio etc., até se constituir na
proteção da própria norma, como instituto apto a proteger a expectativa dos
cidadãos, como apregoa os funcionalistas sistêmico-normativistas.
De uma maneira geral, há consenso em se afirmar que a construção da
teoria do delito se apóia no fato proibido e na possibilidade de ser atribuído
ao seu autor, e tradicionalmente chamamos de culpabilidade. Em obediência
à ordem lógica, a imputação objetiva do fato ou da infração do dever objetivode cuidado ao sujeito só pode se verificar após comprovada a ocorrência de um
fato antijurídico, já se podendo, desde logo, concluir que não há culpabilida
de sem a existência de um fato antijurídico que se possa objetivamente impu
tar ao seu autor. Da afirmativa da preexistência de um fato antijurídico,
imputação idônea é a jurídica, descartando o Direito Penal moderno imputa-
ções morais que acarretam o reconhecimento da culpabilidade moral, própria
de uma época que não se quer reviver.
Contudo, para a imposição de uma pena, vista como a maior inter
venção do Estado num dos mais importantes atributos humanos, a liber
dade, e também como principal conseqüência jurídico-penal do delito,
não é suficiente para a sua imposição apenas a realização de um fato típico
e antijurídico, em razão de que esta imposição de pena não é automática.
Não obstante, existem situações em que o autor de um fato típico e anti
jurídico tem afastada a sua responsabilidade penal, demonstrando que,
junto à tipicidade e à antijuridicidade, separadas ou fundidas, deve se daruma outra categoria na teoria geral do delito, cuja presença é necessária
para impor uma pena (a responsabilidade), cuja missão consiste em aco
lher elementos não pertencentes ao tipo de injusto, mas que determinam
a imposição de uma pena26.
26 A referência feita deve-se à possibilidade de o conceito de delito ser bipartido (injusto e
responsabilidade ou para outros apenas culpabilidade) ou tripartido (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade), sendo certo que a culpabilidade será sempre o último elemento. A favor da concepção tripartida, v.g. MU NOZ CONDE, Francisco. Teoria general del delito, p. 118.
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34 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o Pe n a l
Como bem expõe Juarez Tavares, ao abordar o tema dogmática jurídica,
a questão reside em estipular os métodos ou critérios que devem ser utilizados
para encontrar os direitos que todas as pessoas têm e, assim, fundamentar uma
decisão correta e verdadeira27.
“Uma decisão será correta e verdadeira quando possa ser justificada
pela melhor teoria jurídica, na qual os chamados princípios jurídicos
desempenham papel significativo. A melhor teoria jurídica será aquela
que abarque esses princípios e as ponderações desses princípios e que
se encontrem justificados pela Constituição, pelas normas jurídicas e
pelos precedentes judiciais.”28
A partir destas considerações de âmbito geral, a doutrina passa a desenvolver algumas combinações conceituais, guardando entre si imediata corres
pondência com o modelo adotado, mas, de qualquer maneira, pode-se dizer
que hoje não se discute mais a importância da dogmática penal no âmbito da
aplicação do moderno Direito Penal, sendo tranqüila a compreensão de sua
relevância fundamental, além de ser verificado um constante aperfeiçoamento
na teoria do delito.
Embora acreditemos na relevância da dogmática para o desenvolvimento
do Direito Penal, não se pode olvidar a crítica existente de que a dogmáticanão tem futuro em face das impropriedades de seus conceitos, das dúvidas
que oferece seja no campo teórico ou no prático, tomando-se aqui como exemplo
a liberdade como conteúdo material do conceito de culpabilidade, razão pela
qual a mesma, no futuro, perderia importância para o pragmatismo penal
formulado pelas estruturas do commom law.
Pode-se afirmar que a dogmática jurídico-penal tem futuro garantido
entre nós, pois, apenas com a elaboração de um sistema dogmático jurídico-
penal que privilegie o ser-humano, pode-se obter a garantia da liberdade do
indivíduo frente ao Estado sancionador, função essencial e insubstituível que
permite conseqüentemente garantir as possibilidades de segurança e certezada justiça penal.
27 Teoria do injusto penal, p. 55.
28 TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal, p. 55.
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F á b i o G u e d e s d e Pa u l a M a c h a d o - 35
C a p í t u l o 2
O SURGIMENTO DA CULPABILIDADE
Tendo como objetivo desenvolver a culpabilidade e precisar a sua funçãono Direito Penal contemporâneo, entende-se relevante buscar as suas origens.Para tanto, buscar-se-ão as contribuições havidas nas antigas Grécia e Roma,
no Direito germânico e, por fim, no Direito canônico.
2 .1 A CULPABILIDADE NA ANTIGA GRÉCIA
Afirma-se que “as instituições jurídicas dos gregos careceram de solidez eclaridade que tiveram as romanas, mesmo sabendo-se que as doutrinas filosóficas
dos povos do mundo são reflexo da filosofia grega”29. Embora bem delimitadosfossem o Direito público e o privado, havendo diversidade entre ilícitos, eram osilícitos penais perpetrados contra particulares mais brandamente apenados.
Visto sob um pronunciado caráter comunista, a partir da organizaçãodas primitivas Repúblicas gregas, nota-se, no que se refere ao Direito Penal, odesprezo à personalidade30.
Embora a evolução política do povo grego seja de reconhecimento explí
cito, os mesmos conceberam unicamente a responsabilidade objetiva. O delitofirmava-se unicamente com base na violação da norma objetivamente apontada, sem levar em consideração a intenção do agente que a quebrava31.
Desta constatação, pode-se afirmar que a culpabilidade não existia porque toda culpa era um delito. Assim, era passível da mesma punição o agente
que cometia um delito intencional ou não-intencional.
2 .2 A CULPABILIDADE NA ANTIGA ROMA
Nos primórdios do sistema de Direito Penal romano, o conceito de delito derivava do caráter moral da natureza humana: Assim, o sistema penal nãoera senão a lei moral convertida na lei política. Neste momento, também o
fato era o fundamento da pena. Portanto, também aqui há o predomínio do princípio objetivo, assinalando-se como fim da pena ora a exemplaridade, oraa intimidação como conseqüência do exemplo, ou a prevenção32.
29 MUNOZ MARTÍNEZ, Nancy Yanira. Teoria alemana de Ia culpabilidade, p. 1.30 VALDÉS RUBIO. Op. cit., p. 16.31 MUNOZ MARTÍNEZ. Op. cit., p. 2.32 VALDÉS RUBIO. Op. cit., p. 19.
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36 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o Pe n a l
No período republicano, as leis penais tiveram por base a vontade antiju-
rídica, a qual pressupunha que o fato que ia acontecer era contrário à lei, razão
pela qual o erro de fato sobre este aspecto excluía a imputabilidade33.
Disto decorre que, sem a vontade antijurídica, não se compreendia odelito e a pena, ressaltando que o conceito de dolo e culpa não pertenciam à
legislação, senão à interpretação das leis.
O princípio subjetivo está indicado nos escritos dos filósofos e juriscon-
sultos, que se traduz em preceitos legais e em fatos, a ponto de Arcadio e
Honorio manifestarem-se que só pode haver castigo onde a falta existe34.
Nesse ambiente, o conceito de responsabilidade sofre evolução, estabele-
cendo-se a distinção entre o dano produzido intencionalmente e o ocasionado por desatenção ou descuido. Outra questão que aponta Martinéz é a que
deriva do caráter fundamentalmente ético do Direito Penal romano. Isto é, para que a lei penal fosse aplicada, prescindia-se que o agente tivesse conheci
mento da mesma, abrindo-se oportunidade para a realização de presunções
jurídicas de conhecimento da lei, posto que o hõmem que vive em sociedade
estava obrigado a conhecer as leis do Estado e, portanto, qualquer violação emque incorresse pressupunha-se o conhecimento de sua ilicitude.
2 .3 A CULPABILIDADE NO DlREITO CANÔNICO
Desde os povos do oriente na idade antiga via-se uma grande confusão
metodológica caracterizada pelos conflitos entre a religião e o Direito, a igreja
e o Estado, o sacerdote e o juiz, enfim, entre o livro dogmático e litúrgico e o
código político e jurídico, que não são comumente mais que diversas partes
dos mesmos códigos religiosos.
Neste caráter teocrático predominante, está inspirado o Direito Penalcanônico, e a pena serve à expiação para o desagravo do mandamento divino.
Diz-se que a falta cometida pelo agente a título canônico chama-se peca
do, podendo ser trazida a conceitos jurídicos como sendo a falta querida e im-
putável ao agente. O fundamento anteriormente lógico da idéia de falta é a
vontade. Partindo dessas bases, compreende-se que o pensamento canônico atende
mais ao fato externo em si mesmo do que à causa; isto é, pode-se verificar que da
33 MUNOZ MARTINÉZ. Op. cit., p. 3.
34 VALDÉS RUBIO. Op. cit , p. 19.
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idéia fundada unicamente na produção de um resultado, traslada-se à concepção para uma vertente intencional e moral, tanto é que nas concepções anteriores
tratava-se de reparar o dano, enquanto aqui se destaca a alma de quem o come
teu, que haverá de ser saneada e purificada em virtude da expiação e da pena.Portanto, percebe-se que a noção de responsabilidade foi se estendendo, es-
piritualizando-se a idéia de delito, nitidamente desprovida de caráter científico35.
A concepção da falta querida pelo agente dá nascimento a toda uma pro
blemática que haverá de se estender por diversas teorias e ciências, notadamente
a culpabilidade, portanto de natureza penal, de concepção religiosa e filosófica
que é o livre arbítrio. Isto, ainda que em oposição a dogmas cristãos como a
elevação divina e a predestinação, discutindo-se a partir de então até nossos dias
se há verdadeiramente atos de vontade, livre-arbítrio, a capacidade do homem
de reger a si próprio, enfim, se pode afirmar, desde logo que a idéia de responsa
bilidade vai se firmar no Direito Penal e com ela o ponto de vista subjetivo36.
Embora esta culpabilidade estivesse toda alicerçada na falta moral, tinha
o fato que ser provado, sendo fortemente estimuladas as confissões.
2 .4 C u l p a m o r a l e c u l p a j u r íd ic a
E pacífico o entendimento de que alguns credos apontam aos seus fiéis ocomportamento adequado aos seus padrões religiosos, submetendo os trans
gressores deste a julgamento ainda que simbólico, consistente na atualidade
em meras reprovações.
Em face da influência da religião nas relações sociais, é fácil notar que
muitos comportamentos éticos ou morais têm suas reminiscências históricas na
religião. Contudo, a partir do desenrolar das relações sociais, é tambéríi verdade
que o Direito buscou caminhos próprios para a regulação dos conflitos sociais,
afastando-se dos imperativos genuinamente morais. Em demonstração desta
nova condição, a doutrina tratou de se preocupar em distinguir o conteúdo
jurídico do conteúdo moral, revestindo-se da distinção entre culpabilidade jurí
dica e culpabilidade moral, dando causa ao surgimento dessas conseqüências.
“Ia Para impor-se uma sanção, baseada na culpabilidade jurídica, não é
necessário que o sujeito se considere culpável. Tampouco será culpável
F á b i o G u ed e s d e P a u l a M a c h a d o - 37
35 MUNOZ MARTINÉZ. Op. cit., p. 7.36 SALEILLES, R. La individualización de Ia pena, p. 73.
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Fáb io Guedes de Pa u l a M ach ad o - 41
C a p í t u l o 3
D es en v o l v im en t o e p i s t e m o l ó g i c o d a c u l p a b i l i d a d e
A partir da ascensão do Direito Penal liberal de Cesare Beccaria e, principalmente, após o início do desenvolvimento da dogmática jurídico-penal45,
diversas concepções teóricas desenvolveram-se com o intuito de declarar o
fundamento da culpabilidade.
Na realidade, essas teorias não surgiram espontaneamente, mas sim den
tro do seio de cada um dos momentos epistemológicos do Direito Penal, como
os postulados da teoria clássica, do positivismo naturalista, social, jurídico e
neokantista, reconhecidos a partir do sistema causai, do finalismo, do funcionalismo teleológico e suas vertentes, como a política criminal de Claus Roxin,
e o normativismo puro de Günther Jakobs, em manifesta obediência à meto
dologia penal, hoje vulnerada, em grande parte, pela ausência de coerência e
fidelidade metodológica da doutrina e pelo excesso legiferante penal do Esta
do, em satisfação e cumprimento de preceitos de um Direito Penal simbólico.
Do exposto, extraem-se duas tendências: A menor, denominada de cri-
minológica, que se ocupa do delito como fenômeno social e biopsicológico,
servindo-se em sua investigação, de métodos sociológicos ou antropológicossegundo o caráter social ou individual de seu enfoque, ou até mesmo de am
bos. Esta vertente esteve presente no positivismo criminológico italiano de
Lombroso, Ferri e Garófalo, entre outros. A segunda tendência, jurídico-dog-
mática, estuda o delito como um fenômeno jurídico regulado e previsto por
normas jurídicas, exigindo interpretação e aplicação, podendo-se empregar
um método técnico-jurídico ou dogmático, que serve para interpretar e siste
matizar as normas jurídicas que se referem ao delito e às suas conseqüências46,
Esta tendência foi a que predominou na Alemanha, e se estendeu pela Euro
pa, América do Sul e, mais recentemente, Ásia, até os dias atuais.
45 Sobre o tema ver: GARCÍA-PABLOS DE MOLINA. Antonio, Derecho penal Introduccion, p. 414-570; MORILLAS CUEVA, Lorenzo. Metodologia y ciênc ia penal, p. 11-307; SAINZ CANTERO, José A. La ciência del derecho penal y su evolucíon, p. 45-110; SERRANO MAÍLLO, Alfonso. Ensayo sobre e l derecho penal como ciência, p. 142-220; BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Introducción a l derecho penal, p. 93-208; MIR PUIG, Santiago. Introduccion a Ias bases del derecho penal, p. 151-274; SCHÜNEMANN, Bernd. Introduccion al razonamiento sistemático en derecho penal. El sistema moderno del derecho penal: cuestiones fundamentales, p.31-80; e SILVA SÁNCHEZ, Jésus-María. Aproximación al derecho penal contemporâneo, p. 43-178, e Consideraciones sobre Ia teoria del delito, p. 13-30.
46 MUNOZ CONDE, Francisco. Introduccion a! derecho penal, p. 101.
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38 - C u l pa b il id a d e n o D ir e it o P e n a l
se não infringir uma norma penal ou, ainda que infrinja, esteja
acobertado por uma excludente da antijuridicidade, por mais que se
sinta culpado.
2a Não é necessário que o sujeito receptor da norma considere esta moralmente obrigatória. Basta que a conheça e possa atuar conforme a
conduta exigida.”37
2 .5 A c u l p a b i l i d a d e n o D ir eit o G e r m â n i c o
Os germânicos da idade média foram identificados pela antítese dos povos
orientais e da época clássica, existindo entre eles a idéia da composição ou paga (Wergeld), não como sanção ao Direito Público que se ofendeu, mas sim
como reparação ao dano ocasionado38.
Percebe-se, então, que a função punitiva nesses povos passa do Estado
para os indivíduos. Disso decorre que
“os germânicos consideravam o delito como uma ação pertubadora da
paz. Ao delinqüente lhe impunham como pena a perda da paz, ou seja, a perda do direito que tinha a que os demais lhe respeitassem.
Como conseqüência desta perda, qualquer indivíduo estava autoriza
do a castigar os delinqüentes, porém se viam obrigados a verificar a pessoa ofendida e a família desta.”39
Também neste sistema, o relevante para o Direito Penal era o fato, isto é,
a responsabilidade pelo resultado baseado na causalidade cega, pouco impor
tando o aspecto volitivo. Por conseqüência, a gradação punitiva dependia exclusivamente do resultado do ato, bem como as circunstâncias externas do
fato decidem sobre a natureza do delito. Por fim, em face dos constantes
transtornos por que se via passar o povo germânico, pelas vinganças privadasque ocorriam entre as famílias, e que, inclusive, debilitava a união do povo
germânico, foram as Jc sangue limitadas, instituindo-se a composição, em virtude da qual o ofensor podia comprar o perdão ou a paz da vítima,
entregando-lhe rêses ou alguma outra coisa em seu lugar40.
37 CUESTA AGUADO , Paz M. de Ia. El concepto material de culpabilidad. Disponível na internet
em <http:!!inicia.esldelpazenred>38 VALDÉS RUBIO. Op. cit., p.23.
39 Idem, op. cit., p. 23.
40 Idem, op. cit., p. 23.
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F á b io G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 39
No término do século XV, percebe-se a influência de dispositivos de
caráter subjetivista, de forma que apenas os delitos típicos intencionais pode
riam ser reputados ao agente, disso decorre o desaparecimento da responsabi
lidade impessoal. Neste período, o senhor feudal respondia pelos atos praticados pelo seu servo, como também são ampliados os fatos por caso fortuito e negli
gente, até então não desenvolvidos suficientemente.
Como conseqüência do domínio romano e da divulgação do seu Direito,especialmente ao longo da Europa, era comum referir-se à culpabilidade antiga
pelo termo “imputatio juris”, trazendo junto a si os esquemas de “dolus” e “culpa”41.
Ao final do século XVIII, a ciência penal começou a ser exposta no idiomaalemão, transformando o termo “imputatio juris” em “Zurechnung” (imputa
ção) e também em “Zurechnung zur Schuld” (imputação à culpabilidade)42.
Esta modificação deu ensejo ao surgimento de diversas expressões representa
tivas desta imputação, como “subjektive Gründe der Strafbarkeit” (causas subjetivas da punibilidade), ou “verbrecherische Willensbestimmung” (determinação devontade delituosa), ou, como afirma Achenbach, utilizava-se mais freqüentemente
o termo “Imputabilitat” ou “Zurechenbarkeit,” para se referir à imputabilidade43.
Ainda na seqüência evolutiva do vocábulo, apenas no transcurso do século
XIX, mais precisamente a partir dos anos 40, é que o termo “Schuld” (culpabilidade), hoje de conhecimento amplo dos estudiosos do Direito Penal, se impôs
gradualmente para designar o tipo de imputação44, obtendo importância não
pelos estudos realizados até então, mas por sua colocação como elemento do
delito por meio da expressão “SchuldbegrifF” (conceito de culpabilidade), emespecial na concepção exposta por Karl Binding em sua obra “Die Normen und
ihre Übertretung” e, posteriormente, por Franz von Lizst.
Desde então, o vocábulo se mantém na dogmática alemã, alterando-se sua
concepção e estrutura conforme o posicionamento doutrinário manuseado.
41 ACHENBACH, Hans. Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione delia colpevolezza diReinhard Frank, RIDPP, 1981, p. 839-840.
42 ACHENBACH, Hans. Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione delia colpevolezza diReinhard Frank, RIDPP, 1981, p. 840.
43 Idem, op. cit., p. 840.44 KLEIN, Grundsãtze des gemeinen deutschen peinlichen Rechts, p. 9; BAUER, Lehrbuch des
deutschen Strafrechts; KÕSTLIN, Neu Revision der Grundbegriffe des Crimina!rechts, p. 51,
131; KRUG, Über dolus und culpa und insbesondere über den Begriff der unbestimmten Absicht, apud Achenbach, Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione delia colpevolezza di Reinhard Frank, RIDPP, 1981, p. 839-841.
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A partir da ascensão do Direito Penal liberal de Cesare Beccaria e, principalmente, após o início do desenvolvimento da dogmática jurídico-penal45,
diversas concepções teóricas desenvolveram-se com o intuito de declarar o
fundamento da culpabilidade.
Na realidade, essas teorias não surgiram espontaneamente, mas sim den
tro do seio de cada um dos momentos epistemológicos do Direito Penal, como
os postulados da teoria clássica, do positivismo naturalista, social, jurídico e
neokantista, reconhecidos a partir do sistema causai, do finalismo, do funcio
nalismo teleológico e suas vertentes, como a política criminal de Claus Roxin,
e o normativismo puro de Günther Jakobs, em manifesta obediência à meto
dologia penal, hoje vulnerada, em grande parte, pela ausência de coerência e
fidelidade metodológica da doutrina e pelo excesso legiferante penal do Esta
do, em satisfação e cumprimento de preceitos de um Direito Penal simbólico.
Do exposto, extraem-se duas tendências: A menor, denominada de cri-
minológica, que se ocupa do delito como fenômeno social e biopsicológico,
servindo-se em sua investigação, de métodos sociológicos ou antropológicossegundo o caráter social ou individual de seu enfoque, ou até mesmo de am
bos. Esta vertente esteve presente no positivismo criminológico italiano de
Lombroso, Ferri e Garófalo, entre outros. A segunda tendência, jurídico-dog-
mática, estuda o delito como um fenômeno jurídico regulado e previsto por
normas jurídicas, exigindo interpretação e aplicação, podendo-se empregar
um método técnico-jurídico ou dogmático, que serve para interpretar e siste
matizar as normas jurídicas que se referem ao delito e às suas conseqüências46,
Esta tendência foi a que predominou na Alemanha, e se estendeu pela Euro pa, América do Sul e, mais recentemente, Ásia, até os dias atuais.
45 Sobre o tema ver: GARCÍA-PABLOS DE MOLINA. Antonio, Derecho penal Introduccion, p. 414-570; MORILLAS CUEVA, Lorenzo. Metodologia y ciência penal, p. 11-307; SAINZ CANTERO, José A. La ciência del derecho penal y su evolucíon, p. 45-110; SERRANO MAÍLLO, Alfonso. Ensayo sobre e l derecho penal como ciência, p. 142-220; BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Introducción al derecho penal, p. 93-208; MIR PUIG, Santiago. Introduccion a Ias bases del derecho penal, p. 151-274; SCHÜNEMANN, Bernd. Introduccion al razonamiento siste
mático en derecho penal. El sistema moderno del derecho penal: cuestiones fundamentales, p.31-80; e SILVA SÁNCHEZ, Jésus-Maria. Aproximación a! derecho penal contemporâneo, p. 43-178, e Consideraciones sobre Ia teoria del delito, p. 13-30.
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4 2 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
Fruto do amadurecimento doutrinário e do aprofundamento dogmático,
diversos institutos foram delineados a partir do sujeito, como a imputabilidade,
o dolo, a culpa, a exigibilidade de conduta conforme o direito, o juízo de repro
vação, a ação finalista, as causas excludentes de culpabilidade e, por fim, maismodernamente, a prevenção geral como fim a ser alcançado pelo Direito Penal.
3.1 O pos i t i v i smo natura l i s ta
Assentado o Estado liberal de Direito ao longo do século XIX, tornou-se
necessária a consecução de uma teoria própria, o positivismo. Esta teoria pode
ser compreendida sob dois enfoques, um de caráter normativo e outro de
caráter natural e social.
Sob o caráter normativo, de plano rompeu com o Direito natural, sobre-
pondo-se o nome de Karl Binding, que defendia que o estudo do jurista só deve
recair sobre a norma jurídica, isto é, apenas sobre o Direito positivo. Esta con
cepção entendia o jus puniendi como surgido de uma desobediência às normas
do Estado, sendo, portanto, apenas uma expressão do Direito objetivo.
Assiste-se de plena razão a crítica formulada por Bustos Ramírez, quando
afirma que esta dogmática positivista não se preocupava com o jus puniendi,
pois o mesmo advinha do Direito objetivo, por meio da sistematização das
normas jurídicas47.
Outro aspecto do positivismo é o seu caráter natural e sociológico surgi
do diante da crise do Estado liberal, em razão das graves disfimções do siste
ma, tornando necessário que o Estado intervenha no desenvolvimento social.
Neste sentido, em oposição ao fundamento utilizado pelos defensores do
normativismo, os doutrinadores sociológicos sustentavam que a defesa social
legitima a intervenção do Estado junto ao indivíduo. Pela própria denominação,
os adeptos desta teoria sustentam que o fundamento do jus puniendi deixa de ser
o plano jurídico e se transfere ao nível sociológico. Anos após, na França, e com
a mesma concepção, Marc Ancel propõe a teoria da Nova Defesa Social.
Para esses positivistas, o bem jurídico, que é o interesse juridicamente
protegido, e que surge das relações da vida, era o fundamento do sistema e da
pena. Vê-se dessa forma que o positivismo sustentado por von Liszt, embora
47 Introducción al derecho penal, p. 118-119.
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F á b i o G u e d e s d e Pa u l a M a c h a d o - 4 3
naturalista, era diferente daquele sustentado por Binding, em que o bem ju
rídico era imanente da norma, desprendido do mundo social.
Reconhecido seu surgimento por meio do sistema Liszt-Beling, o natu-
ralismo-normativista alemão verificava a tentativa de reproduzir no sistemade Direito Penal os elementos naturais do delito por meio do positivismo
legal, afastando as concepções metafísicas atribuídas à Escola Clássica. Nesse
sentido, a ação era naturalística, a tipicidade estritamente formal, a antijuridi-
cidade era apenas a lesão ao Direito e o bem jurídico tinha caráter natural-
social, já a culpabilidade era psicológica.
Nessa linha de pensamento, a tipicidade consistia na descrição objetiva e
formal do fato com resultado externo, sem carga valorativa, realizado pelo legisla
dor no tipo, constituindo-se em indício de antijuridicidade, enquanto que a parte
interna do fato ou os processos que têm lugar na alma do autor encontram seu
reflexo na culpabilidade, concebida como uma relação psicológica do autor com o
fato e com a antijuridicidade. E nesta concepção, a propósito, que se realizava a
valoração jurídica do ato de forma objetiva. Para von Liszt, a antijuridicidade é a
reprovação jurídica que recai sobre o fato por ser contrário ao Direito, e a culpabi
lidade, que é a psicológica, consiste na relação subjetiva entre o autor e o ato.
Visto o predomínio das forças da natureza, o dogma causai se centralizouna questão do autor ter causado a lesão ao bem jurídico mediante uma conduta
corporal voluntária no sentido da fórmula da conditio sine qua non, sem se esque
cer que foi Luden o pioneiro no desenvolvimento do conceito causai de ação.
Diante das considerações de que a ação era naturalística, isto é, a exteriori
zação de movimentos corpóreos, causadora de uma modificação no mundo ex
terior, portanto resultado naturalístico, impunha-se ao agente que assim tivesse
agido uma pena. Neste conceito de ação, aparecem os elementos causa, resultado
e relação de causalidade. Destarte, tenta-se aplicar ao Direito Penal os métodos
científico-naturais e refletir no delito os elementos naturais do fato.
Por sua vez, o positivismo de Binding afirmava que não havia nada
anterior ao Direito legislado, sendo este denominado de positivismo legal,
excluindo do Direito Penal valorações filosóficas, sociológicas, psicológicas.
Enfim, rechaçava como objeto de estudo as questões transcendentais e abs
tratas, centrando-se na contemplação e estudo dos fatos.
No âmbito da ciência jurídica, foi na concepção positivista naturalistaque von Buri e von Bar desenvolveram a teoria da causalidade, vindo a se
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4 4 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o Pe n a l
tornar conhecida como teoria da conditio sine qua non. Ainda acerca da causa
lidade, há de se destacar o pioneirismo teórico de John Stuart Mill48.
Pela teoria da equivalência das condições, da lavra de Julius Glaser, ex posta na obra “Abhandlungen aus dem õsterreichischen Strafrecht”, publica
da em Viena em 1858 e aprimorada na Alemanha pelo magistrado do Tribunal
Supremo do Reich, Maximilian von Buri, na obra “Uber Kausalitát un deren
Verantwortung”, em 1873, desenvolve-se a teoria das condições, entendendoque todas as condições sem as quais não se teria produzido o resultado são
causas. Logo, uma ação é causa do resultado, se suprimida mentalmente sua
realização, o resultado não se teria produzido.
Descarrega von Buri todo o conteúdo subjetivo da ação, dolo e culpa naculpabilidade, em razão de que estes não produzem nenhuma modificação nos
fatos, permanecendo as forças corporais e movimentos no aspecto objetivo.
Diferentes são os postulados de von Bar, alertando que "deve ser afirma
da uma relação causai em sentido jurídico quando o curso causai entre o com
portamento corporal e o resultado seja provável, e sobre a probabilidade deveriam
decidir os conhecimentos empíricos do autor, isto é, introduz o conhecimento
individual do autor na análise do nexo causai”49.Vale, a propósito, ressaltar que a causalidade de von Buri só era limitada na
culpabilidade mediante a presença do dolo ou da culpa. Assim, os pais do assassi
no teriam realizado ação típica e antijurídica, mas teriam agido sem culpabilidade.
Rapidamente a teoria da equivalência dos antecedentes causais obteve
grande repercussão e aceitação. Entretanto, a grande crítica que recaía sobre a
mesma era a da extensão do seu conceito de causa ainda que, ao longo dos
anos, novos posicionamentos tentaram corrigir esta extensão como, por exem
plo, a teoria da proibição do regresso, da lavra de Hans Frank, entre outros50.
Em suma, este período foi marcado pela absorção do pensamento natura-
lístico no Direito Penal, desenvolvendo todos os seus elementos, notoriamente
aqueles integrantes da teoria do delito para as leis da natureza, entre elas a da“causa e efeito”, recepcionadas pelo homem e postas à vigência por meio da lei.
48 Conforme Juarez Tavares, A teoria do injusto, p. 274.
49 Apud KÕSTER, Mariana Sacher. La evolución del tipo subjetivo, p. 63.50 VALLEJO, Manuel Jaén no prólogo da obra de FRISCH, Wolfgang. Tipo pena! e imputación
objetiva, p. 10.
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3.1.1 Co nce pção psicológ ica da culpabil idade
A culpabilidade como elemento analítico da estrutura de delito é fruto
do desenvolvimento dogmático, devendo-se a Karl Binding a sua elaboração eseu aperfeiçoamento por von Liszt51, embora o tema já houvesse sido tratado
anteriormente pela forma “imputatio juris”.
Em sentido contrário, sustenta Hans Achenbach, que a communis opinio na
Alemanha era a da caracterização da culpabililidade nos postulados metajurídicos,
sendo assim até o surgimento da obra de Frank52. Neste ambiente, para melhor
compreensão do fenômeno do delito e de sua teoria, é o mesmo dividido em duas
partes: externa do fato que se identificou como o objeto da antijuridicidade, e a
interna, que se atribuiu à culpabilidade, representando os elementos subjetivos dodelito, isto ante a percepção dos sentidos, tendo em comum a idéia da causalidade.
Para a chamada parte externa, o injusto se define a partir do conceito de
causalidade como causação de um estado lesivo. Já a culpabilidade se concebe
como uma relação de causalidade psíquica, a ser entendida como o nexo que
explica o resultado como produto da mente do sujeito, ou como o nexo psí
quico entre o autor e seu fato (resultado)53.
Como bem assevera Juarez Tavares quanto a essa concepção, “o delito évisto, portanto, como uma conduta objetiva, cujos elementos se configuram
na realidade fenomênica e são retratados de fora. A participação da pessoa do
agente só é utilizada, nesse caso, como objeto de imputação”54.
O dolo e a culpa são concebidos como formas de culpabilidade ou, em
outras palavras, reveste-se a culpabilidade pela vontade de realizar um fato
proibido pela lei penal, sendo o dolo e a culpa apenas duas atitudes diversas da
vontade individual em relação à vontade da lei, figurando o dolo como essên
cia da culpabilidade e a culpa uma espécie deste, sendo visualizada como
51 Tratado de direito penal, p. 249.52 ACHENBACH, Hans. Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione deliacolpevolezza di
Reinhard Frank. RIDPP, 1981, p. 845.
53 No mesmo sentido, sustentava Silvio Ranieri, desde o âmbito subjetivo, que a culpabilidadepode ser considerada como a manifestação do caráter do réu em relação a um determinado crime. Já no âmbito objetivo, a culpabilidade é compreendida como a reflexão no crime das condições
psicológicas, permanentes ou temporárias do réu. Colpevolezza e personalità del reo, p. 119. Do mesmo autor, Manuale di diritto penale, p. 285. Também destacando a personalidade do réu como juízo da culpabilidade, Alfredo de Marsico, Diritto penale parte generale, p. 170.
54 Culpabilidade: a incongruência dos métodos. RBCC, ne 24, p. 145.
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4 6 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o Pe n a l
“uma conexão psíquica imperfeita com o fato”55, cujo elemento característico
seria a vontade. Assim, nota-se que dolo e culpa fariam parte do mesmo con
ceito, ou ainda, nas palavras de Lõefler, a culpabilidade é “o conjunto das
relações penalmente relevantes entre o mundo interno de um homem e oresultado danoso de seus atos”56.
São, portanto, o dolo e a culpa as duas formas possíveis da conexão psí
quica entre o autor e seu fato, e seu pressuposto é a imputabilidade.
Assim, se o sujeito tinha atuado com consciência e vontade na produção
do resultado delitivo se dava o dolo. Quanto à culpa, esta existia quando o
sujeito tinha previsto ou tinha podido prever a possibilidade da produção do
resultado57. Vale explicar que a culpabilidade era o conceito gênero, dolo eimprudência eram os conceitos específicos58.
Pelo exposto, pode-se verificar que o delito é fruto da íntima relação de
causalidade com a vontade individual do agente, não havendo diferença entre
a vontade e o conteúdo do fato ilícito ou, como afirmou Mezger ao se referir
a esta concepção de culpabilidade como “relações psicológicas entre o mundo
interior do autor e as particularidades de sua ação”59.
Destarte, a essência desta concepção é meramente formal, pois basta quesuija a relação de identidade entre a vontade e o fato ilícito para que nasça aculpabilidade do autor. Este conceito de culpabilidade permitia fazer abstração
do problema do livre-arbítrio ante ao auge da concepção determinista do ser
humano por influência do positivismo e da teoria evolucionista de Darwin60.
Adentrando mais intimamente à culpabilidade após as considerações
gerais, e diferentemente do que se imagina, afirma Achenbach que a teoria
dominante da culpabilidade no século XIX não era a psicológica, defendida por von Liszt e discípulos, havendo, pois, duas correntes sobre o tema61.
55 MIR PUIG, Santiago. Derecho penal —parte general, p. 532.
56 LÕEFLER. Die Schuldformen des Strafrechts. p. 5, apud Edmund Mezger, La culpabilidad en el moderno derecho penal, p. 9.
57 CEREZO MIR, José. Derecho Pena! parte general, p. 17.58 BINDING, Karl. Grundriss derSchu ld des deutschen Strafrechts, § 46, e Max Ernest Mayer, Die
Schuldhafte Handlung und ihre Arten in Strafrecht p. 122.
59 Op. cit., p. 10.60 CEREZO MIR, J. Derecho penal - parte general, p. 17.
61 H is t o r is c h e p. 56.
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F á b i o G u e d e s d e Pa u l a M a c h a d o - 47
A primeira, denominada de teoria naturalista da culpabilidade, influen
ciada pelo positivismo científico, iniciada por Von Buri e terminada na teoria
psicológica de Radbruch, reduz a culpabilidade a elementos psicológico-des-
critivos, de maneira que o juiz pudesse constatá-la de forma geral e objetiva62.
A segunda corrente, denominada a partir de uma imputação de juízo,
foi desenvolvida por Merkel63, afirmando que “sempre que imputamos a al
guém um fato, seja em sentido moral, seja em sentido jurídico, esta imputaçãoleva consigo um juízo duplo, a saber: a) juízo causai, donde podemos atribuir
o fato à vontade do agente; e b) juízo distributivo, que tem por objeto por em
conta o autor do fato, e em virtude da conexão causai que entre ambos existe,
a significação do próprio fato, seu valor positivo ou negativo, com o fim de
apreciá-lo para o futuro como serviço ou como dívida”64.Ainda, afirmava que a “imputação dos fatos apresentados a nós como
reprováveis e atentatórios a ordem desde o ponto de vista moral e jurídico,
contém um juízo no tocante à culpabilidade, pois esta é o agir ou não agir
antijurídico de uma pessoa que, segundo os critérios correntes, a constituicomo tal em dívida”65. Da lição, decorre que a culpabilidade se une à imposi
ção de pena, de maneira que a medida desta dependa das condições sob as
quais possa a pena cumprir seu fim da forma menos gravosa possível, em
respeito aos interesses da sociedade66.
3.1.1.1 A teo ria de von Liszt
Defensor da concepção psicológica da culpabilidade em atenção ao mé
todo científico-natural, Franz von Liszt lhe dá uma nova matiz, pois funda
menta sua teoria da culpabilidade a partir da responsabilidade
(Verantwortlichkeit) pela ação ilícita cometida; isto é, “não basta que o resul
tado possa ser objetivamente referido ao ato de vontade do agente, é também
necessário que se encontre na culpa a ligação subjetiva”67.
62 PÉREZ MANZANO, M. Culpabilidad y prevención..., p. 74.
63 MERKEL, Adolph. Derecho penal, tomo I, p. 96 e 101.64 MERKEL. Op. cit., p. 96. Na mesma linha de pensamento, e referindo-se à culpabilidade como
causalidade psíquica, sustenta Vincenzo Manzini que para que uma pessoa capaz de Direito Penal seja imputável e responsável por um delito, é necessário que a mesma tenha sido causa eficiente física e psíquica do delito. Tratado de derecho penal, p. 126-127.
65 Idem, op. cit., p. 101.
66 PÉREZ MANZANO. Culpabilidad y prevención:..., p. 75.67 LISZT, Franz von. Tratado de direito penal allemão, p. 249.
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4 8 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o Pe n a l
Noutro modo de ver esta teoria, a mesma se baseia no caráter do agente, isto
é, distancia-se do ato perpetrado para, em seu lugar, apegar-se ao caráter do
agente. Afirma Munoz Martinéz que a culpabilidade, para este autor, transcen
de do sujeito para afirmar que é culpável não só pelo que fez, senão pelo que éem si, o qual se manifesta na relação que existe entre sua personalidade e o ato68.
A culpabilidade, portanto, é psicológica, entendida entre a relação subjetiva
do autor e o-seu ato, mas que tem nisso a expressão da própria natureza do autor.
De qualquer forma, dolo e culpa, nesta concepção são a própria culpabilidade.
Diz-se, pois, que o conteúdo material do conceito de culpabilidade está
representado pelo caráter anti-social do autor, que não ajusta sua conduta à
ordem social, cognoscível pelo ato cometido. Não se pode olvidar que a concepção de von Liszt se dá no ambiente
positivista, onde se estabelece o determinismo. Assim, toda conduta humana
é determinada e determinável pelas relações gerais, acrescendo-se também os
fatores sociais à personalidade material e espiritual do delinqüente para avali
ar a sua culpabilidade.
Acerca da teoria de von Liszt, mister destacar que, na 25a edição do seu
Lehrbuch, já sob a colaboração de Eberhard Schmidt, houve uma mudança de
direção no sentido de posicionar a culpabilidade no esquema normativista, a se
guir exposto, conquanto adiciona um elemento estranho a este positivismo que
era o elemento caracterológico. Apenas argumentandum tantum, a culpabilidade,
longe de ser apenas uma relação de autor e ato, consistiria em uma total confusão
com a conduta e caráter do culpável (Charakterschuld)69. Isto é, a culpabilidade
não só supõe a comprovação da discrepância entre a conduta do autor e a exigência
jurídica, como também suscita o problema do porquê o processo de motivação foi
defeituoso, acarretando, então, na valoração do caráter do autor e no reconhecimento de sua perigosidade, isto é, na disposição anti-sodal do sujeito.
3.1.1.2 C r ít i c a s à t e o r ia d e v o n L i szt
Ao analisar a teoria de von Liszt, afirma Frank que este faz uma confu
são entre o fato e a conseqüência jurídica, isto sem olvidar que parte o autor da
68 Op. cit., p. 12.69 QUINTANO RIPOLLÉS, Antonio. Hacia una posible concepción unitaria jurídico-penal de Ia
culpabilidad. ADPCP, 1959, p. 9-10.
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5 0 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e i t o P e n a l
cepção dolo e culpa são a própria culpabilidade, e não se pode dizer que estes
sejam a mesma coisa, mormente quanto à voluntariedade, aliás, própria do dolo,
pois no que tange à culpa, não há relação entre a vontade do agente e o fato
previsto na norma como delito; isto é, não se pode afirmar que haja nexo decorrespondência com o resultado, pois falta-lhe justamente a vontade.
Conseqüência deste pensamento seria o completo abandono da culpa
inconsciente ou culpa sem representação, pois nela o autor não pode prever a
produção do resultado delitivo, caracterizando-se pela falta de representação
da possibilidade de resultado pelo autor. No tocante à culpa consciente, ten-
tava-se explicar seu caráter psicológico a partir do conhecimento do perigo
suposto, em que não se quer a lesão, porém se prevê a sua possibilidade.De qualquer forma, não bastava a previsibilidade ou previsão da lesão
para que a imprudência existisse, visto que o caráter desta determinação é o
dever de cuidado, e esta assertiva acarreta o reconhecimento de que a impru
dência é normativa, e surge em razão de infração da norma de cuidado, até
mesmo porque no âmbito da culpa, “as lesões são teoricamente previsíveis,
conquanto que temos o dever de prever as lesões sob cuja possibilidade nor
malmente contamos”76.Pelas dificuldades encontradas, surgiu a tese de que na culpa inconscien
te não há culpabilidade77.
Também em certas causas de exclusão da culpabilidade, mostra-se con
traditória a teoria psicológica, não conseguindo se firmar em razão de ser reco
nhecida a relação psicológica entre o sujeito e o seu ato, subsistindo o dolo,
como, por exemplo, no estado de necessidade exculpante ou no medo insupe
rável78. Nestas hipóteses, o sujeito age em manifestação inequívoca de dolo.Ainda nesta concepção, não se consegue explicar quando um incapaz ou
inimputável realiza um fato nas condições psicológicas exigidas e, contudo,
não se pode afirmar que atuou culpavelmente.
Por fim, após asseverar que a característica principal desta concepção era a
de conceituar o delito a partir de um significado atemporal, sociologicamente
76 MIR PUIG, Santiago. Derecho penal parte general, p. 533.
77 KOHLRAUSCH. Die Schuld (Vorsatz, Fahrlãssigkeit, Rechtsirritum, Erfolgshaftung), p. 214 eKAUFMANN, Arthur. Das Schuldprinzip, p. 162.
78 No Brasil, estas causas são vistas como sendo supralegais de exclusão da culpabilidade.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 51
neutro e psicologicamente estéril, aponta Juarez Tavares que a sua conseqüência
é o reconhecimento de que a responsabilidade não decorre do agente, mas ape
nas dos elementos que constituem o fato79.
3 .2 O POSITIVISMO NORMATI VISTA
Surge o positivismo normativista como resultado de uma grande rede
finição metodológica iniciada no final do século XIX, e sustentada pela
filosofia neokantiana em defesa da ciência dos valores, em contraposição às
ciências naturalísticas.
Pelos postulados neokantistas, é a ciência definida como um conjunto de
proposições cujos elementos são conceitos perfeitamente determinados, cons
tantes em todo o complexo do pensamento e universalmente válidos, no qualas partes estão unidas em uma totalidade sistemática.
Questão que se apresentava era a da contraposição das ciências naturais
com as ciências do espírito. As primeiras tendo por objeto o estudo da natureza
e das leis da causalidade cega, tentando explicar os fenômenos da natureza;
pelas segundas, em troca, orientam-se pela análise de vida humana, do mundo
espiritual onde reside a liberdade, explicando-a por meio dos valores e dos juí
zos de valor, tentando compreender os fenômenos da natureza80, ou, noutraconsideração, “o neokantismo procura estabelecer um conceito racional dos fe
nômenos, substituindo a dedução transcendental pela indução reflexiva”81.
O Direito Penal, portanto, insere-se na óptica das ciências do espírito, em que
seu objeto é o atuar humano, contemplado desde uma perspectiva axiológica82.
Tendo em Rickert, Lask e Radbruch seus maiores defensores, o neokan
tismo sustentava uma revolução no sistema e no método da ciência penal, mas
que, a meu aviso, não se pode dizer que seja verdade, isto porque tal como
fizera Welzel ao criticá-lo, serve-se o pensamento neokantiano das contribuições trazidas pelo pensamento naturalista alemão, apenas introduzindo o ele
mento valor, razão pela qual discordo desde já pelo aspecto renovador que se
dá a este pensamento filosófico.
79 Culpabilidade: A incongruência dos métodos. RBCC, n9 24, p. 145.
80 DILTHEY, W. Introducción a ias ciências del espíritu, conforme COBO DELROSAL, M. e VIVESANTON, T.S. Derecho penal - parte general, p. 95.
81 TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal, p. 34.
82 COBO DEL ROSAL, M. e VIVES ANTON, T.S. Derecho pena! parte general, p.95.
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5 2 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o Pe n a l
De qualquer forma, com esta teoria, instalou-se o juízo de valoração jurídica,
em que não se tratava de descrever as realidades naturalísticas, externas ou internas,
senão o de compreender o significado valorativo dos conceitos jurídicos. Neste
momento, o Direito é visto como ciência da cultura, isto quer dizer que seus valores
são apriorísticos, ou seja, os valores precedem ao próprio conhecimento do homem.
No que diz respeito ao Direito Penal, esta valoração recaía nitidamente sobre a
teoria do delito, primordialmente sobre a ilidtude e a culpabilidade ou, se preferir,nestes elementos do crime houve a incidência de uma forte carga normativa.
Nesta concepção, os elementos subjetivos e normativos do dolo foram
identificados, e estes, ao lado da culpa, passam a integrar a culpabilidade, não
mais se confundindo com esta, tal como fizera o naturalismo83. A antijuridi-cidade passou a ser vista também sob a óptica material, ou seja, é a mesma a
efetiva lesão ao bem jurídico, não mais apenas a contrariedade do fato com oDireito. Já a culpabilidade mantém o vínculo psicológico entre o agente e o
fato, como acima visto, tendo reconhecido o dolo e a culpa como elementos
subjetivos, verificando-se, ainda, a forte carga normativa de juízo de valor,
identificando-a pois como culpabilidade psicológica-normativa, concebida
como reprovabilidade pela vontade defeituosa (dolo e culpa)84. Nesta esteira de pensamento, finaliza o neokantismo com sua grande
proposta que é a propugnada pela teoria da inexigibilidade de conduta diver
sa, que articula a exclusão da responsabilidade criminal, quando o homem
médio, a se identificar como o homem modelo padrão da sociedade, realiza o
comportamento incriminador, a se considerar que, se o mesmo assim o fez,
todos podem fazê-lo, isto porque o homem médio é aquele valorativamenteideal, e, se é ideal, não pode sofrer as amarguras da lei penal.
Pela observação dos manuais brasileiros atuais, afirma-se que a maioria
dos autores adota este posicionamento advindo dos postulados neokantistas85.
83 A partir dos anos 30, grande parte da doutrina italiana mostrou-se adepta da estrutura normativa da culpabilidade, ainda que marcada pela forte influência psicológica, presentes então algumas particularidades. Ccnforme ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto pena/e - parte generale, p. 139, 179 e 183; e MAGGIORE, Giuseppe. Derecho penal, vol. 1, p. 455-457. De outro lado, Giuseppe Bettiol manifesta-se a favor da concepção normativa de culpabilidade. Diritto penale - parte generale, p. 244.
84 Lecionava Bettiol que "o crime é o fruto de uma valoração, e não apenas de uma constatação". O problema da culpabilidade. O problema penal, p. 150.
85 Entre outros Cezar Roberto Bitencourt, Manual de direito penaI, vol. 1, p. 298-299, Luiz Régis Prado, Curso de direito penal brasileiro, parte geral, p. 276 e Damásio Evangelista de Jesus, Direito penal, vol. 1, p. 477.
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De outro lado, não se pode negar a grande contribuição dada pelo siste
ma neokantista ao Direito Penal, mormente pela verificação do conteúdo
material do tipo e da antijuridicidade, reconhecendo-se o dolo e a culpa como
elementos da culpabilidade.
A grande crítica que faço a esta concepção é a de que a mesma via o
Direito Penal como um sistema fechado, sem qualquer absorção das mudan
ças sociais, impondo a toda coletividade valores morais universais, muitos des
tes repelidos inclusive em manifestação inequívoca de desrespeito ao pluralismo
ideológico, hoje já consagrado entre nós pela Constituição Federal de 1988.
Dessarte, a culpabilidade se viu beneficiada pela influência da filosofia
neokantiana e dos valores, acrescendo-lhe o caráter normativo, substituindo-se então a dedução lógica e a classificação por fórmulas éticas e juízos de valor.
Portanto, diferentemente do que ocorria no positivismo naturalista,
em que os objetos deveriam ser compreendidos na medida em que se iden
tificassem os seus efeitos e o conhecimento não era de simples descrição
do objeto em si mesmo, mas a descrição se fazia por meio do processo de
causalidade deste objeto, a filosofia neokantiana preconizou que o objeto
não poderia ser compreendido no seu elemento causai, mas deveria serconsiderado uma criação do próprio intérprete. Portanto, a análise queantes se fazia a partir dos efeitos produzidos pelo objeto é substituída
pela atribuição que o intérprete dá ao objeto, valendo-se de dados extraí
dos da propriedade e característica.
Por fim, para esta corrente metodológica, pode-se dizer que os elemen
tos do delito não são constatados empiricamente, ao contrário, são atribuídos
pelo ser-humano e passam a ter validade não como um fenômeno natural,
mas sim como um fenômeno jurídico.
3.2.1 Teo rias no rmativas da culpabilidade
Em vista das dificuldades proporcionadas pela teoria da culpabilidade
psicológica, e corolário da redefinição metodológica proposta pela filosofia
neokantiana, surge a concepção normativa de culpabilidade em diversas acep
ções, elaborando toda uma nova sistemática não só para a culpabilidade, mas para toda a teoria geral do delito.
Dentre as diversas mudanças propugnadas pelo normativismo no Direito
Penal, mormente no que atinge a eulpabilidàde, conforme aponta Achenbach,
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F á b io G u ed e s d e P a u l a M a c h a d o - 55
bilidade de conhecimento do injusto até alcançar o juízo hipotético de cons
tatação do poder agir de outra maneira89.
Ainda não se pode olvidar que o problema em tomo da imprudência con
tribuiu para o aprofundamento dos estudos em tomo do elemento normativo,elemento este que, posteriormente veio a se tomar a base da teoria normativa daculpabilidade. Igualmente quanto à problemática advinda com a excludente do
estado de necessidade, “surgirá o princípio da exigibilidade de conduta adequa
da à norma, que se converterá no fundamento das causas de exculpação”90.
Pela teoria do elemento normativo da culpabilidade, há que se entender,a partir da inclusão de um conteúdo ético ao elemento normativo, denominado de contrariedade ao dever. Parte-se da idéia de que a culpabilidade é um
conceito recolhido da ordem moral e que a contrariedade ao dever determina-
se a partir dos juízos de valor vigentes, concedendo-se ao juiz uma amplamargem de arbítrio no julgamento. Nesta concepção, o dolo se caracteriza
pela consciência da contrariedade ao dever, e a culpa pela possibilidade dessa
consciência. Posteriormente, esta teoria é desenvolvida por Goldschmidt, ou
torgando caráter jurídico à contrariedade.
Já quanto ao caráter normativo da culpabilidade, é a mesma um juízo de
valor, ainda que os critérios determinantes sejam psicológicos. Não se pode esquecer que, nesse aspecto, dolo e culpa integram a culpabilidade. Percebe-se,
portanto, que esta concepção passará a ser mais desenvolvida do que a anterior.
Em realidade, o conceito normativo de culpabilidade constitui-se como
uma mera ampliação da relação entre fato e desaprovação jurídica elaborada
pelos adeptos da teoria psicológica da culpabilidade, destacando-se o abando
no do dolo e da culpa como critérios únicos de limitação da reprovação. Nesta
concepção, a reprovação é normativa, porém seus pressupostos são fáticos.
De positivo, pode-se dizer que a grande contribuição do neokantismo,
no que se refere à culpabilidade, foi a de capacitá-la com conteúdo material,
como medida de superação da neutralidade normativa, introduzindo critérios
axiológicos, tratando o homem como indivíduo racional, responsável e livre.
Com essa nova diagramação, o conceito formal de culpabilidade detém
os pressupostos ou requisitos com que se fundamenta aparentemente neutro
89 TAVARES, Juarez. Culpabilidade: A incongruência dos métodos. RBCC, nfl 24, p. 148.90 PÉREZ MANZANO. Culpabilidad y p re v e n c ió n :p. 76.
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5 6 - Cu lpab i lidade n o D i r e ito Pena l
ou não- valorativo, ao passo que, pelo conteúdo material, busca-se ir mais
além da mera exigência formal de culpabilidade, ou seja, pretende-se encon
trar argumentos que expliquem a intervenção penal e que respondam à pergunta do por que o estado pode impor uma pena a determinadas pessoas
qualificadas como culpáveis91.
No intuito de responder a esta e a outras perguntas, a concepção normativa
serve-se de teorias fundadas em considerações éticas, sociológicas ou ideológicas
para, a partir disso, legitimar a imposição da pena. Nota-se que, neste momento,
serve-se o Direito Penal de critérios pré-jurídicos e alguns bem próximos da moraL
Conforme assevera Cuesta Aguado, constata-se que a obtenção do con
ceito material da culpabilidade não pode se separar do modelo de sociedade a
que se corresponda, sob pena de se obter uma visão apenas parcial. Por conse
guinte, significa dizer que se está questionando e modulando a imagem ou o
conceito de homem que promove uma determinada sociedade92.
3.2.1.1 A CONCEPÇÃO NORMATIVA DE FRANK
Renard Frank foi o idealizador da primeira vertente normativa da culpa
bilidade com a obra “Obra den Aufbau des Schuldbegriffs” (Sobre a estrutura do conceito de culpabilidade), publicada em 1907, em comemoração ao
aniversário de 300 anos de fundação da Universidade de Giessen93.
Ao elaborar a sua teoria, destaca o autor a impossibilidade de conside
rar importante para a culpabilidade somente o dolo e a culpa e de não reco
nhecer importância à imputabilidade e às circunstâncias concomitantes dofato (begleitende Umstãnde).
Sobre a imputabilidade, afirmava que esta não era a capacidade de cul
pabilidade (Schuldfãhigkeit), nem seu pressuposto, mas sustentava pertencerà própria culpabilidade94.
91 CUESTA AGUADO, Paz M. de Ia. El concepto material de culpabilidad, disponível na internet em <http:üinicia.es!de/pazenred!>
92 El concepto material de culpabilidad, disponível na internet em <http://inicia.es/delpazenred/ >, consultado em 21 de junho de 2001.
93 Esta afirmativa é contrariada por Pérez Manzano, ao afirmar que o fundamento do pensamento de Frank reside na ruptura do dogma das espécies de culpabilidade e não na introdução do
juízo de reprovação. Op. cit., p. 79 e ACHENBACH, Hans. Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione della colpevolezza di Reinhard Frank. RIDPP, 1981, p. 848.
94 ACHENBACH, Hans. Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione della colpevolezza di Reinhard Frank. RIDPP, 1981, p. 849.
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F á b i o G u e d e s d e P a u i a M a c h a d o - 57
Em face do destaque, a imputabilidade e as circunstâncias concomitantes do fato integram os elementos constitutivos do conceito de culpabilidade
(Schuldelemente) ao lado do dolo e da culpa.
Para justificar sua teoria, advertia Frank que, nos casos de aplicação da
causa de inculpabilidade do estado de necessidade do antigo art. 54 do Código Penal alemão, concorre o dolo. Portanto, a culpabilidade não se esgotavaapenas no nexo psicológico entre o autor e o resultado delitivo.
No curso das discussões sobre a culpabilidade, Frank passa a utilizar o termoreprovabilidade (Vòrwerfbarkeit), deixando a culpabilidade de ser entendida como
uma simples relação de ordem psicológica entre o autor e seu fato, assinalando à
imputabilidade, ao dolo (discernimento do alcance) e à culpa (possibilidade dediscernir), a normalidade das circunstâncias em que o sujeito levou a cabo a con
duta delitiva como elemento da culpabilidade95.
Nesta estrutura, se presentes apenas o dolo ou a culpa, não se podefalar em reprovação, pois é necessário que concorra a normalidade das circunstâncias nas quais o autor atuou96, isto é, “não fica a culpabilidadeesgotada na referência psicológica, senão que recebe seu conteúdo por meioda reprovação que leva consigo, ou seja, mediante um juízo normativo de
valoração”97.
Frisa-se que este último elemento, circunstâncias em que o sujeito
atuou, de natureza objetiva, foi posteriormente substituído pela motivaçãonormal (normale Motivierung), agora no contexto subjetivo de emprego naconsciência do autor, isto em 1911, a partir da publicação da 8a edição deseu “Kommentar”, o que lhe valeu a crítica de ter dado “um decisivo passo
atrás em direção à concepção da culpabilidade como um conjunto de momentos interiores meramente subjetivos”98.
Posteriormente, a partir da publicação da 11a edição da sua obra até a 14a,volta Frank a modificar sua concepção, abandonando a normal motivação paraem seu lugar introduzir as causas de exclusão da culpabilidade (Entschuldigungs
95 O conceito introduzido por Frank, de "normalidade das circunstâncias em que o sujeitoatuou", pode ser entendido como sendo uma atitude normal do autor; uma relação psíquica do autor com o fato em questão, ou ainda, a possibilidade desta.
96 FRANK. Estructura del concepto de culpabilidad. RPCP, 1994, p. 789.97 MEZGER. La culpabilidad en el moderno derecho penal, p. 14.98 ACHENBACH, Hans. Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione deliacolpevolezza di
Reinhard Frank, RIDPP, 1981, p. 851.
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58 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e i t o Pe n a l
o u Schuldausschliessungsgründe), cuja hipótese principal seria integrada pelo
estado de necessidade previsto no § 54 do StGB, atual § 55".
Apesar das modificações realizadas e acima apontadas, na 15a edição, ao
lado do dolo e da culpa, surge um elemento positivo e de maior amplitudeque Frank define como “Freiheit”, entre nós “liberdade ou o domínio sobre o
fato”, mantendo, não obstante a todas modificações feitas, a definição de cul pabilidade como reprovação100.
Analisado o pensamento de Frank sobre a culpabilidade, diz-se que o
mérito desta teoria é o de ter dado um lugar relevante para as circunstâncias
em que a ação é realizada para se determinar a culpabilidade do agente, a se
verificar do próprio exemplo de Frank, que afirma que não se pode entendera presença da mesma culpabilidade entre o caixa de uma empresa que se
apodera do dinheiro que lhe foi confiado, tendo uma boa situação econômica,
carecendo de família e com amantes dispendiosas com a do modesto carteiro,
mal remunerado, com mulher enferma e numerosos filhos pequenos, e que
também se apodera do que não lhe pertence101.
Expõe Frank na análise deste exemplo, que a culpabilidade aumenta
pela situação econômica favorável e diminui pela situação desfavorável102. Assim sendo, extrai-se do pensamento de Frank que se as circunstâncias conco
mitantes podem atenuar a culpabilidade e, ainda, não há risco nenhum em
reconhecer-lhes também a capacidade de excluir a culpabilidade, o que seria
impossível para os adeptos da teoria psicológica da culpabilidade, posto que
estes centralizam suas atenções apenas no dolo e na culpa e, em não figurando
estas circunstâncias entre os citados institutos, sua teoria não teria condições
de explicar a diminuição da culpabilidade, isto é, estas circunstâncias nas quais
a ação foi realizada não interferem no dolo ou na culpa, não afetando a exis
tência da própria culpabilidade.
99 ACHENBACH, Hans. Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione delia colpevolézza di Reinhard Frank, RIDPP, 1981, p. 851.
100 Idem, op. cit., p. 852. Ainda, afirma Pérez Manzano que na 18a edição de seus comentários ao Código Penal alemão, conceitua Frank a culpabilidade como a reprovabilidade de uma conduta antijurídica, segundo a liberdade, fim e significado conhecido ou cognoscível. Culpabilidad y prevención..., p. 80.
101 FRANK. Estructura del concepto de culpabilidad. RPCP, 1994, p. 781.
102 FRANK. Estructura del concepto de culpabilidad. RPCP, 1994, p. 781-782. Ainda, tem-se aqui a gênese do que hoje convencionou-se chamar-se co-culpabilidade.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 5 9
Fundamentando seu pensamento quanto à culpabilidade, assevera Frank
que é preciso concebê-la integrando os elementos dolo e culpa, a imputabili
dade e as circunstâncias concomitantes103.
Por fim, afirma Mezger que Frank obtém os fundamentos para a suateoria normativa a partir das causas de exclusão da culpabilidade104.
Em suma, ao pensamento de Frank, não é negada a participação de elemen
tos extrajurídicos, notadamente psicológicos na noção de culpabilidade, erguen-do-se como a própria essência da culpabilidade a reprovabilidade, que é um juízo
de valor normativo e culturalista no fenômeno metafísico ou físico, estes últimos
até então somente objeto de preocupação dos autores clássicos e positivistas.
3 .2 . 1 . 1 .1 C r í t i c a s à c o n c e p ç ã o n o r m a t i v a d e F r a n k
Embora a concepção de Frank seja reconhecida como o primeiro degrau
do normativismo, críticas lhe foram endereçadas pelos demais autores de sua
época. Estas críticas ora se endereçaram para a acepção objetiva, ora para aacepção subjetiva, isto em razão das modificações ocorridas e acima citadas ao
longo da construção sobre a culpabilidade.
Na concepção que traz as circunstâncias concomitantes como elemento
da culpabilidade, diz-se que metodologicamente ela colide consigo mesma,
posto que reúne na culpabilidade elementos subjetivos e objetivo, em especialquando a este último caractere se refere ao fundamento e à medição da pena,
impondo à culpabilidade um caráter objetivamente inadmissível105.
Substituída esta concepção pela da motivação normal, ela igualmente
sofreu críticas, agora por proporcionar um retorno ao subjetivismo e às formastradicionais de culpabilidade, mantendo-as em face da posterior alteração que
possibilitou a graduação de culpabilidade, maior ou menor, a partir da maior
ou menor proximidade da motivação com a motivação correta106.
3 .2 .1 .2 O NORMATIVISMO PURO DE GOLDSCHMIDT
A partir da estrutura de Frank, Goldschmidt na sua obra “Der Notstand
ein Schuldproblem”, escrita em 1913, sobre o estado de necessidade, e no
103 Idem, op. cit., p. 786.104 MEZGER. La culpabilidad en el moderno derecho penal, p. 15.
105 ACHENBACH, Hans. Riflessioni storico-dommatiche sulla concezione della colpevolezza di Reinhard Frank. RIDPP, 1981, p. 854.
106 FRANK, Reinhard. Estructura del concepto de Ia culpabilidad, p. 13-14.
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60 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e i t o P e n a l
artigo em homenagem a Frank, em 1930, com o título “Normativer
Schuldbegriff”, acentua o caráter normativo da culpabilidade, ao considerar
que esta supõe o descumprimento de uma norma de dever, que rege a condutainterna, independentemente da norma de Direito, que regula a conduta externa
e cuja infração determina a antijuridicidade107.
Esta concepção parte da independência das normas, a de direito, definidora da noção de injusto, é a de dever, que é a da culpabilidade, denominada
por ele como “Pflichtwidrigkeit”.
Nesta estrutura, ao contrário de Frank, traça-se a ruptura do psíquico e
ético estabelecendo o normativismo puro, isto é, outorga-se um conteúdo jurídi
co ao elemento normativo contrariedade ao dever. Posiciona imputabilidade, doloou culpa e motivação normal ou liberdade (elemento normativo) como pressu
postos da culpabilidade, que passam, a seu aviso, a eqüivaler ao fundamento daviolação da norma de dever. Esta norma de dever é um mandato que compele o particular a motivar-se pelas representações de valor jurídico dirigida à determi
nação de sua vontade de atuação e não com fins morais e éticos. Destaca-se queo dever de obediência ao Direito prevalece sobre todos os demais motivos, equando o mesmo sucumbe, reconhece-se uma vontade de atuação contrária ao
dever encaminhada para a produção de um resultado antijurídico108.
No que se refere à citada distinção de normas, norma jurídica ou norma de
Direito da norma de dever, a primeira se refere à conduta externa, à causalidadeque o ato viola. Já a segunda se refere à conduta interior ou sobre a motivação
que, ao ser lesionada, faz surgir a culpabilidade do autor. E uma norma quemanda o particular se motivar pelas representações de valor jurídico.
Portanto, Goldschmidt dá à culpabilidade a face de um juízo de repro
vação que se compõe da exigibilidade, entendida como o dever de motivar-se pela representação do dever indicado na norma de direito, que pressupõe do
autor o poder ou domínio sobre o fato. Em breve relato, apresentava a noção
de culpável como uma situação de fato valorada normativamente.
107 CEREZO MIR, J. Derecho penal parte general, p. 18.108 GOLDSCHMIDT, James. La concepción normativa de Ia culpabilidad, p. 23-24. Seguindo
estes postulados, afirmava Bettiol que "a culpabilidade não consiste na voluntariedade de um
evento ilfcito (concepção psicológica), mas em ser ilícita a vontade de que o crime provém,quer dizer, ser uma vontade que não se devia ter, uma vontade contrária ao dever (concepção valorativa e normativa). Não obstante ao preconizado, acrescenta à formulação da culpabilidade o elemento da normalidade das circunstâncias de fato em que o agente quis e agiu, aqui voltando-se a Frank. O problema da culpabilidade. O problema penal, p. 152 e 155.
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F á b i o G u e d e s d e Pa u l a M a c h a d o - 61
Também sustenta Goldschmidt a possibilidade de graduação da culpa
bilidade, que será maior na medida em que a motivação do autor se afaste da
motivação justa e menor quanto mais se aproximem as circunstâncias das
causas de exclusão.
Quanto às causas de exclusão da culpabilidade, fundamenta que se pode
atuar infringindo uma norma de dever sem por isto atuar culpavelmente, pois
pode existir um caso de contrariedade ao dever excepcional.
Portanto, para Goldschmidt o conteúdo material da culpabilidade se
verifica mediante a idéia do dever de observância de uma norma, ou seja, um
dever que emana da exigência de obediência que esta encerra. Já para o crime
culposo, considerou-o como infração do dever de cuidado, pois refere-se àdesobediência de um dever jurídico, e isto fundamentará a culpabilidade.
3 .2 .1 . 2 . 1 C r í t i c a s à c o n c e p ç ã o n o r m a t iv a p u r a d e G o l d s c h m id t
As críticas construídas recaem sobre a “suposição de uma norma de dever
com função de determinação independente da norma jurídica, e que não se
tenha formulado no sistema normativo,,^çpacluindo, equivocadamente o jurista,
que assim como existe o injusto não-culpável, também é concebível a culpabi
lidade sem resultado antijurídico, expondo como exemplos os casos da tentativae da culpa inconsciente”109, ou, em outras palavras, não poderia Goldschmidt
“separar da sua teoria a norma de dever, pois a norma de dever nasceu direta
mente da norma de valoração objetiva, que representa o juízo jurídico de valor,
como norma de determinação subjetivamente dirigida e fica conectada de for
ma inseparável com a norma dojvaloração”110.
Esta construção dogmática acarretou como conseqüência extrema “con
templar a culpabilidade como uma variante da antijuridicidade, referida não
às normas puramente jurídicas, senão nas de dever ou antidever, com os con
seguintes transtornos na construção jurídica do delito”111.
Ainda, cabe afirmar que, na moderna sistemática do Direito Penal, não
existe culpabilidade sem resultado antijurídico, pois esta não se preocupa em
tratar atos justificados pelas normas de Direito. Daí a razão pela qual deve ser
109 MUNOZ MARTINÉZ. Op. cit., p. 22.110 MEZGER. La culpabilidad en el moderno derecho penal, p. 16.111 QUINTANO RIPOLLÉS, Antonio. Hacia una posible concepción unitaria jurídico-penal de Ia
culpabilidad. ADPCP, 1959, p. 489.
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62 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o Pe n a l
rechaçada uma culpabilidade construída sobre os pilares de uma norma dedever não jurídica.
Não obstante Goldschmidt romper com o positivismo sociológico de Franz
von Liszt, que tinha definido a culpabilidade como a relação subjetiva do autorcom o resultado antijurídico, remonta o autor ao idealismo kantiano, a se perce
ber pelas afinidades da sua norma de dever com o imperativo categórico.
No que se refere ao conceito material de culpabilidade alicerçado por
Goldschmidt na teoria da exigibilidade, sendo, pois, o fundamento da impu
tação da culpabilidade, juízo de reprovação, traduzido pela máxima “não se
deixar motivar pela representação do dever”, este não é um conceito normati
vo, senão um princípio regulador componente da teoria geral do Direito, hajavista não possuir nenhum conteúdo valorativo extremamente ético. Destarte,
não pode ser o fundamento material da imputação de culpabilidade, além de
que responder que se reprova porque era exigível outra conduta do autor do
delito, é o mesmo que não tornar claro o fundamento da imputação, o que é
incompatível num Estado Democrático de Direito.
3 .2 . 1 .3 A c u l p a b i l i d a d e d e a u t o r d e F r e u d e n t h a l
Na mesma linha normativa de seus antecessores, Berthold Freudenthalescreve em 1922 “Schuld und Vbrwurf”, afirmando que o requisito geral da
culpabilidade é a exigibilidade (Zumutbarkeit), de sorte que não se pode
exigir do sujeito comportamento conforme o Direito em razão de circunstân
cias concomitantes do fato presentes naquele determinado momento que as
sim o impediram de agir — impossibilium nulla est obligatio112. Aqui, é evidente
a aceitação do postulado inicial de Frank. Vê-se, assim, que a exigibilidade é o
núcleo do juízo de reprovação.Esta teoria centraliza-se nas possibilidades de atuação alternativa do sujei
to, em que deste só se podem esperar resoluções conforme o saber popular.
Trata-se, indiscutivelmente, de uma reflexão hipotética e valorativa que se de
termina por um juízo individual. Ou seja, para a aplicação desta exdudente não
se deve considerar um sujeito abstrato, mas o próprio sujeito, porque o dever de
evitar pressupõe o dever de fazê-lo, e este exame para Freudenthal tem projeção
112 Aqui é evidente a adoção por Freudenthal da estrutura inicial da culpabilidade normativa idealizada por Frank, chegando, inclusive, a criticá-lo por ter substituído o elemento circunstâncias normais do fato pela motivação. Culpabilidad y reproche en e l derecho penal, p. 69, 75, 76 e 98.
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F á b i o G u e d e s d e Pa u l a M a c h a d o - 63
individualizadora, pois não se podem ignorar as circunstâncias sob as quais atuou
o autor113. Frisa-se, desde logo, que neste aspecto a concepção de Freudenthal
foi minoritária, prevalecendo a construção doutrinária de criação de um sujeito
abstrato, também considerado “homem médio”, de elaboração por EberhardSchmidt e Edmund Mezger. Portanto, de alcance geral-individual.
Acerca de sua concepção dogmática, não se deve isolá-la do momento his
tórico e econômico vivido na Alemanha. Após a I a Guerra Mundial e imposto
um panorama sofrível aos países derrotados, pretendeu este autor amenizar os
rígidos princípios estabelecidos rumo a sentenças mais próximas da realidade da
vida, e isto porque o Direito, suas categorias e institutos estão voltados para o
homem, e não o contrário114. Assim, nesta estrutura a inexigibilidade assume
natureza de princípio geral de Direito, servindo a exculpação da reprovabilida-de. Para Freudenthal, a idéia da exigibilidade da não execução tem que serestabelecida de forma individualizada115, segundo as circunstâncias do caso con
creto e as possibilidades reativo-afetivas de seu protagonista. Asseverava o autorcom base em von Hippel, que “o dever de evitar pressupõe poder evitar”116.
Quem julga é o Direito, e através dele a concepção cultural do povo. Portanto, os
seres humanos devem comportar-se conforme as expectativas sociais.
Nota-se, pois, que surge a exigibilidade como elemento normativo autô
nomo da culpabilidade, comum, inclusive ao dolo e à culpa, e relacionada coma conduta adequada à norma. Este elemento é construído sobre o livre arbítrio
e sua capacidade de autodeterminação conforme o sentido.
Decorre da obra de Freudenthal que a inexigibilidade penal é desloca
da do âmbito da justificação para a exculpação. E mais, estas causas de ex
clusão da culpabilidade não podem ficar restritas apenas àquelas ditadas no
texto legal, elegendo para a satisfação de sua construção a supralegalidade.
Anos depois, a inexigibilidade é alçada à categoria de princípio reguladorgeral de Direito Penal.
113 Assevera Freudenthal, em apoio aFrank, que as circunstâncias concomitantessão aptas aatenuar ou excluir a culpabilidade. Culpab ilidady reproche en el derecho penal, p. 66. Logo, posiciona o autor como elementos da culpabilidade o dolo ou a culpa, a imputabilidade e as circunstâncias em que o autor agiu.
114 Na introdução de sua obra, refere-seFreudenthal a assertiva popular de declaração ou nãodeculpabilidade do sujeito pela máxima "nada poderia ter feito no caso", ou "agiu como quaisquer outro agiria em seu lugar". Culpab ilidad y reproche en e l derecho penal, p. 63 e 75.
115 Op. ci t, p. 88.116 Op. cit., p. 77.
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64 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o Pe n a l
Ao final de sua obra, previu que chegará o dia em que o legislador esta
belecerá, expressamente, que não merece pena criminal quem não pode evitar,segundo as circunstâncias do fato, sua execução117.
Referindo-se a Freudenthal, explica Juarez Cirino dos Santos que o ar
gumento utilizado pelo autor é poderoso, ao destacar que se a não-realizaçãodo fato punível requer uma força de resistência normalmente inexigível de
ninguém, então a ausência de poder (de agir conforme a norma de dever ou a
regra de direito) exclui a reprovação e, conseqüentemente, a culpabilidade118.
Percebe-se, então, que o autor relaciona exigibilidade e poder atuar de
outro modo. Nesta concepção, culpabilidade é “a desvalorização de que o au
tor atuou (criminalmente), enquanto podia e devia atuar de outra forma”119.Desta forma, coloca a não-exigibilidade como causa geral de exclusão da
culpabilidade, em razão de que o poder e dever atuar de outra forma depende
de circunstâncias concorrentes, e se não pode exigir outro comportamentoque o realizado, esta inexigibilidade se converte como causa supralegal de
exclusão da culpabilidade.
3 . 2 . 1 . 3 . 1 C r í t i c a s à c u l p a b i l i d a d e d e a u t o r d e F r e u d e n t h a l
As críticas que recaem sobre a construção doutrinária de Freudenthalsão aquelas de possível arguição à culpabilidade normativa e suas matizes. Acrítica vista como individualizada a Berthold Freundenthal foi idealizada por
Edmund Mezger ao lecionar que o juízo de valor concebido por Freudenthalse dirige, excessivamente, para os interesses individuais da pessoa, é dizer, do
autor individual, ao passo que o conceito normativo de culpabilidade tem que
fixar o equilíbrio justo entre os interesses da comunidade e do indivíduo120.
3 .2 . 1 .4 A c u l p a b i l i d a d e n o r m a t iv a d e M e z g e r
Edmund Mezger, aplicando uma metodologia própria das ciências do es pírito, na linha da Escola sud-ocidental alemã do neokantismo (Windelband,
Stammler, Rickert e Lask), elabora um sistema da teoria do crime em que cada
uma das suas categorias básicas (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) se
117 Op. cit., p. 97.
118 A moderna teoria do fato punível, 4a ed., p. 203.
119 FREUDENTHAL, B. Schuld und Vorwurf im geltendenStrafrecht, p. 6, apud Pérez Manzano,Culpabilidad y prevención :..., p. 80.
120 MEZGER. La culpabilidad en el moderno derechopenal, p. 17.
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Fá b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 65
refere a valores específicos derivados dos fins do Direito Penal que o penalista
teria que compreender, e não simplesmente observar ou descrever.
Considerado por muitos autores como sendo o principal representanteda filosofia neokantiana para o Direito Penal, é de se destacar o papel legiti
mador que tiveram as idéias de Mezger no desenvolvimento científico das leis
repressivas de caráter racista e a todo um sistema baseado na superioridade da
raça ariana e na pureza do sangue121.
Terminada a segunda guerra mundial, retorna o autor aos embates dou
trinários celebrando ao lado de Welzel (anos 50 e 60), a luta entre as escolas
causalista e finalista122, podendo-se dizer que o autor apenas modificou su
perficialmente a concepção dogmática anteriormente sustentada.
Quanto à ação, embora Mezger seja concordante em ser a mesma ontológica
e finalística, discorda de Welzel no tocante a valoração da mesma já na tipicidade,
e não na culpabilidade. Ou seja, o conteúdo da vontade deve ser objeto de valora
ção na culpabilidade, como forma da mesma, isto é, dolo ou culpa, salvo em alguns
tipos delitivos em que o legislador tenha interesse em destinar relevância penal à
conduta, ante a presença de determinadas finalidades, motivações ou desejos123.
Afirma Mezger que o essencial da concepção normativa da culpabilidade
é que ela se constitui como sendo um conceito jurídico-penal, e como tal deve
ser obtido a partir de uma total valoração normativa, portanto, a contrario sensu,
esta teoria se faz depender da “desvaloração da atitude espiritual do autor com
respeito ao ato em sua totalidade e não de quaisquer relações psicológicas entre
o autor e sua ação”124. A partir desta visão, define a culpabilidade como sendo “o
conjunto de pressupostos (fáticos) da pena que fundamentam o juízo de repro
vação situados na pessoa do autor”125. Noutras palavras, a culpabilidade era oconjunto de requisitos em que se baseia a reprovação pessoal da conduta antiju
rídica. Ou ainda, para ele se tratava de um comportamento psicológico culpável
e do juízo de valor normativo desse comportamento em uma só coisa. Já a conduta
121 MUNOZ CONDE, Francisco. Edmund Mezger y el derecho penal de su tiempo, p. 20.1 22 Na citada obra Edmund Mezger y el derecho penal de su tiempo, Francisco Munoz Conde
elabora minucioso estudo sobre a vida e obra deste polêmico autor, confrontando as antigas posições doutrinárias com a atual dogmática alemã.1 23 MUNOZ CONDE, Francisco. Edmund Mezger y el derecho penal de su tiempo, p. 82-83, e
MEZGER, Edmund. Modernas orientaciones de !a dogmática jurídicopenal, pp. 19-22 e 51-52.
124 MEZGER. La culpabilidad en e l moderno derecho penal, p. 18-19.
125 MEZGER, Edmund. Tratado de derecho penal, tomo II, p. 256.
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66 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o Pe n a l
antijurídica aparece desta forma como uma manifestação da personalidade da
quele que atua, que é desaprovada pelo Direito126.
Sobre Mezger, afirma Hans-Heinrich Jescheck, que esta compreensão já
tendia à concepção caracteriológica da culpabilidade, pois ao falar de personalidade não se está referindo ao autor individual, senão à personalidade dada
conforme a experiência127.
Diz Quintano Ripollés, que foi Mezger quem corrigiu a teoria normati
va, mantendo seus postulados essenciais que são sempre os axiológicos, respei
tando a presença dos elementos psicológicos na culpabilidade, acrescendo as
noções básicas do justo e do injusto128.
O citado autor insere dolo e culpa como duas formas de culpabilidade aolado da imputabilidade, que também denomina disposição ou estado da perso
nalidade do agente e, por último, a ausência de causas de exclusão, figurando
como corretivo. Quanto à culpa, somente prevista para os casos previstos em lei,
incorre aquele que desatendeu o dever que lhe incumbia prestar na realização
da devida diligência e que, portanto, não evitou a ação e suas conseqüências129.
Já quanto ao dolo, reconhece a dificuldade de determinação desta forma mais
grave de culpabilidade, pois este exige outras características que restringem em
certa forma o âmbito total da culpabilidade130. Com amparo no então vigente
126 Evolución del concepto jurídico penal de culpabilidad en Alemania y Áustria. Revista Electrónica de Ciência Penal y Críminologia, p. 4. Na acepção caracteriológica, podemos ressaltar algumas construções dogmáticas. Inicialmente, sustenta Rittler que o caráter antijurídico da vontade não se deriva do que o autor poderia ter se comportado também de outra maneira, senão do fato de que ele, em virtude de sua forma de ser, de acordo com seu caráter, se comportou precisamente mal, injustamente. Segundo Engisch, a concepção caracteriológica da culpabili
dade pede contas à pessoa pelo que ela é. Já para Heinitz, em Direito Penal cada um deve responder por aquilo que é. E verdade que diversas foram as construções caracteriológicas, não apenas desenvolvidas no seio alemão, mas também no austríaco, precisamente Wilhelm Wahlberg, que apontou: o autor poderia ter sido qualquer outra pessoa, e sua culpa reside em ser quem é e naquilo que, por conseguinte, faz. Apud Jeschech, op. cit., p. 4-5.
127 Na acepção caracteriológica, podemos ressaltar algumas construçõesdogmáticas.Inicialmente,sustenta Rittler que o caráter antijurídico da vontade não se deriva do que o autor poderia ter se comportado também de outra maneira, senão do fato de que ele, em virtude de sua forma de ser, de acordo com seu caráter, se comportou precisamente mal, injustamente. Segundo Engisch, a concepção caracteriológica da culpabilidade pede contas à pessoa pelo que ela é. Já para Heinitz, em Direito Penal, cada um deve responder por aquilo que é. É verdade que diversas foram as construções caracteriológicas, não apenas desenvolvidas no seio alemão, mas também no austríaco, precisamente Wilhelm Wahlberg, que apontou: o autor poderia ter sido qualquer outra pessoa, e
sua culpa reside em ser quem é e naquilo que por conseguinte faz. Apud Jeschech, op. c it, p. 4-5.128 QU INTANO RIPOLLÉS, Antonio. Hacia una posible concepción jur ídico-penal de Ia
culpabilidad. ADPCP, 1959, p. 490.129 MEZGER. La culpabilidad en el moderno derecho penal, p. 21.130 MEZGER. La culpabilidad..., p. 22.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 67
art. 59 do Código Penal alemão com a seguinte redação: “Se alguém, ao cometer
uma ação punível não conhecia a existência das circunstâncias do fato que per
tencem ao tipo legal, não lhe serão imputadas estas circunstâncias”, prescrevia
Mezger que, segundo a lei, é requisito indispensável o conhecimento das circunstâncias do fato que pertencem ao tipo legal. Assim, é inadmissível a separa
ção entre o dolò e a consciência da antijuridicidade da ação131.
Do pensamento mezgeriano, aufere-se que a concepção normativa da
culpabilidade não esgota seu conteúdo nas relações psicológicas constatadas,
senão que as assinala um juízo valorativo, o da reprovabilidade, a ponto de
sustentar categoricamente que a culpabilidade é o injusto pessoalmente re
provável (Schuld ist persõnlich vorwerfbares Unrecht).
Apoiando-se sobre o conceito da exigibilidade de um atuar distinto, enquanto fundamento geral da culpabilidade132, reconhece Mezger a culpabilidade
do sujeito quando o fato de não poder atuar se devia a outros fatores, tais como ainclinação do agente à prática do delito (delinqüente habitual). Esta construção
foi denominada de culpabilidade pela condução de vida (Lebensfuhrungsschuld),
isto é, o atuar reprovável do sujeito por suas anteriores etapas da vida133.
Por fim, nesta concepção, a culpabilidade radica na cabeça do julgador,
posto que só por virtude desta valoração, a situação fática adquire o caráter de
culpabilidade, do que se desprende a lógica conseqüência de que culpabilida
de é a direção reprovável da vontade do autor no caso concreto, não se poden
do conceber o caráter ético ou liberdade do querer, que são questões filosóficas
e não jurídico-penais no interior da culpabilidade. E mais: no campo jurídico,
a personalidade se concebe como sendo empírica e, em conseqüência, a culpa
bilidade penal não é culpabilidade da consciência senão “tão-só imputação da
ação para uma pessoa como seu causador”134.
3 . 2 . 1 . 4 . 1 C r í t i c a s à c o n c e p ç ã o d e c u l p a b i l i d a d e d e M e z g e r
A partir das várias formas de se entender um conceito normativo, critica
Pereda a imprecisão de Mezger ao se referir ao conceito normativo de culpabi
lidade, obscurecendo as diferenças entre a antijuridicidade e a culpabilidade.
131 Idem, op. cit., p. 29.
132 MEZGER, Edmund. Modernas orientaciones de Ia dogmática jurídicopenal, p. 54-55.
133 Idem, p. 55.134 MEZGER. Tratado de derecho penal, p. 18.
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68 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
Ainda quanto ao conceito de culpabilidade, visto que Mezger o colocava como
o conjunto de pressupostos da pena, indagava Pereda, o que diferenciava a cul
pabilidade do delito completo, acreditando que tivesse havido uma confusão
entre os conceitos de reprovabilidade, culpabilidade e imputabilidade135.
Tampouco parece lógico nem aceitável extrair por completo a culpabili
dade de seu autor para colocá-la em cabeça alheia, isto é, do julgador, até
porque a culpabilidade não é criada pelo juiz, é preexistente ao mesmo, pois
se a culpabilidade se refere ao ato antijurídico completo, este ato é e será
sempre imputável ao autor, de sorte que a culpabilidade não pode se desvin
cular de quem a gera, para colocá-la em outra pessoa cuja única função é
valorá-la frente ao sistema normativo136. Se assim fosse, surgiria única e ex
clusivamente em virtude do juízo de reprovação emitido pelo juiz ao qualifi
car o ato como culpável, daí falar-se na eliminação da concepção normativa
porque esta reduz a culpabilidade apenas a um mero juízo.
Neste aspecto, vale salientar a réplica dos adeptos da culpabilidade normati
va, no sentido de que o juízo de reprovação tem consistência normativa, ainda maislevando-se em consideração que o Direito é um conjunto de valorações e juízos,
pois o que existe, em realidade, é que um dado de fato unicamente assume valor e
relevo quando se põe em relação com a norma jurídica, isto é, quando é valorado.Desta maneira, subsiste na culpabilidade um liame psicológico, porém este só tem
significado quando possa ser valorado como juridicamente significativo137.
Outra crítica que se pode fazer a Mezger, esta de natureza metodológica,
é a de que a partir de uma concepção normativa que apregoa à culpabilidade,
não pode esta ter pressupostos de fato psicológico como seus integrantes, a se
ver pela própria conceituação que dá à culpabilidade.
Crítica comum a todas as concepções normativas da culpabilidade anali
sadas, é a que recai sobre o fato de todas estas persistirem em identificar a
responsabilidade do agente com dados externos a este, isto é, elabora-se o
juízo de censura que o toma como referência e não como fundamento, levan
do em consideração as possibilidades de seu conhecimento138.
135 PEREDA, J. El concepto normativo de Ia culpabilidad. ADPCP, 1949, p. 21.
136 MUNOZ MARTINEZ. Teoria alemana de Ia culpabilidade, p. 29.137 MUNOZ MARTINEZ. Op. cit., p. 37.
138 TAVARES, Juarez. Culpabilidade: A incongruência dos métodos, RBCC, nQ 24, p. 145.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 69
Como acentua Munoz Conde, a fundamentação teórica sobre o erro de
proibição dada a partir da teoria da culpabilidade pela condução de vida ante
rior à prática do fato, possibilitava a punição do agente pela prática de delito
doloso àqueles que assim não atuavam, pois a atitude demonstrada durante
toda a sua vida frente ao ordenamento jurídico considerado em seu conjunto
mereciam ser castigados pela sua cegueira ou inimizade jurídica, ou seja, com
a pena do delito doloso139. Para Mezger, existe a inimizade jurídica quando o
autor mostra com seu fato uma atitude total que é incompatível com um sano
sentimento do justo e do injusto. A partir desta construção, inclusive utiliza
da para fundamentar a analogia, é inequívoca a simpatia de Mezger pelo ideal
nacional-socialista mesmo após o término da guerra.Por fim, quanto a questão da culpabilidade firmada a partir da base carac
teriológica, fica sem explicação o porquê pode se ter penalmente responsável o
autor por ser o que é. Isto significa inserir no sistema penal a responsabilidade
objetiva por se mostrar como conseqüência inevitável da natureza do sujeito.
3.2.2 A CULPABILIDADE PRÉ^FINAIISTÀ
Identificados os problemas em tomo da culpabilidade normativista pelos próprios integrantes da escola normativista, corroborado pelos estudos já inicia
dos por Welzel sobre a teoria final da ação e agregada ainda as seqüelas do
nacional-socialismo, Graf zu Dohna, von Weber e Helmuth Mayer iniciam o
processo de reconstrução da dogmática penal que acarretará em mudança de
opinião no que se refere à culpabilidade.
3.2.2.1 A c o nc ep çã o de G r a f zu D o h n a
Afirma Welzel que foi Dohna quem deu o passo decisivo para a com preensão de que no juízo de culpabilidade, tanto quanto no da antijuridici
dade, encontramo-nos ante o resultado de uma valoração. Destarte, para
assegurar a materialização de sua concepção, separou a valoração (reprovabili-
dade) e o objeto desta valoração, o dolo, reduzindo o conceito da culpabilida
de à valoração do objeto140.
A meu aviso, Dohna não só prestou esta colaboração, como contribuiu
para as bases da construção da teoria finalista ao negar dogmas dos seguido
1 39 Edmund Mezger y e l derecho pena! de su tiempo, p. 88.140 WELZEL. El nuevo sistema del derecho penal, p. 83.
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res do pensamento causalista, ainda que sem construir uma base metodoló-gico-filosófica para explicar suas afirmativas. Ao analisar o tipo objetivo,
afirmou que a ação constitui o núcleo do tipo e que não era essencial ao
delito ter um aspecto exterior perceptível pelos sentidos, até porque esteestá ausente nos delitos de omissão. Assim, os delitos de pura atividade se
traduzem em movimento corporal sem resultado. Já os delitos de comissão
por omissão em um resultado sem atividade corporal, para, após, afirmar
que delito é ação, e esta é a concreção da vontade que pode ser dirigida a
produzir ou evitar a atividade corporal141.
Quanto ao tipo subjetivo, afirmou que para o delito não era essencial
uma relação psíquica do autor com seu fato, até mesmo porque esta é ausentenos delitos culposos. Contudo, essa relação psíquica é a essência do dolo e,
quanto a este, especificamente, lecionou que atua dolosamente quem está
convencido de que com sua ação acarretará o resultado e que as circunstâncias
de fato acompanhantes estão presentes no caso142.
Na análise da culpabilidade, a partir do comentário de Welzel acima
transcrito, reside a afirmativa de zu Dohna de que “a essência da culpabilida
de descansa na valoração do tipo subjetivo, como a essência da antijuridicidade na valoração do tipo objetivo”143. Noutras palavras, elabora sua construção
dogmática a partir da distinção entre objeto de valoração e juízo de valoração.
Em suma, para Graf zu Dohna a culpabilidade é a determinação da
vontade contrária ao dever, tendo como seu pressuposto geral e indispensá
vel a capacidade de imputação, a ser entendida como a capacidade de com
preender o injusto de um fato e de determinar a vontade de acordo a essa
compreensão, sendo certo que esta capacidade está condicionada pela obtenção do grau de madurez necessária por uma consciência não pertubada e
por um estado de saúde mental144.
A partir deste dado elucidativo, tratou a teoria finalista de destinar a
cada um dos institutos citados um lugar mais apropriado no esquema da própria teoria geral do delito.
141 ZU DOHNA, Alexander Graf. La estructura de Ia teoria del delito, p. 18.
142 ZU DOHNA. Op. cit., p. 32- 33.143 Op. cit., p. 32.144 Op. cit., p. 66.
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3 .2 .2 . 2 A c o n c e p ç ã o d e H e l m u t h v o n W eber
Pouco conhecida, mas não menos importante, é a interpretação unitária
do normativismo na culpabilidade que Helmuth von Weber concebe no seu
livro “Zum Aufbau des Strafrechtssystems”.De pronto, é assinalado o dogma “não há pena sem culpa”. Disso decorre
que a reprovação permanece na pena, pressupondo ambas a presença da cul
pabilidade realizada ou em vias de se realizar, sem, contudo, determiná-la,
dado que a reprovabilidade permanece na antijuridicidade da ação. Isto é,
“reprovamos o autor que se tenha comportado antijuridicamente”145.
Disso decorre a caracterização do ato culpável como o agir antijurídicode quem poderia ter se comportado conforme o direito (Schuldhaft handelt,
wer rechtswidrig handelt, obwohl er rechts-mãssihandeln konnte)146. Por con
clusão deste pensamento, quem não puder conduzir-se conforme o direito,
estará livre de reprovação e deixará de ser tido por culpável. Vê-se, pois, que o
conceito de poder a ser compreendido a partir da evitabilidade do atuar anti
jurídico, definirá a estrutura da sua culpabilidade.
Nesta concepção, antijuridicidade e culpabilidade ficam bem destacadas uma
da outra, à primeira, corresponde uma nota de dever, e à culpabilidade, uma carac
terística de poder, mais detalhada do que a simples diferenciação entre o elementoobjetivo e subjetivo. Importante ressalvar que, ao discorrer sobre a noção de poder
e na evitabilidade da conduta, questões em tomo do livre-arbítrio e determinismo
são retomadas, até mesmo porque só se pode evitar algo quando se é livre.
3 . 3 O FINALISMO
Findada a II Guerra Mundial, Welzel retoma seus estudos estruturais
da filosofia finalista iniciados na década de 30.
As críticas de sua teoria recaíram sobre o positivismo naturalista e sociológico, o neokantismo e suas concepções relativistas-valorativas-normativistas,
com o intuito de afastar a teoria dos valores, formando, em troca, estruturas
lógico-objetivas (sachlogische Strukturen), implicando a vinculação entre va-
145 QU INTANO RIPOLLÉS. Hacia uma posible concepción unitaria jurídico-penal de Ia culpabilidad. ADPCP, 1959, p. 492.
146 QU INTANO RIPOLLÉS. Hac ia uma posible concepción unitaria jurídico-penal de Ia culpabilidad. ADPCP, 1959, p. 492.
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loração e realidade ôntica, que é para este sistema a ação, erguendo, destarte,
como resposta toda uma estrutura em torno da ontologia.
Tem o finalismo origem distante na construção aristotélica, na fenomeno-logia e nas novas direções da psicologia do pensamento do século XX, e na teoria
sociológica de Max Weber, na qual o objeto que se quer analisar condiciona os
resultados do raciocínio científico. Portanto, não é verdade que os resultados das
ciências culturais não dependam exclusivamente das valorações científicas147.
Estrutura-se a teoria finalista a partir do fundamento lógico-objetivo,
isto é, o ser em busca do conhecimento através do método fenoménológico.
Em decorrência dessa premissa, o ser-humano tem percepção e conhecimento
acerca das situações da vida —realidade e valor, logo, o ser-humano tem capacidade de prever determinada medida a partir das bases de seu saber causai e
as possíveis conseqüências de sua atividade. Dizia Welzel que a ação não é um
processo causai, mas é um processo de sentido onde a tipicidade não se esgota
na causalidade, senão na atividade humana, razão pela qual dolo e culpa não
podem permanecer na culpabilidade.
Com isso, quer Welzel dizer que o ser-humano organiza a sua conduta
de acordo com um sentido que lhe é imposto em decorrência de sua funçãocosmológica. Ou seja, o ser-humano tem um projeto de ação antecipadamen
te inscrito a ele, como condição da própria humanidade, e este projeto de ação
é o projeto finalístico.
Portanto, é correto afirmar-se que a teoria finalista nasce de uma con
cepção filosófica na qual se reconhece ao ser-humano, e em razão da sua con
dição de ser-humano, um projeto de ação orientado a determinados fins que
assegurem o seu bem-estar como pessoa humana e que se resumem na defesa
da vida, da liberdade e do patrimônio. Pode-se, então, dizer que aqui reside ofundamento ontológico da teoria da ação.
A finalidade para Welzel decorre deste projeto de ação que se assegura à
pessoa humana. Não é um projeto puramente causai, mas é de sensibilidade com
147 Com amparo na lição de Welzel, na obra Introducción a Ia filosofia del Derecho, destaca Luiz Régis Prado, no seu Curso de direito pena! brasileiro, p. 81, que a gênese do pensamento finalista advém do filósofo Richard Hõnigswald, esboçada em Fundamentos da Psicologia do Pensamento, como também nos trabalhos dos psicólogos Karl Bühler, TTieodor Erismann, Erich Jaensch, Wilhem Peters, e dos fenomenologistas P. F. Finke è Alexander Pfãnder, e não em Nicolai Hartmann, embora este tenha contribuído posteriormente na reformulação de seu pensamento.
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relação à realização da pessoa humana no mundo, e, portanto, não está vinculado auma simples observação empírica ou tampouco a uma mera formulação normativa.
Acerca desta ação, ela não é uma atividade que o Estado configure, nemé uma atividade causai, mas é uma atividade que decorre do próprio fundamento da pessoa humana. A pessoa humana não pode se desvincular do seu
projeto de ação no mundo, e este é o projeto final.
Para Welzel, a ação humana é o exercício da atividade finalista que se
funda sobre a base do conhecimento causai do homem, podendo prever as
possíveis conseqüências de sua atividade, de forma que, a partir desta consta
tação, o homem pode se propor objetivos e dirigir suas atividades em obediên
cia e tendente a conquistar seu objetivo. Esta vontade, que é consciente, deconquistar o objetivo, é o dolo, que a propósito, se constitui como o núcleo
desta concepção. Deste modo, o desvalor da ação é a inobservância dos valoresético-sociais fundamentais do atuar jurídico manifestado efetivamente.
Ainda, afirma o finalismo que o injusto penal baseia-se no fato de queapenas as ações e não os resultados podem ser objetos de proibição, além do
que o resultado é irrelevante para o injusto, porque sua produção ou não-
produção depende de “azar”, figurando, pois, como condição objetiva de pu-nibilidade ou como pressuposto de perseguibilidáde.
No âmbito da pena, discorre que, ao reafirmar as normas, reafirmam-se tam
bém as valorações que fundamentam as normas. Portanto, a pena é retribuição, ou
seja, é a reafirmação concreta do valor do ato que supõe a aplicação da pena justa.
E idéia de Welzel que o reconhecimento do homem como pessoa respon
sável é o pressuposto mínimo de uma ordem social que não quer se fazer valer
do poder, destarte, ressalta com esta colocação a dignidade da pessoa humana.Resultado desta inovação filosófica foi uma completa modificação do siste
ma dogmático-penal, transportando o tipo subjetivo para junto do objetivo, de-
purando-se a culpabilidade, que passou a ser puramente normativa, extraindo-se
a consciência da antijuridicidade do dolo, permanecendo na culpabilidade.
O finalismo não ficou isento de críticas e uma das mais severas foi a de que
seu ontologicismo era o mesmo que o apriorismo neokantiano. Na realidade, a
crítica não tem razão de ser, isto porque o apriorismo neokantiano presume-se a partir do conhecimento dos valores de forma absoluta, até mesmo em vista de
estar amoldado o Direito Penal num sistema fechado, ao passo que o ontologicismo recepciona o conhecimento relativo ou possível para o agente naquelas
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condições, de forma a se tomar impossível que seja o agente punido se, ao tempoda ação do delito, o mesmo não possuísse a consciência da ilicitude, surgindo daía estrutura do erro de proibição e a teoria extremada da culpabilidade. Deste
pensamento, origina-se o princípio hermenêutico da adequação social, afastando a incidência penal por meio da negativa da ripicidade quando um fato ocorrido estivesse descrito no preceito primário da norma.
Por fim, outra crítica que se deduz do pensamento welzeniano, é o de quenão há desvinculação do injusto da ação com o injusto do resultado, isso porque,a ação típica enquanto unidade de fatores internos e externos, incluindo o resultado, é o verdadeiro objeto da norma de determinação e de valoração em que se
baseia o injusto. Logo, a separação da ação e do resultado, colocando este parafora do injusto penal é indevido, isto porque o injusto penal não pode existir emqualquer de suas manifestações sem um resultado externo.
Diante desta crítica formulada pelos funcionalistas em geral, coloco-meao lado destes pensadores por entender que o injusto penal não pode distan-ciar-se da realidade das coisas, ou seja, ação e resultado devem ser compreendidos conjuntamente.
De outro lado, na defesa do finalismo welzeniano, antecedente imediato
do funcionalismo e criticado por reunir muitas categorias indemonstráveis, comomelhor exemplo o livre-arbítrio, é dito que o método ontológico das estruturaslógico-objetivas, não nasceu com a pretensão de marcar um determinado mode
lo social ou político, senão na tentativa de superar o Direito natural e o positivis
mo jurídico, como também de estabelecer teoricamente um limite à atividadelegislativa do Estado em favor do respeito à autonomia da pessoa148.
Ainda que os postulados finalistas não tenham sido completamente in
teriorizados no Brasil e em outros países também, alguns autores sustentamque eles já se referem ao passado, não possuindo nos dias de hoje seguidores
de respaldo acadêmico, o que é um ledo engano, ao entendimento de que ofinalismo continua vivo na Alemanha, ainda que inseridas modificações, semse esquecer que sua estrutura de teoria geral do delito continua sendo adotada pelos chamados pós-finalistas.
No que se refere à culpabilidade, o finalismo, marcou uma nova etapa no
desenvolvimento da teoria normativa da culpabilidade, acentuando-lhe o caráter
148 BORJA JIMENEZ. Algunos planteamientos dogmáticos en Ia teoria jurídica del delito en Alemania, Italia y Espana, CPC, nB 63, p. 603.
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é a vontade enquanto estado anímico, mas apenas deve ser vista como qualidade ou reprovabilidade da vontade ou da ação.
Tendo como núcleo a vontade, destarte antagônica com a idéia de poderde von Weber, explica Welzel que somente o que depender da vontade do
homem pode lhe ser reprovado a título de culpabilidade. Disso decorre que a
culpabilidade valora os objetos (dolo e culpa), ou seja, é uma qualidade nega
tiva da ação, sendo, então, um conceito valorativo negativo e, por conseqüência, um conceito graduável, tendo aqui por alicerce a importância à exigência
do Direito e a facilidade ou não do autor em satisfazê-la.
A partir do núcleo vontade, fundamentava Welzel o núcleo da culpabilidade (reprovação), no poder atribuído ao sujeito de agir de outro modo.
Nesta estrutura, o autor é pessoalmente reprovado porque se decidiu peloinjusto, embora pudesse se decidir pelo direito.
Portanto, reforça-se o argumento anteriormente exposto de que a culpa
bilidade não se encontra na cabeça do julgador, como aliás pretendia a con
cepção normativa da culpabilidade de Mezger152, ou ainda “injusto não é
injusto porque alguém o julgue como tal, senão que surge pela execução de
um comportamento antijurídico, assim também a culpabilidade é independente do fato psíquico da realização do juízo”153.
Feitas as considerações prévias acerca da culpabilidade finalista, afirma
Welzel qúe, no juízo de culpabilidade, “se examina a reprovabilidade da von
tade típica e antijurídica, podendo-se perguntar: em que condições e em que
medida pode ser reprovado o autor como um fracasso pessoal frente ao orde
namento jurídico?”154. Em outras palavras, na culpabilidade se examina até
que ponto pode ser reprovado pessoalmente o autor pela vontade da ação155.Indagado Welzel, se com a mudança da estrutura dogmática da teoria
geral do delito não deixaria subjetivado o injusto oü esvaziado o conceito de
culpabilidade, este respondeu que “com a inclusão do dolo no tipo não se tira
deste nenhum elemento objetivo, tampouco fica subjetivado no mínimo; por
outra, o objeto de reprovação da culpabilidade não fica reduzido, posto que a
152 WELZEL. E l nuevo sistema de! derecho penal, p. 80-81.153 JAKOBS. Derecho penal, p. 573.
154 WELZEL. El nuevo sistema del derecho penal, p. 81.
155 WELZEL. E l nuevo sistema del derecho penal, p. 82.
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Fá b io G u e d e s d e Pa u l a M a c h a d o - 77
atitude subjetiva do autor em relação com o fato é um elemento constitutivo
da reprovabilidade. Com isso, destaca-se todo o conteúdo objetivo e subjetivo
da ação típica, assim como a essência e os elementos constitutivos da culpabilidade. Nos delitos culposos, a culpabilidade fica completamente depurada de
elementos estranhos ao incluir a infração do cuidado devido no tipo, ao mesmo tempo com o destaque do desvalor da ação ficam excluídos o tipo e a
antijuridicidade. O suposto esvaziamento do conceito da culpabilidade é, em
realidade, sua depuração de elementos estranhos”156.
De modo geral, numa visão formal da culpabilidade, esta é a reprovabi
lidade pessoal da ação típica e antijurídica, sendo, pois, uma qualidade ine
rente à ação delitiva, apreciada pelo juiz de acordo com as valorações implícitasno ordenamento jurídico, “ainda que existam consideráveis diferenças de opi
nião em tomo dos elementos e fundamento material da culpabilidade”, con
forme acentua Cerezo M ir157.
Portanto, são elementos desta culpabilidade a imputabilidade (capaci
dade psíquica do autor ser capaz de motivar-se de acordo com a norma), aconsciência do caráter antijurídico de sua conduta, sendo que estes se referem
ao livre-arbítrio; e as causas de inexigibilidade de outra conduta, constituin-do-se estas como elemento negativo que se dá em momentos em que o sujeito
está acometido de pressões extraordinárias e, por isso, o juiz não o reprova.
Acerca desses elementos, pode se afirmar que ausente a imputabilidade
o sujeito careceria de liberdade para se comportar de outro modo, e é neste
instante que se indaga se o agente poderia agir de outra maneira.
Quanto à presença do elemento possibilidade de conhecimento da anti
juridicidade do fato na culpabilidade, isto se dá porque o dolo é transportado
para o injusto apenas na sua condição natural, e nele não se inclui o conhecimento da proibição, visto até então pelos sistemas anteriores como parte inte
grante do dolo — dolo malus, permanecendo, portanto, este elemento na
culpabilidade, e como não há mais o elemento subjetivo, passa esta possibili
dade de conhecimento a ser determinada normativamente.
E a possibilidade de conhecimento da antijuridicidade que permite com
provar se o agente podia conhecer a proibição do fato, de maneira a poder ade
156 Idem, op. cit. p. 84.157 El delito como acción culpable. ADPCP, 1996, p. 19.
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78 - C u l pa b il id a d e n o D ir e it o Pe n a l
quar a sua conduta à norma. Se este elemento é excluído, resulta que o dolomantém-se ileso, surgindo aqui a excludente da culpabilidade erro de proibição,
podendo ser vencível ou invencível, isto é, indesculpável ou desculpável. Assim,
se o erro de proibição é vencível, por conseqüência, atenua-se a culpabilidade, persistindo a responsabilidade pessoal pelo fato. Diferente se o erro é invencível, porque aqui há o afastamento integral deste elemento do conceito de delito.
Como último elemento, reconhece-se a ausência de causas de exclusãocomo elemento integrante da culpabilidade, embora a própria doutrina admita que estas não excluem completamente a possibilidade de atuar de outromodo, não eximindo o sujeito de um juízo de reprovação de culpabilidade.
Da exposição feita, dessume-se que para se determinar o poder agir deoutro modo como elemento central da concepção, mister que o agente tenhatido conhecimento da conduta errada que lhe era exigível, consistindo, pois,num juízo de possibilidade ou, se se preferir, num juízo de presunção. Daí
alguns autores afirmarem que Welzel se aproximou da culpabilidade pelaconduta de vida “ao caracterizá-la como a reprovação que se exerce tambémcom base na formação errônea da personalidade”158.
3 .3 .1 .1 O LIVRE-ARBÍTRIO FINALISTA
Dada a magnitude alcançada pela teoria finalista e se constituir a autodeterminação ética, livre e responsável do homem, como o fundamento interno da
culpabilidade, pressupondo a liberdade de vontade do autor, entende-se perti
nente abordar o tema com mais vagar, dispensando-se uma maior atenção à teoria.
Estrutura Welzel as bases do livre arbítrio nos aspectos antropológicos ecaracterológicos, afastando-se da teoria filosófica social de Darwin da evolução das espécies para, em seu lugar, apoiar-se na Zoologia e Psicologia animal.
Em decorrência desta premissa, afirma-se que o instinto perde lugar ao“Eu” anímico como centro responsável, em decorrência disso, o racional prevalece sobre o instinto, a ponto de se reconhecer que o homem não existiriacomo tal se não tivesse inteligência; ou seja, a capacidade que tem todo homem de estruturar um pensamento racional e ordenado, que lhe permita desenvolver o tipo de conduta que lhe é adequado através de atos inteligentes emunidos de vontade às questões de ordem física. Por ser “dono” de suas ações
é que se reconhece a sua liberdade.
158 TAVARES, Juarez. Culpabilidade: Incongruência de métodos, RBCQ ne 24, p. 150.
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80 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o Pe n a l
de se autodeterminar conforme o sentido e por liberdade. Há de se entendê-la como o arbitrário e ilimitado poder que tem todo homem de se comportar
de qualquer maneira, seja pelo bem ou pelo mal.Outro conjunto de idéias que nem sempre são bem compreendidas é a
confrontação entre os conceitos de culpabilidade e reprovabilidade. Vejamos:culpabilidade é a reprovabilidade do fato antijurídico individual. Já a reprova
bilidade se refere a uma conduta antijurídica real, e esta tem como pressuposto existencial a capacidade de autodeterminação livre, isto é, conforme o sentidodo autor. Mais: elementos constitutivos da reprovabilidade são todos aquelesnecessários para que o autor capaz de culpabilidade possa adotar em relação
ao fato concreto, ou seja, uma resolução de vontade em conformidade com oDireito em lugar da vontade antijurídica162.
Assim, a culpabilidade individual é a concreção da capacidade de culpa bilidade em relação com o fato concreto. A reprovabilidade baseia-se nosmesmos elementos concretos cuja concorrência com o caráter geral constitui acapacidade de culpabilidade. Isto é, o autor tem que ter conhecido o injusto
do fato, ou pelo menos tem que ter podido conhecê-lo, e ter podido decidir
por uma conduta conforme o Direito em virtude deste conhecimento, real ou possível do injusto. Diz-se então que a “culpabilidade concreta (a reprovabilidade) está constituída (de modo paralelo à capacidade geral de culpabilida
de) por elementos intelectuais e voluntários”163.
Quanto à imputabilidade, esta se reveste pela soma de dois elementos,um de conhecimento (intelectual) e outro de vontade, ou de capacidade decompreensão do injusto e da determinação da vontade. Por conseguinte, “sefalta um destes elementos, ex. por juventude ou por estados mentais anor
mais, o autor não é capaz de culpabilidade”164.
Não obstante a digressão do pensamento welzeniano feita até aqui, discorre o citado autor sobre os elementos intelectuais da reprovabilidade, isto é,o conhecimento òu cognoscibilidade da realização do tipo como elemento dareprovabilidade e a cognoscibilidade da antijuridicidade.
Quanto ao conhecimento ou cognoscibilidade da realização do tipo comoelemento da reprovabilidade, não se pode olvidar que, na estrutura finalista dolo
162 Idem, op. cit. p. 100.163 WELZEL. El nuevo sistema del derecho penal, p. 101.164 WELZEL. El nuevo sistema del derecho penal, p. 95.
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F á b i o G u e d e s d e Pa u l a M a c h a d o - 81
e culpa foram transportados da culpabilidade para o tipo penal, ao passo que naculpabilidade permanece a medida da reprovabilidade pessoal do dolo e dos
demais elementos subjetivos do tipo. Nos delitos culposos, há que se indagar seo autor tinha previsto a possibilidade da lesão ou do perigo, típicos do bem jurídico (culpa consciente) ou se tinha podido prevê-la (culpa inconsciente).
Deste modo, o elemento cognoscibilidade da antijuridicidade assegura que para o fato ser culpável, mister seja somado ao conhecimento da realização do tipoo conhecimento acerca da antijuridicidade de sua conduta. A partir daqui, mul-
tiplicam-se as teorias em busca da justificação do erro pelos causalistas e finalistas,
que deixaremos de transpô-las por não constituir o núcleo deste trabalho.
Por fim, reitera-se aqui o conceito welzeniano, segundo o qual culpável éaquele que se deixou arrastar pelos impulsos contrários ao valor, em que peseter a possibilidade de autodeterminar-se conforme as exigências do ordena
mento jurídico165.
3 . 3 . 2 C r í t i c a s à c u l p a b i l i d a d e f i n a l i s t a
Crítica inicial dirigida a esta concepção, consistiu na afirmativa de quecom a estrutura desenvolvida, esvaziara-se o conteúdo da culpabilidade.
Como se apontará nas considerações seguintes, diz-se que esta crítica é procedente “na medida em que se percebe o distanciamento da responsabilidade de
suas bases objetivas para conduzir-se por juízos hipotéticos”166. De acordo com aconcepção welzeniana, estes são fundamentados através de postulados éticos eontológicos. Na mesma linha crítica de esvaziamento da culpabilidade, desde a
perda dos elementos subjetivos do delito, manifestaram-se os autores neoclássicos.
Como exposto, o conteúdo material da teoria finalista de Welzel, consis
te em reconhecer a reprovação de culpabilidade no homem que está em dis posição de se autodeterminar livre, responsável moralmente e está capacitado para decidir-se pelo Direito e contra o injusto. Não obstante, Welzel não
explica como pode fundamentar-se a responsabilidade do culpável por suadecisão de cometer o fato. Conforme destacou Jescheck, para o finalismo éimpossível conhecer de que forma a pessoa evita o delito e utiliza, de fato, seu
autocontrole com a finalidade de atuar conforme o Direito167.
165 WELZEL. Derecho pena! alemán, p. 210.166 TAVARES, juarez. Culpabilidade: A incongruência dos métodos. RBCC, ns 24, p. 149.167 Evolución del concepto jurídico penal de culpabilidad en Alemania y Áustria. Revista Electrónica
de Ciência Pena / y Criminoiogia, p. 5-6.
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82 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o P e n a l
Este conceito material de culpabilidade entrou em crise na modernaciência do Direito Penal, porque o livre-arbítrio não pode ser comprovadoempiricamente, muito menos no processo penal, isto em razão de ser impos
sível dada a própria natureza das coisas, v.g. se o delinqüente na situaçãoconcreta em que se encontrava podia ou não ter agido de outro modo etc168.Comungando da mesma opinião, Roxin atenta para o fato de que o homem
deve ser tratado como livre dada a sua capacidade de autocondução, possuindo dirigibilidade normativa e não no sentido das ciências da natureza169. Neste aspecto, Naucke salienta que, da discussão sobre a culpabilidade, todas asidéias com impacto poético (o mal maior é a culpabilidade) e de complacência
política (culpabilidade é abuso de liberdade) são infecundas e, por isso, devem
ser excluídas em favor de questões juridico-penais concretas, e segundo o querequeira a decisão do objeto da questão170. Acentua, ainda que todas as circunstâncias que são necessárias para o julgamento da culpabilidade jurídico-
penal devem existir no momento da consumação do fato171.
As críticas acerca da indemonstrabilidade da comprovação empírica ou ade como o homem está em situação de liberar-se da compulsão causai para aautordeterminação conforme o sentido, não eram estranhas ao próprio Welzel172,
até mesmo porque no momento do fato não se pode saber se o sujeito era capazde tomar uma decisão de vontade que se oponha ao fato. E, como diz Roxin
baseado na lição de Lenckner, o que se está discutindo não é a questão do poder
do indivíduo para atuar de outro modo no momento do fato, senão o que a
ordem jurídica exige do autor à vista de suas condições e das circunstânciasexternas do acontecimento em comparação com as de outros homens; isto é, oque se exige do particular para que ainda se lhe possa imputar seu fato173.
O exemplo usado por Roxin para demonstrar que o poder atuar de outromodo não pode fundamentar o juízo de culpabilidade é bastante elucidativo:
168 Váriàs são as posições doutrinárias tendentes a se afastar do embate com o livre arbítrio. Entre outras, sustenta Klaus Volk que a culpabilidade é um conceito não apenas normativo, mas essencialmente social. Com esta estrutura, posiciona as pessoas como livres e responsáveis, cabendo ao juiz auferir apenas a presença contrária dos elementos dá culpabilidade, isto é, se falta imputabilidade ao agente, se há indicfos de erro sobre o fato, e por fim, se apura se havia uma situação pela qual não era exigível que o imputado tivesse conduta conforme a norma. Introduzione a l diritto penale tedesco, p. 88-89.
169 Que queda de Ia culpabilidad? CPC na 30, p. 685.170 Derecho penal, p. 116.171 NAUCKE, Wolfgang. Derecho penal, p. 117.172 Derecho penal alemán, p. 209-210.
173 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal, p. 62.
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Fá b i o G u e d e s d e Pa u l a M a c h a d o - 8 3
serve-se dos casos de eutanásia cometidos pelos médicos que serviram ao nazis
mo, e que assim agiram para evitar algo pior contra os mesmos, e assim inclusive
poder salvar uma parte dos pacientes que lhes tinham sido confiados, isto tudo,
partindo da premissa de se querer desculpar os citados médicos. Afirma-se quenão se pode basear no argumento de que os médicos eram incapazes de atuar de
outro modo, porque perfeitamente podiam ter deixado que as coisas seguissem
seu curso, portanto, a escusa tem de basear-se em outras circunstâncias.
A partir desta unanimidade, diversos posicionamentos doutrinários sur
giram tentando explicar o conteúdo material da culpabilidade, sendo identificados os autores como pós-finalistas e funcionalistas, em geral abstraindo-se
do problema do livre-arbítrio.
Tal como já fora feito anteriormente, em síntese, a imputação feita aoagente decorre de elementos estranhos a ele, simbolizados a partir das possibi
lidades de conhecimento deste. Daí ser a culpabilidade concebida como con
dição normativa de responsabilidade, não possuindo mais referência direta
com o fato, até mesmo em obediência a proposta de reformulação do delito a
partir da sua apreciação, verificando-se no injusto o objeto de valoração, e na
culpabilidade o juízo de valor174. '
3 .4 A CULPABIL IDADE DOS DISC ÍPULOS DE W ELZEL
Ante as críticas recebidas pelo finalismo e até mesmo no plano do desenvol
vimento das idéias, dois dos discípulos de Welzel, Werner Niese e Karl Engisch,
efetuaram pequenas modificações no sistema, mas que colidem em parte com a
concepção original. Niese acresce a “finalidade como valor” na culpabilidade e não
na ação. Em seguida, atribui ao dolo e a imprudência à noção unitária de culpabi
lidade e, preocupado com a separação destes elementos da ação, vê no dolo e na
imprudência conjuntamente objetos da valoração da culpabilidade, o dolo como
conhecimento pleno da ilidtude e a culpa como potencial conhecimento175.
Por sua vez, Karl Engisch afirma que o autor do delito não é em si e por
si culpável, sendo-o unicamente por força do juízo de culpabilidade pronun
ciado pelo juiz176.
174 TAVARES, Juarez. Culpabilidade: A incongruência dos métodos, RBCC, ns 24, p. 148.
175 NIESE. Finalitãt, Vorsatz und Fahríãassigkeit, p. 64, apud Quintano Ripollés, op. cit, p. 496.
176 ENGISCH. Untersuchungen Ober Vorsatz und Fahrlãssigkeit, p. 16, apud Quintano Ripollés, op. cit., p. 496.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 85
Sustenta Gallas que a culpabilidade pode ser normativa a partir da per
gunta: em que consiste propriamente a razão real da vinculação entre reprovabi
lidade e poder? Responde Gallas que “essa razão reside no fato de quem sedecide livremente contra o Direito manifesta uma atitude que contradiz o que a
ordem jurídica reclama do sujeito justo e consciente. Culpabilidade é a reprova bilidade do ato em atenção ao ânimo (Gesinnung) juridicamente desaprovado
que se realiza nele.” Por ânimo, não se tem de entender, a este respeito, umaqualidade permanente do autor, nem tampouco a sua individual perigosidade
no sentido da prevenção especial. Trata-se, pelo contrário, do valor ou desvalor
da atitude atualizada no ato concreto, trata-se da conclusão que, através de uma
consideração generalizadora e orientada a módulos valorativos ético-sociais temde ser extraída do ato e de seus móveis em relação à posição total do autor ante as
exigências do Direito182. Significa dizer que na culpabilidade emite-se um juízo
de desvalor orientado por parâmetros valorativós ético-sociais sobre a atitude
global do sujeito frente às exigências do Direito atualizada no fato concreto.
Para Jescheck, diz Jaime Couso Salas, a atitude interna favorável ao Direito
ou atitude jurídica (Rechtsgesinnung) constitui uma qualidade do cidadão,
imprescindível para a afirmação prática da ordem social, já que nela se baseia a posição frente ao Direito e, conseqüentemente, a vontade de obedecê-lo183. E
mais, não é toda falta de atitude jurídica que é culpabilidade. E necessário que
o déficit de atitude jurídica se encontre desaprovado, e isto depende do maior
ou menor valor dos motivos concorrentes na formação da vontade184.
Vale ressaltar também que esta teoria estabelece a diferença entre injusto
e culpabilidade, como sendo a diferença entre o desvalor da ação e o desvalor
da atitude interna do fato. Tem-se que esta concepção é orientada por valores
ético-sociais e emite um juízo de desvalor sobre a atitude do autor contrário àsexigências do Direito. Em assim sendo, na culpabilidade se dita um juízo de
valor em respeito da atitude global do autor para as exigências do direito,
atualizada no fato concreto. Logo, o objeto do juízo da culpabilidade é o fato
à vista da atitude interna juridicamente defeituosa da qual surgiu a resolução
de se cometer o fato185, e não a vontade de atuar reprovável como era para
182 GALLAS. Op. ci t, p. 62.183 Fundamentos del derecho penal de culpabilidad, p. 148.184 JESCHECK. Tratado de derecho penal, p. 380.
185 JESCHECK. Tratado de derecho penal, p. 380.
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86 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e i t o P e n a l
Welzel. Para Jescheck, a atitude interna constitui “a razão pela qual o fato sereprova com maior ou menor intensidade o autor”186, sendo este o conteúdo
material deste modelo de culpabilidade.
Interessante é a idéia que traça Gallas a partir da diferença estabelecidaentre desvalor da ação e do ânimo, sobre a relação entre tipificação de ação e deculpabilidade, outorgando uma dupla função sistemática ao dolo, isto é, “no âmbito
do injusto, é portador do sentido subjetivo da ação, a finalidade; no âmbito da
culpabilidade, ao contrário, como expressão do ânimo contrário ou indiferente ao
Direito, tipicamente vinculado com a realização consciente do tipo”187. Desse
entendimento, decorre a possibilidade de ser o ânimo graduado de acordo com a
sua maior ou menor reprovabilidade ao modelo estabelecido pelo direito. Noutras considerações, segundo esta teoria, o princípio da culpabilidade tem
como pressuposto lógico a liberdade de decisão do homem, sem que para isso seja
um obstáculo que se considere indemonstrável a fundamentação da reprovação da
culpabilidade na liberdade de decisão do ser humano como pessoa individual188.
Neste sentido, para tratar como livre o autor que mantém intacta sua
capacidade de governar-se, basta com que outra pessoa situada em seu lugar
tenha podido atuar de outro modo nas mesmas circunstâncias. Aqui, o ob
jeto do juízo de culpabilidade é o fato considerado em atenção à atitude
interna juridicamente desaprovada que nele se realiza189. Percebe-se, por
tanto, que ao lado do fato ocorrido há de se outorgar relevância à culpabili
dade pela condução de vida, particularmente quando se analisa a evitabilidade
do erro de proibição190.
Mais recentemente, Schmidháuser segue esta concepção, porém com algu
mas reformas frente à sua concepção primária. Inicialmente, elimina “o poder do
indivíduo para atuar de outro modo”, para em seguida determinar o conteúdoda atitude interna antijurídica191. Conceitua a culpabilidade como o comporta
mento espiritual lesivo de um bem jurídico. Com isso, quer dizer que o autor
186 Idem, p. 380.
187 GALLAS. Op. cit., p. 63.188 JESCHECK. Tratado de derecho penal, p. 367-369.
189 JESCHECK. Tratado..., op. cit., p. 379-380.190 JESCHECK. Op. cit., p. 381. Esta construção doutrinária não se posiciona como integrante daculpabilidade psicológica, ainda què se considere o dolo como elemento autônomo da culpabilidade. Cfe. op. cit, p. 388.
191 ROXIN. Culpabilidad..., p. 65.
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Fáb io Guedes de Pau l a M ach ad o - 87
não levou em consideração o bem jurídico lesionado pelo comportamento de suavontade, no sentido de que espiritualmente estava em contato com o valor192.
Afirma Schmidhãuser que “temos que conformarmos em constatar o conta
to espiritual do autor com o valor lesionado no momento do fato e, nesse sentido,e precisamente por isso, também seu equívoco espiritual com respeito ao valor”193.
Quanto às causas excludentes de culpabilidade, reconhece este autor que
concorre um comportamento espiritual correspondente ao tipo de culpabili
dade lesiva de um bem jurídico, porém diminui a culpabilidade moral e ética
do autor de forma tão específica que desaparece a culpabilidade jurídica194.
Sustenta Jescheck, que Hans Joachim Hirsch segue a Unha traçada por
Gallas ao discorrer que a ciência jurídica deve se orientar por acontecimentos da vida social, pois a pessoa ao sentir-se livre, deve este fenômeno cons-
tituir-se como o ponto de partida195. Ainda, afirma que o Direito construído
pelo homem não pode se situar em contradição com a lógica geral que move
seus destinatários.
Vale ressaltar que o próprio Jescheck afirma ser adepto desta construção
teórica, baseando-se no critério da pessoa modelo vinculada a valores juridica
mente protegidos, comparando-a com o autor do fato com referência à idade,
sexo, profissão, características físicas, atitudes psicológicas e experiências davida196. Para Jescheck, não será a capacidade geral do sujeito médio a que se
converte em medida de atitudes individuais do autor, senão que é a partir da
experiência com casos semelhantes confirmadas por meios empíricos que se
deduz a capacidade do autor para dirigir seu comportamento no caso concre
to. Portanto, a medida de culpabilidade se orienta de acordo com a experiên
cia judicial, psicológica e criminológica197.
E notório, pois, em suma, que esta acepção dogmática emprega para a
verificação ou não da culpabilidade o método social-comparativo entre o ho-
mem-médio e o autor do fato. Este homem-médio é reflexo de um padrão de
comportamento que dele se pode esperar.
192 ROXIN. Culpabilidad..., p. 65-66, Apud Schmidhãuser, Strafrecht: Allg. Teil, p. 118 e 285.193 Schmidhãuser, E. Strafrecht: Allg. Teil, 1074, p. 285, apud Roxin, Culpabilidad.., op. cit, p. 66.
194 Schmidhãuser, E. Strafrecht: Allg. Teil, 11/1, p. 364, apud Roxin, Culpabilidad.., op. cit, p. 67.
195 Evolução do conceito jurídico-penal de culpabilidade na Alemanha e na Áustria, p. 10.196 Evolução do conceito jurídico-penal de culpabilidade na Alemanha e na Áustria, p. 10.
197 Idem, p. 10.
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88 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
3 . 4 . 1 . 1 C r í t i c a s à s t e o r i a s d e G a l l a s , J e s c h e c k e S c h m i d t h à u s e r
Afirma Schünemann, taxativamente, que esta teoria não resiste a uma análise
rigorosa há trinta anos, ainda que seja predominante na Alemanha, isto porque“se a culpabilidade pressupõe a liberdade de comportar-se de outro modo, é
evidente que esta liberdade só se está fingindo quando se deduz que outras
pessoas no lugar do autor teriam podido atuar de forma distinta”, consubstan-ciando-se numa versão do denominado “determinismo débil”, visto que em
uma perspectiva que parte da indemonstrabilidade da liberdade de ação, estanão pode se compatibilizar com o Direito Penal da culpabilidade198.
Com esta crítica quer se dizer que esta teoria omite conscientemente aquestão da capacidade individual de atuar de outro modo, e reduz o juízo de
culpabilidade à constatação de que o autor era acessível à norma, isto é, era
normalmente motivável por normas e nesta situação um homem ajustado nãoteria cometido o fato.
E ainda, tampouco no caso do erro de proibição pode a culpabilidade pelo
fato vinculada à ação antijurídica ceder seu lugar à culpabilidade pela conduçãode vida, pois, nos momentos prévios ao fato, o autor não se comportou antijuri-
dicamente e, portanto, tampouco atuou de modo penalmente reprovável199.
Critica também Schünemann a existência de uma culpabilidade dolosa,
em razão de que o conceito normativo de culpabilidade, entendido como juízo de reprovabilidade, só se refere à evitabilidade, não se compatibilizando
com o conceito psicológico de culpabilidade200.
Entende Roxin que, com esta teoria, pouco se ganhou em nível de
desenvolvimento da culpabilidade, em razão de que só se pode falar em
culpabilidade se na ação delitiva se expressa uma posição interna do sujeito juridicamente desaprovada. O que Gallas chama de atitude interna juridi
camente desaprovada é a própria reprovabilidade, além de não explicar de
terminadas situações objetivas postas pelo ordenamento, citando o exemplo
a partir da legislação alemã, envolvendo o estado de necessidade em caso de
198 SCHÜNEMANN, Bernd. La culpabilidad: estado de Ia cuestión. Sobre et estado de la teoria del delito, p. 95 e 105.
199 SCHÜNEMANN. La culpabilidad: estado de la cuestión. Sobre el estado de Ia teoria del delito, p. 95.
200 Idem, p. 95.
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F á b i o G u e d e s d e Pa u l a M a c h a d o - 89
ameaça de bens jurídicos de terceiros, porém não em caso de atuações paraevitar outros perigos201.
Pode-se também dizer sobre esta teoria que a concepção da desaprovaçãoou repreensão, que deve explicar a atitude moral do autor, não contém um
critério substancial para a deficiência de atitude moral afirmada, faltando-lhe,
assim, conteúdo.
Ainda, a tese da culpabilidade como atitude imoral não serve para a
imprudência involuntária. Nesta o autor não nota que cometeu um fato, fal
tando-lhe então uma atitude moral com respeito ao delito.
Na verdade, apresenta-se esta teoria como uma variante da teoria do poder agir diferente de Hans Welzel, isso porque atitudes defeituosas ou repro
váveis, não conseguem explicar o conteúdo material da culpabilidade. Assim,
esta teoria também não consegue superar as críticas argüidas contra a concep
ção formal, visto que também aqui não há qualquer critério que indique os
motivos de desaprovação à atitude interna do sujeito.
Melhor sorte não possuem os reparos feitos por Schmidthàuser a esta
teoria, isso porque não são todos os casos de exculpação da culpabilidade que
faltam o contato com o valor lesionado, tomando-se como exemplo a exclu-dente prevista no Código Penal brasileiro, no seu art. 26, que exclui a culpa
bilidade do inimputável. Frente a esta teoria, conforme preceitua Roxin, “o
autor inimputável possa perfeitamente estar espiritualmente em contato com
o valor, isto é, saber que seu fazer está proibido, porém, apesar disso, atua sem
culpabilidade se lhe falta a capacidade de discernimento”202.
Independente das dificuldades encontradas para justificar as cláusulas
excludentes da culpabilidade, percebe-se a falta de conteúdo material daculpabilidade, sem se falar no crime culposo na modalidade inconsciente,
onde não há o contato espiritual com o valor lesionado, em vista de que o
autor não pensa nas conseqüências de seu atuar, embora justificasse que ele
não leva em consideração o valor que lesiona com o seu fato injusto, con
quanto fosse perfeitamente capaz neste momento de tomar consciência da
lesão não permitida.
201 ROXIN. Culpabilidad..., p. 64.202 ROXIN. Culpabilidad..., p. 66.
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9 0 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r eit o P e n a l
Esta capacidade de tomar consciência conflita com sua tese, pois recorreao elemento poder cuja exclusão era um dos fins de sua concepção203.
Por fim, pode-se também dizer que esta concepção não estabelece nenhum
limite para a reprovabilidade da atitude interna, o que quer dizer que a reprovação
pode aumentar-se ilimitadamente ou até o máximo legal estabelecido no preceitosecundário do tipo penal incriminador, sem se falar que de fato não se perfaz uma
indagação das atitudes internas do autor para o juízo de reprovação, bastando
apenas a comprovação da ausência de causas de exdusão da culpabilidade.
3 .4 .2 A ESTRUTURA DA CULPABILIDADE DE REINHART MAURACH
Adepto do finalismo, Maurach ante a dificuldade de reduzir as diversascausas de exclusão da culpabilidade a um fundamento único, efetua a sua sepa
ração entre responsabilidade pelo fato e culpabilidade, ou direito de ato e direito
de autor, sendo que a tipicidade e a antijuridicidade fazem referência ao direito
de ato, ao passo que a culpabilidade por ser juízo de valor (Unwerturteil), se
refere ao direito de autor ao atribuir a este seu ato.
Elabora, assim, Maurach o conceito de atribuibilidade (Zurechenbarkeit),
próprio da responsabilidade pelo fato (Tatverantwordichkeit). Noutras pala
vras, parte a atribuibilidade como base geral da valoração do autor, entendendo-
se a partir do juízo que se formula ao agente de uma ação típica e antijurídica,
por não ter se conduzido conforme as exigências do direito.
Da afirmativa de Maurach de que a atribuibilidade informa quando o
ato deve ser atribuído ao autor como seu, decorre o surgimento de dois ele
mentos: a responsabilidade e a própria culpabilidade.
Pela responsabilidade, significa dever o agente responder pelos resulta
dos do seu próprio ato, isto é, há ação própria e atribuível à responsabilidade
do autor quando se podia do homem médio esperar que resistisse ao cometi-
mento do crime. Já a não exigibilidade de conduta adequada à norma, exclui
a responsabilidade pelo fato, posicionando-se aqui o estado de necessidade e o
excesso na legitima defesa.
Por sua vez, a culpabilidade implica na formulação do juízo de atribui
ção, isto é, uma reprovação ao autor que se baseia nas suas qualidades e na
situação concreta, ou seja, imputabilidade e conhecimento da antijuridicida-
203 ROXIN, Culpabilidad..., p. 68.
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de. Isso quer dizer que a simples desaprovação ao agente não é suficiente, ou
seja, exige-se a capacidade de poder atuar conforme o direito e poder de co
nhecimento do injusto para orientar sua conduta conforme esse conhecimen
to, isto é, que o autor seja imputável.Com relação às digressões feitas, “atua culpavelmente todo sujeito res
ponsável (por seu fato), que cometa seu ato como imputável com a possibili
dade de conhecer o injusto. Em último caso, a culpabilidade é a reprovação
que se faz ao autor por ter abusado de sua imputabilidade em relação a um
determinado fato punível”204.
Para esta teoria, são pressupostos de culpabilidade a imputabilidade e a
possibilidade de conhecimento do injusto, reduzindo assim a culpabilidade
ao poder atuar de outro modo, sendo seu pressuposto o livre-arbítrio.
Quanto aos casos que excluem a culpabilidade, identifica Maurach como
sendo causas de falta de responsabilidade pelo fato, sendo esta posicionada
anteriormente à culpabilidade.
Por sua vez, afirma Roxin que a teoria fundada por Maurach introduz
entre a antijuridicidade e a culpabilidade, a categoria sistemática da responsa
bilidade pelo fato, possuindo igualmente causas de exclusão como o estado de
necessidade exculpante e o excesso na legítima defesa, respectivamente § 35 e33 do StGB, ainda que a participação fique impune ante a ausência de res
ponsabilidade pelo fato do autor, igualmente no que se refere à medida dé
segurança que ficaria excluída pela falta de responsabilidade pelo fato, em
que pese a inimputabilidade do sujeito205.
3 . 4 . 2 . 1 C r í t i c a s à a t r i b u ib i l i d a d e
Entende Quintano Ripollés que esta concepção é incompatível com a
dogmática culpabilista, pois a coloca como um segundo e superior grau deimputabilidade, partindo deste conceito e do de responsabilidade para admi
tir o “injusto não culpável”, não sendo outra coisa senão uma espécie de anti
ju rid ic idade objetiva como conseqüência da separação imoderada da
responsabilidade do ato e do autor206.
204 MAURACH, Reinhart. Tratado de derecho penal, tomo II, p. 36.
205 ROXIN. Derecho penal, p. 815 e 816.
206 QUINTANO RIPOLLÉS. Hacia una posible concepción unitaria jurídico-penal de la culpabilidad.ADPCP, 1959, p. 494.
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92 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o P e n a l
Crítica mais forte é a que recai sobre a impossibilidade de constatação do
poder individual de atuar de outro modo, já anteriormente analisado neste
trabalho, restando-se sem saber a questão do critério reitor valorativo do conceito material de culpabilidade207. Sobre este, assevera Chaves Camargo a sua
relevância diante dos objetivos eleitos para o fim da pena e para uma pena
justa, exigindo-se a análise de fatores internos e externos do agente para pos
sibilitar o fundamento do juízo de culpabilidade que tem, como aspiração
maior, justificar a intervenção estatal através da pena para as condutas lesivas
de bens tutelados pela norma208.
Roxin, por sua vez, assevera que, muito embora tenha Maurach iniciadocorretamente a construção da sua teoria ao considerar as suas causas de exclu
são não a partir da culpabilidade individual, mas em razão da desnecessidade
da punição, critica-a sob o mesmo fundamento de Quintano Ripollés, ao
afirmar que esta categoria não se constitui como elemento prévio à%culpabili-
dade, não podendo ante ao seu reconhecimento excluí-la. Mais, ao seu enten
dimento a participação num fato em estado de necessidade isento de pena nos
termos do § 35, e, no excesso de legítima defesa § 33, tem de considerar-se
por regra geral punível, o mesmo ocorrendo quanto à medida de segurança209.
3.5 A c r i s e DA TEORIA NORMATIVA
Por meio do desenvolvimento da culpabilidade normativa chega-se à con
sideração preliminar, de que esta só afirma que uma conduta é reprovável como
resultado da imputação dogmática de um injusto, à razão de que se o autor
tivesse incorporado de maneira dominante em seu esquema mental o motivo da
obediência à norma, poderia ter evitado o seu comportamento antijurídico210.Vê-se que esta conceituação é de natureza formal, não respondendo à
questão relativa aos seus fundamentos, isto é, a que pressupostos materiais
depende esta reprovação, posto que o argumento de reconhecimento da cul
pabilidade, a partir da idéia de que o sujeito poderia agir de outra maneira,
não só se apresenta como indemonstrável, e assim se manifesta grande parte
207 ROXIN. Culpabilidad..., p. 70.
208 Culpabilidade e reprovação penai, p. 129 e 133.
209 ROXIN. Derecho penal, p. 817.210 KINDHÀUSER, Urs. La fidelidad al derecho como categoria de Ia culpabilidad. Cuestiones
actuales de Ia teoria del delito, p. 186.
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da doutrina, como também parte do suposto de que “a conduta humana per
tence ilimitadamente ao campo das ciências empíricas”211.
Por conseguinte, anotada a necessidade de se estruturar a razão destareprovação, denominada de conteúdo material, até porque ela deve ser inte
riorizada no processo formal de imputação, foi que algumas concepções sedesenvolveram, ganhando foros de importância destacada para os normati-
vistas a exigibilidade de conduta diversa.
Nesta concepção, sobressai a questão em torno da base do juízo de re provação, isto é, o poder atuar de modo distinto, ensejando o já clássico confli
to proporcionado entre o determinismo e o indeterminismo, constituindo-se
como o núcleo da culpabilidade212. Melhor explicando, há a reprovabilidade
do fato pela possibilidade que tem a pessoa de se comportar de outro modo,
pressupondo evidentemente a sua liberdade, e, com isso, o livre-arbítrio, em
razão de que o ser humano é revestido de autodeterminação moral, livre e
responsável, sendo, por isso, capaz se decidir pelo Direito e contra o injusto.
Este princípio, como anteriormente afirmado, centralizou grandes aten
ções e críticas, em razão de que não se pode demonstrar se uma pessoa, em
determinada situação, teria podido agir de outra forma, até mesmo porquenão se pode substituí-la por outra para se saber se esta igualmente agiria da
mesma forma213, ainda e no mesmo sentido, argüi-se que nunca se poderá
211 TORÍO LÓPEZ, Ángel. Indicaciones metódicas sobre el concepto material de culpabilidad. CPC, n° 30, p. 759.
212 Com o desenrolar dos estudos em torno da codificação genética humana (genoma), ressurgiu, ainda que timidamente, a indagação em torno da determinação ou influência humana com
base na herança genética, pois que, dependendo da resposta, a conduta livre poderia ou não ser reconhecida. Contudo, conforme anunciado, a identificação completa do genoma, ainda não possibilita o debate em torno da questão. Sobre o assunto: Higuera Cuimerá, La culpabilidad y el proyecto genoma humano, AP, ns 42, p. 763-779.
213 Muitas foram as acepções em tomo do determinismo e do indeterminismo, da liberdade ou não, chegando-se inclusive a se excluir o indeterminismo em face da afirmação de que a ação humana está condicionada por múltiplos fatores causais. Partindo de Welzel, a liberdade é a possibilidade de se poder orientar e decidir conforme o sentido, ou conforme fins e objetivos, segundo representações de valor, ou conforme as normas elementares de nossa sociedade, de sorte que a liberdade do sujeito seria o objetivo da atividade penal. Pelos conflitos havidos entre as concepções, surge uma teoria eclética, denominada de liberdade relativa. Esta afirma que, ainda que não se possa provar em geral a capacidade do homem de agir de outro modo num juízo global, podem ser constatadas aspectos parciais no processo penal, isto é, condições ou situações cuja existência
fazem excluir a liberdade, portanto, implicam na possibilidade de provar a não-liberdade, conforme CORDOBA RODA, J. Culpabilidad y pena, p 70-72. Ainda, é grande a posição doutrinária que admite a possibilidade de demonstração por meios técnicos (psiquiátricos) a limitação da capacidade de autodeterminação, podendo desta forma serem constatadas características determinantes da personalidade do sujeito no momento do fato, efetivando-se o juízo sobre a limitação ou
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comprovar empiricamente se o agente poderia ter agido de outra maneira,dado ser impossível voltarmos à situação anterior.
Desta forma, pode-se dizer que Karl Engish foi o autor que melhor
sistematizou as críticas contra a teoria normativa da culpabilidade, afirmandoa indemonstrabilidade deste teorema214, embora não se possa olvidar que outras críticas também tenham sido feitas.
A idoneidade da crítica teve o condão de repercutir por todo o juízo dereprovação e em todos os países seguidores da dogmática alemã, em especial na
Espanha215, pelo que não se pode provar se o sujeito pôde agir de outra maneira.Assim, o princípio in dubiopro reo impede declarar culpável o acusado, pSísistin-
do ainda a possibilidade de se reconhecer a causa exculpante da culpabilidade,ainda quando podia o sujeito agir de outra forma, como nos exemplos do estado
de necessidade exculpante e do medo insuperável, ambas exdudentes do Direito Penal espanhol, o que inequivocamente se apresenta como uma contradição.
Da crise reconhecida no seio do conceito dogmático de culpabilidade,implica dizer que esta alcança toda a fundamentação do Direito Penal, de
sorte que as soluções apenas em torno do livre-arbítrio não seriam suficientes,
em vista de que as idéias de culpabilidade e retribuição permanecem disformes junto a um Estado Democrático de Direito, necessitando-se de uma nova
compreensão, desta vez voltada aos fins preventivos do Direito Penal.
Outra crítica deduzida é a que se manifesta contrária à culpabilidade com
preendida como reprovação de caráter moral e ético. O Direito Penal moderno
construído a partir do respeito às liberdades públicas e da sociedade pluralística,não pode a partir disso realizar juízos éticos sobre a conduta do agente, apenas
jurídico, não sendo missão do Direito Penal intervir nesta pretendida situação.
Neste ambiente, é dito que esta modalidade de culpabilidade não é suficiente para se apresentar como fundamento da pena. Como limite ao poder punitivo,
em face da sua impossível medição e os critérios utilizados para a medição da
pena e limite do poder punitivo, são estranhos à culpabilidade.
Por conseqüência e como muito bem afirma Gimbemat Ordeig, todo o
edifício conceituai do Direito Penal parece desmoronar, pois a dogmática
existência da capacidade de culpabilidade. ALBRECHT, P. Unsicherheitszonen, p. 209, Apud Pérez Manzado, Culpabilidad y prevención..., p. 101, nota de rodapé 147.
214 Willensfreihéit, p. 20, apud Pérez Manzano, Culpabilidad y prevención..., p. 93.215 CEREZO MIR, J. Culpabilidad y pena. ADPCP, 1980, p. 347.
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96 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o Pe n a l
bilidade não se verifica a partir do método empírico, em razão de que a liber-
dade não pode ser decidida em favor do determinismo ou do indeterminismo.
Noutras palavras, o método empírico não serve para a constatação de càrattc*^rísticas do homem como liberdade ou dignidade, e a partir do objeto de aná
lise constata-se que os resultados não são exatos.
Diante dos problemas que circunscrevem a culpabilidade, é igualmente
constatada a necessidade de mudança de rumo, podendo-se traçar seu perfil a partir da coerência que se pretende alcançar, determinando-se algumas carac
terísticas desse “novo” modelo221.
Pela normatividade, quer se dizer que após um juízo de imputação sealcançará uma declaração de culpabilidade como limite à intervenção estatal,
analisando-se a presença ou não das exigências de pena, e então a partir dos
postulados advindos da política criminal, por conseguinte, a afirmação de res
ponsabilidade penal.
Pela função individualizadora do conceito de responsabilidade, significa
que neste momento será considerada a relação entre o delito e o seu autor, visto
que a antijuridicidade não possui este atributo, podendo-se dizer que é a mesma
objetiva e impessoal. Sob esta característica, serão levadas em consideração circunstâncias particulares do delinqüente e de sua situação no momento do fato.
Como conseqüência das características apontadas acima decorre que para
a determinação do conceito material de culpabilidade, deve-se levar em consi
deração que este conceito seja valorativo e individualizador, afastando-se con
teúdos fáticos e gerais, e que esteja em harmonia com p processo penal, pois
será por meio dele que se alcançará a responsabilidade ou não de um agente.
Diante dessas premissas, a fórmula “poder agir de outra maneira” é indeter-minista e não possibilita ao juiz a sua aferição, e definitivamente novas teorias
foram criadas com vista a fundamentar o conteúdo material do conceito de culpa
bilidade. Para tanto, é igualmente necessário que não apenas uma teoria seja criada
e adotada, mas que a mesma esteja em sintonia com toda uma metodologia de
Direito Penal, sob pena de se criar uma grande incompatibilidade em tomo da
teoria criada, acarretando pois no reconhecimento de sua ilegitimidade para solu
ção do problema, tal como ocorre com o teorema do “poder agir de outra maneira”.
221 Apontou Emest Hafter que "o problema da culpabilidade é o problema do destino do direito de castigar". Lehrbuch des Schweizerischen Strafrechts. Allgem einer Teíl, p. 101.
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F á b i o G u ed e s d e P a u l a M a c h a d o - 9 7
A partir do surgimento do funcionalismo penal, pautado no normativis-
mo, na subtração dos elementos metajurídicos e na aproximação da realidade,
é que se desenvolveram algumas importantes teorias preocupadas em preencher o conteúdo material do conceito de culpabilidade. Para a plena compre
ensão das novas teorias, mister que se compreenda o próprio fundamento do
funcionalismo, para então compreendermos suas teorias, sem, contudo, olvi
darmos de alguns importantes posicionamentos doutrinários igualmente in
seridos no Direito Penal contemporâneo.
Em que pesem os esforços doutrinários para solucionar os problemas em
tomo da culpabilidade, é preocupante a manifestação de Perron, no sentido
de que uma culpabilidade livre de contradições e satisfatória tanto do pontode vista édco quanto do ponto de vista das ciências sociais, não parece possível
neste momento222.
222 PERRON, Walter. Problemas principales y tendencias actuales de ia teoria de Ia culpabilidad. NFP, n9 50. p. 460.
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C a p í t u l o 4
O D i r e i t o P e n a l c o n t e m p o r â n eo e a c u l p a b i l i d a d e
Afirmou-se anteriormente, no tocante ao desenvolvimento epistemológi-
co do Direito Penal, que não há uma fronteira determinada que limite o alcance
dos posicionamentos dogmáticos pertencentes às diversas escolas penais. Prova
disso é a existência entre nós de seguidores do sistema neoclássico, finalista e
fimcionalista, nas suas diversas acepções ainda a serem demonstradas.
Não se pode negar que estes pensamentos constituam o estado contem
porâneo que atravessa o Direito Penal, decorrendo o surgimento de teorias
muitas vezes obedientes a mais de um posicionamento penal e, em razão desta
multiplicidade de teses, concepções gerais e posteriormente a concepção individual dos principais autores contemporâneos serão delineadas com o afã de se
permitir uma compreensão global e sistematizada da culpabilidade e de sua
função no sistema de Direito Penal contemporâneo.
Considerando, portanto, que na base metodológica o pensamento funcio-
nalista penal é o que há de mais novo em Direito Penal, passa-se à análise de sua
estrutura, para, em seguida, prosseguir na discussão dos pontos principais e
atuais que contemplam a culpabilidade, com as teorias que buscam reformar a
concepção normativa clássica de culpabilidade até se atingir as fundamentaçõesem tomo das necessidades preventivas, agora com a preocupação de se determi
nar legítima e democraticamente um juízo normativo de culpabilidade.
Afirma Juarez Tavares que quatro modelos metodológicos se apresentam
como instrumentos para a concreção de um juízo normativo de culpabilidade a
partir de bases democráticas legítimas, portanto, frente a atual estrutura de Esta
do que é a democrática de Direito, sendo estas o funcionalismo, o contratualis-
mo, a teoria dos princípios de justiça e dos papéis (funções) e a teoria do discurso223.Destas, cabe desde já considerar que as teorias funcionalistas foram as que mais
contribuíram para a formação de um modelo de Direito Penal moderno e, por
tanto, merecerão uma análise mais atenta, notadamente no que se refere à -culpa
bilidade. Não se olvida também que outros sistemas penais continuam vigendo,
ainda que modificados em sua origem, como é o caso do finalismo, ou, reduzido
de importância e adesão, refiro-me ao sistema neodássico.
223 Culpabilidade: A incongruência dos métodos. RBCC, n9 24, p. 152.
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4 .1 REV ISITAND O O SISTEMA IMEOCLÁSSICO E A SUA CULPA BILIDADE
A primeira vista, engana-se quem pensa que, no preâmbulo do novo
século, a culpabilidade neoclássica é pura menção histórica. Em realidade, na
Espanha, Cobo del Rosai e Vives Anton, sustentam-na sob a argumentaçãode que “a antijuridicidade é concebida como objetiva lesão ou colocação em
perigo de um bem jurídico, onde dolo e culpa não funcionam como elemen
tos do tipo de injusto, senão como formas de sua atribuição”224.
Em conseqüência, o juízo de culpabilidade fica constituído pela imputa
bilidade ou capacidade de culpabilidade, pelo dolo ou a culpa, que são as formas
de culpabilidade e pela exigibilidade, sendo esta a essência da culpabilidade225.Seguindo a mesma linha iniciada pelo neokantismo na primeira metade
do século XIX, reconhecem Cobo del Rosai e Vives Anton na culpabilidade a
integração de elementos psicológicos e normativos, afirmando que o dolo não
é o objeto de valoração do juízo de reprovação, pois este é mais complexo em
razão de que se atribui e reprova o fato226.
Inserido no mesmo contexto, contudo sob fundamentação pouco diversa é a concepção traçada por Rodriguez Devesa e Serrano Gomez. Entendem
os referidos autores que “a culpabilidade tem uma natureza predominante
mente subjetiva, fundada na atitude psíquica do sujeito, formada pelos moti
vos (partes integrantes motivadoras da culpabilidade), pelas decisões de vontade
que tomou o sujeito ou deixou de tomar (partes integrantes psicológicas) e
pelos elementos subjetivos do injusto”227. Neste mesmo sentido, manifestam-
se na Itália Giuliano Marini e Luigi Ferrajoli228. Ainda, Fabrízio Ramacci
insiste na culpabilidade de relação psicológica entre autor e fato do crime, e
dolo e culpa como forma da culpabilidade, ao passo que o imputável manifesta uma vontade que não devia manifestar, embora pudesse ter feito bom uso
de sua capacidade de entender e querer229.
224 Derecho penal - parte general, p. 515.225 Derecho pena! parte general, p. 516.226 Idem, op. cit., p. 516.
227 RODRIGUEZ DEVESA, Jose Maria e SERRANO GOMEZ, Alfonso. Derecho penaI —parte general, p. 439. Reconhecem os autores como formais ou espécies da culpabilidade o dolo e a culpa.
228 Lineamentí del sistema penale, p. 416-420, e Derecho y razón, p. 419.229 Corso di diritto penale, p. 387.
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Fá b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 0 1
Também, Francesco Palazzo posiciona como componentes da culpabili
dade a existência dé um nexo psicológico entre o fato e o autor, a possibilidade
de escolha de comportamento diverso pelo sujeito, eis que ao seu entender oordenamento presume o livre arbítrio na presença de condições psíquicas nor
mais. Por fim, tal como fizera Frank em sua concepção inicial, insere a normalidade do processo motivacional, ou seja, que a específica e concreta
determinação criminosa não tenha sido condicionada por fatores exógenos ou
endógenos de intensidade230.
Em momento pouco posterior, sustentam os autores que a determinação
de que um sujeito é culpável se verifica com módulos jurídicos, isto é, um sujei-tp que realizou uma ação tipicamente antijurídica é culpável enquanto não
concorra uma causa de exclusão da culpabilidade vinculada a critérios legais e
não individuais, isto ao se referir à exigibilidade de conduta distinta231.
Da confrontação entre as duas vertentes, percebe-se a predileção mais
acentuada da primeira ao normativismo neokantiano, ao pàsso que pela se-
giinda há a expressa superioridade dos elementos subjetivos sobre os objetivos
ou normativos, decorrendo dos próprios autores esta afirmação. Contudo, as
sentando igualmente suas bases na exigibilidade como núcleo da culpabilida
de, atrelando-a a critérios legais cabendo, então, ao legislador incluí-la em
texto de lei, em face da vedação à possibilidade de se reconhecê-la como causa
supralegal de exclusão da culpabilidade.
Também na Itália, ainda que construída a teoria com particularidades,
metodologicamente a estrutura de culpabilidade empregada ajusta-se nosmoldes traçados pela concepção psicológico-normativa232.
4 . 2 R ev i s it a n d o ó f i n a l i s m o e a s u a c u l p a b i l i d a d e
Conforme já destacado, “a filosofia finalista” mantém grande número de
adeptos não apenas no seu país de origem, mas também em outros grandes
centros dogmáticos. Destacam-se, entre outros, Hans-Joachim Hirsch e José
230 Corso di diritto penale —parte generale, p. 15-17.231 RODRIGUEZ DEVESA, Jose Maria e SERRANO GOMEZ , Alfonso. Derecho pena! —parte
general, p. 444.232 DON1NI, Massimo. Teoria del reato - una introduzione, p. 279 e Intmduzione alsistema penale,
vol. I, p. 225-226. No mesmo sentido: PAGLIARO, Antonio. Príncipi di diritto penale —parte generale, p. 319, FIANDACA, Giovanni e MUSCO, Enzo. Diritto penale - parte generale, p. 281, MARINUCCI, Giorgio e DOLCINI, Emílio. Corso diritto penale, vol. 1, p. 489.
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102 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r eit o Pe n a l
Cerezo Mir, acreditando-se, inclusive, que reúna atualmente mais adeptos
fora da própria Alemanha.
Ainda que reformadas algumas propostas pelos discípulos de Welzel, estesnão se desvincularam dos princípios reitores inicialmente estabelecidos, daí po-
der-se afirmar o prolongamento do finalismo. Sobre o tema, Cerezo Mir asse
vera que “refuta-se, hoje, a tese finalista da vinculação do Direito à natureza das
coisas, às estruturas lógico-objetivas da matéria de sua regulação, mas, geral
mente, são aceitas suas conseqüências para o sistema da teoria do delito”233.
Em realidade, os debates travados entre os finalistas e os funcionalistas
residem prioritariamente em questões afetas à tipicidade, como é o caso da
teoria da imputação objetiva e à culpabilidade, mantendo-se o debate em
tomo do livre arbítrio e do poder agir de outra maneira ou não como núcleo
desta categoria do delito.
Sem pretender colacionar novamente os ensinamentos básicos do finalismo
e de sua concepção de culpabilidade e, de outro lado, apontar as críticas ao sistema,
quer-se agora retratar a argumentação esboçada pelos autores finalistas no tocante
à manutenção dós seus postulados, em especial no que se refere à culpabilidade.
Inicialmente, cumpre afirmar que o finalismo atual basicamente man
tém a culpabilidade tal como o fizera Welzel, isto é, como fundamento da
pena e limite da medida da pena234, conquanto que pretenda afastar-se da
chamada culpabilidade de autor, advinda da autodeterminação conforme osentido, e que tem sua raiz na estrutura defeituosa da personalidade ou no
defeito reprovável do caráter235.
De regra, a culpabilidade com a extração do dolo e da inobservância do dever
de cuidado objetivamente devido, tem seu conteúdo reduzido à imputabilidade
ou capacidade de culpabilidade e aos elementos de reprovabilidade. O elemento
intelectual que se traduz pelo conhecimento ou possibilidade de conhecimento
da ilidtude ou possibilidade de conhecimento da ilidtude da conduta, e o ele
mento volitivo notado por meio da exigibilidade de obediência ao Direito236.
233 O finalismo, hoje. RBCC, ne 12, 1995, p. 42,
234 CEREZO MIR, J. Culpabilidad y pena. ADPCP, 1980, p. 362. No mesmo sentido: Francesco C Palaz-zo, Valores constitucionais e direito penal, p. 52.
235 WELZEL, Hans. E l nuevo sistema de l derecho penal. Una introducción a Ia dòctrina de Ia acción finalista, p. 96-97.
236 CEREZO MIR, J. O finalismo hoje. RBCC, ne 12, 1995, p. 41.
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104 - C u l pa b il id a d e n o D ir e it o P e n a l
capacidade para superar os impulsos alheios ao Direito, mediante uma determinação da vontade conforme o dever241.
Para Günther Stratenwerth, a culpabilidade trata da capacidade individual de se cumprir com o dever, ou seja, cuida-se da possibilidade de conhecera exigência do dever e de comportar-se de acordo com ela, “é a possibilidadede uma decisão responsável”242.
Neste pensamento, atua antijuridicamente aquele que não faz o quedevia fazer e culpavelmente só aquele que pode fazer o devido243.
De novo à teoria original, esta concepção reconhece a necessidade de
pena como um dos fundamentos desta, pois que a pena “só deve ser aplicadana medida em que seja necessária para atender às exigências da prevençãogeral e especial”244. Destarte, se os fins preventivos não exigem a aplicação datotalidade da pena, reconhece-se a possibilidade do Tribunal aplicar uma penainferior em manuseio da liberdade prevista na lei, ou até mesmo deixar deaplicá-la em manifesto repúdio aos fins retributivos da pena.
Estabelecida a nova vertente da culpabilidade, seus fundamentos e fins da pena, cumpre afirmar que se esforça a nova concepção em demonstrar empirica-mente parte de seu substrato, conquanto ela mesma reconheça a indemonstrabili-dade de sua outra parte, persistindo aqui todas as críticas anteriormente deduzidas.Por fim, ressalto-se a aproximação desta concepção aos fins preventivos da pena,
reconhecendo inclusive a possibilidade da não aplicação da pena, ainda que presente a culpabilidade, isso em manobra inequívoca de afastamento da concepção
original que atribuía à pena o fim retributivo pela realização da vontade reprovada.
4 .3 O f u n c i o n a l i s m o
O funcionalismo, inicialmente desenvolvido a partir das teorias socioló
gicas deTalcott Parsons, busca estabelecer as funções das instituições sociais e
241 Teoria de Ias normas, p. 243.242 Derecho penal, p. 71. No mesmo sentido: HIRSCH, Hans Joachin. El principio de culpabilidad
y su función en el derecho penal. NDP, 1996, p. 26 e ZIELINSKI, Diethart Disvalor de acción y disvalor de resultado en el concepto de ilícito, p. 165-166. Para este autor, culpabilidade éa reprovação pessoal pelo cometimento do ilícito, apesar de ter o sujeito em virtude de suascapacidades pessoais, condições de reconhecer o juízo de desvalor expresso pela ordem
jurídica acerca da situação de fato realizada (teoria da culpabilidade), ou, apesar de ter o sujeito conhecido este juízo de desvalor (teoria do dolo), e ter tido em virtude da compreensão deste juízo de desvalor, a possibilidade de motivar-se conforme a norma. Portanto, objeto de valoração do juízo de culpabilidade é a motivação.
243 Idem, p. 71.244 CEREZO MIR, J. Culpabilidad y pena. ADPCP/ 1980, p. 365.
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Fá b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 0 5
dos valores culturais dentro do sistema social, cultural, jurídico etc., esclarecendo os propósitos individuais ou coletivos que as especificam.
Muitas acepções do termo função receberam destaque, entre outras asestabelecidas por antropólogos sociais que prefeririam entendê-la como designação do funcionamento integrado de todas as partes do sistema socialformando um todo complexo.
Acerca de Parsons, este buscou sintetizar as idéias funcionalistas, paratanto criou um sistema de análise que abrangeu todos os aspectos do comportamento individual e coletivo, enaltecendo a ordem e a coesão da sociedade,
entenda-se, estabilidade social.Ao desenvolver o sistema e fracioná-lo, deparamo-nos, dentre outros,
com os subsistemas político, econômico, jurídico, religioso etc., cada qual possuindo papéis diferenciados, contudo, tendo em comum, a relevância na manutenção do equilíbrio social.
Aproximando-se da ciência do Direito e fundamentando o pensamento primário de Günther Jakobs245, sustenta Luhmann que a divisão clássica en
tre a ciência do Direito e a Sociologia, deseja que a ciência do Direito tenha de
se ocupar das normas e a Sociologia, ao contrário, os fatos, ou seja, o juristateria que interpretar e aplicar as normas. O sociólogo, por sua vez, só poderia
se ater ao contexto factual do Direito, às suas condições e efeitos sociais246.
Reconhecendo estar este posicionamento ultrapassado pela necessidade do
Direito ser aplicado a fatos que não tinham sido previamente formulados pelasnormas, o pragmatismo postulou, então, que qualquer aplicação do Direito deveriaentão apreciar o resultado possível das diferentes construções e decisões jurídicas.
A dissolução desta divisão clássica e, por conseguinte, das delimitaçõesentre o Direito e a Sociologia, diz Luhmann, possibilitou que a Sociologia
contribuísse à Administração da Justiça.
Na construção de Luhmann, o Direito é um subsistema do sistema maior
que é a sociedade, existindo outros subsistemas ao seu lado. Isto pressupõe que para compreender a sociedade enquanto sistema social diferenciado, pressupõe-se a existência de uma teoria geral dos sistemas sociais que possa inclusive não
apenas tratar de si, mas que possa tratar também de outros subsistemas.
245 Conforme Jesús-Maria Silva Sánchez, Consideraciones sobre la teoria del delito, p. 28.246 LUHMANN, Niklas. Niklas Luhmann observateur du droit, p. 5758.
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Levando-se em consideração o subsistema jurídico (Direito), tem-seque é característica do mesmo ser aberto, ou seja, relaciona-se com o mun
do circundante, daí advindo as contribuições ao seu desenvolvimento apro-
ximando-o da realidade como fruto da autopoiese. E igualmente verdadeque sob a sua óptica de sistema fechado, ele é totalmente autônomo no plano de suas próprias operações, v.g., só o Direito pode dizer o que é
juridicam ente legal e ilegal. Entretanto , tem-se também que o Direitointegra o sistema fechado, ao argumento de que apenas o próprio podeafirmar o que é lícito ou ilícito.
Agora sob o ponto de vista jurídico-normativo, em se considerando que
as soluções penais dadas aos casos não eram as mais justas, posto que baseadasmuitas vezes em premissas indemonstráveis, v.g. o livre-arbítrio como funda
mento material do juízo de reprovação, mas se apresentavam como aplicaçãodo sistema então vigente, autores se manifestaram a favor de priorizar a solução justa ao caso concreto frente às exigências sistemáticas247.
Para a consecução da solução justa, impôs-se a introdução do critério daracionalidade final, adotando-se a idéia de uma análise de todo o sistema penal
desde a perspectiva dos fins assinalados ao Direito Penal. Para tanto, a distânciacriada pela dogmática pura e a realidade foi descartada, unindo-os em realidade,sendo o sistema reconstruído a partir de uma base político-criminal por ClausRoxin, ou a partir de uma análise sistêmica por Günther Jakobs, ou por meio de
uma análise orientada a partir das conseqüências por parte de Winfried Hassemer248.
Sobre o pensamento funcionalista individualmente considerado, este tem todauma estruturação peculiar formado através de contribuições essencialmente sociológicas, que acabaram por repercutir na seara do Direito, a partir do instante em
que este foi entendido como pertencente ao conjunto das ciências sociais. Acerca
do funcionalismo, este não pode ser concebido como sendo uno. Ao contrário, deve
ser enfocado difèrendalmente. Daí diversas serem as concepções sobre o mesmo.
De uma forma geral, o funcionalismo pretende explicar o sistema jurídico e compor uma análise global de todo o sistema social, tendo como objetivo
do sistema social a ação humana249.
247 MARTINEZ ESCAMILLA, Margarita. La imputación objetiva de! resultado, p. 32.248 Sobre o tema, vale destacar no Brasil o artigo pioneiro de Luís Greco, Introdução à dogmática
funcionalista do delito. Revista Jurídica, nQ272, p. 35-63.249 TAVARES, Juarez. Teoria do injusto, p. 62.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 0 7
É verdade que essas concepções funcionalistas difundiram-se por todo
o sistema de Direito Penal. Mas, dentre vários temas conflitantes, a culpabi
lidade centrou grandes atenções, corroborado ao fato de se tentar uma solu
ção à crise perpetrada pela teoria normativa da culpabilidade ou, se se preferir,na crise da fundamentação da culpabilidade, sendo empregados diversos
artifícios, desde o seu abandono até a veiculação das teorias da prevenção
geral positiva, acarretando, por conseguinte uma reformulação das relações
entre dogmática penal e política criminal, ou entre a dogmática penal e a
sociologia, ou a colocação das ciências penais entre as ciências sociais, con
forme, respectivamente, acenam Roxin, Jakobs e Hassemer.
De comum entre essas concepções, o funcionalismo penal reconstrói todo
o sistema de Direito Penal de acordo com princípios teleológicos, aproximan-do-se da realidade, criticando justamente a dogmática então vigente e majori
tária, por ter se distanciado da realidade. Mais: como conseqüência da existência
de uma sociedade pluralística e em respeito ao Estado Social e Democrático
de Direito, a moral, a religião e a política, defendidos de forma tão vigorosa
por Kant, Hegel e Kelsen, sem se falar no causalismo já tão criticado pelo
finalismo e nos conceitos prejurídicos ou ontológicos, foram todos definitiva
mente afastados do denominado Direito Penal moderno.
Como pressuposto, parte o funcionalismo de uma concepção onde todos
os membros de uma sociedade têm uma função específica, sendo-lhe atribuída
harmonia para que possa se desenvolver com equilíbrio e coerência como siste
ma. Portanto, nesta visão, o Estado só pode castigar as ações que possuam lesivi-
dade social. Logo, o Direito Penal tem como tarefa garantir o estabelecimento
das condições necessárias que possibilitem a vida em comunidade, ou mais es
pecificamente, o Direito Penal deve apenas intervir em problemas organizativos
necessitados de solução em respeito ao asseguramento das condições de existência dos cidadãos que convivem nessa sociedade, isto é, “o Direito não tem que
delimitar nem proteger determinados valores, senão que deve proceder para
assegurar a estrutura do sistema social e garantir sua capacidade de função”250.
Como exemplo da contribuição funcionalista, podemos nos servir da
conceituação dada ao injusto nos delitos de resultado, como sendo a criação de
250 BORJA JIMENEZ, Emiliano. Algunos planteamientos dogmáticos en la teoria juridica del delito en Alemania, Italia y Espana. CPC, nB 63, p. 606.
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um risco proibido pelo ordenamento jurídico, podendo objetivamente lhe ser
atribuído a produção da lesão do bem jurídico. Outro exemplo reside no dolo
funcional, em que é necessário que o agente tenha conhecimento da perigosidade de seu comportamento e que este não seja tolerado pela lei. Outro bom
exemplo é a nova estrutura dada à culpabilidade pelo sistema roxiniano, onde
a mesma passa a integrar uma categoria ainda maior que é a responsabilidade,e será justamente por meio do reconhecimento do binômio culpabilidade enecessidade de se impor pena que esta efetivamente se dará.
Desta assertiva que pouco demonstra a total complexidade do funcionalis
mo penal, afirma-se neste momento que a dogmática penal é o ramo da ciência doDireito que mais sofreu a influência do pensamento filosófico no seu desenvolvimento e isto permitiu ao Direito Penal experimentar notáveis progressos. Estaconstatação se alcança através do estudo sobre o desenvolvimento epistemológico
do Direito Penal, absorvendo-se as importantes contribuições do Iluminismo eda Escola Clássica, do Positivismo Naturalista e Criminológico, do Neokantismo,
do Irracionalismo da Escola de Kiel, do Finalismo e mais recentemente, do Funcionalismo e suas vertentes normativa de Günther Jakobs, também reconhecida
como radical, e a da política criminal de Claus Roxin, vista como moderada. Decomum entre estas vertentes é o caráter funcional ou racional em relação à inter
venção penal, considerando os fins da pena na elaboração dos elementos do delito.
Desta constatação, diz-se que “os métodos desenvolvidos no âmbito do
ordenamento punitivo coincidem, em linhas essenciais, com aqueles utilizados na explicação jurídica do fenômeno delitivo. E, taijipouco, é de se estra
nhar que quando se faça referência a um determinado sistema de Direito
Penal, está se tomando em consideração, fundamentalmente, um certo modelo explicativo do fato punível”251.
Como lançamento das primeiras idéias sobre o funcionalismo, argumenta-se que este se afasta do raciocínio lógico objetivo, típico do finalismo, para
em seu lugar retomar às estruturas neokantianas, isso em razão dos diferentes
níveis sistemáticos dos valores e dos fins que desempenham nesta estrutura,diferenciando-se desta pela recepção dos conhecimentos fornecidos pelas ciên
cias sociais, filosóficas, e mais reconhecidamente, pela política criminal252, ven
251 BORJA JIMENEZ. Idem, op. cit., p. 595.252 Acerca dos fundamentos básicos da dogmática funcionalista, merece destaque o artigo pionei
ro de Luís Greco - Introdução à dogmática funcionalista do delito. RJ ns 272, p. 35-63.
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do-se o Direito Penal a partir de um sistema aberto, voltado à prevenção do
delito, em repúdio aos valores morais e ao apriorismo retribucionista kantiano,
aproximando-se da realidade social.Pelo funcionalismo, surge a idéia de função, isto é, faz-se referência tan
to ao papel que desempenha um determinado elemento em respeito da estru
tura global quanto ao que cumpre no sentido dessa adaptação ao meio
exterior253. Amiúde, verifica-se o papel desempenhado pelo Direito Penal num
contexto social, para então saber como deve funcionar o mesmo neste contex
to. Já dizia Hegler, que “os princípios do Direito estão baseados em idéiasracionais e objetivas, e que só a busca e colocação destas idéias nos permite
averiguar o pleno sentido de um âmbito jurídico, disto se deduz como ideal
do sistema a orientação para objetivos”254.
Afirma Vives Anton que “a eclosão do funcionalismo na dogmática penal
provocou um fervor reconstrutivista, segundo o qual quase qualquer coisa pode
resultar um precedente do funcionalismo”255. Contudo, é importante ressaltar
que o funcionalismo trabalha a partir das funções que as normas possuem, isto
é, desde a teoria do delito até as conseqüências jurídicas do crime. Para alcançar
seu desiderato, deve-se valer o funcionalismo de uma ampla e total normatiza-ção dos conceitos, desligando-os de conotações ontológicas (finalismo), permi
tindo a orientação destes às finalidades político-criminais (funcionalismo
roxiniano), “por mais que possa parecer paradóxico”256.
Neste aspecto, Silva Sanchéz é categórico ao afirmar que “a orientação
das decisões dogmáticas a fins e valorações político-criminais, se revelou, para
doxalmente, como a única forma de atribuir um conteúdo racional ao sistema,
ante as inseguranças que produz a argumentação ontológica em uma socieda
de plural e pluricultural”257.
Hojé, temos nas teses fiincionalistas de Claus Roxin, Günther Jakobs e
discípulos ou seguidores, as maiores expressões deste pensamento. D e comum
entre o funcionalismo roxiniano e jakobsiano, pode-se dizer que o Direito
Penal deve intervir apenas para punir fatos socialmente relevantes, isto é, fatos
253 VIVES ANTON, Tomás S. Fundamentos de! sistema penal, p. 433.
254 Merkmale des Verbrechens. ZStW, ns 36, p. 20, nota 4.255 Op. ci t, p. 434.
256 GARCIA-PABLOS de MOLINA, A. Op. ci t, p. 378.257 Aproximación aI derecho pena! contemporâneo, p. 64 e 67.
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com conteúdo expressivo, visto que a pena igualmente deve ter conteúdo sig-
nificante, ou como se fala hodiemamente, “função simbólica da pena”258.
Ainda como componente comum integrante de ambas as espécies defuncionalismo, há a negação total da influência de conceitos naturalísticos
advindos do positivismo causalista, por se entender que o Direito Penal não
pode ser compreendido a partir de dados da natureza, e sim de fatos sociais,
culturais. Aqui, portanto, em manifesta adesão aos postulados neokantianos,
servindo como exemplo a teoria da imputação objetiva e o famoso exemplo
formulado por Richard Honig, do sobrinho e do tio, que acaba este sendo
morto pelo raio, etc. Contudo, vale ressaltar que o funcionalismo não se con
funde com o neokantismo, e é esta colocação se toma de fácil assimilação pelointérprete da ciência do Direito, uma vez que a concepção neokantiana orien-
tou-se em tomo de valores apriorísticos, isto é, preconcebidos pela sociedade,
eivados de grande carga moralista, em que este Direito não sofria oxigenação
vinda das mudanças sociais, caracterizando-se por ser deste modo um sistema
de Direito Penal fechado, ao passo que hoje, a presente doutrina pugna por
um sistema de Direito Penal aberto, já se tendo constatado que o Direito
Penal não muda a sociedade, mas é esta que muda o Direito Penal.Vale aqui ressaltar as considerações de Bemd Schünemann: “Em lugar de
um sistema axiomático, nem realizável nem desejável, na ciência do Direito, deve
se dar, portanto, um “sistema aberto”, de modo que o sistema não obste o desen
volvimento social e jurídico, senão que o favoreça, ou, ao menos, se adapte a ele;
de modo que não prejulgue as questões jurídicas ainda nãò resolvidas, senão que
as canalize para que se delineiem nos termos corretos; de modo que, em todo
caso, garanta ordem e ausência de contradições no conjunto de problemas jurídicos que estão resolvidos, cada vez mais para largos períodos de tempo”259.
Para se conceber um sistema como aberto, mister que seus conteúdos
sejam mutáveis, de maneira que possam se adaptar à evolução social e jurídica,
sem contudo perder conteúdo e importância260.
258 Conclui-se deste pensamento que a pena se legitima porque afirma a vigência das normas penais e seus respectivos valores.
259 Introducción al razonamiento sistemático en derecho penal. E l sistema moderno de l derecho penal: cuestiones fundamenta/es, p. 35-36.
260 SCHÜNEMANN. Introduccion al razonamiento sistemático en derecho penal. E l sistema moderno del derecho penal: cuestiones fundamentales, p. 36.
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Será justamente a flexibilidade ou possibilidade de mudança do conteúdo normativo que diferencia o funcionalismo do neokantismo. O funcionalismo proclama a necessidade de não se prescindir do sistema em favor de uma
consideração tópica, senão de conformar um sistema aberto de Direito Penal,tanto ao problema como às considerações valorativas sociais para a solução dos problemas. Em outras palavras, para o funcionalismo importa a solução daquestão de fato, permanecendo as exigências sistemáticas em segundo plano.
Vale concluir que o método da dogmática funcionalista não é o da explicação causai, senão a compreensão dos fatos sob o sentido de um sistema jurídico.Pelas considerações de Schünemann, conforma-se o sistema funcional de Direito Penal com um conceito bipartido de crime, constituído pelos elementos in
justo penal e responsabilidade, contrariando o tradicional conceito tripartido(tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) ou quatripartido (ação, tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade)261. Pela lição do mestre alemão, tipicidade
e antijuridicidade são vistos no sentido de um “mero estar prpibido”262.
4 . 4 T eo r ia s c o n t em po r â n ea s i n f o r m a d o r a s d o c o n t e ú d o
MATERIAL DA CU LPABILIDADE
Feitas as colocações em sentido contrário ao teorema “poder agir de outra
maneira”, e verificada a crise que atingiu o conceito material de culpabilidade, bus-cou-se a solução destes problemas a partir da discussão em tomo de algumas teorias,entre elas a do poder de agir diferente, ou poder médio (andershandelnkõnnen),com importância à solução do problema no processo, e a da motivação, referente àimputação da culpabilidade e sua função de individualização263.
De comum entre estas teorias, reside o fato de que são as mesmas intrínsecas à própria culpabilidade, isto é, são teorias analisadas a partir de dentro daculpabilidade, sem a interferência de critérios estranhos a ela, reconhecido
também como modelo “input”.
4 .4 .1 A TEORIA DO PODER DE AG IR DIFERENTE, OU PODER MÉ DIO,
OU DA TEORIA SOCIAL DA CULPABILIDADE
Pela teoria do poder de agir diferente, reprova-se o sujeito que não se
comportou conforme o Direito enquanto o cidadão tipo médio o teria feito.
261 Idem, op. cit., p. 71.
262 Idem, p. 71.263 PÉREZ MANZANO. Culpabilidad y prevenc ión:...,p. 109.
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Destaca-se que esta teoria afere-se pelo critério da experiência do sujeito. As
sim, se permitirá afirmar, isto é, o juiz perguntará se uma pessoa média, nas
mesmas circunstâncias experimentadas pelo autor, teria agido como ele ounão. Para isso, o juiz não deve se valer do “gênero” homem, senão um “homem
na medida” (massgerechten), vinculado a valores juridicamente protegidos,
que deve ser imaginado com as características do autor, como idade, sexo,
profissão, características corporais, faculdades psíquicas e experiência vital”264.
O autor é pessoalmente reprovado porque se decidiu pelo injusto, embora
tenha o poder de se decidir pelo direito.
Desta criação do “homem médio” é que se deduz, então, a capacidadereal do autor em vista de que “as carências na medida de sua atitude interna
frente ao Direito e de sua força de vontade, tal e como se espera do cidadão
médio, é o que se censura ao autor e constitui sua culpabilidadè”265.
Pelo que se percebe na análise desta concepção, reputa-se culpável um
agente a partir do que outro poderia fazer. Nota-se que esta teoria propugna
uma ficção ou prescrição de culpabilidade, em que a capacidade geral é o
pressuposto real de todo juízo de imputação, convertendo-se a capacidade
individual em uma ficção necessária para o Estado. Considera-se se uma pes
soa nas mesmas circunstâncias e situações do autor teria atuado de outra for
ma. Trata-se, então, de uma atribuição normativa realizada pelo sistema jurídico.
As criticas são imediatas, pois se há comparação entre o que fez o sujeito
e o que faria o homem médio, logicamente a situação não é a mesma. Tam
pouco pode ser. Este modelo de culpabilidade deixa 0e ser uma realidadesubjetiva ou pessoal para se transformar em um elemento impessoal do delito.
Portanto, o resultado alcançado nesta concepção é falível. Tomando-se comoexemplo uma situação presencial de erro de proibição invencível, poder-se-ia
argumentar que outra pessoa que não o sujeito conhecesse a proibição, e, por
conseguinte, não realizaria o comportamento, afastando, assim, a exclusão da
culpabilidade. Desta constatação, afirma-se que este critério é injusto e niti
damente prejudicial à própria defesa do sujeito.
Senão o bastante, a partir desta concepção empírica-social, nega-se a reali
zação de um juízo individualizado de culpabilidade e a sua constatação de for
1 1 2 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o Pe n a l
264 JE5CHEK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho pena / —parte general, p. 386.265 JESCHECK. Op. cit., p. 386.
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berdade e igualdade dos indivíduos, recebendo grande adesão por parte dos
autores espanhóis, onde se destacam a relação existente entre a concepção do
homem de uma determinada sociedade (homem social e pertencente à socie
dade democrática típica do Estado Social e Democrático de Direito) e osrequisitos exigidos da pessoa para fazê-la responsável por uma pena.
Ao analisar alguns dos mais importantes posicionamentos existentes, se
verificar-se-ão divergências quanto ao conteúdo desta motivação, sobressain-
do-se o conteúdo de justiça e racionalidade das normas para servir de modelo
de orientação de condutas sociais, ou pelo temor à imposição de pena (castigo), ou pela confiança de que a norma, independentemente de seu conteúdo,
é o necessário mecanismo de regulação de condutas sociais.Em verdade, alguns destes posicionamentos reinterpretam o teorema po
der agir de modo distinto, não a partir da liberdade de vontade ou de eleição,
mas como possibilidade de eleição, que significa reconhecer que o homem está
em condições de eleger uma conduta entre várias alternativas, entre a realização
do fato antijurídico ou a sua omissão269 (poder motivar-se), sendo inclusive esta
a razão do surgimento de algumas críticas, ao categorizar que este determinismo
aparente serve-se de um conceito vago e demasiadamente amplo.De forma geral, partindo do pressuposto de que uma pessoa possui as habi
lidades mentais normais de um ser humano qualquer, ela é motivável, isto é, pode
representar, eleger, outras possibilidades de conduta, podendo valorá-las em con
sonância com a prescrição jurídico-penal, e isto é chamado de motivação normal.
Os problemas que surgem, tal como já acontecera anteriormente, são
inicialmente a impossibilidade de demonstração desta motivação no processo
e o pressuposto de conhecimento exato da lei penal por parte da sociedade,muitas vezes agravado em atenção à própria diversidade cultural.
Para solucionar a questão da dificuldade ou indemonstrabilidade da
motivação no processo, Danner presume esta possibilidade de eleição como
inerente ao homem possuidor de discernimento mental270. Quanto ao conhe
cimento exato da lei penal, ou se formula um juízo de presunção de conheci
mento ou se respeita as diversidadès individuais de cada um, servindo a máxima
269 PÉREZ MANZANO. Culpabilidad y prevención:..., p. 115.
270 DANNER, M. Gibt es einen freien Willen? apud Pérez Manzano, Culpabilidad y prevención:..., p. 115-116.
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do conhecimento da lei somente àqueles que assim forem reconhecidos emobediência ao seu conhecimento.
A concepção da motivação para determinado posicionamento doutriná
rio, também se alinha à teoria da prevenção especial da pena, em razão de que, partindo da normalidade mental do homem e do determinismo que recaisobre ele, poderia o mesmo ser motivado, agindo destarte de outro modo, para
que no futuro não pratique o fato realizado271.
Por fim, diz Pérez Manzano, ainda que se dê a comprovação empírica
por meio da psicanálise, no sentido de ser motivável o homem normal, no
processo esta comprovação se resta indemonstrável, sem esquecer que a possi bilidade de eleição motivada de uma conduta entre várias alternativas, não
deixa de ser indeterminista. D e qualquer forma, esta motivação passa a figurar
como sendo o conteúdo da culpabilidade272.
De comum entre várias acepções da teoria da motivação, é a imposição
aos cidadãos de que devem acatar as normas jurídicas de maneira imperativa,
isto é, o Direito Penal regula a vida das pessoas em sociedade, para tanto,
impõe que estas acatem as normas jurídicas, prescrevendo pena àqueles que ainobservarem. Este preceito é dado pela teoria imperativa da norma que se
une às teorias da motivação e prevenção.Entende Cuesta Aguado: “parece que a motivabilidade, em si mesma,
não implica a exclusão da culpabilidade em todo caso, nem sequer a exclusãoda culpabilidade normativa, nem em seu caráter de juízo de reprovação, nem
em respeito de seu fundamento —o livre arbítrio —senão que se mostra como
uma teoria sobre o conteúdo material da culpabilidade que pode ser utilizado
para distintos fins”273. ?
Nesta visão, percebe-se que a teoria da motivação não antagoniza com a
liberdade da atuação humana, apresentando-se igualmente como sendo dedifícil demonstração empírica. Daí ter a mesma que se socorrer a presunção
normativa de não afirmar “que todos os homens normais sejam motiváveis”,
senão que “os homens que não são motiváveis (déficits de motivação) não
podem ser feitos responsáveis de seu atuar contrário à normal” e ao juízo com
271 DANNER. Op. ci t, p. 109-110, apud Pérez Manzano, Culpabilidad y prevención:..., p. 117.
272 Culpabilidad y p revención:..., p. 117.273 E l concepto material de culpabilidad, disponível na internet em <http:llinicia.es/de/pazenred!>
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1 1 6 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e i t o Pe n a l
parativo e generalizador do homem médio ou homem normal274. Como se
percebe, esta decisão se dá em decorrência da adoção de critério político-cri-
minal em satisfação das necessidades sociais.
4 .4 .3 C u l p a b i l i d a d e p el o pr ó p r io c a r á t e r
Reunindo uma série de penalistas ao longo do século XX, vê esta teoria a
culpa como resposta do próprio caráter que se manifesta no delito. Cada um
é responsável por sua personalidade que se manifesta no delito. Não impor
tam as circunstâncias que fizeram da pessoa um autor. Deste modo, preceitua
esta teoria determinista que cada um é responsável pelas características ou
propriedades que lhe induziram ao fato, isto porque deve o agente responder por sua personalidade, em razão de que esta manifestou no fato as suas carac
terísticas pessoais contrárias aos valores jurídico-penais, apresentando-se como
uma personalidade censurável275. Diante destas considerações, a responsabili
dade pelo próprio caráter implica o dever de tolerar a pena.
Mais recentemente, Jorge Figueiredo Dias com algumas ressalvas às for
mulações iniciais, reconstrói o conceito de culpabilidade partindo da funda
mentação axiológica e ética, pois são estas que formam o consenso comunitáriosem o que não pode se afirmar a normatividade do Direito276, o que ao dizer
do próprio autor se mostra insusceptível de manipulação utilitarista, isto em
nome de razões de conveniência ou de eficiência no nível do sistema social,
aliás, próprias da metodologia funcionalista de Direito Penal.
No desenvolvimento de sua concepção, parte Figueiredo Dias da acep
ção de que nas relações sociais cada pessoa é um fim em si mesmo, não objeto,
mas sujeito que possui uma dignidade intangível, e em razão deste princípio
deve se orientar o Estado. Em decorrência disso, a garantia da dignidade da
pessoa é o que constitui o fundamento axiológico-antropológico do princípio
274 El concepto material de culpabilidad, disponível na internet em <http://mida.es/de/pazenred/ >
275 Conforme Roxin, se refere esta teoria a Schopenhauer, e foram seus defensores Heinitz, Graf zu Dohna, Engisch e Figueiredo Dias. Schuld und schuldausschluss im StrafrechL Festschrift fur G.A. Mangakis, p. 242.
276 Afirma o autor que se aproxima em muitos pontos com a doutrina anterior, contudo afirma que
seu ponto de vista "não é determinista, mas abertamente crente na liberdade da pessoa" e que o conteúdo da culpabilidade não é referido ao caráter (naturalístico) da pessoa, mas à sua personalidade como fruto de uma decisão livre (de uma opção fundamental) da pessoa sobre si mesma. Questões fundamentais do direito penal revisitadas, p. 239-240, nota 122 e Culpa y responsabilidad. Para uma reconstrución ético-juridica del concepto de culpabilidad en Derecho penal, CPC, ns 31, p. 8.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 1 7
da culpabilidade277, sendo este o marco de delimitação da responsabilidade
do homem. Tem-se assim o conceito de culpabilidade da pessoa ou da perso
nalidade dogmaticamente aplicável e político-criminalmente aceitável278.Adentrando o conteúdo deste princípio, depara-se com a autodetermina
ção da pessoa em sociedade como expressão de sua autonomia e inviolabilidadecaracterísticas inerentes a qualquer pessoa, e no momento em que esta realizaum fato antijurídico típico, é a culpabilidade a reprovação ética, isto é, “culpabi
lidade é a reprovabilidade do comportamento humano, por haver atuado o cul
pável contrariamente ao dever quando podia ter atuado de outra maneira”279,
até mesmo porque acentua este autor que o Direito e, principalmente, o DireitoPenal são realização da liberdade, limitada à proteção específica dos bens jurídi
cos que participam do dever ser ético-social.
Referindo-se à culpabilidade como decisão do homem sobre si mesmo
(efeito puro da liberdade), há de se entendê-la segundo seu conteúdo, qual
seja, “ter que responder pela personalidade que fundamenta um ilícito típi
co”280, em razão de que ao praticar este ilícito típico, se manifesta no fato
qualidades pessoais jurídico-penalmente desvaloradas, e por conseguinte, uma
personalidade reprovável.Por sua vez, mede-se esta reprovação pessoal tomando-se por base a des-
conformidade entre o valor da personalidade comprovada no fato e a essência
do valor da personalidade suposta pelo ordenamento jurídico281. Em sentido
contrário, quando presentes circunstâncias inibidoras da personalidade do
agente, impedindo a compreensão do juiz, o juízo de culpabilidade não será
efetivo, tomando-se como exemplo a inimputabilidade, o que indiscutivel
mente enseja um ato de comunicação pessoal entre o juiz e o sujeito.
Ao final, entende Figueiredo Dias que a culpabilidade pela personalida
de se constitui como garantia de respeito e amor ao homem, demonstração
inequívoca de uma lei penal democrática282.
277 Culpa y responsabilidad. Para uma reconstrución ético-juridica del concepto de culpabilidad en derecho penal, CPC, n9 31, p. 10.
278 fdem, op. c it , p. 21.
279 Idem, op. cit., p. 13.280 Idem, op. cit-, p. 25.281 Culpa y responsabilidad. Para una reconstrución ético-juridica del concepto de culpabilidad
en Derecho penal. CPC, n9 31, p. 27.282 Idem, p. 37.
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1 1 8 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
4 . 4 . 3 . 1 C r ít i c a s à c u l p a b i l i d a d e p el o pr ó pr io c a r á t e r
Afirma Roxin que resultaria paradoxal atribuir a alguém a culpabilidade
por um dado de caráter de que não é responsável e que nada pode fazer emcontrário283. Não obstante a isto, pelo desenvolvimento da teoria constata-se
que, para mensurar a culpabilidade do sujeito, será necessário servir-se de um
procedimento analógico, isto é, tomar-se-á um sujeito hipotético (homunculus)
para averiguar se este agiria tal como fez o sujeito concreto.
Diante da indemonstrabilidade e dos demais problemas causados pelo
teorema “poder agir de outra maneira”, agora sob uma roupagem ética, reconhece Figueiredo Dias as dificuldades de demonstração. Daí reconhecer o
próprio autor que não se situa entre os deterministas conforme já mencionado
anteriormente, para em seu lugar posicionar o teorema como “postulados po
lítico-criminais dirigidos ao julgador”284.
Disso, percebe-se que todas as críticas formuladas contra o teorema do
“poder agir de outra maneira”, adequam-se à construção formulada por Fi
gueiredo Dias, em que pese o mesmo se consubstanciar sobre a dignidade da
pessoa humana, não se podendo, assim, afirmar que seu conceito se constitua
como condição de respeito e amor ao homem se ao concretizar o juízo de
culpabilidade contra este se serve de outro para fazê-lo.
Outro argumento contrário a esta concepção dado por Roxin, encontra-se
no fato de que ela não explica os casos de irresponsabilidade. Afirma o autor
que talvez existam exemplos de que o delito cometido por um doente mental
não se relaciona com a personalidade dele e por isso foi cometido sem culpa,
embora na maioria dos casos o delito de uma pessoa irresponsável seja a expres
são de uma personalidade psicopata ou neurótica, e não deixa de ser a expressãoda própria personalidade dele. Se cada um é responsável pela própria personali
dade, seja o que for, não é explicável a absolvição destes autores285.
4.5 As r e l a ç õ e s d a c u lp a b i l id a d e c o m a s t e o r i a s DA PENA
Em realidade, a doutrina diverge quanto às relações da culpabilidade
com as teorias sobre a pena, do exposto, para melhor compreensão do tema,
283 - ROXIN. Derecho penal, p. 803.
284 Culpa y responsabilidad. Para uma reconstrución ético-juridica dei concepto de culpabilidad en Derecho penal. CPC, na 31, p. 19.
285 Schuld und schuldausschluss im Strafrech. Festschríft für G.A. Mangakis, p. 243.
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Fá b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 1 9
faz-se necessário elencar as teorias, ainda que de forma abreviada, sem, contudo, perder importância.
Do desenvolvimento sobre as teorias da pena, afirma-se que as teorias
absolutas ou de retribuição foram as primeiras a ocupar destaque. Estas têmcomo fundamento a retribuição moral baseada no princípio da culpabilidade
no sentido clássico de liberdade de vontade ou livre-arbítrio, asseverando-se
que o homem é livre e ao fazer mal uso de sua liberdade torna-se culpável,
impondo-se conseqüentemente a pena como imperativo de justiça. Ou como
sustentava Hegel ao dar fundamento à teoria da retribuição jurídica, ao afir
mar que o delito é a negação do Direito e a pena a negação do delito. Assim,
a pena vem a ser a afirmação do Direito.
Em verdade, a teoria da retribuição é a expressão pura do pensamento deque a pena se rege conforme o fato no passado.
Pela análise superficial sobre as mesmas, conclui-se que estas não perse
guem fins preventivos, ainda que a pena tenha sido alicerçada na culpabilidade, que é a culpabilidade moral.
Com as reformas políticas e científicas havidas, e alterada a concepção de
Estado, ganham espaço as teorias relativas, também conhecidas como teorias
da prevenção. Estas assim se compreendem porque têm um fim relativo, queé o da prevenção do delito. A pena, pois, é necessária para evitar o cometimen-
to de delitos. Como bem assevera Zulgadía Espinar acerca destas teorias, não
se tem a pretensão ilusória de erradicar o delito da vida social, mas de manter
os índices criminais em limites toleráveis286.
Acerca das teorias preventivas, estás se desenvolveram em diversas acep
ções, mais precisamente de uma sociedade não identificada e não infratora, até
alcançar especificamente a pessoa do infrator.
E a teoria da prevenção geral que se dirige a toda sociedade que ainda não
delinqüiu, prescrevendo e ameaçando com pena a realização de condutas crimi
nosas. Ainda é compreendida nas acepções positivas e negativas. Pela vertente
negativa, que a propósito inaugurou a concepção preventiva, também chamada
de teoria da coação psicológica, ou da intimidação, formulada inicialmente por
Feuerbach, ameaça-se o membro da sociedade que ainda não delinqüiu com a
286 ZULGADlA ESPiNAR, José Miguel. Fundamentos de derecho f)enal, p. 71.
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1 2 0 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
aplicação de pena quando da realização de condutas criminosas, buscando-se
assim evitar que a mesma não cometa delito.
Diversamente da vertente negativa, a prevenção geral positiva dá margem
a diversas construções teóricas que se diferenciam por meio do seu conteúdo
central, para tanto se servindo ou de aspectos motivacionais, ou de funcionamento da sociedade, ou de revalidação de valores.
Diferentemente sustenta Naucke, ao argumentar ser conceitualmente
impossível considerar o desenvolvimento da pessoa do autor para o futuro na
determinação da pena, eis que ele está fora do alcance do conceito de culpabi
lidade jurídico-penal. Ou seja, não há condições de se precisar se no fiituro ocondenado vai necessitar de educação ou se será particularmente perigoso, ou
se será necessário corrigi-lo ou assegurar outras pessoas contra ele287.
Certo é que entre a culpabilidade e a prevenção do delito, e seu instru
mento, a pena, possibilita-se a construção de verdadeiros sistemas penais, onde
buscam os autores harmonizar culpabilidade e pena, concebendo-se a primei
ra com a matiz da pena que se quer instituir. Estabelece-se uma identidade
orgânica entre culpabilidade e pena. Indiscutivelmente, é a culpabilidade o
liame que une a teoria do delito a da pena. E isso é perceptível a partir da
compreensão que recai sobre a evolução epistemológica do Direito Penal.
A título de introdução ao tema, até porque no corpo deste trabalho outras
concepções preventivas serão apresentadas em consonância com a estrutura daculpabilidade empregada pela doutrina, em aspècto geral, a prevenção geral recor
da a sociedade acerca da vigência efetiva das normas penais, reforçando a confiança
institucional no sistema. Afirma-se que esta teoria se apresenta como exigência
para a integração do grupo social e para o bom funcionamento do sistema. Portanto, propriamente não se legitima a pena porque esta cumpre uma função de pre
venção, senão porque cumpre o fim útil de assegurar o sistema social e a confiança
institucional dos cidadãos no bom funcionamento do mesmo288.
Diferente das concepções que serão expostas e que decorrem da doutrina
estrangeira, entre nós sustenta Luis Antonio Chaves Camargo, que à preven
ção geral assinala-se como “instrumento de identificação dos elementos da
287 Derecho penal, p. 117.288 ZULGAD ÍA ESPINAR. Fundamentos de derecho penal, p. 73.
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Fá b io G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 2 1
reprovação penal e, como conseqüência, a aplicação de uma pena que é limitada pela culpabilidade e adequada socialmente”289.
Sob esta construção personalíssima, a reprovação penal determina a quan
tificação da pena, e a aplicação desta garante atingir “o objetivo do Direito
Penal, na sua missão de revalidação dos valores vigentes, num determinadomomento histórico, para um grupo social.” Afirma ainda o autor, que nesta
linha dogmática, “o fim da pena tem caráter construtivo, refletindo a atuação
do Direito Penal, como ultima ratio, quando os demais meios de controle
social não surtiram efeito, e, ao mesmo tempó, restabelece o consenso valora-
tivo do bem jurídico protegido pela norma”290.Já quanto à prevenção especial, leva a mesma em consideração o delin
qüente, mediante a imposição de uma pena, a fim de que o mesmo volte a
delinqüir no futuro.
Como na análise da prevenção geral, também é concebida a prevenção es
pecial nos âmbitos positivo e negativo. Quanto à primeira, busca desenvolver no
infrator o caráter ressocializador ou admonitório, a fim de chamar-lhe a atenção
para que se abstenha de incidir novamente no delito. Afirmam os doutrinadoresque esta função se tom a possível com a aplicação de penas que não a de privação
de liberdade. Quanto ao aspecto ressocializador, pretende-se modificar o infra
tor, de modo que possa conviver em sociedade e em respeito à lei penal, embora
se reconheçam as dificuldades para a consecução deste fim na sociedade atual.
Sob a vertente construtivista e de revalidação dos valores vigentes, enten
de Chaves Camargo que na execução penal, a atuação do Estado se concretizacom a utilização de instrumentos para atingir objetivos fixados pela lei penal.
Ou seja, com a aplicação da pena busca-se a aceitação do condenado, do con
ceito valorativo vigente do bem jurídico violado291.
Por fim, na concepção negativa da prevenção especial, evita-se o contato
do infrator com o meio social, mediante a segregação temporal de sua liberda
de, impondo na normalidade dos casos a pena privativa de liberdade ou ex
cepcionalmente nas legislações que assim o permite, a segregação será definitiva
com a aplicação da pena de morte.
289 Sistemas de penas, dogmática jurídicopenal e política criminal, p. 58.
290 Idem, p. 58.291 Sistema de penas, dogmática jurídicopenal e política criminal, p. 65.
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1 2 2 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
Embora o tem a não seja pacífico, afirma Zulgadía Esp inar que nas teo
rias relativas, o princípio da culpabilidade não possui nenhum papel292, em
bora não se possa olvidar que a teoria da prevenção geral positiva e sua
relação-fundamentação com a culpabilidade se apresente também de maneiramuito particularizada em atenção às proposições de muitos autores, como será
posteriormente discutido. Daí a necessidade de se realizar uma análise, ainda
que sintética de cada uma das mais importantes posições dogmáticas.
Antes desta análise, mister afirmar, sob o ponto de vista tradicional, que
a culpabilidade não apenas integra o conceito analítico de delito, como tam
bém funciona como o instrumento de ligação com a pena e suas diversas
teorias, sendo indissolúvel esta associação.A propósito, nos embates travados pelos autores acerca das teorias so
bre os fins da pena (Roxin e discípulos) e a percepção de suas falhas293,
seguem os autores modernos os postulados da teoria da prevenção geral po
sitiva, reconhecendo que se busca com a aplicação da pena, afirmar a consci
ência social da norma, restabelecendo a confiança dos cidadãos no
ordenamento jurídico e assegurar a vigência do Direito como mecanismo
regulador da convivência social.Afirma Pérez Manzano, que “uma construção da culpabilidade relacionada
com a prevenção geral e, amplamente com as necessidades preventivas, foi manti
da historicamente; por um lado, se defendeu a funcionalidade preventiva da pena
retributiva, é dizer, da pena adequada à culpabilidade e, por outro, se argumentou
que o critério para determinar se há culpabilidade e, em conseqüência, se procede
impor uma pena, é a própria necessidade preventiva”294.
292 ZULGADÍA ESPINAR. Fundamentos de derecho penal, p. 71.
293 Discussões estabelecidas entre os adeptos das teorias absolutas, que sustentam que a pena é um fim em si mesmo, sendo a retribuição do mal causado com o delito, em contraposição aos argumentos esboçados pelos seguidores das teorias relativas dos fins da pena, que a explicam sob o argumento de que a pena serve para evitar a realização de delitos no futuro, marcaram a rivalidade entre as escolas Clássica e Positiva. O embate perdeu importância com o hoje predomínio das teorias mistas, erguidas a partir de uma tentativa de conciliação com as anteriores, compatibilizando-as, a ponto de admitir a pena como retribuição de um mal, contudo não sendo impedidos os fins úteis de satisfação das necessidades preventivas. De todo este embate doutrinário e dos conflitos identificados, como por ex. a impossibilidade de retribuição de um mau num Estado Democrático de Direito e o que envolve a falência da prevenção especial nas modalidades intimidação e ressocialização, acentuou-se com maior importância na dogmática atual, as teorias que se baseiam na prevenção geral positiva como fim primordial da pena.
294 Culpabilidad y prevención: Las teorias de Ia prevención general positiva en Ia fundamentación de Ia imputación subjetiva y de 1a pena, p. 30.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 2 3
Dessa estreita relação, chega-se a dizer que se aceita a existência de cul pabilidade quando se considera correta a punição, e se aceita uma maior cul
pabilid ade quando se considera correta um a m aio r punição, segundo
considerações de conformidade com os fins sociais, sendo critério de aferiçãode conduta culpável, o de se estabelecer se contra tal conduta se pode lutareficazmente com pena, em obediência aos fins da pena perseguidos295.
Portanto, no ambiente da prevenção geral positiva, onde a lei tem efeitos preventivos gerais constatados por seu conteúdo de convencimento à sociedade
de que é justa e racional, a relação com a culpabilidade se estabelece em razão deser vista como a decisão contra a norma jurídico-penal, apesar da capacidade dereacionar a favor das exigências normativas, daí falar-se em necessidades de pre
venção geral e especial como critérios de determinação da culpabilidade.Por fim, inovando quanto às concepções preventivas, surge a concepção
de prevenção normativa de Noll, que ressalta um aspecto preventivo diverso
dos existentes nas concepções preventivas. Refere-se o áutor aos efeitos preventivos que tem a norma jurídica, mediante a função de orientação e não aoaspecto intimidatório da ameaça penal, isto é, a partir da eficácia preventiva a
lei mediante seu conteúdo, convence como justo ou racional296. Desta forma,
é válido identificar a teoria como de proteção preventiva de bens jurídicos,
sendo considerado o princípio da culpabilidade por meio de um significadode aplicação seletiva e adequada ao fim das sanções penais desde a prevenção
geral positiva, isto é, culpabilidade significa decisão contra a norma penal
apesar da capacidade de reacionar ao estímulo normativo297.
Em realidade, esta concepção traz no seu interior as considerações inerentes à teoria da prevenção geral positiva, devendo-se identificar como parte
integrante desta, e não como pretende o autor ao posicioná-la em situação
diferente das demais preventivas.
A inovação normativa que pretende e que merece destaque, sendo inclusive
adotada por muitos autores que criticam a culpabilidade como critério válido paraestabelecer a medição da pena, ocorre a partir da afirmativa de que a medida da
pena adequada à culpabilidade, depende do bem jurídico e de sua proporção.
295 KAUFM ANN , Felix. Die philosophischen Grundprob/eme, p. 72, apud Pérez Manzano, Culpabilidad y prevencíon, p. 31.
296 NOLL, P. Schuld und Prãvention unter dem Gesichtpunkt der Rationalisierung des Strafrechts, p. 223, apud Pérez Manzano, Culpabilidad y prevención, p. 136.
297 PÉREZ MANZANO. Culpabilidad y prevención..., p. 136.
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Vê-se que, neste aspecto, é consenso doutrinário desenvolver suas concepções a partir da prevenção geral, ainda que cada qual a modele em atenção à sua
visão de Direito Penal, na busca de um Direito Penal mais justo e racional.Diante da já constatada crise que atravessa o conceito tradicional de cul
pabilidade e como fruto do pensamento funcionalista penal em suas diversas
acepções, fez-se necessário que a fundamentação da culpabilidade ou da im
putação subjetiva, recaísse numa argumentação estranha ao núcleo tradicionalda culpabilidade, pretendendo cumprir as funções de fundamentação dog
mática da pena, que é a prevenção geral positiva298, isto é, surge a necessidade
de vincular culpabilidade e prevenção na própria culpabilidade ou imputação
subjetiva como preferem alguns doutrinadores. E desta premissa que surgem
os modelos output.
Os modelos output podem ser concebidos a partir de dois grupos: o modelo
que preceitua a substituição da culpabilidade por critérios advindos das necessidades preventivas e modelos que defendem a complementação da culpa
bilidade com elementos vindos da prevenção. De comum entre esses modelos,
sobressai a prevenção geral positiva como o critério de grande aceitação por
parte da doutrina, havendo também quem sustente a incidência da prevençãogeral negativa e da prevenção especial.
4.5.1 A s u b s t it u i ç ã o d o c o n c e i t o d e c u l p a b il id a d e p ela
PERSPECTIVA DA PREVENÇÃO GERAL - O MODELO OUTPUT
Como forma de superar os problemas advindos do conceito material de
culpabilidade, e ao mesmo tempo compatibilizando o Direito Penal com a atual
forma de Estado em busca da prevenção, verifica-se com a assunção das teorias
preventivas, uma diminuição de importância da culpabilidade em relação com afundamentação e medição da pena, senão a sua própria substituição pelo princí
pio da necessidade de pena, o que caracteriza o denominado modelo output.
Na mesma linha de renúncia ao conceito de culpabilidade, dá-se a cons
trução dogmática de Achenbach, ao propor a realização de uma imputação
individual de base preventivo-geral, descartando a adoção do princípio da
proporcionalidade, vinculando a prevenção com o critério da justiça, afir
mando que “só a pena sentida como justa será aceita pelos membros da
1 2 4 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o P e n a l
298 PÉREZ MANZANO. Op. cit , p. 58.
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F á b io G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 2 5
comunidade jurídica como reação adequada e desencadeará o pretendido processo de motivação”299.
Contudo, ainda assim não se desfazem as críticas em torno desta substi
tuição, persistindo a necessidade de reflexão e reformulação sobre a mesma.
Inicialmente, cumpre afirmar que os adeptos desta concepção compreen
dem a possibilidade da mesma cumprir as funções dogmáticas instituídas à
culpabilidade. Para tanto, elencam alguns tópicos de convergência ou insufici
ência do conceito tradicional de culpabilidade.
Iniciando a construção desta tese sobre o conceito de inimputabilidade,
sustentam a desnecessidade da intervenção do Direito Penal por ausência de
necessidade preventiva geral e especial de pena, pois que, o fato dos inimputá-veis praticarem um injusto e não sofrerem pena, não diminui o caráter inibitório
da norma percebido pelos imputáveis, em razão de que estes não se confundem
com os primeiros. Isso porque como os inimputáveis não podem ser motivados
pela norma, manifesta-se igualmente ausente a necessidade preventiva de pena.
Também quanto ao erro de proibição invencível, argumenta-se a ausên
cia de necessidade preventiva geral e especial de pena, pois o sujeito que atuasem consciência da antijuridicidade não comete um fato que chegue a causar
grande comoção e que implica em necessidade de pena.
Outro sustentáculo desta concepção reside na desnecessidade de pena para
os autores de comportamentos inseridos no estado de necessidade exculpante, ou
no excesso de legítima defesa, ou no medo insuperável, circunstâncias estas des
critas nos Códigos Penais alemão e espanhol, em razão de que o autor está inse
rido no contexto social, bem como a realização por ele perpetrada configura umasensível diminuição do injusto e, por fim, por razões de prevenção geral, dada a
não freqüência deste comportamento, restaria desnecessário impor-se uma pena.
Agora, em consideração aos fins preventivos da pena, entende-se este
como legítimo para fixar o limite estatal evitando-se a responsabilidade pelo
resultado e graduando-se a pena não mais em razão da culpabilidade, mas em
função do dolo ou da culpa inseridos no injusto.
299 ACHENBACH, Hans. Imputación objetiva y personal a título de injusto. A Ia vez, una contribución al estúdio de Ia aberratio ictus. E l sistema moderno del derecho penal: cuestiones fundamentales, p. 138-142 e ROXIN, Que queda de Ia culpabilidad en derecho penal? CPC ne 30, p. 679.
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Estruturando este sistema, sustenta Gimbemat Ordeig que o mesmo seergue a partir da proteção e do valor do bem jurídico, correlacionado com o seu
transtorno ou danosidade social, castigando-se com maior severidade desde o maior
ou menor transtorno no funcionamento da sociedade, a partir de se considerar odelito como doloso ou culposo, diferenciando-se aqui o grau de nocividade social,logicamente maior no crime doloso sendo, conseqüentemente, desnecessário re
conhecer-se uma responsabilidade pelo resultado, constituindo-se um sofrimen
to para as pessoas castigadas em vista da ausência de justificação300.
Contra os argumentos construídos pela concepção da prevenção geral
que pretende substituir a culpabilidade, são feitas sérias críticas contra seus
alicerces básicos.Iniciando-se o debate em tomo dos inimputáveis, o argumento da desne
cessidade de pena por critério de prevenção geral, entenda-se por falta de moti
vação, pelos inimputáveis, aponta não estar provado que estes não sejam motiváveis,
ainda que de forma reduzida, como também não é certo afirmar que a não
aplicação de pena para os inimputáveis não chegue a alcançar os imputáveis
quanto à motivação na norma, isto é, para prevenir a ocorrência de novos delitos.
Quanto ao erro de proibição, tal como anteriormente sustentado, ã ausência de necessidade de prevenção não serve para fundamentá-lo, isto porque
não está claro ou suficientemente demonstrado que, nestes casos, não se esta
ria privilegiando a desatenção no estabelecimento do justo e do injusto, do
direito e da antijuridicidade, até porque, com a aplicação de pena, poder-se-ia
dizer que a mesma atrairia a atenção dos cidadãos para' o comando normativo,
fomentando a busca do conhecimento da norma.
Nos çasos referidos de excludente da culpabilidade, a conformação não pode se dar pelos critérios de prevenção, porque não se encontra afastada a neces
sidade de se impor pena em atenção à pretendida observação da norma lesada.
Tendo por objeto o bem jurídico, este não serve para afirmar ou negar a
intervenção penal, isso porque a sociedade não mantém a mesma valoração sobre os
bens. Em referência aos transtornos sociais, estes dependem de diversos fatores para
a sua estimação, o que a princípio acarreta grande dificuldade para sua precisão.
300 GIMBERNAT ORD EIG , E. Tiene un futuro la dogmática juridicopenal? Estúdios de derecho penal, p. 155.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 2 7
Em especial, agora quanto à tese de Achenbach, afirma Roxin que ali-
cerçar-se a imputação individual sobre a culpabilidade ou sobre a justiça, não
implica diferença nenhuma. Daí a tese não inovar, ao contrário mantém no
fundo a mesma questão301.Diante das críticas realizadas, não se pode afirmar com segurança que o
princípio da necessidade preventiva de pena possa substituir a culpabilidade
no tocante aos limites da punibilidade, “sendo um critério vago e impreciso,
supondo uma generalização da responsabilidade penal, já que as necessidadesde prevenção geral ou especial não dependem da contribuição do sujeito ao
fato, senão da valoração de questões alheias a ele, por isso, não serve para
cumprir a função de individualização da responsabilidade penal”302.
4.5.2 A p re v en ç ão g e r a l p o s it iv a c o m o c o n t e ú d o
DA IMPUTAÇÃO SUBJETIVA
Em sentido diverso ao acima abordado, buscam alguns autores consoli
dar o conteúdo da imputação subjetiva a partir de pressupostos da prevenção
geral positiva, ao invés de apregoar a substituição da função dogmática exercida pela culpabilidade pelos dispositivos da prevenção geral.
Estes modelos considerados output , são construídos a partir dos funda
mentos fornecidos pelas teorias psicanalítica e sistêmica, aglutinadoras dosdois maiores penalistas contemporâneos, Claus Roxin e G ünther Jakobs, acom
panhados de seus discípulos.'
Portanto, dada a importância e colaboração destes autores na construção nãosó da culpabilidade, mas também em todo o Direito Penal, de forma panorâmica
será analisado o pensamento de cada qual, para então ser apreciada a culpabilidade.
4 . 6 O f u n c io n a l i s m o d e R o x i n
Concebido na década de 70, com o intuito de desenvolver um sistemaracional-final ou teleológico ou funcional de Direito Penal, Claus Roxin parte
do ponto de vista de que o Direito Penal não pode vincular-se às realidades
ontológicas prévias, isto é, estruturas preexistentes à valoração jurídico-penal,
mormente sobre a ação, causalidade, estruturas lógico-reais e outros institutos,
para em lugar destes, “deixar penetrar as decisões valorativas político-criminais
301 Que queda de Ia culpabilidad en derecho penal? CPC, ns 30, p. 679.302 PÉREZ MANZANO. Culpabilidad y prevención..., p. 159.
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F á b io G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 2 9
embora o próprio autor reconheça que o funcionalismo teleológico ainda seencontre em fase de desenvolvimento306.
A imputação objetiva do resultado é a primeira peça de fundamentação do
funcionalismo teleológico. E m síntese, pelas concepções passadas, o tipo ficava
reduzido às regras da causalidade. Em troca, o pensamento roxiniano repudiaesta constatação para, em seu lugar, reconhecer que a imputação de um resulta
do ao tipo objetivo, só pode se dar se se verificar a realização de um perigo não
permitido dentro do fim de proteção da norma, isto é, as regras naturalísticas da
causalidade forem substituídas por um conjunto de regras orientadas por valo-
rações jurídicas307. Por este ensinamento, as influências naturais ou lógicas dacausalidade ficam definitivamente extraídas do sistema penaL
A culpabilidade constitui-se como segundo pilar de fundamentação deste
funcionalismo. Insere Roxin o conceito de culpabilidade a ser entendido a partir do instante em que o autor estava em condições de compreender a
norma em face de sua aptidão espiritual e anímica, em uma concepção ainda
maior, que é a responsabilidade. Esta abarca também a necessidade de pena,
agora já com finalidades preventivas especiais, como materialização de sua
idéia de Direito Penal da prevenção.
O modelo roxiniano tem por objeto responder, desde considerações de
prevenção geral e especial, a questão normativa de se estabelecer em que me
dida um comportamento ameaçado em princípio com uma pena requer em
determinadas circunstâncias uma sanção penal.
Destarte, a culpabilidade fica estabelecida como condição ou limite de
pena, e está também voltada aos fins preventivos, embora haja doutrina que
entenda ser incompatível num mesmo momento o juiz retribuir a reprovabi
lidade cumulada com fins preventivos308.
Por sua vez, a capacidade de culpabilidade estará sintetizada pela possi
bilidade do indivíduo conhecer a ilicitude e a normalidade da ação (que falta
em determinadas formas de perigo e no excesso de legítima defesa).
Portanto, a responsabilidade como nova categoria analítica do conceito
de crime, tem como objetivo principal eliminar o problema da liberdade de
306 ROXIN, Claus. Derecho pena! parte general, p. 204 e 206.307 ROXIN. Claus. Derecho pena! parte general, p. 204.308 ROXIN, Culpabilidad y prevención en derecho penal, p. 126.
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1 3 0 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
vontade, já que somente trata de estabelecer se existem razões que justifiquem a necessidade de se impor uma pena (Strafbedürftigkeir). Estas razões
devem ser determinadas a partir de aspectos de política criminal, ou seja, sob
aspectos de prevenção. Assim, responde-se se o autor merece a pena em razãodo injusto cometido. Disso atenta-se que para o reconhecimento da imposi
ção de pena, é necessário que as duas categorias estejam presentes.
E necessário frisar que Roxin refere-se aos fins do Direito Penal e não apenasaos da pena. Disso dessume-se que seu sistema é muito mais amplo, não se res
tringindo apenas a esta, mas impondo subserviência a valores e princípios políti-
co-criminais. O grande mérito atribuído a Roxin é ter colocado a construção
dogmática a serviço da resolução dos problemas que se apresentam na realidade davida social, tarefa que parecia estar esquecida em favor da mera abstração teórica.
Em síntese, afirma-se que Roxin está preocupado com a tópica, mas não
unicamente com ela, e, para a compreensão de um sistema valorativo-criminal
que resolveria os problemas encontrados no neokantismo e no finalismo, nor-
matiza todas as categorias do sistema, tomando seu sistema político-criminal
apto a responder às questões e contradições perpetradas nos outros sistemas.
Afirma-se, portanto, que o grande mérito desta concepção foi o de se colocar
como alternativa bastante interessante entre o Direito Penal calcado na dog
mática fechada, vista por alguns como “Ciência do Direito de professores”309,
alijado da realidade social e das necessidades desta e, de outro lado, precisa
mente o denominado radicalismo normativista, com conteúdo valorativamen-
te neutro, atrelado apenas à funcionalidade do sistema e de seus conceitos,
distante das prerrogativas da dignidade da pessoa humana.
4 . 6 . 1 C r í t i c a s a o f u n c i o n a l i s m o r o x i n i a n o
Se bem é verdade que o pensamento roxiniano atingiu grande quantidade
de adeptos na Europa, também é verdade que o mesmo não está livre de críticas.
Frente à argumentação de que as decisões fundamentadas nos fins e valores criminais, isto é, política criminal e teoria dos fins da pena, constituem-
se como a única forma de atribuir conteúdo racional ao sistema, ante as
inseguranças produzidas pela argumentação ontológica num sistema pluralis
ta e pluridimensional, diz Borja Jimenez “que nem toda sistemática orientada
309 GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Derecho penal, p. 402.
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Fá b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 3 1
a uma determinada concepção político-criminal ou preventiva geral, asseguramaior racionalidade ao seu desenvolvimento e estrutura, isso porque a racio
nalidade em questão, deriva da justificação do modelo social que impera no
âmbito em que se desenvolve a teoria”310.Em seqüência desta oposição, estabelece-se o perigo que traz o funcio
nalismo à dogmática jurídico penal, pois acarretaria a dissolução de todo o
sistema penal e sua substituição pela teoria dos fins da pena, em manifesta
adesão ao utilitarismo, isto é, empregar a pena para um fim específico, na
espécie a prevenção geral apresentando-se incompatível com a idéia de justiça,
sem se falar na reformulação completa do conceito de culpabilidade, senão na
sua inferiorização frente aos sistemas anteriores.
4 . 6 . 2 A c u l p a b i l i d a d e em C i a u s R o x i n
Na tentativa de solucionar o problema que assola o conceito material de
culpabilidade, afirma Roxin que os princípios político-criminais da teoria dos
fins da pena são hábeis para fundamentar a culpabilidade311. Para tanto, é ne
cessário que o sistema de Direito Penal sofra uma reformulação tornando-se um
sistema dogmático jurídico-penal aberto às finalidades político-criminais, man-
tendo-se incólume os princípios do Estado de Direito, afastando por inteiro a
teoria da retribuição, danosa sob o ponto de vista da política criminal.A título dogmático, reconhece Roxin a incapacidade do conceito funcio
nal dúplice, ou tríplice de culpabilidade para se amoldar ao sistema por ele
proposto, pois em verdade, a concepção tradicional reúne sob o mesmo conceito
fundamentos distintos, a saber: justificação ao fim de retribuição da pena e
como limitação da pena312.
Como fundamento à retribuição, tem-se que a culpabilidade é inidônea,
pois legitima o mal que se quer impor, logo apresenta-se como irracional eincompatível com os fundamentos democráticos, notadamente porque tem como
essência retribuir o mal desvinculada de qualquer política criminal e despida de
qualquer preocupação de evitar o delito ou de destinar ao delinqüente uma
310 Op . cit., p. 602.
311 ROXIN. Culpabilidad..., p. 70.
312 Em geral, a doutrina concebe funções à culpabilidade. Entre outras teorias desponta a da tríplice função da culpabilidade, que a estabelece como o fundamento da pena, como limite máximo de pena, e como fator de graduação da pena.
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execução penal que lhe possibilite corrigir as atitudes sociais deficientes e que olevaram a cometer o delito através de uma execução ressocializadora313.
Pela culpabilidade com a função de limitação da pena e, por conseguinte, do poder de intervenção do Estado, mostra-se a mesma como limite à pena em obe
diência ao seu grau, derivando deste fundamento o princípio “nullum crimennulla poena sine lege”, isso porque, conforme destaca Roxin, quem antes do fato
não podia ler uma Lei escrita e saber que sua conduta lhe acarretaria uma pena,
não podia ter conhecida a proibição e, por conseguinte, não podia fazer-se culpável por seu comportamento314. Por tais considerações, este princípio consubstan-
cia-se como uma das mais efetivas garantias do Estado de Direito31s.
Em decorrência dessa premissa, “o princípio da culpabilidade exige, portanto, a determinação do tipo, a proibição estrita de leis retroativas e a proibi
ção de toda analogia em prejuízo do autor”316.
Por sua vez, há de se reconhecer que essa função da culpabilidade tem amparo
na política criminal, ainda que não seja possível a exata quantificação da pena, pornão se apresentar como objeto calculável a partir de regras matemáticas, mas que
possibilita limitar os abusos da pena, seja de caráter preventivo geral ou especiaL
Por essas colocações, ressalta-se a impropriedade da culpabilidade parasustentar a fundamentação e a medição da pena, ainda que estes conceitos se
apresentem de certa forma relacionados entre si.
Acerca dessa dicotomia, pode-se ainda afirmar acerca da culpabilidade
como fundamentação da pena, que nela incide a questão de se fixar os pressu postos da responsabilidade jurídico-penal, tais como 'a análise acerca da capa
cidade de culpabilidade ou o conhecimento da proibição. No entanto, no que
se refere à medição judicial da pena, incide-se o fato concreto em si.
No tocante às críticas sobre as diferentes concepções de culpabilidade,notadamente as que admitem o poder atuar de outro modo como seu fundamento, repudia-as Roxin, alegando que “O decisivo não é o poder atuar de
outro modo, senão que o legislador desde pontos de vista jurídico-penais queira
fazer responsável o autor de sua atuação”317.
313 ROXIN. La culpabilidad como critério limitativo de Ia pena. RCP ne 1, p. 18.
314 ROXIN. La culpabilidad como critério limitativo de Ia pena. RCP n9 1, p. 18.315 Idem, op. c it , p. 17.316 Idem, op. cit., p. 19317 ROXIN. Culpabilidad..., p. 71.
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Na esteira da lição de Karl Engisch, de 1963, relativa à liberdade devontade, na qual se formula a proposição de que a culpabilidade de um ho
mem em uma situação concreta não é susceptível de demonstração, pois nunca poderá se afirmar se ele pode ou não agir de forma diferente à forma que
agiu —poder agir de outra maneira (Andershandelnkõnnen), sustenta Roxin adesnecessidade de se provar esta liberdade. Para ele, o papel da liberdade no
Direito Penal não é o de um facturn real, senão o de uma proposição normati
va. Em outras palavras, o juízo jurídico sobre o Direito Penal da culpabilidade
não depende de se poder provar filosófica ou psicologicamente a liberdade e a
responsabilidade do homem, senão de si é adequado, teleologicamente, que o
homem seja tratado como livre e responsável.
Abstraindo-se da indissolúvel questão da existência ou não da liberdade,
para Roxin, o dado decisivo para a afirmação da culpabilidade será a acessibi
lidade, ou dirigibilidade normativa (normative Ansprechbarkeit). Portanto,
não indaga se o sujeito teria podido, realmente, agir de outra maneira. Parale
lamente, acarreta-se que a culpabilidade não se subordina às exigências pre
ventivas, senão coordena-se com estas, estabelecendo limitações recíprocas.
Diante da constatação de que o sistema tradicional de culpabilidade nãoconsegue satisfazer às exigências próprias do Estado Democrático de Direito,
idealiza Roxin para o Direito Penal um novo esquema, possuindo como sus-
tentáculos a teoria da imputação objetiva e a responsabilidade criminal318.
Neste novo esquema, entende que considerações preventivas geral e es
pecial devem ser assinaladas para que a pena seja vista como necessária para
reforçar o sentimento jurídico, a fé no direito da comunidade e para atuar
sobre o autor do delito, evitando sua recaída319, sob pena de que se os delitosficarem impunes, as normas penais perderiam seu poder de motivação acarre
tando desordens e anarquia.
Daí expressar-se Roxin pela impropriedade terminológica de se persistir
no uso do termo culpabilidade para expressar sua teoria, o que seria estender por demasiado o termo.
Afirma Munoz Conde sobre esta concepção, que do ponto de vista for
mal, “se chama culpabilidade o conjunto de condições que justificam a impo
318 ROXIN. Derecho penal, p. 204 e 206.319 MUNOZ CON DE. Op. cit., p. 21.
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sição de uma pena ao autor de um delito”320, distinguindo culpabilidade de
perigosidade. Pela culpabilidade se dará a análise após o cometimento de um
fato típico e antijurídico, e sendo culpável o agente, dará lugar à imposição de
uma pena. Ao autor de um fato típico e antijurídico, culpável parcialmente(semi-imputabilidade) ou inculpável, porém perigoso, dará lugar à imposição
de uma medida de segurança.
A estrutura roxiniana tem no injusto (tipo e antijuridicidade), a designa
ção de quando uma conduta é ou não “ajustada às regras”. A responsabilidade,
termo que Roxin usa para expressar seu raciocínio, responde desde pontos devista poKtico-criminais à questão da necessidade jurídico-penal de sancionar o
infrator no caso concreto, a partir da teoria do fim da pena. Esta, inclusive, develastrear o legislador e o julgador, sendo ainda “o âmbito em que a política crimi
nal referida ao autor penetra diretamente na dogmática do Direito Penal, na
medida em que o conteúdo dos fins da pena é determinado conjuntamente por
conhecimentos criminológicos, sociológico-jurídicos e filosófico-jurídico”321.
Sobre a responsabilidade, esta designa após a antijuridicidade, uma valo
ração ulterior e que por regra geral dá lugar à punibilidade. “Enquanto na
antijuridicidade se analisa o fato a partir da perspectiva de que o mesmo in
fringe a ordem do dever ser jurídico-penal e que está proibido como socialmente danoso, a responsabilidade significa uma valoração desde o ponto de
vista do fazer responsável penalmente o sujeito”322.
Entende Roxin como sendo pressupostos da responsabilidade, a culpa
bilidade (a possibilidade de conhecimento da antijuridicidade e a normalida
de da situação em que se atua — v.g. excesso na legítima defesa etc, considerada
como pressuposto decisivo) e a necessidade preventiva de sanção penal, vista
aqui como uma ulterior proteção ante a intervenção do Direito Penal, mediante a exigência que a mesma seja imprescindível323.
Quanto à culpabilidade, o sujeito atua culpavelmente quando realiza um
injusto jurídico-penal, em que pese a norma chamar-lhe a atenção na situação
concreta e possuir capacidade suficiente de autocontrole, de forma que lhe era
320 Culpab ilidad y prevención en derecho penal, p. 14.
321 ROXIN. Culpabilidad..., p. 72.
322 ROXIN. Derecho penal, p. 791.323 ROXIN. Derecho penai, p. 791-793, asseveraque outros casos de anormalidade também
podem ser manifestados em se considerando os crimes em espécie.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 3 5
psiquicamente acessível um a alternativa de conduta conforme o Direito324.
Noutra consideração, agente culpável é aquele que tenha compreensão pela nor
ma, isto é, o sujeito tem acesso intelectual à norma no sentido de que suas
capacidades intelectuais sejam suficientes para compreendê-la325.Portanto, a contrario sensu, quando nenhum dos efeitos preventivos da
pena é necessário no caso concreto, por mais que o autor tenha atuado culpa-
velmente, não se poderá impor uma pena326. Constata-se assim que, para a
dogmática penal voltar-se à teoria dos fins da pena e, por derradeiro, à aplica
ção efetiva da lei penal incriminadora, mister que culpabilidade e necessidade
preventiva de sanção penal se vejam conjuntamente imputadas ao sujeito.
Percebe-se, assim, que a culpabilidade tal como vista no sistema tradicional, não é suficiente ao lado da tipicidade e da antijuridicidade para impor pena,
necessitando de constatações político-criminais que atestem as necessidades pre
ventivas. Ainda, há de se falar nas dificuldades existentes para se estabelecer o
conceito material de culpabilidade, isto é, saber o que realmente fundamenta o
aspecto material da reprovação da culpabilidade. Noutras palavras, por que ca
racterizamos como culpável ou não-culpável uma conduta ilícita se concorrem
determinados requisitos positivos e negativos?
Afirma Roxin que o problema que envolve o conceito material de culpa bilidade tem importância capital porque a questão de se saber qual é o ponto de
vista valorativo reitor em que se baseia esta categoria do delito, pode ser total
mente decisivo para a interpretação de todos os elementos concretos da culpabi
lidade e, inclusive, para desenvolver novas causas supralegais de exclusão da
culpabilidade, e por isto, em muitos casos, para julgar a punibilidade327. Para
tanto, constrói a distinção da culpabilidade como fundamento da pena e culpa
bilidade na determinação da pena, pois são assertivas que possuem significados
diferentes, e podem acarretar a ocorrência de confusões sobre o tema.
324 ROXIN. Derecho penal, p. 792.325 Firma Roxin o entendimento de que o sujeito normal é aquele que pode adaptar seu comporta
mento às circunstâncias e à norma. DizCuesta Aguado que esta teoria também se fundamenta nolivre-arbítrio, porém sem pretender prová-lo, visto como um pressuposto imprescindível da vida em sociedade arraigado nas nossas formas gramaticais e de pensamento. Nesta conjuntura, a suposição de liberdade é uma asserção normativa ou se se preferir, uma regra social independente do problema do conhecimento ou das ciências da natureza e está baseado no princípio da igualdade, segundo o qual todos os homens devem receber igual tratamento ante a lei. E l concepto material de culpabilidad, disponível: na internet em <http:Hinicia.es/delpazenred>
326 MUNOZ COND E. Op. cit, p. 21.
327 ROXIN. Culpabilidad..., p. 59.
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Sobre o conceito material de culpabilidade, defende Roxin a posição de
que deve o mesmo ser entendido como “atuação injusta do sujeito em que pese
poder cumprir a norma”, ou seja, afirma-se a “culpabilidade do sujeito quando,o mesmo está disponível no momento do fato para a chamada da norma segun
do seu estado mental e anímico, ainda quando lhe eram psiquicamente acessíveis possibilidades de decisão por uma conduta orientada conforme a norma”328.
Contra a crítica da indemonstrabilidade e do retomo às proposituras própri
as do livre arbítrio, insurge-se Roxin, afirmando que a Psicologia e a Psiquiatria
desenvolveram critérios de julgamento com os quais se pode constatar empírica-
mente as restrições da capacidade de autocontrole e de medir sua gravidade329. Por
conseguinte, presente a possibilidade de cumprimento da norma pelo sujeito, presume-se logicamente que o mesmo tenha capacidade de comportar-se confor
me a norma, tomando-se culpável quando embora detentor destes pressupostos,
ao realizar o comportamento não adota qualquer alternativa de conduta em con
sonância com as suas viabilidades psíquicas.
Percebe-se, pois, que a adoção das contribuições advindas das ciências
extrapenais, no caso a Psicologia e a Psiquiatria, determinam o que anterior
mente chamamos a atenção para a abertura dó sistema proposto, diferencian-do-se do sistema neoclássico justamente porque neste não há a possibilidade
de qualquer aspiração conceituai estranha ao Direito Penal.
Aó expor de Roxin, sua teoria se afasta dos embates traçados pela Filoso
fia e pelas ciências naturais em tomo do livre arbítrio e da máxima de presun
ção do poder agir de outra maneira, apegando-se ao 4lemonstrável que são a
plena capacidade de controle e a possibilidade de cumprimento da norma.
Entende Roxin que sua concepção de Direito Penal firma-se sob o absolu
tamente indispensável para a paz e segurança jurídica, do contrário, aplicar este
Direito Penal a pessoas em estado mental defeituoso oú em circunstâncias ex
cepcionais, portanto, que não tenham capacidade de motivação, acarretaria no
reconhecimento de um Direito Penal desnecessário e inadequado, isto porque a
sociedade não espera que estas pessoas cumpram a lei, mantendo-se aqui in
328 ROXIN. Derecho penal, p. 807.329ROXIN. Derecho penal, p. 807. Ao descrever esta teoria como "atuação injusta pese a existência de compreensão ou acessibilidade normativa do sujeito à norma, segue a necessidade de se socorrer às considerações de homem médio ou homem normal para se apurar esta compreensão ou acessibilidade normativa."
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cólume a vigência da norma, e indiscutivelmente neste aspecto, aproxima-se
Roxin da concepção normativa defendida por Günther Jakobs330.
Embora se aproxime da concepção de Jakobs, dela Roxin se afasta aofiliar-se ao princípio da culpabilidade do Estado de Direito, vista como fun
ção de proteção liberal, não aquela preocupada com as necessidades preventivas gerais ou especiais, “senão da capacidade de controle do sujeito e com isto
de um critério susceptível em princípio de constatação empírica, que põe um
limite à potestade punitiva do Estado”331.
Pela culpabilidade como fundamento da pena (Strafbegründungsschuld),
parte Roxin da assertiva de que as causas de exclusão da culpabilidade são, naverdade, causas de exclusão da responsabilidade baseadas nos fins da pena,
porque o agente pode comportar-se de forma diferente332. Tom ando-se como
exemplo o sistema penal brasileiro, a coação moral irresistível e a obediência
hierárquica servem a este propósito pois, do contrário, não se poderia reco
nhecer a culpabilidade do co-autor ou do superior hierárquico. Disso decorre
que estas causas, a seu ver, não excluem propriamente a culpabilidade, porqueela está presente, ainda que demasiadamente leve para justificar a imposição
de pena, falta assim a devida fundamentação científica para as mesmas, porque em algumas oportunidades se castiga, e em outras não.
Sua tese é a de que por considerações de prevenção geral e especial, ante
a dificuldade de averiguação “do poder atuar de modo distinto”, que aconse
lham o legislador a renunciar ou não à sanção, as causas de exclusão da culpa
bilidade melhor se explicam a partir da categoria científica que denomina deresponsabilidade, já que “a culpabilidade é só uma condição necessária, porém
não suficiente para exigir uma responsabilidade penal”333.De outro lado, a culpabilidade não deve fundamentar a necessidade de
pena, senão limitar a sua admissibilidade (Strafzumessungsschuld), isto é,
averigua-se a medida de culpabilidade limitadora da pena valendo-se da asso
ciação de aspectos empíricos e normativos para a sua determinação, tais comoo “valor do bem jurídico lesionado, o grau de sua lesão e a atitude interna do
330 ROXIN. Derecho penal, p. 810-811.331 ROXIN. Derecho penal, p. 811.332 ROXIN. Culpabilidad..., p. 151.
333 ROXIN. Culpabilidad..., p. 155.
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138 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
sujeito ante o fato (ante a distinção de dolo e imprudência e eventuais limitações da capacidade de condução)334.
Por sua vez, a necessidade da pena pode derivar simplesmente dos fins
preventivos, levando-se em consideração o interesse em um a convivência humana pacífica e segura, de forma a se impedir que o autor realize futuros fatos
puníveis, confirmando-se perante a coletividade a vigência da norma jurídica.
Neste passo, a culpabilidade tradicional não é afetada em nada pela novacategoria de responsabilidade, mantendo-a na idéia de pressuposto de pena.
Não obstante a culpabilidade tradicional ser mantida no esquema roxiniano, desponta uma doutrina pretendendo um lugar diferenciado para o
conhecimento da proibição e a capacidade de culpabilidade em relação comos casos de exigibilidade, isto é, uma diferenciação entre causas de exclusão daculpabilidade e causas de exculpação335.
A incapacidade de culpabilidade e o erro de proibição inevitável eliminam a capacidade de conhecimento e se qualificam como causa de exclusão daculpabilidade. Nos casos de inexigibilidade, estas seriam causas de exculpa
ção, tanto por razões de prevenção geral como de prevenção especial.
Roxin não concorda com esta colocação, sustentando que o erro de proi bição constitui-se como causa de exclusão da culpabilidade, porque quemnão pode conhecer absolutamente o ilícito de seu atuar, deve ser excluído da
reprovabilidade do crime doloso. De outro lado, se se pensar que as pessoas
teriam sempre que externar seus conhecimentos ou o dever de informar-seseria impossível utilizar-se desta causa336. ^
Deste modo, afirma-se que, quando falta a culpabilidade, também faltam asnecessidades preventivas geral e especial de uma pena. De outro lado, a teoria de
Roxin pode ser utilizada por aqueles que não querem fundamentar a pena naliberdade da vontade e nos demais problemas que desta surge, mas que se munem
da capacidade de agir frente às exigências normativas como pressuposto da pena.
4.6.2.1 A TEORIA DOS FINS DA PENA
Compreendido que o funcionalismo racional-teleológico de Claus Roxin
preconiza a orientação de todo o Direito Penal para cumprimento de determi
334 ROXIN. Que queda de la culpabilidad en derecho penal? CPC, n° 30, p. 686.335 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal, p. 358.
336 ROXIN. Culpabilidad..., p. 161.
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vel”341. Concretamente, pode-se estabelecer que uma pena seja fixada abaixo damedida de culpabilidade, se isso for preventivamente razoável, ao argumento de
que uma pena inferior obtém da mesma maneira, ou ainda melhor, os efeitos preventivos que seriam alcançados com a fixação de uma pena mais grave.
Se considerações sobre a culpabilidade roxiniana já foram deduzidasanteriormente, imperioso que se exponha algumas vertentes sobre as necessidades preventivas de pena. Para tanto, havemos de nos socorrer às modernasconcepções teorias sobre a pena.
Inicialmente, impõe-se a afirmativa de que fins puramente preventivos
podem legitimar a pena, indiscutivelmente porque a pena contém uma reprovação pessoal contra o autor, até porque, se assim não fosse, estaríamos sobuma medida de segurança.
Se no âmbito da prevenção geral positiva, a pena tem por objetivo confirmar à sociedade a inviolabilidade da ordem jurídica, e por assim dizer con
firmar e fortalecer a fidelidade da sociedade ao direito, sucede que destinatáriodesta não é mais aquele em vias de aderir à criminalidade, tal como lecionava
Feuerbach ao estruturar a teoria da coação psicológica, mas agora o cidadão
fiel ao Direito, a quem se deve proporcionar, por meio de uma justiça penalque funcione, um sentimento de segurança e uma convicção aprovadora parao Estado e sua ordem jurídica.
Da nova concepção de prevenção geral positiva, explica Roxin, que trêssão os efeitos principais:
I o —efeito de aprendizado que o Direito Penal obtém fazendo-se presente de um modo expressivo as regras sociais básicas, cuja
violação já não pode tolerar-se;2 o —efeito de confiança que se alcança se o cidadão vê que o Direito
Penal se impõe;
3 o —efeito de pacificação que: se produz se o descumprimento da lei
se resolve por meio de um a intervenção estatal e se restabelece a paz jurídica342.
Em suma, decorre que na prevenção geral positiva, o efeito de aprendizagem
não está ligado, necessariamente, a uma determinada quantia de fixação de pena.
140 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
341 tdem, p. 214.342 idem, p. 219.
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Os efeitos de confiança e de pacificação pressupõem uma pena justa, e estas por
sinal coincidem com as exigências ditadas pelo princípio da culpabilidade.
Também é verdade que no manuseio destes efeitos principais, outros delesdecorrem. Em especial, a inibição ao cometimento do delito, não no sentido decoação, mas no sentido de influência nos cidadãos, pois não se pode olvidar que
o Estado deve evitar também que o condenado cometa novos delitos.
Ainda no campo da prevenção geral positiva, esta não se harmoniza com a
regra fornecida pela antiga prevenção fundamentada na lição de Feuerbach, pois
se nesta tende-se a impor penas excessivamente rigorosas e que inclusive excedam
a culpabilidade, por sua vez a primeira conduz à imposição de penas moderadas.
Isso porque, os citados efeitos de aprendizagem, confiança e pacificação não estão
ligados a uma determinada quantia de pena, pois pressupõem uma pena justa,
com a qual coincidem as exigências do princípio da culpabilidade. Neste sentido,
note-se que a reparação do dano, ou ainda, a composição autor-vítima, tal como
elencada na Lei dos Juizados Especiais Criminais, são instrumentos de revitaliza
ção do Direito, da paz jurídica, sem se deixar de considerar os efeitos benéficos à
reintegração do condenado, e do aspecto positivo desde o âmbito criminológico.
Não obstante ao até aqui esboçado a partir das lições de Roxin sobre os finsda pena, contrapondo-se àqueles que sustentam que a prevenção geral positiva
alcança-se com a participação popular no processo democrático de estruturação das
normas, entre outros, Habermas, Hawls e Klaus Günther, afirma o penalista de
Munique que apenas uma pequena parte da prevenção geral necessária pode ob-
ter-se por meio da legislação e da justiça penal. Aponta que a principal tarefa,
preventiva está em mãos do controle social policial, que se efetua em parte por meio
da luta preventiva contra a criminalidade, e em parte dentro do marco das investi
gações jurídico-processuais contra autores, inclusive contra os não-identificados.
Com propriedade, atesta Roxin, que o meio mais efetivo da prevenção geral
não é nem o Código Penal, tampouco a justiça penal, senão a intensidade do
controle, o que, indiscutivelmente, acarreta uma vigilância mais intensiva sobre a
população343. Expõe Roxin, que a partir dos métodos de investigação com suporte
na informática, na vigilância acústica e óptica, ou na investigação genética-mole-
cular, em emprego excessivo, serviriam, eficazmente, à realização de delitos344.
343 Idem, p. 220.
344 idem, p. 220-221.
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1 4 2 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
Da construção roxiniana o que se verifica, independente da análise dasquestões de liberdade e intimidade do cidadão, é que a prevenção geral podetambém por-se em prática através de métodos externos ao Direito Penal, sem se
falar na pedagogia social, ou da proteção técnica de objetos expostos a perigo.Pela pedagogia social, esta é delineada pela realização de programas en
torno da socialização familiar, dada a desintegração da família. No Brasil, dadas as altas cifras de déficits sociais, particularmente potencializada peladesigualdade social, má distribuição de renda etc., o seu enfrentamento é altamente positivo. Outros programas que abranjam a formação profissional dos
pais, ou que estabeleçam o ensino religioso, ou as regras de conduta socialmente competentes, auxiliam a prevenção de delitos.
Quanto aos objetos expostos a perigo, a modernidade tratou de desenvolver forte aparato de segurança, que indiscutivelmente funciona como agenteinibidor da prática do injusto.
Vê-se, assim, que a política criminal estende-se consideravelmente alémdo Direito Penal, mostrando a sua face interdisciplinar, e isto permite assegurar que a prevenção efetiva é a que se pratica antes da prática do delito, e não
por meio da execução da pena de prisão.
Por sua vez, a prevenção especial e o delinqüente têm grande relevânciana teoria dos fins da pena. Se antes o condenado funcionava como o objeto dareação estatal, pois servia à retribuição, agora com a mudança de postura, des-
tacando-se novamente a possibilidade de conciliação civil entre autor e vítima,
decorrente que é da estreita relação que se formou entye as prevenções especiale geral, considerando-se agora o condenado como co-organizador da sanção, ea sua recuperação como instrumento de utilidade pública. Nota-se que nesta
concepção, o condenado assume um relevante papel ativo na execução da pena.Outrossim, na concepção clássica de ressocialização, certo é que os esforçosterapêuticos somente logram sucesso se há a cooperação voluntária, o que denota que o condenado é o objeto do castigo.
Veja-se, portanto, que na reconciliação do autor-condenado com a vítima, que empreende esforços para a reparação do dano, ou que efetua trabalhos à comunidade, ou que se também se submete, voluntariamente, a uma
terapia social, mostra-se que o sujeito do delito busca reintegra-se ao grupo,
regressando à legalidade através da adoção de comportamento responsável. Neste aspecto, conclui-se da lição roxiniana que cumprindo-se a preven
ção especial positiva, logra-se alcançar a paz jurídica e a confiança no sistema.
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En tre nós, possuidores que somos de um sistema penitenciário caótico,
o não implemento da Lei de Execução Penal e dos dispositivos ressocializa-
dores sérios não servem ao discurso do aniquilamento da prevenção especial
positiva. H á muito já se percebeu que o rigor, a crueldade, a supressão de benefícios etc., não possibilitam a obtenção de efeitos preventivos. Se se
renuncia à ressocialização, e em contrapartida se orienta o sistema a inflingir
um mal ainda maior ao condenado, impossibilitando o ensino de formas
humanas e sociais de comportamento, estabelece-se a dessocialização do
condenado345.
Para Roxin, as prevenções especial e geral ainda dominam a teoria dos
fins da pena, que se estende desde a pura prevenção geral estabelecida nas
cominações penais, passando pela combinação de prevenção especial e geral naimposição da sanção, até a evidente primazia da prevenção especial na execu
ção da pena e nas sanções não privativas de liberdade, em se considerando
ainda que a prevenção geral se relativiza, dado que seus métodos e alcance se
exorbitam os limites do Direito Penal346.
4.6.2.2 C r í t i c a s à c u l p a b il id a d e r o x in i a n a
Se bem é verdade que o pensamento roxiniano atingiu grande quantidade
de adeptos na Europa, também é verdade que o mesmo não está livre de críticas.Frente à argumentação de que as decisões fundamentadas nos fins e valo
res criminais constituem-se como a única forma de atribuir conteúdo racional
ao sistema ante às inseguranças produzidas pela argumentação ontológica num
sistema plural e pluridimensional, diz Boija Jimenez “que nem toda sistemática
orientada a uma determinada concepção polírico-criminal ou preventiva geral,
assegura maior racionalidade ao seu desenvolvimento e estrutura, isto porque a
racionalidade em questão, deriva da justificação do modelo social que impera noâmbito em que se desenvolve a teoria”347.
Na defesa do finalismo, é dito que o método ontológico das estruturas
lógico-objetivas não nasceu com a pretensão de marcar um determinado mo
delo social ou político, senão a tentativa de superar o Direito natural e o posi
345 Idem, p. 222.346 Idem, p. 226.
347 Op. ci t, p. 602.
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144 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
tivismo jurídico, como também o de estabelecer teoricamente um limite àatividade legislativa do Estado em favor do respeito à autonomia da pessoa348.
Algumas críticas podem surgir do pensamento roxiniano vinculado à política criminal e à teoria dos fins da pena. Uma dessas críticas reside no perigoque traz este funcionalismo, pois acarretaria a dissolução de todo o sistema
penal e sua substituição pela teoria dos fins da pena. Em assim sendo, consti-tuir-se-ia um verdadeiro utilitarismo, isto é, emprega-se a pena para um fimespecífico, na espécie a prevenção geral, não sendo compatível com a idéia de
justiça, sem se falar na reformulação completa do conceito de culpabilidade.
Como resposta, Roxin afirma que não renunciou à culpabilidade como
poder atuar de um modo distinto, havendo inclusive três razões para continuara mantê-la. A primeira reside na manutenção da terminologia porque já é conhecida; a segunda, de que culpabilidade e prevenção não são coisas iguais, isso
porque o fato das necessidades preventivas desempenharem um certo papel no juízo de culpabilidade, não quer dizer que estas se confundem. Logo, a culpa bilidade deve entender-se como pressuposto de uma responsabilidade configurada preventivamente, e, por fim, conforme consideração normativa, no momento
de se determinar a magnitude da pena, não se pode renunciar à culpabilidade,
sendo este conceito o elo de ligação entre fundamento e determinação da pena349. Na análise da contradita de Roxin, despida de qualquer conteúdo ju rí
dico, é a afirmação da manutenção da culpabilidade pela conhecida terminologia. Contudo, quando se refere à distinção entre a prevenção e a culpabilidade,
e a questão desta funcionar como fundamento da pena rechaça, por completo,as críticas colocadas acima. Pode-se ainda falar no mantimento da culpabili
dade no sistema penal, “porque a culpabilidade representa uma garantia doindivíduo frente ao poder punitivo do Estado, ou frente a utilização instru
mental do cidadão como critério de eficácia na luta contra o delito”350.
4 .7 O FUNCIONALISMO DE JáKOBS
O funcionalismo penal também transcorreu por outra via, vista como radi
cal, representada por Günther Jakobs, construída a partir das categorias socioló
348 BORJA JIMENEZ. A/gunos p/anteamientos dogmáticos en fa teoria jurídica del delito enAlemania, Italia y Espana, CPC, ns 63, p. 603. .
349 ROXIN. Culpabilidad..., p. 180.350 BORJA JIMENEZ. Afgunos planteamientòs dogmáticos en la teoria juríd ica de I delito en
Alemania, Italia y Espana. CPC, n° 63, p. 615.
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gicas e guiada por critérios de prevenção e integração, fruto da relação do Direi
to Penal, visto como parte integrante das ciências sociais com outras congêneres.
Resultado desta relação foi a introdução das correntes sociológicas na análise dodelito, em particular a teoria dos sistemas como variante do funcionalismo.
Parte Jakobs do funcionalismo sociológico de Parson e da teoria das fun
ções sócio-sistêmicas de solução e estabilização dos conflitos ou teoria socioló
gica da formação do Direito de Niklas Luhmann, embora Süva Sánchez afirmeque Jakobs venha progressivamente se desvinculando desta para firmar raízes
na teoria hegeliana351.
A teoria dos sistemas tem sua origem nos anos quarenta no campo das ciências puras, tendo como objetivo explicar o funcionamento do mundo de fòrma
científica em contraposição ao método mecanicista de explicação da realidade352.
Inicialmente, com amparo na lição de Juarez Tavares, “o fundamento da
análise sistêmica reside justamente no fato de que as ações se vêem regidas por
expectativas, as quais encontram nos sistemas seus marcos delimitadores, corres pondentemente a diversas variáveis, das quais uma delas estaria constituída pelas
normas jurídicas”353. Noutra consideração, o modelo funcionalista de Luhmann
trabalha com categorias e expectativas dentro do contexto social, que se denomi
nam de caráter contra-fáctico das normas, isto é, as normas são sempre associadas
a um processo de comunicação social na qual um espera do outro que reaja de
uma certa maneira, em obediência às regras sociais, de tal forma que, quando não
se cumpre esta expectativa, se produz a frustração do sujeito expectante e, em
351 SILVA SÁNCHEZ, Jésus-Marfa. Consideraciones sobre Ia teoria del delito, p. 28. A influência de Hegel fica evidente em Heiko Harmut Lesch, discípulo de Jakobs, no artigo Injusto y culpabilidad en derecho penal, in RDPC na 6, 2000, p. 262-267. Noutro sentido, acentuo que Jakobs ainda permanece fiel à base sociológica, a se perceber num de seus últimos artigos publicados, ao afirmar que "A c iência do Direito Penal tem que indagar o verdadeiro conceito de Direito Penal, o que significa destacá-lo como parte do entendimento que a sociedade tem de si mesma". La ciência del derecho penal ante Ias exigencias del presente, p. 9.
352PÉREZ MANZANO. Culpabilidad y prevención..., p. 44. Afirma esta autora com arrimo em Bertalanffy "que a definição de sistema mais utilizada é aquela que o define como um conjunto de objetos mais as relações entre os objetos e entre seus atributos, sendo os objetos as partes do sistema, os atributos suas propriedades e as relações as que possibilitam a noção de sistema na medida em que mantém as partes unidas no sistema. O conceito de sistema se constrói sobre a
base de outros dois auxiliares: estrutura —como a organização interna de seus elementos e função como a conduta e interelações do mesmo com o exterior - com tudo que está fora do sistema, que recebe o nome de ambiente. Por fim, "os sistemas se subdividem em sistemas abertos e fechados,, dependendo de que recebam e reciclem as influências ambientais de forma que o equilíbrio do sistema se produza em função da homeóstase (propriedade autoreguladora que permite manter o estado de equilíbrio) continua entre sistema e ambiente ou não".
353 Teoria do injusto penal, p. 62.
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FÁ8IO G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 147
gerando frustração e conflito. A pena, portanto, é a declaração da vigência daexpectativa e que o conflito se resolva à custa do sujeito falaz.
Ainda sobre o conceito funcional de pena, tem-se aqui a retribuição com
aspectos comunicativos, isso porque a posiciona como contradição do significado lesivo do fato para a vigência da norma. Logo, a pena é instrumentosimbólico de retribuição de injustos de especial gravidade para seguir mantendo a vigência de normas indispensáveis357.
A partir da teoria dos sistemas, define Jakobs todas as categorias do delitoem atenção à contribuição que estas prestam à manutenção da estrutura social.
Ainda, sustenta que o funcionalismo jurídico-penal se concebe como a teoriasegundo a qual o Direito Penal está orientado a garantir a identidade normativa
e a garantir a constituição da sociedade358. Disso se conclui que a lesão à vigênciadesta organização (resultado), perpetrada pela lesão da função do cidadão nestecontexto, caracteriza-se como sendo a causa da lesão da vigência da norma. Neste sistema, pois, entende-se como resultado a lesão da vigência da norma. Jáacerca da teoria do delito, este tem que partir dos conceitos de pessoa e lesão
jurídica, e não nos conceitos naturalísticos como homem e dolo359.
Sobre a pessoa, esta não é considerada como uma unidade “zoológica-
psicológica”, mas sim como uma construção elaborada desde uma óptica especificamente normativa. Ou seja, no Direito a pessoa se determina de formanormativa e generalizante, e não em um sentido psicológico de vinculação à
legalidade. Para este funcionalismo, a pessoa é um ser racional, com capacida
des normais, é, portanto, um cidadão360.
No que diz respeito à dogmática, esta sistemática entende que o papel
do intérprete jurídico tem de limitar-se à descrição, à explicação do sistema positivo de normas de um a determinada sociedade, sem considerar (valorati-
vamente, entenda-se política criminal) como deveria ser a conformação dessamesma sociedade, ou seja, como deveria ser o Direito Penal dessa sociedade.
Noutras palavras, parte Jakobs da normalização absoluta de todo o siste
ma penal e de seus conceitos basilares, por conseqüência inequívoca, os méto
dos positivista-naturalista e finalista são afastados definitivamente, para em
357 FEIJOO SÁNCHEZ, Bernardo. Retríbución yprevención general. Buenos Aires: B de F, 2007, p. 595.
358 GÜNTHER, Jakobs. Sociedad, norma, persona en una teoria de un derecho pena! funcional, p. 10.359 JAKOBS. La ciência de l derecho penal ante Ias exigencias de l presente, p. 16.360 LESCH, Heiko HarmuL Injusto y culpabilidad en derecho penal. RDPC, nfi 6, 2000, p. 259-260.
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1 4 8 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
seu lugar aproximar-se de um conceito social de ação sui generis, ação comoexpressão de um sentido361. Consiste esta expressão na causação individual
mente evitável (dolo ou culpa) de determinadas conseqüências, isto é, sãoindividualmente evitáveis os acontecimentos que não se produziriam sem aconcorrência de uma motivação dirigida a evitar as conseqüências.
Quanto à pena, esta se justifica como medida necessária a manter a confiança dos cidadãos no ordenamento, estabilizando a norma lesionada. C om aconfiança na norma se quer dizer que todos os homens são destinatários dasnormas e deveriam ter direito a saber se podem ter expectativas ou não. C on
seqüentemente, a pena manifesta a identidade social e isso serve ao fim daconformação da realidade das normas, compreendida a identidade normativacomo o conjunto de normas jurídicas emanadas em sua realidade.
No tocante à decorrente fidelidade ao Direito, se quer dizer que, com aaplicação da pena, esta consegue que o delito não se aprenda como alternativade conduta possível, sendo a pena o liame estabelecido entre a conduta e o
dever de suportar seus custos.
Interessante ressaltar que Jakobs não justifica o Direito Penal e a pena como
instrumentos idôneos de tutela de bens jurídicos ou de evitação de sua lesão ou desua colocação em perigo, mas sim de outorgar, como missão do Direito Penal, omantimento da norma como modelo de orientação de contatos sociais, pois o
papel do Direito a partir de Luhmann pode ser entendido como o meio para aestabilização e coesão da ordem social, e, por outro, como ordem social, a qual
persegue a sua própria estabilização dentro dá ordem sopaL Assim, o Direito temo fim essencial de fortalecer a coesão social, o que significa estabilizar o organismosodaL Diante disso, as normas orientam os contatos sociais mediante a expressão
da vigência fática da expectativa normativa.
Desde a interpretação que ora se faz sobre Günther Jakobs, o DireitoPenal tem a finalidade de exercitar o reconhecimento da norma, mantendo o
respeito geral às ditas normas.
4 . 7 . 1 C r í t i c a s a o f u n c i o n a l i s m o n o r m a t iv o
Por se constituir num sistema exclusivamente normativo, as primeiras crí
ticas que surgem e certamente de maior grandeza, são de que esse sistema não
361 BORJA JIMENEZ. Algunos planteamientos dogmáticos en la teoria jurid ica del delito en Alemania, Italia y Espana. CPC, n9 63, p. 607.
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Fá b io G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 4 9
leva em consideração a pessoa humana, mas apenas as necessidades de prevenção
geral de mantimento incólume da norma, pouco importando as circunstâncias
que norteiam o autor, tampouco se voltando à limitação do poder punitivo doEstado como garantia inerente à dignidade da pessoa humana.
Quando se fala que a pessoa não recebe tratamento condizente com asua importância, deve-se entender pela afirmativa que neste sistema “o indívi-
duo não é mais que um subsistema físico-psíquico, mero centro de imputaçãode responsabilidades, e o próprio Direito um instrumento de estabilização
social, de orientação das ações e da institucionalização das expectativas”362.
Ao subsistema penal corresponde assegurar a confiança institucional doscidadãos, entendida dita função como forma de integração no sistema social363.
Algumas críticas a Jakobs referem-se direta ou indiretamente aos tristes
acontecimentos que marcaram a história recente e o povo alemão. Refiro-me à
Segunda Guerra Mundial. Descarta este sistema o fundamento maior de que
esta normatividade, ao não considerar a pessoa humana em primeiro plano,
estará suscetível a qualquer novo autoritarismo porque, nesta teoria sistêmica,
o Direito Penal não se limita a proteger bens jurídicos, mas apenas funções,
preocupando-se exclusivamente com a manifestação de um fato disfuncional,do que com as causas que possam ser geradas pelo conflito364.
Noutro sentido, a partir da concepção cunhada pela teoria sistêmica, suas
estruturas tanto podem servir às sociedades liberais ou coletivistas como tam
bém podem servir às democracias ou ditaduras, pois o objeto funcional é o
dado, o ser, e não o dever ser. Diante desta afirmativa, o mesmo fenômeno social
poderá ser funcional ou disfuncional, dependendo do tipo de sociedade.
E mais, diante das considerações de que a dogmática deve limitar-se àdescrição do sistema de normas de uma sociedade, nota-se, conseqüentemen
te, o desprezo sobre a construção teórica acerca da problemática jurídico-
penal em torno da legitimação do Direito Penal (introdução de critérios
político-criminais de validez e legitimidade), daí dizer-se que a dogmática de
Jakobs é escrava da constatação empírica de quais são as funções do subsistema jurídico-penal no sistema social.
362 GARCIA-PABLOS DE MOLINA. Op. ci t, p. 381.363 GARCIA-PABLOS DE MOL INA Op. ci t, p. 381.364 Idem, op. cit., p. 382.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 5 1
4.7.2 A CULPABILIDADE EM JAKOBS
Para Jakobs, a culpabilidade é o “elemento central da teoria jurídica do
delito, sendo o resto das questões meros indicadores da culpabilidade. Só in
teressa, em definitivo, se o Estado pode ou não impor uma pena”365, e, porisso, como muito bem acentua a doutrina, o aspecto mais debatido da cons
trução teórica de Jakobs é a sua concepção acerca da culpabilidade e sua rela
ção com a prevenção geral positiva366.
Tal como já apontado, para o professor da Universidade de Bonn, a pena
tem um significado comunicativo e confirma a vigência da norma, que outro-
ra foi posta em dúvida pelo autor. Logo, o juízo de culpabilidade só pode ser
um juízo acerca da falta de consideração da norma por parte do autor. Tem-se
a falta de fidelidade do sujeito ao ordenamento jurídico. Portanto, a culpabi
lidade é um déficit que se exterioriza num fato tentado ou consumado de
fidelidade ao ordenamento jurídico. Aqui, os fatos psíquicos, principalmente
o dolo e a consciência da antijuridicidade são indicadores de tal déficit367.
Não obstante manter o conceito de culpabilidade, Jakobs não entende
por este outra coisa senão o necessário à concepção preventiva-geral, portanto,
renuncia a culpabilidade no sentido convencional368. Ou seja, essa culpabili
dade depende das exigências de prevenção geral, e não do grau de responsabilidade pessoal do autor por sua ação. Neste aspecto, é correto até mesmo afirmar
que a culpabilidade deriva da prevenção gèral. Parte Jakobs da concepção de
que o Direito contribui para a estabilização da norma, aplicando-se a pena
para manter a confiança geral da norm a deflagrada por um déficit relevante
de motivação jurídica do autor de um injusto369.
No tocante à culpabilidade, este funcionalismo a entende como sendo a
falta de fidelidade ao Direito, quer dizer, o autor será culpado quando assim
for considerado pela falta de motivação em uma norma que tenha infringido
365 Neste sentido: Bernardo Feijóo Sánchez, Retríbuciórt y prevención general, p. 617, nota 58.366 PENARANDA RAMOS, Enrique, SUÁRES GONZÁLEZ , Carlos e CANCIO MELIÁ, Manuel. Un
nuevo sistema del derecho penal. Consideraciones sobre la teoria de la imputación de Günther jakobs, p. 77.
367 JAKOBS, Günther. Sobre la normativización de la dogmática jurídicopenal, p. 22.368 Sustenta Hirsch que nesta concepção, o princípio da culpabilidade é concebido como mera
derivação da prevenção geral, sendo abandonada a tradicional que a fundava autonomamen-
te. El principio de culpabilidad y su función en el derecho penal. NDP, 1996 p. 31.369 JAKOBS, Günther. Derecho Penal —parte general - fundamentos y teoria de la imputación,
p. 579-581.
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1 5 2 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o P e n a l
pelo comportamento típico e antijurídico, na medida em que esta falta demotivação não possa ser desculpada sem que se veja afetada a confiança geral
nessa norma370. Isto é, “a determinação da culpabilidade sob a aplicação doDireito Penal vigente, consiste na fundamentação da necessidade de punir emuma determinada medida para confirmar a obrigatoriedade do ordenamentofrente ao cidadão fiel ao Direito”371. Tem-se, então, que o culpável é o veículo
do ato demonstrativo que estabiliza o ordenamento jurídico. A declaração deculpabilidade significa que o fato delitivo não fica definido como causalidadeou capricho do destino, senão como obra de uma pessoa372.
Dessa construção, decorre que a reprovação da culpabilidade não se refe
re à lesão dolosa ou culposa de um bem jurídico por parte do autor, senão quese vincula a uma carência no âmbito de organização, e por esta carência o
autor é responsável. Logo, a culpabilidade é a parte da responsabilidade dosujeito por sua falta de disponibilidade a deixar de motivar-se pela normacorrespondente, quando este déficit não possa fazer-se compreensível sob aafirmação de que não afeta a confiança geral na norma373.
Importante ressaltar que a fidelidade ao Direito não é uma contrapresta
ção à assistência do Estado, mas deve estar fundamentada na autonomia participativa e na compreensão comunicativa das normas374. Da mesma formaque a ilicitude se configura por meio da realização do tipo de injusto, a culpa
bilidade consiste na realização do chamado tipo de culpabilidade, que tem
como requisitos o fato de o autor ter se comportado antijuridicamente; que oinjusto seja pressuposto da culpabilidade e que este seja imputável ao autor,isto é, que este seja dotado de capacidade de questionar a validade da norma;que deva ter agido o autor sem representar o fundamento da validade da
norma e, conforme algumas espécies de crime, que este preencha alguns elementos que esta espécie de crime estabeleça como indispensável.
Disto decorre que, nesta concepção, a culpabilidade somente será relevantequando necessária à aplicação de pena para a mantença do ordenamento. Por
370 Afirma jakobs, que consiste a missão da culpabil idade em caracterizar a motivação do autor contrária ao Direito como motivo do conflito. Derecho Pena! parte general —fundamentos y teoria de Ia imputación, p. 579.
371 JAKOBS, Günther. Culpabilidad y prevención, p. 78.
372 FEIJOO SÁNCHEZ, Bernardo. Retribución y prevención general, p. 600.373 JAKOBS, Günther. Culpabilidad y prevención, p. 91-92.374 KINDHÀUSER, Urs. La fidelidad al derecho como categoria de Ia culpabilidad. Cuestiones
actuales de Ia teoria del delito, p. 194.
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Fá b io G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 5 3
tanto, culpabilidade não é limite, senão derivado da prevenção. Com estas con
siderações, rechaça Jakobs as teorias que posicionam a culpabilidade como fator
de condição, medição e limitação da pena, em razão da manifesta ausência dereferência aos fins375. Portanto, a culpabilidade é a responsabilidade por um
déficit de motivação jurídica dominante num comportamento antijurídico376.
Destas considerações resulta o afastamento do livre arbítrio como conteú
do ou pressuposto da culpabilidade, afirmando ainda Jakobs que este conceito
carece de "dimensão social”, reconhecendo-se o culpável a partir da “falta de
obstáculos juridicamente relevantes para seus atos de organização”377. Ainda,
com a eliminação da idéia de um sujeito livre e da culpabilidade com a função
de operar como limite da pena, contrariando, portanto, o pensamento de Roxin,
apura-se nesta metodologia que a punibilidade do autor não se mede a partir
das circunstâncias que rodeiam a sua pessoa, mas sim na fidelidade necessária
dos demais cidadãos para a estabilização da confiança do ordenamento.
Diz-se, assim, que a função da culpabilidade fúncionalista é meramente
instrumental, sendo o resultado de uma imputação reprovadora ao sujeito, no
sentido de que a defraudação que se produziu foi motivada pela vontade
defeituosa de uma pessoa378. Serve para afirmar a deslealdade deste para como Direito e, com isso, autorizar a imposição da pena. Pode-se dizer, também,
que seu conteúdo está constituído no próprio processo de motivação no qual
se afirma a deslealdade da norma. Conforme afirma Jakobs, “só o fim outorga
conteúdo ao conceito de culpabilidade”379.
Quanto à imposição de pena, esta tem o caráter de reestabilizar a norma,
pois, se a norma tem como função justamente a garantia e o asseguramento destas
expectativas, a pena teria a função de garanti-la e, conseqüentemente, assegurar
por via indireta essa expectativa. Acerca da dosimetria da pena, esta levará em
consideração o quantum necessário para a estabilização da norma, sendo esta a pena
adequada à culpabilidade, o que implica dizer que “renunciar à pena adequada à
culpabilidade suporia uma renúncia ao que é jurídico-penalmente necessário380.
375 JAKOBS, Günther. Culpabilidad y prevención.Estúdios de derecho penal, p.73-74.
376 JAKOBS. Derecho pena!..., p. 566.377 JAKOBS. Derecho pena!..., p. 585-586.378 JAKOBS, Günther. El principio de culpabilidad. Estúdios de derecho penal, p. 365.
379JAKOBS. Culpabilidad y prevención. Estúdios de derecho pen al p. 82.
380 JAKOBS. Derecho penaL., p. 589 - 590.
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1 5 4 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
Busca Jakobs a substituição do conceito tradicional de culpabilidade pela prevenção geral positiva381, ou seja, em sua estrutura de culpabilidade, abandona
Jakobs a função restritiva da punibilidade do princípio da culpabilidade em atenção
à prevenção geraL Para tanto, afirma que “a determinação da culpabilidade noDireito Penal vigente consiste na fundamentação da necessidade de punir em
medida concreta para a confirmação da obrigatoriedade do ordenamento frente
ao cidadão fiel ao Direito”. Assim, culpabilidade se fundamenta por meio da
prevenção geral e é medida conforme esta. E mais: desta forma, a necessidade de
estabilizar a confiança no ordenamento que foi pertubado pela conduta delitiva
se converte no conteúdo da culpabilidade e no critério de sua medição.
Pelo exposto, pode-se dizer que o conceito de culpabilidade é formal, ereveste-se apenas da imputação ao sujeito, ao passo que o conteúdo da culpa
bilidade se “vê determinado pela constituição social”382 e é dado apenas pelo
fim pretendido, e este orienta a determinação da culpabilidade no sentido de
estabilizar a confiança na ordem pertubada pela conduta delitiva.
Como leciona Jakobs ao se referir à culpabilidade material, esta é a falta de
fidelidade frente a normas legítimas. Por sua vez, essas normas não adquirem
legitimidade porque os sujeitos se vinculam individualmente a ela, mas sim porque o cidadão livre na configuração de seu comportamento assim pretende, de
correndo desta situação a obrigação de manter a fidelidade ao ordenamento383.
Acerca do compromisso de defesa da prevenção geral que tem Jakobs,
esta não é a prevenção geral classicamente concebida de socialização ou inti
midação do autor ou de outras pessoas, mas uma prevenção geral que significa
a necessidade de mantimento das expectativas de fidelidade com o ordena
mento jurídico. De outro lado, a fidelidade ao ordenamento jurídico, conceito
determinado normativamente, se debilita quando o sujeito que se encontra
em perfeitas condições de cumprir o seu papel social, sendo possível a atuação
conforme a norma, realiza uma atuação contrária a esta. Neste quadro, a fun
ção da culpabilidade é de estabilizar a confiança na ordem jurídica debilitada
pelo comportamento delitivo, possibilitando um novo equilíbrio no desen
volvimento da sociedade. Desta afirmativa decorre que, o limite que estabele
381 PÉREZ MANZANO, Mercedes. Culpabilidad y prevención...,\ p. 22.
382 JAKOBS. Derecho penal..., p. 567.383 JAKOBS. El principio de culpabilidad. Estúdios de derecho penal, p. 38.
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F á b i o G u e d e s d e Pa u l a M a c h a d o - 1 5 5
ce a culpabilidade para a pena não decorre do que “o delinqüente mereceu”,mas sim em tomo da pena necessária para a manutenção da confiança.
Desta mesma construção decorre a assertiva de que em sociedades conso
lidadas pode rebaixar-se a medida de pena, pois nelas é mais reduzida a perigosidade da ação. Disso também decorre que no âmbito das normas mais
consolidadas pode-se também atenuar a pena, pois é menos perigoso que a
sua infração se entenda como negação da nivência da norma.
Esta concepção normativa pura considera que a norma necessita ressar-
cir-se contra as violações de seus preceitos para manter sua firmeza384 e, a meu
juízo, neste momento, aproxima-se Jakobs da teoria retribucionista de Kant e
Hegel, demonstrando uma falta de coerência com o postulado de ser um
Direito Penal preventivo, embora Jakobs sustente que é prevenção geral por
que se pretende produzir um efeito em todos os cidadãos: E também positiva
na medida em que não se pretende que esta prevenção consista em medo ante
a possibilidade da pena, mas apenas uma tranqüilização no sentido de que a
norma está vigente e, havendo sua transgressão pelo ato perpetrado por umimputável, ela se vê fortalecida com a aplicação da pena385.
Em síntese, o método puramente normativista de Jakobs rechaça qualquer
delimitação descritiva (desqualificada por ele como naturalista) dos conceitosdogmáticos e remete à interpretação dos conceitos exclusivamente no âmbito
funcional sistêmico, ou seja, os conceitos do Direito Positivo serão interpretados
em relação com o sistema social utilizado386, ou como extrato da sua própria
lição, a violação de uma norma (delito), se estima socialmente disfuncional, não
porque lesiona ou põe em perigo determinado bem jurídico, senão porque ques
tiona a confiança institucional no sistema. Nesta concepção, o juízo de culpabi
lidade é pressuposto da pena, já que só uma ação relevante comunicativamente
384 BORJA JIMENEZ. Algunos planteamientos dogmáticos en /a teoria jurídica de! delito en Alemania, Italia y Espana, CPC, ne 63, p. 609.
385 JAKOBS. El principio de culpabilidad, p. 385 . Há de se destacar, ainda, que este autor reconhece que a sua concepção se aproxima de Hegel, Derecho penal, p. 22. Para ele, a reafirmação da norma tem que realizar-se mediante a imposição de um mal ao delinqüente, porque isso responde ao fim de exercício na fidelidade ao Direito, ou seja, a pena agrava o comportamento infrator da norma com conseqüências custosas, aumentando a probablilidade de que esse comportamento se aprenda em geral como comportamento a não ser realizado. Não se pode olvidar que esta construção foi nominada por Heiko Lesch como "teoria funcio
nal retributiva e compensadora da culpabilidade". La función de Ia pena, p. 50.386 SCHÜNEMANN, Bernd. Consideraciones críticas sobre Ia situación espiritual de Ia ciência
jurídicopenal a/emana, p. 44.
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1 5 6 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
pode questionar a vigência da norma. Logo, o delito é a expressão simbólica dafalta de fidelidade para com o Direito, ou seja, é uma ameaça à integridade e
estabilidade sociais, particularmente nocivas quando a infração se tom a visível387.Contudo, para poder se determinar a deslealdade do autor para com o
Direito, isto é, a motivação juridicamente incorreta e a responsabilidade do
autor por isso, é necessário a conjunção de alguns elementos que constituirão
o que chama Jakobs de tipo de culpabilidade388.
Sobre o tipo de culpabilidade, afirma Jakobs que a culpabilidade pressu
põe o injusto, desde que este não esteja justificado, e o autor somente será
responsável pelo déficit de motivação jurídica se, no instante em que o fato forcometido, ele estiver em condições de pôr em questão a validez da nohna, isto
é, se ele for imputável389. Daí falar-se que a culpabilidade, nesta concepção,
define-se como a imputação de capacidade que se verifica, exclusivamente,
desde uma perspectiva externa. Por isso, a culpabilidade se dá quando a im
putação ao autor é necessária para o mantimento da confiança na norma por
falta de alternativas de solução do conflito.
De outro lado, para se negar a culpabilidade (tipo de exculpação), é pre
ciso que não se ponha em perigo a estabilização geral das expectativas normativas através da pena, ou quando exista a oportunidade de assimilar o conflito
de outra maneira, quando então poderá ser discutida a exculpação. Isso ocor
rerá quando o autor do fato não possa ser considerado igual ou se encontre em
determinada situação especial, decorrendo a inexigibilidade de obediência à
norma. Esta se dará quando a “motivação não-jurídica se puder explicar por
uma situação que para o autor constitua uma desgraça e que também em geral
se pode definir como desgraça ou que se possa imputar a outra pessoa”390,tomando-se como exemplo a constituição psíquica do sujeito ou em obediên
cia a determinadas circunstâncias onde não se pode exigir do cidadão que haja
conforme a determinação normativa391.
387 GARCIA-PABLOS DE MOLIN A Op. ci t, p. 382.
388 JAKOBS. Derecho penal..., op. cit., p. 596.
389 Para Jakobs, imputável é uma pessoa que se encontra nas mesmas condições de igualdade queoutra, isto é, uma pessoa que tenha formado o seu processo de motivação.Dereho pena!..., p. 598.
390 JAKOBS. Derecho pena!..., p. 601.
391 PENARANDA RAMOS, Enrique, SUÁRES GONZÁLEZ, Carlos e CANCIO MELIÁ, Manuel. Un nuevo sistema deI derecho penal. Cpnsideraciones sobre la teoria de la imputación de Günther Jakobs, p. 84.
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Fá b io G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 5 7
Pode-se dizer que mesmo nos casos de exculpação, não há plenitude na
renúncia à estabilização, em razão de que se reaciona ao sujeito com a impo
sição de medidas para obtenção de sua cura ou de sua educação392. Servindo-se do exemplo do erro de proibição, na situação concreta em que o autor
atuou em erro sobre a norma, porém com suficiente disposição a cumpri-la,
reconhecendo assim o fundamento de validez, não se mostrará válida a aplica
ção de pena para a consecução do objetivo de alcançar a lealdade ao Direito,
quando muito para fixar a existência da norma393.
Ao tratar deste tipo negativo de culpabilidade, tece Jakobs a diferença
entre a inexigibilidade e a inimputabilidade. No primeiro, o sujeito está mo
tivado e a culpabilidade se vê diminuída ou excluída. Já quanto à inimputabilidade, leva-se em consideração a igualdade do sujeito com os demais.
Enfim, quando faltar a uma conduta a relevância comunicativa não haverá
constatação de culpabilidade. Assim, a culpabilidade se verifica quando a im
putação ao autor é necessária para o mantimento da confiança na norma por
falta de medidas adotadas conforme as condições sociais, de solução do conflito.
Nesta mesma linha de pensamento, sustenta Bernardo Feijóo Sánchez
que a fundamentação da culpabilidade se encontra vinculada às estruturas profundas de responsabilidade de um a determinada sociedade e às suas ques
tões axiológicas, o que configura segundo este autor a denominada “gramática
profunda”. Ou seja, o fundamento da culpabilidade está vinculado ao concei
to de pessoa e dependerá de como se encontrem normativamente definidos os
vínculos entre os indivíduos e a sociedade394.
Diante destas considerações, tem-se que a culpabilidade não depende das
características naturais da ação (conhecimentos e motivações), senão da relevân
cia comunicativa que uma determinada sociedade lhe outorgue. Conseqüente
mente, a perspectiva funcional mostra que para a culpabilidade o decisivo não é
o conteúdo subjetivo ou as características da ação do delinqüente, mas sim a
ação do sistema social. E ela é a soma dos pressupostos sob os quais não é possí
vel assimilar uma conduta desviada sem uma reação formal, ou seja, a sociedade
não encontra alternativa senão aplicar a pena. Por isso, a culpabilidade tem o seu
392 JAKOBS. Derecho pena !..., p. 600.393 Idem, op. cit., p. 600.
394 Retribución y prevención general, p. 603.
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fundamento na necessidade de estabilizar o Direto por meio da pena, e a medi
da desta dependerá do necessário para a estabilização normativa.
4.7.2.1 C r í t i c a s à t e o r i a d a c u lp a b ilid a d e d e J ak ob s
Em tomo do sistema propugnado por Jakobs, e agora especialmente no
que se refere à estrutura da culpabilidade desenvolvida, resultam severas críticas.
Inicialmente, vale destacar a crítica de Jescheck ao afirmar a preponde
rância que Jakobs outorga à prevenção geral, acima, inclusive, da compensação
da culpabilidade pelo delito. Com isso há um prejuízo na orientação de estar
voltado o Direito Penal para a responsabilidade pessoal do autor pela prática
de sua ação, falecendo, portanto, o conceito de justiça individual395. Para este
autor, enquanto a culpabilidade trata a pergunta acerca de qual medida o fato
pode ser reprovado pessoalmente ao autor, assim como qual é a pena merecida,
somente após é que merece apreciação a prevenção. Nesta, há que se decidir
qual sanção é apropriada para novamente introduzir o autor na sociedade.
Neste âmbito, nota-se uma renúncia à relação interna entre o autor e a
legitimidade da norma, ou seja, Jakobs renuncia a análise sobre a determina
ção do conteúdo do sujeito da imputação.
Outra crítica é a que recai sobre a supressão do princípio da culpabilidadecomo limite às necessidades de prevenção. Destacam-se ainda as críticas baseadas
na ausência de referência à dignidade da pessoa humana e sua instrumentaliza
ção; à falta de precisão e possibilidade de manipulação dos parâmetros estabele
cidos por Jakobs (necessidade de estabilização d^. confiança na norma,
possibilidades de processamento alternativo do conflito), que se consideram con
seqüências da absoluta normatização do conceito de culpabilidade, este já caren
te de relação com quaisquer substratos reais, com isso incorrendo na denominada“falácia normativista”, que seria categoricamente idêntica à “falácia naturalista”396.
Não obstante as críticas lançadas até aqui, pode-se ainda destacar que, ao
afirmar Jakobs que a culpabilidade se mostra como um déficit de motivação,
de fidelidade do indivíduo para com o Direito, percebe-se aqui, ao menos
indiretamente, um componente da culpabilidade pelo caráter do autor, resul
395 Evolución del concepto jurídico-penal de culpabil idad en Alemania y Áustria, op. c it , p. 15.396 PENARANDA RAMOS, Enrique, SUÁRES GONZÁLEZ , Carlos e CAN CIO MELIÁ, Manuel. Un
nuevo sistema de! derecho penaf. Consideraciones sobre Ia teoria de Ia imputación de Günther Jakobs, p. 79-80.
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tante da idéia jurídica de uma pessoa fiel ao Direito que se encontra na mesma situação do infrator.
Já na sua obra “Direito Penal do Inimigo”, Jakobs afirma textualmente que
somente poderá ser “pessoa quem ofereça uma garantia cognitiva suficiente deum comportamento pessoal”397. Para esta pessoa haverá destinado o “Direito
Penal do Cidadão” e, por conseguinte, asseguradas as garantias penais e proces
suais penais. Ao passo que no denominado “Direito Penal do Inimigo”, o sujeito
que se conduz de modo desviado não oferece garantia de um comportamento
pessoal e, por isso, não pode ser tratado como cidadão e deverá ser combatido
como inimigo perigoso398. Há aqui expressa renúncia a qualquer concepção de
culpabilidade. Caracterizam esta concepção o adiantamento da punição, a ele
vação das penas, ou seja, desproporcionalidade da pena em face do fato cometido e relativização ou supressão das garantias processuais. Fatos como os atentados
terroristas aos Estados Unidos da América (2001) e Espanha (2004), a revolta
estudantil ocorrida na França (2006) e pelo Primeiro Comando da Capital —
PCC, no Estado de São Paulo (2006), impulsionam a simpatia e adesão popu
lar a este sistema punitivo, marcadamente reconhecido pela guerra travada entrecidadão, via Estado e delinqüência, notadamente pelo seu caráter.
Quando se refere à crítica de que este sistema coloca a pessoa em segundo plano, ao dizer de Zaffaroni, sobrepõe-se o sistema social, dando lugar a um Direi
to Penal transpersonalista399, isto é, tem-se que a teoria sistêmica conduz a concep
ção preventiva integradora de Direito Penal, em que o centro de gravidade da
norma jurídica passa da subjetividade do indivíduo à subjetividade do sistema,
buscando o fortalecimento deste e de suas expectativas institucionais, sem contudo
modificá-la ou criticá-la. Com isso, quer se dizer que a punibilidade do cidadão
não dependerá das circunstâncias de sua pessoa, mas daquilo que seja necessário
para a consecução da fidelidade do Direito por parte dos cidadãos, que teve nodelito desestabilizada a sua confiança. Conforme leciona Roxin, este pensamento
se toma patente quando Jakobs propugna dedarar culpável e objeto de castigo o
delinqüente por instinto completamente incapaz de autocontrole, enquanto não
se conheçam métodos com perspectivas de êxito para a cura de sua enfermidade400.
397 Op. ci t, p. 51.
398 JAKOBS, Günther. Derecho pena! deI enemigo, pp. 55-56399 ZAFFARONI, Eugênio Raul. La culpabilidad en el siglo XXI. RBCC, ne 28, p. 63.
400 ROXIN. Derecho penal, p. 806.
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1 6 0 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o P e n a l
É correta a crítica que faz Roxin a esta concepção, no sentido de que a
culpabilidade pode ser negada se existir tratamento terapêutico e afirmada
em caso contrário, provocará a inquietude e dificilmente se estabilizará o sistema, sendo evidente que a afirmação ou negação da culpabilidade dependerá
de fatores estranhos ao sujeito401.
Visto que esta concepção se estrutura sobre a prevenção geral, pode-se
afirmar, desde logo, que ela é lesiva ao princípio da personalidade da pena, em
razão de que a necessidade de autoestabilização do sistema nada tem a haver
com o fato em si, tampouco dependendo do comportamento do autor. A propó
sito, urge estabelecer a partir da construção que Jakobs faz sobre a pena, é correto
afirmar-se que este posicionamento impõe a adoção da antijuridicidadé formalatestada pelo simples antagonismo do fato com a norma, sendo desnecessário
falar-se em danosidade social e, por conseguinte, em antijuridicidade material.
Nesta mesma linha e considerando-se a culpabilidade como meio para a
prevenção, a construção teórica só determina a descrição das condições funcio
nais da sociedade, sendo esta afirmativa igualmente vazia de conteúdo e de
limite que tem de se caracterizar neste elemento do conceito de delito.
Acentua-se a problemática sobre a culpabilidade de Jakobs e a determinação da pena a se impor, haja vista a colisão dos interesses do indivíduo com
os interesses da prevenção coletiva, isso porque se o conteúdo da culpabilidade
se limita ao necessário para as exigências de prevenção, despida de qualquer
carga garantística voltada exclusivamente ao indivíduo, o conteúdo da culpa
bilidade será dado através da satisfação do fim de êstabilização do sistema jurídico. Em prosseguimento do raciocínio, os limites à punição derivam do
ordenamento positivo ao estabelecer nos tipos penais os marcos rtiáximo e
mínimo, e estes nãó podem ser exatos para cada caso.
Por esta digressão, tem-se a exigência do próprio sistema em valorar en
tre o mínimo e máximo o quantum de pena a ser recomendado ao agente, ao
passo que o sistema de Jakobs não consegue explicar a fixação de maior ou
menor pena para obtenção da estabilização da norma. Se se preferir, aqui há
fortes considerações psicossociais, o que significa dizer que uma aparente ne
cessidade de confirmação da norma conduziria a imputação de maior culpa
401 Que queda de Ia culpabilidad en derecho penal? CPC ns 30, p. 682.
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bilidade aos sujeitos integrantes de grupos sociais etiquetados, ou de subcul-
tura, ou com desprestígio social, v.g. sujeitos políticos, empresários, sitiados
em morros etc., porque se nota uma grande violação da expectativa da conduta ou cumprimento do papel social com a realidade.
Ou seja, também neste sistema serão necessários os predicados advindosda valoração, isso porque os princípios e dispositivos constitucionais tais como
as próprias normas, são amplos, vagos e abstratos, podendo-se alcançar cons
truções substancialmente diferentes, embora o próprio Jakobs se pronuncie
constantemente contra (deês) valorações éticas ou morais do autor.
E mais, esta construção teórica nos possibilita afirmar que estamos diantede uma nova teoria absoluta da pena, em que o antigo conceito de retribuição foi
simplesmente substituído pelo discurso da afirmação comunicativa da norma.
Portanto, qualquer concepção teórica de aplicação de Direito Penal deve
guardar imediata correlação com o princípio da dignidade da pessoa humana (CF,
art. I o, III), pois a coloca no centro do sistema, tomando-a impossível de instru
mentalização, haja vista ser o indivíduo o sujeito das decisões materiais no sistema.
Quanto à tão propalada estabilização da confiança no ordenamento, en-tenda-se idéia da proteção da expectativa normativa de reafirmação nas poten
ciais vítimas e do restante social da confiança na vigência da norma, a idoneidade
da crítica reside na ausência de um parâmetro confiável que estabeleça o que é
necessário para esta e quando uma perturbação da ordem pode ser assimilada de
outra maneira sem a aplicação de punição. Nesta concepção normativista, o
poder conferido ao juiz para reconhecer o quantum de pena para a satisfação da
estabilização da confiança da norma, não tem limite suscetível de controle pela
teoria garantista, possibilitando a manipulação do conceito de culpabilidade, podendo dar causa ao arbítrio judicial, porque não se levará em consideração o
fato em si, mas à consideração do juiz será observado o quantum que lhe parecer
necessário para o restabelecimento da confiança no ordenamento.
Neste contexto, há de se ressaltar que a construção normativista de Jakobs
levou em consideração a presente sociedade alemã, e não se pode olvidar que aAlemanha é um país reconhecido nos dias de hoje não só pelo seu desenvolvi
mento social, científico e industrial, mas também pela excessiva disciplina emetodologia já interiorizados em sua sociedade, perpetradores de índices de
criminalidade demasiadamente inferiores aos alcançados pelos países de Terceiro Mundo. Se se aplicar esta teoria nos países subdesenvolvidos, tomando-se o
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Brasil como exemplo, foco de todo tipo de criminalidade, as conseqüências desua adoção se prestariam diretamente ao tão propagado simbolismo do Direito
Penal402, servindo de poderosa arma aos detentores do poder para se tornarem
populares sem nenhum tipo de esforço, ao explorar a criminalidade e o temordesta por parte da população, mediante a fixação legal de penas elevadas, isto
numa suposta manobra de prevenção-geral, sendo certo que a culpabilidade
não será instrumento dogmático idôneo a repelir o emprego simbólico do Di
reito Penal. Isso porque, nesta concepção, tem a mesma seu conteúdo determi
nado exclusivamente pelas supostas necessidades de prevenção-geral,
apresentando-se então em manifesta oposição ao efeito democrático e garantista
do Direito Penal, ou simplesmente afirmar um Direito Penal anticonstitucio-
nal, provocador de intranqüilidade e a não-estabilização da norma403.
Não obstante a possibilidade de manuseio dessa concepção pelos adep
tos do simbolismo do Direito Penal, a mesma encaixa-se com perfeição às
proposituras típicas e próprias dos regimes antidemocráticos ou antijurídicos,
sepultando definitivamente do conceito de culpabilidade as funções de ga
rantia e proteção do cidadão contra a força do Estado.
Pode-se dizer também que um Direito Penal interpretado em sentido
puramente preventivo-geral faz com que a culpabilidade perca a sua função
mais importante nos dias atuais, qual seja, a de fixar um limite ao poder
punitivo do Estado, ou à necessidade de reafirmação do Direito Penal, prote
gendo o indivíduo de excessos preventivos através do princípio de que a pena
não pode nunca ultrapassar a medida da culpabilic^ide404.
Com a adoção do modelo preventivo, “as conseqüências dogmático-pe-
nais, precisas e desejáveis desde a perspectiva do Estado de Direito, que se
extraem do princípio da culpabilidade não podem ser obtidas, nem por aproximação com a mesma diferenciação e claridade”405, servindo apenas aos fins
do sistema, livre de qualquer ideologia, renunciando à crítica, mantendo-o
estático, o que incidiria na sua perpetuação.
402 MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Crise do direito penal. RT, nQ765, p. 418.
403 No mesmo sentido: Claus Roxin, Derecho penal, p. 806-807.40 4 Com esta afirmação concorda Garcia Aran, dizendo ainda que curiosamente esta concepção mantém orientação similar ao retribucionismo clássico o que a toma a mais perigosa das teorias retributivas liberais. Culpabilidad, legitimación y proceso, ADPCP, 1986, p. 88-89.
405 ROXIN. Que queda de Ia culpabilidad en derecho penal? CPC nQ30, p. 683.
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F á b io G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 6 3
Por meio de uma visão sistemática de Direito Penal, esta concepção rom
pe com o ideal de proteção dos bens jurídicos que estão por detrás das normas
jurídicas, para apenas nestas enquanto normas repousar a sua proteção. Para
ilustração da concepção, emprega-se o tipo penal descrito no art. 121, doCódigo Penal brasileiro, que tem na vida humana o bem jurídico tutelado.
Na concepção jakobsiana, por sua vez, tutela-se a norma em si mesma,
daí a razão de se aplicar castigo ao infrator como forma de revitalizar a vigência da norma.
Outra crítica que se pode construir a partir das raízes do funcionalis
mo penal normativista, que preconiza, aliás, o sistema como aberto, neste
caso suscetível à absorção dos contextos sociais, reside em que a reformu
lação feita no conceito de culpabilidade, direcionada ao fim, que é o resta
belecimento na confiança da norm a, im pede a sua “oxigenação”, ou seja,
impede a absorção de conceitos estranhos à ciência penal, significando
uma superioridade frente a outras disciplinas, de maneira a isolar o Direi
to Penal do contexto social e dos seus fundamentos sociais, mantendo o
conceito genuinamente normativo406.
4.7 .3 A CULPABIL IDADE COMUNITÁRIA
Urs Kindhàuser formulou uma compreensão teórica sobre o conteúdo
material da culpabilidade a partir da filosofia política e filosofia do Direito de
Jürgen Habermas.
Antes, porém, de abordar o tema culpabilidade, destaca-se que este au
tor concebe o Direito como um produto da autonomia comunicativa dos ci
dadãos em uma democracia e sua infração como lesão da autonomia dos demais
co-cidadãos407. Exige-se do sistema social a lealdade no sentido de um com
portamento solidário e comum. Essa lealdade deve ser concebida como o sis
tema que integra o indivíduo e as relações que este contém, pois são estas
interrelações comunicacionais que perm item a realização de todos os compo
nentes. Por sua vez, o sistema normativo é uma ferramenta que os integrantes
do sistema social em seu conjunto utilizam com o fim de mantimento da
406 No mesmo sentido: Hirsch, El principio de culpabilidad y su función en el derecho penal. NDP, 1996, p. 33.
407 SCHÜNEMANN, Bernd. La culpabilidad: estado de Ia cuestión. Sobre el estado de Ia teoria de l delito, p. 101.
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integridade de seu meio comunicacional408. No que tange ao sistema da teoria
do delito a concepção comunicativa apresenta duplo fundamento: uma fina
lidade preventiva e de proteção do sistema social e do indivíduo. No tocante à culpabilidade Kindhãuser destina grande importância à rela
ção entre autor e norma como condição de legitimidade da reprovação de culpa bilidade e da pena. E m primeiro plano, estabelecerá a culpabilidade formal como
resultado da imputação dogmática de um fato criminal. A partir desta se inda
gará do sujeito se ele tivesse formado a motivação para o cumprimento da nor
ma, então teria podido evitar seu comportamento antijurídico. Porém, por que o
déficit de motivação para o cumprimento da norma é castigado com uma pena,e por que o autor devesse formar a motivação para o cumprimento da nórma, são
perguntas que só podem ser respondidas por meio da culpabilidade material.
Na mesma linha da culpabilidade como infidelidade ao Direito, entre
tanto posicionando-a diversamente de Jakobs, sustenta Urs Kindhãuser a par
tir do âmbito comunitário, que o agir a partir das prerrogativas cidadãs é
inerente ao indivíduo.
Percebe-se neste contexto a mudança de compreensão do indivíduo como
pessoa privada para a condição de cidadão nato. Com isso o cidadão é responsá
vel pelo bem público e tem que cumprir as normas asseguradoras da estabilida
de do Estado e da sociedade para não prejudicar a aspiração geral com o bem.
Diante da vertente comunitária, evidencia-se que “a tarefa do Direito
Penal é a proteção das condições elementares da integração social orientada à
compreensão comunicativa, e por isto, não violenta”409.
Em seqüência desta construção teórica, a fidelidade ao Direito almeja a
“virtude cidadã”, no sentido de estabelecer um compromisso eticamente fundamentado do indivíduo com a sociedade constituída juridicamente da qual se
faz parte. A culpabilidade então é o desprezo da responsabilidade pelo bem
comum410. Mediante a infração da norma, o indivíduo abandona a comunidade411 e nega a integração social realizável sem violência por meio da compreen
408 ARCE AC GEO , Miguel Angel. Sistema del delito, p. 446-447.409 KINDHÃUSER, Urs. La fidelidad al derecho como categoria de la culpabilidad. Cuestionesactuales de la teoria del delito, p. 211;
41 0 KINDHÃUSER, Urs. La fidelidad al derecho como categoria de la culpabilidad. Cuestionesactuales de la teoria del delito, p. 195.
411 ARENDT, Hannah. Macht und Gewalt, p. 42, apud Urs Kindhãuser, op. cit, p. 195.
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são comunicativa leal. Por sua vez, estarão presentes as causas de exclusão daculpabilidade, quando presentes defeitos nas capacidades comunicativas.
Reconhece Kindhãuser que deverá haver uma relação interna entre anorma e seu destinatário para a fundamentação da culpabilidade material,
pelo menos para poder explicar o componente emocional da decepção ante a
infração normativa. Diferentemente, Jakobs com sua fundamentação pura
mente objetiva de culpabilidade material se satisfaz apenas com a exigência
de que as normas sejam legítimas; isto é, que provenham de um ordenamento
que assinale a cada um a ajuda necessária para seu livre desenvolvimento.
Por fim, no que tange ao conteúdo material da culpabilidade, reconhece-se que o mesmo não é explícito, apenas se verificando na hipótese negativa,
notadamente quando verificada a infidelidade com o Direito. D e qualquer modo,
culpabilidade material é a falta de lealdade com a autonomia comunicativa dos
demais cidadãos, evidenciada pela infração da norma jurídica que protege ossubsídios da autonomia comunicativa412. Ou seja, o fundamento da culpabili
dade é o ato comunicativo de negação da norma proibida que se supõe num
acontecimento. Aqui a culpabilidade é o significado que se dá a expressão co
municativa do indivíduo a fim de precisar se o comportamento analisado escapaou não à fronteira do aceito como comportamento possível. Já a pena é o ato
comunicativo de expressão pela decepção ocasionada pela infração da norma.
Como afirmado anteriormente, esta postura diferencia-se da exposta por
Günther Jakobs por negar a neutralidade do Direito, buscando em troca a
obediência da norma como virtude cidadã. Entretanto, a pena é imposta como
reação simbólica pela defraudação da deslealdade do comportamento realiza
do pelo autor, como também para comunicá-lo acerca da quebra da perspectiva dos demais cidadãos.
4 . 7 . 3 . 1 C r í t i c a s à c u l p a b i l i d a d e c o m u n i t á r i a
Tal como já ocorrera com o funcionalismo de Jakobs, não há critério decerteza para se precisar a quantidade de pena que deve corresponder com a
medida de deslealdade, ainda que a reprovação tenha apenas fins educativos
etc. Diante disso, as dúvidas acerca da justificação do juízo de culpabilidade
continuam presentes e sem solução.
F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 6 5
412 KINDHÃUSER. Op. cit., p. 213.
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E mais, ao não considerar o fato real como objeto de valoração, mas sim
o ato de comunicação, impõe-se a substituição do objeto do Direito Penal(comportamento lesivo ao bem jurídico e o castigo real ao autor) para um
metanível, na hipótese, a linguagem413.
Em verdade, esta construção não logra êxito, haja vista que o que interessaao Direito Penal, isto a se considerar grande parte da doutrina, é a proteção de
bens jurídicos, servindo-se das normas como instrumento inibidor, e com a pena
após ocorrida a lesão ao bem jurídico, razão pela qual Schünemann assevera queeste ponto de partida da construção teórica do Direito Penal é irrenunciável414.
Também é necessário que as partes envolvidas no litígio estejam em con
dições idênticas de comunicação, levando-se em consideração as particularidades de cada pessoa, sem o que resta frustrada a aplicabilidade da teoria,
afastando-se aqui a concepção dogmática distanciada da realidade contemporânea de cada localidade, ou seja, a utilização do Direito Penal depende em
geral da capacidade do destinatário para cumprir a norma, o que eqüivale asua capacidade de evitar a conduta lesiva ao bem jurídico.
4 .8 O CO NTEÚD O MATER IAL DA CULPAB IL IDADE DADO A PART IR DAS
CON TRIBUIÇÕ ES DA F ILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
Pertencendo ao contexto contemporâneo de se conceber o Direito Penal aolado de outras ciências humanas, em especial as ciências sociais permitem o
sistema aberto captar contribuições exteriores que lhe possibilitem integrar na
turalmente com o momento social. Conseqüência desta possibilidade, já cita
mos anteriormente, é permitir a aproximação do Direito Penal com a sociedade,tomando-o atual e real, aplicando aos casos concretos soluções dadas pelo núcleo
social, tendo a condição de atribuir legitimidade ao sistema de Direito Penal.Muitas são as contribuições vindas em especial da Filosofia e da Sociolo
gia, tomando-se como exemplo a teoria de Luhm ann sobre os sistemas e a sua
forte influência sobre o funcionalismo normativo de Jakobs. Portanto, é nestecontexto que estas ciências humanas contribuem no desenvolvimento do Di
reito Penal, podendo-se inclusive afirmar que o tema da culpabilidade é solo
fértil para agasalhar essas contribuições.
413 SCHÜNEMANN, Bemd. La culpabilidad: estado de Ia cuestión. Sobre el estado de la teoria del delito, p. 102.
41 4 Idem, op. cit., p. 103.
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Sem a pretensão de analisar todas as construções doutrinárias, optou-se por considerar, neste momento, as contribuições prestadas pela teoria do Dis
curso de Jürgen Habermas e da Justiça de John Rawls, especificamente quan
to às suas posições acerca da culpabilidade e sua correlação com a pena.
4.8.1 A c o n s t r u ç ã o d e H a b er m a s e K l a u s G ü n t h e r .
A t e o r ia d o D is c u r s o
Embora não seja uma construção especificamente voltada para o tema cul pabilidade, a estrutura de Jürgen Habermas ganha importância quando se dis
cute o conteúdo material da culpabilidade415, mormente se se considerar a crisenormativa do conceito, resultando daí a necessidade de se encontrar um concei
to que se adeque às necessidades de um Estado Democrático de Direito.Habermas acentua que o Estado Democrático só será democrático na
medida em que suas ações sejam ações nas quais se estendam a todas as pessoas,
ou nas quais todas as pessoas participem. Esta participação social no Estado e
nas decisões por ele tomadas é o produto do Estado Democrático. Segue como
conseqüência lógica, que o Estado não pode realizar atividades secretas, isto porque ele tem de ser transparente. Sendo assim, os cidadãos, conhecendo as
regras e havendo a possibilidade de se motivarem conforme estas, serão respon
sabilizados, em nível criminal, por descumprimentos propositados, apontando-se, pois, para infrações descritas em lei.
Ainda sob o aspecto filosófico, no momento em que se exige que todas
as pessoas que participem de uma determinada comunidade política tenham
o Direito de conhecer o que o Estado está fazendo, elas também poderão
conhecer as regras que o Estado edita com relação aos seus comportamentos.
Se as pessoas têm o direito de conhecer as regras, elas só podem ser culpadas
ou julgadas se elas, conhecendo as regras e havendo possibilidade de se motivaremconforme estas regras, não tenham recebido essa motivação e, conseqüentemente,
realizem uma atividade contrária àquelas regras acarretará na aplicação de pena.
Vê-se que exatamente a capacidade de motivação é fundamentada na
teoria de que todas as pessoas que participam de um Estado Democrático só
podem ser responsabilizadas quando estejam de tal maneira capacitadas a se
deixarem influir pelas regras advindas deste Estado Democrático, e, conse
415 GÜNTHER, Klaus. A culpabilidade no direito penal atual e no futuro. RBCC, nQ24, p. 81-92.
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qüentemente, ajustar as suas atividades de acordo com estas regras, essas é oerro de proibição, que é conseqüência da postura do Estado Democrático e
não se pode excluí-lo como causa de exclusão da culpabilidade.Portanto, conforme apontado acima, nesta concepção se exige que o cidadão
só possa ser responsabilizado quando tenha participado do discurso repressivo.
Resta dizer que, nas circunstâncias e condições verificadas em que não se
possa atribuir ao cidadão a motivação à regra, este não poderá ser responsabi
lizado pelo fato criminoso, a título total ou parcial. Estas circunstâncias são asconsideradas causas de exclusão da culpabilidade.
Com propriedade afirma Chaves Camargo que “Habermas com sua teoriado agir comunicativo, possibilita uma análise específica sobre as formas de re
provação social, que antecedem a própria reprovação penal, atendendo aos prin
cípios informadores do moderno Direito Penal: a fragmentariedade e a ultima
ratio da intervenção estatal na vida privada”416.
Noutra consideração, o agir comunicativo habermasiano alicerça-se na rela
ção e consenso entre os interlocutores, isto é, entre o agente (falante) e ofendido
(ouvinte), a partir da validade de uma norma, assim entendida em razão de aten
der as expectativas do grupo, tomando-a obrigatória, motivando as pessoas a
cumprirem-na417. O descumprimento da norma, portanto, dissenso em vista da
inobservância do conteúdo valorativo da norma penal, acarretará a idéia de delito.
Na seqüência ao reconhecimento da presença do delito, “a necessidade da
pena será o exame da situação individual de compreensão da validade da norma
e da intenção de causar dano social: a vida cotidiana é o pressuposto da análise do
agente numa tentativa de adequar o conceito da norma à validade social desta418.
Feitas breves considerações acerca do pensamento habermasiano e suaaplicação no Direito Penal, o conteúdo material da reprovação deverá “consi
derar a competência comunicativa dos integrantes do grupo e as condiçõessociais do discurso numa situação dialógica ideal”419.
A teoria do discurso tem por fundamento tão-somente a idéia de legitimação democrática, sendo esta necessária para que se estabeleça o que é culpa
416 CAMARGO, Antonio LuísChaves. Culpabilidade e reprovação penal, p. 11.417 CAMARGO. Culpabilidade ereprovação penal, p. 222-223.
41 8 idem, op. cit., p. 224.41-9 - idem, op. cit., p. 224.
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no Estado Democrático de Direito. No que diz respeito à culpabilidade, de
corre da possibilidade de a pessoa participar do processo de formação da lei
penal, logo, a lei será válida para aquele cidadão se ele participou de sua formação. Pessoa deve ser compreendida como sendo aquele que participa do
processo de formação legislativa, e por isso é também o seu autor, porém tam
bém é igualmente destinatário da lei penal.
Disso decorre a formulação do conceito de pessoa deliberativa, como
sendo aquela que tem capacidade crítica, ou seja, que pode argumentar no
mesmo nível, suscitando conflito acerca da validade da norma. Como conse
qüência deste pensamento, a pessoa deve ter na sua capacidade crítica condi
ções de conhecer conceitos jurídicos.
Diante deste postulado, o autor deve estar informado acerca das normas,
deve ser capaz de alterar seus planos em conseqüência da atitude crítica infor
mada e tal alteração do seu motivo de agir não deve superar outros motivos
bons e aceitáveis. Especificamente na função de destinatária da norma ao ci
dadão só pode ser individualmente imputada uma ação normativamente lesiva quando se encontra preenchido o pressuposto cognitivo do conhecimento
normativo, quando ele, portanto, esteja informado por meio da norma, acercada sua atitude frente aos seus planos de ação.
Não obstante ao que foi apontado até aqui, a culpabilidade para a teoria
do discurso é uma atribuição que se faz a uma pessoa pela função normativa
que lhe é imputada. Ou seja, a culpabilidade não é um objeto perceptível ou
uma qualidade do sujeito, mas sim uma atribuição (Zuschreibung) de senti
do que efetuam os outros sobre o delinqüente420. A legitimidade dessa atri
buição deve ser buscada na capacidade de a pessoa poder partic ipar de
argumentações acerca da validade de suas pretensões. Nesta concepção, o destinatário da norma é, antes disso, co-partícipe em
sua elaboração e aprovação democráticas. Some-se a isso que o conceito de pes
soa para Klaus Günther vincula-se com um status formado por valorações, atri
buição de qualidades e modos de apresentar-se no grupo social que fazem com
que ser pessoa se relacione com a pertinência do grupo, e esta será a pessoa
deliberativa. Ou seja, pessoa deliberativa é aquela que se pode atribuir a capaci
dade de crítica sobre a sua conduta e de outros também, e tem a capacidade de
420 GÜNTHER, Klaus. Schuld und kommunikative Freiheit, p. 118-119.
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adotar decisões suscetíveis de modificar suas manifestações e ações com base em
determinadas razões421. Esta pessoa possui argumentação política e este dialógoserá denominado de liberdade comunicativa422. E mais, a capacidade da pessoa
deliberativa para a tomada de posição crítica frente a manifestações e ações pró prias ou alheias é o critério geral para a imputabilidade (Zurechnungsfãhigkeit)423.
Acerca do juízo de culpabilidade penal, só se poderá reprovar a pessoa
pela infração do dever de evitar algo injusto se ela dispunha de capacidade
para a tomada de posição crítica. Isso porque se ela possui o direito de tomar parte nos processos democráticos de aprovação das normas pode-se exigir que
cumpra as normas e evita realizar o injusto.
Nas considerações de Klaus Günther, o conceito de culpabilidade girasempre em tomo do fato de como os cidadãos compreendem a própria liber
dade para uma atitude crítica em face de ações e manifestações próprias ealheias, e em que extensão e de que modo compelem um ao outro, reciproca
mente, esta liberdade. No conceito de culpabilidade, está em jogo o próprio
impedimento do cidadão como pessoa capaz de direito livre e igual424.
De outro lado, com as causas de exculpação ou de exclusão da culpabili
dade, determina-se sob quais condições o indivíduo não deve ser tratado como
uma pessoa culpada.
4 . 8 . 1 . 1 C r í t i c a s à t e o r ia d a p e s s o a d e l ib er a t i v a
Esta concepção teórica parte da recente estrutura democrática de direitodo Estado, e não contempla pessoas que não participam dos processos de
deliberação, por qualquer que seja a razão, e assim não fazem uso de sua
capacidade crítica, sendo que em muitos casos sequer a possuem em razão de
suas vulnerabilidades políticas, sociais, econômicas etc.Exsurge, também, a questão de que sendo ilegítimo o ordenamento este
inviabilizará que alguém seja considerado culpado, daí perguntar-se se em
um sistema não-democrático desaparece a possibilidade de se reconhecer a
culpabilidade de um sujeito. Adentrando-se ao campo da realidade, é enorme
a distância que separa o debate político havido nas casas legislativas pelos seus
421 GÜNTHER, Klaus. Schuld und komm unikative Freihe it, p. 245-246.
422 GÜNTHER , Klaus. Schuld und kom m unikative Freiheit, p. 246-248.
423 Idem, p. 255.42 4 GÜNTHER, Klaus. A culpabilidade no direito penal atual e no futuro. RBCC, ne 24, p. 85-87.
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integrantes com a participação popular, o que acarreta em reduzida possibili
dade do cidadão influir na elaboração das normas, daí falar-se que a formula
ção teórica da pessoa deliberativa é utópica.
Ainda que admitida esta estrutura, a mesma segue insuficiente para critérios de fixação de pena, servindo-se apenas para apontar o sujeito imputável.
Em verdade, esta teoria substitui a clássica fórmula do poder agir de outra ma
neira ou poder agir conforme o direito pelo poder motivar-se por modificações
de suas manifestações e ações, igualmente mantendo-se indemonstrável.
4.8.2 A t e o r ia d a Ju s t i ç a d e R a w l s
Também com o intuito de legitimar democraticamente o juízo normati
vo de culpabilidade425, a teoria dos princípios de justiça de Rawls apresenta-seao lado das modernas tendências filosóficas, sendo construída a partir de prin
cípios como forma de se alcançar a justiça, para tanto remodelando o antigo
contrato social de Rosseau. Antes de nos posicionar acerça da influência que
essa teoria poderia ter sobre o tema culpabilidade, toma-se necessário fazer
mos algumas colocações introdutórias sobre o tema.
Acerca do contrato social, diz-se que este não precisa ter fundamento
antropológico para ser utilizado como pressuposto da ordem democrática,
sendo instrumento indispensável para que o cidadão se oponha ao Estado
autoritário, valendo-se da condição de instrum ento irreversível e de estar pre
sente na ordem democrática.
Sobre este argumento, a doutrina cita o exemplo da contrariedade social
às penas exageradas, isto porque o cidadão que concebeu o Estado, por acordo
de vontade, não pode permitir que aquele Estado que ele mesmo concebeu vá
se opor exageradamente ao seu âmbito de liberdade. Daí falar-se que o con
trato social ressurge como instrumento de aperfeiçoamento da democracia.Parte Rawls da concepção de que uma instituição está justificada quan
do seus princípios mostrem sua correção. Por conseguinte, e transferindo o
núcleo da questão para o Direito Penal, justificar a instituição do castigo pres
supõe a justificação da coerção na sociedade humana, isso porque as pessoas
acordaram em cumprir o contrato social mediante eleição, aderindo às cláusu
las deste, reconhecidas pelos atributos da eqüidade, implicando a sua aceita
425 Neste sentido: Juarez Tavares, A incongruência dos métodos. RBCC, ne 24, p. 151-152.
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1 7 2 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
ção geral por parte dos contratantes, inclusive das formas de resolução deconflitos através do Direito Penal. Fala-se, então, que a sanção restaura o con
trato alterado pelo não cumprimento das obrigações políticas hipoteticamente assumidas, restaurando a vigência dos princípios de justiça426.
Com esta colocação, insere-se esta teoria no contexto das novas teoriascontratualistas, em razão de que as partes aceitam restringir seus auto-interes-ses em prol dos princípios de justiça, sendo então a partir deste ponto de vista,racional autorizar as medidas necessárias para manter as instituições justas.Em decorrência desta premissa, o fim das sanções penais não é outro senão ode manter a sociedade ordenada sob os princípios de justiça.
No âmbito penal e no bojo da idéia de justiça e de sociedade democrata,sobressaem as normas constitucionais que conduzem os princípios da legalidade, da igualdade, da liberdade, da inafastabilidade da função judiciária e da
competência para a solução dos conflitos, em razão de que lesados qualquerdestes, põe-se em risco a liberdade do cidadão.
Especificamente quanto à culpabilidade, entende Rawls que a mesmaderiva da idéia de liberdade, em vista de que o sistema jurídico é concebido
como um conjunto de regras destinadas às pessoas racionais para regular seufuncionamento. Disso decorre que quando é o mesmo violado, conformesalientado anteriormente, impõe-se a pena para a restauração da sociedadesob os, princípios de justiça, variando de proporcionalidade conforme o ne
cessário para o mantimento dos princípios de justiça427.
4 . 8 . 2 . 1 C r ít i c a s a H a w l s /
Na análise desta concepção, parece-me que a mesma se aproxima dos postu
lados defendidos por Jakobs. Neste, a vigência da norma retém toda a preocupação com o funcionamento do sistema, daí conceber que a pena tem o condão derestaurar a vigência da norma lesada com a prática do delito. Por sua vez, Rawls
posiciona a pena como instrumento hábil a garantir não o sistema, mas o contrato.
Entendo que as críticas imputadas ao funcionalismo jakobsiano encontram guarida nesta concepção, ainda que a mesma tenha a nobre função detutelar a justiça.
426 CID M OLINE, Jose e MORESO MATEOS, Jose Juan. Derecho penal y filosofia analítica (Apropósito de Diritto e ragione de L. Ferrajoli). ADPCP, 1991, p. 166.
42 7 CID MOLINE, Jose e MORESO MATEOS, Jose Juan. Derecho penal y filosofia analítica (Apropósito de Diritto e ragione de L. Ferrajoli). ADPCP\ 1991, p. 168.
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F á b io G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 17 3
Permanece a imprecisão quanto ao conceito ontológico de justiça, o mesmo ocorrendo quanto à medida necessária de pena para a confirmação do
contrato, como reside também as dúvidas acerca do que seja racional para umcontratante, o que parece propiciar o retomo ao teorema exigibilidade de con
duta diversa e todas as críticas contra ela já proferidas.
Por tais considerações, no âmbito penal, entende-se que esta teoria segue
os mesmos padrões da teoria normativa, não conseguindo superar a crise reco
nhecida ao conceito normativo de culpabilidade. Peca também pela ausência
de critérios de fixação e limite de pena.
4 . 9 A C U LP AB IL IDA DE EM G lM B ER NA T OR D E I G
Partindo da necessidade de reconstrução do sistema de Direito Penal
ante a já anunciada crise perpetrada pelo normativismo, idealiza Gimbemat
Ordeig seu sistema baseando-se no princípio da necessidade de pena e na
função de motivação da norma penal no aspecto intimidativo, afastando defi
nitivamente o teorema poder agir de outra maneira.
No tocante à citada necessidade de reconstrução do sistema, afirma tex
tualmente Gimbemat Ordeig, que o princípio da culpabilidade impediu oconhecimento do fim e função verdadeiras do Direito Penal, isto é, “impediu
uma apreensão correta da função do Direito Penal”428.
A drasticidade da afirmação, deve-se ao fato de que a dogmática penal,
no dizer de Gimbemat Ordeig, ao fundamentar a culpabilidade no livre-
arbítrio e dar causa ao surgimento dos problemas já discutidos acerca da im
possibilidade de demonstração do “ter podido agir de outra forma”, constrói,
pois, um a ficção indemonstrável baseada na “liberdade da pessoa”429, impe
dindo por conseqüência, um diálogo com as ciências naturais.
428 GlMBERNAT ORDEIG , Enrique. La culpabilidad como critério regulador de la pena. RCP, ns 1, p. 31.
429 As ciências da Psicologia e Psicoanálise ao estudarem as motivações do comportamento humano, concluíram que "ainda que em abstrato exista o livre-aibítrio, é impossível demonstrar se uma pessoa concreta em uma situação concreta cometeu livremente ou não um determinado delito". Esta afirmação decorre da premissa de que se um psicanalista, contando com o constante esforço do paciente, colaborando para superar suas inibições e depois de longos anos de tratamento psicoterapeútico, só aproximada e inseguramente pode chegar a constatar, sobre a base de hipotéticas explicações que nunca encontram confirmação absoluta, que peso tem e quais são os fatores que determinam o comportamento do paciente, como vai poder conseguir o não- especialista (Juiz) em tempo muitíssimo mais limitado de que dispõe? GlMBERNAT ORDEIG, Tiene un futuro la dogmática juridicopenal? Estúdios de derecho penal, p. 144. Ante a esta
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1 7 4 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
Propõe Gimbemat Ordeig renunciar a culpabilidade como fundamentoe como limite da pena, sem contudo proporcionar um retorno à responsabili
dade objetiva e à quebra das garantias derivadas da culpabilidade, v.g. desti
nar irrelevância ao erro de proibição, ou deixar de aplicar medida de segurança para os inimputáveis ou, por fim, de se deixar de reduzir a pena dos crimesculposos frente aos dolosos, visto que estas clássicas diferenças permanecem
incólumes mesmo sem a adesão às teorias que se baseiam no livre-arbítrio.Para tanto , a pena levaria em consideração o valor do bem jurídico protegido.
Em troca, a pena encontra nas prevenções geral e especial a sua justificação430, e, sob esta concepção, a responsabilidade pelo resultado é uma responsa
bilidade desnecessária, posto que não se pode justificar. Quanto ao dolo, afirma
que a concepção finalista impediu perceber mais claramente que ele é um ele
mento do tipo dos delitos dolosos sem se falar no embate da pena no crimedoloso e culposo. Tomando, por exemplo, o crime de homicídio, em que adiferença entre estes se justifica pela efetividade que a pena deve ter, pois casocontrário, isto é, pena do crime culposo igual ou superior a do crime doloso por
medida de prevenção (crimes ocorridos no trânsito, p. Ex.) acarretaria, ao dizerde Gimbemat Ordeig, “a destruição de sua efetividade e a introdução do des
concerto nos controles humanos da consciência caótica e anárquica”431.Ainda, justifica sua opinio, a partir da constatação da inoperância da eleva
ção da pena do crime culposo ao patamar do crime doloso, pois que no crime
doloso, o agente deseja, persegue diretamente o resultado, tendo o controle dasações e, por conseguinte, tem conhecimento da pena. No crime culposo, dife-
$rentemente, o sujeito não conta com o resultado, tem inconsciência sobre este.
Esculpido na idéia da necessidade de pena para destinar aos cidadãos
uma vida social suportável, é o Direito Penal, nesta concepção, utilizado pelasociedade para se conseguir que as normas elementares e imprescindíveis se jam respeitadas, por conseguinte, nesta concepção, igualar as penas do crimeculposo e doloso, reveste-se num abuso da potestade, em razão de que com oimediato aumento da pená do crime culposo, não se conseguiriam diminuir
estes resultados, passando este aumento a ser inútil.
verificaçao, é correto afirmar que este autor reconhece a psicanálise como sendo o fundamento do princípio da necessidade de pena, inclusive explicando e justificando o Direito Penal.
430 GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. La cu lpab ilidad como critério regulador de Ia pena, RCP, ns 1, p. 31.
431 Tiene un futuro Ia dogmática juridicopenal? Estúdios de derecho penal, p. 155.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 7 5
Quanto aos inimputáveis, também estes estariam afastados da potestade es
tatal, mesmo tendo sido afastada a culpabilidade, em razão de que a impunidade
destes em nada motiva aos imputáveis, em razão de que o sujeito normal se dife
rencia do inimputável, não diminuindo em nada o caráter inibitório das proibições de natureza penal. Quanto ao erro de proibição, explica-o a partir do fracassodo mecanismo inibitório que a lei criou para evitar as condutas, isso porque o
autor, ao ignorar a ameaça da imposição de uma pena, não teve consciência de que
a sua conduta podia seguir, como conseqüência, a aplicação de um mal432.
Nesta construção, afirma Gimbernat Ordeig, que o “Direito Penal só pode
ser um Direito para todos, isto é, generalizador e indiferenciador”433. Se todos
podem estar em condição de apreender sua racionalidade intrínseca e se sua
justificação não se faz depender de uma indemonstrável culpabilidade, senão da
evidência de que um fator para inibir comportamentos é o de ameaçar o sujeito
que os comete com a aplicação de um mal, constitui-se assim a natureza preven
tiva, e por isto, é conveniente vincular esse mal (a pena) àquelas condutas que
atacam as bases da convivência social434. E mais, repudia o autor a visão que a
concepção normativa dá ao delinqüente de ser uma pessoa má, que podia fazero bem e faz o mal, esquecendo-se de que é nossa obrigação preocupar e tratar
com humanidade quem viola a lei penal435.Concluindo suas críticas acerca da culpabilidade finalista, agora debru-
çando-se sobre o caso fortuito, afirma que este não afeta a culpabilidade, se
não a antijuridicidade, pois que o sujeito comporta-se cuidadosamente e, não
obstante, lesiona fortuitamente um bem jurídico. Isso não pode constituir
uma conduta proibida, pois o que o Direito queria e podia produzir, se pro
duziu, ou seja, que se atuasse diligentemente ao executar a ação, o mesmo
ocorrendo com o estado de necessidade “exculpante”, ou por conflito entre
432 GIMBERNAT ORDE IG. El sistema del derecho penal em Ia actualidad. Estúdios de derechopenal, p. 178.
433 Por este critério, entende Gimbernat Ordeig a existência de duas categorias de pessoas. Os normais, que são aqueles possuidores de boa saúde mental, sãos, que são estimuláveis pelo castigo; de outro lado, os anormais ou perturbados mentais, que são justamente aqueles que não possuem condições de serem motivados. A partir desta constatação, presume que todos os normais são motiváveis, por suposto, se refere ao homem médio. Entende o autor que esta diferença tem suporte sociológico, e os normais não se compreendem como os anormais, podendo receber estímulos
inibitórios disso decorre que o Direito Penal e suas proibições se dirigem a estes.434 La culpabilidad como critério regulador de Ia pena. RCP, n° 1, p. 31.435 La culpabilidad como critério regulador de Ia pena. RCP, na 1, p. 31.
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Fá b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 7 7
incorre em erro de proibição invencível, poderia revelar-se como perigoso eestar indicado à aplicação de uma pena439.
Também merece reparo a argumentação de Gimbemat Ordeig de destinar aos inimputáveis, unicamente, medida de segurança prescindindo da culpa
bilidade. Afirma Cerezo M ir que, em alguns casos e em alguma medida, estas pessoas são suscetíveis de intimidação e com mais razão pode sê-lo igualmente oresto da coletividade. Destarte, exigências de prevenção especial podem estar
presentes440. Ainda mais presentes estão as prevenções geral e especial, seja para
justificar o aumento da pena do crime culposo, pois que são mais freqüentes nocotidiano e ao menos em tese necessitariam uma gradação maior de pena, esten-
dendo-se o mesmo raciocínio para os crimes de perigo.
Irresignado com o critério baseado na prevenção geral e especial, afirmaCerezo M ir que se poderia, facilmente, chegar à aplicação de pena despropor
cional à gravidade do crime, à medida do injusto culpável, atentando-se àdignidade da pessoa humana, “utilizando-se o delinqüente como um meroinstrumento para tratar de evitar a comissão de novos delitos no futuro” noque se refere à prevenção geral. E aos criminosos perigosos penas muito eleva
das seriam aplicadas ainda que em decorrência de fatos de menor gravidadeno que se refere à prevenção especial441.
Resta ainda dizer que, para não adentrar no campo da comprovação da
motivação do sujeito no processo, Gimbemat Ordeig parte da presunção deque todos os normais são motiváveis, e ao realizar tão presunção, deixa de levarem consideração aspectos individuais do sujeito, que não se pode negar im
portância, ainda que desfigurada a culpabilidade, mas igualmente relevante
na realização da prevenção especial.
Por fim, não me parece válido que num Estado Democrático de Direito,a permanente “intimidação” se coadune com esta figura de Estado, mais seaproximando dos regimes de terror do que dos regimes pregadores das liber
dades e garantias. Com esta crítica, entendo que padeceria este sistema dovício da inconstitucionalidade, o que implicaria no seu não-acatamento, atémesmo porque, afastada a intimidação, descaracterizado estaria o sistema pro
posto por Gim bemat Õrdeig.
439 El delito como acción culpable. ADPCP, 1996, p. 23.44 0 El delito como acción culpable. ADPCP, 1996, p. 23.
441 Idem, op. c it , p. 25.
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1 7 8 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
Acerca dos mesmos pontos objetos da crítica acima, manifesta-se ClausRoxin no sentido de que apenas em alguns aspectos as considerações culpabilistas
e prevencionistas conduzem à mesma conclusão442. Para tanto, tomando por base
o enfermo mental, afirma que outro autor ao invés deste e que padeça de umaintensa neurose ou atue sob estado passional extremo, tem na aplicação do castigo
um meio absolutamente conveniente por razões preventivo-gerais ou preventivo
especiais, ainda que a capacidade de culpabilidade do autor seja duvidosa.
Tomando-se outro exemplo, agora quanto aos crimes dolosos, assevera que
não é possível fundamentar claramente com razões preventivas o castigo mais
severo do fato doloso frente ao culposo, pois o sujeito que atua continuamente
de modo descuidado pode ser mais perigoso que o autor de um fato doloso443. No que tange à substituição da culpabilidade pela proporcionalidade,
esta, quando muito, serviria à limitação da pena, porém jamais na fundamen
tação da punibilidade.
Por fim, acusa Roxin que as determinações preventivas da punibilidade
conduzem freqüentemente a conclusões vagas “porque não sabemos concreta-
mente muito sobre os efeitos preventivos, e a prevenção geral e a especial
mostram tendências contrapostas. Em suma, tais determinações levariam auma extensão da punibilidade que não pode aparecer como desejável em um
ordenamento jurídico liberal”444.
4 .1 0 A c u l p a b i l i d a d e em M u n o z C o n d e
Tal como já o fizera Gimbernat Ordeig, Mundz Conde repudia o con
ceito tradicional de culpabilidade alicerçado na impossibilidade de se demons
trar o livre arbítrio, isto é, de se saber se em determinada situação que se
encontrava o sujeito, podia o mesmo agir ou não de outro modo, filiando-se
também à teoria da motivação.
Contudo, distancia-se Munoz Conde do ensinamento de Gimbernat
Ordeig, a partir do momento em que defende uma reconstrução do conceito
material de culpabilidade ao invés de simplesmente renunciá-lo, em vista de
que, por mais que fosse possível demonstrar o poder ou não agir de outro
442 Que queda de la culpabilidad en derecho penal? CPCne 30, p. 677.
443 ROXIN . Que queda de la culpabilidad en derecho penal? CPC, n®30, p. 677-678.
444 Idem, p. 678.
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modo, ainda assim este não seria o fundamento material da culpabilidade445,a partir de que, por exemplo, no estado de necessidade e no medo insuperável
como causas excludentes da culpabilidade (art. 20, n° 5 e 6, do Código Penal
espanhol), o autor poderia agir de outro modo, suportando ou evitando alesão, mas mesmo assim estaria excluída a sua culpabilidade446.
Entende Munoz Conde que os problemas em torno da culpabilidade
podem ser resolvidos a partir da sua reconstrução, basicamente do conceitomaterial, levando-a para uma vertente social em relação com a função da mo
tivação da norma penal. Esta concepção exprime a necessidade de ser abando
nada completamente a compreensão da culpabilidade enquanto fruto da
ideologia individualista, típica da época de seu surgimento dogmático, para
convolar-se em uma culpabilidade social, isto porque será a própria sociedade
que definirá os limites do culpável ou inculpável. Portanto, culpabilidade não
será qualidade da ação, senão uma característica que se lhe atribui para poder
imputá-la a alguém como seu autor e fazer-se-lhe responsável por ela447. Noutras
palavras, é através da culpabilidade que se responde às perguntas por que e
para que um a sociedade recorre à pena e por que o Estado a aplica, daí a
necessidade de possuirmos um conceito material de culpabilidade.
Buscando solucionar o impasse criado em torno do conceito material deculpabilidade, fundamenta M unoz Conde esse conceito a partir da função de
motivação da norma penal destinada à proteção de bens jurídicos, pois que
esta se dirige aos indivíduos capazes de motivar seus comportamentos confor
me os mandatos normativos. O importante não é saber se o mesmo pode
eleger várias formas de conduta, mas sim se pode abster de realizar a conduta
proibida pela norma em face de estar motivado por ela448.
Por conseguinte, resta saber quando é que o autor terá ou não condições,
capacidade, de se motivar pela norma. Inicialmente, no pensamento de MunozConde, ele o terá quando alcançar um determinado desenvolvimento biológi
445 Acerca da estrutura do "poder agir de outra maneira", entende Munoz Conde que este conceito é meramente descritivo, tendo como pressuposto a capacidade de uma pessoa eleger uma conduta entre várias possíveis, e sem sabermos que nos leva a optar por uma destas, reconhece- se a insuficiência do conceito para fundamentar a culpabilidade. MUNOZ CONDE, F. Teoria general de l de lito, p. 121.
446 MUNOZ CONDE. Teoria general de l delito, p. 124.44 7 Idem, op. cit., p. 122.
448 MUNOZ CONDE. Teoria d el delito, p. 123.
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180- C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
co, psíquico e cultural, pois a partir desta conquista, é que o mesmo estará em
igualdade de condições com seus semelhantes para participar de uma vida em
comum, pacífica e organizada.De ou tro lado, se infringe a norma por ausência desta motivação, isto
é, ausente a capacidade para reagir frente às exigências normativas, ocorre
rá a exclusão ou a atenuação da culpabilidade de acordo com a valoração
de importância.
Posteriormente, aderindo ao funcionalismo e à necessidade de se acrescer
o elemento normativo para delimitar a existência da capacidade de motivação,
conclui Munoz Conde que este elemento é dado pelas exigências da prevenção geral de uma sociedade e em determinado momento.
Como último elemento do conceito material de culpabilidade, reconhe
ce Munoz Conde que o rol ou papel social do indivíduo serve para delimitar
o âmbito da exigibilidade ao Direito.
A partir da reformulação do conceito material de culpabilidade, é visto o
conceito formal como a declaração de frustração de uma expectativa de con
duta determinada na lei penal que recai sobre o autor, e que possibilita a
aplicação de uma pena, sendo fixado o limite do punível, se culpável o agente,
a partir de decisões normativas baseadas nas necessidades preventivas.
4 . 1 0 . 1 C r í t i c a s à c o n c e p ç ã o d e c u l p a b i l i d a d e d e M u n o z C o n d e
Atesta Cerezo M ir que o conceito m aterial de culpabilidade, iden ti
ficado como capacidade de motivação pela norm?£, apenas aparentemente
distancia-se do problema do livre-arbítrio449. Isso porque o autor que te
nha condições de motivar-se pela norm a (entenda-se ser capaz de autode
terminação), é tratado como se fosse livre, tal como já preceituara
anteriormente a teoria do livre arbítrio, atribuindo-se-lhe, pois, capacida
de de agir conforme as exigências do ordenamento jurídico450. Aqui, ao
dizer de Cerezo M ir, não há divergências estruturais com a visão tradicio
nal da culpabilidade material.
O processo de motivação descrito por Munoz Conde, é explicado em
termos psicológicos, atuando a pena como estímulo inibitório de condutas
44 9 El delito como acción culpable. ADPCP, 1996, p. 27.
45 0 El delito como acción culpable. ADPCP, 1996, p. 27.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 8 1
antijurídicas, o que representa ser mais uma vez incompatível com o Estado
Democrático de Direito, tendo como alicerce a dignidade da pessoa humana,
pois não seria possível nesta forma de Estado permitir-se a manutenção deconstante ameaça de pena.
Igualmente, mantém-se presente a presunção de possibilidade de moti
vação para o sujeito em situações biológicas, psicológicas e culturais normais,
mesmo porque considerada como indemonstrável.
Também rejeita Cerezo Mir o requisito da participação do sujeito no
reconhecimento dos bens jurídicos, pois, conseqüentemente, a vigência do
ordenamento jurídico ficaria condicionada à aceitação pelos cidadãos, o que éinadmissível. Para ilustrar seu pensamento, cita o caso de um pai integrante
da crença Testemunhas de Jeová, que não autoriza a necessária transfusão de
sangue em seu filho, e este vem a falecer em decorrência desta negativa. Neste
caso, ainda que ausente a culpabilidade moral, entenda-se ainda motivação
ética do autor por convicção, persiste a culpabilidade jurídica, sendo possível,
contudo, sua consideração na medição da pena.
Por fim, concorda Cerezo Mir com a assertiva de que o rol ou papel de
sempenhado pelo indivíduo na sociedade e os seus respectivos deveres jurídicos,influem na medida da exigibilidade da obediência ao Direito sem, contudo,
transformar-se isoladamente no conteúdo material da culpabilidade.
4.11 A CULPABILIDADE EM MlR PuiG
Na análise deste tema, assevera inicialmente M ir Puig as reservas exis
tentes no emprego da palavra culpabilidade pela conotação moralizante e
ambígua do termo, muitas vezes utilizada em sentido amplo como, por exem plo, quando se quer referir “ao limite político-criminal do ius puniendi, ou ao
da culpabilidade pelo fato que remete a tipos de fato e não de autor, ou o da
responsabilidade; subjetiva que condiciona a antijuridicidade e, por suposto, o
da atribuibilidade a um sujeito responsável se corresponde com a exigência de
imputação pessoal (ou culpabilidade em sentido estrito)”451.
Desta forma, usa em troca M ir Puig a expressão imputação pessoal acre
ditando que este emprego tem a vantagem de deixar claro esta segunda parte
451 Derecho Pena! —parte general, p. 110.
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1 8 2 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
da teoria do delito, por se tratar apenas de atribuir o desvalor do fato penalmente antijurídico a seu autor452.
Na análise central do termo imputação subjetiva ou mais tradicional
mente da culpabilidade, parte Mir Puig da compreensão de que o EstadoDemocrático de Direito exige um Direito Penal preventivo. Isso quer dizerque quando este mesmo Estado prescreve uma conduta proibitiva, e conseqüentemente uma pena, não se quer prestigiar a idéia de retribuição ou castigo, própria aliás dos Estados totalitários, mas tem o sentido de motivar o
cidadão a evitar a prática de determinados fatos indesejáveis por sua gravidadesocial, isto é, os fatos penalmente antijurídicos453.
Nesta concepção, diz Mir Puig: “para que o fato penalmente antijurídico possa ser imputado pessoalmente a seu autor, é preciso que se possa afirmar queo fato constitua a infração pessoal de uma norma primária e que dirija concreta-
mente ao sujeito seu imperativo (norma de determinação)”454. Tal como diz oautor, isto requer a capacidade pessoal de evitar seu fato, que normalmente estará
presente, porém, excepcionalmente, poderá faltar para algumas pessoas. E m solução a esta questão, assevera que quando faltar esta capacidade, o desvalor obje
tivo do fato antijurídico não irá seguido de seu desvalor pessoal455. Ou seja, a
afirmação da infração de uma norma imperativa requer a completa imputação deseu caráter antijurídico e pessoal do fato antijurídico. Aqui, será necessário que oautor conheça a antijuridicidade do fato, pois só tem sentido proibir o fato anti
jurídico a quem possa conhecer a sua antijuridicidade. Note-se a indispensabili-dade da capacidade pessoal do cumprimento da norma por parte do sujeito.
Entretanto, e mais recentemente456, o citado autor reformulou a sua com
preensão acerca da norma, para afirmar que as categorias integrantes da teoria do
452 Conceitua Mir Puig delito como sendo um comportamento humano tipicamente antijurídico e culpável, ou como o próprio autor faz questão de afirmar na sua obra, ""delito é um fato penalmente antijurídico e pessoalmente imputável", exigindo que a antijuridicidade penal contenha a tipicidade penal e a ausência de causas de justificação. Quanto à segunda parte de seu conceito, tequer que o fato penalmente antijurídico seja imputável a uma infração pessoal da norma primária por parte de um sujeito penalmente responsável. Derecho penal - parte general, p. 111. Na mesma linha da propositura de abandono do termo culpabilidade, manifesta-se Achenbach, afirmando que se se procura alcançar o progresso material nesta compreensão, tem-se que renunciar por completo o termo impreciso e confuso de culpabilidade. Imputación individual, responsabilidad, culpabilidad. E l sistema moderno del derecho penal: cuestiones Aindamentales, p. 136.
453 MIR PUIG, Santiago. Et derecho penal en e l estado so cial y dem ocrático de derecho, p. 79.454 Derecho pena ! parte general, p. 538-539.455 Derecho pen al —parte general, 7a ed, p. 529.456 MIR PU IG , Santiago. Valoraciones, normas y antijuridicidade penal. Laciên cia d el derecho
penal ante e l nuevo siglo. Livro homenaje al profesor doctorDon José CerezoMir. P. 73 e ss.,
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 183
delito não podem ser compreendidas unicamente a partir da relação que guardem
com a norma imperativa, mas sim com a introdução de valorações jurídicas específicas e distintas à infração daquela norma. E isso porque o Direito é uma cons
trução social e tem por função regular a vida dos seres humanos. Já o Direito Penal,desde a perspectiva democrática, tem a função de proteger interesses reais dos
cidadãos e não apenas as normas jurídicas. Noutras palavras, “a construção teóricado Direito Penal não importa só o normativo-jurídico-positivo, mas também va
lorações culturais metajurídicas, em perspectiva normativa e fática”457.
Ou seja, proceder-se à análise literal do texto legal não permite captar
todo o sentido normativo do Direito vigente. Neste aspecto, alega Mir Puig
que investigar quais valorações e princípios norteiam ou fundamentam a nor
ma contribuem a apreender o real significado do Direito positivo. Destaca,ainda, que algumas valorações e princípios do Direito estão explicitados na
Constituição e textos legais. Por sua vez, cabe ao legislador facilitar que asnormas sejam valoradas corretamente pelos cidadãos, em razão de que sua
legitimidade depende do consenso gerado em condições válidas.
Quanto à imputação pessoal do fato antijurídico, que a doutrina maisusualmente se refere como culpabilidade, igualmente assinala critérios normativos
juntamente com a concorrência de determinados elementos empíricos no sujeito
ou na situação em que atua. Neste aspecto, refere-se o autor à “possibilidade de osujeito ser motivado pela norma de algum modo, sem a qual não será possível
exigir-lhe o conhecimento da antijuridicidade, nem um mínimo deimputabilidade458. Exemplifica a questão afirmando que as crianças muito pequenas
não podem ser motivadas por normas jurídicas por falta de desenvolvimento mental.
Ou os estrangeiros que acabam de chegar ao país e desconhecem o idioma podemencontrar-se em uma situação que não lhes seja possível conhecer qualquer norma
jurídica (erro de proibição invencível). Ou ainda, a incapacidade física ou
impossibilidade situacional de ascender à norma faz com que ela não possa influirno comportamento, e portanto, de desenvolver a função reguladora que a justifica.
Por sua vez, sem ela, carece de sentido dirigir ao sujeito a proibição da norma, pois
e sua atualização publicada em http:llcriminet.ugr.eslrecpcl06lrecpc06-02.pdf, visitada em 17 de agosto de 2006.
457 Limites del normativismo en derecho penal. Revista Electrónica de C iência Penal y Crím inología. 2005, núm. 07-18, p. 18:1-18:24. Disponível na internet: http://criminet.ugr.es/recpcl07!
recpc07-18.pdf ISSN 1695-0194 [RECPC 07-18 (2005), e visitado em 20 de agosto de 2006.458 Limites del normativismo en derecho penal, op. cit.
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não poderá guiar-se por ela, até porque não a conhece. Veja que a incapacidade pessoal de evitação do fa to pode proceder de alguma das causas de
inimputabilidade, tais como a menoridade, anomalias psíquicas etc.Isto é, como a norma tem a função de regular comportamentos, ela só
tem sentido àqueles que podem compreendê-la e se influenciem por ela nomomento de decidir por sua conduta459.
Ao lado dos elementos empíricos nos destinatários da norma, esta construção exige que o acesso à norma se produza em determinadas condições denormalidade, o que não ocorre quando a pessoa possui algum transtorno mental,
o que lhe torna incapaz de conhecer a norma e lhe impede a saber que sua
conduta é proibida. Há aqui uma falha no processo de motivação por umainsuficiência de inteligência ou maturidade, desde que completamente im possibilitem o acesso à norma ou dificultem o atendimento à norma.
Leciona o autor que a possibilidade de dispensar tratamento diferenciado a
estas pessoas, ou seja, de não lhes atribuir a imputação pessoal do injusto, advémdo princípio da igualdade, pois ele permite tratar de maneira desigual os desiguais.Recorde-se que as pessoas em condições tais como as citadas acima, se encontramem situação de inferioridade se comparadas às pessoas normais adultas.
Diante disso, o fundamento da culpabilidade situa-se na necesssidadede pena, que existe para os sujeitos normais, porém desaparece quando este
atua sob uma causa de exclusão da culpabilidade. Aqui, nota-se que o incul- pável não origina uma necessidade preventiva de pena porque é um sujeitonão motivável conforme as normas. /
Antes desta nova compreensão dada à norma, para Mir Puig “a culpabili
dade é o âmbito em que se comprovam as possibilidades psíquicas de motivação
normal do autor de um comportamento antijurídico por parte da norma penal”460. Portanto, disso decorre que a culpabilidade não realiza nenhum juízo dedesvalor que contribua à fundamentação da pena, que aliás terá como seu fundamento unicamente na realização do injusto. Culpável, por sua vez, será o sujeito
com motivação normal, e então será possível concretizar a ameaça em pena.
No que tange à motivação normal, M ir Puig assinala a normalidade comocaracterística da motivação, isto é, a norma desenvolve nas pessoas a intensida
1 8 4 - C u l pa b il id a d e n o D i r e it o P e n a l
459 Limites ... , op. ci t460 MIR PUIG. E l derecho pena! en e / Estado so cia! y dem ocrático de derecho, p. 91.
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Fá b io G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 8 5
de motivadora que normalmente possui, por conseguinte, nos inimputáveis enos reconhecidos casos de exculpação por inexigibilidade, não há que se dizer
que estes são imotiváveis, mas justamente de que a norma não se desenvolvetal como ocorreria com um sujeito normal. Para não se permitir a imposiçãode pena àquele que atua sem culpabilidade, mas com um mínimo de motivação, deduz o autor um limite surgido a partir da configuração do Estado
Social e Democrático de Direito e do princípio da igualdade real. Ainda queseja o sujeito motivável, ele não será normalmente motivável. Se assim nãofosse, reconhecer-se-ia o tratamento igual para sujeitos desiguais, o que nesta
conformação de Estado não é admissível.
Desta forma, contrariamente aos demais autores vinculados à teoria da mo
tivação, Mir Puig posiciona a sua imputação subjetiva (culpabilidade) apenas como
juízo de imputação do injusto penal ao seu autor, e a motivação, até então exclu
siva da culpabilidade, intervém igualmente na antijuridicidade, deduzindo que,
se a proibição pretende evitar a ocorrência de um fato mediante a motivação, não
teria sentido proibir um fato que não possa tentar evitar mediante a motivação.
Com esta estrutura, Mir Puig modifica também o conceito de antijuri
dicidade, passando a ser concebida como infração de uma norma motivadora,
“supondo-se que esta norma motivadora possa ser recebida de algum modo
por seu destinatário. A capacidade do sujeito de ser motivado pela norma
constitui, pois, uma condição do injusto e, portanto, deve incluir-se entre os
elementos do fato antijurídico”461.
Para tanto, o próprio M ir Puig afirma que se requer a capacidade pessoal de
evitar o fato, normalmente presente, mas que também pode se verificar ausente,
ainda que o sujeito possa conhecer a antijuridicidade do fato, pois só há sentido proibir o fato antijurídico àquele que possa conhecer a antijuridicidade462.
4 . 1 1 . 1 C r í t i c a s à c o n c e p ç ã o d e M i r P u ig
Tal como já fizera os demais autores adeptos da teoria da motivação,
também M ir Puig parte da presunção de que todo homem é motivável, sendo
este então o seu “homem médio”, na acepção de ponto referencial, já que amotivação não é constatável.
461 MIR PUIG. E l derecho pena! en e l Estado so cial y dem ocrático de derecho, p. 89-90.
462 Derecho pena! parte general, p. 539.
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O que se discorda amplamente do pensamento de Mir Puig, é a inclusão
da capacidade de motivação no injusto. Tradicionalmente, implica a antijuridi
cidade numa relação objetiva de contrariedade de uma ação ou omissão com a
norma penal, e o juízo que se faz aqui, é objetivo. Portanto, com a consideraçãode que a motivação insere-se igualmente na antijuridicidade, a meu juízo, a
antijuridicidade ficaria desfigurada, proporcionando confusão de entendimen
to nestes elementos do crime em prejuízo da culpabilidade e do próprio sujeito.
De outro lado, afirma Pérez Manzano que Mir Puig se destaca dos demais
autores, uma vez que introduz como complemento da fundamentação da culpa
bilidade o princípio da igualdade real, o que significa aceitar a normatividade da
culpabilidade. Ao afirmar que a culpabilidade não se constata, mas apenas seimputa, em razão de que nem todo sujeito motivável será culpável, senão só aquele
cuja motivabilidade se assemelha suficientemente à motivabilidade pressupostaao homem normal, dado que o limite normativo se assenta na igualdade real463.
Em se considerando, portanto, que a culpabilidade é um filtro determi
nante para se saber se um fato antijurídico é atribuível ao seu autor, só poderá
a mesma excluir ou atenuar a pena, e não para agravá-la.
Pelo desenvolvimento realizado, destacam-se nesta teoria a presença dascaracterísticas atuais da culpabilidade, a partir do ponto de vista determinista,
a presunção de motivação, a motivabilidade como conteúdo da culpabilidade,
a referência ao homem médio como método de determinação da culpabilida
de, a complementação da motivabilidade com critérios de prevenção, inclusive
na sua modalidade prevenção geral positiva e, por fiái, o mantimento do nor
mativismo enquanto valoração do exigível, funcionando a culpabilidade como
limite da prevenção464.
4.1 2 A CULPAB IL IDADE EM ZAFF AR O N I . A VULNERABIL IDADE
E A CO-CU LPABIL IDA DE
Tendo a culpabilidade pela vulnerabilidade como antecedente a co-cul-
pabilidade e esta suas origens nas idéias de Marat, no século XVIII, e Mag-
naud no século XIX, e não no Direito Penal socialista, esta tinha como idéia
central o fato que “nenhuma sociedade tem uma movibilidade vertical tão
463 Cu lpabilidad y p revención :..., p. 126.
464 PÉREZ MANZANO. Cu lpab ilidad y p revención :..., p. 126.
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No âmbito dogmático, assevera o autor que são componentes da culpa bilidade o espaço de autodeterminação e culpabilidade do ato, a possibilidade
exigível de compreensão da criminalidade e a possibilidade exigível de com preensão da antijuridicidade.
Parte o autor do determinismo, isto é, da autodeterminação humana, com- preendendo-a como verificável. Já sobre a culpabilidade do ato, esta é reconhecida sobre o juízo de autodeterminação de possíveis condutas de uma pessoa emuma determinada situação471, daí compreender que as causas de inculpabilida-de são hipóteses de inexigibilidade de outra conduta adequada ao Direito472.
Quanto aos demais componentes da culpabilidade, aponta ZafFaroni que
pela possibilidade de compreensão da criminalidade, trata-se de apúrar uma potencial compreensão de todos os elementos da criminalidade, ou seja, conhecimento efetivo dos elementos do tipo objetivo necessários para configu
rar o dolo. Outro elemento deste componente da culpabilidade é a possibilidadede compreensão da antijuridicidade, além da possibilidade de conhecimentodas circunstâncias que proporcionam uma margem objetiva para a autodeterminação; e por fim, a possibilidade de conhecimento dos requisitos objetivos
que permitem a imposição de uma pena.
Como último componente da culpabilidade, menciona o autor a possi bilidade exigível de compreensão da antijuridicidade. Neste, não se trata de
pressupor o conhecimento do referido desvalor da norma, mas que o sujeitotenha interiorizado que essa contrariedade está tipificada penalmente, ou seja,que se trata de antijuridicidade com relevância pen^l473.
Não obstante tecer considerações dogmáticas acerca da culpabilidade, a
maior contribuição de ZafFaroni refere-se à culpabilidade pela vulnerabilidade, e conseqüentemente a co-culpabilidade. Preconiza o autor que a seleção
criminalizante advém das agências executivas, isto é, a própria polícia. E assimo fazem de acordo com determinadas características, tais como o estado de
vulnerabilidade, a suposta perigosidade, traços físicos etc. Disso pode-se concluir que quanto mais o sujeito seja vulnerável ao poder político e econômicomaiores serão as chances dele cair no sistema punitivo, razão pela qual afirma-
se que o poder punitivo é altamente seletivo.
471 Idem, p. 642.472 Idem, p. 644.
473 Idem, p. 651.
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1 9 0 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
pena, desde que, no caso concreto, o magistrado identifique uma relação razoável entre a omissão estatal em disponibilizar ao indivíduo mecanismos de po
tencializar suas capacidades e o fato danoso por ele cometido”474.
No processo penal, sustenta-se que a precária situação econômica doimputado ou a sua má formação intelectual deve ser priorizada como circuns
tância atenuante obrigatória, ainda que não esteja elencada no rol do art. 65,
do Código Penal brasileiro, porém, a norma havida no art. 66, denominada de
circunstâncias atenuantes inominadas possibilita a recepção do princípio da
co-culpabilidade47S. Com mais clareza, o art. 14, I, da Lei n° 9.605/98, que
tipifica condutas lesivas ao meio ambiente e estabelece dispositivos adminis
trativos, afirma que o baixo grau de instrução ou escolaridade do agènte serácircunstância atenuante. Isto porque entende-se que “o grau de instrução in
fluencia sobremaneira o nível de percepção do sujeito (cognoscibilidade do
ilícito) e na sua movimentação positiva ou negativa para o ato (exigibilidade
de comportamento). Assim, impossível restringir o âmbito de validade da
referida atenuante apenas aos crimes contra o meio ambiente, tendo em vista
que possibilita uma avaliação concreta da relação homem-conduta delitiva,
otimizando o modelo de culpabilidade pelo fato”476.
A partir do que chamam “direito penal de garantias”, utilizam os mencio
nados autores a analogia como argumento de reforço ao entendimento de que as
atenuantes previstas na parte geral do Código Penal autorizam o reconheci
mento da co-culpabilidade.
No tocante à sua efetiva aplicação no processei entendem estes autores
que o grau de instrução e a posição social do agente podem ser avaliados na
aplicação da pena-base, como circunstâncias judiciais e/ou elementos, e no
caso de concurso real de circunstâncias judicial (culpabilidade) e legal (co-culpabilidade), deve a última prevalecer sobre aquela.
E certo, também, que a favor da teoria da co-culpabilidade não se pode
olvidar que a reforma havida no Código de Processo Penal, por meio da Lei n°
10.792/03, precisamente em seu art. 187, obriga o juiz a indagar do réu
acerca das oportunidades sociais oferecidas a ele.
474 Aplicação da pena e garantismo, p. 73.
475 CARVALHO, Amilton BUeno e CARVALHO, Saio. Aplicação da pena e garantismo, p. 74.
476 ' Idem, p. 78.
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Fá b io G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 9 1
Se não o bastante, há a interpretação de que o princípio da co-culpabili-dade, em determinados casos, surge como causa supralegal de exculpação. Esta
situação ocorreria quando o crime constitua resposta normal de sujeitos em
situação social anormal, pois aqui não se poderia construir um juízo de reprovabilidade em razão da relação entre déficit dos direitos sociais e o delito477.
4 . 1 2 . 1 C r í t i c a s à c u l p a b i l i d a d e d e Z a f f a r o n i
A construção teórica desenvolvida a partir da vulnerabilidade e co-cul-
pabilidade por Zaffaroni e outros, parte de uma concepção crítica do ju spuni-
endi estatal, valendo-se de aspectos socioeconômicos, éticos e de compreensão
da criminalidade pelo sujeito, visto aqui em manifesta condição de inferiori
dade frente aos co-cidadãos e desigualdade frente ao exercício irracional doDireito Penal pelo Estado. Disso decorre a vulnerabilidade do sujeito, objeto
que foi de um processo seletivo.
Tem-se aqui um apriorismo indemonstrável, ou se preferir, uma presun
ção absoluta de que o sujeito vulnerável, na acepção ampla do termo, encontra-
se imediatamente em nível inferior ao cidadão “normal”, notadamente no tocante
às chances de seu desenvolvimento etc. E por se encontrar o infrator neste pata
mar atribui-se responsabilidade no todo ou em parte a toda a sociedade. Tam
bém é verdadeiro apontar que esta construção teórica não tem como demonstrarefetivamente que o sujeito hipossuficiente não tenha condições de dirigir seu
comportamento tal como aquele que se encontra como parte integrante da so
ciedade. Quanto à sociedade, esta como um todo vê-se co-responsável penal, em
manifesto produto de uma responsabilidade penal objetiva.
Tem-se aqui uma compreensão inversa do denominado direito penal do
autor. Não obstante a isso, ver a vulnerabilidade ou a co-culpabilidade como
condição obrigatória de redução de pena ou exclusão da culpabilidade significa distorcer os conceitos de imputabilidade e consciência da antijuridicida
de, ampliando-os além dos seus limites.
Acerca da menção à previsão havida na Lei dos Crimes Ambientais, po-
der-se-á entender que a idéia de vulnerabilidade do sujeito, notadamente aquele
que reside na zona rural e interior do país, revela-se pelo baixo grau de instru
ção que possui, e que a propósito é dado estatístico facilmente localizado.
477 CARVALHO, Amilton Bueno e CARVALHO, Saio. ApUcaçao da pena e garantismo, p. 80-82.
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Aqui não há novidade, pois o instituto do erro de proibição, art. 21, ou até
mesmo a circunstância atenuante dó art. 65, II, ambos do Código Penal, já
abrigavam a hipótese. O que fez a Lei n° 9.605198, foi especificar a condiçãode hipossuficiência àquele portador de baixa instrução. E, portanto, uma es
pécie dos institutos já consagrados na parte geral do Código Penal.
E mais, as críticas lançadas por Zaffaroni contra o sistema penal possuem
forte carga antropológica, aparentemente sem conotação dogmática jurídico-
penal, notadamente no que tange à concepção de vulnerabilidade.
Ao dispor sobre a dogmática, serve-se Zaffaroni do teorema de poder o
sujeito agir de outra maneira para justificar a culpabilidade do ato. E sta cons
trução ainda que possua aspectos antropológicos em sua formação, não conse
gue superar os embates e críticas da doutrina acerca da indemonstrabilidadedo livre arbítrio, necessitando para a sua concretização que terceira pessoa
considere o conjunto de situações para apurar se outra conduta poderia ser
tomada. O problema permanece em consideração às denominadas causas de
exclusão da culpabilidade, quando em verdade reconhece-se que o agente
poderia agir de outra maneira, e mesmo assim tem-se negada a culpabilidade.
Quanto à pena e sua fixação no âmbito da vulnerabilidade ou co-culpa- bilidade, critérios aptos a ensejar a sua aplicação não são apresentados, como
também não se verifica nenhum conteúdo de prevenção geral positiva ou de
prevenção especial positiva.
Ainda no âmbito teórico, sustenta o autor que alguns elementos integran
tes da possibilidade exigível de compreensão da criminalidade geram insegu
rança dogmática, em especial quando o autor afirma quanto ao elemento
conhecimento efetivo dos elementos objetivos do tipo, que a sua ausência im
porta na ausência de tipicidade478. Em verdade, a dogmática jurídico-penal já
tratou de desmembrar cientificamente o desconhecimento do autor da realiza
ção de um tipo penal, do desconhecimento pelo ilícito da conduta.
Por mais humanista e crítica que seja a construção de Zaffaroni acerca
do exercício irracional do Direito Penal pelo aparato estatal, a mesma não
consegue superar as críticas lançadas contra a concepção neoclássica e fina
lista de culpabilidade.
1 9 2 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
478 - ZAFFARONI, Eugênio Raúl et a lii. Derecho pena! —parte general, p. 646.
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1 9 4 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
Constrói Bustos Ramírez a sua concepção a partir da posição da pessoa frente ao Estado Social e Democrático, que é de dignidade, autonomia
ética e antinomia, afastando-se, assim, do conflito travado entre determi
nistas e indeterministas. Significa dizer que a discussão da responsabilidade deve guardar relação com a pessoa determinada no marco social
concreto, o “indivíduo em sociedade”, eis que ele só pode ser compreendi
do enquanto vive em sociedade, considerando, também, que o modelo gera
desigualdades sociais e econômicas, sendo que o Estado assume a obriga
ção de intervir nos processos sociais em obediência do seu dever de com
bater as desigualdades482.
Em sua crítica à teoria normativa e seu fundamento livre arbítrio, que parte da concepção de pessoa ideal, diz o mencionado autor que esta é inexis
tente e está fora do sistema social o qual tem que responder por ter cometidoum delito. Ou seja, esta pessoa ideal está à margem da pessoa concreta, e com
isto os direitos fundamentais das pessoas frente ao Estado são apenas declara
ções retóricas483. Em troca, diz que o problema é de legitimação e capacidade
do Estado para exigir responsabilidade do indivíduo concreto pelo cometi-
mento de um fato concreto. Ou seja, a exigibilidade implica examinar se o
Estado está em condições ou se tem capacidade de exigir uma resposta determinada de uma pessoa. Para que tenha esta capacidade é indispensável que
tenha dado condições para exigir esta resposta, pois de outra maneira o Estado
estaria no âmbito de total arbitrariedade e terror estatal484.
E mais, neste âmbito, a responsabilidade não pode se revelar como um
problema reduzido a um indivíduo, e que apenas por exceção se reconhece o
seu afastamento, v.g. por uma causa de exculpação. A capacidade de exigir
variará de acordo com cada pessoa e suas condições e circunstâncias e de suarelação com o Estado485. Assim, as causas de exculpação referem-se à inexigi
bilidade, pois são acontecimentos em que o Estado não pode exigir responsa
bilidade do indivíduo concreto pelo fato por ele cometido.
482 BUSTOS RAMlREZ, Juan; e HORMAZÁBAL MALARÉE, Hernán. Nuevo sistem a de derecho
penal, p. 125.483 Nuevo sistem a de derecho penal, p. 126.48 4 BUSTOS RAMÍREZ, Juan J. e HORMAZÁBAL MALARÉE, Hemán. Lecciones de derecho penal,
vol. I, p. 140.485 Nuevo sistem a de derecho penal, p. 126.
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1 9 6 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
ção de valores ocorre como resultado de um processo intelectual e social de
maior ou menor complexidade487.
Contudo, se a crença do sujeito e sua cultura são diversas do conhecimentocomum, e assim ele se comportada e realiza o injusto, o Estado não está em condições de lhe exigir outra consciência. Ou seja, a pessoa interiorizou valores dife
rentes e por isto o Estado não pode exigir-lhe outra consciência. Agora, se o processo
de interiorização não está completo, e o sujeito tem dúvida sobre a consciência e
executa o injusto, afirma Bustos Ramírez que ele terá atenuada a sua pena488.
Por último, exsurge a exigibilidade da conduta, isto é, que existam ou
tenham sido dadas as circunstâncias para que se possa exigir da pessoa um com portamento determinado. Aqui, em relação à exigibilidade de uma resposta
determinada por parte do Estado, é necessário considerar se uma vez que se
estabeleceu as exigibilidades sistêmica e da consciência, é possível na situação
concreta em que se encontra a pessoa exigir-lhe uma conduta determinada489.
Significa dizer que “múltiplas situações podem influir grave e diretamente no
âmbito emocional de uma pessoa até o ponto de levá-la a dar resposta diferente
frente ao conflito. São os casos de estado de necessidade de bem iguais, de medo
insuperável, de coação insuperável, entre muitos outros”490.Portanto, enfatiza Bustos Ramírez a vulnerabilidade de algumas pessoas
em razão da discriminação que experimentam dentro de um sistema social. E
em assim sendo, deve o Estado levar em consideração a autonomia da pessoa esua realidade, sem o que o seu poder se converteria em arbitrariedade e auto
ritarismo491. Dito isso, a garantia da proteção da aátonomia ética da pessoa
toma-se o conteúdo material da culpabilidade, isto é, da exigibilidade social.
4 . 1 3 .1 C r í t i c a s à t e o r ia d e B u s t o s R a m í r e z
Não se pode negar a atenção que Bustos Ramírez dá à relação social
entre Estado e sujeito, e a necessidade deste de receber conhecimentos e opor
tunidades para que possa se tom ar responsável. E manifesto, portanto, o cará
ter político desta estruturação da culpabilidade.
487 Nuevo sistema del derecho penal, p. 130 e 131.488 Nuevo sistema de l derecho penal, p. 131.
489 Idem, p. 131.49 0 Idem, p. 132.491 Idem, p. 131.
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F á b io G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 1 9 7
Porém a mesma é vaga, imprecisa e estabelece alto grau de insegurança
jurídica, além de ver-se como ontológica. Inicialmente, pela não-caracterização
dos critérios a serem utilizados pelo juiz para demonstrar se o Estado deu ounão deu as condições necessárias à pessoa para que ela dê a resposta esperada.
Também não há a precisa menção e estabelecimento de limites do con
junto de oportunidades que o Estado deva distribuir aos sujeitos em geral, ou
critérios de aferição de sua eficiência. Inexistentes também são os critérios
para aferição da interiorização dos valores, sem se falar na sua imprecisão. E,
por isso, esta concepção teórica está vinculada ao ontologismo, em vista de não
se desprender da estrutura do ser ou da capacidade de agir de outra maneira.
Tomando-se por base um país como o Brasil, seguindo-se as regras e
máximas de experiência, onde há o fornecimento obrigatório de serviços de
ensino, saúde e outros, de qualidade aquém do necessário etc., não se pode
negar que condições, ainda que não perfeitas, são dadas para que o sujeito dê
a resposta esperada. Por conta disso, poder-se-ia dizer que todos os sujeitos
são responsáveis. Destarte, se se considerar resposta negativa, o juiz haveria de
considerar o sujeito inculpável, ou sequer critérios demonstráveis que lhe pos
sibilitem atenuar a pena.E certo que também esta construção mantém a culpabilidade imprecisa
e o juízo de responsabilidade seria criado pelo juiz a partir de suas suposições.
Tal como assevera Jaime Couso Salas, o juízo de imputabilidade em um Esta
do de Direito pressupõe num primeiro plano, a capacidade de racionalidade
que todo sujeito tem, as escolhas que ele faça quanto a grupos etc. E mais, oreconhecimento de uma ordem racional hegemônica dentro dele, Estado, cons-
titui-se como a sua base orgânica. Com isso se tem que os grupos não podem
ser julgados senão só os injustos por eles cometidos, porém exigindo-se comunicação entre o sujeito e a ordem hegemônica492. Contudo, Bustos Ramírez
não explicita a questão da relação interna que é necessária entre racionalidade
individual e a racionalidade nas normas jurídicas.
Por fim, afirma Jaime Couso Salas, que tam bém nesta construção teórica
se mantém a dúvida sobre qual é o fundamento normativo da exigibilidade
social ao sujeito a quem se ofereceu condições para responder493.
492 Fundamentos de! derecho penal de cu lpab ilidad , p. 202.
493 Fundamentos de l derecho penal de culpabilidad , p. 207.
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4 . 1 4 C r í t i c a s g e r a i s a o f u n c i o n a l i s m o
Como todos os pensamentos filosóficos não estão isentos de receber críticas,
também o funcionalismo tem as suas. Como já se expôs anteriormente, o funcionalismo dá às mais diversas categorias dogmáticas penais uma nova reinterpreta-
ção. Conquanto não tenhamos condições de analisar cada um dos institutos, a
nível geral, algumas críticas merecem apontamento por serem de âmbito geral.
a. A primeira diz que o modelo fundonalista é oposto às pretensões cientí
ficas e supranadonais da dogmática. Destarte, seu conteúdo dentífico ser bemmenor, podendo se constituir como fonte geradora de inseguranças e arbitrarieda
des, pois em sendo elemento de concepção utüitarista do Direito Penal, é visto
como uma teoria autoritária e contrária às garantias do Estado de Direito. b. Não obstante, o funcionalismo é autoritário, uma vez que obriga as
construções dentíficas a se centrar nos fins e valores de cada uma das categorias e do sistema em seu conjunto, propiciando confusão normativa, levando a
dogmática ao naturalismo, especificamente quanto às teorias da imputação
(imputatio iuris —imputatio factí).
c. A crítica que se faz ao fundonalismo e à própria culpabilidade fundo
nalista, é a da ausência de fundamento material desta, não tendo como fundamentar o juízo de censura em face da total desindividualização, porque ao autor
só lhe poderá ser atribuída a responsabilidade a partir de uma verificação com
base èm critérios gerais, sem se falar nas “dificuldades havidas para distinguirentre os requisitos da culpabilidade, simples causas de exdusão da pena e ques
tões relativas à determinação da pena”494. Ainda, agoía numa visão tradidonal e
histórica da culpabilidade, afirma-se que a teoria dos fins da pena não faz parte
da teoria da culpabilidade, sendo certo que a culpabilidade tem foro de impor-
tânda além do próprio Direito Penal495.
d. Sendo o sistema fundonalista calcado na prevenção geral, tem na pre
venção geral positiva o seu primeiro plano. Contudo, ocorre que esta tendên
cia carece de fundamentação e imprecisão teórica suficiente para permitir que
todo o sistema dogmático possa nela se fundamentar496.
494 HIRSCH, Hans-Joachim. El desarollo de la dogmatica penal despues de Welzel. Estúdios juríd ico s sobre ía reforma penal, p. 37.
495 HIRSCH . El desarollo de la dogmatica penal despues de Welzel. Estúdios jurídicos sobre la reforma penal, p. 37.
496 Idem, op. c it , p. 36.
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e. Uma crítica eivada de conservadorismo e auto-estima, é a que afirma queo Direito Penal perde protagonismo e atratividade, vencido pelo utilitarismo e
pragmatismo, voltado às ciências sodais-empíricas. E verdade que estas, muitas
vezes, se valem de conceitos sequer acatados pelos próprios integrantes deste cam po científico, ex. livre-arbítrio, sendo difícil, pois, distanciar-se da concepção de
que no Direito Penal a decisão é valorativa, e, por conseqüência, seu método é
teleológico. Contudo, isso não quer dizer que o Direito Penal não possa se aproxi
mar destas ciências, apenas deve fazê-lo com atenção aos seus próprios limites.
f. Quanto à estrutura em geral, critica-se que as “concepções funcionalistas
residem no neutralismo valorativo das mesmas, pois lhes importa, tão-só, o exa
me dos sistemas sociais desde o ponto de vista de seu correto funcionamento, e
das circunstâncias que o facilitam ou o prejudicam, porém não o fundamentoou suporte axiológico dos mesmos e se ditos sistemas servem aos fins do Direito,
à pessoa, ao homem. Podem ser susceptíveis, portanto, de qualquer conteúdo,
sempre que respondam e funcionem: que sejam eficazes”497.
Os postulados trazidos pelos adeptos do funcionalismo, bem como a consti-
tucionalização do Direito Penal, servindo de exemplo o Brasil, a meu aviso, afas
tam a incidência das críticas. Isso porque o ponto de partida para a compreensão
de qualquer sistema científico ou pragmático, deve partir da Constituição Federal. A brasileira, no seu art. 1., inciso III, insere a obediência ao princípio da
dignidade da pessoa humana, como um dos fundamentos do Estado Democráti
co de Direito. Assim, qualquer sistema que se crie não poderá ir ser contrária a esta
determinação, e por mais que se queira neutralizar valorativamente qualquer nor
ma, ao alcançar a infiranqueável barreira da dignidade da pessoa humana, que será
o limite contra qualquer abuso que possa ser o Direito instrumento, perecerá do
maior dos vícios, o da inconstitucionalidade.
Não obstante a esta particular consideração de cunho político, e retomando ao âmbito dogmático-penal, a partir da concepção de ser este Direito Penal
um sistema aberto, não se quer entender que esta abertura seja própria para
alargar a incidência da aplicação da lei penal, ao contrário, limita-se o âmbito de
aplicação da lei penal, valendo-se da própria imputação objetiva para alcançar
este fim. Senão o bastante, a própria aproximação com a realidade social, faz
com que o Direito Penal não seja aplicado em contextos onde não se verifiquem
497 GARCIA-PABLOS DE MOLINA. Op. cit., p. 401.
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2 0 0 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o P e n a l
dissensos ou situações congêneres, fatos absolutamente repelidos pelo positivis
mo, tampouco perde atratividade ou relevância, ao contrário, por não permane
cer no ostracismo, fechado no seu próprio mundo, toma-se muito mais interessantee atual, ganhando inclusive importância frente às demais ciências humanas.
Por fim, quanto à quebra da supranacionalidade da dogmática, o Direito
Penal será muito mais efetivo, a partir do momento que passe a considerar de
forma especial cada contexto funcional, até porque não se pode olvidar que
cada povo, cada nação tem suas particularidades, e a dogmática alemã não
conseguirá jamais ultrapassá-la. Diz-se pois, que não existe apenas um único
contexto social como v.g ., trabalha a concepção neokantiana, disso resulta,
justam ente, a quebra da inflexibilização da teoria geral do delito, o que ésalutar frente a tradição jurídica de cada país.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 2 0 1
C a p í t u l o 5
O D i r e i t o P e n a l b r a s i l e i r o e o p r i n c í p io d a c u l p a b i l i d a d e
A partir do escorço epistemológico realizado, pode-se afirmar que a doutrina penal brasileira adotou, ao longo de seu desenvolvimento, as teorias daculpabilidade professadas na Alemanha.
Quanto à legislação penal, esta não estabeleceu o conceito analítico dedelito. Entretanto, a culpabilidade como seu elemento foi reconhecida pela
doutrina e jurisprudência pátrias, ainda que indiretamente por meio da análise da estrutura do erro.
Promulgada a Constituição Federal em 1988, a doutrina divide-se acerca do fundamento e localização exata do princípio da culpabilidade. Reco-nhece-se este princípio por derivação do princípio da dignidade humana498,art. I o, III, ou por derivação do princípio da legalidade499, art. 5o, II, e, por
fim, pela expressa menção do inciso LVII, do art. 5o500, ao rezar que ninguémserá culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Não se pode negar que a gênese dos princípios garantísticos do cidadão,
inclusive o da culpabilidade, está no princípio da dignidade humana. Na liçãode Antonio Luis Chaves Camargo, a dignidade humana “é a fonte de todos os
direitos, pois exerce a função de base destes direitos, servindo de conexão entreo ser e seu agir social”501. Quanto à concretização da dignidade humana, afirmaeste autor que ela se dá “através do âmbito de interferência que cada um permiteao outro durante a interação social, respeitadas as normas éticas de comporta
mento, enquanto esta dignidade humana se opõe ao Estado, no exercício de seu poder, que é pautado, sempre, em normas que legitimam a sua intervenção,
como a última instância de interferência na vida do cidadão”502.
Secundariamente, o princípio da culpabilidade emerge do princípio da legalidade, ao estabelecer que o limite da intervenção estatal se dá em respeito aos
postulados do Estado Democrático de Direito, e desde o âmbito de aplicação do
direito material, advém o princípio da não-consideração prévia de culpabilidade.
498 GONZÂLEZ PÉREZ, Jesús. La dignidad de la persona, p. 165.499 CAMARGO, Antonio Luiz Chaves. Culpabilidad e e reprovação pena l, p. 90-92.500 TUCC I, Rogério Lauria. D ireitos e garantias individuais no processo pena! brasileiro, p.402.501 Direitos humanos e direito penal: Limites da intervenção estatal no Estado Democrático de
Direito. Estudos crim ina is em homenagem a Evandro Lins e S ilva, p. 74 e Im putação objetiva e direito p en ai brasileiro, p. 113.
502 Idem, p. 74.
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2 0 2 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
De qualquer maneira, há de se frisar acerca do princípio da culpabilidade que não há dúvidas acerca de sua presença entre nós, não só pelos posicio
namentos doutrinários a partir do âmbito constitucional, mas até mesmo antes,
disso pela sua aceitação na reforma penal de 1984.
5 .1 A d o u t r in a e a s c o d i f i c a ç õ e s a n t e r io r e s a 1 9 8 4
Em verdade, a doutrina penal brasileira não desenvolveu concepção pró pria ao longo de sua história, tendo se filiado com certo atraso a cada uma das
teorias alemãs sobre a culpabilidade, e isto se verifica a partir da análise das
obras publicadas. Portanto, desnecessário neste momento reiterar os argumen
tos de cada construção dogmática e de sua correspondente crítica.Em se considerando que foi a teoria psicológica a primeira desenvolvi
da cientificamente sobre o tema culpabilidade, resta afirmar que filiaram-se
a esta entre outros Galdino Siqueira, Nelson Hungria, Basileu Garcia, José
Frederico Marques e Bento de Faria503.
Em obediência à metodologia, a teoria Psicológica-Normativa reuniu,
entre outros, Magalhães Noronha, Salgado Martins, Aníbal Bruno e Paulo
José da Costa Júnior504. No tocante às codificações penais brasileiras anteriores a 1984 e, levan-
do-se em consideração o tema da culpabilidade, há de se observar em atenção
ao método penal cada um destes diplomas, sob pena de não se compreender a
concepção teórica então vigente.
Acerca do Código Penal do Império de 18^0, assevera Galdino Si
queira que já havia uma disposição geral sobre a culpabilidade como aspecto
essencial do crime, ainda que a reduzisse ao dolo, dispondo “não haver cri
minoso ou delinqüente sem má-fé”, isto é, não se punia o agente que não
tivesse o conhecimento do mal e a intenção de praticar, ainda que presente a
punição para o crime culposo em várias disposições505.
503 Tratado de direito penai, vol. 1, p. 387; Com entários ao Código Penal, vol. I, t. 28, p. 22;Instituições de direito penal, vol. 1, t. 1, p. 247; Curso de d ireito penal, vol. II, p. 158 e
Código Penal brasileiro (comentado), vol. II, p. 146.504 D ireito penal, vol. 1, p. 132; Sistema de direito penal brasileiro, p. 176; Direito penal, vol. 1,
L 2, p. 31 e Curso de direito penal, vol. 1, p. 86-87.
505 Tratado de d ireito penal, vol. 1, p. 388. A partir da compreensão do método, nesta concepção,reconhece-se o dolo como forma da culpabilidade.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 2 0 3
O Código Penal republicano de 1890 dispunha sobre a culpabilidadeno seu art. 24.
Por sua vez, o Código Penal de 1940 inspira o primeiro debate acerca da
culpabilidade, ainda que sob o entendimento majoritário da doutrina da época, inseria-se o mesmo nos termos propostos pela teoria Psicológica da culpa
bilidade, sendo compreendida como a relação subjetiva ou de causalidade
psíquica, vinculando o fato ao agente, ou ainda, no dizer de Nelson Hungria,
“não é possível a imputatio juris de um evento criminoso sem que haja uma
relação psíquica que a ele vincule o agente”506.
E nesta concepção que dolo e culpa são vistos como formas de culpabi
lidade, distinguindo-os por meio do critério da gravidade, ou seja, a formamais grave, constitui o dolo, e outra menos grave, a culpa sensu strictif07.
Não obstante ao fato da doutrina majoritária interpretar o dispositivo
legal a partir do conteúdo da teoria Psicológica da culpabilidade, contra este
entendimento se manifestou Salgado Martins, ao afirmar que o Código Penal
de 1940 acolheu orientação normativista, pois, a seu ver, o dolo exige a cons
ciência da ilicitude da ação por parte do agente, constituindo-se como ele
mento normativo, portanto, elemento este estranho à concepção psicológica508.
No mesmo sentido acenava Aníbal Bruno ao lecionar que “a culpabilidade é areprovabilidade que pesa sobre o autor de um fato punível, praticado em
condições de imputabilidade, dolosa ou culposamente, tendo ou podendo ter
o agente a consciência de que viola um dever e em circunstâncias que não
excluem a exigência de que se abstenha dessa violação”S09.
5 . 2 O p r i n c íp io d a c u l p a b i l i d a d e n o C ó d i g o d e 1 9 8 4 e n a
C o n s t i t u i ç ã o F ed e r a l d e 1 9 8 8
Reformada a parte geral do Código Penal brasileiro pela Lei n° 7.209184, e promulgada a Constituição Federal quatro anos depois, instituindo o Estado De
mocrático de Direito no Brasil, ganhou destaque o princípio da culpabilidade510.
506 Comentários ao Código Penal, vol. 1, L 2, p. 22 e 109.507 SIQUEIRA, Galdino. Tratado de direito penal, vol. 1, p. 387-388.508 Sistema de direito pen al brasileiro , p. 176.
509 D ireito penal, vol. 1, L 2, p. 31.
510 Há expressa menção na Exposição de Motivos do Código Penal (7.209/84) à adoção do princípio da culpabilidade nos itens 16 a 18, em especial ao se afirmar que "O princípio da culpabilidade estende-se, assim, a todo o Projeto (...)".
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2 0 4 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
Antes de passarmos à análise do princípio da culpabilidade no Brasil, éimportante recordamos que o Direito Penal, como ramo da ciência normativa
guarda relação com todas as disciplinas jurídicas, particularmente com o Direito Constitucional e sucessivamente com os princípios fundamentais do
Estado Democrático de Direito, em razão de que a partir destes é manifestada
a política penal do Estado.
Diante do reconhecimento da validade desta afirmativa, fizemos ao longo
de todo o trabalho, considerações acerca das novas estruturas do Direito Penal
advindas da nova forma de Estado, isto é, o Estado Democrático de Direito. A
partir disso, trouxemos à colação o conceito de Luiz Régis Prado e que espelha
o nosso pensamento sobre o Estado Democrático de Direito, “como sendo aquelecujo ordenamento jurídico positivo confere específica estrutura e conteúdo a
uma comunidade social, garantindo os Direitos individuais, as liberdades pú
blicas, a legalidade e a igualdade formais, mediante uma organização policêntri-
ca dos poderes públicos e a tutela judicial dos Direitos”511.
Frente à magnitude do estabelecimento entre nós do Estado Democráti
co de Direito, vale lembrar que nenhuma construção científica de Direito
Penal pode contradizer os limites do Estado Democrático de Direito. Isso se
deve não apenas à obediência formal das disciplinas do Direito ao Direito
Constitucional, mas porque a Constituição Federal contém os dispositivos
mais importantes e fundamentais para a ordem jurídica e para a vida em
sociedade, refletindo o ambiente sócio-valorativo de uma comunidade.
Desta maneira, para um segmento doutrinário, Concebe-se como função
primordial do Direito Penal, a proteção dos denominados bens jurídicos, fi
gurando como conseqüência do postulado da garantia, impedindo não só a
intensificação dos aspectos subjetivos estranhos à realidade social, mas tam bém, a interferência do poder autoritário do aplicador da lei sobre condutas
que, mesmo juridicamente relevantes, não ofendem esses bens jurídicos512.
Portanto, é importante destacarmos que o Direito Penal de um Estado
Democrático de Direito deverá legitimar-se como sistema de proteção efetiva
dos cidadãos. Secundariamente, e violada a norma penal incriminadora, passa
a ter a missão de prevenção geral e especial positivas, além de intervir apenas
511 Bem juríd icopena l e Constituição, p. 52.512 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídicopenal e Constituição, p. 52.
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Fá b io G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 2 0 5
na medida do necessário para a proteção da sociedade, conforme se extrai do
princípio da mínima prevenção indispensável, senão limitá-la, de acordo com
o princípio do mínimo sofrimento necessário513.
“Disso decorre, obviamente, que todas as categorias dispostas na análise
do conceito de delito, à luz da interpretação sistemática constitucional, rece
bem inspirações preventivas, e, por conseqüência natural, estas categorias cons-
tituem-se pressupostos lógicos para a aplicação das normas penais, sendo a
política criminal o instrumento adequado à consecução deste fim”514.
Iniciando-se a análise a partir da reforma havida no Código Penal em
1984, cabe-nos, desde logo, afirmar que não houve expressa menção à teoriaadotada quanto ao núcleo do conceito, digno inclusive de aplauso, em se con
siderando que esta medida possibilita uma flexibilização maior da dogmática,
ajustando-se às novas relações sociais. Diversamente manifestou-se o Código
ao afirmar sua adesão à teoria limitada da culpabilidade ao tratar do erro e, por
conseguinte, ao finalismo.
Neste sentido, preceitua o art. 20 do Código Penal, que o dolo seja concebi
do como pura manifestação de vontade de realização dos elementos objetivos dodelito, instituindo-se o injusto pessoal. Como conseqüência própria do finalismo,
o erro escusável sobre os elementos objetivos do tipo exclui o dolo. Se evitável o
erro, o agente poderá responder a título de culpa desde que prevista a hipótese em
lei e que o mesmo tenha incidido sob as elementares deste crime culposo.
Ainda sob os termos finalistas, o art. 21 do Código Penal descreve o erro
sobre a ilicitude do fato —erro de proibição —fazendo desaparecer a reprova
bilidade quando este erro for escusável e diminuindo-a quando da hipótesefática da inescusabilidade.
Aponta-se que o legislador infraconstitucional de 1984 deixou-se seduzir, em alguns aspectos, pelos desdobramentos finalistas, podendo-se ainda
reconhecer como dispositivos finalistas além da matéria sobre o erro acima
tratada, o concurso de pessoas do art. 29 do Código Penal, ao dispor que só
poderá haver participação a partir da existência de uma conduta anterior dolosa, visto aqui como conduta principal. Por sua vez, se inexistente o tipo
513 MIR PUIG, S. El sistema del derecho penal en la Europa actual. Fundamentos de un sistem a europeo de! derecho pena l, p. 25.
514 MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Em defesa da culpabilidade. BoL IBCCRIM , na 97, p. 15.
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2 0 6 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
doloso da conduta principal, incabível falar-se em participação, que se revestecomo conduta periférica ao núcleo principal.
Também merece ser inserida no rol das contribuições finalistas dadas àsreformas da parte geral do Código Penal em 1984, o critério da fixação da pena,
pois retira deste relevante dispositivo o dolo e a culpa, atribuindo à culpabilidade a elaboração do juízo de reprovação, considerando a maior ou menor reprovabilidade da conduta do agente, em obediência à sua maior ou menor capacidadede autodeterminação no momento da realização do injusto típico.
Há de se ressaltar que a manifestação acima esboçada não é pacífica,havendo segmento doutrinário que critica esta posição em prol do reconheci
mento da teoria Psícológico-Normativa.Interessante é que a culpabilidade foi tratada no texto legal, art. 21 e 22
do Código Penal, apenas como referência às causas excludentes da culpabilidade, incentivando-se a formação de opinião de que o conceito de culpabili
dade é um elemento do conceito de crime negativo, isto é, tem-se o mesmoem não ocorrendo uma causa excludente.
Adentrando ao campo dogmático, muitas são as vozes que afirmam que
a reforma penal de 1984 alicerçou-se sobre os fundamentos finalistas, poden-do-se destacar Miguel Reale Jr., Heleno Cláudio Fragoso, Francisco de AssisToledo, Damásio E. de Jesus, José Henrique Pierangeli, Juarez Tavares, Cezar
Roberto Bitencourt, Luiz Régis Prado, Ivete Senise Ferreira, entre outros515,embora novas contribuições sejam acrescidas ao esquema final.
No que se refere à matéria no âmbito constitucional, há o posicionamento
de que os pressupostos e elementos da culpabilidade são derivados do EstadoDemocrático Direito e do seu fundamento dignidade da pessoa humana516.
Próximo a esta acepção, sem contudo se confundir com a mesma, reconhece-seque o princípio da culpabilidade decorre do princípio da legalidade517.
515 Teorias do delito, p. 144; Lições de direito p enal —parte geral, p. 196; Princípios básicos de direito pena l, p. 230; D ireito penal, vol. 1, p. 465; Teorias do delito (variações e tendências), p. 114; M anual de direito pena l, vol. 1, p. 290; Curso de direito pen al brasileiro, p. 268-269; e Tutela penal do patrim ônio cu ltural, p. 101. Há de se destacar quanto a Juarez Tavares, que há dúvida quanto a sua posição metodológica, devendo-se aos postulados sustentados na obra Teoria dó injusto. Nesta, o autor toma uma nova performance metodológica e de afasta
mento ao finalismo welzeniano, onde inclusive era visto como adepto, conforme Luiz Régis Prado na nota nQ9, da tradução de O novo sistema jurídicopenal, de Hans Welzel, p. 9.
516 Neste sentido: Bernd Schünemann, La función del principio en el derecho penal preventivo. E l sistem a m oderno del derecho pena l, p. 148.
51 7 Neste sentido: Antonio Lufs Chaves Camargo, Culpabilidade e reprovação penal, p. 91
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Outra conseqüência desta consideração constitucional é a impossibilidade de substituir o Direito Penal da culpabilidade por um Direito protetor
baseado no perigo abstrato de lesão ao bem jurídico. Isso porque, tendo emvista as contribuições científicas, os avanços industriais, a exploração de recursos minerais etc., advindas especialmente a partir da segunda metade do século XX, fez-se necessário tutelar bens jurídicos coletivos reconhecidos a partir
desta, tais como o meio-ambiente e outros. Como desdobramento desta novaconcepção, pode-se afirmar, com tranqüilidade, no âmbito da tipicidade, quehouve uma antecipação da intervenção penal, bastando-lhe apenas a formulação do juízo de possibilidade do dano difuso para a sua verificação, isso em
decorrência de se evitar a sua efetiva exposição à perigo ou lesão. Trata-se,então, da configuração dos delitos de perigo.
Esta reformulação fez com que a doutrina se manifestasse pela inconstitucionalidade de leis que acolhessem em seu corpo tipos penais classificadosatravés do perigo abstrato, isto é, tipos penais concebidos sem possuir condições mínimas de ameaça ou de lesão ao bem jurídico. Esta orientação motivou
o legislador infraconstitucional a substituir os tipos penais que se consubstanciavam por meio do perigo abstrato pelo perigo concreto nas reformas pe
nais. Esta assertiva se verifica da confrontação das redações do art. 34 da Leide Contravenções Penais e do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro.
“Art. 34- Dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia.”
“Art. 306- Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influênciade álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial aincolumidade de outrem.”
De qualquer maneira, estas considerações se referem apenas ao conteúdoformal da culpabilidade, não justificando o seu conteúdo material, daí a necessidade de a doutrina brasileira debater o assunto em atenção aos níveisculturáis aqui presentes, e não pura e simplesmente importar uma ou outraconcepção estrangeira como sustentam alguns doutrinadores.
Sob a vertente constitucional-processual da concepção de culpabilidade,art. 5o, LVII, da Constituição Federal, reconhecida por meio da nomenclatura princípio da inocência presumida, ou mais corretamente princípio da pre
sunção de não-culpabilidade, recaíram basicamente as maiores atenções dosoperadores da ciência penal, mormente ao tratar do tema prisão cautelar, ao
argumento de que o princípio em tela não se restringe apenas ao acusado, mas
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“a todos os estágios da repressão penal, inclusive às atividades policiais ditas
preventivas e investigatórias”519.
Sobre o tema, surgiram duas orientações. Em síntese, pela primeira orientação, reza que impõe-se à acusação (Ministério Público ou querelante), o ônus
de demonstrar os fatos imputados na peça acusatória. A segunda orientaçãoconsidera que além de ser ônus da acusação provar os fatos e de estar consagrada
na Constituição Federal regra sobre a prisão cautelar, decorre que a prisão só pode ocorrer após confirmação da culpabilidade em sentença transitada em ju l
gado, sem o que representaria indevida antecipação da pena520. Contudo, esta
mesma orientação reconhece que só se admitiria a prisão no curso do processoquando necessário em face de circunstâncias concretas da causa521.
De regra, no que diz respeito à prisão cautelar, tem-se que para a sua
concessão, indispensável apenas que elementos processuais a fundamentem,
despindo-se de considerações estranhas ao Direito, ou relativas ao Direitomaterial, isso em obediência à Carta da República, supedâneo anterior e lógi
co de todas as liberdades públicas522.
Esta afirmação mostra-se atual em face da instabilidade política, social e
judiciária que vive o país, protagonizando escândalos e inconformismos no
seio da sociedade, sendo certo que a figura do simbolismo extravasa o âmbito
penal para também encontrar guarida no Direito Processual Penal, ou noutra
consideração, “na retórica do combate à criminalidade, dos movimentos de lei
e ordem, no falso sentimento de garantia de ordem pública e de paz social, é
o processo penal aviltado, como também são aviltadas as regras processuais,
ocorrendo um grande distanciamento da dogmática com a pragmática”523.
Para a satisfação do Direito Processual Penal simbólico no que diz res peito às prisões cautelares, servem-se seus defensores da antecipação do juízo
normativo de culpabilidade, obviamente que em termos contrários à tutela daliberdade, antecipando o futuro por meio da presunção de julgamento conde-
natório como instrumento de pacificação da opinião pública. Sob esta verten
519 GOMES FILHO , Antonio Magalhães. Presunção de ino cência e prisão cautelar, p. 32-33.520 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional, p. 283.521 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional, p. 283 e FRANCO , Alberto
Silva et a lii. Código de processo penal e sua interpretação jurisprudên cia!, p. 222.522 MACHADO , Fábio Guedes de Paulá. Considerações sobre a prisão cautelar. RT, ne 773, p. 449.523 MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Considerações sobre a prisão cautelar. RT, n®773, p. 448.
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5.3 A d o u t r in a b r a s i l e i r a c o n t e m p o r â n e a
a c e r c a d a c u l p a b i l i d a d e
Acerca da culpabilidade, seus elementos e discussões, a maioria da doutrina penal brasileira mantém-se fiel ao finalismo welzeniano525. Contudo, já
se vislumbra o prosseguimento do desenvolvimento epistemológico sobre otema, ainda que de modo tímido526.
Reformulando antigo posicionamento doutrinário, reconhece Miguel
Reale Júnior a impossibilidade de determinação do poder agir diversamente,
apontando como elementos da culpabilidade o conhecimento do tipo, a possibilidade de consciência da ilicitude e o juízo da negatividade da opção con
tra o direito nas circunstâncias concretas do fato527.A construção não fica isenta de críticas. Impor ao agente o conhecimento
do tipo para vê-lo culpável significa revitalizar no sistema o dolo normativo deconcepção neoclássica, passível aqui de colacionar as críticas lançadás por Welzela este sistema. Já quanto ao elemento do juízo da negatividade da opção contrao direito nas circunstâncias concretas do fato, onde se produz uma valoraçãosobre a situação, “como situação de necessidade ou de coação”, para em seguida
prosseguir-se a “uma avaliação da opção realizada em função de um valor que,
naquela situação, assume relevância, perante o valor do direito como deve ser”,significa, de certo modo e a princípio, renomear as circunstâncias concomitantes
do fato, proposta inicialmente por Frank, fundida com a base doutrinária do poder agir de outra maneira. Isto porque, para a realização das valorações sobrea situação e sobre a opção, mantém-se presente a denominada teoria simpatéti-ca, caracterizada pelo fato de o juiz se colocar na situação do agente para julgar
a sua opção, que em verdade decorre da teoria do poder agir de outra maneira,daí sobrevindo todas as críticas já lançadas em face da indemonstrabilidade do
poder agir diversamente, tal como inclusive reconhecido pelo próprio autor528.
525 Entre outros, AZEVEDO, David Teixeira de. Dosímetria da pena, p. 66-67; NUCC1, Guilherme deSouza. Individualização da pena, p. 51 e Código pena! comentado, 7a ed., p. 213; PRADO, Luiz Régis. Curso de direito p enal brasileiro, 5a ed., p. 424 e ss.; BÍTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 8a ed., p. 276 e ss.; JESUS, Damásio E. Direito penal, p. 455 e ss. Conforme já discutido anteriormente, este autor considera a culpabilidade como pressuposto da pena, op. c it, p. 456.; BRANDÃO, Cláudio, Introdução ao direito penal, p. 141 e ss., e mais recentemente em Teoria ju rídica do crim e, p. 142 e ss.; GOMES, Luiz Flávio, GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio e BIANCHINI, Álice, Direito pena l introdução e princípios fundamentais, v. 1, p. 539.
526 Destaca-se Paulo de Souza Queiroz, D ireito pen al introdução crítica , p. 211 e ss.527 Instituições de d ireito p enal —parte geral, p. 188-189.
528 Idem, p. 188-190.
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Mais modernamente e aproximando-se dos postulados funcionalistas,
sustenta Antonio Luís Chaves Camargo, com amparo em Habermas, a fun
damentação material da culpabilidade a partir do agir comunicativo; isto é, dodiálogo e da interação dos indivíduos com o grupo social, coordenando desta
forma as ações dos indivíduos dentro do grupo529.
Como conseqüência dessa interação surge o consenso, traduzido pela
coincidência na motivação da norma penal nos âmbitos geral e individual,
notadamente acerca dos valores vigentes. Nessa concepção, a culpabilidade se
manifestará pelo dissenso havido entre os indivíduos em se considerando a
ação antijurídica realizada e conseqüentemente o delito530.
Mantém o autor, na sua construção dogmática, os mesmos elementos da
culpabilidade existentes no finalismo, contudo e até mesmo antes disso, dele
distancia-se para adotar a base geral do modelo funcionalista penal, assim se
compreendendo em razão de que nesta particular construção, o sistema penal
permite receber contribuições de outras ciências humanas, em especial a filo
sofia, daí ser entendido como sistema aberto, não obstacularizando o desen
volvimento social e jurídico, ao contrário, favorece-o, adaptando-se a ele.
Por sua vez, Juarez Tavares posiciona a culpabilidade como um juízo pessoal de atribuição de responsabilidade ao agente, tendo por base o cometi-
mento de um fato típico e antijurídico531. Ressalta o autor que esta atribuição
não possui conotação de retribuição ou censura moral, e sim é normativa pelo
fato de ter o agente violado o âmbito de atuação da norma, “embora tivesse a
capacidade e pudesse concretamente agir de outra maneira”, e está sujeito a
sofrer a intervenção do Estado por meio de uma medida coercitiva532.
Aqui a culpabilidade é juízo de atribuição pessoal de responsabilidade, e
funciona como condição ou etapa final da análise da conduta com vistas a
coibir as intervenções coercitivas irracionais. Logo, a conduta injusta pratica
da será sempre a base de configuração desse juízo. Por isso, este, ao ser realiza
do, não pode recair sobre a conduta de vida, o caráter, a personalidade ou o
defeito de motivação533. Assim, atem-se o juiz aos elementos configuradores
529 Culpab ilidade e reprovação penal, p. 137 et seq.
530 Culpabilidade e reprovação penal, p. 132-137.531 D ireito penal da neg ligência, p. 375.
532 D ireito penal da negligência, p. 376.533 Idem, p. 376.
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da norma penal para expressar eventual punição, considerando-se, também,
que no Estado Democrático de Direito a norma penal incriminadora delimita
o âmbito da atuação estatal534.Em síntese ao pensamento de Juarez Tavares, destaca-se que o elemento
capacidade possui grande importância na configuração da atribuição pessoalde responsabilidade. Já a conduta, justifica a incidência de normas jurídicas
para qualificá-la como proibida ou permitida535.
Neste discurso, Juarez Tavares caracteriza “a culpabilidade como culpabi
lidade do ato volitivo, em que se destaca o valor da vontade como fator determi
nante e condicionante da eleição do emprego e da manipulação dos meios causaisdisponíveis à integração dessa ação à atividade global do sujeito”536. Não obstan
te a essas considerações, pondera o autor que a questão não está vinculada à
demonstração de uma liberdade de vontade abstrata, mas à capacidade concreta
de poder dirigir a conduta no sentido de um objeto de referência que deve ser a
norma de proibição ou de determinação. Logo, o sujeito que não tenha capaci
dade de dirigir o processo causai por si mesmo não será culpável.
Luiz Flávio Gomes, por sua vez, mantém-se fiel à concepção tradicional
que expressa ser a culpabilidade o juízo de valor (de reprovação) que recai
sobre o agente do fato punível que podia agir de modo diverso (conforme o
Direito) e não agiu537. Alinha-se, definitivamente ao finalismo welzeniano ao
estabelecer a tríplice função da culpabilidade; isto é, como fundamento da
pena, como limite da pena e como fator de sua graduação538.
5 .4 A FUNÇÃO E A VERIFICAÇÃO DA CULPABIL IDADE NO SISTEMA
PENAL BRASILEIRODemonstradas as diversas concepções acerca da culpabilidade, pode-se
afirmar sobre esta e com amparo em Zaffaroni, que “não há sequer um acordo
534 TAVARES, juarez. D ireito penal da neg ligência, p. 376.535 Idem, p. 376.536 Idem, p. 377. Próxima a esta compreensão, porém mais arraigado ao pensamento entorno do
livre arbítrio, André Luís Callegari, ao sustentar que a culpabilidade consiste na capacidade de
adotar uma resolução de vontade diferente, de acordo com as exigências do ordenamento jurídico, ou seja, o sujeito será reprovado pela má formação de vontade. Teoria ge ra! do d elito, pp. 91-92.
537 D ireito pena l parte geral, p. 345.538 Idem, p. 346. Mais recentemente, e juntamente com Antonio Garcia Pablos de Molina,
reafirma a posição em D ireito penal —parte geral, v. 2, p. 570.
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nal e não o contrário, como desejam alguns operadores do Direito, para somente
então analisarmos as questões circunscritas à efetivação da culpabilidade.
Diz-se assim por se entender que, para a averiguação da culpabilidade
no sistema moderno de Direito Penal, indispensável que esta análise se dêempiricamente a partir do respeito absoluto à Constituição Federal, ou seja,
deve o Direito Penal adequar-se à Constituição Federal e não o contrário,
conforme muitos equívocos proporcionados pela doutrina no afã de justificara legalidade-constitucionalidade de determinados dispositivos.
Feitas as primeiras colocações, pode-se afirmar, desde logo, que a Cons
tituição Federal de 1988 não recebeu o termo “reprovação” contido no art. 59
do Código Penal no sentido de retribuição moral, e sim, unicamente, como
retribuição jurídica voltada à prevenção do delito.
Já no preâmbulo da Constituição Federal promulgada em 5 de outubro
de 1988, reconheceu-se legitimidade popular à Assembléia Nacional Consti
tuinte para instituir o Estado Democrático, assegurando entre outros direitos
a liberdade, a igualdade e a justiça como valores supremos da sociedade frater
na, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social, manuseando
soluções pacíficas das controvérsias.
Em seqüência, no art. Io, III, é reconhecida a dignidade da pessoa humanacomo um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, materializando
este fundamento em diversos dispositivos do texto constitucional v.g. os incisos
do art. 5o, pertencentes ao título II, “dos Direitos e Garantias Fundamentais”.
Estipulados os princípios e objetivos em que se deve pautar a sociedade
brasileira, tem-se igualmente que a sua regulação penal siga obrigatoriamente
estes postulados, de maneira a legitimar-se a intervenção penal nesta socieda
de com o instrumento da “pena” em suas espécies privativa de liberdade, restritivas de direito e multa.
Violada a lei penal e consubstanciado o regime como sendo o Democrático de Direito, tem-se que a pena só pode fundamentar-se como legítima nas
suas acepções preventivas geral e especial positivas, respectivamente, assegu
rando a consecução do fim útil de prevenção do delito mediante a convicção
coletiva em tomo da vigência das normas, reforçando os laços de integração e
solidariedade social. Quanto à figura concreta do delinqüente, deve a pena
atuar de maneira que este não recaia na prática de delitos, levando em consideração em ambas as situações, as individualidades e limitações naturais do
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sujeito, pertencentes em sua maioria a um universo de carências e mazelas
sociais, não possuindo como objetivo concreto único a ressocialização, mas
também de integrar o sujeito à sociedade, possibilitando-lhe uma vida digna, pois somente assim ele será capaz de respeitar a lei penal.
Percebe-se, assim, que esta concepção é inteiramente divergente da concepção retribudonista de pena, que tinha, a propósito na culpabilidade, o seu fundamento. Acerca desta culpabilidade, há de se entendê-la no seu sentido dássico etradidonal, sedimentada na liberdade de vontade ou livre-arbítrio, afirmando-setoda vez que o homem fizer mal uso de sua liberdade quando reunia condições defazer o bem, constituindo-se a pena como pagamento de forma a imperar a justiça.
Em face do modelo constitucional adotado pelo Brasil, transforma-se oseu Direito Penal em Direito Penal preventivo, repudiando-se os desdobramentos trazidos pelas concepções moral e retribudonista.
Portanto, no que tange à natureza da pena, o art. 59 do Código Penal brasileiro, ao atestar que esta deverá ser sufidente à reprovação jurídica e prevenção do crime, não o faz em manuseio da acepção dássica (moral) do termoreprovação, que como visto se antagoniza com os postulados do Estado Democrático de Direito, mas sim no aspecto preventivo. Esta interpretação se
apresenta possível, a partir da compreensão normativa que se dê à expressãoou termo, mantendo-lhe atualizado e atrelado às reformas sociais.
Portanto, de maneira a melhor servir os propósitos do regime democrático,entende-se que nenhuma pena deva ser fixada sob a natureza retributiva, aguar-dando-se a oportunidade de uma reforma penal par^ se adequar a legislação
penal aos prinrípios constitudonais próprios do Estado Democrático de Direito,tolhendo qualquer dúvida acerca da acepção do vocábulo, que a propósito induz
alguns tratadistas brasileiros a reconhecerem a natureza retributiva da pena.Em face desta argumentação, entende-se como compatível o escopo fir
mado pela finalidade preventiva da pena em manuseio das teorias preventivasgeral e espedal, ambas na modalidade positiva, como critérios hábeis a legitimar a pena e o próprio Direito Penal.
Este reconhecimento possibilita apontar a face democrática do DireitoPenal e da culpabilidade. Contudo, não define o seu conteúdo, devendo adogmática penal apresentá-la em consideração às peculiaridades de cada cul
tura, de cada povo e de cada Nação. Nesta ordem de análise empírica iniciada a partir dos fundamentos consti-
tudónais atribuídos ao Direito Penal, à pena e, agora, à culpabilidade, devem
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também dados de política criminal e que demonstrem essas desigualdades e a
melhor maneira de transpô-las.
Com o intuito de particularizar a dogmática brasileira e valendo-nos dos
desenvolvimentos teóricos já realizados, em especial pela dogmática alemã, partimos da concepção constitucional e filosófica para a formulação deste novo
sistema penal para o Brasil, ou como bem frisa Luiz Flávio Gomes, “tudo
resulta de uma feliz combinação de várias idéias, teorias e princípios extraídosde um denominador comum: a Constituição que, como máxima expressão
normativa, constitui o norte de todo o ordenamento jurídico”543.
A partir da constatação humanista inscrita no preâmbulo e demais dis
positivos da Constituição Federal, reconhece-se que o Direito Penal sobrevindo da base constitucional vigente, apresenta-se como Direito Penal preventivo,
e, agora sob a vertente dogmática e valendo-se dos conteúdos traçados pelas
teorias preventivas geral e especial positivas da pena, temos que num Direito
Penal preventivo a intervenção penal do Estado não se legitima apenas pela
culpabilidade, mas também pelas necessidades preventivas de pena544.
Segundo esta concepção, a categoria dogmática da culpabilidade deve
estar acompanhada das necessidades preventivas geral e especial positivas da pena, e com isto posicionamos a responsabilidade como sendo elemento do
conceito de crime ao lado do injusto. Portanto, culpabilidade e necessidade
preventiva são pressupostos da responsabilidade jurídico-penal545, isto é, “a
responsabilidade depende de dois dados que devem assinalar-se ao injusto: da
culpabilidade do sujeito e da necessidade preventiva /de sanção penal”546.
Nesta construção dispensamos tratamento distinto aos institutos que
eram concebidos unicamente sob o conceito de culpabilidade.
Ainda no que tange aos fundamentos constitucionais-penais, permite-
se afirmar que estes dão autorização inicial para reconhecermos a possibili
543 Teoria constitucional do delito no limiar do 3Bmilênio. Bol.IBCCR IM , ne 93, p. 3.544 Ao propormos a reconstrução do sistemapenal brasileiro, não nospassadesapercebido a
penúria que vive o seu sistema penitenciário, e não acreditando na sua recuperação a pequeno ou médio prazo, e em se considerando que as proposituras aqui descritas apegam-se à realidade momentânea, abandona-se esta modalidade preventiva devido a manifesta falta de idoneidade dos instrumentos e dos predicados advindos da teoria da prevenção especial negativa. Destarte, firmamos o entendimento de que as penas restritivas de direito são o melhor critério de realização ida prevenção especial positiva.
545 ROXIN. Derecho penal, p. 791 et seq.
546 ROXIN. Derecho p enal, p. 792.
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dade do D ireito Penal ser visto como moderno. C om esta afirmação quer sedizer que a sua função é entendida como de proteção da liberdade e dasegurança social do indivíduo, bem como das condições de existência da
sociedade. Isso indica que o pressuposto de toda punibilidade não é a infração ética, mas sim um dano social. Por meio desta verificação, autoriza-se
concluir que a função do Direito Penal foi limitada à proteção subsidiáriade bens jurídicos.
Sob a base da concepção político criminal, o Direito Penal tem de se
orientar pelo objetivo da melhor conformação social possível. Sobre esta, não
se pode olvidar que são finalidades do Estado de Direito a proteção da socie
dade e a salvaguarda da liberdade. Isso significa que o Direito Penal tem de
ser estruturado com base no impedimento do crime (prevenção).
Motivado o legislador constituinte primariamente com o princípio da
dignidade da pessoa humana, insere-se seus reflexos também no que tange à
teoria da prevenção especial positiva da pena, sendo esta uma tarefa socialfrente ao delinqüente. Deste modo, conserva-se a possibilidade de reincorpo-
rar o sujeito infrator à sociedade.
Diz a Constituição Federal brasileira no seu preâmbulo, no seu art. Io,
III, no seu art. 3o, incisos I (objetivo fundamental da República Federativa doBrasil é de construir uma sociedade livre, justa e solidária), III (objetivo da
RFB é de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais) e IV (promover o bem de todos, sem preconceitos etc.),
além dos dispositivos inseridos no art. 5o, que o elemento social impede que
uma pessoa condenada seja excluída da sociedade, devendo permanecer à sua
disposição as possibilidades de integração social.
Disso resulta que o Direito Penal tem, além da função preventiva, uma
função social em relação aos delinqüentes, voltada à prevenção socializadoraou ressocializadora (prevenção especial positiva).
Neste aspecto, por fim, concluindo a conotação política criminal no sis
tema, os direitos da vítima e a sua indenização pelos danos sofridos em razão
do delito praticado, são metas que devem ser incluídas na elaboração da dog
mática jurídico-penal. Em suma, conciliar a prevenção geral e a especial, com
a limitação da pena, e com a satisfação dos direitos da vítima, são as metas de
política criminal para um Direito Penal democrático, sem contudo afastar-seda precisão e da demonstração lógica advinda da dogmática.
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No que se refere às polêmicas em tomo da possibilidade de agir de outra
maneira e das causas de exclusão da culpabilidade, embora reconhecido que o
sujeito poderia agir de outra maneira, tem-se afastada a sua responsabilidade, podendo-se citar o estado de necessidade exculpante e o exemplo do bombei
ro que, por imperativo legal, deve enfrentar o perigo, mas que se recusa a tal para não ter que sacrificar a sua própria vida, embora inegavelmente ele pu
desse enfrentá-lo, tem-se afastada a sua responsabilidade por razões político-
criminais. Daí explicar Schünemann que o legislador nestes casos não só renuncia
a pena quando a liberdade de decisão do autor está excluída de modo comple
to, senão já quando a liberdade de decisão do autor se reduziu até o ponto em
que as perspectivas preventivas gerais não justificam uma sanção para a salvaguarda do bem jurídico, pois que se mantém incólume a fidelidade ao Direito
por parte da coletividade que não vê nesta situação maculado o Direito547.
Tem-se aqui adotada a teoria de que as causas excludentes da culpabilida
de só podem ser entendidas sob o fundamento da renúncia da pena por parte doEstado em atendimento à ausência da necessidade de pena em razão de critérios
de prevenção geral e especial positivas, com prevalência da primeira sobre a se
gunda, isso, ao nosso entendimento, e sob esta concepção possibilita-se a conver
são do Direito Penal tradicional e retributivo em Direito Penal preventivo.
Contudo, diferente é a situação em tomo da medida de segurança, posto
que esta persegue fins exclusivamente preventivos especiais e não se compatibi
lizam com a concepção de culpabilidade no que tange ao sujeito inimputável.
Tomando-se agora o fato concreto, e constatando-se p. desnecessidade de uma
intervenção preventiva sobre o autor, por conseqüência, medida de segurança
mostra-se inadmissível nesta situação, podendo-se reforçar a argumentação de
que a exclusão da responsabilidade tanto pode se dar por razões preventivasgerais como pelas razões preventivas especiais, ambas positivas, não havendo de
se deixar de reconhecer a desnecessidade preventiva especial positiva para a me
dida de segurança em face da ausência da prevenção geral positiva548.
547 SCHÜNEMANN, Bernd. La función del principio de culpabilidad en el derecho penal preven
tivo. E l sistema moderno d el derecho penal: cuestiones fundamentales, p. 159.54 8 No mesmo sentido: Knut Amelung, Contribuición a la crítica del sistema jurídico-penal de
orientación político-criminal de Roxin. E l sistem a m oderno de l derecho penal: cuestiones fundam entales, p. 106.
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Reformulado o conceito inerente a esta categoria do conceito analítico de
delito, tem-se que a culpabilidade “segue sendo o pressuposto decisivo (ainda
que não o único) da responsabilidade jurídico-penal”549. Deste modo, como bem afirma Roxin, “o fazer depender a punibilidade da culpabilidade do sujeito tem como finalidade por um limite ao poder punitivo do Estado”550.
A afirmação feita acima espelha a idéia de reprovação penal, sem contu
do, destinar-lhe o conteúdo material, sendo esta a nossa missão em atenção às peculiaridades brasileiras.
Também é verdade que a valoração da conexão entre autor e ação como
questão subjetiva pessoal é um problema próprio da teoria da culpabilidade ereflete a necessidade de se levar em consideração todos os aspectos pessoais do
delito, desde a autonomia da decisão até as relações sociais do autor materiali
zadas no fato, tais como defeitos educativos, pobreza, marginalização etc.
Em busca da concepção de culpabilidade monolítica e plural que possi bilite adequar-se ao povo brasileiro e suas particularidadès, o problema aindase agrava em face da impossibilidade de se averiguar se a pessoa estava capaci
tada no momento do ato para decidir entre várias alternativas, até porque jáverificamos que a conduta humana não é possível de constatação empírica.Tampouco reunimos condições de precisar a possibilidade de motivação pelas
normas jurídicas ou de se influenciar pelas penas.
O modelo a ser cunhado ante a grande diversidade brasileira deve levar em
consideração a relação concreta entre a pessoa e a sua ação antijurídica, para somen
te então fixar os critérios de valoração jurídica em que consiste a culpabilidade.
Nesta base de valoração, deve se ter presente as qualidades biopsíquicas do
sujeito, a se manifestar pela sua maturidade mental e saúde psíquica, sua inserção
na família e na sociedade, suas carências educativas e dificuldades laborais-econô-
micas, a consciência real da antijuridicidade e a verificação de causas que afastem
a formulação do juízo de culpabilidade. Estes são os elementos que devem figu
rar na base da culpabilidade e que possibilitarão a análise individualizada e per
sonalizada do sujeito do delito, posto que não se considera o sujeito abstrato edotado de livre arbítrio, nem tampouco um tipo criminologicamenté prefixado,
mas um ser humano peculiar, que deve ser entendido a partir de razões jurídicas.
549 ROXIN. Derecho penal, p. 798.
550 ROXIN. Derecho pena l, p. 798.
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2 2 2 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
Só assim se reunirão condições suficientes de conhecimento das propriedades particulares da realidade, podendo, a partir de então, ser objeto de consideração
científica e de opção à reação penal devida como solução ao conflito.
Podemos reconhecer o conteúdo material da culpabilidade a partir da acessibilidade intelectual do sujeito à norma, isto é, uma norma será compreensívelao sujeito desde que ele tenha acesso intelectual a ela no sentido de que suascapacidades intelectuais sejam suficientes para compreendê-la, ou seja, é necessário precisar se a norma penal incriminadora era compreensível ao sujeito no
momento da prática do fato. Noutras palavras, busca-se estabelecer se a complexidade da norma está ao alcance da pessoa, daí podendo-se concluir que estaacessibilidade normativa é a relação entre a capacidade de compreensão do su
jeito e a complexidade da norma.
Acerca desta nova concepção, não se trata de reformular o teorema do poder agir de outra maneira por outro correlato e igualmente indemonstrável,
pois considera-se que esta estrutura baseia-se em fenômeno científico de com provação empírica pela Psicologia e Psiquiatria áo constatar as restrições dacapacidade de autocontrole, podendo-se medir a sua gravidade551.
Igualmente é verdade que, a partir da constatação da acessibilidade normati
va do sujeito, parte-se da presunção jurídica de que este possui capacidade decomportar-se conforme a norma, tomando-se culpável quando não adotar nenhu
ma das alternativas de conduta impeditivas do delito e que lhe eram possíveis em
atenção à sua individualidade. A liberdade que se apresenta ao sujeito para escolher
entre as alternativas que lhe eram possíveis não se confunde ou tampouco é oriunda do livre arbítrio, mas é concebida a partir da presunção normativa de acessibili
dade à norma por parte das pessoas normais, que são aquelas que possuem
autocontrole, assim reconhecidas a partir dos estudos psicológicos e psiquiátricos.Acerca desta “liberdade”, diz Roxin “que a suposição de liberdade é uma
asserção normativa, uma regra social do jogo, cujo valor social é independente
do problema da teoria do conhecimento e das ciências naturais”552.
Trasladada a questão para o ambiente brasileiro, onde as desigualdades
do povo são marcantes, como já ressaltado, os critérios de hiposuficiência de
verão ser considerados a favor do sujeito que nestas condições praticar o delito,
551 ROXIN. Derecho penal, p. 807.
552 ROXIN. Derecho penal, p. 808.
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pois a culpabilidade com a função de limitação da pena impede que se tomemem consideração todas as circunstâncias que o autor não pode conhecer e que,
portanto, não podem ser utilizadas para lhe reprovar.
Neste sentido é esclarecedor o exemplo dado por Juarez Tavares ao proferir palestra no I Congresso Internacional de Ciências Penais, em Io de junho de 2000, em Belo H orizonte , ao se referir aos “Sem Teto” que habitam asruas, pontes e viadutos das grandes cidades, e lá vivem, comem, dormem, fazem as suas necessidades fisiológicas e procriam aos olhos da sociedade que
prefere não enxergar a sua co-responsabilidade naquela mazela social. Enfim,ao menos em tese, este comportamento percorre o tipo penal descrito no art.233 do Código Penal brasileiro —ato obsceno, por conseguinte, como enten
der culpáveis os sujeitos que realizam este tipo de comportamento?Pelas concepções doutrinárias demonstradas ao longo deste trabalho, certa
mente haveria de se reconhecer a culpabilidade destes agentes com a conseqüenteaplicação de pena, mas poderia se indagar se assim agindo em face do hipossufi-cente, estaria a culpabilidade e o Direito Penal cumprindo os seus papéis sociais.
O exemplo citado por Juarez Tavares talvez seja de difícil compreensão paraos autores alemães. De outro lado, acredita-se que tal comportamento não seja
passível de comoção jurídica e social, daí surge a necessidade de construirmos um
Direito Penal adequado à população brasileira e ao nível de desenvolvimento desta, destinando o Direito Penal ao absolutamente indispensável na seara sodaL
Entende-se, portanto, que o princípio da culpabilidade deve servir de proteção à pessoa contra os abusos punitivos do Estado, cabendo inicialmenteao membro do Ministério Público exercer esta função de proteção do cida
dão, consistente em não iniciar o processo penal, e, se iniciado, a função degarantia destes direitos passa ao juiz.
Tendo sido reconhecida a responsabilidade como elemento do conceitode delito, pode-se entendê-la como sendo a “base da imposição da pena, pois
esta, além das finalidades preventivas, deve indicar na pessoa do sujeito a ne
cessidade e adequação da sanção a ser imposta”553, e vimos que a culpabilidadeainda continua sendo seu pressuposto fundamental, ainda que por si só não
baste para o reconhecimento da responsabilidade, necessitando a presença da
exigências preventivas de pena.
553 CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito pena / brasileiro, p. 37-38.
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2 2 4 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e i t o P e n a l
Nesta construção é parte integrante do pressuposto necessidade preven
tiva de pena, as concepções dadas pelas teorias da prevenção geral e especial
positivas. A prevenção geral negativa» que é aquela consistente na idéia de quea aplicação da pena intimida o cidadão, motivando-o a não praticar delito., fica
afastada de adoção na estrutura proposta.
Neste aspecto divergimos da construção roxiniana e, ao longo do traba
lho, já havíamos nos manifestado a respeito, por entender que a intimidação à
sociedade macula as liberdades próprias do regime democrático de direito,
necessariamente ao incutir medo na população, constituindo-se como um fim
da pena absolutamente ilegítimo, assegurando a “tendência ao terror esta
tal”554, razão pela qual perfilamos o sistema penal apenas a partir dás exigências preventivas positivas, geral e especial.
Acerca das necessidades preventivas geral e especial positivas, estas então
fundamentam a pena e terão como limite critérios advindos da política criminal
em consideração às particularidades de cada povo e nação. Destarte, as mazelas
sociais típicas dos países latino-americanos e outros de 3o mundo, serão levadas
em consideração a favor desta população face à vulnerabilidade; portanto, quan
do maior a vulnerabilidade da pessoa, menores serão as necessidades de pena, demaneira que um Estado negligente no trato das questões sociais não se volte
justamente contra aqueles que experimentam os dissabores da indignidade hu
mana. Este pensamento coaduna-se com o preâmbulo da Constituição brasilei
ra e com os fundamentos do Estado Democrático de Direito admitido no Brasil.
Disto resulta que o Direito Penal tem além d& função preventiva, uma
função social em relação aos delinqüentes, voltada à prevenção socializadora
ou ressocializadora (prevenção especial positiva).
Como bem afirma Roxin, “não se pode afirmar que a ressocializaçãonão seja possível enquanto não for tentado tudo o que pode ser feito no
sentido de uma aprendizagem social bem sucedida e do afastamento de
efeitos dessocializadores”555.
Ainda, “a boa política criminal consiste, portanto, em unificar da melhor
maneira possível a prevenção geral, a prevenção especial centrada na integração
554 ACHENBACH, Hans. Imputación individual, responsabilidad, culpabilidad. E l sistema moder-no del derecho p en al: cuestiones fundamentales, p. 139.
555 ROXIN, Claus. Sobre a evolução da política criminal na Alemanha após a II guerra mundial, p. 24.
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social e a limitação da pena decorrente do Estado de Direito”556. Neste sentido,
a idéia de reparação no sistema sancionatório atende as três finalidades centrais
e especificamente restabelece a ordem jurídica e a força impositiva do Direito,comprovada de modo claro para a população, sem se falar que o autor é forçadoa debater-se interiormente com o fato e com as suas conseqüências, inclusive emcolaborar com a vítima por meio de prestações, e, portanto, de atuar ele próprio
de modo ressocializador. A reparação evita os efeitos dessocializadores de outras
sanções, propiciando mais uma vez a ressocialização557.
5.4.2 A ESTRUTURA DA CULPABILIDADE
Afirma Roxin que o sujeito atua culpavelmente quando realiza um in justo penal, em que pese a existência de acessibilidade normativa, ou seja, o
poder alcançar o efeito de chamada de atenção da norma segundo o seu estado
mental e anímico na situação concreta e possuir a capacidade de autocontrole,de modo que lhe era psiquicamente acessível uma alternativa de conduta (pos
sibilidade de decisão) conforme o Direito558.
A constatação de que o sujeito podia decidir-se por uma conduta orien
tada conforme a norma alcança-se através dos métodos psicológicos ou psiquiátricos (elementos volitivo e intelectual); ou seja, as restrições da capacidade
de autocontrole e sua gravidade são mensuráveis cientificamente.
Para explicar a afirmativa, serve-se Roxin da hipótese de que ultrapassar
o semáforo vermelho é crime. Um observador vê um motorista parado aguar
dando o sinal verde. Após alguns poucos instantes, o motorista avança o sinalvermelho porque precisa pegar um trem. Neste caso, está claro que o motoris
ta entendeu a declaração normativa “você tem que parar no sinal vermelho”, e
ele podia controlar o seu comportamento desde esta dedução. Logo, o sujeito
é acessível à norma. Em sentido contrário, se uma pessoa, por qualquer razão,
não tem condições de interpretar o significado do sinal vermelho, então ela
não é acessível à norma e não age com culpa559.
556 Idem, op. cit., p. 25.55 7 Idêntica compreensão se faz para a pena restritiva de direito na modalidade prestação de
serviço à comunidade.558 Schuld und schuldausschluss im Strafrech. Festschrift für G .A . M angakis, p. 240; eDerecho
penal, p. 792 e 807.559 Schuld und schuldausschluss im Strafrech. Festschrift für G .A . M angakis, p. 240.
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Esta acessibilidade normativa não se prova a partir do livre arbítrio, mas
sim a partir da idéia de que o sujeito possui capacidade de comportar-se con
forme a norma. Por esta teoria, não se diz que o sujeito poderia agir de outra
maneira, o que não se pode saber, mas sim que havia uma capacidade decontrole intacta, e com ela a acessibilidade normativa.
A liberdade e a sua consciência decorrem de uma convenção social, e exte-rioriza-se pela assertiva de que as pessoas que geralmente podem se orientar
pelas normas, possuem capacidade de decidir-se a favor ou contra seu cumpri
mento. Para Roxin, a suposição de liberdade é uma “regra social do jogo”560.
Desse modo, afirma-se que a culpabilidade compõe-se de dados em
pírico e normativo, e põe um limite ao poder punitivo do Estado. Logo, aculpabilidade é uma suposição de garantia da liberdade dirigida contra os
excessos punitivos do Estado. A capacidade geral de autocontrole e a aces
sibilidade normativa que com ela se produz são empiricamente constatá-
Vèis. Já a normatividade, isto é, a possibilidade de conduta, conforme o
Direito é atribuída.
5.4.2.1. A CAPACIDADE DE CULPABILIDADE
Elemento histórico e sempre presente nas formulações da culpabilidadeé o da capacidade do sujeito.
Hodiernamente, po r este elemento compreende-se a idéia de que o indi
víduo adulto é normal, logo será capaz de culpabilidade por reunir condições
para entender a natureza proibida de sua ação. Presyme-se, assim, ser ele por
tador de desenvolvimento biológico e normalidade psíquica.
Pelo teor da legislação brasileira, art. 27, do Código Penal, mister que o
indivíduo tenha completos 18 anos de idade. Aqui, entende-se que pessoas a partir desta idade compreendam, a partir das regras e máximas de experiência
e conhecimento da vida contemporânea, a natureza criminosa de suas ações, e
que possam se motivar pela prática de atos permitidos, portanto, dado bioló
gico. Também, não se pode olvidar o caráter de política criminal erguido en
torno desta idade, agora reforçado com a declaração da capacidade civil fixada
no art. 5o, caput , do Código Civil.
560 Schuld und schuldausschluss im Strafrech. Festschrift für C .A . Mangakis, p. 246.
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Senão o bastante, ao critério da idade penal deverão somar-se aspectosadvindos da normalidade psíquica. Acerca desta normalidade, expõe Juarez Cirino
dos Santos, que “a Lei penal brasileira pressupõe indivíduo portador de apare
lho psíquico tivre de defeitos funcionais ou constitucionais, capazes de excluirou de reduzir a capacidade de compreender a natureza proibida de suas ações,
ou de orientar o comportamento de acordo com essa compreensão”561.
A exceção à capacidade de culpabilidade se constatará, quando possível,
pelos métodos biológico e psíquico-normativo, lembrando-se que casos sur
girão em que não será possível diagnosticar, por exemplo, os estados psicológicos defeituosos562.
Por conseguinte, a capacidade penal é excluída para indivíduos que não possuam idade penal fixada pela Lei, como também será excluída ou reduzi
da em pessoas portadoras de transtornos mentais que impliquem na exclusão
ou redução da compreensão sobre o objeto da proibição. Aos sujeitos menores
de 18 anos e que realizarem injusto penal serão aplicáveis os dispositivos da
Lei n° 8.069/89 —Estatuto da Criança e do Adolescente.
Aos sujeitos maiores e declarados como absolutamente incapazes que prati
carem injusto penal, reconhecidos, portanto, como inimputáveis, conforme reda
ção havida no art. 26, caput, do Código Penal brasileiro, medida de segurança seráaplicada, devendo o mesmo ser internado em estabelecimento próprio e adequa
do, ou submetido a tratamento ambulatorial, conforme art. 96, do Código Penal.
Quanto às causas em espécie que acarretarem o reconhecimento do de
senvolvimento mental ou incompleto, estas não serão aqui analisadas por se
referirem, inexoravelmente, à área médica, além de serem, passíveis de cons
tantes aperfeiçoamentos e discussões.
Em continuação, é também possível graduar-se a capacidade de querer ecompreender, ou de agir conforme essa compreensão, determinada pela maior
ou menor dificuldade de dirigibilidade normativa pelo sujeito autor do injus
to563, conforme disposição contida no art. 26, § único do Código Penal. Tra
tam-se, em suma, de perturbações da saúde mental e situações congêneres que
561 A moderna teoria do fato punível, 4a ed., p. 212.562 ROXIN, Claus. Derecho pen al, p. 823.
563 Santos. Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato puníve l, 4a ed., p. 217.
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não impossibilitam totalmente o sujeito de dirigir-se conforme preceitua a
norma, e assim são declarados pelo corpo de perícia médica.
Diferentemente da situação jurídica atribuída ao inimputável, este dispositivo legal contempla para estes indivíduos autores de injusto penal a redução
obrigatória da pena, dada a manifesta capacidade relativa ou reduzida de culpa bilidade, ex vi do parágrafo único do art. 26, do CP. Em obediência a esta
particular anomalia do estado mental tanto poderá o sujeito cumprir a pena
privativa de liberdade, ou em outras palavras ser submetido à regra processualatribuível ao imputável, p. ex. o cumprimento dos dispositivos colacionados
pela Lei dos Juizados Especiais Criminais —n° 9.099195, como também pode
rá ser objeto de medida de segurança fixada em sentença judicial.
Sublinha-se que tanto a inimputabilidade ou semi-imputabilidade do
sujeito, deverá ser auferida no momento em que ele realizar a ação ou omissão,em obediência à regra fixada no art. 4o, e repetida no art. 26, do Código Penal.
Por fim, e propositadamente, deixo de adentrar à análise pormenorizada dosestados anormais e suas correspondências com a inimputabilidade ou semi-impu
tabilidade por se tratarem de temas médicos e ainda em franco desenvolvimento.
5.4.2.1 .1 . A ACTIO LIBERA IN CAUSA
A actio libera in causa (alie) é o instituto penal em que se atribui respon
sabilidade penal ao sujeito, seja a título de dolo ou culpa, que deliberadamen
te (dololculpa) se posicionou em situação de anormalidade mental, ou
anormalidade motivacional, ou de ausência de liberda<|p, no momento da ação
ou da ação delituosa. Ou seja, ainda que no momento da prática da ação ou
omissão delituosa ainda assim o indivíduo será considerado capaz de culpabi
lidade. Não obstante ao indicado até aqui, a estrutura da alie pode ser estruturada em dois tempos: pelo primeiro tempo, o sujeito provoca dolosa ou
imprudentemente uma situação defeituosa, seja a de incapacidade de culpa
bilidade, seja a de incapacidade de ação. Imediatamente em seguida, portanto,segundo tempo, o sujeito ataca, sob este estado defeituoso, o bem jurídico.
Não se trata de reconhecer a responsabilidade penal objetiva da pessoa,mas sim de se compreender buscar a fundamentação a partir de regras dog
máticas que legitimem a intervenção do Direito Penal.
A primeira teoria esboçada pela doutrina argumenta que se trata de uma
exceção à capacidade do sujeito —teoria da exceção — ausnahmenmodell , que
deveria ser auferida no momento da atividade (arts. 4o e 26, do Código Penal
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brasileiro) com base na regra no direito consuetudinário. Pune-se, pois, o su
jeito pela conduta realizada durante a embriaguez, sem se olvidar, paralela
mente, que no curso desta ele ainda não era inimputável.Tal como se mostra a primeira vista, esta teoria é insustentável. Primeiro,
porque a regra consuetudinária incriminadora não pode se sobrepor ao princípio da legalidade, nullum crimen sine lege. Ademais, esta concepção teóricadispensa a conexão causai da conduta prévia com o resultado como base da
imputação. E mais, o dolo e a culpa perdem a sua relação com o fato e não poderão fundamentar uma reprovação de culpabilidade pelo fato. Neste as
pecto, significa o mesmo que punir o sujeito por suas atitudes internas, ou pelo cometimento da ação defeituosa564.
Sob outra concepção é construída a teoria do tipo, Tatbestandsmodell , mo
delo do injusto típico ou de tipicidade. Por ela, consiste-se em aplicar as regras
gerais da imputação delitiva, independentemente na formulação do conceito
analítico do crime, sendo que é por meio da ação precedente (actio praecedens) é
a que reúne os requisitos. Noutras palavras, “teoria do tipo fundamenta a atri
buição do resultado típico ao autor no momento de capacidade de culpabilida
de anterior ao fato, como determinação de resultado típico doloso ou imprudente —e não no momento posterior (de incapacidade de culpabilidade) do fato”565.
Ainda assim, esta construção teórica permite a formulação de críticas, em
especial a que considera atos executivos fatos que em realidade não podem supor
um perigo para o bem jurídico. Em verdade, a questão dependerá para a sua
resolução da teoria da tentativa que se adote, pois se se utilizar a teoria subjetiva,
a simples ingestão de substância já seria vista como início da tentativa. Em con
trário, se for manuseada a teoria objetiva, nada poderia ser imputado ao sujeito.Diferentemente, se se adotar a teoria objetivo-subjetiva, pois aqui devem-se
conjugar ambos critérios. Inicialmente, o plano de ação do autor deve ser valorado
externamente e objetivamente, para em seguida considerar a situação e conheci
mento do autor. Isto acarreta a compreensão que o sujeito somente poderá ser
objeto de Direito Penal quando a partir da realização de sua ação (alie) aproxi
564 ROXIN, Claus. Derecho penal, op. cit, p. 850-851, e SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato pu níve l, p. 220-221. Acerca da ação defeituosa: Ujala Joshi Jubert, La doctrina de la actio /ibera in causa en derecho penal, p. 279.
565 SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, p. 220.
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mar-se de lesionar o bem jurídico. E mais, não é toda provocação da situação
defeituosa que se convola automaticamente em ação de, tentativa, sendo certo que
além da provocação relevante devem estar igualmente presentes os demais requi
sitos da tentativa566. Adotar-se entendimento que não este significará punir-se osatos preparatórios, e estes, em regra não são puníveis a partir da teoria do delito.
5.4.2.2 A c o n s c i ê n c i a d o i n j u s t o
A priori, por este requisito, o sujeito sabe que o que fez não é juridica
mente permitido567. Porém esta formulação é imprecisa e nitidamente formal,merecendo detalhamento sobre o objeto da consciência da ilicitude.
Sobre o tema, sustenta Roxin que para a consciência da ilicitude não basta a consciência da danosidade social, ou a contrariedade sobre a moral da
própria conduta, ou a consciência da punibilidade568. Neste aspecto, inclusi
ve, afirma que a consciência da antijuridicidade se vinculará com a consciência
da punibilidade, pois o cidadão comum em regra não consegue distinguir os
ramos do Direito, e entende a proibição na maioria das vezes como proibição
jurídico-penal569. Para o citado autor, e com apoio do BGH, a consciência daantijuridicidade existe quando o sujeito reconhece como injusto a específica
lesão do bem jurídico protegido pelo tipo respectivo570.Outra importante teoria sobre o tema é a representada por Harro Otto,
citada por Juarez Cirino dos Santos571, e vista aqui como a correta a ser segui
da. Nesta, a punibilidade do fato é o objeto do conhecimento do injusto.
Logo, consciência do injusto significa o conhecimento da punibilidade do
comportamento por meio de uma norma legal positiva. Significa dizer que o
sujeito para ter contra si reconhecido este elemento da culpabilidade ao atuar
deve ter consciência de que infringiu uma proibição penal, ainda que não selhe exija o conhecimento preciso da norma violada572.
Precisa é a constatação feita por Juarez Cirino dos Santos ao reconhecer
que a teoria representada por Claus Róxin em verdade se iguala à sustentada por
566 JOSHIJUBERT, Ujaia. La doctrína de Ia "actio libera in causa" en derecho penal, p. 377 e ss.567 ROXIN, Claus.Derecho penal, p. 866.
568 Derecho penal, p. 866.569 Idem, p. 868.
570 Idem, p. 869.
571 A moderna teoria do fato punível, p. 228.572 Idem, p. 228.
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2 3 2 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o P e n a l
Decompondo com maior precisão os conceitos, identificam-se causas de
exclusão da culpabilidade e de ausência de necessidade de prevenção ou das
exigências preventivas de punição.Fala-se em causa excludente da culpabilidade em se verificando circuns
tâncias que atestem totalmente a incapacidade de culpabilidade, v.g. a inim- putabilidade, ou o erro invencível de proibição, pois nestas causas o sujeito é
incapaz de dirigir-se conforme a determinação normativa, ou de conhecer a punibilidade do fato.
5.5.1. A AUSÊNCIA DE IMPUTABILIDADE
Tal como já apreciado anteriormente acerca da imputabilidade, ela é presumida ao sujeito normalmente, e se exclui excepcionalmente. Sobre a
exclusão, os peritos médicos terão que dizer até que ponto o sujeito era aces
sível à norma no momento do fato; ou seja, se a norma jurídica teve a possibi
lidade de surtir efeito no processo de motivação do sujeito. Em suma, a
inimputabilidade depende da falta de capacidade de controle, que, por sua
vez, é conseqüência da falta de capacidade de compreensão.
Da inimputabilidade resulta que a aplicação do Direito Penal é desne
cessária e inadequada quando a suposição de que uma pessoa era motivável pelo Direito resulta infundada pelo seu estado mental ou anímico, ou pelas
circunstâncias da situação. Isto ocorre com as pessoas mentalmente enfermas
ou gravemente perturbadas em sua capacidade de motivação, ou que não reu
niam condições de alcançar ou conhecer as normas. Se elas infringem a lei, não
se defrauda nenhuma expectativa social e a consciência social não se comove.
Para a exculpação, exige-se do sujeito a não provocação culpável, e se
nega a inimputabilidade quando defeitos de caráter ou deslizes morais conduzem ao fato575.
5.5.2. O e r r o
O erro que recai sobre a consciência da ilicitude, é aquele em que osujeito se equivoca sobre a proibição específica do tipo. Ainda sobre ele, como
causa de exclusão da culpabilidade, há de se entender que quem não tem a possibilidade de anuir ao conhecimento da norma, ou o conhecimento sobre a
575 . ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 830.
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punibilidade do fato, não é normativamente exigível, e assim não pode ser
considerado culpável576. Já quanto à reprovação, esta surge quando o agente
desatende conscientemente proibições e mandatos jurídicos.Partindo-se da adoção da teoria limitada da culpabilidade, o erro poderá
recair sobre a existência de uma proibição; sobre a existência ou os limites de
uma causa de justificação; de subsunção ou de validez.
Acerca do primeiro, que a propósito é o clássico erro sobre a culpabilidade,
ele estará presente quando o sujeito representa positivamente que não atua de
modo antijurídico, ou quando lhe falta a consciência da antijuridicidade por
nunca ter refletido sobre o fato tido como ilícito. Em suma, o erro de proibiçãocaracteriza-se pela falta de compreensão de que o sujeito fez algo injusto577.
Acerca do erro sobre a existência ou os limites de uma causa de justifica
ção, ocorre na hipótese em que o sujeito imagina uma causa de justificaçãoque em verdade não existe. Ocorre, também, na situação em que o sujeito
ultrapassa o limite havido para uma causa de justificação existente no ordena
mento positivo.
Traduz-se o erro de subsunção como sendo um erro de interpretaçãoque recai sobre um elemento típico. Esta modalidade de erro, conforme o caso
pode ser inserido também como sendo erro de tipo. No âmbito da culpabili
dade, ele recairá sobre conceitos normativos complexos, e a interpretação con
creta a ser feita indicará a permissão ou proibição de uma conduta.
Por fim, quanto a espécie erro de proibição pelo erro de validez, o sujeitoconhece a norma proibida, e até mesmo em muitos casos a própria lei penal
incriminadora, porém a considera nula, isso em adoção de uma argumentação
teórica, e realiza a conduta antijurídica.
Diferente é a denominada consciência eventual de antijuridicidade, pois
nela o sujeito encontra-se em dúvida acerca da permissão ou proibição de sua
conduta, ou sobre os limites jurídicos da causa de justificação. O entendimento
dominante é o de que o sujeito terá reconhecida a sua culpabilidade, em razão
de que representando que cometeria um injusto ainda assim realiza a sua con
576 O erro sobre a punibilidade do fato pode recair sobre todo o tipo penal; ou em parte deste, na hipótese em que o tipo penal exemplifique lesão a mais de um bem jurídico, ex. roubo; ou ainda quanto à circunstância qualificadora do respectivo tipo penal.
577 ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 871.
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duta, esta posição não se insere nas hipóteses de erro de proibição578. Porém,também é verdade que há entendimento de atenuação ao sujeito, no que se
refere ao Direito Penal especial, à hipótese dele poder consultar úm advogado
ou de poder buscar a resolução de sua dúvida através de outra fonte de pesquisa.
Exceção a esta regra se dará na hipótese em que o sujeito identifica dois
comportamentos puníveis, o qual um deles ele necessariamente deverá reali
zar. Cita-se o exemplo de um policial que não sabe se pode ou deve impedir a
fuga de um criminoso para o estrangeiro mediante o disparo de arma de fogo,
pois se o atingir poderá ser imputado por lesões corporais, e se não atirar
significaria favorecimento pessoal. Não haverá punição por aplicação do erro
de proibição inevitável579.Pela regra contida no art. 21, do Código Penal brasileiro, o erro de proi
bição inevitável exclui a culpabilidade, pois se o sujeito não pode alcançar o
conhecimento do injusto, logo ele não será acessível para o mandato normati
vo. Ainda, também assim o será quando o agente possua razões sensatas para
supor o caráter permitido de seu fato.
Destarte, se evitável, a culpabilidade será diminuída. Aqui o que se dis
cute é que o erro evitável acontece freqüentemente durante a comissão dofato, e que para buscar a reprovação do sujeito tem-se que socorrer a uma
provocação culpável e anterior à realização do fato. Ou seja, se indaga se é um
retorno à culpabilidade de autor ou pela condução de vida.
5.5.3. A COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL E A OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA
Estas causas de exculpação estão elencadas no art. 22, do Código Penal.
Pela coação moral irresistível entende-se como o emprego de força ou ameaça
idônea, atual ou iminente, séria, contra o sujeito, não suprimindo-lhe a vontade,a fim de que este realize um injusto. Destarte, entende-se que o emprego de
força física, vis absoluta, para que o coagido pratique o injusto significa subtrair-
lhe a própria vontade, e portanto faz desaparecer a própria ação ou omissão.
Para reconhecer-se esta causa exdudente mister que a força ou ameaça
utilizada em desfavor do coagido para que este realize o injusto seja irresistí
578 Neste sentido: Claus Roxin, Derecho penal, p. 875. Sobre o tema, refere-se juaírez Cirino dos Santos, A moderna teoria do fato punível, p. 231, denominando-o de "conhecimento condicionado do injusto".
579 ROXIN. Derecho penal, p. 875.
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vel, insuportável, assim declaradas pela conjugação de fatores objetivo e subje
tivo. Pelo primeiro, apura-se o teor da força ou ameaça empregada pelo coator.Em seguida, considera-se a influência desta força no psiquismo do coagido.
Pela obediência hierárquica, instituto advindo das relações de direito público, em especial de Direito Administrativo, quando se refere à relação desubordinação entre agente superior e inferior. O objeto central desta temática
é a ordem, que pode ser expressa através de comunicações oficiais, tais como
instruções, memorandos etc., como também poderá ser verbal.
A ordem, portanto, trata-se de verdadeiro ato administrativo, e a ela de
vem se referir os atributos deste, tais como competência, objeto lícito etc.Impõe-se, em particular, o princípio da hierarquia e sua devida obediência,
desde que presente a legalidade.
Tem-se como causa de exculpação na hipótese em que o subordinado cumpre
ordem dada pelo agente superior hierárquico, e em razão desta obediência realiza
um injusto. Estará o agente inferior hierárquico acobertado quando a ordem nãofor reconhecidamente ilegal, havendo dúvidas que deverão ser idôneas. Nesta
hipótese, há de se imputar apenas ao superior a prática do injusto e sua
culpabilidade. Tradicionalmente, sustenta a doutrina que esta cláusula deexculpação advém da inexigibilidade de conduta diversa580.
Porém, e até mesmo antes disso, não se pode olvidar que quando o infe
rior hierárquico cumpre a ordem não manifestamente ilegal, em verdade, ele
não será culpável por desconhecer a ilicitude constante na ordem, ou por não
ser acessível a ela.
A questão que surge é a de apurar o âmbito dê conhecimento do inferior
quanto à ordem ilegal, e sua adesão, o que necessariamente impõe ao julgador
uma reflexão maior.
Já na hipótese da ordem ser manifestamente ilegal e a ela aderir o inferiorhierárquico, vindo a realizar o injusto, não se admitirá exculpar o fato, reco-
nhecendo-se o dolo perpetrado e a conseqüente reprovação.
5.5.4. O MOTIVO DE co n sc iên c ia
Sem pertencer à tradição jurídico-penal brasileira, o motivo de consciência
como causa de exculpação encontra aceitação e proteção em nosso ordenamento
580 SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, p. 255.
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jurídico conforme disciplina contida no art- 5o, VI e VIII, da ConstituiçãoFederal. Relaciona-se o motivo de consciência com a liberdade de crença. Aqui
as decisões da pessoa vinculam-se, necessariamente, à obediência às ordens morais ou religiosas. Ou seja, a norma constitucional assegura à liberdade de crençae de consciência liberdade de formação e manifestação, limitando-a apenas emrespeito a outras garantias fundamentais, tais como a vida, a liberdade, a integridade corporal, a paz interna, o respeito do Estado Democrático de Direito etc.
No âmbito penal, a questão ganha importância quando o sujeito realizao injusto penal movido por pressão psíquica consistente no dever de obediência de um sentimento interior. Isto é, diz-se que esta causa tem caráter exis
tencial, revelado pelo sentimento interior da pessoa de estar incondicionalmenteobrigada a realizar determinada conduta fiel a sua consciência.
Entre nós, a questão periodicamente surge na mídia envolvendo pessoas
adeptas da religião Testemunhas de Jeová, em razão de que nesta crença não se permite a transfusão de sangue, e nestes casos há a recusa dos genitores em permitir que filho seja submetido a ela.
Para Roxin, “um fàto realizado por motivos de consciência deve resultarnecessariamente impune quando seu castigo atenta contra a liberdade consti
tucionalmente garantida”581.
Em verdade, assiste razão a Roxin a partir da consideração de que o
Estado Democrático de Direito não apenas defende o pluralismo político,ideológico e religioso, como também não deve apenas proteger esta liberdadeno âmbito formal. A demonstração da tutela desta liberdade não permite queseja a mesma valorada, apenas constatada em virtude da neutralidade ideoló
gica assumida pelo Estado Democrático de Direito.
Desde a visão clássica da culpabilidade, o sujeito seria culpável se agissesob o motivo de consciência, isso porque poderia o mesmo agir de outra ma
neira582. Como já ressaltado anteriormente, este critério advém de uma ficção
581 Derecho pen al, p.943.582 Sobre este tema, ressalta Juarez Cirino dos Santos, com apoio na doutrina alemã, que a isenção
de pena do fato de consciência é controvertida."Por um lado, exclui a tipicidade, se existealternativa neutra de proteção do bem jurídico, ou exclui a antijuridicidade, porque o exercíciode direito fundamental não pode ser antijurídico; por outro lado, não exclui a antijuridicidade,
porque decisões de consciência contrárias ao direito não podem ser antijurídicas. Na dogmática contemporânea, atitudes contrárias ao direito —expressão do princípio democrático da maioria - não são autorizadas, mas podem ser exculpadas por situações anormais exdudentes ou redutoras da dirigibilidade normativa". Moderna teoria do fato punível, p. 261-262.
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e se orienta pelo entendimento dos demais membros da sociedade, aproxi-
mando-se da autodeterminação moral em repúdio às bases de um Direito
Penal democrático. A sua não-admissão anularia a decisão de consciência emfavor de determinada ideologia. Não considerando o agente culpável, salva-
guarda-se a liberdade individual frente aos interesses da coletividade.
5 .5 .5 A DESOBEDIÊNCIA ClVIL
Fruto também das liberdades públicas próprias do Estado Democrático
de Direito, é a possibilidade de pessoas realizarem ações de protesto, tais comoinvasões, ocupações ou bloqueios contrários às regras estabelecidas com o ob
jetivo de formação de opinião pública em questões de interesse, ou defesa do bem comum. Esta causa decorre do direito fundam ental do ato de manifestação, art. 5o IV, c.c. XVI, da Constituição Federal.
Em regra, estes atos são realizados por minorias que podem realizar oinjusto, mas que não devem ter os seus sujeitos reprovados penalmente, isso
em virtude da desobediência civil servir como causa de exculpação da respon
sabilidade penal583.
Nestas aparentes novas causas de exculpação da responsabilidade penal, percebe-se um a diminuição da culpabilidade que une-se à falta de necessida
de preventiva de punição. Sobre elas, pode-se dizer que a culpabilidade, além
de estar prevista na Constituição Federal, está solidamente constituída noâmbito dogmático jurídico-penal, e a partir do desenvolvimento da sociedade
e da multiplicação das relações entre os seus componentes, novas situações poderão fundamentar a criação de um a nova causa de exclusão da responsabi
lidade, servindo-se dos postulados estabelecidos pelo princípio da utilidade
ou proveito social preponderante.Soma-se a isso a percepção de que estes injustos são mínimos desde o
âmbito da ofensividade, como também a consciência pública não vê abalada a
motivação sobre a norma com a ocorrência destes fatòs, sem se falar que os
sujeitos da desobediência, em regra, não são criminosos.
Especificando o tema, urge deduzir que estas “novas” causas são de natureza extrapenal e não supralegal, e suas verificações não devem partir do poder
agir de outra maneira, mas sim se a atuação antijurídica, evitável e culpável do
583 ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 953-954.
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agente precisa de pena. Sobre esta, será resolvida a partir de considerações
político-criminais relativas aos fins da pena e estabelecidas em lei.
Afirma Roxin, “que o juiz não está impossibilitado de apreciar hipóteses
de exclusão da responsabilidade quando parâmetros valorativos que devam serextraídos da lei vigente permitam reconhecer com segurança a falta de necessidade preventiva de pena”584.
Noutro sentido, estas causas são verificadas quando exigências político-
criminais atestam a desnecessidade da pena, pois nestes casos, a pena não re
sulta exigível desde os pontos de vista das prevenções gerais e especiais. Nestas,
percebe-se uma certa culpabilidade, um mínimo de liberdade de decisão, v.g.
a desistência voluntária, art. 15, do Código Penal, pois o autor, por impulso próprio e sem ter consumado o seu intento, retoma à situação de normalida-
de-legalidade e, com isso, desde o ponto de vista preventivo-geral e preventivo
especial, não existe exigência alguma suficiente de sanção penal para o resul
tado então pretendido, isso em manifesto emprego de considerações político-
criminais relativas aos fins da pena.
Não se pode deixar de anunciar que há uma certa contradição afirmar-se
que uma determinada causa exclui a punibilidade, quando em verdade ela
tem o seu fundamento na responsabilidade. Por sua vez, a culpabilidade tradicional não pode alcançar esta questão porque há de se reconhecer que ela
está presente, restando apenas excluir a punibilidade ao argumento de aqui
adotar-se razões de política criminal.
5 . 5 . 6 O CONFLITO DE DEVER ^
Ao discorrer sobre o tema conflito de deveres e sua inexigibilidade, leciona
Juarez Cirino dos Santos tratar-se de casos em que o sujeito escolhe o mal
menor, e, em face desta anormalidade de situação, há de se entender que estaação ocorreu em situação de exculpação supralegal585. Os exemplos de extermí
nio dos doentes mentais graves para salvar a minoria dos doentes mentais, sem o
que todos seriam mortos; ou a da escolha pelo agente ferroviário, que desvia
trem de carga desgovernado para a direção onde há alguns trabalhadores, eis que
se assim não o fizesse ele se chocaria com trem de passageiros, causando maior
584 Derecho penal, p. 961.585Moderna teoria do fato pu níve l, p. 263-264.
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número de mortes e feridos; ou, por último, do médico que substitui paciente
com menores chances de sobrevivência por paciente com maiores chances de
sobrevivência em máquina de respiração artificial, são situações de conflito de
deveres e que são tratadas como estado de necessidade exculpante586.Contudo, ouso divergir destes ensinamentos. Nas hipóteses que se amol
dam sob esta rubrica não existe a possibilidade de eliminar o perigo, toman-
do-se por referência o exemplo do trem. O que de fato fez o sujeito foi diminuir
a potencialidade do dano já previamente existente. Logo, esta ação é benéfica
para o bem jurídico. Não se trata aqui de excluir a culpabilidade, mas sim de
negar a causalidade do dano efetivamente havido (morte de trabalhadores) ao
sujeito. E m verdade, o que ele fez foi diminuir o risco e, por conta disso, e em
adoção à teoria da imputação objetiva, há de se negar a causalidade, e, portan
to, o próprio tipo penal objetivo587.
5 .5 .7 O ESTADO DE NECESSIDADE E A LEGÍTIMA DEFESA EXCULPANTES
O estado de necessidade exculpante não se confunde com o justificante.
Neste, o sujeito comete um fato típico para proteger a si ou outrem, de um
perigo que não pode ser evitado de outra forma, e que não criou, desde que o
bem jurídico ofendido seja de mesma importância ou menor do que aquele
bem protegido. Em suma, há uma ponderação de interesses.
Como representante do finalismo no Brasil, sustentava Francisco de Assis
Toledo sobre o estado de necessidade exculpante, cujo reconhecimento se dá quando
o bem sacrificado for de igual ou maior importância ao bem protegido e circuns
tâncias do fato revelarem um quadro de inexigibilidade de outra conduta588.
Em breve análise do Código Penal brasileiro, é certo que ele adotou apenas
o estado de necessidade justificante, em obediência à teoria unificadora, confor
me se depreende dos arts. 23, II e 24. Contudo, noutro sentido seguiu o CódigoPenal Militar brasileiro, Decreto-Lei n° 1.001/69, pois em adoção da teoria
58 6 Idem, op. cit., p. 263-264. Citando o mesmo exemplo da "eutanásia" de Hitler, ver Hans Welzel, Derecho penal alemán, p. 256.
58 7 No mesmo sentido, Luís Greco, Um panorama da teoria da imputação objetiva, p. 36. Expressamente revela o autor que "alguns poucos autores, mesmo entre os adeptos da imputação objetiva, recusam de todo a idéia de diminuição do risco, considerando tais hipóteses casos de estado de necessidade". Acerca da diminuição do risco como causa excludente da imputação, ver Roxin, Derecho penal, p. 365.
588 Princípios básicos de d ireito pena l, p. 178.
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diferenciadora descreveu o tipo de estado de necessidade justificante no art. 43,
e o exculpante no art. 39. Reza a norma sob a rubrica “Estado de necessidade,
com excludente de culpabilidade”: Art. 39. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas rela
ções de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao
direito protegido, desde que não lhe era razoàvelmente exigível conduta diversa.
Da simples leitura do tipo exculpante pode-se atestar que o sujeito tem
presente a culpabilidade, ele tem liberdade de autodeterminação conforme a
norma, porém assim mesmo tem isenção de pena. Diga-se que a concepção
tradicional defende a isenção da pena em razão da redução da capacidade de
conduta conforme a norma, ou seja, em razão da pressão anímica, e também
pelo fato de, mesmo tendo lesionado um bem jurídico, ainda assim outro foi
protegido, e não por ausência de necessidade preventiva de punição.
Desdobra-se que, havendo a proteção de um bem jurídico, reduz-se o
injusto realizado, e com isso e imediatamente, a sua culpabilidade. Logo, esta
dupla redução acarretaria a impunidade589.
Discute Roxin se a redução do injusto seria um critério central para a isençãode pena, pois “a quantidade do injusto realizado não depende unicamente do que
o agente preserva, senão da magnitude do plus de bens jurídicos que lesiona”590.
A legítima defesa só justifica aquelas ações necessárias para repelir um
ataque antijurídico atual ou iminente, desde que o ofendido tenha optado£
pela lesão menos ofensiva ao agressor. Contudo, se ele ao se defender ultrapas
sa os limites da proporcionalidade e de tempo, atua antijuridicamente. E mais,
se presentes os demais requisitos do delito, o sujeito será punível.Acerca da legítima defesa exculpante, opera-se na hipótese em que há o
excesso sobre a causa justificante, devido a alterações no psiquismo do sujeito.
Estas ocorrerão por medo, susto ou perturbação, também chamados de afetos
astênicos, ou fracos591.
Por assim dizer, são também consideradas causas de exculpação da res
ponsabilidade criminal o estado de necessidade exculpante, a legítima defesa
589 ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 898-899.590 Idem, p. 899.
591 SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, p. 255-256.
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putativa exculpante (art. 20, § I o, do Código Penal brasileiro), e o excesso delegítima defesa por confusão, susto ou medo, contudo se perdoa o autor592.
E mais, na parte especial do Código Penal brasileiro, pode-se tambémafirmar que o § 2°, do art. 348, é uma causa de extinção da responsabilidade
penal, porque nela há uma situação de conflito interno que dificulta a motivação e a imposição de pena, sendo esta prescindível desde a perspectiva preventiva, pois não há a demonstração de uma atitude hostil ao Direito.
E certo que estes estados implicam na redução dos controles psicológicosque toda pessoa normal possui, e por natureza não são controláveis conscien
temente. Diferentemente, os afetos estênicos ou fortes, que são estados deatividade, de força física, tal como o ódio ou a ira, que considerados isoladamente não exculpam, porém se concomitantes com os afetos astênicos, e com
preponderância deste, em razão destes se dará a exculpação.
Leciona a doutrina que o excesso de legítima defesa pode ser classificado
de acordo com os âmbitos objetivo e subjetivo. No aspecto objetivo, o excesso poderá ser intensivo ou extensivo. Já no aspecto subjetivo, poderá ser inconsciente ou consciente.
O âmbito objetivo intensivo caracteriza-se pela exteriorização do excesso, notadamente pela desproporcionalidade, p. ex. na utilização do meio necessário à defesa, seja ele inconsciente ou consciente, desde que produzidos
pela interferência dos afetos astênicos.
Pelo excesso extensivo, o mesmo é determinado, v.g. pela não coincidênciatemporal entre a repulsa (defesa) e aquela que seria a injusta agressão. Ocorre que situação como esta não revela a presença de causa justificante precedente,
notadamente pela não verificação da presença de seus requisitos, ex v i do art. 25,do Código Penal brasileiro, e isso, por si só, impede a constatação de possívelexcesso. Ou seja, se o fato praticado for manifestamente oposto aos requisitos dalegítima defesa, exdui-se não apenas a inddênda da causa de exculpação, comotambém o próprio antecedente analítico, qual seja a causa justificante593.
Quanto ao aspecto subjetivo do excesso de legítima defesa, tal como já
apontado adm a, sustenta a doutrina majoritária que ele será inconsdente (culpa)
592 ROXIN, Claus. Causas de justificacion, causas de inculpabilidad y otras causas de exclusion de la pena. CPC, n2 46, 1992, p. 191.
593 No mesmo sentido, Juarez Cirino dos Santos, A moderna teoria do fato puníve l, p. 256-257, e Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de derecho penal, p. 527-528.
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ou consciente (dolo), destacando-se a dificuldade de distinguir uma hipótese da
outra em casos de necessidade de ação rápida, e condicionada sob o medo, sus
tou ou perturbação. Nestes casos ocorrerá a exculpação pela redução da capaci
dade de compreensão e controle594. Frisa-se que a culpabilidade está presente,
ainda que diminuída, e ainda assim sequer atingiu-se a necessidade mínima de
impor-se pena. Em sentido semelhante ao lançado aqui, sustentam Jescheck e
Weigend, que no excesso de legítima defesa por perturbação, medo ou pânico,
“o desvalor do resultado diminuiu sobre a base do valor que supõe o bem jurí
dico protegido pelo autor, o desvalor da ação está amplamente compensado pela
situação defensiva e a vontade de salvação, e a culpabilidade se mostra desta
forma sob uma luz distinta de modo que a turbação, o temor ou o pânicodificultaram essencialmente a formação de uma vontade adequada à norma”595.
Destarte, se reconhece a incidência da causa de exculpação apenas para o
excesso inconsciente, pois se o defensor ultrapassa conscientemente a medida
da defesa necessária ou seus limites temporais, então ele será responsável por
um fato doloso596.
Percebe-se da análise atenta sobre estas causas, que elas não pertencem a
uma situação prévia, ao contrário, aproximam-se da pena, em razão de que elasocorrem após a constatação de que a culpabilidade do agente está presente.
Pode-se assim dizer que, somente um comportamento culpável
(Schuldhãftes Verhalten) é merecedor de pena (strafwürdiges Verhalten)
se exigências político-criminais de punição assim o demonstrarem.
Nota-se que este posicionamento é diverso da doiitrina finalista que ba
seia-se exclusivamente no critério ausência de culpabilidade para fundamen
tar a sua exclusão.
Já quanto ao excesso de legítima defesa, assevera que embora o direito
legislado brasileiro não o contemple por perturbação, medo ou susto (excesso
intensivo), tal como fez o StGB, a matéria comporta idêntica orientação. So
bre estas causas, afirma “não se poder falar em exclusão da ilicitude, por estar
ausente a moderação exigida. Não obstante, não se pode igualmente censurar
o agente pelo excesso, por não lhe ser humanamente exigível que, em frações
594 SANTOS, op. cit., p. 257.595 Tratado de derecho penai p. 528-529.
596 JESCHECK, Hans-Heinrich e WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 528.
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F á bio G u e d es de P a u l \ M a c h a d o - 2 4 3
de segundo, domine poderosas reações psíquicas - sabidamente incontomá-veis —para, de súbito, agir, diante do perigo, como um ser irreal, sem sangue
nas veias e desprovido de emoções”597.
Em conclusão quanto ao estado de necessidade e legítima defesa exculpan-tes, ocorre que o conceito tradicional traz junto a si algumas impropriedades ao
negar a culpabilidade, em especial quando tuna culpabilidade diminuída possa ser
afirmada (v.g. no caso de enfermidade mental), em se considerando que o autor
em determinada situação seja ainda normativamente suscetível de exigências e
tenha a possibilidade de eleger uma entre várias alternativas de comportamento.
De qualquer modo, para verificar-se a presença de uma causa de exclu
são da responsabilidade criminal, necessita que o sujeito esteja motivado nela,
sem o que o fato por ele praticado será punível.Segue que o que chamamos normalmente de exclusão de culpabilidade
é baseada na inexistência ou na diminuição de culpa, em parte também nas
considerações especiais e gerais sobre as possibilidades de uma desistência de
punição. Isso significa que para o reconhecimento da responsabilidade, tem-
se que juntar a culpa do autor e a necessidade de punição preventiva.
Esta concepção traz reflexos importantes para o fundamento dogmático do
Direito Penal, mas também para o alcance prático das possibilidades de isenção de
pena: sob o pensamento aqui exposto, a pena somente se justifica em havendo a
constatação de culpabilidade e de necessidade de prevenção. Isso significa, para o
cálculo da pena, que a culpabilidade é sua, e aquela não pode ultrapassar o grau da
culpa. Mas também uma pena, preventiva, tem que ser sempre indispensável.
Portanto a pena pode ficar abaixo do grau da culpabilidade, se por necessidades
preventivas, não se precisa usar todo o seu grau ou se ela não é indicada.
E ainda, permite-se explicar, com sucesso, as causas excludentes da responsa
bilidade subjetiva, a partir da constatação de que aspectos preventivos as envolve.5.6 A CULPAB ILIDADE INTEGRA O C ON CE ITO DE DEL ITO?
Ainda sobre a culpabilidade e a fixação da pena, uma pequena parte da
doutrina e da jurisprudência referem-se à primeira como pressuposto da pena,
não integrando, portanto, o conceito analítico de delito.
597 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de d ireito pena l, p. 330.
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Quanto à antijuridicidade, o art. 23, do Código Penal, expõe o rol das
causas excludentes da ilicitude, e afirma: “Não há crime quando o fa to é cometido
em legítima defesa etc. Conclui-se, assim, que a antijuridicidade integrado conceito analítico de delito. '
Por sua vez, o Código Penal ao disciplinar as causas excludentes da cul
pabilidade nos arts. 26, caput (inimputabilidade por doença mental) e 28, §
Io (embriaguez acidental), não afirma que “não há crime”. Ao contrário, diz
que “não há pena”: “E isento de pena quem(...)”. deduzindo-se então que a
expressão “é isento de pena” significa “não é culpado”, como se a lei estabele
cesse: “Não éculpado quem comete o crime(...)”.Por derradeiro, e citando o elemento da culpabilidade exigibilidade de
conduta diversa, este é um puro juízo de valor de que não recai sobre o fato,
mas sim sobre o sujeito, que podia agir de modo diverso ou conforme o Direi
to e não agiu, e ela é de elaboração do julgador. Portanto, não pertence à teoria
do delito. Neste raciocínio teórico, há crime quando o sujeito pratica o fato
acobertado por causa excludente da culpabilidade. Esta construção, muito
pessoal e típica dos citados autores brasileiros, não está isenta de críticas599.
E certo que a estruturação do delito parte do princípio da legalidade, ini
cialmente para estabelecer que o fato indesejado está previsto em lei, tipicidade.
Em segundo lugar, que também seja este fato antijurídico, isto é, contrário ao
Direito, e lesivo ao bem jurídico protegido. Até aqui, então, defrontamo-nos
com o Direito Penal do ato. E a declaração do ato como delitivo.
Conclui-se, até aqui, que o delito é um ente abstrato. Necessário agora,
atribuir o fato à pessoa, e tem a culpabilidade desde uma vertente clássica, a
função de conjugar o fato típico e antijurídico ao seu autor. E mais, concebero delito sem a culpabilidade toma impossível atribuir a pena ao sujeito.
Formalmente, a impropriedade do raciocínio reside em que a tipicidade
e a antijuridicidade também são pressupostos da pena, obviamente anteriores
599 É importante frisar que Hans Welze l, ideal izador do finalismo, sustentava a culpabilidade como elemento integrante do delito, Derecho pen al alem án, p. 197. Disso decorre que alguns brasileiros, aparentemente, adeptos do pensamento finalistas, e que posicionam a culpabilidade fora do conceito de delito, em verdade rompem com a metodologia welzeniana. Entre nós, sustenta Juarez Tavares que a culpabidade é atribuição pessoal de responsabilidade, confi- gurando-se como etapa final da análise da conduta, buscando-se evitar intervenções coercitivas irracionais. D ireito pena / da negligência, p. 376.
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2 4 6 - C u l p a b i li d a d e n o D i re i to P e n a l
à própria culpabilidade. Com amparo em Guilherme de Souza Nucci, “pressu
posto é fato ou circunstância considerado antecedente necessário de outro, mas
não, obrigatoriamente, elemento integrante. Considerar a culpabilidade como
pressuposto da pena é retirar o seu caráter de fundamento da pena, pois fundamento é base, razão sobre a qual se ergue uma concepção”600. Com isso, conclui-
se que, se presente a culpabilidade, fomece-se a razão da aplicação da pena.
Senão o bastante e independente da teoria utilizada para fundamentar o
núcleo da culpabilidade, esta é um critério de atribuição, um filtro que se permite atribuir um fato típico e antijurídico a seu autor, e assim nos permite
passar à conseqüência jurídica - a pena. Independentemente deste juízo, como
bem anota David Teixeira de Azevedo a partir da concepção normativa da cul pabilidade, esta não recai apenas sobre o agente, mas inclusive e necessariamente
sobre a ação601. Ou ainda, na lição de Antonio Luís Chaves Camargo, em se
considerando que a culpabilidade tem um conteúdo material, “o ordenamento jurídico está obrigado a comportar-se diante de um autor, considerando-o pes
soa que ocupa uma posição no seu interior”602.
Também contrário ao argumento de se posicionar a culpabilidade fora
da teoria do delito, Juarez Tavares assevera que tal prática “representa uma
visão puramente pragmática do Direito Penal, subordinando-o de modo exclusivo à medida penal e não aos pressupostos de sua legitimidade”603. Afirma
ainda este autor que a culpabilidade a ser vista como juízo de atribuição pes
soal de responsabilidade funciona como condição ou etapa final da análise daconduta com vistas a coibir as intervenções coercitivas irracionais. Ou seja, a
base de configuração desse juízo deve ser a conduta injusta. A reflexão, então,
recai sobre os elementos configuradores da norma penal, e esta no Estado
Democrático de Direito delimita o âmbito da atuação estatal604. Na mesma seqüência crítica, agora no que se refere à mensuração da pena, na
grande maioria dos casos, o juiz ao invés de refletir os parâmetros que lhe são
transmitidos socialmente, manuseia seus valores pessoais para quantificá-la, até
600 Ind ividua lização da pena, p. 52.
601 A culpabilidade e o conceito tri-partido de crime. RBCC, ns 2, p. 49.602 Im putação objetiva e d ireito penal brasileiro, p. 115.
603 Teorias do d elito, p. 109, nota 13. No mesmo sentido: David Teixeira Azevedo, Aculpabilidade e o conceito tri-partido de crime, RBCC, nfi 2, p. 49-50, e José Cirilo deVargas, Institui-ções de d ireito pena l - parte geral, t. 1, p. 157-159 e 343.
604 D ireito pena I dá negligência, p. 376.
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mesmo ante a ausência de parâmetros objetivos quanto às exigências preventivas de
pena, acarretando grandes desigualdades de pena para fatos similares. Melhor seria
se a lei apontasse critérios a partir da base da relevância social do fato para a comu
nidade jurídica, sem se olvidar que a culpabilidade como limite da pena impedeque se tomem em consideração as circunstâncias que o autor não pode conhecer, e
por conseguinte não se pode reprovar. Desse modo, se expressaria que a conduta do
autor não correspondeu às expectativas de conduta traçada pela comunidade.
A partir das críticas deduzidas, é correto afirmar que o princípio da
culpabilidade como manifestação do fundamento democrático da dignidade
humana é posto em plano inferior de importância ao que realmente possui. O
mesmo há de se falar quanto à teoria do delito.
5 . 7 C u l p a b i l i d a d e e p en a m í n im a
Tomando-se por base os tipos penais inseridos na parte especial do Có
digo Penal e nas leis extravagantes, tem-se a previsão de pena mínima e máxi
ma. Diante desta previsão, parte da doutrina tradicional entende que esta
fixação se refere à culpabilidade, logo, o juiz, ao elaborar a sentença penal
condenatória, fica restrito a estes limites. Outra posição existente e que logo
abaixo apreciarei é a que considera estes limites advindos da proporcionalida
de frente à lesão ou perigo de lesão do bem jurídico protegido por lei.
A par disso, muitos são os julgados que se referem ao juízo de “pequena”
culpabilidade para fundamentar a aplicação de pena mínima. Outros apontam
para a desnecessidade de fundamentação da sentença condenatória quando for
reconhecida a culpabilidade mínima, isso em contrariedade ao ordenamento
constitucional que a determina expressamente, ex v i do art. 93, IX
Nesta visão tradicional, entende-se que a pena tem de corresponder à
medida da culpabilidadé, traçando-se dois marcos, superior e inferior de penaadequada à culpabilidade. Neste espaço, o juiz tem o poder de determinar a
pena atendendo a critérios preventivos certo de que os limites máximos e
mínimos não poderão ser ultrapassados605. A partir desta possibilidade de
movimentação do juiz ao fixar a pena, é que esta teoria foi denominada de
teoria do espaço de jogo.
605 SCHÜNEMANN, Bernd. La función del principio de culpabilidad en el derecho penal preventivo. E l sistema moderno del derecho penal: cuestiones fundamentales, p. 173-175.
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E mais, corolário deste entendimento é o de que em havendo uma cir
cunstância atenuante a favor do réu e a culpabilidade declarada pelo juiz ser a
mínima, entertda^se, pena mínima, ainda assim a pena concreta não poderáser aplicada abaixo do mínimo legal, o que significa dizer que a circunstância
atenuante é desprezada para fins de cômputo de pena. Neste sentido, mani-
festou-se o Superior Tribunal de Justiça ao editar a Súmula 231, in verbis:
“A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução
da pena abaixo do mínimo legal.”606
Há de se ressaltar que esta tese, a propósito, muito aplicada atualmente,
parte da concepção do Direito Penal da retribuição, pressupondo que a pena é aresposta lógica à culpabilidade. Daí falar-se em pena adequada à culpabilidade.
Desde logo, afirma-se que esta teoria, bem como a Súmula 231, do Superior
Tribunal de Justiça, não se ajustam ao Estado Democrático de Direito, notada
mente no que tange ao garantismo penal, e ao moderno Direito Penal preventivo.
Quanto ao garantismo penal, é evidente que ao não se considerar uma
circunstância atenuante em favor do réu quando efetivamente ocorrida, tem-se a desobediência no limite de intervenção estatal na aplicação da resposta
penal, sem se falar na quebra do princípio da igualdade. E mais, se se partir da
consideração de que uma pena que sirva unicamente à função preventiva,
banido, portanto, o castigo e o retributivismo, só pode ser determinada unica
mente pelo seu conteúdo preventivo. Logo, negar a declaração e reconheci
mento de uma circunstância atenuante significa negar,jpara os neokantistas e
finalistas, a culpabilidade reduzida, e portanto a pena mais justa”, e por der
radeiro expõe a tão propalada crise do Direito Penal.
Em verdade, o marco penal abstrato estabelecido pelo legislador nos ti pos penais da parte especial e extravagante, nada tem a ver com o juízo de
culpabilidade. Relaciona-se, preliminarmente, com o bem jurídico protegido,
sua gravidade e alcance, dependendo da magnitude da ameaça à ordem social
e não na confiança da fidelidade ao Direito, e nos efeitos da pena sobre a vida
futura do autor na sociedade.
Aqui, negar o reconhecimento de uma circunstância atenuante pelo sim
ples fato de a pena ter sido fixada no mínimo legal significa negar a própria
2 4 8 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
606 Ainda, JSTJ 14/289, RSTJ 131/149 e RT 769/524.
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garantia de intervenção mínima atribuída ao Direito Penal, sem se falar nanegativa de aplicação de lei federal.
Por conseguinte, para a escorreita aplicação do Direito Penal preventivo,mister que não houvesse a imposição legal de pena mínima, aliás, tal como
ocorre com o Código Penal francês de 1994. Entretanto, valendo-se do pre
sente, isto é, da fixação legal de pena mínima e máxima, e levando-se em
consideração os postulados do Estado Democrático de Direito, em especial a
possibilidade de dispensar a desiguais tratamento desigual, proveniente do
princípio da igualdade, tem-se que o patamar máximo de pena não pode ser
ultrapassado servindo de limite à intervenção estatal na vida em sociedade.O limite mínimo, porém, deve ser entendido apenas como referência às
exigências preventivas de pena, possibilitando-se ao juiz reduzir a pena além
do mínimo legal quando circunstâncias pessoais do sujeito apontem para a
imprestabilidade e irracionalidade do marco mínimo, antagônicos com os fins
do Estado atual. Ainda, considerar-se irredutível o patamar mínimo, consti-
tui-se como severa limitação à desenvoltura judicial, e, conseqüentemente, à
realização de julgamentos mais justos, levando-se em consideração o necessá
rio equilíbrio com a prevenção geral e especial.
Senão o bastante, para justificar a aplicação de pena aquém do mínimo
legal, leciona Claus Roxin, partindo do ordenamento jurídico alemão, que
neste aspecto encontra paradigma no ordenamento positivo brasileiro, e refi-
ro-me às hipóteses fáticas que se amoldam no permissivo do art. 74 da Lei n°
9.099195, que uma grande porcentagem de delitos cometidos culpavelmentesão simplesmente arquivados. Portanto, inexiste argumento racional no senti
do de que a aplicação da pena não possa desvincular-se da medida da culpabilidade “para baixo”, quando expressamente assim o determinar as necessidades
preventivo-especiais, desde que acordes com as exigências preventivo-gerais607.
5 . 8 C u l p a b i l i d a d e e o Ju i z a d o E s p e c i a l C r im in a l
Sob o pretexto de reformular o sistema jurídico brasileiro proporcionan
do a possibilidade de conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis
de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, median
607 Acerca de la consolidación político-criminal del sistema de derecho penal. Dogm ática pena l y p o lítica crim inal, p. 34.
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te a adoção de procedimento oral e sumaríssimo, instituiu entre nós a Constituição Federal de 1988, no art. 98,1, o Juizado Especial Criminal, ao enten
dimento de que a sociedade atual é pluralista, aberta e tolerante, reconhecendo
internamente a necessidade de se alcançar métodos que possibilitem decisõesrápidas e eficazes, particularmente no que tange aos interesses da vítima, corroborado por valores de política criminal.
A proposta constitucional inovou o sistema penal e processual penal,
instaurando entre nós o sistema de desburocratização e resolução dos peque
nos delitos pelo “consenso”, mostrando-se a priori como um poderoso instrumento processual contra o moroso e complicado modelo tradicional de Justiça
Criminal, fundado no princípio da busca da verdade material, ainda que não passe em realidade da simples satisfação da verdade processual.
A favor do novo modelo traçado pela Lei n° 9.099/95, afirma-se que
não existem recursos materiais, humanos e financeiros disponíveis, que suportem os gastos do modelo clássico de judiciário.
Neste sistema, a possibilidade de transação penal (composição dos danos) entre vítima e agressor nas infrações de menor potencial ofensivo (art. 72
a 74), proposta de pena restritiva de direito (art. 76) e suspensão do processonos crimes com pena cominada igual ou inferior a um ano (art. 89), são as suasgrandes inovações, representando, à luz do pensamento adepto à inovaçãolegislativa a via despenalizadora, reclamada há tempos pela moderna Crimi-
nologia, em vista da comprovação da ineficácia da pena de prisão em recuperar
os infratores penais, acrescendo-se também os benefícios de solução rápida do
conflito e satisfação por parte das vítimas do delito dos prejuízos por ela experimentados, em razão de que se permite a reparação dos danos em prazo inferior àqueles verificados antes da vigência da Lei n° 9.099/95.
Os defensores da inovação sustentam ã.verificação da ressodalização do infrator com a utilização do novo modelo, pois além de o infrator se ver frente a frente
com a vítima, sente com rapidez as conseqüências do seu ato. Acrescenta-se ainda
aos argumentos favoráveis ao novo modelo processual, o descongestionamento dosescaninhos dos juízos e Tribunais criminais, em se considerando que o Poder Judi
ciário, o Ministério Público e as Secretárias de Segurança Pública não conseguem
se aparelhar suficientemente para fazer frente ao aumento da criminalidade, causando alarmante congestionamento na prestação da atividade jurisdidonaL
São princípios da Lei dos Juizados Criminais a desburocratização, a ce
leridade, a economia processual, o fim das prescrições, a solução rápida dos
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litígios, a melhor imagem da Justiça, a reparação em favor das vítimas e aressocialização alternativa.
Acerca do impacto verificado no sistema penal e processual penal, como
bem acentuam Ada Pellegrini Grinover et alii, em sua aparente simplicidade,a Lei n° 9.099/95 significa uma verdadeira revolução no sistema processual-
penal brasileiro ao estabelecer a aplicação imediata de pena não-privativa de
liberdade antes mesmo do oferecimento da acusação, rompendo com o siste
ma tradicional do nulla poena sine judicio, possibilitando a aplicação da penasem antes discutir a culpabilidade608.
Fundamentando a inovação, sustentam os defensores desta lei que a acei
tação da proposta do Ministério Público de aplicação de pena restritiva de
direitos sem a aferição da culpabilidade, não significa reconhecimento da cul pabilidade penal. Tampouco havendo inconstitucionalidade do dispositivo
legal, ao argumento de que “é a própria Constituição Federal que possibilita atransação penal para as infrações penais de menor potencial ofensivo, deixan
do o legislador federal livre para impor-lhe parâmetros”609.
Sem pretender abordar os aspectos dogmáticos da Lei dos Juizados Es
peciais Criminais por fugir ao núcleo estabelecido, analisaremos apenas algumas questões, em especial as relacionadas com a culpabilidade.
Dispõe o art. 76 da Lei n° 9.099/95 que, havendo representação ou
tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de
arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de
pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta.
Esta redação ensejou a realização de severas críticas por parte da doutrina,
reconhecendo-a como inconstitucional, ao arrepio dos princípios do devido processo legal, da presunção de inocência, aò realizar-se um juízo antecipado de culpabi
lidade com lesão ao princípio nulla poena sinejudicio, informador do processo penal610.Em adoção ao posicionamento esboçado por Miguel Reale Júnior, vale
ressaltar que “o direito à não consideração prévia de culpabilidade, incisiva
608 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO , Antonio Magalhães; SCARANCE FERNANDES, Antonio e GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais crim inais, p. 14.
609 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO , Antonio Magalhães; SCARANCE FERNANDES, Antonio e GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais crim ina is, p. 14.
610 REALE JÚNIOR, Miguel et a lii. Pena sem processo. Juizados especiais crim inais —interpretação e crítica, p. 27.
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a submissão à instrução ou à sentença criminal. Fica de fora intencionalmenteo “risco da absolvição”. Mais grave: a hipótese relevante da absolvição fica
dissolvida no risco do processo, como se o vetor deste não se dirigisse tambémao órgão acusador, mas exclusivamente à defesa”612.
Pela crítica deduzida, nota-se que apenas uma das partes cede, que é a
justam ente mais frágil, a do imputado, em se considerando que no sistema
jurídico penal-processual brasileiro, dada a falência do sistema prisional, a
aplicação de penas restritivas em substituição à pena privativa de liberdade já
é uma máxima de operacionalização, por conseguinte, correta a afirmação que
faz David Teixeira de Azevedo, ao expor que a acusação obtém todos os frutosdo seu trabalho, qual seja, a pena criminal613.
Ainda que entendamos a busca da celeridade por meio do rito processu
al abreviado, a descarceirização etc., como metas do microssistema instituído
pela Lei n° 9.099/95, resta afirmarmos que o conteúdo material da culpabi
lidade, tal como adotado neste trabalho e de acordo com os fundamentos do
Estado Democrático de Direito, não foi ainda objeto de análise.
No primeiro plano, reconhecendo na culpabilidade a função de limiteda intervenção penal nas relações sociais e, paralelamente, na necessidade de
pena o seu critério de dosimetria, ambos os conceitos integrantes da definição
reitora de responsabilidade, têm-se que a imposição de pena restritiva de di
reitos ao suposto infrator da norma sem o reconhecimento explícito de sua
necessidade ou, com a antecipação de sua necessidade sem nenhuma análise
empírica a partir da pessoa, impõe-se sob esta óptica como agressão aos direi
tos civis do cidadão, em razão da inexistência de argumentos válidos de polí
tica criminal ao caso concreto.
E mais, não se pode afirmar que este sistema está divorciado completa
mente da figura da culpabilidade e das exigências preventivas de pena, pois ao
aplicar e fixar a pena de multa ou restritiva de direitos, o juiz deverá se valer de
algum critério e este só poderá ser dado a partir dos elementos que integram o
conceito de responsabilidade (culpabilidade e exigências preventivas de pena).
Conseqüentemente, resta ao juiz a obrigação de fundamentar a decisão, e
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612 A culpa penal e a lei 9.099/95. RBCCRIM n° 16, p. 131.613 A culpa penal e a lei 9.099/95. RBCCRIM ne 16, p. 131.
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2 5 4 - C u l p a b il id a d e n o D i r e it o P e n a l
como se observa neste sistema tal obrigação é desnecessária, ferindo a norma
contida no art. 93, IX, da Constituição Federal614.
No sistema penal brasileiro, a aplicação da pena restritiva de direito, seja
pela substituição da pena privativa de liberdade, seja pela aceitação da proposta ministerial, está divorciada de sua real aferição pelo magistrado, em eviden
te automatismo pragmático. Não encontra nos fins da pena qualquer razão
plausível, ou seja, a precocidade da intervenção não atende aos fins desejados
da pena no Estado Democrático de Direito, traçados pelas teorias da preven
ção geral e especial positivas, para em seu lugar atender a fins retributivos
incertos e inseguros. Já no âmbito da política criminal, tem sido utilizada
apenas como alternativa à descarceirização e seus efeitos, o que não deixa deser importante, porém sem qualquer conteúdo dogmático.
Ainda que a conclusão seja no sentido de repúdio à transação penal tal
como posta na lei infraconstitucional, alargamos a controvérsia para reconhe
cermos que a pena ou se se preferir o resultado da transação, tal como conce
bida na Lei n° 9.099/9 5, não se relaciona com as modernas teorias da
culpabilidade, o que nos faz crer que a clássica estrutura da culpabilidade
como fundamento da pena de natureza retributiva, permaneça entre nós, ainda que tenhamos em vigência uma Constituição democrática e que tem na
dignidade da pessoa humana seu maior fundamento.
Argumentos em prol da celeridade, da economia processual e do estabele
cimento da Justiça consensual, não podem se desenvolver e encontrar respeito
na sociedade, na doutrina e na jurisprudência, a partir dé instante em que lesam princípios pétreos estabelecidos na Carta da República. Há ainda o argumento
de que impossibilitar-se a transação, ainda que manifestada a aquiescência do
agente em realizá-la, estar-se-ia impondo um processo autoritário.
Em repúdio a esta colocação, tem-se que a possibilidade legal de realiza
ção da transação penal não implica que o indivíduo assuma uma prestação de
serviço à comunidade ou pagamento de multa sem processo formal, por mais
que o próprio queira desistir das garantias processuais, aliás, estas fazem parte
do Estado de D ireito e são indissociáveis da pessoa humana.
614 No mesmo sentido, David Teixeira de Azevedo, A culpa penal e a Lei ns 9.099195. RBCCRIM na 16, p. 136.
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Para não macular a diretriz constitucional promulgada, bastar-se-ia con
siderar a transação como possibilidade de acordo civil entre as partes interessadas, distante da imposição de qualquer penalidade, ainda que de natureza
restritiva de direitos. E mais, quanto a transação, esta poderia se dar após prolação de sentença condenatória no processo abreviado e concentrado de
competência do Juizado Especial, constatando-se a presença do delito, a desnecessidade da aplicação de pena e o cumprimento das garantias processuais.
Tomando-se como exemplo o tipo penal lesão corporal de natureza leve, art.129, caput , do Código Penal, a princípio de competência originária do Juizado
Especial Criminal, nos termos do art. 61, da Lei n° 9.099195, tem-se como possível eximir o autor da responsabilidade criminal do fãto, se se compreender que a
punição não é conseqüência lógica da constatação da culpabilidade do mesmo, isto porque o funcionalismo racional-teleológico esculpido sob as bases da política cri
minal, conforme anteriormente já avençado, reconhece a culpabilidade e as necessidades preventivas de pena como elementos do conceito responsabilidade. Com
isso, tem-se que a necessidade de pena só surge com a indispensabilidade preventi
va da sanção, ainda que se atribua ao fato praticado uma pena restritiva de direitos.
Quanto ao exemplo citado, se a pertubação da ordem social perpetrada pelo
cometimento do fato típico descrito pode ser resolvida por meio da compensação
civil, ainda que esta não logre êxito em sua concretização, carece legitimação àintervenção com base na necessidade de pena, e melhor sorte não restará ao fato
culposo que nos termos da Lei n° 9.099199 se ajustar, sendo adequada a mesmaresposta, contudo sob outra fundamentação, a se considerar que mesmo a pessoa
mais cuidadosa não tem condições de evitar todos os resultados advindos de seu
comportamento, pois comportar-se com extrema exatidão em todos os momentosda vida está além da natureza humana, e como dito, para a pessoa que assim se
compreender, evidente a ausência da necessidade de impor-se pena615.
615 No Boi. IBCCRIM na 75 - encarte especial sobre a Lei ne 9.714198, p. VI, sustentei a crítica de que a pena sob a óptica da pós-modernidade deveria ter finalidade ressocializadora, ao passo que na modernidade se cultuava o caráter retributivo. Ocorre que a pós-modernidade serve-se da simulação do real, e a se considerar que dadas as dificuldades notórias v.g. do cumprimento da Lei de execução penal, tal como a ausência de estabelecimentos próprios ao cumprimento da pena etc., simula-se uma suposta ressocialização, não sendo a causa em nada afetada. Portanto, se Direito Penal mínimo é princípio por todos reconhecido, é chegada a hora de purificar-se o Direito Penal com a descriminalização de certas condutas que só servem ao propósito de
obtenção de uma situação iníqua e opositora ao reconhecimento do Direito Penal como ultim a ratio, ao invés de serem adotados subterfúgios, inclusive a favor do próprio réu, contribuindo na declaração de que na pós-modernidade a pena tem caráter retributivo oculto.
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Por tais considerações é que se entende que a proposta ministerial
apontada no art. 76, da Lei n° 9.099/95, não possui qualquer fundamen
to inerente aos fins da pena (à necessidade de pena ao autor), e por conseqüência, se mostra a posição legal ajustada às antigas posições da
culpabilidade que uma vez reconhecida, implicava na imediata punibilidade do agente. Reconhecer-se a punibilidade sem qualquer base utilita-
rista, significa não só aderir à teoria retributiva pura, mas negar que a pena
só está legitimada quando ela se mostre necessária à obtenção da tarefa de
prevenção que assiste ao Direito Penal.
Como afirmado, o sistema vigente possui críticas não-sujeitas à supera
ção. Em substituição, apenas ad argumentandum, melhor seria a institucionalização entre nós de juízos rápidos, concedendo-se ao imputado um processo
sem dilações indevidas, a fim de ser concluído num prazo razoável, levando-se
em consideração a complexidade do objeto litigioso, margens de duração do
processo, conduta processual das partes, além de prever conseqüências devidas
a partir da demora processual.
A proposta de estabelecer os juízos rápidos motivados nos direitos do acu
sado, responde à concepção do processo como um âmbito institucional de dis puta entre o Estado, que trata de garantir a vigência e eficácia das normas penais,
e o acusado que resulta amparado pela obediência irrestrita às garantias consti
tucionais, tomando-se imune às ingerências abusivas do poder público.
Os juízos rápidos harmonizam-se com as finalidades de prevenção geral
positiva do Direito Penal, sem contudo macular o sistfema constitucional esta
belecido a partir de garantias constitucionais. Uma resposta jurisdicional rá
pida reforça a confiança do cidadão na vigência da norma penal, hoje tão
abalada pela morosidade da persecução criminal e pela sensação social de im punidade que tal percepção gera.
Em suma, a Justiça penal deve primar pela rapidez, eficácia e qualidade,
isto é, uma Justiça que garanta os direitos dos cidadãos e imponha um proces
so contra o sujeito em um prazo razoável, para tanto concentrando as diligên
cias, comprimindo toda a investigação num lapso de tempo de poucas horas,
em especial nos casos de flagrância delitiva, com julgamento instantâneo para
determinadas figuras penais, com a simplificação da forma, em manifesto em
prego da oralidade.
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F áb io G u e d es d e P a u l a M a c h a d o - 2 5 7
5.9 A p l i c a b i l i d a d e d a n o v a d o u t r in a
Ao longo de todo o trabalho foram abordadas concepções doutrinárias em
tomo da culpabilidade até alcançarmos e desenvolvermos os postulados traçados
pela Constituição Federal, que indicam ser o método funcional teleológico-
racional de base político-criminal o critério apto a satisfazer as exigências constitucionais primárias de Direito Penal de um Estado Democrático de Direito.
Sob a base da concepção político-criminal, o Direito Penal tem de se
orientar pelo objetivo da melhor conformação social possível. Acerca da conformação social possível, não se pode olvidar que são finalidades do Estado
Democrático de Direito, a proteção da sociedade e a salvaguarda da liberdade.Isso significa que o Direito Penal tem de ser estruturado com base no impe
dimento do crime. A partir desta concepção, são os critérios ditados pela pre
venção que melhor atendem aos fins democráticos. A propósito, esta regra se
ajusta aos arts. Io e 3o, da Constituição Federal.
Não obstante a construção doutrinária realizada delinear a face da nova
teoria entre nós, necessário se faz que a mesma ganhe contornos claros no que
diz respeito a sua aplicabilidade. Para tanto, é forçoso afirmar-se que suaefetivação exorbita os limites da dogmática jurídico-penal para também inci
dir, inicialmente, no ensino jurídico e na praxis forense, a partir da configura
ção de um processo penal funcionalista.
5.9.1 O ENSINO JURÍDICO
Quanto ao ensino jurídico, este é pautado na tecnização e na preparação
dos alunos para a prática forense, em desprestígio de uma formação doutriná
ria ampla e calcada na evolução da dignidade humana. Não se pode olvidarque há também o distanciamento do Direito com as demais ciências616. Par
ticularmente quanto ao Direito Penal, isto acarreta a formação de técnicos
despreparados para os questionamentos científicos, v.g. livre arbítrio, exigibi
lidade de conduta diversa etc., conseqüentemente, profissionais e estudiosos
despidos de posicionamento crítico, que se cercam dos argumentos de autori
616 CAMARGO , Antonio Luís Chaves. Direitos humanos e direito penal. Estudos crim inais em homenagem a Evandro Lins e Silva, p. 77. No mesmo sentido, manifesta-se o autor na obra Sistem as de penas, dogmática juríd ico pen al e po lítica crim inal, p. 159, ao afirmar que "os cursos de Direito se mantêm fiéis às aulas magistrais, expositivas dos institutos penais, sem preocupação com a evolução das Escolas Penais, enquanto decorrentes das idéias filosóficas que predominam em determinada época".
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dade dados pela jurisprudência casuística e de interesses, sem se falar ainda na
“extrema praticidade dos métodos massificando o aluno e que tem o condão
de inviabilizar a formação de juristas”617.
Como bem exalta Antonio Luís Chaves Camargo, o Direito Penal brasileiro “sofre a influência do positivismo-jurídico de inspiração neokantiana,com repentes tímidos ao finalismo welzeniano”618. Com isso quer o autor
afirmar a existência entre nós de uma lógica formal manifestada por meio de
um raciocínio de subsunção do fato, carreado pela gravidade da sanção, e esteselementos se apresentam como sendo os instrumentos qualificados de com
bate à crescente criminalidade.
5.9.2 P r o b le m a s de p o l ít ic a c r im i n a l
Superadas as acepções acadêmicas clássicas que se verificam como pró prias de um sistema fechado, e que dificultam a modernização do estudo da
dogmática jurídico-penal, a gênese da moderna teoria da função da culpabili
dade deve ser buscada nas estruturas próprias do Estado Democrático de D i
reito, sem contudo descuidar das contribuições dadas pela política criminal.
Para tanto, apresentadas algumas constatações metodológicas hodiemas,
urge afirmar que a mudança de sentido para a aceitação dos postulados dogmáticos delineados neste trabalho surge a partir da releitura do texto constitucional, afastando-se desde logo o instituto da pena de sua natureza retributiva,
para em seu lugar aceita-la como instrumento de prevenção do delito, ao enten
dimento que a Constituição Federal brasileira não recepciona a partir dos seus
postulados e princípios a natureza retributiva da pena, uíilizando-se em substi
tuição a construção teórica acerca das prevenções geral e especial positivas.
Interiorizado o Direito Penal advindo do respeito à dignidade humana, portanto, de acepção preventiva, conseqüentemente, a teoria do delito a ser
construída estará vinculada a este princípio reitor, e será legítima a intervir nasrelações sociais, visto que ao seu lado estarão presentes os pilares do Estado
Democrático de Direito e a demonstrabilidade dogmática de seus elementos.
Disso decorre em face do tema abordado, a confecção de uma articulação
demonstrativa da aplicabilidade desta nova teoria, sem se olvidar que para o
-617 CAMARGO , Antonio Luís Chaves. Contradições da modernidade e direito penal. RBÇCR, n° 16, p. 115.
618 Direitos humanos e direito penal, Estudos crim ina is em homenagem a Evandro Lins e S ilva, p. 76.
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F á b io G u e d es d e P a u l a M a c h a d o - 2 5 9
sucesso de qualquer construção dogmática, mister que se proceda à estrita obe
diência metodológica, zelando-se pela coerência sistemática e sua ordenação
como critério formal de legitimação do Direito Penal619, desde que interioriza
dos os fundamentos filosóficos e os princípios de Direito Penal de um EstadoDemocrático de Direito, e considerados os aspectos de política criminaL
a. A aceitação de que a culpabilidade compõe ao lado das necessidades
preventivas de pena o conceito reitor da responsabilidade, sendo este, a propó
sito, o segundo elemento do conceito bipartido de delito, depende inicial
mente do brusco rompimento acadêmico com as doutrinas anteriores, ou seja,
com o causalismo e com o finalismo, em razão de que estes métodos deposita
vam no pensamento retribucionista a formulação da culpabilidade.
Nestes métodos, como largamente visto, a pena deve corresponder à cul
pabilidade (limite), mas deve igualmente ser o seu fundamento e funcionarcomo critério de medição. Por suposto, a pena não pode ultrapassá-la ou mesmo ficar aquém.
Diz-se, pois, que esta concepção não é recebida pela Constituição Federal
em face do antagonismo manuseado quanto ao princípio da dignidade humana
e suas conseqüências, tampouco podendo aceitar-se que a pena retributiva da
culpabilidade seja o melhor instrumento para a repressão da criminalidade.Partindo da idéia de que a culpabilidade por si só não é suficiente para
embasar a pena, exigindo para a concretização desta a confirmação das neces
sidades preventivas geral e especial positivas de pena, tem-se que, ausente um
destes elementos, impõe-se o não-reconhecimento da responsabilidade e con
seqüentemente, a aplicação da pena resta frustrada.
Ainda no campo da pena, reitera-se aqui a argumentação lançada anterior
mente e que fundamenta a dissociação de culpabilidade e pena, importando
reconhecer-se a necessidade preventiva de pena aquém do seu mínimo legal previsto para determinado tipo penal.
b. Isto quer dizer que, se se constatar que a aplicação da pena não trará
conseqüências que repercutam positivamente na vida futura do autor em sociedade, mostrando-se ausente o critério necessidade de pena, impõe-se afir
mar que, em sendo desnecessária a pena, esta não deve ser aplicada. A assertiva
619 Neste sentido: Fábio Guedes de Paula Machado, A teoria da imputação objetiva e a fidelidade ao método. Boletim do Instituto de C iên cias Penais, ns 9, p. 4.
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refere-se à política criminal, e para tanto deve ser levado em consideração todo
o contexto social e penal de um Estado.
O Brasil experimenta atualmente um crescente aumento da criminalidade, advindo da soma de vários fatores, tais como a deficiência intelectual, ou
estruturas de caráter psicopático que impedem a integração do agente com asociedade, ou provém por meio das relações familiares instáveis, traduzidas
pela ausência de segurança emocional e que transformam crianças em homens
criminosos, isto sem se falar na miséria econômica e nas mazelas sociais.
Ademais, a pena privativa de liberdade é um meio particularmente pro
blemático na luta contra a criminalidade, em especial frente ao pequeno delinqüente, e aqui a política criminal deve ser levada em consideração: primeiro
porque para educar-se alguém a uma vida responsável, é necessário que se lhe
ofereçam condições de vida melhor do que aquelas já experimentadas pelo
delinqüente; segundo, porque com a prisão o delinqüente perde o seu vínculo
social e familiar permanecendo à margem da sociedade quando em liberdade,
tornando-se ainda mais perigoso do que antes de cumprir a pena; em terceiro, porque no cárcere o autor tende a associar-se àqueles que comandam a crimi
nalidade, possibilitando posteriores operações conjuntas; e em quarto, porquea larga soma de recursos financeiros postos à disposição do sistema prisional,além de ser sempre insuficiente, mostra-se também ineficaz à obtenção do
objetivo que fundamentou a despesa620, qual seja, a ressocialização, conforme
atesta o art. Io, da Lei de execução penal brasileira.
Reconhecido que a pena privativa de liberdade causará um mal ainda maior
à sociedade, há de se possibilitar que o juiz deixe de impor pena ao agente ainda
que presente a sua culpabilidade, desde que ausente o juízo de necessidade.
Nesta esteira, o art. 47 do Código Penal alemão (StGB), reconhece a excepdo-nalidade das penas breves de privação de liberdade, ou seja, pela lei alemã, a pena
privativa de liberdade inferior a 6 meses só é imposta sob caráter excepdonal.
A implantação desta construção teórica obriga, necessariamente, a reali
zação de uma reforma da legislação processual brasileira, de maneira a flexibi
lizar-se, v.g.j o princípio da necessidade da ação penal pública por parte do
Ministério Público, tal como ocorre com a legislação processual alemã (StPO)
nos arts. 153 e 154, de maneira a transparecer no processo penal a racionali
620 ROXIN, Claus. Problemas atuais da política criminal. RlACP, nB 4, p. 11-13
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dade teleológica do método funcional baseado na política criminal, podendo-se prescindir da persecução criminal em se verificando litígios de mínima
intensidade, atrelado à culpabilidade ou necessidade de pena de pouca consideração e desde que inexistente o interesse público.
Neste sentido, contribui com a assertiva a falência do sistema penitenciário brasileiro, inserindo-se aqui a comprovada inexeqüibilidade da Lei de execução penal pelo fato da permanente incúria do Estado em incrementá-la integralmente, o que necessariamente obriga ao juiz, observadas as circunstâncias doautor e do injusto, deixar de reconhecer o elemento do delito responsabilidade,
por ausência de necessidades preventivas de pena.
Pelo exposto, fica estabelecido que o Direito Penal não pode ser compreen
dido unicamente a partir de suas regras. E necessário que o aplicador da Leitenha a sensibilidade de fazer cumprir o conteúdo constitucional atual e que
privilegia o cidadão, pois “a humanização do Direito Penal é atingida quandoseus instrumentos cumprem seu objetivo, ajudando a garantir a proteção forma
lizada dos interesses fundamentais”621.
5.1 0 A REDUÇ ÃO DA IDADE PENALEm continuação, as estatísticas criminais mostram que é também cres
cente o número de menores inimputáveis que aderem à vida criminal.
Esta triste constatação reacendeu na sociedade e no Congresso Nacional odebate sobre a redução da idade penal, propondo-se a redução da capacidade
penal para os 16 anos de idade. Sob o argumento apoiado nas regras de experiên
cia, de que estas pessoas são detentoras de capacidade de culpabilidade, por terem
consciência do caráter ilícito do fato e possibilidade de determinar-se de acordocom esta consciência (poder agir de outra maneira), os autores deste discurso
pleiteiam a redução da idade penal. Noutros termos, parte dos adolescentes sa bem que determinados fatos não são permitidos, e eles estão em situação de poder
se motivar por essas proibições, desse modo, a culpabilidade estaria afirmada.
Quanto à opinião pública, pesquisas são periodicamente refeitas, e elas apontam a vontade popular de incriminar os jovens com idade entre 16 e 18 anòs.
E certo que a força simbólica do Direito Penal e a demagogia estatal
empregada no que diz respeito ao discurso de segurança pública, nutrem
621 CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito pena! brasileiro, p. 34.
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o debate, servindo de argumento suplementar a necessidade de prevenção
mais eficaz.
Destarte, não se descobriu uma nova culpabilidade para os atuais inim-
putáveis que ensejasse a mudança legal. Sobre o tema, como muito bem ex plana Roxin, “será tarefa da Criminologia mostrar quais instrumentos de
educação e de controle social podem ser aqui aplicados, sendo certo que o
Direito Penal não é o meio idôneo para disciplinar e socializar crianças”622.
Enfocando a problemática a partir da teoria esboçada, e privilegiando as
diretrizes sobrevindas do estudo das necessidades de pena, resta afirmarmos
sobre o tema que inexiste necessidade de prevenção geral negativa, porque,
como se sabe das pesquisas acerca das cifras negras, grande parte dos crimessão cometidos por pessoas com idades de 14 a 16 anos, independentemente
de o limite de maioridade ser mais ou menos elevado, mostrando-se que elas
são menos suscetíveis à intimidação. Isso demonstra que os adolescentes são
menos acessíveis à norma no momento do fato.
Com relação à necessidade de prevenção geral positiva, a sua verificação é
igualmente duvidosa em face de se saber de antemão que a maior parte dos
comportamentos contrários à lei praticados por adolescentes fica impune, aindaque tenhamos entre nós uma legislação destinada a estes jovens que é o Estatuto
da Criança e do Adolescente, Lei n° 8.069/90. Também, a partir da regra de
experiência brasileira, não se acredita nas medidas sócio-educativas e na capaci
dade de correção dos estabelecimentos. Tampouco a sociedade deixa de confiar
na norma quando esta é violada (consciência jurídica Coletiva), podendo-se até
dizer que a consciência social está acostumada a considerar parte das infrações
cometidas por adolescentes como “brincadeiras”, constituindo-se algumas vezes
na imaturidade do indivíduo, de modo que não se desestabiliza a confiança doscidadãos na vigência dos valores tutelados pela norma penal.
Não obstante ao que foi dito até aqui, não se pode afirmar que postu
lados inerentes à prevenção especial negativa consolidem a redução da capa
cidade penal, pois é também de conhecimento público a ocorrência dos
desastrosos efeitos que a intervenção penal provoca sobre a personalidade
dos adolescentes, reunindo condições mais do que suficientes de traumati-
622 Acerca de la consolidación político-criminal del sistema de derecho penal. Dogmática pena! y p o lítica crim ina l, p. 36.
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zá-los, estigmatizando-os, e possibilitando o aliciamento destes por partede agentes criminosos.
Por fim, há de se frisar que tais constatações empíricas e racionais só se
tom am possíveis desde as contribuições advindas do sistema funcional políti-co-criminal, pois este permite a absorção de conhecimentos e experimenta
ções de outras ciências, daí relacionar-se com a Criminologia no que diz respeito
ao tema redução da idade penal.
5 . 1 1 C u l p a b i l i d a d e e r e s p o n s a b i l i d a d e p e n a l
DA PESSOA JURÍD ICA
Quando se estabeleceu no art. 225, § 3o, da Constituição Federal que
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitariam osinfratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais e administrativas, in
dependentemente da obrigação de reparar os danos causados, timidamente a
doutrina penal brasileira se debruçou sobre o problema. Naquele momento,
ora reconhecendo a inovação, ora efetuando interpretação no sentido de que
apenas as sanções administrativas seriam destinadas às pessoas jurídicas, man-
tendo-se apenas a responsabilidade penal às pessoas físicas.
Com a promulgação da Lei n° 9.605/98, que trata dos crimes ambientais,houve definitivamente a consolidação no ordenamento jurídico brasileiro da
responsabilidade penal da pessoa jurídica a título formal623, restando agora ne
cessário estabelecer-se o método dogmático-penal aplicável a esta inovação624.
A partir de então, instaurou-se, definitivamente, a polêmica em tomo da
responsabilidade penal da pessoa jurídica entre nós, e a partir de uma consta
tação empírica, observa-se no âmbito doutrinário, é majoritário o entendi
mento contrário a esta inovação. Alicerça tal opinio na concepção das estruturas
dogmáticas advindas em grande parte do positivismo neoclássico ou neokan-tiano e finalista, e conseqüentemente revitaliza o princípio Societas delinquere
non potest. Sobre isso, argumentando-se em favor da incapacidade de ação, de
623 Neste sentido: Édis Miiaré, Direito do ambiente, p. 450-453, e Paulo Affonso Leme Machado, D ireito am bienta! brasileiro, p. 660-666. Ainda, vale consultar o voto do Desembargador do Tribunal Regional Federal da 4 Região, José Luis Germano da Silva, lançado no julgamento do
Mandado de Segurança 2002.04.01.013843-01PR, e que fundamentou o acórdão.624 Adotando idêntica posição: STJ, Recurso Especial nQ564.960 - SC (2003/0107368-4), Relator:
Ministro Gilson Dipp.
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2 6 4 - C u l p a b i l i d a d e n o D ir e it o P e n a l
consciência e vontade delitiva, de incapacidade de culpabilidade e de incapa
cidade de pena por parte da pessoa moral. Há ainda discussões sobre a possi
bilidade de a sanção a ser atribuída à pessoa jurídica ser considerada pena.Entre outras concepções há a posição que reconhece na pessoa física a
única capaz de ser destinatária da norma, pois é ela que poderá ser a autora da
infração e sujeita à sanção625.
Portanto, ainda que pioneiramente a C onstituição Federal tenha apon
tado para a responsabilidade penal da pessoa jurídica no que se refere à
tutela ambiental, tem-se que, quando falamos em responsabilidade penal
da pessoa jurídica, estamos nos referindo aos delitos socioeconômicos come
tidos no âmbito das atividades de uma empresa; ou seja, são delitos cometi
dos pela empresa, ou através de si, ou em seu interesse, e se lesionam bens
jurídicos e interesses externos. Acredita-se que, como corolário da contem-
poraneidade, não só no Brasil mas noutros países de tradição dogm ática
jurídico-penal germânica, a possibilidade de criminalização da pessoa ju rí
dica se estenderá para todos os delitos econômicos, como forma de se evi
denciar a tutela destes bens jurídicos difusos.
5 . 1 1 . 1 F u n d a m e n t o s p o l í t i c o -c r im i n a i s d a r e s po n s a b il i z a ç ã o
PENAL DA PESSOA JURÍDICA
Antes de prosseguir na análise dogmática acerca da responsabilidade
penal da pessoa jurídica, tem-se que determ inar os fundamentos que jus
tificam a sua própria existência. Sobre esta, como^bem assevera Sérgio
Salomão Shecaira, remontam os argumentos a partir do século XIX por
meio das teorias de Savigny e Gierke626.
Savigny foi o idealizador da teoria da ficção, tendo como idéia central ade que apenas o homem é capaz de ser sujeito de direitos, razão pela qual a
personalidade jurídica é fictícia, ou seja, é um ente criado através da possibili
dade legal com o intuito de exercer direitos patrimoniais. Desdobra-se ainda
a ficção por se conceber a vontade de seus representantes como sua627.
625 GRACIA MARTÍN, Luis. La responsabilidad penal del directivo, órgano y representante de la empresa en el derecho espanol. Hacía un Derecho Pena! Econôm ico Europeo, p. 88-89; e La cuestión de la responsabilidad de las propias personas jurídicas. RPCP, nQ4, p. 496.
626 Responsabilidade pena! da pessoa ju ríd ica , p. 84.627 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade pena! da pessoa ju rídica , p. 86.
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F áb io G u e d es d e P a u l a M a c h a d o - 2 6 5
Oposta a esta concepção é aquela defendida por Gierke, nominada de
teoria da realidade objetiva, ou orgânica ou da vontade real, conceituando que
pessoa não é somente o homem, mas todos os entes dotados de existência real.A partir desta concepção, reconhece-se a possibilidade de responsabilização
da pessoa jurídica por ser a mesma capaz de vontade628.
Estabelecidas as primárias concepções acerca da pessoa jurídica, cabe-
nos fazer algumas considerações de âmbito geral sobre a contemporaneidade e
a importância da pessoa jurídica no contexto atual.
E importante ressaltar que, com o desenvolvimento das relações sociais e
a aceleração dos processos advindos da época pós-industrial, surgem fatoresque caracterizam a nossa sociedade como sendo de risco. Este risco pode ser
considerado desde o início do processo de produção industrial de produtos, a
partir da exposição do trabalhador, sua vida e sua saúde no desempenho de
atividades perigosas.
Com o produto final acabado e sua conseqüente comercialização em
diversos níveis, tem-se o desdobramento de processos causais que acarretam
dificuldades na identificação de responsabilidades por produtos defeituosos,sem se falar nos resíduos advindos desta produção industrial capazes de gerar
grandes riscos ao ser humano, ao meio-ambiente, aos patrimônios histórico e
urbanístico, através da emissão de dejetos líquidos, sólidos e gasosos.
E correto afirmar-se que a empresa por si só constitui-se como uma das
principais fontes de risco para os bens jurídicos fundamentais do homem,
como a vida, a saúde e o meio-ambiente. Esta afirmação parte da concepção
de que estas empresas são aquelas que exploram atividades lícitas desde obje
tivos e fins lícitos, visto que à margem do risco admitido pela sociedade pós-
industrial, deparamo-nos com atividades ilícitas realizadas por empresas ilícitas
e, em muitos casos, tais atividades são desenvolvidas até mesmo por empresas
lícitas. Ainda mais se se considerar que suas ações, normalmente encontram-
se disponíveis nos mercados de valores.
Acerca das atividades ilícitas realizadas por empresas lícitas ou não, de-
paramo-nos com a Máfia, com a criminalidade organizada através de redes de
tráfico de armas, de crianças, de prostituição, de drogas, de lavagem de dinhei
628 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade pena! da pessoa ju ríd ica , p . 87.
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ro, até alcançarmos comportamentos que lesam o meio-ambiente, v.g. com otransporte e estocagem de resíduos tóxicos e radioativos, devastação de flores
tas (Amazônia), emissão de dejetos poluentes etc629. Tais fatos surgem da
compatibilização de interesses financeiros e políticos das sociedades modernas, e, tomando-se como parâmetro as investigações feitas pelo Max-Planck-
In stitut fu r auslãndisches und International Strafrecht, em Freiburg itn Breisgau,
Alemanha, constatou-se que 80% dos delitos cometidos naquele país eram
cometidos no interior das empresas630.
Sobre o apontado acima, e as experiências havidas confirmam, tomou-secomum as associações criminais imiscuirem-se em empresas ou grupos econô
micos sanos, por meio da injeção de capital “negro”, isto é, dinheiro advindode fònte ilícita, tornando difícil o desmembramento entre as duas.
Diante desta premissa, a discussão em torno da pessoa jurídica e sua crimi-
nalização ganhou grande destaque e conscientização acerca da sua relevância,
em especial através dos desastres ecológicos verificados pelo planeta, e pela cons
tatação nociva ao ser humano de seus efeitos, corroborado pela irresponsabilida
de de nosso modelo social e econômico em utilizar os recursos da natureza,
gerando com isto situações de perigo aos interesses sociais e individuais.
Conferências como as de Estocolmo, na Suécia, e Rio de Janeiro, no
Brasil, entre outras, reconheceram o meio ambiente como bem jurídico e asse
guraram à relevância e aplicação do Direito Ambiental, ainda que degrada
ções ambientais de toda espécie continuem avançando de maneira alarmante,
apontando para a ineficácia desta nova modalidade de^Direito em solucionar
a crise que se instaurou em tom o do conceito de desenvolvimento sustentável.
A partir disso, em obediência às considerações dadas pelos princípios da
fragmentariedade e subsidiariedade, investe-se o Direito Penal com a possibi
lidade de reacionar frente à lesão ao bem jurídico. Isto é, frente ao dano cau
sado por uma conduta a um interesse juridicamente protegido. A conseqüência
deste juízo é a possibilidade de criminalização da pessoa jurídica, que igual
mente se apresenta como solução aparente, mostrando-se pressionados os le
629 MACHADO , Eábio Guedes de Paula. Prescrição penal prescrição funciona lista, p. 63.
630 ACHENBACH, Hans. Sanciones con las que se puede castigar a las empresas y a las personas que actuán en su nombre en el derecho alemán. Fundamentos de un sistem a europeo del derecho p enal, p. 357.
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F á b io G u e d e s de P a u l a M a c h a d o - 2 6 7
gisladores pela opinião pública ou por certos grupos a criminalizá-la, e, assim,
acalmar a opinião pública. Inegável, portanto, a utilização das normas penais
como instrumento hábil a criar a conscientização coletiva sobre determinado
problema em obediência ,às novas exigências sociais, reconhecendo-se o efeitosimbólico da norma penal para toda a coletividade.
Na margem deste discurso e nesta compreensão, acredita-se que o Direi
to Penal deva intervir apenas quando manifesta a necessidade de pena para a
solução do conflito, isto é, como última ou extrema ratio.
Sob o plano político de intervenção do Direito Penal, é indispensável
reconhecer-se que o sistema penal não está constituído única e exclusivamen
te por normas estáticas. Ao contrário, se perfaz por meio de um sistema dinâ
mico de funções que compreende, em especial, os mecanismos de criação,aplicação e execução das normas631.
Argumentos favoráveis à responsabilização da pessoa jurídica são dados
também pelos estudos da Criminologia, levando-se em consideração a reali
dade em que vivemos, ao reconhecer que a pessoa jurídica é um ente real e
independente dos indivíduos que a compõem, possuindo vontade própria,
com capacidade de agir e de praticar ilícitos penais632.
Reconhece-se que, no âmbito empresarial, são gerados estímulos, aindaque inconscientes a todos os seus membros, a fim de alcançar os objetivos e
metas empresariais, reduzindo-se sobremaneira o efeito preventivo geral da
pena sobre um membro diretor, até mesmo porque normalmente é o mesmo
fungível. Caso contrário, tom a-se impossível rastrear a responsabilidade ind i
vidual na complexa organização das sociedades industriais, ainda mais se a
mesma tiver caráter transnacional.
Senão o bastante haver inúmeras dificuldades para se rastrear a responsa
bilidade individual nestes casos, há a favor dos autores destes delitos os fatoresde caráter social (prestigio dos autores e conivência entre a classe política e
agentes econômicos, o efeito não-estigmatizante, o despreparo das autorida
631 Pela criação das normas incriminadoras, há expressa consideração sobre o 'proibido', podendo se verificar no próprio Código Penal ou através de leis extravagantes. No que se refere à aplicação, toma-se necessário que a dogmática se reestrute para atender a novação legislativa, cabendo normalmente às estruturas internas do Poder judiciário ou do Poder Executivo, propiciar condições para a efetiva execução das normas.
632 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito pena! brasileiro, p. 157-161.
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des policiais, dos membros do Ministério Público e do Poder Judiciário para proceder a este tipo de investigação, instrução e julgamento criminal)633. De
caráter formal (condutas realizadas por meio de órgãos coletivos dotados de personalidade própria, em que há uma cadeia de mandos e desmandos que
impedem a aplicação do Direito Penal idealizado apenas para condutas indi
viduais), há ainda a favor deste tipo de criminalidade fatores advindos do
poder econômico, manifestado por meio de melhores defesas ou, em especial,
pela possibilidade de exercício de pressões sobre os denunciantes.
Portanto, diante da comprovação do conjunto de circunstâncias que condi
cionam a efetividade das normas penais face à criminalidade aqui denominada de
difusa, é o Direito Penal clássico injusto e desigual, mostrando-se hábil apenas à persecução de condutas normalmente realizadas pelas classes mais desfavorecidas.
Em face do quadro atual e afora a tomada de consciência política, em
especial pelos problemas afetos ao meio-ambiente, mister que também os
problemas econômicos e sociais tenham tratamento comum no que tange à
pessoa jurídica, isto em face da constatação da preponderante incidência das
atividades ilícitas perpetradas por empresas.
De maneira a mostrar-se atualizada e capaz de enfrentar os problemasadvindos da sociedade contemporânea, deve a doutrina realizar uma revisão so
bre os seus tradicionais e restritivos princípios que excluem a hipótese de crimi-
nalização da pessoa jurídica, ainda mais se se considerar que noutros ramos do
Direito são as pessoas jurídicas titulares de direitos, e a partir do Direito Penal
Econômico há uma expressa conexão com os demais raníos do Direito634.
Destarte, sendo função do sistema dogmático penal evitar incoerências
sistemáticas, deve o mesmo zelar para que pessoas físicas e jurídicas sejam punidas quando tenham realizado o delito.
5 . 1 1 . 2 F u n d a m e n t a ç ã o d o g m á t i c a c o n t r á r i a à r e s po n s a b il id a d e
PENAL DA PESSOA JURÍDICA
A partir do princípio societas delinquere nonpotest , centraliza-se a doutri
na conservadora em dois aspectos principais para rechaçar a responsabilidade
633 MA CHADO, Fábio Guedes de Paula. Crise do direito penal. RT, nfi 765, p. 431.634 ZUNIGA RODRÍGUEZ, Laura. Modelos de imputación penal para sancionar ia criminalidad
de empresa. RPCP, nB 7/8, p. 994.
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do em si, v.g., uma reprovação ético-social, com um conteúdo de tratamento do
delinqüente, o que obviamente implicaria a impossibilidade de sua aplicação637.
A partir das críticas lançadas dentro de um sistema clássico de Direito
Penal, é evidente que esta construção teórica se mostra incompatível com anatureza da pessoa jurídica, razão pelas quais muitos são os autores que repe
lem esta nova responsabilização criminal.
Alinhando-se a esta posição, porém com argumentos outros, exsurgem
Günther Jakobs e Bernardo Feijóo Sánchez638. Embora concorde com o fato de
que sobre a pessoa jurídica são depositadas expectativas normativas, tais como o
de que ela cumprirá o seu contrato, ou que não vai realizar contratos fraudulentos,
ou que não vai poluir o meio ambiente, porém ela não pode descumprir ou desautorizar uma norma, pois esta é afeta à pessoa natural. E a pessoa física que possui
consciência, e não há de se confundir a sua identidade com a da pessoa jurídica.
Isto é, só o autor, pessoa física, toma uma posição frente à norma em razão de seu
ato ter significado comunicativo. Há, aqui, uma consciência com uma exterioriza
ção, e esta consciência representa no plano da comunicação a capacidade do sujei
to de apreender o significado da norma, agindo conforme ela ou não.
Logo, disso resulta que, apenas e unicamente uma pessoa a que se imputa uma consciência própria é competente no plano comunicativo para com-
portar-se de forma culpável639.
Enquanto a pessoa natural se determina pela consciência, a pessoa jurí
dica se determina pela unidade de sua constituição. Não se pode, pois, falar
em transferência de culpabilidade por parte do órgão da pessoa jurídica para a
própria empresa. E o órgão que infringiu deveres próprios, e em conseqüência
não é livre para decidir negócios alheios. E mais, os comportamentos delitivossó podem ser atribuídos a quem atua para si, e a culpabilidade atribui-se aos
fatos daqueles que participaram.
Diante disto, e sob a concepção de Jakobs, se a pessoa jurídica tem que
reconhecer como culpa própria a culpa do órgão, então esta culpa é sua pró
637 D ireito pena l sup raind ividu al, p. 196-197.
638 Punibitidad de Ias personas jurídicas? e Culpabilidad y punición de Ias personas jurídicas? E l funcionalism o en derecho penal (libro homenaje al profesor Günther Jakobs), vol. I, p. 325- 347 e 349-384.
639 JAKOBS, Günther. Punibilidad de Ias personas jurídicas? E l funcionalism o en derecho penal (libro homenaje al profesor Günther Jakobs), vol. 1, p. 338.
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F á bio G u e d e s de P a u l a M a c h a d o - 271
pria culpa, e não há de se falar em resto de culpa individual, o que acarretariaa dissolução da pessoa natural, eis que não poderia ser culpada por nada, e isto
não é o que deseja a dogmática penal atual640.
Trata-se, então, de se reconhecer que a culpabilidade da pessoa jurídica éa culpabilidade pelo fato ou decisão de outro, e se esta teoria é adotada no
Direito Civil, já no Direito Penal careceria de legitimidade por ser contrária
aos seus postulados básicos, em especial afrontaria os princípios da culpabilidade e da personalidade das penas641.
Muito mais poderia ser destacado a partir da concepção de Jakobs e
discípulos acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica, porém, porrestrição óbvia, limito-me às considerações gerais.
5 . 1 1 . 3 F u n d a m e n t a ç ã o d o g m á t i c a d a r e s po n s a b i l id a d e pen a l d a
PESSOA JURÍDICA
Quando se pensa em dogmática jurídico-penal e, por conseqüência, emseus dogmas, a partir da compreensão que interpreta o sistema penal como
sendo aberto, temos de considerar no que diz respeito àqueles, que sua cons
trução se dá através de decisões e eleições advindas de conclusões argumenta-
tivas, sujeitas às reformulações próprias do desenvolvimento social, não
possuindo o caráter impositivo ou autoritário de excluir outras argumentaçõesdesde que, racionalmente fundamentadas, não havendo, assim, o conceito cer
to ou errado, mas aquele que exprime melhor uma realidade fruto da consta
tação científica e, no caso do Direito Penal, fruto da política criminal.
Concebida como fruto do modernismo e das agressões a bens jurídicos
difusos, a responsabilidade penal da pessoa jurídica nasceu como imperativo
de combate a estas agressões, sem contudo ser desenvolvida integralmente
uma teoria do crime própria a ela. Em razão disso, no plano dogmático proli
feraram discussões sobre se a pessoa jurídica tem ou não capacidade de ação,
de culpabilidade e de pena, e mais, se as sanções impostas são penas, medidas
de segurança ou sanções administrativas. No plano político criminal, questio-
na-se a idoneidade de se impor penas ou outras sanções às pessoas jurídicas
640 Idem, p. 338.
641FEIJÓ SÁNCHEZ, Bernardo. Culpabilidad y punición de Ias personas jurídicas? E l funcionalis-mo en derecho penaI (libro homenaje al profesor Günther Jakobs), vol. 1, p. 354.
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2 7 2 - C u l pa b il id a d e n o D ir e it o P e n a l
como forma de prevenir a ocorrência de lesão aos bens jurídicos compreendi
dos a partir de sua característica metaindividual.
Frente às exigências de se legitimar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, algumas concepções são esboçadas como forma de ultrapassar as con
trovérsias dogmáticas:
a) Expansão dos conceitos tradicionais do Direito Penal para abri
gar as novas necessidades de criminalização;
b) Criação de um novo ramo do Direito denominado de Intervenção;
c) Reformulação do sistema penal, tornando-o único às pessoas fí
sicas e jurídicas;d) Criação de um sistema penal à margem do sistema tradicional
exclusivamente para pessoas jurídicas.
a) A meu juízo, expandir os conceitos penais tradicionais para possibilitar
a responsabilização da pessoa jurídica eqüivale a instalar no sistema penal uma
forte carga de insegurança jurídica, capaz de gerar a ilegitimidade do Direito
Penal para intervir nestas novas relações socioempresariais, manifestando-se por
meio de uma grande gama de julgamentos contraditórios e de uma doutrina
incompreensível a partir dos postulados do Estado Democrático de Direito.
Partindo das concepções dogmáticas traçadas pelo causalismo ou pelo
finalismo tradicionais, tem-se como conseqüência da adoção da responsabili
dade penal da pessoa jurídica, a renúncia aos princípios da culpabilidade e da
personalidade das penas, impondo-se, necessariament^ uma revisão absoluta
da dogmática jurídico-penal, até hoje elaborada com base na pessoa física,
para possibilitar a criação de instrumentos dogmáticos para a luta contra a
criminalidade cometida pela empresa642.Sobre este tema, categoricamente, afirmava Welzel que só pode incorrer em
culpabilidade o indivíduo por estar dotado de vontade, porém não uma corpora
ção ou òutro ente coletivo643, embora Klaus Tiedemann afirme que o finalismo
atual não negue a possibilidade de imputar atos humanos à pessoa moral644.
642 MACHADO , Fábio Guedes de Paula. Prescrição penaI - prescrição funcionalista, p. 59.643 WELZEL, Hans. E l nuevo sistema de derecho penal, p. 80.644 Responsabilidad penal de personas jurídicas , otras agrupaciones y empresas em derecho
comparado. Jornadas sobre la reforma de la justicia , p. 38.
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F á b io G u e d es d e P a u l a M a c h a d o - 2 7 3
Em realidade, a doutrina, ao sustentar posição contrária à responsabili
zação criminal da pessoa jurídica, o faz com amparo na concepção tradicional
e dominante do delito entendido como ação penal pessoal (injusto) e reprovável a um sujeito (culpabilidade), ou seja, a dogmática constrói-se a partir da
concepção de que o delito se constitui na abstração de uma conduta de um
sujeito individual que vulnera um bem jurídico individual e causa dano a
uma vítima. Diante do reconhecimento da vigência desta concepção no siste
ma penal, este não tem como solucionar os problemas advindos de um com
plexo concurso de autoria (p lura lidade de sujeitos ativos com divisão e
distribuição de tarefas), de sujeitos passivos múltiplos (as vítimas nestes tipos
de delito costumam ser múltiplas e indeterminadas), complexidade no nexo
causai (pluralidade de situações de risco que se produzem no iter criminis
deste tipo de delito, manifestando-se através da produção, distribuição e co
mercialização dos produtos e de bens jurídicos coletivos645.
Em face desta constatação, o Direito Penal tradicional mostra-se incapaz
de solucionar os problemas advindos da complexa sociedade pós-industrial,
em que pese os esforços legislativos realizados para a sua atualização, notada-
mente no que se refere à antecipação da intervenção penal centrada na tutelados bens jurídicos por meio dos delitos de perigo etc.
A partir da compreensão de que a responsabilidade penal da pessoa
jurídica é estranha ao espírito do Direito Penal, observa Roxin que “as san
ções a pessoa jurídica desempenharão um grande papel no futuro. Pois as
formas socialmente mais lesivas da criminalidade econômica e ambiental
têm sua origem nas grandes e poderosas empresas; também a venda dos
mais diversos produtos lesivos à saúde será um problema cada vez maior para o direito penal”646.
Assevera ainda Roxin que quando se realiza um tipo penal, é freqüente
mente difícil, senão impossível, descobrir os responsáveis na empresa, pois a
responsabilidade distribui-se por várias pessoas, e a culpabilidade de uma de
las dificilmente pode ser provada. Já sobre a função de evitar a ocorrência
destes tipos de delito, entenda-se prevenção delitiva eficaz, resta a mesma
645 ZUNIGA RODRÍGUEZ , Laura. Modelos de imputación penal para sancionar Ia criminalidadde empresa en el CP espanol de 1995. RPCP, ne 7/8, p. 967, 970-971.
646 ROXIN, Claus. Tem futuro o direito penal? R T 790, p. 473.
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prejudicada, pois não se consegue evitar a prática destes fatos apenas por meioda punição do indivíduo substituível647.
Em suma, as maiores dificuldades centralizam-se na imputação do fato ao
autor e na culpabilidade648, razão pela qual o discurso de que outros ramos doDireito se mostram mais eficientes na tutela dos bens difusos do que o Direito
Penal ganha grande aceitação no seio dos adeptos da tradicional doutrina finalista.
b) Defende Winfried Hassemer a criação do Direito de Intervenção comosendo o mais adequado a responder aos problemas específicos das sociedades
modernas, posicionando-se entre “o Direito Penal e o Direito sancionatório ad
ministrativo, entre o Direito Civil e o Direito Público, com um nível de garan
tias e formalidades processuais inferiores ao do Direito Penal, porém com menosintensidade nas sanções que poderiam impor-se aos indivíduos”.
En tende Hassemer que a vantagem deste Direito seria a de não ter contra si a incidência dos princípios garantísticos, tais como o da culpabilidade
ou da imposição de cumprimento de formalidades na obtenção da prova lícitaetc., haja vista que não haveria de se falar em culpabilidade penal, demons
trando que o escopo desta concepção é o da prevenção e impedimento de
resultados danosos aos bens difusos649.
Criar um ramo do Direito sob a rubrica de Intervenção, não me pareceadequado, levando-se em consideração à própria gênese do D ireito que é sem
pre de intervenção. Quanto ao conteúdo da estrutura proposta, entende-se
que a mesma já faz parte do próprio Direito Administrativo, sendo, pois dis pensável uma nova construção neste sentido. /
c) Reconstruir os conceitos dogmáticos do Direito Penal tradicional para
dar uma resposta adequada aos problemas da sociedade contemporânea, surge
como necessidade não apenas para possibilitar a responsabilização da pessoa jurídica, mas inclusive para garantir ao Direito Penal maior legitimidade e
eficácia no combate ao delito.
Para a consecução deste escopo, faz-se necessário, no que tange à responsa bilidade penal da pessoa jurídica, reelaborar todo o sistema dogmático esque-
647 Idem, p. 473.648 Dentre inúmeras questões em torno da imputação penal da pessoa jurídica,podemosdestacar
a que recai em se precisar se apenas a pessoa jurídica privada figura como sujeitoativo, ou sea pessoa jurídica pública também pòde ser imputada; questões sobre a transformação, fusão e dissolução da empresa em vias de ser processada etc.
649 HASSEMER, Winfried. Persona, mundo y responsabilidad, p. 72.
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Fá b io G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 2 7 5
matizado a partir do comportamento humano de uma pessoa física (injusto pessoal), pois sancionar a todos da mesma forma significaria infringir o princípio de
culpabilidade, que reza que cada pessoa deve responder por seus próprios atos.
Além da impropriedade da concepção do injusto penal fundamentadona pessoa física não poder fundamentar a responsabilidade penal da pessoa
jurídica, cabe afirmar que sequer a mesma corresponde ao desenvolvimento
atual da dogmática jurídico-penal alemã e espanhola, que, aliás, tendem à
funcionalização dos conceitos de acordo às considerações político-criminais
de prevenção de condutas650.
Senão o bastante, estudos criminológicos realizados apontam para a ne
cessidade de o Direito Penal mostrar-se eficaz frente aos delitos cometidos no
seio de aparatos organizados.
Para a estruturação de uma concepção suficientemente capaz de susten
tar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, é necessário obter a legitima
ção da intervenção penal a partir dos fundamentos materiais da imputação
penal, ou seja, através da teoria dos fins da norma penal, da prevenção geral de
condutas para a proteção de determinados bens jurídicos considerados im
portantes para a sociedade651.
d) Esta concepção sustenta a mantença do tradicional sistema do delito para a responsabilidade individual com seus próprios princípios e regras, e, a
criação de um sistema penal à margem do sistema penal tradicional para abarcar
a pessoa jurídica, igualmente submetendo-se aos princípios penais fundamen
tais (intervenção mínima, legalidade, lesividade, proporcionalidade e culpabili
dade), porquanto são estes princípios que definem o caráter penal, seja para as
pessoas física ou jurídica652, embora se sustente com amparo na doutrina tradi
cional que se se considerar pena a sanção dirigida à pessoa jurídica, tem-se que
650 Propõe o funcionalismo a flexibilização dos conceitos de ação e omissão, a reformulação da função da culpabilidade de limite e fundamentação da pena para considerá-la como limite da intervenção estatal, cabendo às necessidades preventivas a fundamentação da pena, posicionando-as lado a lado sob o conceito reitor de responsabilidade e modificando-se o objetivo da pena de retribuição e compensação da injustiça para a prevenção do dano, isso entre outras providências a seguir apontadas.
651 ZUNIGA RODRÍGUEZ, Laura. Modelos de imputación penal para sancionar la criminalidad de empresa. RPCP, ns 7/8, p. 990.
652 ZUNIGA RODR ÍGUEZ, Laura. Modelos de imputación penal para sancionar la criminalidad de empresa. RPCP, ne 7/8, p. 995.
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renunciar ao princípio da culpabilidade e ao da personalidade das penas653. De
fato, merecem as classes dogmáticas ser concebidas de outro modo, caso contrá
rio elas servirão sempre como forte argumentação em sentido contrário ao doreconhecimento desta forma de responsabilização penal.
Como conseqüência da adoção deste modelo, ter-se-á destinado ao Di
reito Penal, apenas os casos mais graves e, ao Direito Administrativo sanciona-
dor, os casos menos graves.
A idéia é bastante atraente, conquanto que dificuldades acerca dos crité
rios de imputação possam recair sobre a sua aplicação, isto porque conforme a
opção doutrinária classicamente manejada, “a pessoa jurídica atua por inter
médio de pessoas físicas, já que por si só não pode atuar, necessitando, pois, de
um fato de uma pessoa física culpável, ou em prejuízo desta concepção, trata-
se em realidade de uma culpabilidade social de toda a empresa, daí resultando
desnecessário estabelecer-se inicialmente a culpabilidade individual”654.
A opção manejada apresenta conseqüências diversas, em especial quanto
ao erro, pois que, adotando-se a primeira concepção e verificado o erro indivi
dual, por conseqüência este haveria de se estender à pessoa jurídica, ao passo
que, pela segunda concepção, o erro não teria incidência.Somos da opinião que se ajusta melhor aos critérios de funcionalidade
penal a construção de um sistema próprio para abrigar a responsabilidade
penal da pessoa jurídica, não se confundindo com a já concebida estrutura
destinada que é exclusivamente à pessoa fisica655./Contudo, a título de esclarecimento prévio, alguns países vêm tratando
o problema de maneira intermediária, instituindo uma causa de extensão do
tipo ou de autoria, dotando a pessoa física de condições exigidas para serautor de um delito especial próprio, sendo que estas originariamente pertencem à pessoa jurídica.
Na Alemanha se observa um im portante avanço do Direito Adm inistra
tivo sancionador ou contravencional, que admite a imposição de sanções à
653 BAJO FERNÁNDEZ, Miguel. Hacia um nuevo derecho penal: el de las personas jurídicas. Doctrina penal, t. 9 A, p. 117.
654 ZU NIGA RODR ÍGUEZ, Laura. Modelos de imputación penal para sancionar Ia criminalidad de empresa. RPCP, n2 7/8, p. 995.
655 Neste sentido: Claus Roxin, Tem futuro o direito penal? RT ne 790, p. 474.
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Fá b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 2 7 7
pessoa jurídica (Lei sobre contravenções — Ordnungswidrigkeiten), prevendo a
imposição de multa administrativa (Geldbusse) às pessoas jurídicas não só por
contravenções mas também por delitos cometidos por seus representantes em benefício da empresa656.
Acompanhando o modelo alemão, a Espanha adotou modelo intermediário preconizado a partir do sistema das conseqüências acessórias e da atua
ção por outro, conforme arts. 31 e 129 do Código Penal de 1995, ao estabelecer
penalidades semelhantes às previstas na Lei brasileira n° 9.605198.
Em síntese, a aplicação destas conseqüências acessórias tem a finalidade de
prevenir a continuidade da atividade delitiva e seus efeitos. Nos termos do CódigoPenal espanhol, o “atuar por outro”, alarga a possibilidade da pessoa física ser
considerada responsável criminalmente, compreendendo não só a atuação em nome
de uma pessoa jurídica, senão também a realizada a favor de outra pessoa natural,
alcançando tanto o representante legal como o voluntário ou fático657.
5.11.3.1 O MODELO JURÍDICO-PENAL DE IMPUTAÇÃO PENAL
À PESSOA JURÍD ICA
Em face das inúmeras possibilidades dos bens difusos serem lesados, já se faznecessário a introdução de um Direito Penal Difuso ou coletivo entre nós. Diante
desta premissa, melhor se ajusta aos critérios de funcionalidade penal a construção
de um sistema próprio para abrigar a responsabilidade penal da pessoa jurídica,
não se confundindo com a já concebida estrutura destinada à pessoa física.
Este método, que deriva das bases fundonalistas, é apoiado no ideal de radò-
nalidade e está disposto a dar ao caso concreto uma solução mais adequada, sem
contudo separar-se do dentifidsmo. Ainda, propõe-se a reconstrução do sistema penal, não apenas para ser mais eficaz no combate à criminalidade clássica, que é
inerente à pessoa física, mas também para responder as questões criminais surgidas
com o modernismo, v.g., a criminalidade cometida pela pessoa jurídica.
Ao se prescrever este Direito Penal coletivo ou da pessoa jurídica, deve-se
atentar à necessária delimitação de fatos que podem ser imputados à pessoa
jurídica, bem como ao círculo de autores cujos atos podem ser imputados
como próprios, ou como atos da pessoa jurídica, conforme compreensão teóri
656 MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Prescrição pena! - prescrição fundonalista, p. 59.
657 Idêntica previsão consta no Códigò Penal alemão no seu art 14.
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2 7 8 - C u l p a b il id a d e n o D i r e it o P e n a l
ca manejada. Isso quer dizer que a pessoa jurídica não pode responder por
qualquer fato delitivo que ocorra dentro de si, mas apenas aqueles que te
nham uma relação funcional com a sua atividade, ou seja, que tenham uma
relação entre o comportamento delitivo e o âmbito de deveres e obrigaçõesconcretas do órgão ou dos representantes.
Para tanto, vale dizer que as elaborações dogmáticas dos conceitos de
ação e de culpabilidade devem depender da idéia que se tenha sobre o sujeito,
e seus conteúdos devem ser dados em consideração da função do Direito Pe
nal. Assim, possibilita-se a modificação dos conceitos a partir da evolução dasociedade através da renormatização dos conceitos. Deste ponto de vista, v.g.,
sujeito não é apenas quem tenha ocasionado um resultado, senão aquele queseja competente para produzi-lo.
Quanto a pessoa jurídica, mister que este sistema surja levando em consi
deração a sua própria natureza, evitando-se um inadequado tratamento iguali
tário para coisas essencialmente desiguais (pessoa física e jurídica). Alguns autores
propugnam não renunciar a concepção geral de ação e de culpabilidade658, ou
melhor, sem renunciar a uma equilibrada e harmoniosa teoria do delito própria.
Sobre este tópico, vale dizer que a criação de um sistema paralelo ao clássico, já não é mais novidade entre nós. O Estatuto da Criança e do Adolescente,
o tratamento dado aos inimputáveis e semi-imputáveis que tenham contra si
aplicada a medida de segurança, ou até mesmo o microssistema processual ins
taurado pela Lei dos Juizados Especiais Criminais —Lei n° 9.099/95, são bons
exemplos da coabitação de subsistemas dentro do sistejüia jurídico.
No intuito de apresentar um esboço de teoria do delito destinada à pes
soa jurídica, indispensável que o injusto e a responsabilidade pertinentes a ela
sejam delineados.
Primeiramente, a necessidade de tutela de um bem jurídico, surge desde
logo através de manifesta opção pautada em política criminal, e em harmonia com
os princípios da subsidiariedade e fragmentariedade, envoltos pela razoabilidade.
658 Concordam neste sentido: Feijóo Sánchez, argumentando que a pessoa juríd ica tem sua
própria personalidade e culpabilidade. La responsabilidad penai de Ias personas jurídicas, un meio eficaz de protección del meio ambiente? RPCP, nQ9, p. 265, e Sérgio Salomão Schecaira, asseverando acerca da dicotomia responsabilidade individual e responsabilidade coletiva, que cada qual assume sua própria autonomia, afirmando que todo o Direito sancionatório relativo às pessoas jurídicas "poderá cair no âmbito do Direito Penai de raízes éticas mas sim num ramo de direito diferente". Responsabilidade pena! da pessoa ju ríd ica , p. 82.
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Fá b io G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 28 1
O argumento de que em verdade não se trata de uma ação genuinamente
da pessoa jurídica, pois é o seu representante que a realiza, fica superado quando
se estabelece que se trata de uma forma de ação determinada pela própriaestrutura da corporação.
Descaracterizada a subjetividade do tipo já tão criticada e alvo de intran-qüilidades doutrinária e jurisprudencial664, à pessoa jurídica impõe-se a re
construção funcionalista para a formatação de um dolo puramente normativo.
Neste dolo de pretendida construção, o elemento volitivo é afastado, per
manecendo o elemento cognitivo, agora sob o entendimento de que o conhe
cimento de impedir o resultado danoso ao bem-jurídico difuso é implícito à pessoa jurídica em face até mesmo das atividades que esta realiza, e a nãotomada de posição em relação a sua não-ocorrência eqüivale a afirmar a acei
tação do risco, ou de implementá-lo se já existente, de causar o dano.
Partindo de um sentido social, assevera Ramon Ragués I Vallès que este
recurso “implica que a consideração de uma conduta corrió dolosa não dependa de determinados dados psíquicos, cuja apreensão resulta impossível, tanto
para o juiz como para os cidadãos, senão que dita conduta de acordo com assuas características externas e perceptíveis, valore-se socialmente como negação consciente de uma concreta norma penal”665.
Destarte, no curso da persecução criminal, deve o membro do Ministério
Público consultar as atribuições dos órgãos, representantes e membros elenca-
dos no estatuto da pessoa jurídica, a fim de apurar se este realizou ou não uma
ação conforme as atribuições lá disciplinadas. Com esta cautela, o titular da ação penal pública poderá elucidar se se trata de uma ação típica da pessoa jurídica, e
por isto a mesma lhe poderá ser imputada, ou se se refere a uma ação exclusivado órgão ou membro enquanto pessoa, a partir de uma inobservância de regra
de evitabilidade do resultado ou desvio de responsabilidade, oportunidade em
que o concurso de pessoas será ou não estabelecido. Pragmaricamente, o Minis
tério Público concluirá pela ocorrência ou não de uma ação de interesse penal,
664 São freqüentes no processo penal os debates em torno da resolução ao caso concreto da
aplicação do dolo eventual ou da culpa consciente, advindo obviamente ao erro, sem se considerar a impossibilidade do órgão acusador introjetar na psique do agente para apontar com precisão se este agiu com dolo ou culpa, sendo usual a formulação da "verdade construída", onde se constata que o agente realizou um fato doloso a partir da união de indícios. No mesmo sentido: Ramon Ragués i Vallès, Et doto y su prueba en e l proceso penal, p. 302.
665 E l dolo y su prueba en e l proceso penal, p. 324.
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socorrendo-se da relação funcional entre o comportamento delitivo e o âmbitode deveres e obrigações do órgão ou dos representados666.
Para manter o sistema equilibrado e harmônico, mister que seja elabora
do um novo microssistema processual adequado às particularidades da em
presa, mantendo-se intocável as garantias constitucionais do processo, inclusive
para propor medidas cautelares reais adequadas à pessoa formal, v.g. interdi
ção prévia, como forma de garantir a tutela do bem-jurídico quando elemen
tos processuais indiquem esta necessidade, além de outras já concebidas nos
ordenamentos como a proibição de contratar com o Poder Público e a suspen
são das atividades nocivas ao bem-jurídico tutelado etc.
Contudo, enquanto a inovação legislativa de natureza processual não vêm,nada impede que se faça uso da analogia do Direito Processual Civil (v.g. art.
12, VI, do CPC, que trata da representação em juízo da pessoa jurídica) e dos
princípios gerais de Direito, regulando o procedimento correspondente667.
5 .1 1 .4 . Q u e s t õ e s em t o r n o d a c u l p a b i l i d a d e
Conforme leciona Miguel Bajo Fernández acerca da culpabilidade e da
responsabilidade penal da pessoa jurídica, é correto afirmar que, nos paísesonde não há o limite constitucional da culpabilidade (Dinamarca, França,
Grécia, Holanda, Irlanda e Reino Unido), não existe mais objeção quanto aeste tipo de criminalização, restando discussões apenas em tomo dos tipos de
sanções e sobre a vinculação exigível entre a pessoa física que atua e a pessoa
jurídica668. Por sua vez, diversa é a posição adotada pelos, países seguidores da
dogmática alemã, fiéis ao princípio societas delinquere non potest.
Pelas colocações feitas até aqui e em especial no que tange à culpabilidade,têm-se a centralização dos argumentos dogmáticos contrários ao reconhecimento
da responsabilidade penal da pessoa jurídica, a partir de dados ontológicos,
próprios que são do causalismo e do finalismo, pois em se considerando que a
mesma é destinada essencialmente às pessoas físicas, referi-la à pessoa jurídica
seria o mesmo que torná-la culpada pelo fato de outro, em que pese a
666 BACIGALUPO , Silvina. La responsabilidad penal de Ias personas jurídicas, p. 166.
667 No mesmo sentido: Ada Pelegrini Grinover, Aspectos processuais da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e Qireito Penal, p. 46-50.
668 Hacia um nuevo derecho penal: el de Ias personas jurídicas. Doctrina penal, t. 9 A, p. 115.
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unanimidade em punir as pessoas jurídicas desde a óptica da política criminal,constituindo a oposição entre dogmática e política criminal quando, em
verdade, a dogmática penal deve ser o veículo e não o obstáculo para a realização
dos necessários fins de política criminal em relação à prevenção do delito.Acerca da aplicação dos institutos do sistema penal tradicional para a pessoa
jurídica, já nos posicionamos contrários a esta posição669, em especial porque as
categorias do delito foram elaboradas a partir do indivíduo e de suas capacidades
pessoais, reunindo uma série de elementos psicológicos (v.g. volitivos). Portanto,
a única solução para evitarmos um inadequado tratamento igualitário para coisas
essencialmente desiguais é a construção de um sistema que abrigue as peculiari
dades da pessoa jurídica, sem prostituir a concepção geral de culpabilidade670.
Em repúdio às bases ontológicas, o funcionalismo penal, apoiado no idealde racionalidade e disposto a dar ao caso concreto uma solução mais adequada,
sem contudo separar-se do cientificismo, propõe a reconstrução do sistema pe
nal (tal como visto anteriormente), não apenas para ser mais eficaz no combate
à criminalidade clássica, que é inerente à pessoa física mas, agora também pararesponder às questões surgidas com o modernismo, isto é, a criminalidade co
metida pela pessoa jurídica.
Esboçadas ao longo deste trabalho as principais vertentes do funciona
lismo penal e reconhecida a concepção dogmática de Roxin como aquela que
se integra aos postulados do Estado Democrático de Direito, e que reconhece
na pessoa humana o seu centro de importância, somos da opinião que este
sistema não possibilita a penetração de suas estruturas na pessoa jurídica, embora
como já apontado o próprio autor tenha se manifestado favorável à responsa
bilização penal da pessoa jurídica, não conseguindo solucionar com precisão
as questões em tomo da capacidade de ação e de culpabilidade, renovando-se
aqui a crítica de que é o mesmo concebido para a pessoa humana.
669 No mesmo sentido: Bernardo Feijóo Sánchez, La responsabilidad penal de las personas jurfdicas, un meio eficaz de protección del meio ambiente? RPCP, ns 9, p. 26
670 Concordam neste sentido: Feijóo Sánchez , argumentando que a pessoa juríd ica tem sua própria personalidade e culpabilidade. La responsabilidad penal de las personas jurídicas, un meio eficaz de protección del meio ambiente? RPCP, n2 9, p. 265, e Sérgio Salomão Schecaira, asseverando acerca da dicotomia responsabilidade individual e responsabilidade coletiva, que cada qual assume sua própria autonomia, afirmando que todo o Direito sancionatório
relativo às pessoas jurídicas "poderá cair no âmbito do Direito Penal de raízes éticas mas sim num ramo de direito diferente". Responsabilidade penal da pessoa jurídica, p. 82.
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antijuridicidade ou de seus motivos para infringir a norma penal, visto serem
elementos psicológicos ou antropológicos estranhos à personalidade jurídica.
A partir desta concepção, os atos dos órgãos da pessoa jurídica se convertem em ações próprias da pessoa jurídica, em razão de que estes pertencem ao
sistema pelo qual a sociedade tratou de se organizar672.
No que tange à culpabilidade, conforme explica Zulgadía Espinar ba
seado nas tradições dos países europeus, existem três formas distintas de
fundamentar a responsabilidade penal da pessoa jurídica:
Pela primeira, que denomina de forma imprópria, permite-se que as con
seqüências econômicas do delito cometido por uma pessoa física (multa, indenização etc), sejam atribuídas à pessoa jurídica, se em seu nome e interesse
tenha agido a pessoa natural.
A segunda forma é denominada de “própria indireta”, que se verifica na
hipótese do delito ser praticado pela pessoa física e que dependendo do caso,
se permite que o mesmo seja imputado também à pessoa jurídica através de
sanções específicas. Dependerá que a ação humana apareça como demonstra
ção do ter atuado em nome e interesse da pessoa jurídica no contexto social.
Por fim, a forma “própria direta” de exigir a responsabilidade penal das
pessoas jurídicas é a que permite perseguir e sancionar de maneira imediata as
pessoas jurídicas, independente da responsabilidade, persecução e condenação
do seu representante legal673.
Tendo como meta a prevenção e proteção dos bens difusos, é inegável
que a sua tutela se tome mais eficaz a partir do momento que pessoa física e
jurídica sejam possíveis de serem alcançadas pela ação penal, afastando-se o
inconveniente de se compreender a responsabilidade penal da pessoa jurídica
a partir do reconhecimento preliminar da responsabilidade penal individual
Para Jakobs, resulta mais difícil determinar a culpabilidade da pessoa
jurídica674. Afirma o autor que a culpabilidade de seus órgãos não vincula a
responsabilidade da pessoa jurídica, pois esta não pode ser responsabilizada pelos atos realizados por seu órgão desde que não previstos no estatuto, ou por
672 JAKOBS, Günther. Derecho pena l parte general, p. 183.
673 ZULGADÍA ESPINAR, José Miguel. Capacidad de acción y capacidade de culpabilidad de Ias personas jurídicas. CPC, n° 53, p. 620.
674 Derecho penal - parte general, p. 183.
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ato cometido por pessoa estranha a ela. Deste modo, a pessoa jurídica se toma
culpável com relação à lesão dos bens jurídicos difusos, quando omite a ado
ção das medidas de precaução que lhe são exigíveis para garantir o desenvolvi
mento organizado e não delitivo dos propósitos da empresa, daí falar-se em
culpabilidade orientada às categorias sociais e jurídicas, podendo ser denomi
nada de culpabilidade por “defeito de organização”675.
Como bem aponta Zulgadía Espinar, deste modo não se pode afirmar
que a pena imposta à pessoa jurídica afeta a terceiros não-implicados na ativi
dade delitiva (ex. grupo de acionistas), já que a pessoa jurídica responderá porsua ação e culpabilidade676.
O núcleo desta culpabilidade, que é instrumental, reside na assertiva de
que a pessoa jurídica é responsável pelos fatos realizados por indivíduos, por
que ela e seus órgãos ou representantes não tomaram as medidas suficientes
de cuidado e que são necessárias para garantir um negócio ordenado e não
delitivo. Disso decorre que o delito cometido pela empresa surge como um
erro seu, em razão de que a mesma omitiu a adoção das medidas necessárias de
prevenção para garantir o desenvolvimento não-delitivo de sua atividade, as
sim se justificando a sua reprovação.Sobre a concepção de acoplar as sanções à pessoa jurídica pela falha de
organização, manifestou-se Roxin que esta produz “intensos efeitos preventi
vos”. Deste modo, pode-se observar que mesmo penalizando criminalmente a
pessoa jurídica, o Direito Penal aqui desenvolvido não perde a sua natureza
preventiva e ajusta-se aos ditames constitucionais eni vigor.
5 .11.5 Q u e s t õ e s em t o r n o d a pen a
Vistas até aqui algumas das questões em torno da teoria do delito que
norteiam o incessante debate sobre o tema da responsabilidade penal da pes
soa jurídica, necessário se faz que outras reflexões, agora referentes à sanção
penal,, sejam colacionadas.
Desde logo, no que se refere à pena e ao Estado Democrático de Direito,
deve a mesma guardar natureza preventiva geral e especial, a ser aplicada por órgão
675 ZULGAD ÍA ESPINAR, José Miguel. Capacidad de acción y capacidade de culpabilidad de las personas jurídicas. CPC, nfi 53, p. 624.
676 ZULGAD ÍA ESPINAR, José Miguel. Capacidad de acción y capacidade de culpabilidad de las personas jurídicas. CPC, n®53, p. 624.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 2 8 7
jurisdicional penal, em se considerando que a responsabilidade civil resulta insu
ficiente desde o ponto de vista preventivo para impedir a ocorrência de danos.
Assevera Schünemann, que legitima-se a sanção à pessoa jurídica basea
do num estado de necessidade de prevenção. Explica o autor que para seimpor pessoa jurídica uma sanção, deve estar presente uma real situação denecessidade de pena, verificada a partir de uma verdadeira ameaça ao bem-
jurídico, e que não se resolve com as habituais medidas existentes (sentença
cível e administrativa). Em consideração adversa, pode-se justificar a pena à pessoa jurídica como critério de fortalecimento do seu controle interno, al-
cançando-se o efeito preconizado pela prevenção especial.
Afastada mais uma vez a base ontológica deste sistema, aqui para a preven
ção geral negativa (teoria da coação psicológica ou intimidação), a pena possuiráa natureza preventiva, pois a sua aplicação fortalecerá o controle interno da em presa, alcançando-se assim o efeito pretendido, qual seja: a prevenção especial.
Contrário ao disposto neste esboço, e no sentido de sé destinar às pessoasfísicas e jurídicas o mesmo tratamento, a Lei n° 9.605/98, em manuseio de
técnica legislativa deficiente, destina às pessoas física e jurídica o mesmo tra
tamento legal, qual seja, equiparam as pessoas morais às pessoas naturais. Deste modo ambas devem estar amparadas pelas mesmas garantias formais. Com
isso se quer dizer que, para as pessoas jurídicas não basta uma cláusula geralque estabeleça as penas possíveis para este tipo de pessoa, necessitando, ou-
trossim, que sejam estas penas previstas taxativamente — numerus clausus —, em
acatamento ao princípio da legalidade, ou seja, cada fato típico deve contem
plar sua correspondente sanção para a pessoa jurídica.
Neste escopo, o art. 6o, I, da Lei n° 9.605/98, leva em consideração para
as pessoas física e jurídica os motivos da infração para impor e graduar a pena. Não obstante a isto, como bem assevera Klaus Tiedemann, introduzir por via
legislativa o conceito de culpabilidade da pessoa jurídica ao lado da culpabilidade tradicional é impossível desde o ponto de vista ideológico677.
Noutro aspecto, e considerando-se as penas em espécie, não se verifica
qualquer mácula pelo fato de não ser possível de aplicação à pessoa jurídica a
pena privativa de liberdade. E fato notório, desde Beccaria, que as penas de
677 Responsabifidad penal de personas jurídicas, otras agrupaciones y empresas em derecho
comparado. Jornadas sobre la reforma de la justicia, p. 41.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 2 8 9
Em suma, os princípios do Direito Penal são aplicáveis ao Direito Adminis
trativo sandonador por serem manifestação do poder punitivo do Estado. Quanto
ao princípio da culpabilidade, este também é pertinente ao Direito Administrativo sandonador por ser inadmissível um regime de responsabilidade objetiva.
Com a proposição de soludonar a questão, propõe Tiedemann, com o apoiode Otto, alargar o conceito de culpabilidade, denominando-a de culpabilidade
por defeito de organização (categoria sodal e jurídica). Sustenta esta teoria que os
fatos individuais (fatos de conexão) são vistos como fatos da corporação porque a
corporação omitiu (por meio de seus órgãos ou representantes), tomar as medidas
de precaução necessárias para garantir uma operação comerdal ordenada e nãodelitiva. Sobre este pressuposto, formula-se a reprovação à pessoa jurídica.
Uma segunda questão deduzida propõe a substituição da pena criminal
pela medida de segurança. A idéia que se verifica nesta concepção, é a de que
nos casos em que se envolvem as pessoas jurídicas, existe uma perigosidade
objetiva que justifica a aplicação de uma medida de segurança. Exemplos
surgem a partir da paralisação das atividades da empresa ou fechamento etc.
A Lei brasileira de proteção ambiental (Lei n° 9.605/98) segue tambémesta perspectiva ao enumerar algumas medidas de segurança, entre elas a proi
bição de contratar com o Poder Público, participar de licitações (art. 10),suspensão de atividades (art. 11) etc.
Contudo, surge a polêmica uma vez que pressupondo o estado de peri
gosidade fruto da ação ou da omissão realizada, esta é necessariamente indivi
dual. Portanto, se não há um fato de contato entre a pessoa física e a jurídica,
não se pode imputar a esta a medida de segurança.Enfim, várias são as razões que sustentam a imposição de penas criminais
às pessoas jurídicas. Fundamentalmente, são razões de índole preventiva geral e
espedal, de força simbólica que desenvolve o Direito Penal, do significado do
processo penal e da sentença penal condenatória, não sendo, de nenhum modo
alcançáveis pelo Direito Administrativo, tampouco pelas medidas de segurança.
Vale ressaltar que a imposição de pena à pessoa jurídica deve partir da
realidade sodal, isto é, do papel social desenvolvido pelas empresas, denominado pelos anglo-saxões de “corporate identiy”, independentemente da iden
tidade dos órgãos ou das pessoas que as compõem. Não se pode olvidar que é
a empresa que cria expectativas de comportamento nos membros da coletivi
dade, e não são os seus membros que a defraudam, senão a própria empresa.
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2 9 0 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
Portanto, se a sociedade atribui à empresa comportamentos reprováveis e
socialmente danosos, então a vigência do ordenamento jurídico deve reafir
mar-se por meio de medidas contra a própria pessoa jurídica, pois só assim a
norma estará restabilizada.Quanto à pena, levando-se em consideração a própria natureza da pessoa
jurídica, está só poderá ser de caráter patrimonial, categorizando deste modo asua função preventiva.
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6.1 As RELAÇÕES ENTRE O DIREITO MATERIAL E O DIREITO
PROCESSUAL. O PROCESSO PENAL FUNCIONALISTA
As questões e as dúvidas em tomo das relações entre o direito material e odireito processual não são novas. Interpretações conflitantes acerca da natureza de
institutos criminais682, historicamente, possibilitam a formação de concepções de
dependência ou autonomia do Direito Processual Penal frente ao Direito Penal.
Viu-se, com freqüência, ao longo do desenvolvimento das dogmáticas
jurídico-penal e processual penal uma notável desvinculação metodológica,
embora acredita-se, desde logo, que as relações entre o Direito Penal e o Di
reito Processual Penal sejam muito mais próximas do que as declaradas por
parte da doutrina. Para buscar a demonstração desta afirmação deve-se partir
da confrontação das funções destas duas áreas das ciências penais.
Tradicionalmente, ressalta a doutrina processual a função de atuação do
juspuniendi como instrumento da jurisdição de exercício exclusivo por parte
do Estado. Evita-se, assim, a autotutela pelo particular. Noutras palavras e no
mesmo âmbito de compreensão, submetem estes autores como objetivo do
processo penal a aplicação do direito material, ou seja, a punição do agente
culpável. E assim o processo instrumento do direito material683.Sob a vertente procedimentalista, busca-se uma atuação do processo pau
tada na economia, na celeridade processual e concentração dos atos instrutórios.
Destacando-se a configuração de um Estado Democrático de Direi
to, a função do processo penal não pode identificar-s^ exclusivamente com
a aplicação do jus puniendi, mas deve guardar respeito à proteção do direi
to à liberdade. Vê-se que o processo penal será neutro, pois tanto será o
instrumento do direito material como também restabelecerá a liberdade,garantia superior que é além de ser fundamento do regime democrático,
advindo da dignidade humana, ex vi do art. Io, III, da CF684. Por conse
682 O instituto da prescrição é exemplo marcante do dissenso doutrinário acerca de sua natureza, conforme Fábio Guedes de Paula Machado, in Prescrição pena!—prescrição fundonalista, p. 135-142.
683 DALIA , Andrea Antonio e FERRAIOLI, Marzia. Manuale d i diritto pnocessuale penale, p. 27. No mesmo sentido: Emst Beling, Derecho procesal penal, p. 19; Girolamo Bellavista, Lezioni di diritto processuale penale, p. 2; e Vincenzo Manzini, Istituzioni d i direitto processuale penale, p. 12.
684 GIMENO SENDRA, Vicente; MORENO CATENA, Vfctor; e CORTÉS DOM INGUES, Valentfn. Derecho procesal pena l, p. 26.
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qüência, privilegia-se a aplicação do princípio da igualdade na aplicação
da lei processual aos cidadãos685.
Mais recentemente, a proteção dos direitos da vítima mereceu maior im portância e atenção dos legisladores, fundamentando a reforma parcial do siste
ma penal e processual, orientando-os à satisfação de seus interesses, notadamente
o econômico, conforme se observa no microssistema processual estabelecido pela
Lei n° 9.099/95, além das inovações concebidas na Lei n° 9.714/98. Conver-
te-se o processo penal em um instrumento útil para a reparação da vítima.
Por fim, não se pode olvidar que a reabilitação do imputado é função
que assume o processo embora esta mais se aproxime da pena e da medida desegurança. Kg., vê-se na praxis que é no processo que desde logo se pode evitar
um contágio criminal entre imputados de diferente periculosidade no cum
primento de uma medida cautelar pessoal, ou no instante de aplicação de uma
pena privativa de liberdade curta etc. Ainda, há o processo de execução da pena que estabelece em seu art. I o, da Lei n° 7.210/84, ser seu objetivo a
integração social do condenado.
Em verdade, a multiplicidade de funções ou perspectivas do processo pe
nal apenas aparentemente se mostra inconciliável. Poder-se-ia cogitar que um
mesmo mecanismo jurídico, no caso, o processo penal, não poderia satisfazer, no
mesmo instante, tanto os direitos da sociedade ou do ofendido pelo delito, com
o do imputado. Entretanto, tal premissa não é verdadeira, e decorre que as
relações ou funções postas até aqui entre o direito material e o processual são
congruentes e se autocompletam, sem contudo perder o caráter formal.
Contudo, e acompanhando os avanços ocorridos na dogmática jurídico-
penal, mormente para superar os entraves ontológicos impregnados na teoria dodelito pelo causalismo e finalismo, a nova concepção jurídico-penal funcionalista
dota o sistema não apenas de valorações calcadas em política criminal, funciona-
lizando-o por completo, buscando uma melhor aplicação sem despreocupar-se
com a exatidão dogmática material. Correto que esta nova filosofia não deve ser
relegada exclusivamente ao Direito Penal.
Hoje, o Direito Penal e o Direito Processual Penal não devem guardar
distância entre si, ou absoluta independência de compreensão. Ao contrário,
685 LONZI, Gilberto. Lezion i di procedura penale, p. 4.
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devem pautar-se conjuntamente sob estrita obediência dos princípios consti
tucionais formais e materiais. Neste aspecto, acentua Fernando Fernandes,
“que sob os aspectos da política criminal as duas regulamentações estão numa
relação de complementariedade686, ou de relação mútua de complementarie-dade funcional, conforme prescreve Figueiredo Dias, ao asseverar que “a con
formação teleológica fundamental do direito substantivo exercerá influência
decisiva na concepção de Direito Processual Penal”687.
Diante desta premissa, pode-se junto com Roxin afirmar que a meta do
processo penal é proferir uma decisão sobre a punibilidade do imputado mate
rialmente correta, obtida de acordo com o ordenamento jurídico democrático, e,
por fim, que restabeleça a paz jurídica perturbada com a ocorrência do delito688.Sobre esta meta, vislumbram-se algumas possibilidades: as sentenças podem ser
obtidas de um modo irreparável desde o ponto de vista das garantias, porém ser
incorreta em seu conteúdo; podem ser corretas em seu resultado, porém em
infração ao ordenamento jurídico-processual, além da possibilidade de se obter
uma sentença incorreta no aspecto formal e material689.
Pode-se ainda assim dizer que a realização no processo penal garantista
do conteúdo preconizado pela moderna dogmática-jurídico penal ainda é asua maior meta.
6 .2 . É POSSÍVEL COMPATIBILIZAR O PROCESSO PENAL GARANTISTA
COM UM PROCESSO PENAL FUNCIONALISTA?
Concebido num Estado Democrático de Direito qòmo instrumento ga-
rantidor da liberdade, há de se indagar se o processo penal pode também ser
igualmente funcional.
Quanto às garantias, estas são instrumentos de restrição da violência e do
poder punitivo estatal, impondo a limitação dos tipos penais, do arbítrio dos
julgamentos e da aflitividade das sanções. O garantismo, como leciona Luigi
Ferrajoli, significa precisamente a tutela dos direitos fundamentais cuja satis
686 O processo pena l como instrumento de política criminal, p. 38. Leciona Roxin que sob
aspectos condutores da política criminal as relações de Direito Penal e do Direito Processual Penal estão sob uma relação necessariamente complementar. Derecho procesal penal, p. 6.
687 Direito processual penal, p. 28-29.688 ROXIN, Claus. Op. cit., p. 2-3.689 ROXIN, op. c it , p. 3.
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fação, ainda que contra os interesses da maioria é o escopo justificante do
Direito Penal. E a imunidade do cidadão contra a arbitrariedade das proibi
ções e das punições; é a defesa dos fracos mediante regras do jogo iguais para
todos; significa respeitar a dignidade da pessoa do imputado e, portanto, ma-terializando-se como garantia de sua liberdade690.
Acerca das garantias não se pode dizer que todas pertençam ao mesmo
patamar de importância de defesa do cidadão. Em sentido estrito, garantias
são aquelas que se referem diretamente, imediatamente, à pessoa. Em verda
de, urge acrescentar que no ordenamento jurídico sobressaem como corolário
do sistema garantista, garantias formais e materiais, sendo esta aquela que
retrata a necessidade de tutela da dignidade humana. As formais, que não se
vinculam a este tipo de tutela, podem dar espaço a uma maior operacionaliza-ção do processo em obediência a uma melhor política criminal. Pode-se assim
dizer que “garantias” necessárias são aquelas advindas da tutela da dignidade
humana, e que tomam-se eficazes para o funcionamento do sistema de justiça penal. Ao contrário, as denominadas garantias que apenas o são sob funda
mentação formal, são superpostas ou obtidas por derivação às reais garantias
processuais, e nem sempre se verificam diretamente e em respeito à pessoa.
Isto eqüivale a dizer que a não obediência a esta “garantia formal” afasta
a alegação de nulidade do processo, dado que o imputado terá, v.g., real opor
tunidade de defesa. Neste aspecto, v.g., a não ocorrência da possibilidade de
defesa preliminar pelo juízo criminal nas espécies de rito que a prevê691, não
enseja nulidade, em se considerando que o contraditório e a ampla defesa
terão a sua hipótese de incidência abrigadas pelo rito.
Desde o âmbito de um processo penal fundonalista, decorre que a norma
processual não está unicamente diredonada às limitações e garantias atribuídas
ao acusado, mas será estruturada de modo que não se tome obstáculo aos objetivos de política criminal de bons resultados. Entre Direito Penal e Direito
Processual Penal é certo que há uma unidade funcional, e que acarreta a aplica
ção simultânea de princípios. Por isto, no caso concreto, a melhor solução pro
690 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón, p. 851-854. Paulo Rangel ao abordar o tema afirma que a Constituição ao estatuir a liberdade não a restringiu, logo o intérprete não pode fazê-lo. Direito penal penal, p. 2.
691 Procedimentos: Lei ns 8.6663Í93, art. 104; Código de Processo Penal, art. 514 etc.
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cessual é aquela dada em harmonia com os postulados funcionalistas de Direito
Penal e em estrita observância às garantias materiais de processo ao cidadão.
Esta política criminal é cunhada a partir dos denominados princípios de
Direito Penal democrático. Princípios como o da intervenção mínima, ultima
ratio, da proporcionalidade, do direito penal mínimo, postos à disposição do
órgão público acusador, somados às teorias que afastam as bases ontológicas
do sistema penal, tomando-o meramente objetivo nos moldes das teorias da
imputação objetiva, ou da responsabilidade de Claus Roxin, permitem a ela boração de um juízo de censura sobre a intervenção do Estado, de qualquer
modo, diminuindo o seu âmbito de intervenção, conseqüentemente, obstan-
do a expansão do Direito Penal já denunciada por Silva Sánchez692, e manifestada pela “indústria legiferante” do Direito Penal simbólico ou demagógico.
6 .3 A NOVA FACE DO PROCESSO PENAL
Absorvidos os novos postulados para um processo penal funcionalista, mister
que se proceda a uma reforma legislativa, sem a qual impossível a adoção do
novo modelo. A argumentação de que a realização do direito material é um dos
fins essenciais do processo penal, exige que haja administração da justiça penal
funcionalmente eficiente. A simplificação dos procedimentos a serem estruturados pela racionalidade, oralidade, uma revisão do papel do Ministério Público
etc., são exigências não apenas para a real concretização do direito material, mas
são argumentações técnicas eficientes ao combate da criminalidade.
Na instrumentalização dos denominados princípios^penais democráticos,
faz-se necessário flexibilizar a regra orientada pelo principio da necessidade da
ação penal pública. Se é verdade que a Lei n° 9.099/95, estabeleceu entre nós
um microssistema processual voltado à justiça consensual, e em havendo recusa
à consensualidade previu um rito concentrado e pautado na celeridade e oralidade, é certo igualmente que o fim deste rito recai sobre a falácia da imposição
de “pena” sem a realização de um juízo de culpabilidade ou de necessidade de
pena, elementos integrantes do conceito reitor de responsabilidade de Roxin, e
que apontam para os fins da pena. Estes, aliás, não reclamam a punição de todoinjusto culpável, mas exigem uma reprovabilidade qualificada. Em sentido sis
temático, deve referir ao injusto e a culpabilidade como níveis valorativos, ao
692 La expansión de l derecho penal, p. 63-88.
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invés da aceitação de condições objetivas de punibilidade apenas693. Daí não
aderirmos ao formato da legislação hoje vigente.
O controle sobre a ação penal a partir da disciplina estabelecida no art.129, I, da Constituição Federal, deve ser exclusivo do Ministério Público,
cabendo aos órgãos superiores da sua administração a revisão sobre os casos dearquivamento, isto em correlação à matéria disciplinada aos inquéritos civis
públicos. Entende-se que, num processo de partes advindo de um sistema
acusatório pleno, o monopólio da “opinio sobre a formação prévia da culpa(lato sensu)”, é de exclusiva função do Ministério Público, que presidirá e
direcionará o trabalho de investigação policial.Por sua vez, não apenas a função jurisdicional do Estado terá a missão
garantista, também o Ministério Público a utilizará em sua máxima, notada
mente ao laborar juízo de admissibilidade a partir dos fins da pena. Esta base de
pensamento começa a motivar o legislador a reformar a lei processual penal.
Na Itália, a se ver pelo art. 125, da norma de atuação dò Código de Processo
Penal, e pelo art. 408, deste codex, estabeleceu-se uma discricionaridade “modera
da” ao Ministério Público, podendo o órgão estatal prescindir da acusação desdeque a investigação preliminar não apontasse elementos suficientes para mantê-la
em juízo. A afirmativa legal italiana é voltada aos casos de prova insuficientes.
Já na Alemanha, entende-se uma maior discricionariedade dada ao Mi
nistério Público, ao afirmar que as investigações que não oferecerem suficien
te motivos para o exercício da ação penal pública poderão ser arquivadas,
comunicando-se o sujeito desta providência, como disciplina o § 170, n° 2,
do Código de Processo Penal alemão (StPO).
Outros modelos apontam para uma redução do controle jurisdicional so
bre o inquérito policial ou peças de investigação, senão até mesmo uma divisão
deste controle com o órgão acusador. Porém, a nosso aviso, e em qualquer modo,
não pode e não deve a função jurisdicional do Estado controlar ou dividir o
controle sobre quem deva ser processado, em manifesta manobra de desrespeito
à função garantista notabilizada pela Carta da República ao Judiciário. Deve o
juiz manter-se afastado da formação do juízo de acusação, cabendo-lhe restrin
gir o exercício abuso de eventual ação penal em obediência aos mesmos princí
693 SCHÜNEMANN, Bernd. La culpabilidad: Estado de la cuestión. Sobre el estado de la teoria de l delito, p. 115.
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pios de política criminal já apontados, jamais acentuar a acusação ou dela tomar
parte direta ou indiretamente. Deve o juiz ser o fiel servo do direito de liberda
de, aqui entendido na sua máxima plenitude, inclusive para afastar a incidência
no sistema punitivo de processos sem justa causa.Além da revisão sobre a iniciativa da ação penal, tal como no processo
alemão, neste momento paradigma às discussões em tomo do novo perfil do
Ministério Público, fundamentalmente deveria o mesmo conduzir a investi
gação criminal694, ordenando detenções cautelares, seqüestros, ainda que por
abreviado espaço de tempo, com imediata comunicação ao juízo. Estas prer
rogativas estão alinhadas no Código de Processo Penal alemão (StPO) em
seus arts. 160 e seguintes.Tramitam no Congresso Nacional brasileiro algumas propostas de refor
ma do Código de Processo Penal, entre outras a que destina ao Ministério
Público o controle da investigação policial. Tema polêmico entre nós, sua
consecução ainda tardará dado aos interesses em tela, neste momento de abor
dagem desnecessária. Quanto à ordenação de detenções cautelares, para a sua
efetivação, somente após uma reforma da Constituição Federal por meio de
um processo originário, dada a exclusividade da função jurisdicional em de
terminar a custódia da liberdade do cidadão, excepcionando os casos de fla
grante delito onde qualquer um do povo pode, e a autoridade policial deve,
efetuar a autuação, conforme art. 5o, inciso LXI, da Constituição Federal.
Tecer críticas ao atual modelo processual brasileiro não é difícil. Apontar
excesso de formalidades no processo, ou a grande crimijàalidade, ou a escassez
de policiais, de membros do Ministério Público, da Magistratura e de serven
tuários, fazem parte de um discurso crítico diário. Atentando para a necessi
dade de reformular a estrutura processual penal, os “juízos rápidos” surgemcomo importante alternativa a superar as tão propagadas mazelas do sistema
processual penal brasileiro, e tendem a satisfazer algumas necessidades, carac
terizados que são pelos princípios da oralidade, imediação e concentração do
procedimento, sempre em respeito às garantias materiais do cidadão no pro
cesso. No plano processual, a sua implantação garante os direitos do imputa
do. Já na concepção de direito material, a sua verificação garante a aplicação de
2 9 8 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e i t o P e n a l
69 4 ROXIN, Claus. Posición jurídica y tareas futuras del ministério público. El ministério público en e l proceso penal, p. 54 e ss.
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determinadas necessidades de política criminal, possibilitando a prolação de
decisão materialmente correta sobre a punibilidade do agente. Por fim, no
âmbito jurisdicional, possibilita a prestação de um serviço dotado de eficácia
em função da tutela dos direitos do cidadão.E cediço que a demora no processo penal é aproveitada pelos sujeitos
infratores para subtrair-se do alcance da autoridade judiciária e, sobretudo,
para reiterar condutas criminosas, contribuindo para o sentimento geral de
impunidade e de flagrante desrespeito aos direitos civis. Noutros casos, o que
se vê é um excesso de prisão cautelar ao imputado, e não raras são as vezes em
que o sujeito é absolvido por qualquer uma das razões previstas em lei. Por
conseguinte, se o processo não fosse excessivamente lento, e, por conseguinte,
prejudicial à cidadania, não haveria de se pugnar pela imposição de um pro
cesso rápido, sem dilações probatórias indevidas, tornando-se, assim, hábil a
concretizar os fins da pena elencados pelo Direito Penal moderno.
Acerca da brevidade desejada no sistema brasileiro, estabeleceu a Lei n°
9.099195, a sua instalação apenas para os delitos com previsão de pena máxi
ma de 2 anos, contudo, permanece sob o processo “ortodoxo”, o julgamento
de sujeitos que se encontram presos cautelarmente, além de outras infrações
penais que não se inserem no contexto da Lei dos Juizados Especiais Criminais. Em sentido contrário a este, o Código de Processo Penal francês estabe
lece em seus arts. 393-397, que o detido seja julgado no mesmo dia de sua
autuação, desde que assistido por advogado, e que aceite fazer a defesa sem a
verificação de um prazo para a sua preparação. Isto porque naquele país, cons-
tatou-se a preferência a um julgamento rápido a aguardar uma prisão de du
ração incerta. Isto sem se falar na possibilidade de consenso entre as partes do
processo, o que implica numa mudança de postura do Ministério Público de
sujeito passivo quanto à aplicação da lei, a efetivo mediador do conflito esta belecido entre o Estado e o delinqüente.
Enfim, neste momento, o que se aponta é uma reforma substancial do processo penal, adotando em seu corpo critérios de funcionalidade. Aqueles
delitos com previsão de pena máxima a 8 anos, sugere-se o emprego do pro
cesso rápido, destarte, destinando às infrações mais graves uma marcha mais
prudencial e dilatada.
Esta mudança no sistema exige que o papel do Ministério Público no processo penal seja reformulado, a partir da superação a entraves constitucio
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delitos contra bens jurídicos difusos é necessário à sua tutela eficaz a amplia
ção das cautelares reais, em especial quanto a modalidade de seqüestro, po
dendo fazê-lo incidir em respeito ao injusto havido, assegurando,monetariamente, a futura reparação.
6.4 A VERIFICAÇÃO DA CULPABILIDADE E DA TEORIA DOS FINS DA
PENA NO PROCESSO PENAL.
Outro tema de grande importância para a teoria tradicional da culpabi
lidade é o que se refere ao momento de se determinar e individualizar a pena,
ex vi do art. 59, do Código Penal. E de se indagar o que deve influir na
valoração do acontecimento junto ao injusto do fato? Seguramente, a valora
ção não só se determina pelo resultado do fato e pelas circunstâncias concomi
tantes que conformam o injusto de ação, senão também, e de maneira essencial,
pelo conteúdo semântico e a importância que se atribua à culpabilidade pes
soal do autor. Precipuamente para estabelecer, empiricamente, uma pena jus
ta, e que por sua vez atenda a fins democráticos.
Para as concepções causai e final, a culpabilidade do autor é também o
fundamento da medição da pena. Ainda, indaga-se se fatores estranhos aofato podem ser levados em consideração na formulação da culpabilidade, ou
se isto acarretaria na renúncia total ao Direito Penal do fato e o retorno à
culpabilidade pela condução de vida ou de caráter. Por estas concepções, em
suma, o julgador analisa os móveis e fins do autor, a atitude que se despren
de do fato, a vontade empregada no fato, o grau de infração do dever, os
modos de execução e os efeitos culpáveis do fato, a vida anterior do autor,
suas circunstâncias pessoais e econômicas, assim como o seu comportamen
to posterior ao fato, e se o autor esforçou-se para reparar o ofendido, tal
como prescreve o art. 59, do Código Penal brasileiro, e no mesmo sentido o
§ 46, do Código Penal alemão (StGB). Enfim, trata-se de uma declaração
geral sobre a relação existente entre a determinação e os fins da pena, tam
bém chamadas de “causas finais de determinação da pena”697.
entendo que em se tratando de medida cautelar, e portanto de exceção, seu emprego apenas pode se dar a partir de sua previsão legal, até mesmo porque no sistema penal democrático efetuar analogia in matam parte é vetado.
697 Neste sentido: Claus Roxin, La determinación de Ia pena a Ia luz de Ia teoria de los fines de Ia pena. Culpabilidad y prevención en derecho penal, p. 93.
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Quanto aos fins da pena, e de maneira genérica, exsurgem as teoriasabsoluta e relativas da pena. Pela primeira, a pena serve à retribuição pelo
delito cometido. A pena é castigo. A partir do advento das teorias relativas,
alterou-se o objetivo da pena. Inicialmente, pelos positivistas, a pena foi vistacomo instrumento de prevenção, dado que o ser-humano delinqüente era um
ser anormal, daí advindo a necessidade de cuidados, entre outros através dainstituída medida de segurança, atribuindo-a como critério da prevenção es
pecial positiva, esta também vista pela (res) socialização pretendida.
Pela prevenção geral, inicialmente a modalidade negativa, destaca-se a
teoria da coação psicológica ou da intimidação de Feuerbach, servindo a pena
como instrumento de inibição ao cidadão que não perpetrou o crime. A meu
aviso, inconstitucional com a atual ordem democrática de proteção das liber
dades públicas. Quanto à acepção positiva, sobressaem as teorias motivacio-
nais, contratuais, além de outras que recebem conteúdos ditados pela dogmática penal, pela sociologia de Luhmann e pela filosofia de Habermas.
Com estas considerações, exalta-se uma incompatibilidade entre as concepções da culpabilidade na moderna teoria do delito e o conceito de culpabi
lidade para a medição da pena, tampouco aqui repercute a polêmica entorno
do determinismo ou indeterminismo698.
Noutro sentido, ao debater a aplicação dos postulados dogmáticos fiinciona-
listas no processo penal, nota-se uma dificuldade por parte de alguns profissionais
das ciências penais na sua plena compreensão. Praticamente porque alguns auto
res isolam as novas teorias do delito e da pena do Direito^Processual Penal, apli
cando o último tal como já se fazia no passado, em que a dogmática jurídico-penal
ainda não tinha sido depurada tal como é hoje, à exceção do aperfeiçoamento dos
mecanismos de garantias processuais do imputado.Concentram os pragmáticos seus esforços na busca da autoria e da materia
lidade em respeito ao devido processo legal, postergando ao segundo plano a veri
ficação “das teses excludentes da responsabilização penal”. Sem conseguir
compreender as novas teorias penais, as quais, aliás, exigem esforços e meditação,
os operadores da ciência penal não as conduzem à efetividade através do processo
penal, tomando-as próprias dos “professores de Direito Penal”.
698 Também: Tatjana Hõmle, La concepción anticuada de la culpabilidad en la jurisprudência y doctrina tradicionales de la medición de la pena. ADPCP, vol. LIV, 2001, p. 412.
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Buscando aproximar a dogmática penal funcionalista ao processo penal,
e no aspecto da já citada complementariedade, cita Fernando Fernandes a
precisão contida no § 153, do Código de Processo Penal alemão (S tPO), de
que o Ministério Público pode prescindir do processo penal com a autorização do Tribunal, se a culpa do autor for de pequena importância, e se não
existir interesse público na persecução. E, sequer precisará da aprovação do
Tribunal se o delito não estiver ameaçado com uma pena superior ao mínimo
legal combinado com as conseqüências mínimas ocasionadas pelo ato699.
O fundamento material da possibilidade de disponibilizar o exercício da
ação penal reside no fato de que a culpabilidade e a teoria dos fins da pena são
relevantes para o Direito Processual Penal, neste instante, particularmente no
que tange ao embate estabelecido com o princípio da obrigatoriedade700. Isso porque, constatada a culpabilidade diminuída, ou como prefiro, ausente a
responsabilidade penal através da falta de necessidade preventiva de pena, e
por conseguinte ausente o interesse público na persecução penal dos delitos
de iniciativa pública, dada a não-verificação de exigências preventivas geral
(positiva e negativa) e especial positiva de pena, caberia ao membro do M inis
tério Público utilizar a oportunidade de oferecer ou não a denúncia.
Em continuação, quanto à suspensão do processo, esta igualmente pode
se dar por razões político-criminais, ou como estratégia de persecução para se
alcançar um êxito maior na investigação criminal.
Se ao Ministério Público, nesta concepção, é facultada a disposição sobre
o exercício da ação penal, o Juiz não precisa, necessariamente, aguardar o pro
nunciamento ministerial para empregar as soluções ditadas pelo método fun
cionalista. Ou seja, em contrapartida, poderá o juiz rejeitar a denúncia ofertada
através do controle sobre a oportunidade, quando se convencer da desnecessi
dade de ulterior aplicação de pena em obediência à teoria dos fins da pena, emvista de que o fato narrado na peça acusatória, em conjunto com outros dados
trazidos pela investigação criminal realizada, assim apontam. Igualmente, poderá
fazer uso do mesmo raciocínio quando da prolação da sentença, oportunidade
699 O processo pena! como instrumento de política criminal, p. 38.----
700 Neste aspecto, o Código Penal austríaco (StGB), em seu § 42, contempla a possibilidade de o membro do Ministério Público utilizar da oportunidade para o não exercício da ação penal em caso de escassa culpabilidade.
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em que discorrerá, na motivação, sobre as razões de imprestabilidade ou ine
ficiência para a aplicação de uma pena701.
Não obstante ao exposto até aqui, serve esta complementariedade igualmente para manter regras e orientações próprias de cada uma destas ciências, até
porque aspectos próprios de cada qual não convergem entre si, em especial cita-
se as normas puramente procedimentais. Deste modo, mantém-se a autonomia
dos princípios específicos, e, por conseguinte, do próprio processo penaL
No Brasil, se críticas podem ser fartamente lançadas ao microssistema
processual inaugurado pela Lei do Juizado Especial Criminal, é certo que as
suas disposições surgem também da complementariedade de natureza políti-co-criminal das teorias do delito e da pena; isto é, dos institutos de Direito
Penal, notadamente quando o microssistema processual assimila uma solução
“menos gravosa” ao sujeito do que aquela anteriormente prevista pelo. ordena
mento processual ortodoxo, entenda-se: ação penal pública mitigada.
Quanto ao papel desenvolvido pela dogmática penal no âmbito funcio
nalista, discorre Rudolphi que o conteúdo das normas penais de conduta ou
sanção, devem determinar-se a partir dos fins e objetivos que se propõem a
realizar702. Com isso quer se dizer que o objetivo da intervenção penal recaisobre a resolução dos casos ocorridos no m undo real, a partir da adoção de um
modelo foijado em bases de política criminal, sem se olvidar da necessária
efetividade que se deve dar e reconhecer ao sistema criminal.
Sobre o tema, sustenta Mario Chiavario que “o conteúdo político crimi
nal deve, necessariamente, estar contido no processo jpenal, tornando-o da
mesma forma um instrumento eficaz na obtenção das finalidades primárias
do sistema punitivo estatal”703. Ou seja, a efetividade da dogmática jurídico- penal somente poderá ser alcançada se a mesma corresponder-se com um
modelo processual penal simétrico. A congruência entre ambos formará uma
unidade expressada através da relação de complementariedade funcional, que
701 Sem atentar especificamente ao ponto aqui esboçado, sustenta Antonio Magalhaes Gomes
Filho, a estruturação da motivação, p. 115-130.702 RUDOLPH I, Hans-Joachim. El fin del derecho penal del estado y Ias formas de imputación
jurídico-penal. Et sistema modemo de! derecho penal; cuestiones fundamentales, p. 81.703 Qu alche sollecitazione per un confronto. // nuovo codice de procedura penale visto
dalVestero, p. 18.
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deverá ser somada pela execução penal, constituindo o que denomina Figueiredo Dias de “direito penal total”704.
Neste aspecto, leciona Roxin que uma ordem de Direito Penal será tão boa (eficiente) na prática quanto lhe permita o procedimento para a sua rea
lização. E , ao inverso, uma regulação processual satisfatória não é possível quan
do não está concebida para o direito material705. Exemplificando, aponta Roxin
“que se a sanção deve ser aplicada principalmente segundo critérios preventi-
vo-especiais, isso deve ser tomado em consideração pelo Direito Processual
Penal por meio de uma configuração do procedimento concebida para inves
tigar a personalidade do autor, como precisamente o prevêem os planos dereforma para a nova regulação do juízo oral”706.
Percebe-se, pois, a necessidade de estabelecer-se entre a dogmática jurídi-
co-penal e o Direito Processual Penal uma comunicação, em razão de que este
não poderá deixar de atentar aos fins do Direito Penal. E, se o modelo que ora se
opta é o cunhado nas bases de um sistema teleológico-racional, esta comunica
ção igualmente será teleológica e valorada nas estruturas da política criminal.
Mesmo após a aproximação teórica dos Direitos Penal e Processual Pe
nal, resta afirmar que o momento de maior exaltação desta combinação refor
mulada é o da sentença, notadamente na sua motivação. Como leciona Antonio
Magalhães Gomes Filho, com o apoio de M anuel Atienza, “a motivação tem
a natureza de um discurso justificativo da decisão judicial, não apenas ampa-
rando-se nos antecedentes causais para explicar a decisão, mas sim de dar
razões que justifiquem a solução encontrada num contexto intersubjetivo”707.
Estas razões poderão ser fundadas no livre convencimento do juízo. Não
aquele que recai sobre a verdade dos fatos, mas sim o que recai sobre umaopção teórica dentre várias existentes. O juiz, ao estabelecer como base do seu
pensamento o funcionalismo teleológico-racional, decorrendo de seus postulados um contexto teórico aplicável ao caso concreto, entenda-se, v.g., teorias
da imputação objetiva ou da responsabilidade (Verantwortlichkeit), como ele
mento do delito ao lado do injusto, ou dos fins da pena no Estado Democrá
704 Direito processual penal, p. 23e ss.705 Derecho procesal penal, p. 6.706 Idem, p. 7.
707 A motivação das decisões penais, p. 116.
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306 - Cu lpab i li dade n o D i re i to P e n a l
tico de Direito, não apenas reafirma a função política da motivação das decisões judiciais708, mas estabelece o liame entre a dogmática jurídico-penal e o
processo penal através do discurso argumentativo.
Ultrapassadas as primeiras barreiras, centralizam-se as dificuldades dosestudiosos das ciências penais, e em particular dos processualistas penais e dos
juizes, em caracterizar na sentença a teoria dos fins da pena. O que se vê na praxis forense, em regra, é a repetição de dispositivos legais na sentença (art.59, do CP), e a manifesta ausência de fundamentação quanto aos fins da pena
que se impõe. Igualmente ausente a exposição de critérios quanto a própriadeterminação do quantum de pena.
Sobre este tema, Pallin, Albrecht e Fehérváry, efetuaram investigaçãoempírica e apuraram claramente a distância existente entre a teoria e a prática,afirmando, inclusive, que a dogmática exerce uma influência escassa no pro
cesso prático de decisão. Para estes autores, os práticos não desejam ver-se
limitados no campo da decisão devido a edificação de barreiras dogmáticas?09.
6.5 A DETERMINAÇÃO DA PENA
Quanto à determinação da pena ressalta-se a sua importância no contex
to geral, sendo que ela busca obter a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo delito, como também de poderfortalecer a consciência jurídica da comunidade, impondo ao autor do delito
não apenas uma sanção que “mereceu”, ou que corresponda à gravidade do seu
delito. Noutra vertente, a determinação ou a individualização da pena é amaterialização da teoria dos fins da pena. Alcançam-se tais fins a partir daelaboração de um processo psicológico, valorativo, mutável, e que absorve a
valoração da comunidade em dado momento político. E , não raras vezes, pautada em raízes moralistas, o que se rechaça, a propósito.
A partir do posicionamento de Roxin, constatada a culpabilidade e antes
de o juiz fixar concretamente a pena, deve verificar a sua necessidade. Quando
desnecessária, deverá dispensá-la710.
708 Idem, p. 79.709 A pena e a sua fixação na criminalidade grave na Aústria, p. 276, apud Hans-Heinrich
Jescheck, Evolución del concepto jurídico-penal de culpabilidad en Alemania y Áustria, op. cit., p. 13.
710 Pioneiramente no Brasil, Luiz Flávio Gomes e Antonio García-Pablos de Molina sustentam que o juiz poderá dispensar a pena se não se verificar a sua necessidade, nos termos do art 59, do
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Outrossim, aparentemente, este processo pode parecer impróprio em face da
dogmática jurídico-penal funcionalista, que pretende racionalizar ou fundonali-
zar a elaboração científica do processo de determinação da pena, e afasta qualquer
conotação moralista ou ontológica radical, pará então apegar-se à normatividade.Para a plena compreensão do tema, indispensável abordarmos alguns
aspectos acerca das principais teorias da medição da pena, para então infor
marmos uma concepção que oriente o juiz a determinar a pena com funda
mento no Estado Democrático de Direito.
A.) A teoria da margem de liberdade ou teoria do espaço de jogo
(Spielraumtheorie), dominante na doutrina e jurisprudência alemã sobre medição
da pena, considera que “não se pode determinar com precisão qual a pena
correspondente à culpabilidade”711, não porque exista uma magnitude penal que
se corresponda com o exato grau de culpabilidade e que, por nossas limitações não
possamos vê-la com claridade, mas em verdade porque esta magnitude não existe,
e por isto os adeptos desta teoria afirmam que ela se ajusta melhor à realidade do
ato de determinação da pena712.
Disso resulta que há uma margem de liberdade limitada em seu grau
máximo pela pena adequada à culpabilidade. Assim, o juiz não pode impor
uma pena que ultrapasse o limite máximo, isto é, que em sua magnitude ounatureza seja tão grave que se tome inadequada à culpabilidade713.
Sob outro sentido teórico, pode-se dizer que esta teoria afirma a existên
cia de imagem de pena adequada à culpabilidade714, e mais, o espaço de jogo
é composto por considerações preventivas especiais e gerais.
Código Penal. Neste sentido, cita que o perdão judicial é exemplo de dispensa judicial da pena. In D ireito pena! parte geral, v. 2, p. 574. Ocorre que esta afirmativa trás conseqüências metodológicas, ou seja, filiam-se os autores, a'nosso juízo, à concepção funcionalista roxiniana, que a propósito, estabelece o conceito reitor de responsabilidade, sendo este preenchido pela culpabilidade e necessidade preventiva de pena, como elemento integrante do conceito de delito ao lado do injusto. Rompe-se, portanto, com a adesão ao finalismo welzeniano, visto que esta concepção não contempla juízo de valor sobre a necessidade ou não de pena no seio da teoria do delito.
711 ROXIN. La determinación de la pena a la luz de la teoria de los fines de la pena. Culpabilidad y prevención en derecho penal, p. 95-96.
712 ROXIN, La determinación de la pena a la luz de la teoria de los fines de la pena. Culpabilidad y prevención en derecho penal, p. 96.
713 ROXIN, idem, p. 96.
714 HÕRNLE, Tatjana. La concepción anticuada de la culpabilidad en la jurisprudência y doctrina tradicionales de la medición de la pena. ADPCP, 2001, p. 402.
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Ou seja, esta teoria surge para explicar o fenômeno em tomo da determi
nação da pena e da retribuição da culpabilidade. Isto é, o juiz ao aplicar a pena
não pode ultrapassar a culpabilidade do fato, porque só deste modo se consegue atingir a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica
perturbada e fortalece a consciência jurídica da comunidade impondo ao autor do delito uma sanção que mereceu. Trata-se, então, de uma sanção que
corresponda à gravidade do delito715, embora o conceito de merecimento sejaalgo que surja naturalmente de forma individualmente considerada, baseada
na formação psico-social ou nos valores internos de cada pessoa, algo, portan
to, quase metafísico de se precisar.
Quanto a esta argumentação, é grande a distância havida entre a teoria e a
práxis, pois se numa construção teórica é fácil afirmar que a pena correta é aque
la que corresponde à culpabilidade, quantitativamente, deparamo-nos frente a
um problema sem solução, onde o julgador, a partir da análise do fato, e acresci
dos um conjunto de dados internos, fixará a pena, não tendo como explicar
pequenas variações na dosimetria da mesma, pouco importando no que se refere
à prevenção geral, mas sim no âmbito da prevenção especial. Aqui, pois, temos a
figura do condenado e da liberdade especificamente considerada, e qualquerfração de liberdade é de grande importância não apenas para o próprio condenado, mas principalmente para um Estado garantidor da liberdade do homem.
A pena adequada à culpabilidade, para esta teoria, é o instrumento de alcan
ce à finalidade politico-soáal, isto é, serve à prevenção geral no sentido de que a
condenação seja aceita pela sociedade como sendo justa, cofeborando na estabili
zação da consciênda jurídica716. E mais, enquanto a culpabilidade é o fundamen
to concreto para a determinação da pena, na margem de liberdade as considerações preventivas são verificadas, e estas deddem sobre a magnitude da pena.
Desse pensamento, é fácil perceber que, obviamente, é proibida a impo
sição de uma pena acima da culpabilidade, pois ela é o fundamento da deter
minação da pena. O problema reside, diz Roxin, em saber se é possível a
imposição da pena em grau inferior ao da culpabilidade, quando conveniente para obter a ressodalização do imputado717.
715 ROXIN. Culpabilidad..., p. 96-97.716 ROXIN. Culpabilidad...,p. 97-98.
717 ROXIN. Culpabilidad...,p. 104-105.
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Em bora a primeira resposta, por estrita coerência metodológica fosse da
proibição, mutatis mutandis, diz Roxin que os juizes alemães consideram a
culpabilidade como fundamento e não como ponto de referência da determinação da pena. Assim, esta situação é permitida por razões de prevenção espe
cial, possibilitando que uma pena inferior à culpabilidade seja aplicada nos
casos em que a pena correspondente à culpabilidade tenha um caráter preju
dicial à ressocialização, sendo o limite máximo da diminuição o necessário
para a defesa do ordenamento. Salienta-se que esta teoria não contém o res
paldo do Tribunal Supremo Federal alemão, que se m antém adepto da teoria
da pena adequada à culpabilidade, como sendo a teoria mais apta a manter a
confiança da população no direito718.
Conseqüência deste último posicionamento dogmático é que a proteção
de bens jurídicos só pode garantir-se em razão da adoção da teoria da pena
adequada à culpabilidade.
Percebe-se nesta teoria uma possibilidade de flexibilização no quantum
de pena fixada pelo juiz, e esta legitima a imposição de penas diferentes em
casos semelhantes dadas as variações estabelecidas a partir do convencimento
de cada juiz.Entretanto, fortes críticas são apresentadas a esta concepção teórica. In i
cialmente, porque a medição da pena determ inada pela prevenção (práventive
Strafzumessung) é vaga e imprecisa, a se perceber, v.g. no âmbito da crimina
lidade leve ou média, oportunidade em que dada a condição do autor a eficá
cia preventivo-geral e especial não ocorreria. Outra crítica argumenta que esta
construção esconde valorações subjetivas, e em determinadas circunstâncias
impregnadas de emoções e parcialidades do juiz penal. Enfim, a fundam enta
ção de uma pena adequada à culpabilidade é só o asseguramento posterior de
uma decisão que realmente dá assento às necessidades psicológicas de pena
(Strafbedürfnisse) para quem falha719.
Diz Tatjana Hõrnle que a teoria do espaço de jogo contribuiu de forma
relevante à precária situação de compreensão do conteúdo semântico do § 46,
Io, I, do StGB, que para nós corresponde ao art. 59, do Código Penal. Isto
718 Idem, op. cit., p. 105-107 e 117.
719 HÕRNLE, Tatjana. La concepción anticuada de la culpabilidad en la jurisprudência y doctrina tradicionales de la medición de la pena. ADPCP, 2001, p. 405.
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porque a presente teoria sugere a possibilidade de se alcançar uma harmonia
entre medida da pena e considerações preventivas, enquanto que, faticamente,
o operador jurídico necessita critérios para determinar a pena adequada à cul
pabilidade em uma determinada medida de pena720.
B.) Em contrapartida à teoria da margem de liberdade, sustenta a teo
ria da pena exata (Punktestrafe), que a culpabilidade só pode corresponder
a uma pena exatamente determinada. Aqui, justifica-se a diferença de opi
nião entre juristas quanto à fixação da pena dadas as diferenças do conheci
mento humano.
Certo é que precisar uma magnitude penal que corresponda com exatidãoao grau de culpabilidade é impossível de auferir. Isso porque o sentimento de
justiça da comunidade, ou a individualidade de cada juiz, e o seu conhecimento
humano, apontam distintas configurações. Neste contexto, também não se ob
serva a relevância a ser destinada à prevenção. Poder-se-ia considerar que os fins
preventivos seriam perseguidos apenas no processo de execução da pena, restan
do ausentes da própria cognição ou convencimento do juiz.
C.) Noutro sentido, ressalta Roxin que a teoria do valor do emprego, deHeinrich Henkel, leva em consideração duas perspectivas sucessivas e inde
pendentes no momento da aplicação da condenação: a retribuição da culpabi
lidade e a prevenção. Porém, atribuindo a cada qual um valor de emprego na
lei completamente diferente721.
Pela retribuição, baseia-se na determinação da magnitude da pena, isto é,
leva em consideração apenas o grau de culpabilidade, enquanto que a deter
minação da pena em sentido amplo, v.g. fixação de pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa, suspensão condicional da pena e liberdade
condicional, leva em consideração apenas aspectos preventivos.
Noutras palavras, a determinação judicial da pena (determinação da
magnitude da pena), abstrai qualquer critério preventivo, fixando-se apenas
conforme o grau de culpabilidade. Entendem os seus adeptos de que não é
possível empregar de modo cientificamente seguro considerações preventivas
na hora de se determinar a magnitude da pena.
720 Idem, p. 404.
721 ROXIN. Culpabilidad.../ p. 117.
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Pode-se, então, concluir que a retribuição da culpabilidade e os aspec
tos de prevenção surgem como graus sucessivos e independentes da deter
minação da pena.
Esta teoria também não está isenta de críticas. A primeira que se apresenta, é a que afirma as dificuldades em retribuir a culpabilidade e a prevenção em
diferentes estágios da determinação da pena. Isso porque se a determinação da
pena se rege pelos fins que esta deve alcançar, não há, em contrapartida, qualquer critério que possa justificar esta integral separação, haja vista que se a cul
pabilidade do réu só deve ser fundamento da determinação da pena, logo, os
aspectos de natureza preventiva se darão a partir de outros dados.
E certo que a lei alemã não categorizou neste sentido722, e, não obstante
a isso, no caso alemão e igualmente no brasileiro, há a previsão legal de umasérie de circunstâncias (comportamento anterior ou posterior do acusádo, da
vítima, motivos, fins etc.), que não determinam unicamente o quantum de
culpabilidade, mas orientam as necessidades preventivas. Assim, mais uma
vez a citada teoria fere a legalidade estabelecida.
Outra crítica afirma que o juiz ao formar o juízo condenatório, deve
considerar os efeitos da pena para a vida futura do réu em sociedade, portanto,
fins especiais. Então , a teoria do valor do emprego não pode ser utilizada, em
razão de que no momento da fixação do quantum, esta não se utiliza dosaspectos preventivos especiais, pois para si a culpabilidade do réu é o funda
mento da determinação da pena. Por conseguinte, a própria lei não dá suporte
à teoria do valor do emprego.
Acerca deste tema, d iz Roxin, que do ponto de vista teleológico, é difícil
conceber uma divisão em momentos diversos na análise entre retribuição da
culpabilidade e prevenção na determinação da pena, pois se a determinação da
pena se rege pelos fins da pena, não há nenhum critério normativo-valorativo
que justifique esta pluralidade, embora os defensores da teoria atacada con-tra-argumentem na assertiva de que não é possível empregar de modo cientí
fico e seguro, considerações preventivas no momento de se determinar a
magnitude da pena. Isto é, afirmam que num mesmo momento, o juiz não
tem como revestir-se de caráter repressivo e preventivo ao mesmo tempo.
722 ROXIN. Culpabilidad.../ p. 120.
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3 1 2 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
D.) Ao argumento de que as normas relativas à determinação judicial
da pena devem interpretar-se na linha de uma teoria normativa e comuni
cativa da prevenção geral positiva, afirma Bernardo Feijóo Sánchez a inexistência de uma medida ou quantificação universal sobre o que é uma
pena adequada à culpabilidade pelo fato, já que cada sociedade te m as
suas próprias necessidades preventivas. Por assim dizer, o princípio da cul
pabilidade só serve como limite aos aspectos que podem ser tidos em conta para incrementar uma pena723. Com isso quer se dizer que o m áximo da
pena dete rmin ado pelo ord enamento ju rídico não é condicionado pela
idéia de culpabilidade pelo fato, mas sim pelas necessidades preventivo-
gerais condicionadas por determinados valores da sociedade. Com isso o princípio da culpabilidade só exige que o sujeito esteja relacionado com o
fato delituoso para que seja aplicado. Já quanto à individualização da pena
serão utilizados dados inerentes ao delito, o que significa dizer que a teo
ria da determinação da pena serve-se de fatores relacionados com o injusto
e a culpabilidade, selecionando os dados ou fatores relevantes para efeito
de determinar a pena. Outrossim, significa dizer que dados que não tenham relação com o fato delitivo não podem ser considerados na fixação
da pena, ex.: reincidência, clamor público etc724.
E.) Na linha pautada na política criminal, compreende-se que na sen
tença condenatória, declarada pelo juiz a culpabilidade do réu, junto a esta
alcança-se a prevenção geral positiva, pois é ela quem tem por objetivo confir
mar à sociedade a inviolabilidade da ordem jurídica, e assjpi fortalecer a fide
723 Retribución y prevención general, p. 679.
724 Em sentido contrá rio, e desde a concepção psico lógica de Kõhíer, se sustenta que ahabitualidade de uma modalidade delitiva é elemento que incrementa o injusto ao aumentar o significado do fato para a coletividade. Eqüivale a dizer que o autor conhece o seu injustocomo sendo agravado, por estas razões a sua culpabilidade será maior. É o que ocorre nocaso do crime continuado e nos delitos cumulativos, onde há a acumulação de diversos delitos e reiteração de condutas. Para este autor o decisivo é só que o autor conheça o contexto social no qual realiza o seu fato. Aqui a pena será agravada em razão do significado para a vigência do ordenamento jurídico. Contudo, excepciona-se quando os autores das infrações reiteradas estão motivados por problemas advindos da própria sociedade, e se vêem obrigados a delinqüir para cobrir as suas necessidades básicas, v.g., furtos famélicos,
crises econômicas etc. Quanto à reincidência pode-se sustentá-la em obediência a considerações preventivo-gerais relacionadas com a maior quebra da confiança da norma por parte do reincidente, o que aqui se considera melhor do que justificá-la por considerações preventivo-especiais baseadas na perigosidade do autor. In Bernardo Feijóo Sánchez, Retribución y prevención general, p. 682-684.
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F á b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 3 1 3
lidade ao Direito pela população, e dela decorre os efeitos de aprendizado, deconfiança e de pacificação.
Tal como já exposto, a prevenção geral positiva alcança-se independente do quantum de pena a ser destinado ao réu, o que conduz a uma
pena moderada, diferentemente da noção que se empresta à prevenção
geral negativa, que necessariamente importa uma majoração de pena. A
luz da prevenção especial positiva, o juiz deve ter a sensibilidade de esti
mar a pena diante das necessidades do réu para se recompor à sociedade.
Aqui, destacam-se a composição autor-vítima, a reparação do dano com
esforço pessoal do réu, o trabalho de utilidade pública, a terapêutica res-socializadora da personalidade do condenado, formação profissional em
obediência à geografia econômica etc. Enfim, como anteriormente apon
tado, nesta estrutura o condenado é levado a sério como pessoa, havendo
um impulso motivacional que jamais receberia um condenado apenas sub
metido à reação estatal.
E certo também que amparar-se nos dispositivos da prevenção geral po
sitiva para a formação do juízo condenatório e sua fixação, faz surgir algumas
interessantes questões. Vejamos: se o autor está integrado socialmente masrealiza um injusto e a consciência popular mantém-se motivada a cumprir a
norma, por razões de prevenção geral não há porque impor-se uma pena pelo
ato cometido, v.g. estado de necessidade exculpante. Aqui o sujeito fica im
pune, embora tivesse condições de agir de outra maneira. Igual fundamento
recai sobre a inimputabilidade e o erro de proibição, ou seja, a falta de neces
sidade de prevenção jurídico-penal.
Esta teoria explica porque, em alguns casos o legislador castiga e emoutros não, em que pese o agente v.g. poder agir de maneira diferente a como
agiu, além de não se fundamentar na clássica polêmica do livre-arbítrio, tal
como fazem as já vistas teorias sobre a culpabilidade.
Analisando o famoso caso do pós-guerra, em que médicos a serviço do regi
me nazista mataram diversas pessoas portadoras de doenças mentais com o obje
tivo de salvar outro número indeterminado de pessoas, reconhece Roxin que subsisteo injusto em tais casos, embora figure posicionamento de exclusão da causalidade
pela diminuição do risco. Isso porque nada pode justificar que se mate um ino
cente, até mesmo porque não há como se saber se a ordem seria efetivamente dada
pelo responsável do extermínio. Daí por diante, reconhece-se a culpabilidade e a
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3 1 4 - C u l p a b i l i d a d e n o D i r e it o P e n a l
punibilidade, porque o autor estava em perfeitas condições de cumprir o manda
mento jurídico e se negar a participar da morte dos inocentes725.
Para a doutrina majoritária reconhecer a culpabilidade, diz Roxin, basta
que o autor estivesse em condições de empreender outra conduta, desviando-
se, portanto, das regras do Direito, não estando Welzel com razão quando, na
análise desta mesma questão, reconhecia a antijuridicidade, excluindo, entre
tanto, a culpabilidade na assertiva de que a ordem jurídica tem de se mostrar
indulgente, porque qualquer outro cidadão agiria como o autor726.
Para tal problema, a saída apresentada por Roxin é muito mais simples
de compreender, pois bastaria perguntar se esta conduta, reconhecida comoantijurídica, requer uma sanção penal por razões de prevenção geral ou espe
cial? A resposta seria não, seja pela singularidade do caso, seja pela finalidade
do autor em preservar bens jurídicos, exduindo-se, assim, a responsabilidade
penal, ainda que os autores fossem culpáveis727.
No exemplo a seguir, Roxin esclarece a dúvida em tomo do tema: “Se a
pena adequada à culpabilidade oscila entre dois e três anos, e se se parte do
ponto de visa preventivo, dois ou três anos são absolutamente equivalentes,assim, o juiz deverá manter-se no limite mínimo que lhe permite o marco de
culpabilidade e não poderá impor mais de dois anos de privação de liberdade,
pois quando um a pena de larga duração não assegura mais vantagens que uma
de menor duração, fica exduída sua aplicação pelo critério da proibição de
penas excessivas, porque dois anos de privação de liberdade são suficientes
para retribuir a culpabilidade”728. ^
E mais, no que tange à culpabilidade na determinação da pena, afirmaRoxin que esta tem um conteúdo diverso daquele inserido como fundamento
da pena, embora estejam unidas. Isto é, na culpabilidade como fundamento
da pena, discute-se se o autor deve ser ou não castigado, a partir da indagação
de se saber se pode o mesmo atuar ou não de outro modo, ou se é necessário
sancionar o seu comportamento729.
725 ROXIN. Culpabilidad..., p. 88.726 Idem, op. cit., p. 88.
727 Idem, op. c it , p. 88-89.
728 ROXIN. Culpabilidad.../ p. 127.
729 Idem, op. c it , p. 181.
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Em confronto com as posições tradicionais da culpabilidade, vale ressaltarque se pode perceber que Roxin não se afasta completamente da indemonstrável
“capacidade de reacionar frente as exigências normativas”. Contudo, a meu juízo, procura diminuir sua influência e importância no reconhecimento da culpabili
dade e das causas de sua exclusão e, por conseguinte, do próprio juízo de imputação subjetiva, sendo este o ponto de maior contradição do seu sistema. Tanto é
verdade, que o próprio Roxin afirma que a pena é a reação necessária sob o pontode vista preventivo a um comportamento que, apesar do autor possuir a capacidade de reacionar frente às exigências normativas, infringe a norma penal730, e mais,
para a constatação da capacidade de culpabilidade, requer-se “uma certa generali
zação normativa, orientada na exigência do ordenamento jurídico”731.
Na concepção roxiniana, um a vez encerrado o juízo de reprovabilidade,
não deve o juiz efetuar o mesmo raciocínio ao arbitrar a pena, mas sim realizarum novo raciocínio motivado com finalidades preventivas, pois a pena adequada à culpabilidade é um instrumento de prevenção geral, consolidando a
paz jurídica e a vigência das normas.
Por derradeiro, o princípio da culpabilidade requer que a pena não supere
a medida da culpabilidade, porém não exige que a pena deva alcançar em todocaso a medida da culpabilidade, podendo-se atribuir ao acusado uma pena ra
zoável desde a óptica da política criminal. Assim, nesta concepção, apenas a
conjugação da culpabilidade com a necessidade preventiva pode justificar a pena.Daí afirmar Roxin que “o Direito Penal mais adequado para a repressão do
delito na sociedade de um Estado liberal de Direito não é nem o Direito Penalretributivo nem o Direito Penal puramente preventivo, senão uma síntese de
ambos. Não se pode castigar nunca além das necessidades preventivas, porém
tampouco mais além da culpabilidade. A prevenção aparece limitada no DireitoPenal pela culpabilidade, porém a pena adequada à culpabilidade só pode im-
por-se nos limites da necessidade e conveniência preventiva”732.
Com o intuito de compatibilizar o texto de lei à teoria tradicional, parteda doutrina recorre à função indiciária destas circunstâncias para determinar a
culpabilidade no momento do fato, e, como alternativa a esta posição, se pro põe utilizar um conceito mais amplo do termo “fato” para a individualização
730 Idem, op. cit., p. 174.731 Idem, op. c it , p. 177.
732 ROXIN . Que queda de la culpabilidad en derecho penal? CPC, nQ30, p. 692.
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da pena, tornando possível outorgar relevância às condutas anteriores e posteriores vinculadas ao fato à culpabilidade733.
F) Em obediência a posição já manifestada, não há que se permitir oinchaço da concepção de culpabilidade com dados que não se constituamcomo integrantes do núcleo do fato, ainda que periféricos a este, tais como as
circunstâncias e conseqüências do crime. Se assim o fizermos estaremos reco
nhecendo no bojo do sistema que se pretende seguir a culpabilidade pelacondução de vida (Lebensfuhrungsschuld) e pelo caráter (Charaktersschuld),
concepções, a propósito, antagônicas à culpabilidade do fato.
Porém isso não quer dizer que as informações de natureza subjetiva e obje
tiva do imputado não sejam consideradas. A posição que sustentamos e que seharmoniza com o princípio constitucional e com a dogmática da culpabilidade, éa de que os dispositivos do art. 59 do Código Penal brasileiro referem-se aos
critérios da medição da pena, e estão centralizados nas circunstâncias pessoais do
autor, ainda que se refiram à instrumentalização dos fins preventivo-especiais.Também é verdade que os antecedentes do sujeito e o comportamento da vítima
referem-se unicamente à necessidade preventiva especial positiva de pena, e não aoconceito de culpabilidade como limite à função estataL Aqui, orienta-se o juiz na
fixação da pena servindo-lhe como limite, amparado nos postulados da políticacriminal, levando-se em consideração a vulnerabilidade do sujeito e a sua necessidade de se recompor perante a sociedade.
Outrossim, e lamentavelmente, não se pode olvidar que na práxis judiciária a medição da pena recai sobre os danos derivados do f^to, os antecedentes
penais do sujeito, a contrariedade ao dever, a vida anterior e o comportamento
posterior ao delito, o que exalta a apreciação da personalidade do autor (culpa bilidade pelo caráter e pela conduta de vida). Tem-se aqui, então, uma valoração
introspectiva da personalidade do autor. Ainda, o comportamento pré e pós-delitivo é citado na lei penal, e deve ser considerado enquanto atitude interna doautor no contexto da prevenção especial positiva.
De qualquer modo, e com o escopo de garantir uma harmonização entre a
teoria do delito e da medição da pena, a pena aplicável no caso concreto é fixada
pela reprovação dada ao injusto. O que significa dizer que a prevenção geral positiva foi alcançada, primeiramente com o decreto de condenação, em segundo
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733 ZIFFER, Patricia S. La discusion en tomo al concepto de culpabilidad. RPCP, n9 3, p. 287.
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lugar, com a fixação da pena base. A partir daí o que pode ocorrer é a sua dimi
nuição se presentes circunstâncias atenuantes ou causas de diminuição de pena.
Permitir-se tal como faz a legislação brasileira que fixada a pena base,que é aquela proporcional à reprovação do injusto, seja elevada por circunstâncias agravantes ou causas de aumento de pena significa manter o abismoque separa a teoria do delito da medição da pena, pois neste esquema circunstâncias pessoais negativas do imputado sobreporão à medida de reprovação doinjusto. Nota-se que, conseqüentemente, bane-se do sistema a acepção pre
ventiva especial negativa. Ainda que se pudesse justificar o acréscimo por necessidade de pena, ainda assim o limite da reprovação teria sido ultrapassado.
Isso quer dizer que na medição da pena volta a influenciar a valoração acercada atitude interna, não obstante esta teoria já tenho sido superada.
Posicionando-se o injusto do fato em primeiro plano e limitando as va-
lorações relativas à reprovação apenas quanto a sua diminuição, diz TatjanaHõnrle que a medição da pena será previsível e a prática judiciária será uniforme734. Neste aspecto, e partindo da legislação brasileira, o art. 59, do CódigoPenal, notadamente quanto aos móveis, fins do autor, vida anterior etc. deve
rão ser lidos como fatores de diminuição da culpabilidade, entenda-se medição da pena. Somem-se as circunstâncias atenuantes descritas no art. 65, doCódigo Penal. Não menos importantes serão as circunstâncias judiciais pró-réu, tais como sua adesão cultural, que fundamenta a sua capacidade de com
preensão e condução, estados de excitação, necessidade econômica etc., o quetambém pode ser entendida como culpabilidade diminuída.
Esta tomada de direção tendo por núcleo as circunstâncias pessoais doautor é denominada por Tatjana Hõrnle como “concepção personalizada da
culpabilidade”735, e tem a virtude de apaziguar a tensão dogmática existenteentre a culpabilidade como fundamento e medida da pena, isto porque o
injusto é o fator determinante da medida da pena e não haverá qualquer
influência da primeira sobre a segunda.
734 La concepción anticuada de Ia culpabilidad en Ia jurisprudência y doctrina tradicionales de Ia medición de Ia pena. ADPCPI/ vol. LIV, 2001, p. 419.
735 La concepción anticuada de Ia culpabilidad en Ia jurisprudência y doctrina tradicionales de Ia medición de Ia pena. ADPCPI, vol. LIV, 2001, p. 419. Sustenta ainda a autora que em sua concepção, a culpabilidade carece de importância para a medição da pena, ainda que pertença à nomenclatura usual. O mesmo ocorre com a expressão pena adequada à culpabilidade, ao invés, propõe as expressões "injusto culpável do fato" ou "pena adequada ao injusto e à culpabilidade", p. 424.
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C o n c l u s ã o
O surgimento da idéia de culpabilidade é um marco fundamental nodesenvolvimento histórico do Direito Penal, vista como autêntico instrumen
to de resistência ao poder ditatorial. Noutras palavras, a evolução da culpabilidade significou um freio complementar à coação penal e à realização detutela mais efetiva da liberdade humana, isso no âmbito político.
Acerca da primeira parte do desenvolvimento da culpabilidade, é certoque as suas raízes romanas fixaram-se na vigência do Direito Canônico, o qualacentuou a espiritualização do direito de castigar, destacando o momento sub
jetivo do delito. Diante desta premissa, o Iluminismo acéntou o nullum crimen sine culpa entre as garantias essenciais do Direito Penal liberal, visando afastar o
reconhecimento objetivo da responsabilidade penal do sistema jurídico-penal,não obstante o binômio responsabilidade moral e pena retributiva fundamentaram o sistema então vigente. Iniciada a segunda fase do desenvolvimento daculpabilidade com a estruturação dogmática em fins do século XIX e início doséculo XX, percorre-se uma crescente evolução em consonância com as modificações políticas e científicas experimentadas.
A partir da fundamentação dada pelo positivismo como modelo de su peração das concepções clássicas, desenvolveu-se o sistema clássico do delito,
também conhecido como sistema Liszt-Beling, construído a partir das constatações positivistas naturalistas, para o qual ciência é somente aquilo que se pode apreender através dos sentidos. De lá para cá diversas teorias acerca daculpabilidade foram concebidas, e todas receberam críticas, o que afasta qualquer composição doutrinária entorno do assunto.
O positivismo neokantiano e o finalismo welzeniano, no que tange aos fundamentos da culpabilidade, serviram-se da liberdade da vontade e do poder atuarde outro modo, para basear o juízo de reprovação. Sendo livre, o homem responde
rá pela responsabilidade de seus atos. Assim, o sujeito será culpável porque podiater se comportado de outra maneira, porém optou pelo injusto. Nesta conjuntura,culpabilidade é a reprovação que se faz ao autor porque ele se decidiu pelo mal, emque pese ter capacidade de eleger o caminho do Direito. A culpabilidade, nestateoria, é o juízo de reprovação baseado na estrutura lógico-real do livre arbítrio, do
poder agir diferente, em razão de que o homem é capaz de comportar-se de acordocom o Direito, e é responsável quando não age desta forma.
Críticas recaíram sobre esta metodologia de culpabilidade. Reconheceu-
se a indemonstrabilidade de sua estrutura material (liberdade e poder agirdiferente), seja porque empiricamente esta liberdade é impossível de verifica
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ção no processo, ou porque a culpabilidade é reconhecida a partir da atribuição do fato a outras pessoas (imaginárias) ao invés de fazê-la ao autor, para
somente então firmar-se o juízo de reprovação. Esta insegurança conceituaigerou a tão propagada crise da culpabilidade, trazendo junto a si a crise da pena, não havendo pena sem culpabilidade, tampouco Direito Penal legítimo.
Como forma de tentar superar a crise no conceito material de culpabilidade e do próprio Direito Penal, diversas foram as teses apresentadas com arrimona Filosofia e na Sociologia, entre outras a que destaca a participação cidadã no
processo legislativo. No campo dogmático jurídico-penal foram formuladas construções de união ou interrelação da culpabilidade com os postulados das teorias
relativas aos fins da pena, em manuseio de um discurso democrático.O modelo de culpabilidade proposto a partir da pessoa individual e da
política criminal, tem o apoio da estrutura democrática. Seu intuito é o deresponder desde considerações de prevenção geral e especial, à questão normativa de se estabelecer em que medida um comportamento ameaçado em princípio com uma pena requer em determinadas circunstâncias uma sanção penal.
Como conseqüência desta afirmação, tem-se, preliminarmente, a necessidade de reformulação do ensino jurídico, afastando-se deste o sistema fe
chado e de raízes neokantianas, que inibem a argumentação jurídica e privilegiam a praxis forense e os argumentos de autoridade.
A obediência ao método jurídico-penal concebido a partir das estruturas básicas do Estado Democrático de Direito deve ser buscada pelo estudioso doDireito, em especial do Direito Penal, zelando-se pela coerência sistemática eteórica, funcionando como critérios legitimadores desde é âmbito material eformal do Direito Penal.
Corolário da nova concepção é a reformulação do conceito de delito, inse-
rindo-se a responsabilidade como sua nova categoria. Esta alteração que não éapenas formal, tem também o objetivo principal de eliminar o problema daliberdade de vontade, já que somente trata de estabelecer se existem razões que
justifiquem a necessidade de se impor uma pena (Strafbedürftigkeir). Estasrazões devem ser determinadas a partir de aspectos de política criminal, ou seja,sob aspectos de prevenção. Assim, responde-se se o autor merece a pena emrazão do injusto cometido. Disso percebe-se que para o reconhecimento daimposição de pena, é necessário que as duas categorias estejam presentes.
Presente a culpabilidade, a sanção será necessária se estiverem presentes asexigências mínimas de prevenção geral, ou seja, será preciso considerar que a pena
deva ser suficiente para restabelecer a paz jurídica. Por outro lado, devem estar
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igualmente presentes as exigências de prevenção especial em favor do réu, isto é, desua reabilitação sodal. Com esta concepção, repudia-se a idéia de retribuição da
pena, propondo em seu lugar a idéia de uma prevenção integradora, que atuesobre o autor e que vise impedir a comissão de fatos futuros restaurando a paz
jurídica, dando ao povo a confiança de que sua “segurança” está salvaguardada,reafirmando-se as regras de convivênda humana contra as perturbações graves.
A culpabilidade deve ser entendida como a ação contrária ao Direito, apesarda existência de uma receptividade normativa por parte do autor. A culpabilidadedo autor será afirmada desde a presunção de que ele dispunha de constituição
psíquica capaz de lhe possibilitar compreender a norma, ou seja, evidenda-se seera possível ao autor psiquicamente e segundo as suas possibilidades de dedsãoum comportamento orientado na norma, sempre que dispunha das capaddadesfísicas que costuma ter uma pessoa adulta normal na maioria das vezes.
Esta hipótese é constatável empiricamente e responde à ciênda da experiên-da, pois analisa as capaddades motrizes intactas (Steuerungsfãhigkeit) e de acordo com a receptividade normativa (normative Ansprechbarkeit), e não como nomodelo anterior do “poder agir de outra maneira”, aliás, artífice da crise do concei
to de culpabilidade e, por conseguinte, da própria pena e do Direito Penal. Frisa-se que, na receptividade normativa, o agente é tratado como se fosse livre.
Pode-se assim afirmar que o conteúdo material da culpabilidade será
reconhecido a partir da acessibilidade intelectual do sujeito à norma, privile-giando-se a capacidade intelectual de cada ddadão para compreender a nor
ma penal no momento da prática do fato.
Para a consecução deste conteúdo, parte-se da presunção jurídica de que ocidadão possui capaddade de dirigir-se ou comportar-se conforme a norma (énecessário pressupor a liberdade e a capaddade de autodeterminação do homem, elementos advindos da idéia de dignidade da pessoa humana. Portanto, aresponsabilidade implica o reconhecimento da autonomia da pessoa frente aoEstado, como algo inerente à sua dignidade humana), tomando-se culpávelquando não adotar nenhuma das alternativas de conduta impeditivas do delito
e que lhe eram possíveis em atenção à sua individualidade.
Na metodologia aqui empregada, a culpabilidade não fundamenta mais a pena,
apenas possui a função de limitação da intervenção penaL A fixação da pena levaráem consideração a idéia de necessidade e critérios de propordonalidade de pena.
A prevenção geral positiva obtém-se com o dispositivo da sentença, isto
é, com a condenação, independentemente do quantum.
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Diante da confrontação da culpabilidade com as exigências preventivasde pena, é correto afirmar-se que os conceitos limitam-se, ou seja, ainda que
presente a necessidade de pena superior em obediência à prevenção, a culpa
bilidade a limitará, instalando-se no conceito de responsabilidade o autocontrole de cada qual de seus elementos.
Portanto, a função que deve cumprir a culpabilidade no sistema contem porâneo de Direito Penal é de delimitar a intervenção estatal na aplicação de pena, contribuindo para tornar o Direito Penal mais humano e ajustado ao
Estado Democrático de Direito. Desse modo, outras funções anteriormente atri buídas à culpabilidade, como a de fundamentar e dosar a pena, são atribuídas à
necessidade preventiva especial. Por conseqüência, para reconhecer-se a responsabilidade penal do agente, é necessário que a culpabilidade e as necessidades
preventivas verifiquem-se conjuntamente. Esta mudança de opinião proporcio
na, também, a reformulação do conceito analítico de delito.
A reforma do Código Penal brasileiro realizada em 1984, adotou o princípio da culpabilidade, o mesmo fazendo a Constituição Federal de 1988, contudo, não sendo pacífico doutrinariamente a sua exata origem, isto é, se advinda
do princípio da dignidade dà pessoa humana (art. Io, III, CF), ou da igualdade(princípio da igualdade real, que possibilita tratar desigualmente os desiguais — art. 5o, caput), ou do princípio da presunção de não-culpabilidade (art. 5o, LVII),havendo em comum que sua presença se faz obrigatória no Estado Democráti
co de Direito. Adota-se aqui o posicionamento de âmbito material de que surge
o princípio por meio do princípio da dignidade humana./
De acordo com os princípios reitores da nossa Constituição Federal no quetange ao Direito Penal, tem-se que a pena só pode fundamentar-se como legítima
nas suas acepções preventivas geral e especial positivas, assegurando a consecuçãodo fim útil de prevenção do delito mediante a convicção coletiva em tomo davigência das normas, reforçando os laços de integração é solidariedade social.
A partir desta verificação e, em se considerando o âmbito dogmático daculpabilidade, esta não pode mais ser compreendida como em épocas anteriores,
isto é, não é a mesma mais útil para a função assecuratória da retribuição moralque a tinha como fundamento da pena, sem ainda conseguir com sucesso res
ponder às críticas relativas às causas exdudentes da culpabilidade.Com isso toma-se necessário construir-se um critério dogmático harmô
nico com a atual estrutura constitucional, e esta estrutura não pode se legiti
mar apenas com a culpabilidade, mas também devem estar presentes as
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Fá b i o G u e d e s d e P a u l a M a c h a d o - 3 2 3
necessidades preventivas geral e especial positivas de pena. Esta constatação obrigaa reforma do já clássico conceito analítico de crime para considerar a culpabilidade e as necessidades preventivas de pena como institutos integrantes do conceito maior que é o de responsabilidade. Com isso, afasta-se do sistema qualquerconcepção de aplicação de pena ou sanção sem o reconhecimento destes conceitos. Em oposição a esta afirmativa, tem-se a peculiar situação prescrita na Lei n°9.099/99, ao atribuir “pena”, ou se preferir “sanção”, sem a presença da culpabilidade e das necessidades preventivas.
Para a efetiva aplicação da construção teórica apresentada neste trabalho,necessário se faz uma reformulação a partir do ensino jurídico, em especial daciência jurídico-penal, afastando-se os postulados positivistas, em troca inter
pretando o sistema como aberto e dependente dos princípios do Estado Democrático de Direito. Quanto à culpabilidade, o art. 59 do Código Penal deve serrelido normativamente, compreendendo os antecedentes do sujeito até alcan-çar-se o comportamento da vítima como dados referentes à determinação da
pena, servindo-lhe como limite os postulados da política criminal.
Marcando o desenvolvimento tecnológico contemporâneo, a pessoa jurídica passou a ser tema de grande importância para o Direito Penal, notadamente pelasreincidentes agressões aos denominados bens jurídicos de interesse da coletividade
(bens difusos), em destaque o meio-ambiente. Proliferaram-se teorias a favor e contra a responsabilização penal da pessoa jurídica, tampouco havendo consenso argu-
mentativo nas teorias pro responsabilidade penal. De qualquer modo, a decisão político-criminal de introduzir a responsabilidade penal da pessoa jurídica é correta.
Necessário se faz a construção de um sistema penal e processual penal aptosa abrigar esta inovação, sendo impossível atribuir à pessoa jurídica o mesmo siste
ma penal atribuído à pessoa humana, visto que este foi concebido a partir decaracterísticas humanas. Esta reformulação deve partir do conceito de sujeito, su
perando o dogma advindo das capacidades do indivíduo. Para o Direito Penalmoderno, o sujeito é aquele que seja competente para a ação, e não necessariamen
te o sujeito que realizou a ação. Logo, se as ações foram impostas pela pessoa jurídica ao seu órgão, as ações deste são ações da pessoa jurídica e não suas. Nestecontexto, as disposições contidas nos estatutos são condições indispensáveis e indisponíveis da ação da pessoa jurídica. Por exclusão, se a ação não se atém aoestabelecido no estatuto da pessoa jurídica, estas devem se encontrar desculpadas.
De acordo com a interpretação sistemática, ressaltando-se que noutros cam
pos do Direito é reconhecida a titularidade da pessoa jurídica para desempenhar
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atividades e obrigações, notadamente em se considerando que consubstancia-se oDireito Administrativo sancionador como uma das manifestações do jus puniendi
do Estado, faz-se necessário a comprovação da. culpabilidade administrativa paraa imposição de uma sanção administrativa, inadmitindo-se um regime de respon
sabilidade objetiva. Precisamente no âmbito penal tem-se reconhecida a culpabi
lidade da empresa, quando esta omite a adoção das medidas de precaução que lhe
eram exigíveis para garantir o seu desenvolvimento organizado, daí falar-se emculpabilidade orientada à categoria jurídica, podendo ser denominada de culpabi
lidade por defeito de organização.
A pena a ser aplicada à pessoa jurídica pela prática do delito, também
tem natureza preventiva, pois busca necessariamente evitar que futuros fatosdelitivos sejam praticados pelo sujeito, e não poderá ser imposta à pessoa jurí
dica se esta não omitiu a adoção das medidas de precaução previstas para
garantir o desenvolvimento legal de sua atividade.
A conseqüência prática da estrutura aqui esboçada permite explicar que as
tradicionais causas de exculpação estão envolvidas por acepções preventivas, daí a
teoria neodássica ou finalista de a culpabilidade não conseguir explicar com suces
so o estado de necessidade exculpante, o limite de idade da responsabilidade criminal, a ação por consdênda, a desobediênda dvil, entre outras. Teoricamente, o
próprio eiro de proibição pode ser afastado do sistema se se atenta à possibilidade
de consulta pelo sujeito, e mesmo assim o agente realiza o comportamento ilídto.
Permite esta construção dogmática estabelecer a cooperação entre culpa
bilidade e prevenção, além de, satisfatoriamente, explicar cé casos de exclusão
da responsabilidade criminal que não estejam previstos em lei, e que possuam
condições de agir diferente. Esta nova teoria permite entender o Direito de
maneira certa, radonal e constitudonal.
Por fim, ante a imprestabilidade de a culpabilidade servir à fixação da
pena, em destaque a redação do art. 59, do Código Penal, tem-se que repsovado
o injusto e acessível o sujeito à norma, fixa o juiz o quantum de pena a se consi
derar as necessidades preventivas de pena, em espedal atenção à pessoa do infra
tor, pormenorizadamente, porém limitada que estará à impossibilidade de
majorá-la por meio de circunstândas agravantes. Isso implica dizer que a repro
vação do injusto estabelecerá o máximo da pena atribuível ao caso concreto, emestreita vinculação à particular situação do sujeito, a qual não poderá ser elevada.
Para tanto, há de se reformar o art. 61, do Código Penal, ou negar-lhe eficácia.
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